rede são paulo de · ... a censura salazarista em portugal e o patrulha- ... entre arte e poder,...

21
Rede São Paulo de Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio São Paulo 2011

Upload: phamquynh

Post on 10-Feb-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Rede So Paulo de

Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

So Paulo

2011

UNESP Universidade Estadual PaulistaPr-Reitoria de Ps-GraduaoRua Quirino de Andrade, 215CEP 01049-010 So Paulo SPTel.: (11) 5627-0561www.unesp.br

Governo do Estado de So Paulo Secretaria de Estado da EducaoCoordenadoria de Estudos e Normas PedaggicasGabinete da CoordenadoraPraa da Repblica, 53CEP 01045-903 Centro So Paulo SP

Klee, Paul, Southern (Tunisian) G

ardens, 1919, Watercolor9.5 x 7.5 in. , C

ollection Heinz Berggruen, Paris

http://www.artchive.com/artchive/K

/klee/tunisian.jpg.html

Arte e Filosofia da arte

no mundo contemporneo

sumrio tema ficha notas

SumrioVdeo da Semana ...................................................................... 3

Arte e Filosofia da arte no mundo contemporneo .........................3

4.1 O sentido humano da arte ....................................................................3

4.2 Arte e poder ..........................................................................................6

4.3 A idade mdia .........................................................................................9

Bibliografia ............................................................................ 14

Notas ..................................................................................... 16

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

3

sumrio tema ficha notas

Vdeo da Semana

Arte e Filosofia da arte no mundo contemporneo

4.1 O sentido humano da arte

Quando se trata de arte contempornea difcil fugir de alguns lu-gares-comuns. Creio que o mais comum deles o mictrio. Explico: o mictrio que Marcel Duchamp apresentou sob o ttulo de A Fonte em 1917 comisso organizadora da exposio da Sociedade de artis-tas Independentes de Nova Yorque. A comisso, que havia declarado a inteno de expor todos os trabalhos submetidos, recusou a Fonte de Duchamp, aps acirrada discusso sobre se aquilo era mesmo arte. Um urinol no exatamente um milagre de beleza: na verdade preciso no ter a cabea no lugar para chamar de bela uma coisa que at nos

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

4

sumrio tema ficha notas

recintos mais decrpitos precisa ficar escondida. Muito menos sublime! E no entanto ele se nos apresenta como obra de arte, ou seja, como algo capaz de ser objeto de nossa considerao esttica! Como possvel? Ou antes: possvel?

Sim, leitor, possvel, pois, conforme j vimos, a considerao esttica no instaurada pelo objeto que contemplamos, mas pela nossa atitude diante dele, e essa atitude pode, em princpio, incidir sobre qualquer objeto. Nesta atitude, como tambm j vimos, a existncia material do objeto, sua existncia como coisa, posta em suspenso, esquecida, para que nos concentremos apenas na maneira como ele se apresenta a ns. O objeto que consideramos es-teticamente, mesmo que esteja diante de ns, est tambm a uma distncia intransponvel: no podemos toc-lo, mas s contempla-lo; ele deixou de habitar o mundo das coisas, tornou-se pura aparncia que solicita e estimula nossa capacidade de apreender e compreender. Assim se nos depara o mictrio de Duchamp. O vu da arte o salvou do fado inglrio de seus seme-lhantes: no mais um mictrio, tornou-se um ponto de interrogao, um enigma. Decerto no estimula a nossa capacidade de apreenso da forma, mas, exatamente porque se apresenta como obra de arte, ele desafia nossa capacidade de compreender e pensar. A regio em que se d a experincia esttica deslocou-se dos sentidos para o pensamento, tornou-se conceitual1. O urinol nos interpela., exige, no dejetos, mas respostas!

A Fonte de Duchamp se apresenta, dizamos, como obra de arte, mas parece ser exatamente o oposto de tudo o que se costuma entender como arte. Por isso, a primeira pergunta que nos lana em rosto precisamente essa: que a arte, afinal? Na verdade, no incio do sculo XX essa pergunta j se havia colocado por si mesma para todos os que lidavam com arte ou se interessavam por ela. E no era apenas o cinema e as vanguardas que a punham na ordem do dia: era a prpria histria da arte. Pois o iconoclasmo vanguardista, que j ento havia posto de cabea para baixo quase tudo o que se entendia por arte, no era seno uma conseqncia his-trica da prpria afirmao da autonomia das artes, consolidada ainda no sculo anterior: se a arte almejava de fato ser livre, ento no poderia ficar presa a nenhum padro pr-estabelecido, o que a obrigava a pr em cheque, reiterada e sistematicamente, seus fundamentos.

Mas tambm essa reivindicao de liberdade e autonomia da arte do sculo XIX pode ser vista como conseqncia de um longo movimento histrico, que tem incio com a arte grega, ou, diro alguns, com os bises e mamutes pintados nas paredes das cavernas. Neste decor-

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

5

sumrio tema ficha notas

rer histrico, a arte transformou-se drasticamente, tanto em seu aspecto exterior como no significado que os homens lhe atribuam, tanto na funo que desempenhava na vida deles quanto em sua relao com as outras manifestaes do esprito humano; de modo que quem, por volta de 1900, olhasse para o passado da arte, teria de ser assaltado pela mesma pergunta que a Fonte de Duchamp nos colocou h pouco. Antes do mictrio, a histria da arte j nos indagava: que a arte, afinal?

Mas em meio a toda transformao por que passou a arte durante sua histria, uma coisa se preservou: em todos os tempos ela, mesmo sem o saber, deu um testemunho sobre a experin-cia humana. A arte sempre foi um veculo expressivo por meio do qual os homens externaram alguma coisa de sua experincia existencial. A pintura rupestre, a esttua grega, a catedral medieval, o coral renacentista, o quadro barroco, a pea de Racine, tudo isto traz em si uma mensagem sobre o que foi ser gente em um determinado lugar e um determinado tempo. Na arte, os homens de todas as pocas deixaram registrada sua maneira peculiar de sentir e de lidar com seus sentimentos: seus amores, esperanas e seus temores esto ali consignados; registraram tambm na arte sua reverncia s potncias sobrenaturais ou seu grito de adeus s divindades; sua maneira de relacionar-se com a natureza e com o prprio corpo. Em suas obras se expressa por vezes a opresso da vida sob o peso estafante do trabalho, sob o ltego da fome e a violncia das tiranias. Mas a arte tambm pode revelar as formas pelas quais os homens conseguiam, pelo menos por alguns instantes, livrar-se de todas as mazelas e gozar da vida e dos prazeres que ela oferece.

Isto ainda assim no tempo dos ready-mades, da msica concreta e das instalaes e ha-ppenings artsticos, com a diferena de que o artista contemporneo j se utiliza muito mais conscientemente do potencial revelador que a arte tem sobre a experincia humana: de caso pensado, ele envia em suas obras uma mensagem posteridade sobre o que existir como ser humano na nossa poca. O mictrio no belo como uma esttua grega, mas no sculo XXV ele poder talvez revelar tanto sobre ns quanto a esttua sobre os gregos.

A arte eminentemente sensvel, e, enquanto tal oferece-se imediatamente aos sentidos de todos os homens. A experincia que ela proporciona s ela pode proporcionar, pessoal e intransfervel. Tambm por ser sensvel, ela no necessita de nenhum discurso que a explique. A rigor, no se pode explicar uma obra de arte, nem traduzi-la em palavras ou por qualquer

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

6

sumrio tema ficha notas

outro meio. Do contrrio no se justificaria sua existncia como obra de arte: sua explicao j seria o bastante. Mas se nosso interesse no apenas desfrutar da experincia artstica, mas tambm aprender com ela sobre a experincia humana, o discurso deve vir em nosso auxlio. O discurso no pode esgotar o sentido da obra de arte, mas por isso mesmo ela est sempre a provocar o discurso. No podemos explicar a obra de arte, mas nada nos impede de falar sobre ela. E precisamente falar sobre a obra de arte com o fito de apreender seu sentido humano tarefa precpua da filosofia da arte. E o que a arte? Deixemos que a arte mesma o decida.

4.2 Arte e poder

Sempre que ouo a palavra cultura destravo logo a pistola. A prola costuma ser atribuda a Hermann Gring, erroneamente, ao que parece. Mas um daqueles casos de se no disse, podia ter dito, pois a frase traduz muito bem a atitude do alto escalo nazista em relao cultura, e especialmente arte. A malta criminosa que tomou o poder em 1933 na Alemanha destravou no s a pistola, mas tambm as portas de entrada dos campos de extermnio para centenas de artistas, forando outros tantos imigrao. No que os nazis desprezassem o poder da arte. Muito pelo contrrio: souberam muito bem utiliza-lo como meio de manu-teno de seu prprio poder poltico. O que detestavam era somente a autonomia da arte e a liberdade de expresso artstica. Para eles, a arte, devia apenas propagandear os valores e a viso de mundo do regime, e qualquer outra arte tinha de ser banida, como arte degenerada, bolchevista ou judaica.

Mas nada disso foi privilgio alemo. Basta lembrar os maus bocados que passou um Schos-takowitch ou um Soljenitsin sob o regime sovitico, o qual, alis, chegou a produzir uma arte propagandstica constrangedoramente semelhante dos nazis. Neste tpico merece meno tambm o famoso Livro Vermelho de Mao, a censura salazarista em Portugal e o patrulha-mento absurdo e obscurantista a que as artes nacionais estiveram submetidas durante o regime militar brasileiro. Em todos os casos a frmula a mesma: uso ostensivo das virtudes propa-gandsticas da arte e banimento de toda forma de expresso artstica destoante do discurso oficial.

Assim, nem preciso que a filosofia se pergunte se a arte tem a ver com o poder: os ditado-res j o responderam claramente. O que ela pode e deve perguntar como se do as relaes entre arte e poder, e como relaes de poder se expressam na arte.

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

7

sumrio tema ficha notas

A arte uma prtica social. Uma arte individual ou privada no passa de absurdo, pois arte pressupe sempre interao e comunicao entre pessoas. Como prtica social, ela se in-sere no contexto geral de todas as prticas sociais, no funcionamento do todo social de que faz parte. Mas este todo se sustenta sobre uma imensa rede de relaes de poder. Por meio da tecnologia, a sociedade afirma seu poder frente natureza, dominando-a e transformando violentamente seu aspecto, nesse processo ininterrupto pelo qual o trabalho preserva e recria diariamente o mundo em que os homens vivem. O mundo do trabalho, por sua vez, tambm se constitui a partir de relaes de poder: o poder do senhor sobre o escravo, do nobre sobre os trabalhadores feudais e do patro sobre seus assalariados. Mas h tambm o poder que um g-nero exerce sobre outro, o poder que o pai exerce sobre os filhos, o que uma etnia exerce sobre outra, etc. Todas essas relaes de poder se apiam objetivamente no Estado, que com suas leis e tribunais se apresenta como encarnao concreta do poder do coletivo sobre o indivduo; mas tambm se apiam subjetivamente na prpria conscincia do indivduo, que geralmente no tem outra alternativa a no ser aceitar o mundo tal como . Por isso, acaba por internalizar as relaes de poder criando formas de pensar e sentir que o possibilitam viver de acordo com a realidade exterior.

Ora, os homens que produzem e vivenciam a arte so os mesmos que tambm participam de todos esses outros aspectos da vida social, e por isso inevitvel que as relaes de poder que eles estabelecem entre si e com a natureza se reflitam no plano artstico. A mesma tecno-logia com que eles, em uma determinada fase da histria, dominam os processos naturais nos campos ou nas indstrias tambm a que, nesta mesma fase, d suporte produo e veicula-o da obra de arte. O mesmo Estado que os disciplina e coage em suas relaes interpessoais tambm administra a vida artstica e controla a seu favor, em menor ou maior grau, o contedo das obras a que o pblico deve ter acesso. As classes e setores da populao que se digladiam no campo social e econmico tambm se separam no campo artstico, cada qual produzindo e consumindo a sua prpria arte. Por fim, as idias que os homens expem em suas obras ar-tsticas no podem ser outras seno aquelas por meio das quais eles compreendem o mundo em que vivem, e que, assim como esse mesmo mundo, j esto marcadas por relaes de poder.

Tal espelhamento de relaes de poder na arte pode ser notado desde a Grcia antiga at o tempo dos regimes totalitrios, com a diferena de que nas pocas passadas isto ocorria ir-

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

8

sumrio tema ficha notas

refletidamente e sem que os artistas chegassem a ter clara conscincia do fato, enquanto que no sculo XX os ditadores serviram-se conscientemente da arte como de um instrumento de propaganda e afirmao do poder.

Mas no se deve concluir daqui que a arte tenha sempre de docilmente dizer amem s re-laes de poder que se estabelecem no todo social. Como dissemos no tpico anterior, a arte expressa a experincia humana em geral, e a esto includas tanto a experincia dos dominan-tes quanto a dos dominados. Prazer e sofrimento, satisfao e perplexidade ganham expresso na vida artstica; tanto aceitao tcita do poder quanto resistncia e protesto contra sua injustia podem ali se exprimir2. A arte um campo de batalha onde tendncias libertrias e tendncias retrgradas se cruzam e se confrontam. Tambm neste campo entram em luta as foras que decidem sobre os destinos do homem.

No sculo XX, esta luta foi travada de forma consciente. Pois, paralelamente utilizao da arte como veculo de propaganda e instrumento de poder pelos governos totalitrios, toma corpo, j nas primeiras dcadas do sculo, uma concepo de arte que pretendia dar voz s rei-vindicaes sociais das classes sociais menos favorecidas, bem como difundir as idias preconi-zadas pelos movimentos revolucionrios que visavam a abolio da estrutura classista da socie-dade. a arte engajada, que vemos encarnada no teatro de Brecht, na poesia de Maiakwski, no cinema de Eisenstein e, entre ns, por exemplo, na literatura de um Graciliano Ramos, na poesia de uma Patrcia Galvo e no teatro de um Augusto Boal.

A partir da segunda metade do sculo XX, os projetos socialistas perdem progressivamente seu poder de mobilizao das massas, bem como a adeso de considerveis parcelas da intelec-tualidade, mas a idia de uma arte engajada mantm-se forte e presente. Seu conceito amplia--se de modo a abranger tambm as mais diversas demandas e lutas sociais: o que hoje em dia se apresenta como arte engajada volta-se para a defesa das minorias, a denncia sobre violaes dos direitos humanos, o protesto contra as opresses de carter tnico ou nas relaes de gnero, e ultimamente tambm a questo ambiental vem ganhando aprecivel espao neste campo.

Tal concepo artstica vem, desde seus primeiros tempos at hoje, produzindo obras de inegvel valor esttico e de profundo contedo tico. Mas nada disso a torna imune ao ques-tionamento crtico de uma filosofia da arte consequente. Precisamente suas realizaes artsticas e sua fora levantam questes importantes no plano filosfico, especialmente no que concerne

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

9

sumrio tema ficha notas

ao problema da autonomia da arte. Pois o atrelamento da arte a uma causa especfica, por mais justa e nobre que seja, no significa uma restrio da liberdade artstica? No representar talvez uma renncia sua sagrada independncia e a subservincia a critrios exteriores ao fazer artstico? A estas questes deve responder no s a prpria arte, mas tambm a filosofia da arte.

4.3 A idade mdiaNo po de acar de cada dia

Dai-nos senhor a poesia de cada dia(Oswald de Andrade - Escapulrio)

Os homens sempre tiveram de trabalhar, sempre estiveram s voltas com necessidades pre-mentes e precisaram fazer frente s ameaas vindas da natureza e dos outros homens. Em tudo isso sempre se mostraram muito aptos, dispostos e inventivos, pois sua existncia dependia de sua eficincia. Mas tambm tiveram, em todas as pocas, de se haver com este outro problema: o qu fazer quando no estamos trabalhando, nenhuma necessidade exige nossos esforos e nada nos ameaa? O que fazer com esse tempo deixado em aberto, com essa vida excedente, furtada s rotinas e preocupaes, com esse resto de liberdade que nos concedido e que no fundo consiste em no precisar fazer nada? Uma das mais inventivas, ricas e antigas respostas que os homens deram a essa questo chama-se arte.

A arte uma forma absolutamente humana de lidar com o tempo livre; , como disse Schil-ler, um brincar, mas um brincar cheio de sentido. De certa forma, ela uma maneira de no fazer nada, pois, como j vimos, a atitude esttica, que seu pressuposto, aquela na qual deixo de comportar-me como sujeito de aes no mundo para entregar-me a uma pura contempla-o atenta e distanciada, uma atitude na qual, recordando nossas palavras, damos um passo atrs, na qual nos recolhemos para poder ganhar um novo olhar sobre o mundo.

Ao distanciar-me do mundo pela atitude esttica, aproximo-me de mim mesmo, descubro--me. Pensamentos e sentimentos soterrados pela crosta bruta do cotidiano vm tona; a arte comove e faz refletir. Nisto, descubro que no estou sozinho: outras pessoas, mesmo distantes no tempo e no espao, pensaram e sentiram semelhantemente; no espelho da arte vejo refletida minha existncia e a de outros homens, de minha e de outras eras. A vida humana em sua rique-za e sua misria se apresenta diante de mim, e por vezes parece-me que estou a ponto de captar alguma coisa do seu sentido mais profundo. A arte me irmana com a humanidade, me humaniza.

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

10

sumrio tema ficha notas

Mas se assim, como explicar que a arte tenha atualmente to pouco espao no corao dos homens? Como explicar que diante da imensa variedade de coisas maravilhosas que a arte gerou em todas as pocas e modalidades, a escolha das massas atuais seja sempre to uniforme e to previsvel (e to questionvel)? De fato no preciso nenhuma profunda anlise sociol-gica para perceber que essa escolha no obedece a critrios estticos, mas sim estatsticos: recai sempre sobre o que est em moda e sobre aquilo de que todo mundo gosta, mesmo que seja para no ms que vem todos esquecerem o que cultuado hoje, em nome de outra novidade (que, no fundo, ser idntica de hoje). Como, enfim, possvel ludibriar to completamente o gosto esttico dos homens contemporneos?

Poderamos aqui nos dar ares aristocrticos e dizer que o homem contemporneo indo-lente demais para a arte; que a arte exige esforo, e que as pessoas preferem um breve entorpe-cimento dos sentidos a procurar aquilo que poderia desenvolver seu intelecto e sua sensibili-dade, promovendo seu engrandecimento como seres humanos. Tudo isso pode ter l seu gro de verdade, mas no o bastante para explicar os fenmenos que estamos tentando entender. As massas no so culpadas dessa situao: so muito mais suas vtimas. Tambm no basta torcer o nariz para a cultura de massas, nem deplorar a qualidade dos produtos da chamada indstria cultural3. O importante perceber que tais produtos atendem a uma demanda social: os homens, por todos os motivos que j mencionamos, precisam de arte, tanto ou quase tanto quanto de comida, pois no vivemos s de po. De fato, eles buscam a arte, e no sua culpa se o que lhes oferecem s um arremedo de arte.

H pouco falamos sobre como a arte pode espelhar relaes de poder. Pois aqui est um claro exemplo. Em nossa era, o mesmo poder que domina a vida dos homens, passando por cima de governos e naes, tambm domina, no exatamente a arte, mas a esfera social que deveria ser ocupada por ela. Indstria e mercado so as duas faces dessa potncia suprema que em nossos tempos apoderou-se do terreno da alma humana em que a arte deveria deitar suas razes. Indstria e mercado so os dois poderes que tomaram a si a tarefa de explorar comer-cialmente a demanda social pela arte, a necessidade humana de arte.

Aquilo que a arte deve oferecer aos homens e o que eles procuram nela , antes de tudo, aquela j mencionada possibilidade de distanciamento em relao vida cotidiana, s necessi-dades, responsabilidades e atribulaes do dia a dia. Nisto j est implcito um certo prazer: o

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

11

sumrio tema ficha notas

deixar de agir da atitude esttica j em si prazeroso. Ora, entreter os homens arrancando de seu pensamento tudo o que se refere sua vida cotidiana coisa que a indstria fonogrfica, as cadeias de rdio e televiso e as grandes corporaes cinematogrficas sabem fazer e muito bem. Mas a arte no se resume a isso: ela tambm exige que empreguemos nossas capacidades de apreender, conceber, compreender e pensar. A atitude esttica, como j vimos, s produz o distanciamento em relao ao mundo da ao ao estimular essas capacidades, convidando-as a exercerem-se de forma prazerosa.

Mas isso j no se enquadra na lgica do mercado e da indstria. Essa lgica, todos sabe-mos, a do lucro, e o lucro exige produo e consumo cada vez mais rpidos. Por isso mesmo, os produtos que a indstria do entretenimento costuma apresentar como arte devem exigir o mnimo esforo do pblico a que se dirigem. Nada deve entravar ou dificultar o consumo: este deve ser fcil e imediato como fcil e imediato o consumo de um refrigerante. O produto ar-tstico no pode instigar nem desafiar nem estimular as capacidades de concepo. Tudo nele tem de ser de certa forma j conhecido ou j esperado, pois deve ser muito mais engolido do que compreendido; qualquer discrepncia em relao ao padro abre espao para o concorrente mais rpido e representa prejuzo no balano de rendimentos. A ordem o mnimo de esforo e o mximo de efeito. Deve-se agir sobre os homens, e no estimular suas potencialidades.

Assim, aquilo que deveria ser uma experincia artstica acaba revelando-se como nada mais que um divertimento passageiro, que em nada nos transforma: aps a exibio do ltimo estrondoso sucesso de bilheteria, as pessoas saem do cinema exatamente como entraram. Ao invs de um distanciamento contemplativo, em que gozamos de nossa liberdade, refletimos sobre nossa existncia e reafirmamos os laos que nos unem humanidade, tudo o que conse-guimos um breve esquecimento do mundo cotidiano, como uma pausa de que necessitamos antes de sermos novamente atirados rotina massacrante. A indstria do entretenimento no cria nenhuma zona de liberdade e de independncia em relao ao mundo do trabalho e das ocupaes cotidianas. Pelo contrrio, uma pea integrante deste mesmo mundo, e nele desempenha uma funo fundamental: a de adaptar mais firmemente os homens rotina, exatamente ao faz-los esquecer-se dela por alguns momentos.

Mas talvez o mais grave de toda essa usurpao da esfera da arte pela indstria e pelo mer-cado o fato de que por meio dela a grande maioria dos homens vai sendo progressivamen-

Unesp/R

edefor Mdulo III D

isciplina 06 Tema 4

12

sumrio tema ficha notas

te espoliada de um patrimnio valiosssimo e importantssimo que, de direito, a eles pertence. Todos os tesouros inestimveis de beleza e sentido que a arte produziu nos milnios passados torna-se invisvel sob a luz cegante dos holofotes da mdia. As vozes dos mais inspirados artistas no podem ser ouvidas sob o barulho estupidificante com que as empresas culturais anunciam os dolos do dia. Por isso, uma filosofia da arte, nos dias atuais, e especialmente quando se volta educao da juventude, no pode deixar de adquirir um tom militante e mesmo alarmista. No basta apenas falar sobre a arte. preciso, antes de tudo, informar que ela (ainda) existe.

Mictrio/obra de arte de M

arcel Ducham

phttp://um

blogproerly.wordpress.com/2010/09/27/ducham

p/

voltar

sumrio tema ficha notas

14

Notas1. Para os artistas do sculo XX, a livre criatividade artstica no mais podia restringir-se

apenas produo da obra de arte: era preciso reinventar a prpria arte, redefini-la a partir de critrios novos e mais adequados situao histrica, tanto da arte como da humanidade. A prpria idia de obra de arte foi objeto de drsticos questionamentos e reformulaes, com o que tambm colocou-se em questo o papel da arte na Histria e no contexto mais geral da existncia humana. A ruptura com a tradio foi o lema de todas as vanguardas, e foi tambm a palavra de ordem que ecoou em todas as revolues que a arte atravessou desde o incio do sculo XX. No cubismo, no dadasmo, no futurismo, no surrealismo na poesia e na msica concretas, no teatro do absurdo e no da crueldade, no atonalismo musical, na msica dodecafnica, como tambm em vrios outros movimentos vanguardistas, manifesta-se o esprito inquieto e questionador da arte contempornea, em sua constante luta por renovao e redefinio. Nisto ela se revela como filha legtima de seu tempo, pois a Histria contempornea o palco das mais profundas rupturas e revolues por que passou a humanidade. O surgimento das grandes metrpoles, a mercantilizao e mecanizao avassaladoras da vida humana, o desen-volvimento de tecnologias de comunicao de massa, as duas Guerras Mundiais, o horror das armas atmicas e dos campos de concentrao, a diviso do mundo em dois blocos inimigos, a ameaa ambiental tudo isso tornou nosso mundo um lugar de perplexidade e de profundos questionamentos, onde todas as certezas oscilam e ameaam desabar, e onde tudo o que bali-zou a vida humana no passado parece perder progressivamente seu valor e sua solidez. Como tal situao no haveria de se refletir na arte, nesse espelho em que nossa civilizao aprendeu a projetar sua imagem e a se mirar?

sumrio tema ficha notas

15

2. A idia de que a arte necessariamente reflete em si relaes de poder encontra suporte filosfico adequado na interpretao marxista da sociedade. Segundo esta interpretao, o fa-tor determinante de toda vida social humana o econmico, ou seja, o processo pelo qual os homens criam diuturnamente as condies materiais que possibilitam sua existncia social. Tal criao d-se atravs do trabalho, compreendido como atividade conjunta de toda a sociedade que, agindo sobre a natureza, faz continuamente surgir o mundo em que os homens vivem, incluindo-se a tambm as formas de organizao social e poltica. Mas se o trabalho que cria o mundo em que vivemos, ento as formas de pensamento pelas quais compreendemos esse mesmo mundo tambm devem ser, em alguma medida, determinadas pelo trabalho e pelas relaes de poder que o regulam. Assim sendo, tais relaes de poder haveriam necessariamen-te de se refletir na produo espiritual dos homens, ou seja, nas representaes mitolgicas e religiosas, na filosofia, nas cincias e tambm nas artes. Uma interpretao mecanicista e em-pobrecedora das teses marxistas, resultante especialmente de sua utilizao como instrumento de doutrinao das massas pelos partidos alinhados com o antigo poder poltico sovitico, tendia a afirmar que a arte necessariamente refletia apenas as relaes dominantes de poder. Tal interpretao foi contestada pelos tericos da chamada Escola de Frankfurt (entre os quais Walter Benjamin, Adorno, Horkheimer e Marcuse), que procuraram demonstrar que a arte poderia expressar tanto a aceitao do poder vigente quanto o protesto contra ele. De fato, que significa, por exemplo, a poesia homoertica de uma Safo de Lesbos, no seio de uma Grcia totalmente dominada pela figura masculina? Quem poder desconhecer o potencial libertador da arte renascentista, com sua valorizao do homem e sua glorificao dos sentidos, em uma sociedade que ainda queimava seus maiores intelectuais por heresia? O teatro clssico francs do sculo XVIII poder eventualmente ser visto como um divertimento voltado nobreza, mas quem ser capaz de dizer que Voltaire defendia o Antigo Regime? Na reivindicao de liberdade artstica dos romnticos est expresso o anseio de libertao de uma alma humana sufocada pela razo iluminista e pela sociedade que se constituiu sob seu imprio. Os cantos dos escravos brasileiros que chegaram at ns nos revelam seu sofrimento de forma muito mais direta do que qualquer tratado sociolgico, e ningum negar o papel que o jazz desem-penhou na formao de uma identidade cultural dos negros norte-americanos, comprometida com a luta contra a opresso racista.

sumrio tema ficha notas

16

3. A expresso indstria cultural faz sua entrada no cenrio filosfico contemporneo em 1947, com a publicao da obra Dialtica do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, escrita ainda durante a Segunda Guerra Mundial. O uso generalizado e descontrolado que hoje em dia se tem feito dessa expresso faz com que usualmente no seja percebido seu carter pro-positadamente contraditrio e paradoxal. Pois o termo cultura designa o campo da atividade humana em que so gerados os mais importantes conhecimentos, os mais altos valores e as representaes doadoras de sentido vida humana, enquanto que indstria refere-se produ-o em srie de mercadorias padronizadas atravs de processos mecnicos. Desta perspectiva, faz tanto sentido falar de uma indstria cultural quanto de um crculo quadrado. De fato, a inteno dos autores era denunciar a transformao paulatina da arte em mercadoria no mun-do contemporneo, a crescente absoro de toda a esfera da atividade artstica pela lgica do mercado e da produo industrial, com o que o prprio sentido da arte se desvirtuaria. Com a mercantilizao da arte, refletem Adorno e Horkheimer, esta se rebaixaria condio de mero entretenimento, submetendo-se docilmente manipulao do poder econmico que domina a sociedade capitalista contempornea: o grande capital se utilizaria das mercadorias culturais como meios suplementares de adaptao dos homens s relaes de trabalho escravizantes que caracterizam essa sociedade.

Bibliografia

ADORNO; HORKHEIMER. Dialtica do esclarecimento. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1985.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. So Paulo: Cia das Letras, 1992.

NUNES, Benedito. Introduo filosofia da arte. So Paulo: tica, 1991.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1985.

LUKCS, Georg. Esttica. Traduo de Manuel Sacristn. 3. ed. Barcelona: Grijalbo, 1974, 4 v.

SCHILLER, F. Cartas sobre a educao esttica da humanidade. Traduo de Mrcio Suzuki. So Paulo: Iluminuras, 1988.

SZONDI, P. Teoria do drama moderno. So Paulo: Cosac & Naify, 2001.

sumrio tema ficha notas

Ficha da Disciplina:

A Esttica e o Belo

Mrcio Benchimol Barros (Unesp-Marlia).

Professor de Esttica da UNESP de Marlia. Graduado em Filosofia pela Unicamp em 1992, titulou-se como mestre e doutor em Filosofia pela mesma universidade, em 1999 e 2006, respectivamente, sempre sob orientao do prof. Oswaldo Giacia Jr. Em 2010 reali-zou estgio ps-doutoral junto Hochschule fr Grafik und Buchkunst de Leipzig (Alemanha), orientado pelo prof. Christoff Trcke. autor do livro Apolo e Dionsio: arte, filosofia e crtica da cultura no primeiro Nietzsche, publicado pela editora Annablume em 2003, resultante de seu trabalho de mestrado.

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4792776J0

sumrio tema ficha notas

EmentaNo curso sero expostas noes bsicas da Esttica filosfica, tais como as de belo e sublime,

dando-se destaque tambm ao conceito de bela forma. Em um primeiro momento tais noes sero examinadas concomitantemente em relao aos objetos naturais e aos artsticos, para, em seguida, passar-se a uma apreciao filosfica especfica da arte, sob o ponto de vista de sua in-sero nos contextos da cultura e da sociedade humanas, dentro de uma perspectiva histrica.

Esttica

Tema 1A Esttica e o belo

1.1. Sentidos da Esttica1.2. O belo como guia

1.3 Sentidos do belo beleza, prazer e sensao

Tema 2 Beleza e Forma

2.1. Agrado e beleza passividade e atividade

2.2. Breve introduo ao conceito esttico de forma

2.3. Forma, sensao e atitude esttica

Tema 3 Da Esttica Filosofia

da Arte

3.1. A Atitude Esttica

3.2. O sublime e a liberdade criativa

3.3. Rumo Filosofia da Arte

Tema 4 Arte e Filosofia

da arte no mundo

contemporneo

4.1. O sentido humano da arte

4.2. Arte e poder

4.3. A idade mdia

Palavras-chave: Esttica, beleza, sublime, forma, arte

Pr-Reitora de Ps-graduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraCludio Jos de Frana e Silva

Rogrio Luiz BuccelliAna Maria da Costa Santos

Coordenadores dos CursosArte: Rejane Galvo Coutinho (IA/Unesp)

Filosofia: Lcio Loureno Prado (FFC/Marlia)Geografia: Raul Borges Guimares (FCT/Presidente Prudente)

Antnio Cezar Leal (FCT/Presidente Prudente) - sub-coordenador Ingls: Mariangela Braga Norte (FFC/Marlia)

Qumica: Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Tcnica - Sistema de Controle AcadmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaMrcio Antnio Teixeira de Carvalho

NEaD Ncleo de Educao a Distncia(equipe Redefor)

Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andr Lus Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Cssio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produo, veiculao e Gesto de materialElisandra Andr Maranhe

Joo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Liliam Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

Marcador 1Vdeo da SemanaArte e Filosofia da arte no mundo contemporneo4.1 O sentido humano da arte4.2 Arte e poder4.3 A idade mdia

BibliografiaNotas

Boto 2: Boto 3: Boto 6: Boto 7: Boto 68: Boto 69: Boto 38: Pgina 4: Off

Boto 39: Pgina 4: Off

Boto 44: Pgina 5: OffPgina 6: Pgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Pgina 13: Pgina 14:

Boto 45: Pgina 5: OffPgina 6: Pgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Pgina 13: Pgina 14:

Boto 72: Boto 70: Pgina 16: OffPgina 17: Pgina 18:

Boto 71: Pgina 16: OffPgina 17: Pgina 18:

Boto 36: Pgina 19: OffPgina 20:

Boto 37: Pgina 19: OffPgina 20:

Boto 4: