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RECONHECIMENTO DE CHÃO: A HISTÓRIA E A PAISAGEM
TERRITORIAL GEOGRÁFICA DA REGIÃO ENTRE O RIO BRANCO E A
GUIANA INGLESA
Daniel Montenegro Lapola*
Resumo: Neste artigo temos como ponto de partida o objetivo de fazermos um
reconhecimento de chão, isto é, conhecer as características da fronteira entre região do
extremo norte brasileiro com a Guiana Inglesa, tais como a demonstração da geografia:
vegetação, paisagem, clima e a sua geopolítica na Amazônia Caribenha das Guianas com
povos indígenas habitantes entre os anos de 1835 a 1909. De fundamental importância,
entendermos como se configura a paisagem habitada por indígenas que foram aliados
fundamentais nas demarcações. A região estudada é em sua maior parte coberta com a
vegetação de savana (cerrado ou termo regional lavrado), em transição com a floresta e
montanha, localizadas na região entre Rio Branco (Brasil) e a Guiana Inglesa. Nesta
região foram estabelecidas fronteiras da civilização ocidental com os indígenas. Com esta
análise estaremos preparando nos localizando na região onde passaram viajantes a serviço
da Europa que produziram relatos científicos e etnográficos.
Palavras Chave: Território, Rio Branco, Guiana Inglesa, Indígenas.
Introdução
Neste trabalho, demonstraremos características da fronteira entre região do
extremo norte brasileiro com a Guiana Inglesa, tais como a demonstração da vegetação,
paisagem, clima e povos indígenas habitantes entre os anos de 1835 a 1909. Com esta
análise estaremos preparando terreno para a passagem dos viajantes a serviço da Europa
que nesta região produziram relatos sobre a geografia, a geologia e os povos que a
habitam.
Iniciaremos através de Reginaldo Oliveira com conceito da Amazônia Caribenha
das Guianas, pois a região estudada está inserida no planalto das Guianas que abrange a
atual Venezuela, Guyana, Suriname, Guiana Francesa e o atual estado do Amapá. O atual
* Doutorando em História Social da Amazônia na Universidade Federal do Pará (UFPA), Bolsista CAPES,
Mestre em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF) na Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Graduado em
História na Universidade Estadual Paulista (UNESP). [email protected]
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estado de Roraima também tem penetração nesta região, em que os povos indígenas até
os dias atuais realizam suas rotas como no passado, com as antigas rotas de circulação,
na conhecida “fronteira móvel”.
Achamos imprescindível revisitar os estudos geográficos da região do Rio Branco
realizados por Antonio Teixeira Guerra, funcionário geógrafo do IBGE na década de 50
do século passado, período que o atual estado de Roraima era conhecido como Território
Federal do Rio Branco. Neste passo utilizaremos os estudos históricos e antropológicos
de Nádia Farage e Paulo Santilli sobre a região e os povos indígenas que a habitam, dando
destaque para os Macuxi, Wapishana, Arecuna (Taurepang) e Wai Wai. Etnias muito
presentes nas rotas de circulação de comércio e troca, mencionados nos relatos dos
viajantes Schomburgk, Brown, Coudreau e Ule.
A região estudada é em sua maior parte coberta com a vegetação de savana
(cerrado ou termo regional lavrado), em transição com a floresta e montanha, localizadas
na região entre o Brasil e a Guiana Inglesa. Nesta região onde foram estabelecidas
fronteiras da civilização ocidental os indígenas, foram fundamentais no auxílio devido ao
conhecimento da região, o transporte de canoa, carregamento de cargas, caça e pesca e
serviços gerais, não serviram apenas como massa de manobra, foram protagonistas, sem
o auxílio indígena dificilmente o projeto demarcatório Europeu teria triunfado.
Portanto antes de estudar os relatos destes viajantes partimos como objetivo neste
trabalho de fazermos um reconhecimento de chão em conhecer as características desta
região em sua geografia, como vegetação, geologia e clima, e a sua geopolítica na
Amazônia Caribenha das Guianas, para entendermos como se configura a paisagem
habitadas por indígenas que foram aliados fundamentais nas demarcações territoriais.
Reconhecendo a Paisagem do Rio Branco e da Guiana Inglesa
Nesta primeira parte de nosso trabalho trazemos pontos importantes para
entendermos o Espaço, Território e fronteira. Notamos novas abordagens dentro do tema
como Newman, Passi, Agnew, Clavin e Livingstone, onde observamos a importância da
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interdisciplinaridade e do diálogo da Geografia com outras disciplinas, como a História e
a Antropologia.
“Para que os limites sejam compreendidos para Newman é necessário que os
estudiosos das fronteiras adotem sua própria forma de movimento transfronteiriço nas
disciplinas e conceitos do outro, trazendo discurso o exclusivo sobre disciplinas
acadêmicas diferentes” (NEWMAN, 2003). Ansii Passi (2003), por outro lado “enxerga
em Território como espaço de poder a quebra os conceitos de natureza território, sendo
território associado com a fronteira e conflito, a conhecida territorialidade humana”.
Agnew, trouxe o debate que ocorre sobre o espaço e o lugar, no âmbito da geografia e
outras ciências em geral, como duas formas distintas, e ao aproximar uma da outra
procura distinguir como elas são definidas separadamente e em contato. “Se preocupa
com o espaço estar tomando conta do lugar através das tecnologias. Por isso vem a
pergunta, o espaço está acabando com o lugar? ” (AGNEW, 2011).
Para Livingstone (1992), “é importante percorrer as ciências iluministas e
maneiras de conhecimento que dialogam com a Geografia para demonstrar o avanço das
ciências do gabinete para o trabalho de campo”. Assim como demonstrar a importância
para a ciência das expedições científicas amparadas nas ciências para dar conta de tal
empresa.
Patrícia Clavin (2005), “trabalha com o termo “Transnacionalismo”, que é uma
abordagem que não considera a História Nação, define a área de estudo que caracteriza a
região, de circulação, como circula, o ir e o voltar”. Observando também a circulação de
coisas que transformam os meios, como dois grupos sociais, reabilita o conceito de
“comunidade”, grupos étnicos, aonde os personagens estão circulando, este trabalho se
identifica com este conceito. Neste passo procuramos entender a região da Amazônia
Caribenha das Guianas aonde se localiza o território e espaço de nosso estudo.
Para Reginaldo Oliveira (2014), “a Amazônia Caribenha é composta pela ilha das
antigas Guianas, no litoral Atlântico Norte entre o delta do rio Orinoco (Venezuela) e do
rio Amazonas, pela margem esquerda do rio Amazonas e do rio Negro, Canal de
Cassiquiare e o Orinoco”. “A história das Guianas é marcada pelos caminhos aquáticos e
terrestres que favoreceram os deslocamentos indígenas do tronco linguístico Karíb e
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Arawak, bem como outros povos indígenas, que habitam esse contexto singular
Amazônia Caribenha” (OLIVEIRA, 2014: 3).
Sobre a história da região:
“A característica diferenciada como região da ilha Amazônia Caribenha é
todo o território da antiga ilha das Guianas que, no processo histórico, foi
ocupada no início do século XVI pelos espanhóis, com apoio dos Países Baixos
espanhóis, e durante o século XVIII foi ocupada por quatro nações europeias:
Espanha, Portugal, Holanda e França. Com o final das guerras Napoleônicas
no século XIX e a assinatura do Tratado de Viena (1814/1815), os ingleses
receberam dos holandeses as três colônias: Essequibo, Demerara e Berbice,
que foram unificadas e receberam o nome de Guiana Inglesa (1831), deixando
os holandeses com a única Colônia do Suriname, que continuou sendo
denominada Guiana Holandesa até 1975, quando se tornou independente”
(OLIVEIRA, 2014:5).
“O antigo vocábulo Guiana, conceituando a região como ilha pelos holandeses, é
interpretado, na língua Arawak, como “terra de muitas águas” ou “terras alagadas”.
Historicamente, a água definiu espaços e continua reordenando fronteiras”. (OLIVEIRA,
2014).
Local que está em contato e penetrado na Amazônia Caribenha das Guianas é a
região do Rio Branco do lado brasileiro. “Os povos indígenas na região de campos e serras
do médio e alto rio Branco que representa a porção nordeste do estado de Roraima,
fronteiriça à República da Guiana, com especial referência à ocupação de suas terras”
(FARAGE & SANTILLI, 1992: 267). Esta área é habitada pelos Macuxi, Wapixana,
Ingarikó, Taurepang e Wai Wai.
“A complexidade geográfica desenhada pelo planalto das Guianas, pelas serras
Pacaraima com o Monte Roraima, Parima, Tumucumaque e outras de pequeno porte,
marca os limites das fronteiras nacionais e internacionais nessa Ilha” (OLIVEIRA,
2014:10). Os dois principais troncos linguísticos Karíb (Macuxi, Wai Wai, Taurepang e
Ingarikó) e Arawak (Wapishana), com diferentes famílias indígenas e distintas relações
socioculturais nas terras das Guianas e nas ilhas do mar Caribe, incorporaram elementos
específicos tais como relações comerciais e organizações de parentesco.
Nesta articulação sociocultural e regional, os povos indígenas Karíb e Arawak
desempenharam papel fundamental como conhecedores das diferentes trilhas (aquáticas
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e terrestres) e produtores de alimentos, em especial a conhecida culinária da mandioca.
“Para o europeu que chegava nessa região desconhecida e ocupava a terra como sua
propriedade, ele tomava posse também do índio que era visto como parte da terra e era
um bem a mais a ser explorado” (OLIVEIRA, 2014: 5-6).
Descrevendo o território da atual Guiana para conhecer a sua Geografia:
“A República Cooperativa da Guiana, por muito tempo conhecida como
Guiana Inglesa, é um pequeno país independente localizado no extremo Norte
da América do Sul. Faz fronteira ao Sul com o Brasil, ao leste com o Suriname
e ao Oeste com a Venezuela, sendo banhada ao Norte pelo Oceano Atlântico.
Possui 215 mil quilômetros quadrados, superior às antigas metrópoles, ou
seja, Holanda e Inglaterra, maior que o Suriname e o Uruguai, e atualmente
com cerca de 800 mil habitantes. Embora encravado no subcontinente, o lugar
se desenvolveu com ligações mais estreitas com o Caribe, até porque a imensa
maioria da população se prendeu ao litoral, de frente para as ilhas e de costas
para os outros vizinhos” (CAVLAK, 2016: 21).
Um país que tem como língua oficial o inglês, mas parte do seu passado registrado
em holandês. Os principais rios que delimitaram três povoamentos são o Essequibo,
Demerara e Berbice, unificados em 1831 sob o nome de Guiana Inglesa.
Após descrever a região e um pouco sobre a Guiana Inglesa e a região do Rio
Branco no Brasil, na sequência demonstraremos alguns pontos dos estudos o geógrafo
Antonio Teixeira Guerra que esteve na década de 50 na região do Rio Branco realizando
levantamentos geográficos e geológicos a serviço do IBGE.
Guerra para metodizar as pesquisas, considerou os aspectos físicos, definidos por
geologia, morfologia e solos, pelo clima, hidrografia e vegetação, e pelos aspectos
humano-econômicos, relativos ao povoamento, colonização, economia e meios de vida,
transporte e comunicações. Constituída pela Serra do Parima, nas extremas setentrionais,
de que avizinham a Venezuela e a Guiana Britânica, é a região mais acidentada da
Amazônia Brasileira, onde o monte Roraima se ergue à altitude de 2875 metros e o
Caburai assinala o ponto mais setentrional a fronteira brasileira, à latitude de 5º-16’19”
N.
“Não seduz o peneplano, ao sul e a leste, em que dilatam os campos do
território, em contraste com a morraria, ao norte, propícia à mineração, e com
a mata hileiana do baixo rio Branco, semelhante à ensombra a maior porção
da Amazônia. A posição geopolítica é muito importante, uma vez que confina
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com terras de Venezuela e da Guiana Inglesa numa extensão de 2411
quilômetros, sendo 985 quilômetros com a Venezuela e 1426 quilômetros com
a Guiana Inglesa” (GUERRA, 1957:2).
O território do Rio Branco é uma verdadeira ponta de lança entre as terras da
Venezuela e da Guiana Inglesa. Área de fronteira física demarcada com montanhas e rios.
A paisagem física do território do Rio Branco pode ser considerada segundo três
regiões:1) Região do baixo rio Branco: caracterizada por apresentar terrenos
geologicamente recentes a uma topografia monótona. A cobertura vegetal dessa região é
a densa floresta do tipo hileiano. Aliás esta é a única área do território que possui os
mesmos caracteres da Amazônia, uma vez que é um prolongamento da planície no sentido
do norte. Na parte sul e oeste confina com terras do estado do Amazonas. No leste, apenas
em pequeno trecho ao longo do rio Nhamundá, confina com terras do estado do Pará. 2)
Região do alto rio Branco: compreendendo as terras do vasto peneplano, que está coberto
com uma vegetação de campos. Esta é a zona onde se desenvolve a pecuária do Rio
Branco. A topografia é monótona, não apresentado grandes contrastes de altitudes. A
planura da região é quebrada por vezes pelo aparecimento de alguns inselbergs.
3) Região montanhosa: constituída pelas serras do sistema Parima, isto é, pelas serras que
existem ao longo de nossa fronteira com a Venezuela é com a Guiana Inglesa. Não
constitui uma área muito extensa, cerca de 80 000 quilômetros quadrados, porém,
economicamente é muito importante, por causa dos afloramentos de terrenos
algonquianos, donde se extraem os diamantes e o ouro.
O ponto extremo norte do Brasil está justamente nesta região, no Monte Caburaí,
na latitude de 5º 16’ 19’ N. Até os dias atuais no século XXI, percebemos o equívoco de
muitas pessoas em considerar o Oiapoque o ponto mais extremo norte do Brasil, devido
ao jargão “do Oiapoque ao Chuí”, corrigindo da maneira correta com “do Monte Caburaí
ao Chuí”. É, ainda nesta região, porém, mais a oeste que se encontra o Monte Roraima,
localizado no ponto de trijunção: Brasil, Venezuela e Guiana Inglesa, com 2875 metros
de altitude formado como que um planalto isolado e com escarpas abruptas.
“Indiscutivelmente esta é a região mais acidentada de toda a Amazônia Brasileira”
(GUERRA, 1957: 2-3). Os viajantes Brown e Ule estiveram neste local.
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“No conjunto a paisagem física rio branquense apresenta contrastes marcantes que
nos permitem considerar a existência de 3 tipos de unidades geomórficas: I- Região
montanhosa; II- Região do peneplano; III- Região da planície sedimentar” (GUERRA,
1957:8).
Savanas e estepes: A cobertura vegetal do alto Rio Branco e da zona montanhosa
é caracterizada pelos campos que ora se torna mais ou menos cerrados. Os campos do Rio
Branco apresentam uma série de aspectos diferenciadores que recebem nomes regionais
com o: a) campos agrestes, b) campos de baixada, c) campos cobertos.
A vegetação rasteira que reveste o terreno na região dos campos. Nas chamadas
serras orientais do planalto das Guianas vamos encontrar, no território do Rio Branco, as
Serras da Lua e Uaçari, prolongando se na direção de leste com as denominações de serras
de Acaraí e de Tumucumaque, já no norte do Estado do Pará e do território do Amapá.
“Separando as serras ocidentais das chamadas serras orientais existe uma área deprimida
que é bem representada pela depressão Tacutu Rupununi” (GUERRA, 1957:8).
Clima: Vemos que de modo geral os meses de outubro a abril são os mais secos
(verão), e os meses mais chuvosos são os de maio a setembro (inverno). Aplicando-se a
classificação de KOPPEN ao território do Rio Branco, verifica-se que a zona dos campos
está compreendida no tipo Awi, isto é, quente e úmido com uma estação seca acentuada
no verão (w), sendo a amplitude térmica anual inferior a 5º (i). O oeste e sul apresentam
o tipo Ami, no qual se observa uma estação seca menos acentuada e os totais anuais são
relativamente elevados, permitindo o desenvolvimento da floresta. “Corresponde, por
conseguinte a uma zona climática intermediária, uma vez que mais para o oeste tem-se
grande área de clima do tipo Af do Alto rio Negro, ou seja um clima equatorial super
úmido sem estação seca” (GUERRA, 1957: 107-108).
Sobre a Hidrografia:
“O regime hidrográfico de todos os rios da bacia rio-branquense é definido
por um período de cheia, nos meses de março a setembro, sendo junho o mês
em que as águas sobem ao mais alto nível. Nos meses de outubro a fevereiro,
isto é, no período seco, as águas baixam muito nível, chegando mesmo a
impossibilitar a franca navegação até Caracaraí. Durante o “inverno” o
trecho das corredeiras é transposto com facilidade pelas pequenas
embarcações, já não acontecendo o mesmo no decorrer da estiagem. O
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trabalho erosivo de rede potamográfica da bacia do rio Branco é
sensivelmente ativo na região das cabeceiras dos afluentes e dos dois rios
formadores do rio Branco, enquanto na região do baixo rio Branco domina de
modo geral a sedimentação. Naturalmente que a erosão de solapamento se faz
sentir em certos barrancos na época do “verão”, já que no “inverno” muitos
deles desaparecem inteiramente sob as águas. O rio Branco é o afluente mais
importante da margem esquerda do rio Negro, e seu curso segue a direção
geral nordeste-sudoeste, desde sua foz até a confluência com o Uraricuera e
o Tacutu. Segundo as indicações fornecidas pela geomorfologia este vale
parece tratar-se de uma possível fossa tectônica. Os três grandes afluentes do
rio Branco são Catrimani, Anauá, Mucajaí, sendo este último o mais
importante. Os formadores do rio Branco são o Uraricuera e o Tacutu. O
Uraricuera nasce na Serra de Pacaraima. A parte do alto curso está na região
montanhosa, enquanto o baixo curso os afluentes Majari e Parimé”
(GUERRA, 1957: 109-110).
O outro formador do rio Branco é o Tacutu que nascendo na serra de Uaçari após
percorrer cerca de 600 quilômetros na direção norte, descreve um cotovelo na altura do
paralelo de 3º 35’ lat. N. “Passa depois a correr na direção de sudoeste, parecendo tratar-
se de um possível fenômeno de captura” (GUERRA, 1957: 110-111).
O Tacutu recebe pela margem direita, no trecho em que seu curso segue a direção
sudoeste, os rios Maú ou Ireng e o Surumu com seu afluente Cotingo que desce da Serra
Pacaraima. “Esses dois rios são muito caudalosos tendo os seus cursos, em grande parte,
na região montanhosa, daí a razão de se encontrar nos seus leitos certo número de
cachoeiras” (GUERRA, 1957: 111).
As expedições científicas a serviço principalmente da Royal Society britânica,
trouxe classificações vegetais, minerais, conhecimentos geográficos, e também a
etnografia dos povos que habitam os locais explorados. Os viajantes naturalistas em
expedições pelo mundo vão trazer as representações geográficas e ambientais de um
“mundo novo”, até então desconhecido da ciência presa em gabinete. Capitão Cook no
século XVIII, Humboldt no fim do século XVIII e início do século XIX, vão servir de
outdoor (propaganda) da Europa para promover as viagens de expedições científicas em
locais ainda não explorados.
“Percorrer as ciências iluministas e maneiras de conhecimento que dialogam com
a Geografia para demonstrar o avanço das ciências do gabinete para o trabalho de campo”
(LIVINGSTONE,1992). Assim como demonstrar a importância para a ciência das
expedições científicas amparadas nas ciências para dar conta de tal empresa.
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Robert Schomburgk influenciado por Humboldt, em sua primeira viagem a Guiana
Britânica:
“Em 1835, o alemão desembarcou pela primeira vez na Guiana e durante os
três anos seguintes percorreu a costa e o interior. Finalmente, em 1838, após
uma rápida ‘visita de cortesia’ ao Forte de São Joaquim, ponto avançado de
ocupação colonial portuguesa no alto rio Branco (atual estado de Roraima;
vide Farage 1991), ele subiu o rio Cotingo (afluente do Tacutu; um dos
formadores do rio Branco) até o pé do monte Roraima, de onde prosseguiu em
direção oeste, ascendendo pelo rio Urariquera (outro formador) até além da
ilha de Maracá, cruzou o divisor de águas entre as bacias dos rios Branco e
Caura-Parágua, para finalmente descer o rio Ventuari até Esmeraldas,
pequena cidade venezuelana na margem do alto Orenoco. De lá, voltou para
Georgetown, via os rios Negro, Branco e Rupununi” (FRANK,2007: 100).
“A finalidade de Robert Schomburgk era a de ligar dados astronômicos,
levantados na Guiana e no norte de Roraima, com aqueles arrolados 35 anos antes por
Alexander von Humboldt, no sul da Venezuela, por quem foi bastante influenciado”.
(FRANK, 2007)
Pirara é uma região da Guiana localizada em partes dos atuais territórios de Alto
Takutu - Alto Essequibo e Potaro-Siparuni, a principal cidade é Lethem na fronteira com
o Brasil. “Tem como limites os rios Ireng e Tacutu, a oeste, o rio Rupununi, a leste e sul,
e a Serra de Pacaraima, ao norte” (MENCK, 2019).
“Em viagem ao sul da Guiana inglesa em seu primeiro relatório Robert
Schomburgk descreveu os Wai Wai como moradores da região do alto Essequibo e alto
Trombetas, um povo de língua Karib que absorveram subgrupos étnicos vizinhos”
(RIVIÈRE, 2006). Os Wai Wai voltariam a ser mencionados na literatura, e ainda assim
de modo indireto, em 1870, quando o geólogo canadense Charles Brown: “Passou por um
grande grupo de Tarumá, Wapichana e Mawayana que acabava de voltar de uma viagem
de troca a aldeias Wai Wai, carregado de raladores de mandioca e de cães de caça”
(HOWARD, 2002).
Seu encontro com os Wai Wai se deu navegando no rio Essequibo em uma
expedição na qual observou a rede de trocas entre eles e outros povos indígenas, como os
Wapichanas, Tarumás e Mawayanas, descreveu a habilidade destes com cães de caças e
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papagaios falantes. Foi o primeiro inglês a explorar o monte Roraima e a cachoeira de
Kaiteur na Guiana Inglesa.
O francês Henri Coudreau se deslocou bastante em terras brasileiras, fazendo
levantamentos, inclusive percorreu grandes trechos caminhando. Em seu intenso
deslocamento encontra no Rio Branco, encontra os indígenas Wai Wai nas fronteiras entre
o Brasil e a Guiana Inglesa, também de Manaus a Boa Vista de Batelão que é um tipo de
barco exclusivo para transportar o gado, que podem levar de dez a trinta bois. “Composto
de oito a dez homens, quase sempre índios Macuxi do alto rio Branco, e um patrão”
(COUDREAU,1887). “Reparou que o gado na longa viagem emagrece
consideravelmente ou morre em grande proporção, o barco só atracou uma vez de Boa
Vista a Manaus. Menciona o trabalho do indígena que vai cortar o capim (erva) para dar
de comida aos bois” (COUDREAU, 1887).
Segundo Ernest Ule do rio Negro ao penetrar nas águas do rio Branco com as suas
águas claras e luminosas, contrasta com as águas escuras do rio Negro. Passou por
Caracaraí, onde há algumas cachoeiras, deste ponto seguiu viagem de canoa para Boa
Vista. Na época de 1908-1909, a viagem de Manaus para Boa Vista dura menos de oito
dias. “Começou a entrada na área indígena na fazenda São Marcos, encontra-se na
margem esquerda do baixo Uraricuera, perto da onde se une o Tacutu, para juntos
formarem o rio Branco” (ULE, 2006: 116).
A maior parte da área do alto Rio Branco é constituída pelos chamados “campos,
isto é estepes arvorejadas ou de capim. Viajou do Tacutu e no baixo Surumu de canoa.
“Chegou a boca do rio Cutingo e à maloca do tuxaua Ildefonso, aonde tinha algo da
civilização, depois de alguns dias parou na Serra do Sol, umas montanhas rochosas,
peladas e escuras, para daí adiante seguir para Serra do Pracuá, Serra do Mel e a do
Banco” (ULE, 2006: 118-119).
“Com os Arecuna (Taurepang), ocupavam as áreas fronteiriças com a Guiana
Britânica e a Venezuela, até os altos afluentes do Orinoko, naquele tempo realizava-se
grande festa, na qual integrantes Macuxi, Wapichana e Arecuna eram convidados” (ULE,
2006: 120-121). “As principais presas de caças são diversas galinhas selvagens da mata,
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patos, pequenos pombos campestres, uma variedade pequena de veados, antas, porcos da
mata e roedores, às vezes também: tartarugas e seus ovos” (ULE, 2006: 126).
Ule percorreu a Serra de Pacaraima e no Monte Roraima na fronteira com a
Venezuela junto dos Macuxi, aonde os indígenas vivem da agricultura, bem como de caça
e pesca esporádicas, aonde se cultivam mandioca, batata-doce, abóbora, bananas, milho
e cana” (ULE, 2006). “Com relação aos Arecuna, posso confirmar as informações de
outros viajantes, como Richard Schomburgk e Appun, que todos elogiam muito sua
aparência física, nobre mentalidade, hospitalidade e capacidades marciais” (ULE, 2006:
139).
Ule escalou a serra do Mairary, avistou e depois decidiu visitar o Monte Roraima,
partiu com a ajuda 12 carregadores Arecuna, entrou na fronteira com a Venezuela, ao
chegar, sentiu o magnetismo do monte Roraima, o eldorado de qualquer botânico” (ULE,
2006). Esteve entre os indígenas que cruzavam as fronteiras com a Guiana Inglesa, em
suas fotos é possível observar ao fundo o planalto conhecido como escudo das Guianas.
Considerações finais
Procuramos descrever e analisar os estudos sobre a região que estão inseridos nos
relatos dos viajantes europeus que estiveram em campo representando a região e os povos
indígenas que a habitam. Imprescindível demostrarmos características geográficas, para
entendermos como a geografia e os povos indígenas constroem a paisagem da região entre
o extremo norte brasileiro e a Guiana Inglesa.
A identidade indígena e os meios de circulação na região do passado ainda estão
presentes, não reconhecendo apenas a fronteira física e política, este trabalho sustentou
que existe um espaço de circulação humana, antes da chegada destes viajantes aqui
trabalhados, região intensa de trocas comerciais e alianças entre povos indígenas e
europeus. “A presença indígena na região serve de maneira fundamental como muralhas
do sertão”, termo usado pelo conselho ultramarino português e depois imortalizado na
obra “Muralhas do Sertão” de Nádia Farage (1991).
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Compreender através da geografia, com o entendimento de vegetação, hidrografia,
clima, regime de chuvas, percebemos como a paisagem se transforma e que certas
atividades e deslocamentos mudam devido ao regime abundante e prolongado de chuvas
e das secas. O próprio viajante alemão Ernest Ule (2006) fez duas viagens para a região
do Rio Branco inclusive para presenciar as atividades das duas estações que são a de
chuva e de seca.
Práticas de sobrevivência, métodos de caça, conhecimento da região, habilidades
de se locomover em canoas pequenas, pesca e serviços gerais demonstram o
protagonismo indígena na região, fatores que foram fundamentais também na escolha de
qual nação europeia se aliavam na construção, configurações e arbítrios de fronteiras
políticas e físicas, apesar da influência religiosa e imposta a força maior por armas e
doenças. A fronteira humana indígena prevalece nos dias atuais com união das
associações indígenas em período de governo da presidência ultraconservador de direita
que estão tentando tirar seus direitos e terras a qualquer custo.
Portanto abrir o caminho da paisagem das terras do Rio Branco (extremo norte
brasileiro) e da Guiana Inglesa, lugar penetrado na região da Amazônia Caribenha das
Guianas é abrirmos caminho para os relatos sobre os indígenas e o ambiente de
transformações fronteiriças para os viajantes a serviço da Europa para entendermos as
relações sociais tão esquecidas, descrevendo e analisando o potencial de circulação que
a política, financiamento e vontade política andam a passos de “tartaruga”, mesmo com
toda força do capitalismo esta rede de circulação não acabou, como suas tradições
preservadas.
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