recuo da teoria- dilemas na pesquisa em educaÇÃo maria célia marcondes de moraes

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RECUO DA TEORIA: DILEMAS NA PESQUISA EM EDUCAO

Maria Clia Marcondes de Moraes (UFSC)

Prolifera nos dias de hoje desmedida confiana nas possibilidades da educao. Governo e oposio, filsofos, telogos, cientistas, sindicatos e empresas, locutores e jornalistas, o povo nas ruas, todos parecem reconhecer-lhe uma indisputvel primazia. E no de surpreender que seja assim. Afinal, sempre em tempos adversos, como os que vivemos, que a educao galga os degraus mais altos do reconhecimento pblico e o imaginrio popular reveste-a com a velha fantasia salvacionista, cujos exemplos a histria os tm em grande nmero para contar.

Os desestabilizadores efeitos da reestruturao scio-econmica em escala planetria tm sido exaustivamente descritos em prosa e verso. No cabe retom-los aqui. Se possvel discutir seu alcance e densidade vale lembrar, decorrentes da imposio e do espraiamento dos imperativos capitalistas em todas as esferas da vida humana h, contudo, poucas dvidas sobre as repercusses da internacionalizao do mercado sobre o traado econmico do mundo contemporneo. Os pases exportadores se obrigam a buscar alternativas que lhes permitam participar do complexo jogo econmico mundializado e a sobreviver disputa por vantagens competitivas, tornando ainda mais visveis a separao entre os que ganham e os que perdem. Tal estado de coisas tem efeitos, ao mesmo tempo extensos e profundos sobre as vrias prticas sociais e, de modo particular, sobre a educao.

De fato, o elevado grau de competitividade ampliou a demanda por conhecimentos e informaes e, em decorrncia, a educao foi eleita estratgica para fazer face velocidade das mudanas. Se o mundo virou pelo avesso, a educao deve acompanh-lo na reviravolta. A escola tradicional, a educao formal, as antigas referncias educacionais, tornam-se obsoletas. preciso, agora, elaborar uma nova pedagogia, um projeto educativo de outra natureza. O discurso claro: no basta apenas educar, preciso assegurar o desenvolvimento de competncias (transferable skills), valor agregado a um processo que, todavia, no o mesmo para todos. Para alguns, exige nveis sempre mais altos de aprendizagem, posto que certas competncias repousam no domnio terico-metodolgico que a experincia emprica, por si s, incapaz de garantir. Para a maioria, porm, bastam as competncias no sentido genrico que o termo adquiriu hoje em dia, e que permitem a sobrevivncia nas franjas do ncleo duro de um mercado de trabalho fragmentrio, com exigncias cada vez mais sofisticadas e nveis de excluso jamais vistos na histria. Como se sabe, o capitalismo tornou-se um espetculo global para a minoria (Grupo Krisis, 2000).

Documentos de organismos multilaterais, como o Banco Mundial, UNESCO, CEPAL, de mercados regionais, como o MERCOSUL e a Unio Europia, ou os de governos nacionais, so unnimes em assegurar a centralidade da educao e, sobretudo a chamada educao bsica nas atuais circunstncias econmicas e polticas. Com mais ou menos transparncia duas razes justificam tal centralidade. Em primeiro lugar, porque a educao, ela prpria, tornou-se mercadoria mediante a introduo de mecanismos de mercado no financiamento e gerenciamento das prticas educacionais. Um produto a mais entre os muitos a serem consumidos. Em segundo, porque a ela atribuda a funo de formar a fora de trabalho com as competncias necessrias para atender ao mercado.

Os destinos da educao, desse modo, parecem estar diretamente articulados s demandas de um mercado insacivel e da sociedade dita do conhecimento. Como decorrncia, os sistemas educacionais dos vrios pases sofrem presses para construir ou consolidar escolas mais eficientes e aptas a preparar as novas geraes e, alm da atualizao do sistema escolar, a criarem mecanismos para uma educao continuada, uma educao para toda a vida. A educao, enfim, adequada sociedade na qual todos os lugares so lugares de aprendizagem all places are learning places.

Alis, a educao para toda vida, como assinala Walters, tem se configurado nos discursos e polticas educacionais como uma verdadeira panacia. Assegura-se, afirma a autora, que tal educao ir ajudar no desenvolvimento das carreiras, curar o desemprego, estimular a flexibilidade e a mudana, incrementar a competitividade pessoal e nacional, contribuir para o desenvolvimento de carreiras, etc. (Walters, 1999, p, 578). Uma verdadeira educao teraputica, poderamos agregar! Na maior parte dos casos, contudo, o uso contemporneo do termo refere-se ao processo que expe e permite acesso manipulao de pacotes prontos de conhecimento, de acordo com os indicadores de desempenho e aceitao no mercado e a posio que nele ocupamos. Ou seja, trata-se de mecanismo de controle social mediado pelo mercado (Preston, 1999, p. 562). Ademais, se concordamos com McLaren que um dos mais srios traumas do capitalismo contemporneo justamente a insegurana e o desemprego de longo prazo, pode-se suspeitar que a relao entre educao e as necessidades econmicas so mais complexas do que podem parecer primeira vista (McLaren, 1999, p. 13).

Neste ponto gostaria de convidar os leitores a uma pequena incurso em um debate que, no casualmente, a maior parte dos educadores relega ao campo da filosofia, isolando-o por l e no o incluindo em suas preocupaes tericas. Fato que, a meu ver, constitui-se em grave equvoco. Meu argumento o de que, no mais das vezes, a discusso terica tem sido gradativamente suprimida das pesquisas educacionais, com implicaes polticas, ticas e epistemolgicas que podem repercutir, de curto e mdio prazos, na prpria produo de conhecimento na rea.

A celebrao do fim da teoria movimento que prioriza a eficincia e a construo de um terreno consensual que toma por base a experincia imediata ou o conceito corrente de prtica reflexiva se faz acompanhar da promessa de uma utopia educacional alimentada por um indigesto pragmatismo (Burgos, 1999, p. 468). Em tal utopia praticista, basta o saber fazer e a teoria considerada perda de tempo ou especulao metafsica e, quando no, restrita a uma oratria persuasiva e fragmentria, presa sua prpria estrutura discursiva.

O que teria ou estaria direcionando o movimento que faz prevalecer a empiria e, por conseguinte, marginaliza os debates tericos no campo educacional? Com certeza, no pode haver uma resposta nica para questo assim to complexa. Aqui nos limitamos, apenas, a indicar algumas pistas. Mas, sob esta tica, a de um recuo algumas vezes, talvez, at a de um retrocesso da teoria que apresento minhas reflexes. Vou exp-las em dois registros que, embora diferenados, so profundamente articulados entre si. Em primeiro lugar, rastreio indcios da degradao terica no campo educacional e destaco um ponto que a mim parece ser importante, a re-significao dos conceitos ora em curso. Em segundo, assinalo alguns impactos do recuo da teoria sobre a tica.

O RECUO DA TEORIA

Talvez a causa mais imediata desta marcha-r intelectual e terica esteja na definio e efetivao das prprias polticas educacionais, em nveis nacional e internacional. No Brasil, por exemplo, assistimos ansiedade de nossos programas de ps-graduao, obrigados a atender os quesitos do sistema de acompanhamento e avaliao da CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior, do Ministrio da Educao), particularmente e sob a ameaa de perda de bolsas-de-estudo dos alunos , o de cumprir os prazos cada vez mais restritos em que mestrandos e doutorandos devem concluir suas dissertaes ou teses.

Por outro lado, contemplamos, perplexos, a emergncia de um certo ethos neo-darwinista que vem banalizando a poltica intra-muros das universidades pblicas brasileiras, que agora devem ser de resultados. No Brasil, a acelerao crescente do processo de privatizao e de empresariamento do ensino; o progressivo descompromisso do Estado, sob o pretexto de crise fiscal, com o financiamento da universidade e do ensino pblico em geral; a definio de polticas nacionais que comprometem dramaticamente as condies efetivas do ensino e da pesquisa na produo acadmica inclusive com o aviltante achatamento dos salrios de seus profissionais , instauram um clima propcio desagregao do ambiente acadmico e, bem de acordo com o esprito da poca, promovem o individualismo e descaracterizam as funes de docentes e pesquisadores (Andes/SN, 1996, p. 10). Este universo afronta os professores universitrios, transformados que foram em agentes da extenso agora concebida como oferta de servios a preos de mercado, em detrimento da produo da pesquisa e do conhecimento (Moraes, 1999, p. 57).

Difcil, por certo, pensar em teoria em tal clima de desconsolo. A tal prtica reflexiva parece responder bem e melhor s atuais demandas, alm de se mostrar pragmaticamente mais eficaz. Mas, como antes assinalei, esta me parece ser apenas a causa mais aparente do problema em tela. H outras, e essas vm de mais longe.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que no plano teortico as propostas que desqualificam a teoria tm origem na convico em torno da falncia de uma determinada concepo de razo: a chamada razo moderna de corte iluminista, emblemtica das culturas liberais do ocidente, produto de uma burguesia ainda em luta por sua definio e consolidao em face de seu outro, feudal, aristocrtico (Clark, 2000, p. 87). A racionalidade iluminista abrangia e balizava um conjunto de princpios, idias e prticas reguladoras que lhe permitia auto-representar-se possuindo as condies para estabelecer a ntida demarcao entre racional e irracional, entre episteme e doxa, entre verdade e erro, entre cincia e no cincia (Duayer e Moraes, 1998, p. 64). Ademais, acreditava poder assegurar as bases para a lei e a moralidade. No de surpreender, portanto, que o desenvolvimento e o cultivo desta razo uma idia construda em prticas de pensamento e linguagem (Lawson, 1998, p. 111) tenha se tornado um objetivo educacional prioritrio.

A crtica contempornea, no entanto, desestruturou tudo o que referenciava a soberania de tal concepo de racionalidade. Por esse motivo, as cincias de modo geral, e a educao em particular, no puderam ignorar a crise, uma vez que esta igualmente a sua crise. Foi preciso, assim, confrontar as novas condies que punham em questo a sua prpria legitimidade (Duayer e Moraes, 1998, p. 64). Como definir padres epistemolgicos, educacionais, ticos ou polticos se no se dispe mais da chancela da concepo moderna e iluminista de racionalidade? Como pensar a tica ou o conhecimento sem o suporte de uma subjetividade livre, racional, consciente e dotada de vontade e responsabilidade? Ou de uma inter-subjetividade tambm racional, consciente e responsvel, capaz de justificar seus atos e responder por eles? Como e o que ensinar se todas as interpretaes e perspectivas so igualmente vlidas e sem referente? Como e o que ensinar se a mudana conceitual repousa na persuaso e no na razo? Se conceitos cientficos so apenas mais um entre os mltiplos jogos de linguagem?

Mais do que as cincias da natureza que, mal ou bem, so sancionadas por seus sub-produtos tecnolgicos, as cincias sociais, particularmente em seu aporte educao, uma vez perdidos seus tradicionais instrumentos de legitimao, sofreram fortemente o impacto do movimento crtico (idem, p. 68). Procedeu-se, ento, a uma verdadeira sanitarizao na tal racionalidade moderna e iluminista. E, em tal nvel, que se verteu fora no s as impurezas detectadas pela inspeo crtica, mas o prprio objeto da inspeo; no apenas os mtodos empregados para validar o conhecimento sistemtico e arrazoado, mas junto com a gua e o balde, a verdade, o racional, a objetividade, enfim, a prpria possibilidade de cognio do real. Instaurou-se, ento, um mal-estar epistemolgico que, em seu profundo ceticismo e desencanto, motivou-se a se pensar alm de si mesmo, propondo uma agenda que abriga todos os ps, os neo, os anti e que tais, que infestam a intelectualidade de nossos dias.

O recuo da teoria foi, to somente, decorrncia natural desse processo. Inaugurou-se a poca ctica e pragmtica, dos textos e das interpretaes que no podem mais expressar ou, at mesmo, se aproximar da realidade, mas se constituem em simples relatos ou narrativas que, presas das injunes de uma cultura, acabam por arrimar-se no contingente e na prtica imediata o que se pode denominar de metafsica do presente, ou como define Jameson, uma histria de presentes perptuos (Jameson, 1988, p. 26). O ceticismo, todavia, no apenas epistemolgico, mas tambm tico e poltico. E importa para ns tanto em sua verso conservadora, enquanto pea retrica, consciente ou no, de venerao ao mercado, como igualmente em sua verso crtica e radical. Na verdade, esses momentos, conservador e crtico, com freqncia se superpem de tal modo que, muitas vezes, fica difcil identific-los em sua confluncia.

O que possuem em comum a viso romntica e estetizante da poltica e da sociedade e, particularmente, da educao. A retrica precisa. A negao da objetividade aparece aqui associada idia de desintegrao do espao pblico, do fetichismo da diversidade, da compreenso de que o poder e a opresso esto pulverizados em todo e qualquer lugar. Da resulta a impossibilidade de estabelecer uma base de resistncia e de enfrentamento da realidade efetiva que, queiram ou no, apresenta-se aos sujeitos enquanto totalidade da economia e das relaes de poder.

Frente a ela o sujeito esttico e fragmentrio, embora capaz de reconhecer o carter srdido das relaes sociais prevalecentes em escala planetria, de sonhar e at vislumbrar a possibilidade de uma vida melhor, revela-se impotente para intervir e atuar no mundo real (Moraes e Duayer, 1998, p. 106-107). Afinal, o ethos sempre uma atitude limite: supe a possibilidade de transgredir. No no sentido individual, fragmentrio, o da esfera da liberdade privada. Mas, no sentido da interveno que guarda em si a polaridade entre uma certa universalidade reconhecida e o que fazemos de nossa liberdade. Enfim, o ethos significa assumir, sempre no limite, nossas possibilidades histricas.

Nesse particular interessa, sobretudo, chamar a ateno para um significativo aspecto da inflexo terica contempornea: o sutil exerccio lingstico posto em prtica em anos recentes. Termos e conceitos tm sido absorvidos pela pragmtica retrica corrente. Uns foram naturalizados o capitalismo, por exemplo alguns foram construdos, re-significados, modificados ou substitudos por outros mais convenientes. O termo igualdade, entre outros tantos exemplos, cedeu lugar equidade, o conceito de classe social foi substitudo pelo de status scio-econmico, os de pobreza e riqueza pela peculiar denominao de baixo e alto ingressos sociais. Destinado a assegurar a obedincia e a resignao pblicas, o novo e pragmtico vocabulrio faz-se necessrio para erradicar o que considerado obsoleto e a criar novas formas de controle e regulao sociais. Alcanar o consenso ento fundamental, o que efetivado com inegvel sucesso, seja pela cooptao de intelectuais tantos deles educadores , bem como pela monocrdia repetio de um mesmo discurso reformista para a educao nos documentos das agncias multilaterais e nas polticas de governo de vrios pases, notadamente na Amrica Latina.

O exemplo mais admirvel, por suas fortes repercusses, seja talvez a re-significao sofrida pelo conceito de sociedade civil que adquiriu um emblemtico sentido positivo nos ltimos tempos. As origens do conceito, como se sabe, podem ser encontradas na Ilustrao escocesa, quando o termo foi cunhado para designar a chegada da nova economia comercial do sculo XVIII, ou em Rousseau, que o utiliza para descrever o estado de sociedade em contraposio sociedade natural ou estado de natureza. Com Hegel, mais tarde, a sociedade civil ser pensada como a arena de necessidades particulares, dos interesses egostas de um mercado capitalista emergente e, portanto, dotada de forte potencial de auto-destruio. Para Hegel a sociedade civil seria o mbito da dissoluo, da misria e da corrupo fsica e tica, o qual s poderia se regulamentado, dominado e anulado na ordem superior do Estado, ou sociedade poltica, momento superior de racionalidade. A necessidade do Estado como princpio superior de ordenamento racional pe-se, exatamente, porque a sociedade civil, deixada a si mesma, no poderia, nem teria as condies para superar esse estado de dissoluo e anarquia (Bobbio, 1982, p. 29).

Contrapondo-se a Hegel, Marx afirmar a sociedade civil moderna como a prpria sociedade burguesa, dilacerada pelas contradies e conflitos entre capital e trabalho, pela concorrncia, pelos interesses privados, pela anarquia, pelo individualismo. Fundada na propriedade privada e regida pelo capital, a sociedade civil um campo de guerra de uns contra os outros. Nesta concepo, o Estado no se constitui em um princpio racional ordenador, mas expresso daquelas contradies, nelas tem fincada a sua origem e so elas, em ltima instncia, que delimitam e determinam suas aes. Impossibilitado de superar contradies que so constitutivas da sociedade civil e, dele prprio, portanto , cabe ao Estado administr-las, suprimindo-as no plano formal, mantendo-as, porm, no plano real. Os propsitos supostamente universais, como os encarnados no ideal do Estado hegeliano, estariam assim a servio de interesses particulares de classe. Para Marx, a efetiva superao dos conflitos da sociedade civil condio para a plena realizao das potencialidades humanas supe que sejam revogados, a prpria sociedade civil e sua expresso na esfera do poltico, a sociedade poltica ou o Estado (Marx, 1964).

No incio do sculo XX, Gramsci introduz na anlise da sociedade civil, daprs Lenin, a questo da hegemonia. No obstante as controvrsias existentes sobre o conceito gramsciano de sociedade civil possvel inferir que sua concepo difere daquela apresentada por Marx. Sociedade civil, em Gramsci, um momento da superestrutura, compondo uma noo ampliada de Estado; neste sentido, constitui-se na esfera ideolgica na qual uma classe afirma sua hegemonia sobre uma outra mediante uma multiplicidade de organizaes e instituies privadas, que constituem o contedo tico do Estado. Assim, se em Gramsci o conceito de sociedade civil no deixa de incluir as condies materiais da vida e suas contradies, privilegia, sobretudo, os aparelhos ideolgico-culturais da hegemonia que, mediante a direo intelectual e moral da sociedade obtm, pela persuaso, o consentimento e a adeso das classes subalternas. O campo da sociedade civil, campo da ideologia, assim extremamente vasto e considerado, por Gramsci, como a arena da luta intelectual contra-hegemnica para o movimento operrio revolucionrio (Gramsci,1970).

Mais recentemente, o sinal e o signo do termo foram invertidos. O que fora um conceito crtico, tornou-se guia laudatrio no vocabulrio do liberalismo contemporneo; o que antes indicava a explorao, interesses materiais concretos, antagonismo e iluso, torna-se agora um princpio positivo que designa uma suposta esfera de autenticidade e de liberdade, de manifestao e exerccio de uma diversidade irredutvel, de diferenas insuperveis: a sociedade civil como instncia positiva de realizao plena e democrtica de tais diferenas e, no limite, identificada com a prpria democracia (Anderson, 1997, p. 32). Foi-se o tempo em que o capitalismo era o adversrio. Torna-se agora limite e destino do processo histrico e a expresso sociedade civil, at por sua formidvel histria e fora material e ideolgica, alivia o desconforto e o constrangimento postos por este telos.

Em sua nova verso a sociedade civil veste bem o figurino, fazendo-se palco onde atores representam nobres ideais, ou nem tanto, mas todos legtimos enquanto expresso daquela diversidade de culturas, sujeitos, agentes, etc. singulares e, portanto, insubordinveis a qualquer universalidade que viesse a congregar a multido de agentes livres (idem). E, para que melhor cumpra seu papel, dela exorciza-se qualquer base scio-econmica concreta: desarticulam-se os nexos mais profundos do todo social, negam-se as articulaes entre economia e poder poltico, proclama-se a autonomia da poltica e do discurso, enfatiza-se a espontaneidade e a diversidade.

No por acaso, o assim chamado Terceiro Setor tem sido considerado o atual fulcro da sociedade civil re-significada. H poucos anos, ministros do governo Fernando Henrique Cardoso, em projeto de lei enviado ao Congresso Nacional brasileiro, em 24 de julho de 1998, louvavam as organizaes no governamentais (ONGs) no por sua eventual capacidade de organizao e interveno , mas por sua espontaneidade, diversidade e criatividade como os novos atores do processo de participao cidad. Na exposio de motivos do projeto afirmam: o conceito de Terceiro Setor inclui o amplo espectro das instituies filantrpicas dedicadas prestao de servios nas reas de sade, educao e bem estar social. Compreende, tambm, as organizaes voltadas para a defesa dos direitos de grupos especficos da populao, como mulheres, negros e povos indgenas, ou de proteo ao meio ambiente, promoo do esporte, cultura e lazer. Alm disso, engloba as experincias de trabalho voluntrio, pelas quais cidados exprimem sua solidariedade atravs da doao de tempo, trabalho e talento para causas sociais. Mais recentemente temos observado o fenmeno crescente da filantropia empresarial, pela qual as empresas concretizam sua responsabilidade social e o seu compromisso com melhorias nas comunidades. Diante to extravagantes palavras, pode-se indagar: se o desejo dos ministros se realizasse e a parceria filantrpica pudesse alcanar xito, no teramos enfim alcanado a utopia capitalista do positivismo comteano, a convivncia pacfica e harmoniosa dos bons patres e dos bons empregados, ou dos bons subalternos e excludos, de modo geral?Nesse horizonte ideolgico apaziguado, constrange-se o agir consciente de mulheres e homens na histria. Dilui-se a grande questo dos valores e dos fins. Perde-se a possibilidade de transgresso, para alm dos limites individuais, ou de grupos. De forma ardilosa proclama-se o novo patamar democrtico, no qual devero constituir-se os modos emergentes de resistncia tica, poltica e discursiva vivenciados por atores plurais ou pelas mltiplas identidades sociais. Em tal mbito no admitida qualquer hierarquia de determinaes nas relaes sociais existentes hierarquia que, de todo modo, resultado inevitvel da formao histrica dessas relaes , de forma que as clivagens ali escandalosamente evidentes so obliteradas em favor de um nivelamento das noes de multiplicidade e diversidade, marcadamente culturais. Definidas no campo da cultura neste lugar que a construo das vrias identidades encontra sua base e sua sustentao. Entram em cena os atores, saem dela os sujeitos. Atores que articulam relaes sempre plurais, sem hierarquias, em fluxo e mobilidade constantes, atores partilhando com outros mltiplas e mutveis identidades e que tm na ambincia cultural j existente os limites de sua atuao.

Trata-se, portanto, neste discurso, de enfatizar a cultura como a ltima differentia specifica (Anderson, 1997, p. 34). Fato que tem implicaes inequvocas: se tudo passa a ser logicamente subordinado cultura, segue-se que a constituio da sociedade civil deve ser, por certo, cultural, um sistema de significados, onde, como afirma Ahmad, parece sempre haver uma cesta repleta de variedades de forma que todas as diferenas possam ser acomodadas de modo a evitar todo antagonismo (Ahmad, 1995, p. 48). Percebe-se, assim, o particular contexto em que surge a nova e envolvente temtica da cultura identidade civilizatria como cultura, eficcia econmica como cultura, sociedade civil como cultura (Anderson, 1997, p. 34).

Mesmo quando uma certa objetividade do contexto histrico no de todo negada, como em Rorty (1991, 1994, 1996), por exemplo, ela no pode ser alcanada pelo pensamento que, em ltima anlise, est sempre imerso em uma cultura. Assim como no h uma plataforma supra-cultural, um gancho celeste a partir do qual se possa sair da prpria cultura para contemplar o mundo l fora, no pode haver, por conseguinte, um estado mental cujo contedo pudesse ser o espelho deste mundo. A sua representao s pode ser, portanto, textual, cultural etc., simplesmente porque no existe algo como o modo pelo qual uma coisa realmente acontece, para alm de sua descrio, para alm do uso que os seres humanos possam fazer dela (Rorty, 1991, p. 99). E, estando tal alternativa cultural descolada de qualquer reordenao sistemtica das foras sociais e suas metas estratgicas, o resultado, por necessidade, uma utopia voluntarista, um certo encanto niilista ou, ento, uma viso acomodada e conformada ao sistema vigente.

Mas, pode-se indagar, o que essas questes tm a ver com o recuo da teoria? Estou convencida que o apaziguamento da sociedade civil, o esvaziamento das diferenas, reduzidas agora mera diversidade cultural, exercem forte impacto sobre a poltica da teoria desenvolvida na pesquisa em cincias sociais e na educao, em particular. Denotam o silncio e o esquecimento, a calada que envolve a aceitao a-crtica da lgica do capital, no obstante a violncia econmica e a destruio social e cultural efetivada por sua vanguarda. Nada mais so, a meu ver, do que outro disfarce para o pesadelo da histria, o ocultamento do escandaloso fato do trabalho sem d e alienado e da irremedivel perda e desperdcio de energia humana, um escndalo que no encontra sentido em nenhuma categoria metafsica (Jameson, 1988, p. 162).

Toda teoria, como lembra Norris, tem conseqncias, tanto negativas como positivas. Em seu lado positivo, a teoria pode nos oferecer as bases racionais e crticas para rejeitar muito do que hoje nos chega como consenso ou como sabedoria poltica realista a Realpolitik to apregoada pelos burocratas no poder. Ela pode nos ajudar a compreender que tal realismo que conforma o pensamento nico no apenas construdo ideologicamente e tomo a liberdade de reforar o uso do termo, to desqualificado pelo pensamento ps-si-mesmo mas representa interesses scio-econmicos e polticos precisos, disfarados sob a roupagem de um esprio apelo populista aos valores do individualismo consumista. Por outro lado, como assinalamos rapidamente acima, a teoria pode promover o ceticismo generalizado sobre as questes do conhecimento, da verdade e da justia, uma viso que os torna, ao fim e ao cabo, sem sentido e absurdos, trazendo como conseqncia a paralisia e uma boa dose de irracionalismo (Norris, 1996, p. IX).

Jameson assinala que as questes econmicas e polticas postas pela realidade do mercado no podem ser pensadas como se fossem um adorno ou um luxo suplementar idealizado, e transportadas a algum museu cultural para serem descritas, em tais termos, por especialistas. Transportando essas palavras para mais perto, a realidade da escola nos dias de hoje, a poltica do conhecimento que a envolve, a matriz cognitiva que se pe em jogo e a servio do mercado, no podem abdicar de uma teoria e de uma crtica que as apreendam em suas determinaes concretas. Fato que envolve a compreenso, no de uma sociedade civil pretensamente apaziguada, mas, ao contrrio, processual, complexa, diferenciada, espao de luta pela justia e interveno sociais. Uma sociedade civil da qual a escola componente essencial.

Por outro lado, se temas e objetos so hoje emergentes nas pesquisas educacionais, como gnero, etnias, gerao, confisses religiosas, meio ambiente, multiculturalismo, imaginrio, subjetividade, poder-saber, micro-relaes, entre outras, devem ser pensados e discutidos com cuidado (Moraes, 1999a). S a teoria associada a uma intensa renovao pedaggica e no a experincia imediata, a narrativa simblica e descritiva, as estrias de vida coladas ao cotidiano so capazes de impedir que os instigantes novos objetos sejam reduzidos a micros-objetos, fragmentos descolados e, ao contrrio, se transformem em poderosas foras crticas a anunciar a criao de uma pedagogia radicalmente no racista, no sexista e no homofbica.

Enfim, esse o universo de questes que afronta, hoje em dia, educadoras e educadores. nele que se efetivam nossas inquietaes sobre os valores e os fins, sobre nossa prtica e sobre as perspectivas tericas que adotamos. Nessas circunstncias, sobretudo, evidencia-se o papel estratgico de uma reflexo terica e crtica sobre a educao e seu papel em uma sociedade civil que se quer esvaziada de conflitos, conformada como "sociedade educativa", harmnica, positiva, pragmtica, tolerante e plural. De todo modo, tais questes transcendem, em muito, a discusso meramente emprica ou a simples descrio dos fenmenos referentes pesquisa ou educao; remetem, ao contrrio, ao grande debate filosfico e cientfico contemporneo. Este um dos mais interessantes desafios que temos que enfrentar.

PARA FINALIZAR, ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE A TICA

Gostaria, neste ponto, de introduzir alguns aspectos sobre a tica. Tomo como ponto de partida um livro que Ian McEwan publicou em fevereiro de 1998. Trata-se de um romance, intitulado Enduring Love, uma obra de fico que capta, com rara preciso e em apenas um captulo, o primeiro , o perfil do ethos dilacerado das relaes sociais no Ocidente contemporneo. A estria relata a tentativa de um grupo de homens de resgatar um menino, imobilizado pelo medo, dentro da cesta de um balo que insistia em subir levado por rajadas de vento. A estria no tem um final feliz. O menino salva-se, quando mais tarde supera o medo e consegue manejar o balo, trazendo-o de volta, mas morre um dos homens que procurava salv-lo. Ao descrever o desenlace, o narrador, participante dos acontecimentos, expe como se quebra o campo de atuao coletiva. O que aproximava os seis homens que se desconheciam at ento envolvidos no salvamento e que se agarravam s cordas que pendiam do cesto na tentativa de segur-las, era apenas uma vaga inteno comum, uma predisposio para a ajuda. To somente isto os unia na busca de fixar o balo. Nenhum conhecimento partilhado, nenhuma organizao, nenhuma hierarquia, nada, a no ser o vago, fragmentrio e individual propsito de ajuda. Cada um seguia suas prprias intuies, seu prprio discernimento, cada um trazia sua prpria experincia. Assim, quando uma rajada mais forte impulsiona o balo para o alto o pnico foi mais forte e todos, menos um, largam as cordas. Todos se salvam, menos aquele que se manteve agarrado ao balo na intil tentativa de segur-lo sozinho. E, no entanto, reconhece o narrador, a ao conjunta poderia ter mantido o balo em terra: Algum disse eu, e no havia mais nada a ganhar dizendo ns. (...) De um momento para o outro, a escolha sensata era cuidar de si.

O relato de McEwan apreendeu, de forma comovente, o comportamento tico e moral apregoado como peculiar ao mundo fragmentrio, louvado por tantos na grande conversao intelectual contempornea. Em relao tica, o autor aponta para o que a mim parece ser o momento de uma perda irreparvel. No de algo que tnhamos e que teramos perdido. Mas de alguma coisa que podamos almejar. A fragmentao do real, a diluio dos sujeitos, a nfase na empiria como limite, nos fez perder o horizonte de um ethos, que como os gregos anteviam, o modo pelo qual o ser humano realiza aquilo que lhe prprio como ser pertencente a polis, ser social por excelncia. Isto , nos fez perder o sentido da proposio, demasiadamente humana, da interseco entre a experincia do contingente e o reconhecimento de uma certa universalidade, proposio, alis, intolervel ao discurso neo-pragmtico de resultados imediatos. E, no entanto, princpio de cada ao e de cada escolha de homens e mulheres, ao mesmo tempo em que meio de discernir o telos a ser alcanado (Leopoldo e Silva, 1996, p. 354).

Esta afirmao indica que a responsabilidade moral fica vinculada aos dois plos, tanto ao discernimento individual, quanto universalidade da razo. Ou seja, h uma universalidade caracterstica do uso pblico da razo, uma transcendncia em relao contingncia da vida prtica, que impede que a deliberao tica seja considerada apenas como clculo que opera na imanncia das possibilidades da prxis (idem). A s h campo para o ceticismo e o cnico descompromisso tico que tudo nivela sob o argumento esperto de um pseudo-realismo. Ou, mais grave, por ser mais sedutor, do argumento neo-pragmtico que a solidariedade no pode, jamais, se instaurar sob o signo da razo ou que a verdade estaria circunscrita s crenas publicamente compartilhadas. Como assinala Rorty, se fosse possvel falar em racionalidade e autoridade epistmica, isso s seria possvel tendo como referncia e limite o que a sociedade nos permite dizer, e no o contrrio (Rorty, 1991, 1996).

Entretanto, se o problema essencialmente uma luta sobre prticas, propostas, polticas, teoria, conhecimento e tambm a linguagem, o que as pessoas dizem e fazem em suas instituies e em suas pesquisas importa, e muito (Fitzsimons, 1999). E porque importa o que se diz e o que se faz, no podemos deixar-nos capturar pelo recuo da teoria, pelo voluntarismo, pelo desencanto niilista ou uma viso impotente e conformada ao sistema hegemnico. Nem pelo ethos cnico da aquiescncia que nivela todos os valores, e pela retrica espria de uma liberdade e uma escolha meramente consumistas. Vejo a relao entre tica, teoria e educao efetivando-se nesta tensa relao. E, sobretudo, na perspectiva de resgatar o projeto de construo de uma esfera pblica que tenha sentido social e na qual haja a ganhar dizer ns.

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No Brasil, a educao bsica inclui trs nveis de ensino: a educao infantil (0 a 6 anos), ensino fundamental (7 a 14 anos, nico nvel obrigatrio) e ensino mdio (15 a 17 anos). Tendencialmente, a educao infantil e o ensino mdio devero tornar-se obrigatrios.

Interessante notar que Burgos (1999), discutindo a realidade educacional mexicana, desenvolve argumento similar em seu artigo The Spectre of Theory in Curriculum for Educational Researchers: a Mexican Example.

Conceito norteador das atuais discusses sobre o perfil de competncias. Na prtica reflexiva, a reflexo prende-se ao emprico, nele encontrando suas possibilidades e limites. Na educao brasileira, os efeitos mais visveis dessa concepo faz-se perceber nas novas propostas oficiais para a formao de docentes, nas quais a reflexo sobre a produo de conhecimentos foi eliminada de sua preparao bsica. Como indica Burgos, o gradual recuo da teoria, nesse caso particular, pode ser compreendido como uma tentativa de favorecer a competncia prtica no processo de aprendizagem (Burgos, 1999, p. 467).

H pouco mais de dois anos, os programas de ps-graduao das universidades brasileiras foram fortemente pressionados a reduzir seus cursos de mestrado para dois anos e os de doutorado para quatro anos. Como o fluxo (tempo de permanncia dos alunos nos cursos) um dos critrios que mais importantes na alocao de bolsas pela CAPES, pode-se imaginar a tenso de orientadores e alunos para cumprir os prazos, o que se faz, muitas vezes, s custas de um aligeiramento da discusso terica.

Para confirmar a premissa basta conferir os documentos elaborados pelo Banco Mundial, na dcada de 1990. Confrontados com documentos de outras agncias, como a CEPAL, por exemplo, ou com documentos oficiais ou oficiosos de governos nacionais, na Amrica Latina, percebe-se uma recorrente repetio de temas e sugestes de polticas educacionais. Ver referncias bibliogrficas.

Ministros de Estado Pedro Malan (Fazenda); Clvis Carvalho (Chefe da Casa Civil da Presidncia da Repblica); Renan Calheiros (Justia) e Waldeck Ornelas (Previdncia Social).

Perry Anderson lembra que as doutrinas puras do livre mercado, codificadas na economia neo-clssica, permanecem ainda uma poderosa alternativa esta concepo, quando enfaticamente recusam a diferena cultural como sendo historicamente pertinente. Anderson cita Paul Krugman, o economista americano que teoriza esta viso, para o qual a lgica da competio do livre-mercado no pode ser contida por vantagens culturais ou polticas industriais: ela geral e implacvel e, mais cedo ou mais tarde, nivelar todas as sociedades a um padro comum (Anderson, 1996).

MCEWAN, Ian (1998) Enduring Love, New York: Doubleday.

Publicado no Caderno Mais, Folha de S. Paulo, em outubro de 1997, sob o sugestivo ttulo de Eu ou ns.

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