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Revista de Sociologia e Política ISSN: 0104-4478 [email protected] Universidade Federal do Paraná Brasil Engelmann, Fabiano O ESPAÇO DA ARBITRAGEM NO BRASIL: NOTÁVEIS E EXPERTS EM BUSCA DE RECONHECIMENTO Revista de Sociologia e Política, vol. 20, núm. 44, noviembre, 2012, pp. 155-176 Universidade Federal do Paraná Curitiba, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23826263011 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Sociologia e Política

ISSN: 0104-4478

[email protected]

Universidade Federal do Paraná

Brasil

Engelmann, Fabiano

O ESPAÇO DA ARBITRAGEM NO BRASIL: NOTÁVEIS E EXPERTS EM BUSCA DE

RECONHECIMENTO

Revista de Sociologia e Política, vol. 20, núm. 44, noviembre, 2012, pp. 155-176

Universidade Federal do Paraná

Curitiba, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23826263011

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 155-176 NOV. 2012

RESUMO

O ESPAÇO DA ARBITRAGEM NO BRASIL:NOTÁVEIS E EXPERTS EM BUSCA DE RECONHECIMENTO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 155-176, nov. 2012Recebido em 20 de junho de 2011.Aprovado em 13 de outubro de 2011.

Fabiano Engelmann

O artigo expõe resultados de uma pesquisa sócio-política sobre a construção do espaço da arbitragem noBrasil. O argumento consiste em três pontos centrais. O primeiro privilegia a mobilização em torno dajustiça arbitral como “causa política” que envolve advogados, professores e políticos vinculados àsassociações empresariais e institutos liberais e tem como principal resultado a concretização de um marcoinstitucional para as práticas arbitrais, a Lei n. 9 307 promulgada em 1996. Uma segunda dimensãofocaliza os autores e publicações sobre arbitragem indicando a difusão de idéias e a especializaçãodisciplinar ao longo da década de 2000. Na terceira parte, aborda-se o espaço dos árbitros no Rio Grandedo Sul investigando-se as condicionantes de seu desenvolvimento. A pesquisa é de natureza qualitativa eprivilegia diversas bases de dados, destacando-se publicações legais, jornalísticas e acadêmicas, currículosvitae e entrevistas semiestruturadas. Destaca-se como principal resultado a explicitação das dificuldadesde legitimação deste modelo de mediação de conflitos frente ao sistema judicial estatal no caso estudado.O artigo está organizado em três partes. Na primeira procura-se recompor elementos para compreensãoda difusão do ideário arbitral no Brasil e da mobilização em torno da construção do marco institucionalpara sua prática. Na segunda, é analisado o espaço da produção intelectual em torno do tema e a difusãode bases doutrinárias para a construção do conhecimento nesse campo. Em um terceiro momento, analisa-se o perfil e as modalidades de atuação dos árbitros tendo-se por base as práticas de arbitragem no estadodo Rio Grande do Sul.

PALAVRAS-CHAVE: arbitragem; justiça; Brasil.

I. INTRODUÇÃO1

A difusão de idéias e a emergência de umespaço de práticas de arbitragem relativamenteautônomo em relação ao sistema de justiça estatalestá estreitamente relacionado à expansão daglobalização econômica. Alavancado a partir deinstituições e agentes que promovem um modelode jurisdição imbricado ao mundo dos negócios

entre empresas privadas, a análise desse fenômenona diversidade dos espaços nacionais apresenta-se como um grande desafio para a análise política.Nesse sentido, o presente texto pretende contribuirpara uma melhor compreensão da construção doespaço das práticas e difusão de doutrinas sobrearbitragem no contexto brasileiro das duas últimasdécadas.

Diversos trabalhos propondo uma SociologiaPolítica das instituições2 têm buscado umaapreensão mais fina das variantes dastransformações dos estados nacionais e de suasinstituições frente à influência do campoeconômico internacional. Para esses estudos, o

1 O texto é o resultado de um Projeto de Pesquisa mais

amplo apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq), “Globalização eRule of Law: as disputas em torno do sentido político dosistema judicial brasileiro nas décadas de 90 e 2000” quecontempla também a análise da expansão das grandes soci-edades de advogados e dos movimentos “law & economics”no Brasil (ver ENGELMANN, 2011). A construção dobanco de dados referente à parte da arbitragem contou coma participação do Bolsista de Iniciação Científica (Ufrgs/Propesq) Fernando Marcial Ricci Araújo. Gostaríamos deagradecer aos pareceristas da Revista de Sociologia e Polí-tica pelos comentários feitos para este artigo.

2 Ver especialmente as pesquisas desenvolvidas sobre aselites cosmopolitas, os movimentos “altermondialistas” ea emergência de modelos institucionais supranacionais(DEZALAY & GARTH, 2002; 2010; AGRIKOLIANSKY& SOMMIER, 2005; COMMAILLE, 2007; ROBERT &VAUCHEZ, 2010).

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foco principal é o papel de mediaçãodesempenhado pelas diversas espécies de elites(políticas, burocráticas e jurídicas) e a relação queestabelecem com o espaço internacional natentativa de reformar e redefinir as instituiçõesancoradas nacionalmente.

No caso da expansão da arbitragem(DEZALAY & GARTH, 1996), posicionam comoquestão central a problemática da construção dalegitimidade da ordem jurídica internacionalvinculada aos negócios protagonizados pelasgrandes empresas multinacionais. A difusão doideário da superioridade das práticas da arbitragemcomo mais eficazes na solução de litígioscomerciais do que a justiça estatal típica do EstadoNacional aparece como determinante.

Nesse sentido, os agentes desse processoassumem um papel chave incluindo segmentosque se posicionam em uma linha intermediária entreo campo jurídico e o espaço econômico. ConformeDezalay e Garth (idem), lideranças empresariaiscosmopolitas, advogados vinculados às grandesfirmas norte-americanas, juristas “notáveis”especializados em direito internacional e demais“think thanks” investem na construção de umanova doxa sobre o Direito. A crença compartilhadapor esses agentes é baseada na adesão a umacomunidade epistêmica3 que combina uma ciênciadas instituições com a fé na eficiência dosmercados e a mobilização de conhecimentosderivados da “nova economia institucional”. O eixocentral desse discurso é o “ideal de uma justiçainternacional privada” e a promoção da lexmercatoria.

Se no âmbito da União Européia, nos EstadosUnidos e no espaço internacional do “businessworld” esse processo pode parecer bastanteevidente, o mesmo já não se aplica a outrasdinâmicas nacionais. A demonstração dapenetração dessas idéias, seu uso por segmentosda elite social e sua capacidade de redefinirinstituições arraigadas é bastante complexa. Nocaso do Brasil, país com tradição de domínio

político dos bacharéis em Direito4 e de construçãode uma justiça estatal fortemente calcada no Direitocodificado, a legitimação das práticas e idéiasrelacionadas à arbitragem envolve uma fortebatalha política e simbólica. Mesmo com umacrescente internacionalização da economia, osistema de justiça e advocacia resistem a processosque apontem para reformas que indiquem maiorsubordinação do direito à economia.

Esses embates podem ser apreendidos naanálise das mobilizações em torno da criação daLei da Arbitragem, no investimento na construçãoda expertise, assim como, nas dificuldades e nocaráter incipiente do reconhecimento da práticaarbitral no Brasil. Portanto, tal modelo de justiçaaparece “em legitimação” visto que suasuperioridade em relação à justiça estatal na decisãode conflitos negociais é pouco reconhecida tantono espaço econômico quanto no espaço jurídico.Visando uma melhor compreensão do processode construção do espaço da arbitragem, além daseção metodológica, apresentada a seguir, opresente trabalho está dividido em três partes.

Na primeira procura-se recompor elementospara compreensão da difusão do ideário arbitralno Brasil e da mobilização em torno da construçãodo marco institucional para sua prática. Nasegunda, é analisado o espaço da produçãointelectual em torno do tema e a difusão de basesdoutrinárias para a construção do conhecimentonesse campo. Em um terceiro momento, analisa-se o perfil e as modalidades de atuação dos árbitrostendo-se por base as práticas de arbitragem noestado do Rio Grande do Sul.

II. NOTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO DOSDADOS DA PESQUISA

O trabalho é construído a partir de pesquisaque tem por estratégia principal combinar umaanálise objetivista com a perspectiva dos agentes.Em uma primeira fase, predominantemente“objetivista”, por meio da comparação sistemáticados trajetos universitários, profissionais, políticose indicações biográficas gerais, busca-seidentificar padrões de recursos e indicativos dos

3 A noção de “comunidade epistêmica” compreende a cons-trução de consensos a respeito de determinadas tomadasde decisão política a partir da mobilização de conhecimen-tos científicos e da adesão de comunidades de especialis-tas. Para mais detalhes, ver Haas (1992).

4 Entre os estudos que destacam o peso da passagem porfaculdades de Direito na coesão das elites políticas brasilei-ras ao longo do Império, ver Adorno (1988) e Carvalho(1996).

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princípios de estruturação do espaço da arbitragemno Brasil e, com mais profundidade, no Rio Grandedo Sul. Uma segunda fase centra-se na análisequalitativa da produção intelectual e tomadas deposição pública dos agentes vinculados ao espaçoestudado, tendo por foco a relação dessa dimensão“perspectivista” com os dados construídos eapreendidos na primeira parte.

Os procedimentos de pesquisa utilizadoscontemplaram diversas fontes. Foi realizada umaexploração ampla do universo da arbitragem noBrasil, a partir de busca na internet, para identificaras câmaras de arbitragem nacionais, as publicaçõesexistentes sobre o tema e os nomes de indivíduosvinculados a esse universo. Nessa etapa foipossível agrupar os perfis da produção brasileirade uma “doutrina” sobre arbitragem, assim comoas modalidades de câmaras existentes, além dadefinição de uma população de árbitros para osquais se buscou, em uma segunda etapa, aconstrução de dados sobre as trajetóriasacadêmicas, profissionais e políticas, na qual foiefetuada uma análise comparada das trajetórias dosárbitros visando identificar trajetos recorrentes quepudessem indicar tendências e capitaisimportantes.

As fontes privilegiadas, em um primeiromomento, foram fontes secundárias, revistas, ebuscas em sites pela internet. Depois foramrealizadas entrevistas com uma populaçãoselecionada de árbitros posicionados eminstituições no Rio Grande do Sul. Para asentrevistas, utilizou-se de um questionáriosemiestruturado, visando maior homogeneidadenas informações.

Para a construção dos dados sobre ospercursos dos segmentos analisados foram feitosquadros comparativos para as seguintes categorias:(i) formação acadêmica (títulos universitáriosnacionais); (ii) formação no exterior (títulosuniversitários e escolares); (iii) domínio de idiomaestrangeiro; (iv) carreira profissional e política(ocupações, postos públicos ocupados, exercíciode mandatos) e (v) informações gerais indicativasde participações de ocupação de postos políticosou em entidades. A comparação desses percursospermitiu relacioná-los com as posições ocupadase fornecer indicações parciais sobre os recursosmobilizados pelos agentes pesquisados.

III. A ARBITRAGEM COMO “CAUSA POLÍ-TICA”

Os processos políticos que sucederam aredemocratização de países da América latinaensejaram a discussão em torno da reconstruçãodas instituições políticas e evidenciaram, tanto nodebate político quanto no debate acadêmico, atensão entre prescrições de modelos e tradiçõessócio-políticas específicas. Nesse contexto, umconjunto de proposições de reforma quecontemplam o casamento entre a democracia, aracionalidade das instituições e sua afinidade coma ordem econômica tiveram uma larga difusão nocontexto latino-americano ao longo das décadasde 1990 e 2000.

Destaca-se nesse contexto a doutrina do Ruleof Law5 calcada especificamente em um ideáriode “aproximação” do sistema judicial e daeconomia com a adequação dos ordenamentosjurídicos nacionais ao ambiente de negóciosinternacionalizado. Tal modelo obteve recepção emalguns países da América Latina, onde se destacao Chile (DEZALAY & GARTH, 2002), entretanto,no caso brasileiro, ele não logrou o mesmoimpacto no processo de recomposição do sistemajudicial que se iniciou em torno da Constituinte de1986. A redefinição das funções políticas dasinstituições judiciais no Brasil posteriormente àredemocratização teve como centro o crescimentodo Ministério Público e, especialmente, a afirmaçãodo poder Judiciário como poder de Estado comgrande intervenção na esfera pública.

É nessa conjuntura de grande ativismo político-judicial nas décadas de 1990 e de 2000 que emergea mobilização de lideranças empresariais eadvogados em torno da promulgação de uma leipara as práticas de arbitragem. O resultado desseprocesso é a aprovação da Lei n. 9 307/96 e acriação de diversas câmaras especializadas najurisdição de conflitos das relações negociais eexteriores ao sistema estatal. Também a partirdessa movimentação foram firmados convênioscom o Banco Interamericano de Desenvolvimento(BID) que financiou a organização de cursos eseminários visando difundir a “cultura arbitral” nopaís (LIMA, 1997).

5 Uma discussão aprofundada sobre os preceitos da dou-trina do Rule of Law e sua inserção nas estratégias norte-americanas de “exportação da democracia” pode ser encon-trada em Trubek (2006).

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A primeira câmara de arbitragem comamplitude nacional, Câmara Brasileira de Mediaçãoe Arbitragem Empresarial (Cbmae) foi criada apartir do modelo propagado pelo BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID). Osconvênios com o BID também apoiaram a criaçãode diversas câmaras estaduais vinculadas àsassociações comerciais e industriais locais. Osacordos possibilitaram a homogeneização demodelos de organização das câmaras com listasde árbitros e com a realização de cursos detreinamento em métodos de resolução de conflitos.

Acompanha esse fenômeno a proliferação depublicações especializadas que promovem o ideárioamericano do law & economics no Brasilpropugnando reformas e críticas à ineficiência dasinstituições judiciais6. No mesmo sentido, aexplosão de litígios em que são colocadas em xequeas normatizações do mercado financeiropatrocinadas pelas grandes sociedades deadvogados7corroboram uma complexificação dadisputa pelo sentido das definições de Direito ejustiça ao longo das décadas de 1990 e 2000.

III.1.A construção da Lei da Arbitragem: Umacausa de empresários, políticos e experts

Desde o início da década de 1980, diversasiniciativas direcionaram a construção institucionalda arbitragem no Brasil, passando por iniciativasoriundas do Ministério da Desburocratização(1976-1986), congressos, formulação de projetosde lei, o ativismo dos institutos liberais e diversasassociações comerciais. Esse processo mostra acomplexidade de estudar-se as bases de importaçãode um instituto já assimilado em sistemas judiciaiscomo o norte-americano, e que envolve desde amobilização de associações empresariaisperiféricas até a viabilização de acordos comorganismos internacionais promotores da culturada arbitragem. Da mesma forma, a concretizaçãodesse marco legal contempla a adesão de políticosvinculados ao meio empresarial que contribuempara alavancar a prática arbitral como “causa

política”. A presença de organismos internacionaiscomo o Banco Mundial foi apenas parte de umprocesso que evolve um amplo leque de agentesposicionados no espaço de fronteira entre o Direitoe a economia que compreende a adesão ao ideárioliberal e o vínculo ao espaço empresarial.

A realização de um Congresso Internacionalde Arbitragem no âmbito da Confederação Nacionaldo Comércio, em 1985 foi, conforme relata Muniz(2006), base para o início da movimentação deempresários e políticos denominada pelo autor de“operação Arbiter” e que viria a culminar com aaprovação no Congresso Nacional da “Lei daArbitragem”. Essa lei, na sua redação final,reproduz os princípios da “Lei Modelo” daarbitragem internacional da United NationsCommission on International Trade Law(Uncitral), de 1985. Tal organismo consultivo évinculado à Organização das Nações Unidas(ONU) e tem por objetivo reformar e harmonizaros princípios de direito comercial em escalamundial.

Conforme relata Petrônio Muniz (idem),advogado vinculado ao Instituto Liberal dePernambuco e liderança na mobilização, o inícioda “operação Arbiter” ocorre em reunião deempresários e advogados na Associação Comercialde Pernambuco, em abril de 1989, em conjuntocom membros do Instituto Liberal do Estado. Apartir dessa reunião, os “líderes pernambucanos”,por meio da mediação do – à época – Senador doPartido da Frente Liberal (PFL), Marco Maciel,reúnem apoios a favor da redação e proposição deum Projeto de Lei. Dessa reunião, conforme Muniz(idem) surge a iniciativa de juntar-se com aAssociação Comercial de São Paulo visandotransformar o movimento pernambucano em ummovimento nacional.

A partir da mobilização em um estado periférico,e com o apoio de um Senador que se torna“padrinho” do movimento, em novembro de 1991,ocorre em São Paulo o segundo eventoconsiderado chave para concretizar uma base deadesões em torno da elaboração do Projeto de Leide arbitragem. Essa reunião simboliza também aadição de grandes escritórios de advocacia paulistae professores da Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo (USP) aos promotoresda “causa”. Participam Pedro Batista Martins,advogado empresarial, Ada Grinover, professorade Direito da USP, Selma Ferreira, advogada

6 Sobre a difusão do movimento doutrinário Law &Economics no espaço dos juristas e dos economistas noBrasil ver Engelmann (2011).7 Tomou-se como fonte o ranking com informações sobrea atuação das 450 maiores sociedades de advogados pre-sente no anuário Análise Advocacia de 2007 (ANÁLISEEDITORIAL, 2007).

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vinculada à Federação das Indústrias do Estadode São Paulo (Fiesp) e Carlos Alberto Carmona,advogado e professor da USP, juristas que sedestacam na publicação de textos a favor dalegitimação da prática arbitral no sistema de justiçabrasileiro e também compõem a comissão redatorado anteprojeto da lei de arbitragem.

Os membros dessa primeira comissãodestacam-se por sua multiposicionalidade, que uneexpertise jurídica e acadêmica – todos têm grandeinvestimento em cursos de pós-graduação – coma presença em grandes escritórios de advocacia.Da mesma forma, a inserção associativa é bastanteforte, além da produção intelectual na fronteiraentre os temas do Direito e da Economia.

TABELA 1 – COMISSÃO QUE ELABOROU O ANTEPROJETO DA LEI DE ARBITRAGEM

MEMBRO LIVRO PUBLICADO TRAJETO ACADÊMICO EPROFISSIONAL OUTRAS INFORMAÇÕES

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FONTE: Currículos vitae registros na plataforma lattes, consultados em 18 de agosto de 2010; Engelmann(2010).

A discussão do conteúdo do anteprojeto de Leielaborado pela comissão foi objeto ainda de umaterceira reunião mencionada em Muniz (2006)sobre a “Operação Arbiter”, um SeminárioNacional de Arbitragem realizado em Curitiba,“Organizado pela Coordenação Nacional daOperação Arbiter com o apoio do Instituto Liberaldo Paraná. Reuniram-se mais de 300 pessoas,entre advogados, magistrados, promotorespúblicos, professores, acadêmicos, empresáriose profissionais liberais. Ao fim do evento foiaprovado por aclamação o anteprojeto redigido porCarlos Carmona, Selma Lemes e Pedro BaptistaMartins. Entidades apoiadoras: Conselho Nacionaldas Associações Comerciais, Associação Comercialde São Paulo, Instituto Brasileiro de DireitoProcessual, Centro Brasileiro de Arbitragem,Comissão de Arbitragem da Câmara de ComércioBrasil/Canadá, Prodex – Associação deDesenvolvimento Executivo, Câmara Internacionalde Comércio do Brasil, Associação Alumini daAmérica do Sul da Academy of America andInternational Law da América do Sul, Federaçãodas Indústrias de São Paulo, Centro das Indústriasde São Paulo, Banco Bamerindus do Brasil S.A,Associação Brasileira de Shopping Centers, Ordemdos Advogados do Brasil – Seccional Pernambuco”(idem, p. 80).

Além dos apoios mobilizados junto aorganizações que compõem o espaço deformulação de idéias, tais como institutos liberaise associações e federações empresariais, ao longodo ano de 1995 começam a ser fundadas diversascomissões de arbitragem. Estas são vinculadas àsassociações comerciais e industriais estaduais evisam já projetar a concretização de câmarasarbitrais.

O debate legislativo sobre o tema ocorre aolongo de 1995 e 1996. Divide-se no Congressoum pólo vinculado predominantemente ao Partidoda Social-Democracia Brasileira (PSDB) e PFL,capitaneado por Marco Maciel, então Vice-Presidente da República, e outro composto pelaoposição liderada por deputados do Partido dosTabalhadores (PT) e do Partido Comunista doBrasil (PCdoB). O anteprojeto recebeu 12propostas de emendas. A principal divisão nastomadas de posição pública deu-se entre umatendência mais “estatista”, representada pelasemendas apostas pelo PT por meio do DeputadoFederal e advogado de Santa Catarina, MiltonMendes e o projeto “liberal” que fundamentava aproposta de lei original.

A mobilização contrária às emendas sugeridaspelo PT que visavam maior subordinação das

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práticas de arbitragem à jurisdição estatal foidirigida pelos interlocutores do empresariado noCongresso, contatados pelas associaçõesempresariais estaduais e nacionais. A rejeição àsemendas predominou tanto no parecer do Relator,Celso Russomano, Deputado Federal pelo PFLquanto, posteriormente, no plenário da Câmara.

Um dos grandes atores “externos” foi aConfederação das Associações Comerciais eEmpresariais do Brasil (presidida no período porGuilherme Afif Domingos – filiado ao PFL) quemobilizou deputados ligados às diversasFederações Estaduais Comerciais para

pressionarem parlamentares a rejeitar as emendasao texto original da Lei da Arbitragem. Entre aspropostas apresentadas pelo Deputado FederalMilton Mendes, do PT, que evidenciavam a disputaentre a jurisdição estatal e o modelo de “justiçaprivada”, pode-se destacar a proposta desubstituição do termo “Sentença Arbitral” pelaexpressão “Laudo Arbitral”, a supressão do artigoque vedaria o recurso da decisão dos árbitros aopoder Judiciário e a equiparação da decisão doárbitro à decisão de magistrados. A Tabela 2, aseguir, é ilustrativa dos principais argumentosmobilizados no debate.

TABELA 2 – ARGUMENTOS MOBILIZADOS NO TRÂMITE DO PROJETO DE LEI NA CÂMARA (OUTUBRO DE1995-JUNHO 1996)

DEPUTADO JUSTIFICATIVA DA EMENDA-ARGUMENTOSMOBILIZADOS

PARTIDO TEXTO DA EMENDA

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O núcleo do debate opõe a busca da legitimidadepara as decisões arbitrais que seriam proferidaspor árbitros privados ao monopólio da jurisdiçãodetido pelos magistrados vinculados ao poderjudicial estatal. Também é mobilizado, comoaspecto “favorável”, o argumento da “agilidade”da arbitragem e sua ampla difusão em “paísescivilizados”. Interessa notar que o debate legislativoreproduz o debate acadêmico disciplinar sobre aarbitragem. À aprovação de uma lei específica pararegular essa prática corresponde a busca pelaconstrução de uma “doutrina” que reproduz a idéiada “eficiência” das decisões arbitrais assim comoas tentativas de reconhecimento da prática arbitralno espaço jurídico, tanto “prático” quantodisciplinar.

IV. AUTORES E PUBLICAÇÕES SOBREARBITRAGEM: A LEGITIMAÇÃO DE UMANOVA EXPERTISE

A proliferação de publicações tendo por temaa arbitragem ao longo das décadas de 1990 e 2000é bastante indicativa do investimento na construção

de uma especialidade intelectual e disciplinar. Tantoa edição de livros quanto a institucionalização derevistas especializadas contribuem para “fazerexistir” um espaço de justiça arbitral, assim comoevidenciam sua penetração no espaço do ensinouniversitário, difundindo uma abordagem doDireito ancorada em conceitos derivados daciência econômica.

As publicações abrangem “comentários” à leide arbitragem e sua relação com o sistema jurídico,monografias sobre a técnica e as práticas denegociação, a relação das práticas com o sistemajudicial estatal e noções mais abstratas querelacionam a discussão sobre arbitragem noquadro da construção de teorias que “aproximam”o Direito e a Economia. Também há uma preocupa-ção em analisar a recepção das práticas arbitraisno âmbito do poder Judiciário por meio dapublicação de decisões judiciais comentadas porespecialistas. São representativas dessa difusão ascinco revistas de circulação nacional especializadasno tema, em sua grande maioria, fundadas ao longoda década de 2000.

FONTE: Diários do Congresso Nacional (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2011).

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No mesmo sentido das publicações periódicastambém proliferam as edições de livros sobrearbitragem. Para a construção de uma amostradas publicações correntes no tema, realizou-sebuscas em sites de livrarias8 pela expressão“arbitragem”. Foram encontrados 163 títulos sobreo tema, sendo que 150 tratam especificamentesobre arbitragem comercial. Destes, foramselecionados 50 livros e autores cujos trabalhos

enfocam a doutrina da arbitragem, visto que umagrande parte é composta de comentários e resumossobre a lei de arbitragem aprovada em 1996.Visando à construção de um mapa do perfil deinserção profissional e acadêmico dos autores,foram coletadas informações biográficas quepermitiram, por meio da comparação de seuspercursos, indicações sobre seu posicionamentono espaço jurídico e econômico.

Também a partir da análise dos dadosconstruídos, buscou-se uma melhor exploraçãodos espaços de formação acadêmica e exercícioprofissional que circundam o universo daarbitragem. A formação universitária de graduaçãopredominante entre os autores é a formaçãojurídica, sendo que a maioria possui cursos depós-graduação curtos – especializações em Direito

TABELA 3 – PERIÓDICOS NACIONAIS DE ARBITRAGEM

FONTE: Engelmann (2010).

8 Iniciou-se a busca por sites de diversas livrarias quecomercializam livros de direito. O site que apresentou mai-or concentração de publicações sobre arbitragem foi o daLivraria Cultura, motivo pelo qual foi usado comoreferencial. Foram excluídas as publicações de autores es-trangeiros. O N construído nessas bases obviamente não édefinitivo, mas permite uma amostra com indicações rele-vantes para o quadro da pesquisa apresentada.

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empresarial – ou mestrados e doutorados emDireito. Também constatou-se que,majoritariamente, os autores aparecem comoassociados a câmaras nacionais e internacionaisde arbitragem.

Os locais de formação de graduação sãobastante diversificados, assim como os de pós-graduação. Estes são importantes para a análiseda construção dos principais pólos de ondeirradiam as doutrinas, visto que muitas publicaçõesoriginam-se de trabalhos finais de pós-graduação.

A concentração de cursos de pós-graduaçãorealizados em São Paulo segue a mesma tendênciade localização das maiores câmaras de arbitragemtambém situadas nesse estado. Os dados indicamque não ocorre concentração de cursos em umpólo específico, apesar dos investimentos ao longoda década de 2000 de instituições como aFundação Getúlio Vargas no sentido de afirmar-secomo escola de formação em Direito Empresarial(ENGELMANN, 2011). Os temas dos cursosrealizados também evidenciam a não sedimentação

da temática “arbitragem”, visto que os cursosdistribuem-se em disciplinas tradicionais do Direito,como Direito Civil, Direito Tributário e DireitoEmpresarial.

Outro fator relevante é o baixo número decursos de pós-graduação realizados no exterior. Aocupação predominante dos autores é a advocacia.A maioria combina a condição de advogado como magistério superior evidenciando que a produçãode uma “doutrina da arbitragem” contempla um

TABELA 4 – INSTITUIÇÕES DE PÓS-GRADUAÇÃO DOS AUTORES

FONTE: Engelmann (2010).

INSTITUIÇÃOESTADO-

PAÍS FREQUÊNCIA %

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significativo investimento em um “novo saberdisciplinar” presente no ensino do Direito eindispensável para a tentativa de legitimar umacategoria de práticos da justiça arbitral. Comodemonstra Dezalay (1989; 1993), a emergência

de novas doutrinas jurídicas não é uma mera batalhaentre perspectivas “científicas” sobre o Direito,mas repercute mais amplamente lutas políticas eprofissionais e a produção de grupos que disputamo sentido da jurisdição.

Analisando os trajetos profissionais também sepercebe que a maioria dos que são apenasadvogados declaram no currículo ser sócios deescritórios, vinculando-se a um padrão dosbusiness lawyers em que o exercício da advocaciaempresarial exclui o exercício do magistério, assimcomo o investimento em cursos de pós-graduaçãomais extensos. Para o caso dos que exercemapenas a atividade professor predominam mulherescom titulação recente de Doutorado, o que tambémpode ser relacionado à tendência de maiorinstitucionalização dos programas de pós-graduação em Direito com docentes titulados ecom dedicação exclusiva ao ensino universitário(ver ENGELMANN, 2008)

Importa notar, desse segmento de autores, acombinação entre expertise e a construção de umcapital de notoriedade no âmbito da arbitragem.Ou seja, embora a adesão a uma “comunidadeepistêmica”, como definem Dezalay e Garth(1996) ao tratarem da difusão das idéias daarbitragem, seja fundamental para a expansão desseperfil de práticas, ela não se dissocia e nem subsistesem a gestão permanente de um capital denotoriedade.

Esse capital é gerido e obtido na adesão dosautores e práticos a diversas modalidades deassociações, passagem pela direção de câmaras einserção na advocacia empresarial. Como se veráno caso específico do Rio Grande do Sul, esseimbricamento entre um capital de notoriedade no

meio empresarial e o investimento na construçãoda expertise caminham sempre juntos, e tambémcontribuem para a hierarquização, posicionandono topo aqueles que obtêm êxito em combinar altosgraus de conhecimentos técnicos e inserção nomeio empresarial.

V. O ESPAÇO DOS ÁRBITROS: O CASOREPRESENTATIVO DO RIO GRANDE DOSUL

Em uma primeira exploração dos perfis dascâmaras de arbitragem foram encontradasdiversas modalidades que conformam um espaçode atuação principalmente de advogadosempresariais, mas também de outros gruposprofissionais, como contabilistas, engenheiros eadministradores, que figuram como árbitros decontenciosos envolvendo grandes empresascomerciais e industriais. Há pouca regulamentaçãono concernente à estruturação dessas câmaras quefuncionam como uma espécie de justiça privada eque contém, em seus documentos de fundação,tomadas de posição que remetem a uma crítica à“ineficiência” e “lentidão” do sistema judicial estatalna solução de litígios. Os documentos dascâmaras, assim como o discurso mobilizado pelosárbitros, indicam uma disputa simbólica em tornoda jurisdição de conflitos.

Entretanto, diferentemente dos juízes,profissionais da jurisdição vinculados ao sistemaestatal e portadores de um capital jurídico

TABELA 5 – OCUPAÇÕES DOS AUTORES

FONTE: Engelmann (2010).

OCUPAÇÃO %FREQUÊNCIA

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certificado pelo Estado, os árbitros não seapresentam como uma categoria que reivindicauma posição no espaço do poder de Estado. Oexercício da arbitragem é apresentado como umaespécie de cargo honorífico e temporário exercidopor qualquer indivíduo que tenha notoriedade ouperícia e reconhecimento das partes em conflito.Nesse sentido, trata-se de uma “condição”,vinculada a uma atuação temporária em umcontencioso determinado, onde a “confiança”, ouseja, o crédito das partes, é fundamental.

As câmaras de arbitragem possuem diferentesmodalidades de organização. A partir de uma análisedos perfis dessas organizações em escala nacionalchegou-se a três grandes tipos: (i) câmarasindependentes, nacionais, estaduais ou municipais,constituídas privadamente ou por meio deconvênios com secretarias de justiça e prefeituras,e em alguns casos denominadas de tribunaisarbitrais; (ii) câmaras vinculadas a setoreseconômicos específicos, como o setor de seguros,instituições do mercado financeiro ou associaçõesprofissionais; (iii) as câmaras vinculadas ao setorempresarial criadas no âmbito de associações efederações empresariais – de amplitude federal ouestadual – ou câmara de comércio exterior,envolvendo acordos de cooperação com outrospaíses.

No caso do Rio Grande do Sul, a principalcâmara é vinculada à Federação das AssociaçõesComerciais e de Serviços (Federasul) localizada

em Porto Alegre. Entretanto, o levantamento doconjunto mostrou a existência de outros perfis dearbitragem localizados em municípios do interiordo Estado incluindo organismos que propõemserviços voltados a um público não empresarial. Amaioria das câmaras existentes, entretanto, é filiadaàs instituições nacionais que certificam a práticada arbitragem junto ao meio empresarial: aConfederação das Associações Comerciais eEmpresariais do Brasil (CACB) e o ConselhoNacional das Instituições de Mediação e Arbitragem(Conima), sediados em São Paulo. Da mesmaforma, participam de convênios com o BancoInter-Americano de Desenvolvimento (BID)reproduzindo modelos de organizaçãointernacionais.

Algumas câmaras fundadas no interior doEstado foram desativadas em um período que variade um a três anos após a fundação. Nesses casos,os contatos e entrevistas realizados com dirigentesindicaram que se tratava de iniciativas articuladaspor escritórios de advocacia ou até advogadosindividuais. O mesmo ocorre em casos de câmarasque propõem o uso da Lei da Arbitragem para amediação de conflitos “comunitários”, atuando emescala local, em pequenos conflitos, como o“Tribunal de Mediação e Arbitragem do RS”.Embora não seja o objeto principal do trabalho, éimportante apontar o fenômeno da existência deorganismos que propagam o uso do instituto legalda arbitragem para a promoção de uma espécie de“justiça comunitária” de natureza privada.

TABELA 6 – CÂMARAS DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM NO RIO GRANDE DO SUL

NOME FUNDAÇÃOVÍNCULO

(SETOR ECONÔMICO,ASSOCIAÇÃO ETC.)

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O ESPAÇO DA ARBITRAGEM NO BRASIL

Para a seleção de uma amostra da populaçãode árbitros tendo em vista a construção de dadossobre as biografias comparadas, tomou-se comoreferência o quadro de árbitros da Federasul (N =24), cujo modelo de organização está mais próximodos propostos padrões internacionais voltados parao meio empresarial. Em segundo lugar, foi utilizadoo anuário Análise advocacia 500 (ANÁLISEEDITORIAL, 2007), que contém informaçõessobre as maiores sociedades de advogados do país,utilizando como critério o mapeamento dosescritórios com sede no Rio Grande do Sul, cujossócios apresentavam vínculos com a prática daarbitragem, chegando-se ao N de 14. A partirdessas duas primeiras fontes, e da exploração dedados de trajetos profissionais e acadêmicos doscurrículos vitae, foram agrupados três grandesperfis de árbitros.

Um primeiro agrupamento é composto de“juristas notáveis”, que tem destaque no espaçojurídico do Rio Grande do Sul, abrangendo

bacharéis que ocuparam cargos de direção noTribunal de Justiça do Estado ou foram ministrosem tribunais superiores ou ainda advogadosformados nas décadas de 1950 e 1960 comprodução intelectual e destaque na elite jurídica.Uma segunda composição compreende“advogados de negócios”, vinculados aosescritórios de advocacia empresarial do Estado,que atuam também na arbitragem e, invariavel-mente, são mais jovens do que os juristas compassagem pelo poder Judiciário. Finalmente, umterceiro segmento contempla os “peritos”, sendoconstituído por indivíduos não formados emDireito, em grande maioria engenheiros, arquitetos,contabilistas, economistas e administradores.

A comparação dos trajetos e inserçãoprofissionais, acadêmicos, associativos e políticosdos três grupos permitiu indicações relevantessobre os recursos possuídos e mobilizados para aconstrução da posição de árbitro.

FONTES: Conima (2011); CACB (2011); Engelmann (2010).

TABELA 7 – PERFIL DOS ÁRBITROS NO RIO GRANDE DO SUL

FONTE: Engelmann (2010).

MODALI-DADE

PARTICIPA-ÇÃO NA

DIREÇÃO DEINSTITUTOSDE ADVO-

GADOS E/OUOAB

OCUPA-ÇÃO DEPOSTOS

NOSETOR

PRIVADO

PARTICIPA-ÇÃO EM

ASSOCIA-ÇÃO

COMERCIALOU

INDUSTRIAL

PRODU-ÇÃO INTE-LECTUAL

(TEMAARBITRA-

GEM)

OCUPAÇÃODE POS-TOS NOPODER

JUDICIÁRIO

PRODU-ÇÃO

INTELEC-TUAL

GERAL

MAGIS-TÉRIOSUPE-RIOR

INSER-ÇÃO

INTER-NACIO-

NAL

N

N

N

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O primeiro agrupamento caracterizado porbacharéis em Direito que ocuparam postos nacúpula do poder Judiciário ou obtiveram destaqueno espaço da advocacia caracteriza-seprincipalmente por seu ingresso tardio – após aaposentadoria como Desembargador ou Ministrode Tribunal Superior – na condição de Árbitro.Também é um conjunto de indivíduos minoritárioem relação aos advogados de negócios e aosperitos.

A notoriedade obtida no meio jurídico soma econfunde-se com a origem social no meio degrandes famílias de juristas ou políticos eostentação de um grande capital cultural. Destaca-se a ocupação de postos de direção no Tribunalde Justiça, passagem por conselhos – tais comoo conselho penitenciário –, diretorias e conselhosconsultivos da Ordem dos Advogados do Brasil(OAB) e na direção do Instituto dos Advogadosdo Rio Grande do Sul. O exercício dessas funçõese cargos honoríficos combina-se com a gestãode um capital social que envolve o pertencimentoa diversas espécies de associações e institutos forado espaço jurídico. Uma notoriedade como“intelectual” derivada da dedicação às “atividadesculturais” e “literárias”, ostentação de medalhas ecomendas conferidas por instituições públicas epor institutos culturais que certificam “destaquesocial”.

Em um mesmo sentido, a carreira paralela nomagistério superior, assim como as publicaçõesde livros sobre temas jurídicos, soma-se àconstrução da posição de “notável saber jurídico”.Observa-se, nesse caso, que a maioria produz naárea de Direito Processual – disciplina típica do“Direito de Estado” e não ostenta a produção depublicações na área de Direito Empresarial ou daArbitragem. Da mesma forma, esse grupo nãoparticipa de associações comerciais e industriais,indicando que sua notoriedade, garantida pelaposição de árbitro, é reconvertida de fora doespaço empresarial.

No caso dos “advogados de negócios”, anotoriedade deriva predominantemente da inserçãono mundo empresarial por meio da ocupação depostos de assessoria jurídica em associaçõescomerciais e industriais, a presença em diretoriase conselhos da OAB, além do domínio de umaexpertise relacionada ao Direito Privado, que podeser detectada no número de agentes desse póloque lecionam e possuem produção intelectual na

área do Direito Empresarial. Além da produçãointelectual destaca-se, em alguns casos, oinvestimento na propagação das idéias relacionadasà arbitragem e, mais amplamente, aos movimentosde reformulação das teorias do Direito pela ciênciaeconômica, como o law & economics. Pode-seincluir nesse aspecto a fundação, por um grupode advogados de empresas, em 2006, do Institutode Direito e Economia do Rio Grande do Sul.

A principal diferença desse pólo de advogadosem relação aos bacharéis com maior notoriedadeno mundo jurídico é sua presença junto aassociações empresariais e a ausência de passagempela alta burocracia judiciária. Também se podedestacar que se trata de um agrupamento graduadomajoritariamente na década de 1990, o quecontrasta com o primeiro pólo de juristas formadonas décadas de 1950 e 1960.

A terceira categoria de árbitros tem comoprincipal recurso para a construção de suacondição a posse e mobilização da perícia técnica.É um grupo que se distingue dos outros dois pornão ser constituído por bacharéis em Direito.Formado por engenheiros, arquitetos,administradores e contabilistas, a maioria possuio título de “perito judicial” que se trata de umacertificação que permite a emissão de laudospericiais (tais como auditorias, laudos técnicos deengenharia, veracidade de documentos etc.) queintervém em processos judiciais. A condição de“peritos” é talvez a face mais visível da mobilizaçãode uma condição de expert como recurso para aproferição de decisões em conflitos empresariais,embora por si só não seja condição suficiente paraadquirir notoriedade para a função de árbitro.

A combinação da condição de perito com ainserção em associações empresariais e, em muitoscasos, a ocupação de postos de gerência e direçãoem empresas privadas, é um componentefundamental para a construção da notoriedade dosperitos e seu credenciamento para participaremdo mundo da arbitragem. Também se destaca,nesse pólo, o magistério superior, relacionado atemas técnicos, o que adiciona uma certificaçãoacadêmica à condição de especialista.

Finalmente é importante ressaltar que emnenhum dos três pólos analisados aparece comorelevante a inserção internacional medida pelafreqüência de cursos de pós-graduação no exterior,pertencimento a redes internacionais acadêmicasou relacionadas a associações de árbitros. Esse

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O ESPAÇO DA ARBITRAGEM NO BRASIL

fator não se deve apenas à condição mais periféricado Rio Grande do Sul no espaço econômiconacional, visto que entre os autores de livros sobrearbitragem posicionados em diversas regiões,também a inserção internacional é frágil. Talvezessa pouca participação em fóruns internacionaisseja mais um dos indicativos da incipiência dapenetração da arbitragem no âmbito dos negóciosno mundo empresarial brasileiro que se soma àresistência desse modelo de justiça por parte daselites judiciais posicionadas no sistema estatal.

As entrevistas informativas realizadas comárbitros presentes nas listas da Federasul e outrascâmaras no Rio Grande do Sul evidenciam anatureza precária da atuação dos árbitros. Emboratenha havido convênios com o BID e recrutamentoe treinamento de indivíduos para essas práticas,os casos de atuação efetiva são escassosrestringindo-se a demandas pontuais de advogadosvinculados a grandes escritórios de advocaciaespecializados no direito empresarial.

VI. CONCLUSÕES

Os dados produzidos na pesquisa sobre ostrajetos comparados dos autores sobre arbitrageme dos árbitros analisados no Rio Grande do Sul,assim como do processo de mobilização em tornoda aprovação da Lei da Arbitragem, mostram ummovimento pela construção de um modelo dejustiça profundamente imbricado ao espaçoempresarial e dos negócios; o que envolve desdea ideologia liberal dos institutos empresarias e operfil de lideranças políticas que apóia a construçãoda lei até as teorias econômicas mobilizadas parafundamentar simbolicamente esse espaço.

Da mesma forma, as espécies de recursosmobilizados pelos árbitros na construção da suanotoriedade se posicionam ao lado do capitaljurídico mais clássico. Se a notoriedade comogrande jurista é construída a partir do acúmulo deum capital jurídico certificado pela passagem empostos na cúpula do poder Judiciário e com aparticipação em associações de juristas e sucessoem uma longa carreira como advogado, aconstrução da notoriedade necessária para ser um“árbitro” advém principalmente de outro caminho.Trata-se de um eixo que combina expertises comum capital de relações sociais junto ao meioempresarial, o qual pode ser medido principalmentepela presença em diretorias de associaçõescomerciais e industriais.

Embora a presença de árbitros “grandesjuristas” que passaram pela cúpula de tribunais, operfil mais recorrente ostenta uma forte inserçãoem associações empresariais, institutos, câmarasde comércio e na advocacia empresarial. Trata-sedo pólo que concorre, inclusive, com uma espéciede árbitro “não jurista” que ancora sua notoriedadena condição de “perito” combinada com a notorie-dade junto ao meio empresarial.

A oposição entre os trajetos que contribuempara a notoriedade dos árbitros aos quecondicionam a notoriedade dos juristas talvez ajudea explicar as dificuldades de consolidação daprática da arbitragem no contexto brasileiro. Mes-mo com a existência de marcos legais, daproliferação de câmaras e da transferência demodelos de organização padronizados internacio-nalmente, o monopólio da jurisdição permanececom aqueles que detêm o capital jurídico que, pordefinição, é fortemente certificado pelo Estado.

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O ESPAÇO DA ARBITRAGEM NO BRASIL

CRONOLOGIA DA LEI DA ARBITRAGEM NO BRASIL

ANEXO

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FONTES: Muniz (2005); Machado (2009).