recibo75

68
recibo75 edições traplev orçamentos ano 10 | número 10 2011-2012 distribuição gratuita issn 22363138

Upload: recibo

Post on 06-Mar-2016

219 views

Category:

Documents


6 download

DESCRIPTION

ano 10 número 10 produzido entre 2011 a 2012 impresso em 2013. Projeto editorial de Traplev com conselho editorial de Amilcar Packer e Guilherme Altmayer. Este número de recibo registra a décima edição em seu décimo ano de (d)existência. Recibo 75 não é uma “edição especial de aniversário”; o projeto editorial surge como uma metáfora da realidade que reúne uma série de trabalhos em diálogo com seu tema subjetivo e abstrato. Por mais direto e óbvio que seja o resultado da forma de gestão do sistema capitalista hoje, as páginas deste recibo integram uma tentativa clara e direta de evidenciar a crítica e a reflexão do pensamento. (...) Incorporar crítica e reflexão dentro desse contexto é um dos princípios que “des-regem” a publicação recibo, quer seja patrocinada pela Petrobrás com dez mil exemplares de distribuição gratuita, ou sendo auto-financiada com cinquenta cópias ou mil exemplares de recibos (sempre) grátis.

TRANSCRIPT

Page 1: recibo75

recibo75e d i ç õ e s t r a p l e v o r ç a m e n t o s a n o 1 0 | n ú m e r o 1 0 2 0 1 1 - 2 0 1 2

distribuição gratuitaissn 22363138

Page 2: recibo75
Page 3: recibo75

Esta publicação foi selecionada entre os projetos que se inscreveram no Programa Cultura e Pensamento – Seleção Pública e Distribuição de Revistas Culturais. Foram escolhidos quatro projetos, e desta forma contemplamos quatro revistas culturais bimestrais cujas tiragens, somadas, chegam a 240 mil exemplares.

O objetivo desta iniciativa é estimular a criação de publicações culturais permanentes, e de alcance nacional – não apenas em sua distribuição, mas também em seu conteúdo.Ao patrocinar este projeto, a Petrobras reafirma, uma vez mais, seu profundo e sólido compromisso com as artes e a cultura em nosso país – confirmando, ao mesmo tempo, seu decisivo papel de maior patrocinadora cultural do Brasil.

Desde a sua criação, há pouco mais de meio século, a Petrobras mantém uma trajetória de crescente importância para o país. Foi decisiva no aprimoramento da nossa indústria pesada, no desenvolvimento de tecnologia de ponta para prospecção, exploração e produção de petróleo em águas ultra-profundas, no esforço para alcançar a auto-suficiência. Maior empresa brasileira e uma das líderes no setor em todo o mundo, a cada passo dado, a cada desafio superado, a Petrobras não fez mais do que reafirmar seu compromisso primordial, que é o de contribuir para odesenvolvimento do Brasil.

Patrocinar as artes e a cultura, através de um programa sólido e transparente, é parte desse compromisso.

CULTURA E PENSAMENTO é um programa nacional de estímulo à reflexão e à crítica cultural. Desde sua primeira edição em 2005, seleciona e apoia projetos de debates presenciais e publicações. O objetivo do programa é dar suporte institucional e financeiro a iniciativas que fortaleçam a esfera pública e proponham questões e alternativas para as dinâmicas culturais do país.

Em 2009, o Programa abriu a terceira edição dos editais para financiamento de debates e de periódicos impressos de alcance nacional. Os editais são abertos a propostas de intelectuais, pensadores da cultura, artistas, instituições e grupos culturais, pesquisadores, organizações da sociedade civil e outros agentes, visando à promoção do diálogo sobre temas da agenda contemporânea.

O projeto de revistas do Programa Cultura e Pensamento busca ofertar gratuitamente conteúdos de elevada qualidade a um público amplo e diversificado de leitores, através de uma rede de circulação formada por 200 pontos de distribuição em todo território nacional, entre eles instituições culturais, universidades e pontos de cultura. Ao longo dos 24 meses o projeto prevê o lançamento de 20 títulos, cada um com 6 edições bimestrais,totalizando a circulação gratuita de 1.200.000 exemplares de revistas com discussões sobre arte e cultura, oriundas de diversos estados do país. A rede abrangerá mais de 200 colaboradores editoriais de cinco regiões e 19 estados brasileiros.

A edição 2009-2010 do Edital de Revistas do PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO tem patrocínio da Petrobras e é realizada pela Associação dos Amigos da Casa de Rui Barbosa.

Este projeto foi contemplado pela seleção pública de revistas culturais do programa CULTURA E PENSAMENTO 2009/2010

03

Page 4: recibo75

Luciana Lamothe2011ICONO - NO

04

Page 5: recibo75

05

Page 6: recibo75

06

Page 7: recibo75

07

Page 8: recibo75

08

Page 9: recibo75

09

Page 10: recibo75

10

Es una serie de 6 fotografías que surgen de una acción realizada en el espacio público en la ciudad de Buenos Aires.Uso un espejo y una cámara de fotos al mismo tiempo. Reflejo la luz solar en la cara de diferentes personas que circulan por la calle, busco encandilarlas, cuando esto sucede,  realizo el disparo fotográfico.

Page 11: recibo75

11

Eu rEalmEntE digo Que eu não dou a mínima para o seu dinheiroporQue isso significa tanto para você(e todo o seu dinheiro)por Que significa tanto para você?você fala sobre terra da ganânciaeu estou falando sobre um mundo de necessidadedinheiro não tem nada a ver com o valor da vidamas isso é apenas o senso comum

Embrace – “Money” (1985)

andré mesquita

arte e eCONOmIa: um duplO mOvImeNtO 2011

Page 12: recibo75

1.Prestadores de serviços

Durante os protestos do Pri-meiro de Maio de 2012, um cartaz com a frase “Arte é tra-balho” (Art is labour) foi leva-do por um manifestante da Oc-cupy Wall Street para as ruas de Nova York. Sua imagem foi compartilhada por centenas de pessoas no Facebook. Den-tre os que compartilharam a mensagem do cartaz nas redes sociais estão artistas plásticos ou pessoas ligadas a alguma atividade cultural, trabalhan-do com conhecimento, tec-nologia ou comunicação. No entanto, a palavra empregada no cartaz em inglês é labour e não work, o que denota a ideia de trabalho como “labor” e que conforme um dos senti-dos apontados por Raymond Williams, refere-se a “um con-junto de pessoas disponíveis para um contrato [de trabal-ho]”, ou está ligado a “um movimento político e econô-mico.”1 Em um mundo onde ganhar dinheiro com arte é visto tradicionalmente como um passatempo, um hobby ou uma prestação temporária de serviços para uma galeria, museu ou outras instituições particulares ou públicas, às vezes como trabalho voluntá-rio ou definitivamente como uma categoria mal-remunera-da, esta frase deve ter caído sobre a cabeça de muitos como o golpe de uma dura realidade.

Afirmar que arte é trabalho não faz desta frase uma as-serção óbvia, mas um meio de assumir as próprias contra-dições das atividades que exer-cemos diariamente como tra-balhadores autônomos, como membros de coletivos, dando aulas ou palestras, formando parte de uma equipe do educa-tivo de uma exposição ou sen-do a mão de obra precarizada e subcontratada no projeto de um museu ou de uma empre-sa.

Foi através da cooptação da organização política e do tra-balho criativo que o neolibe-ralismo pôde emergir da cri-se estrutural que atingiu o capitalismo nos anos setenta. Novas tecnologias em rede, a não separação entre trabalho e lazer, longas jornadas de tra-balho, pagamentos aquém do esperado, cortes e reduções, ênfase no trabalho mental, criatividade, inovação e cola-boração dentro das empresas. Tudo isso permitiu que o ca-pitalismo realizasse o seu re-torno triunfante na década de noventa e tivesse a sua rique-za concentrada, cada vez mais, nas mãos de uma minoria pri-vilegiada.

Os modos distintos de pres-tação de serviços e pagamento de honorários têm sido o foco de grupos e indivíduos interes-sados em debater publicamen-te estas questões. Os circuitos por onde percorrem projetos e práticas artísticas foram vi-sualizados por dois diagramas desenhados pela artista norte-americana Lize Mogel. Em um desenho maior, Mogel expõe a circulação dos “negócios da arte”. Atividades artísticas como residências ou escolas de arte financiadas por bolsas de fundações, patrocínio cor-porativo e administradores. A produção do artista entra em um circuito comercial, onde se dá a atuação de coleciona-dores, leilões, feiras de arte e bienais. Um diagrama me-nor mostra o circuito de uma prática artística “sem fins lu-crativos”. O artista é o agente central de sua atividade, onde o valor cultural de sua relação institucional e seu trabalho geram retornos diversos, mas a sua sobrevivência econô-mica está sempre atrelada ao trabalho diário realizado, ou pelos apoios financeiros rece-bidos por meio de fundações e governo.2

Recentemente, o coletivo Wor-king Artists and the Greater Economy (W.A.G.E.), forma-do por trabalhadores da arte que chamam a atenção para as desigualdades econômicas existentes nesta área para ten-tar resolvê-las, publicou um relatório com dados obtidos em questionários feitos com pessoas que participaram de exposições e projetos em es-paços independentes e museus situados em Nova York, entre 2005 e 2010. Dentre os diver-sos resultados obtidos, um de seus gráficos aponta que 58,4% dos que responderam aos questionários não rece-beram qualquer forma de pa-gamento, compensação ou re-embolso pela sua participação em uma exposição, incluindo a cobertura de quaisquer des-pesas. “Artistas merecem um pagamento, e não apenas ‘pu-blicidade’”, diz um dos depoi-mentos anônimos publicados junto ao relatório.3

1 Raymond Williams. Palavras-chave. Um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007. p. 248.

2 Este diagrama foi publicado no jornal Art Work: A National Conversation About Art, Labor, and Economics, 2009, editado pelo coletivo Temporary Services. Disponível em: http://www.artandwork.us/i/ art_work_web.pdf.

3 Outros dados do relatório, incluindo um pôster com gráficos e os comentários anônimos reunidos durante a pesquisa sobre o trabalho e a remuneração dos artistas, encontram-se em: http://www.wageforwork. com/resources/4/w.a.g.e.-survey-report- summary.

12

Page 13: recibo75

13

Tais estratégias de visibilidade sobre as condições de trabal-ho dos artistas visuais tam-bém foram tratadas em uma outra iniciativa lançada em 2001 por Maria Lucia Cattani e Nick Rands, com a criação de uma legenda batizada de APIC! (Artistas Patrocinando Instituições Culturais). APIC! é um logotipo inventado como resposta aos problemas re-lacionados às exposições de arte em instituições públicas no Brasil, quando muitas ve-zes o artista não tem outra alternativa a não ser aceitar o patrocínio de empresas ou marcas para cobrir os custos de sua exposição. Segundo a dupla, muitas vezes o artista costuma prestar um serviço público gratuito arcando com os custos de uma exposição, sendo “convidado” também a fazer doações de seus trabal-hos para coleções públicas. Ao usar o logotipo APIC! no ma-terial de divulgação, o artista indica que os custos relacio-nados à montagem de uma exposição saíram de seu bolso e que não houve remuneração pelo trabalho.

O questionamento de situações de precariedade econômica inerentes a um sistema de galerias-curadores-críticos-museus, uma possível e mui-tas vezes necessária ruptura institucional ou a produção crítica de outros espaços au-tônomos de criação cultural revelam também a crise de le-gitimidade vivida há pelo me-nos um século pelo mundo da arte e sua tentativa, muitas ve-zes ilusória, de se reconhecer como política. “Basicamente, quando as pessoas falam de política no campo artístico, elas estão mentindo. [...] É fá-cil para os artistas escutarem a injunção do museu, das re-vistas e do mercado dizendo ‘retrate a política para mim’.”4 Há uma grande quantidade de exemplos conhecidos os quais vemos museus, curadores e

4 Brian Holmes. Unleashing the Collective Phantoms: Essays in Reverse Imagineering. Nova York: Autonomedia, 2008. pp. 81 e 82.

5 A história das intervenções realizadas e informações sobre o patrocínio da BP na Tate estão documentados no livro Not If But When: Culture Beyond Oil, 2011. Disponível em: http://platformlondon.org/2011/11/27/ read-online-now-not-if-but-when-culture- beyond-oil.

6 Como mostra a notícia publicada em 13 de dezembro de 2011, “Tate may not renew BP sponsorship deal after environmental pro tests”. Disponível em: http://www.guardian. co.uk/artanddesign/2011/dec/13/tate-bp- partnership-environmental-protests.

galerias tentando gerenciar ou coreografar os eventos de práticas colaborativas e pe-dagógicas de coletivos e ar-tistas solicitados a “retratar a política”. No entanto, nem sempre a resposta a isso se dá nos termos esperados pe-las instituições, especialmen-te quando suas estruturas econômicas são seriamente questionadas.

O caso do workshop realiza-do pelo coletivo Laboratory of Insurrectionary Imagination na Tate Modern, em janeiro de 2010, foi bastante escla-recedor para apontar como uma grande instituição pode esconder ou se esquivar de suas relações econômicas com empresas conhecidas por ati-vidades ecologicamente des-trutivas. Ao serem convidados para realizar um workshop de intervenções com o nome de Disobedience Makes His-tory no espaço da Tate, o La-boratory of Insurrectionary Imagination e participantes se recusaram a aceitar a cen-sura imposta pelo museu de que não poderiam criticar seus patrocinadores. Durante o workshop, fundaram o gru-po Liberate Tate e começaram a realizar intervenções que questionaram a incompatibi-lidade ética do patrocínio das atividades da Tate pela British Petroleum (BP), uma corpo-ração petrolífera mundial-mente famosa pelo vazamen-to de quase cinco milhões de barris de petróleo no Golfo do México em abril de 2010, uma empresa que usa a arte para “limpar” a sua atuação de dé-cadas de exploração e desastre ambiental.

Em uma ação em 28 de junho de 2010, o grupo de artistas-ativistas derrubou penas e melaço saídos de baldes com um logo da BP sobre as esca-darias do museu Tate, mar-

cando simbolicamente os 20 anos deste patrocínio corpo-rativo. Em 14 de setembro daquele ano, 30 integrantes do coletivo entraram no es-paço da Turbine Hall na Tate Modern vestidos de preto, e ali desenharam durante uma elegante performance a ima-gem de um girassol gigante utilizando tinta a óleo de cor preta saída de tubos com a lo-gomarca da BP. Ao final, a obra batizada de Crude foi assinada pelo Liberate Tate e oferecida ao museu para a sua coleção.5 Com a série de protestos rea-lizados também pelos grupos Art Not Oil e Platform, a Tate passou a rever a sua ligação com a BP.6

Page 14: recibo75

Para o antropólogo David Graeber, o mundo da arte tor-nou-se “um apêndice do capi-tal financeiro. Isso não quer dizer que o mundo da arte assumiu a natureza do capital financeiro [...], mas isso quer dizer que o mundo da arte o segue: suas galerias e ateliês se agrupam e proliferam ao redor das franjas dos bairros onde os financistas vivem e trabalham.” A arte contem-porânea, diz Graeber, “tem um charme todo especial para os financistas porque ela per-mite um tipo de curto-circuito no processo normal de criação de valor. É um mundo onde as mediações que normalmente intervêm entre o mundo pro-letário da produção material e as elegantes alturas do capital fictício são, essencialmente, arrancadas.”7

Afinal, olhando a partir des-sas elegantes alturas do capi-tal, quem consegue ou quer enxergar que o mundo da arte depende de maneira direta ou indireta de uma força de tra-balho essencialmente formada por artistas, pesquisadores, es-tudantes, estagiários, freelan-cers e trabalhadores eventuais vivendo sob as sombras de sua economia? Para usar uma expressão empregada pelo ar-tista-ativista norte-americano Gregory Sholette em seu livro Dark Matter (2011), esta “ma-téria escura criativa” é res-ponsável por uma produção anônima, informal e invisível que o sistema de arte não cos-tuma reconhecer, embora seja dependente da sua força de trabalho flexível.8

A matéria escura criativa é formada por uma grande par-cela do universo cultural da sociedade capitalista, compos-ta de práticas informais como artesanato, memoriais tem-porários, fotografia amadora,

pintores de fim de semana, publicações independentes, fanzines, sistemas baseados na economia da gratuidade, blogs e galerias virtuais pela internet, indivíduos emprega-dos por galerias, exposições e bienais na montagem de tra-balhos de artistas consagrados e as formas de trabalho cola-borativo, faça-você-mesmo, vernacular e flexível dos cole-tivos.

2.Poéticas do capital

Se algumas dessas ações rea-lizadas por Liberate Tate e W.A.G.E. vão mais além dos meandros tradicionais daqui-lo que se convém chamar de “crítica institucional”, as pos-sibilidades de intervenção em outras esferas e nos espaços urbanos torna-se algo não apenas desejável como tam-bém imprescindível. Quando artistas e ativistas passam evi-denciar os processos de econo-mia política que estão dentro do mundo da arte ou, princi-palmente, fora dele, buscando investigar as raízes históricas de uma crise, produzindo aná-lises, levantamentos ou diag-nósticos sobre as abstrações e os efeitos da violência do capitalismo financeiro, pro-testando e perfomatizando a (ir)racionalidade do sistema econômico e a sua funciona-lidade por meio de imagens, gestos e símbolos, ou reve-lando as ligações da arte com empresas e corporações, re-tomam em diferentes níveis e aspectos a pergunta feita pelo poeta e ativista Joshua Clover: “o capital tem uma poética em sentido estrito?”9

“Revelar”, “desvendar”, “or-ganizar” ou “tornar publicas” certas relações produzem mui-tas vezes a imagem de “cons-

telações”, como afirma Walter Benjamin, de que “as ideias se relacionam com as coisas como as constelações com as estrelas.”10 Tal imagem parece apropriada para tentar visua-lizar o que dizem os mercados financeiros e seus conceitos técnicos, ou a circulação dos fluxos do capital. Em seu li-vro sobre a história da dívida, Debt: The First 5.000 Years (2011), David Graeber ex-plica que há anos as pessoas têm escutado sobre inovações financeiras sofisticadas atra-vés de termos como “crédito e commodities de derivativos,” “obrigações de dívida colate-rizadas”, “seguridades híbri-das” ou “swaps de dívida”.

Estes novos mercados de deri-vativos eram tão incrivelmen-te sofisticados história – uma relevante casa de investimen-tos teve de contratar astrofísi-cos para executar programas de troca tão complexos que nem mesmo os financistas puderam entendê-lo. A men-sagem era clara: deixe essas coisas para os profissionais.11

7 David Graeber. Revolutions in Reverse: Essays on Politics, Violence, Art, and Imagination. Nova York: Autonomedia, 2011. pp. 94 e 95.

10Walter Benjamin. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 56.

11David Graeber. Debt: The First 5.000 Years. Nova York: Melville House, 2011. p. 15.

14

Page 15: recibo75

15

A chance de trazer as conste-lações do capital para a nos-sa compreensão através de uma maneira não especiali-zada, questionando sobre a sua influência no mundo em que vivemos, podem aparecer em instalações como Black Shoals, criada pelos artis-tas Lise Autogena e Joshua Portway e exibida em uma exposição na Tate Gallery em 2001.12 Black Shoals mostra um verdadeiro planetário em tempo real, onde as estrelas mais brilhantes dessa conste-lação obscura são as empresas com a maior cotação naque-le dia no mercado de ações. Enquanto algumas estrelas/empresas perdem o seu bril-ho, outras surgem com maior intensidade provocadas pelas mudanças de cotização13 , nos permitindo até mesmo espe-cular sobre o lugar no qual se encontra, dentre tantas estre-las corporativas, a produção social oculta neste complexo sistema astronômico.

A imagem do ambiente vir-tual e especulativo de Black Shoals se organiza como um mapa. Mapas são instrumen-tos poderosos quando usados para visualizar as poéticas do capital, para capturar os po-deres e a abstração dos mer-cados financeiros do ponto de vista humano. Para o coletivo francês Bureau d’Études, que vem desde 1998 produzindo mapas que detalham minu-ciosamente as conexões entre corporações, governos, redes de influência, indivíduos po-derosos, grupos e movimen-tos sociais, tornar visível um diagnóstico do presente não requer apenas realizar uma denúncia da ditadura dos mer-cados financeiros ou do regime neoliberal, mas imaginar que fluxos de informação, poder, dinheiro e redes sociopolíti-cas são símbolos que precisam ter seus significados extraídos e notados. Assim, ao retratar

um mundo totalmente admi-nistrado, o Bureau d’Études transforma suas cartografias em “mapas para o fora”, em “sinais apontando para um território que ainda não pode ser totalmente determinado e que nunca será ‘representa-do’ nos modos tradicionais.”14 Seu trabalho cartográfico con-siste em “desmembrar a infor-mação e tornar visível aquilo que não é. [...] A cartografia permite descobrir as impli-cações entre as redes de pro-dução e as redes da política, que trabalham paralelamente ao Estado mas que, de alguma maneira, também são parte dele.” 15

Convidados a participar da exposição La Normalidad (2006) em Buenos Aires, um dos temas de Ex Argenti-na, projeto nascido a partir da crise econômica e dos le-vantes populares ocorridos na Argentina em dezembro de 2001, o Bureau d’Études contribuiu com um mapa in-titulado Crisis, trazendo uma extensa cronologia da crise do sistema financeiro mundial a partir da década de noven-ta. Em um plano dividido em três áreas, o coletivo expõe na parte superior de seu mapa informações sobre sistemas monetários alternativos. Na parte central da cartografia, “ações antiprivatização” es-tão representadas por mani-festações e greves ocorridas na África e na Ásia. Na área inferior, uma linha narrativa sobre a história do Fundo Mo-netário Internacional surge paralelamente a um conjun-to de datas e descrições sobre as crises ocorridas no Japão, Ásia e México, chegando ao colapso econômico na Argen-tina e a reação popular a ela. Em um plano geral, Crisis ex-põe uma geografia virtual dos mercados e o fracasso da Nova Economia e de suas promes-sas, como também assinala a

emergência do movimento de resistência transnacional an-ticapitalista nessa conjuntu-ra, onde a revolta argentina é mostrada dentro de uma es-trutura ainda maior da globa-lização econômica, tornando as lutas sociais e o movimen-to abstrato do capital percep-tíveis.16 os mapas do Bureau d’Études “inspiram ações de protesto na medida em que são passados de mão em mão, aprofundando a determinação de resistir, sejam eles utiliza-dos em conjunto ou indivi-dualmente.”17 Foi a partir de um trabalho realizado sobre gratuidade no final dos anos noventa na França que levou o Bureau d’Études a pensar a questão da autonomia artísti-ca. “Nos pareceu necessário mapear as redes que nos con-trolam. Compreender o mun-do que nos rodeia, de sermos capaz de nos situarmos e de nos orientarmos.”18

12O nome Black Shoals faz referência a Fórmula de Black-Scholes, criada em 1973 por Fisher Black, Myron Scholes e Robert Merton, e que permite calcular o valor exato de uma opção financeira.

13Mar Canet, Jesús Rodríguez e Daniel Beunza. Derivados, nuevas visiones financieras (Catálogo da exposição). Madri, 2006. p. 27.

14Brian Holmes, 2008. p. 52.

15Gabriela Massuh (ed.). La Normalidad (catálogo da exposição para o projeto Ex Argentina). Buenos Aires: Interzona Editora, 2006. p. 226.16Ver a descrição de Brian Holmes sobre Crisis e o pdf deste mapa em: http://bureaudetudes. org/2006/01/20/crisis-2006.

17Brian Holmes, 2008. Idem. 18Trecho de uma entrevista realizada por André Mesquita com o Bureau d’Études em maio de 2006.

Page 16: recibo75

Símbolos da crise financeira de 2008 foram reunidos na obra Bankrupt Banks (2012), do coletivo dinamarquês Super-flex. Uma série de 24 bandei-ras pintadas com as logomar-cas de bancos que declararam falência ou foram comprados por outros bancos, governos ou entidades privadas. Sem os nomes dos bancos e apenas representados por suas ico-nografias, os logos que antes exibiam confiança, austerida-de e solidez em propagandas ou nas ostentosas entradas de suas agências, aparecem agora como marcas das falhas e co-lapsos de um sistema global financeiro que reestruturou as esferas organizacionais, políticas e tecnológicas, assim como a nossa vida cotidiana e a emergência dos movimentos sociais que estão agora pro-testando nas ruas e ocupando os espaços públicos contra as condições de exploração e do-minação desse sistema, bus-cando uma mudança real e concreta.

Em um artigo recente, Gregory Sholette atesta que as ocu-pações como as de Wall Street não abarcaram simplesmen-te a invisibilidade de práticas artísticas muitas vezes não-reconhecidas pelo mundo da arte. Ao contrário, essas ma-nifestações foram capazes de proclamar o seu próprio terri-tório cultural.19 Nos últimos meses, ocupações espalhadas nas praças de diversas cida-des do mundo, como Madri, São Paulo, Oakland e Londres, viveram enfrentamentos com a polícia, produziram ações diretas e intervenções criati-vas, organizando também ar-quivos públicos e abertos que foram além de uma estrutura material, constituídos por um emaranhado de histórias, tra-mas, relatos e experiências. Curiosamente, alguns museus estão recolhendo fotografias,

documentos, faixas e cartazes produzidos nas manifestações e organizando os seus arqui-vos institucionais. Um dos or-ganizadores de um arquivo da Queens College em Nova York tentou justificar este trabalho de coleção dos materiais de Occupy Wall Street dizendo o seguinte: “Occupy é sexy. Soa maneiro. Um monte de gente que estar associado a isso.”20

Embora a cooptação institucio-nal desses arquivos me parece praticamente inevitável, a arte passa a ter outros usos que não são normatizados em seu sistema tradicional. Se a arte não está visível, ela escapa do controle, da prescrição e de sua regulação. Seus usuários constituem uma comunidade baseada em uma experiência comum21 de construção de ferramentas táticas, visuais e políticas. Alguns conseguem materializar radicalmente esta experiência, como foi o caso da intervenção desencadeada por um grupo de ativistas em 2010, que levou um gigantes-co martelo prateado inflável – produzido pelo coletivo Eclec-tic Electric – para os protestos contra a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em Cancun, no México. Em diversos momentos, grupos de pessoas corriam com o mar-telo inflável sobre a barreira policial, ou lançavam-no para o outro lado. Nesses carnavais de resistência e de ativismo criativo, uma enorme “obra de arte” assumiu o seu valor de uso e incorporou a máxi-ma que nenhum mercado fi-nanceiro ou instituição pode expropriar a: de que a arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo.22

19Gregory Sholette. “Occupology, Swarmology, Whateverology: the city of (dis)order versus the people’s archive”, 2011. Disponível em: http://artjournal.collegeart.org/?p=2395.

20Christian Salazar e Randy Herschaf. “Occupy Wall Street: Major Museums And Organizations Collect Materials Produced By Occupy Movement”, 2011. Disponível em: http://www.huffingtonpost. com/2011/12/24/occupy-wall-street- museums-organizations_n_1168893. html?ref=new-york&ir=New%20York.

21Stephen Wright. “Users and Usership of Art: Challenging Expert Culture”, 2007. Disponível em: http://transform.eipcp.net/ correspondence/1180961069.

22A história desta ação está registrada no livro El Martillo Project, organizado pelo Electric Electric em 2012. Disponível em: http://www. minorcompositions.info/?p=357.

16

Page 17: recibo75

17

Lize mogel. two diagrams: the Business of art and the Non-profit art practice, 2009.

Page 18: recibo75

18

BeFOre Or aFterInstallation with series of collages, glass Various dimensions

anetta mona chisa & Lucia tkácová

2011

Page 19: recibo75

19

Page 20: recibo75

20

Page 21: recibo75

21

Page 22: recibo75

22

Page 23: recibo75

CONtempOrarY BraZIlIaNpOlItICSerik van der WeiJde

2011

23

Page 24: recibo75

24 24

foi filmado entregando pacotes de dinheiro para vários aliados de seu chefe

renunciou para evitar um impeachment por corrupção, mas agora está de volta ao senado

ninguém foi para a prisão

um escândalo de compra de votos que quase destruiu o governo do presidente

foi detido em um aeroporto com 100.000 dólares na cueca e mais dinheiro em sua bagagem

ex-presidente, é o apego ao seu trabalho como líder do senado, apesar das alegações de má administração

permanece no senado, apesar das alegações de corrupção

Page 25: recibo75

25 25

está sob investigação imagens de meio milhão de dólares em notas, encontradas no escritório de seu marido, foram transmitidas na televisão

é relatado que os cobradores de impostos freqüentemente pedem subornos para relaxar avaliações e inspeções

segundo ministro renuncia em um mês em meio a acusações de corrupção

uma empresa que ele fundou aumentou seu valor em 50 milhões de reais ($ 32 milhões), dois anos depois de ter sido fundada com um capital de 60.000 reais

uma empresa que se beneficiou de contratos cedidos pelo ministério dos transportes

pediu demissão em meio a alegações de que ele usou sua posição para enriquecer a si mesmo

Page 26: recibo75

26 26

descobriu que sua fortuna cresceu 20 vezes durante um período de quatro anos, enquanto ele era um legislador

ele deixou o cargo após alegações de que ele participou de um esquema do governo para subornar parlamentares para votar em projetos de determinado partido no poder

e 50 outros funcionários, em desvio de verbas de obras públicas para projetos fraudulentos

dezenas de parlamentares acusados de superfaturar a compra de ambulâncias e embolsando o dinheiro

fazer acordos financeiros com os operadores de máquinas caça-níqueis ilegais

flagrado com milhares de reais enfiados na cueca

Page 27: recibo75

27 27

estima-se que tão pouco quanto um terço dos recursos do governo atingiu suas metas destinadas

cerca de 10 por cento das verbas federais destinadas para os municípios do brasil desapareceu

uma recente auditoria revelou que de us $ 7 bilhões em contratos postais, por exemplo, pelo menos us $ 180 milhões estão relacionados como perdas pela corrupção

apesar de milhares de pessoas serem acusadas de corrupção, poucos foram condenados

um bom advogado pode esticar um caso de corrupção por 10 à 20 anos nos tribunais

o chefe do comitê de ética do senado se demitiu após ser acusado de obstrução a uma investigação sobre o presidente do senado

Page 28: recibo75

28 28

seu ministério agiu de forma inadequada, incluindo aceitar subornos na atribuição de contratos com o governo

também é acusado de ter utilizado fundos ilícitos para financiar as campanhas eleitorais de seus membros e aliados

foi acusado de corrupção e lavagem de dinheiroele nega as acusações

foi indiciado por acusações de corrupção

quatro diretores de um banco privado também foram indiciados, acusados de fazer empréstimos fraudulentosque realizou diversos contratos com o governo, está enfrentando acusações de corrupção e lavagem de dinheiro

nenhum dos parlamentares envolvidos até agora têm sido indiciado

Page 29: recibo75

a maioria está concorrendo à reeleição

embolsar um envelope que se diz conter rs 50.000

um grupo de congressistas foi ficando rico às custas dos contribuintes

acusado de roubo de fundos públicos

o brasil continua a ser um lugar onde há uma grande quantidade de roubo de alto nível

que são pagos para não comparecer a empregos no governo

ameaçar o jornalista por causa de artigos que revelaram a corrupção na prefeitura

recebiam propina de empresários

29 29

Page 30: recibo75

30

Page 31: recibo75

31

Page 32: recibo75

32

lOBÃO

aLeXandre voGLer2010

Page 33: recibo75

33

”O candidato a prefeito eduardo paes beija mão do governador Sergio Cabral”

”Juntos pelo rio: eduardo paes, rosinha Garotinho, Sergio paes e Crivella”

Page 34: recibo75

34

deter-SeNOS telHadOSLuz broto

16: 50 h, 15/02/2012

15/02/2012, 16:55h, rua Humaitá, rio de Janeiro

Page 35: recibo75

35

15/02/2012, 19:20h, avenida vieira Souto, rio de Janeiro

Page 36: recibo75

36

16/02/2012, 19:00h, rua do Catete, rio de Janeiro

Page 37: recibo75

37

24/02/2012, 09:00h, rua Saint Hilaire, São paulo

Page 38: recibo75

38

O ataque que invade as camadas das concentraçõesE a intenção que sugere ou supere as percepções,

Ultrapassa a concepção do que já existe, Tendo em vista a questão pública e total Entre as quais todas as camadas estão submetidas.

Um movimento chama a intenção necessária do coletivo que se preze, Nas questões totais de pessoa pra pessoa.

Pra que público o discurso se refere?

Pra que situação a crítica retribui às idéias e aceitações de um todo?

O individual permanece o mais forte?

O que constrói a comunicação geral?

O que é deus perante os passos E os devaneios desses novos loucos deuses?

Destas novas crenças públicas?

Dessa nova massa cinzenta?

“O ataQue“FÊ Luz

1999/2000

Page 39: recibo75

39

deCadeNCe aveC eleGaNCemarceLo cidade

2012

Page 40: recibo75

40

Page 41: recibo75

41

Page 42: recibo75

42

Page 43: recibo75

43

Page 44: recibo75

44

CartaZeS:pOr OutraS prÁtICaS e eSpaCIalIdadeSporo

2010/2011

Page 45: recibo75

45

Page 46: recibo75

46 c.L. saLvaro2012CONtra-GOlpe

Troca de emails, ação e processo

Page 47: recibo75

47

Page 48: recibo75

48

Page 49: recibo75

49

Page 50: recibo75

50 matheus rocha pita

2012laJe # 8 (ameaÇaS)

Concreto armado e papel 20 x 30 x 4 cm

Page 51: recibo75

51

2012laJe # 19 (HerZOG)

Concreto armado e papel 22 x 44 x 2 cm

Page 52: recibo75

52

Concreto armado e papel 20 x 30 x 2 cm

2012laJe # 16 (pNeuS)

Page 53: recibo75

53

2012

2012

laJe # 13 (GOl)

laJe # 10 (dIreÇÃO)

Concreto armado e papel 22 x 20 x 2 cm

Concreto armado e papel22 x 44 x 2 cm

Page 54: recibo75

54 Fabio tremonte

aNtICapItalISt muSeum

2012Desenhos, pinturas,colagens, gravura, livros e objetos ,dimensões variáveis

Page 55: recibo75

55

Page 56: recibo75

56

Page 57: recibo75

57

Page 58: recibo75

Luis romero

pOStal Sur del laGO (de la SerIe paISaJeS IrreverSIBleS) 2012Impresión digital y vinyl sobre papel72 x 50 cm

58

Page 59: recibo75

pOStal laGO de maraCaIBO (de la SerIe paISaJeS IrreverSIBleS) 2012Impresión digital y vinyl sobre papel72 x 50 cm

59

Page 60: recibo75

μεταφ οράou

Etimologia

Do grego antigo μεταφοράou (metafora) (“transporte”, “mudança”), pelo latim metaphora.Datação: século XIV

From μεταφέρω (metapherō, “transfer”)

60

Page 61: recibo75

μεταφ οράou

Substantivo me.tá.fo.ra1- (Retórica) tropo em que há a substituição de um termo por outro, criando-se uma dualidade de significado2- (Retórica) palavra ou expressão empregada por metáfora

μεταφορά (genitive μεταφορᾶς) f, first declension; (metaphora)1- transference2 - (rhetoric) metaphor, trope

61

Page 62: recibo75

Este número de recibo registra a décima edição em seu décimo ano1 de (d)existência. Recibo 75 não é uma “edição especial de aniversário”; o projeto editorial surge como uma metáfora da realidade que reúne uma série de trabalhos em diálogo com seu tema subjetivo e abstrato. Por mais direto e óbvio que seja o resultado da forma de gestão do sistema capitalista hoje2, as páginas deste recibo integram uma tentativa clara e direta de evidenciar a crítica e a reflexão do pensamento.

O “sub-texto” deste recibo, μεταφοράou (metaforá) que na tradução em grego significa “mudança”, “transporte”, surgiu de uma série de encontros in situ com a realidade ao redor – dos dez meses sem receber o valor contratado do Programa Cultura e Pensamento até as revoltas internacionais registradas nas redes sociais - passando pelos infindáveis casos de corrupção e regalias de nossos políticos – tudo isso foi base para pensar o projeto editorial do recibo 75. De setembro de 2011 a setembro de 2012, a quantidade de revoluções que se presenciaram pelo mundo não se restringem a cinco ou seis atos de significativo destaque; pelo contrário, a intensidade das manifestações coletivas aumentaram em grau e número, de maneira tal que os governos não conseguem mais bloquear sua difusão pública. Egito, Líbia, Síria, EUA, Espanha, Grécia – e União Européia em geral - são apenas alguns exemplos que viram seus sistemas ruírem e sua população em revolta máxima nas ruas, consequência das sucessivas crises econômicas dos últimos anos na Europa e também de governos ditatoriais no Oriente Médio.

A revolução do acesso `a informação que a rede social hoje desempenha na vida das pessoas em seus domicílios - ou onde quer que se esteja com seus telefones inteligentes - é o novo vício ou síndrome da informação e difusão instantânea que ao mesmo tempo é urgente e banal. Viver nessa ambiguidade que o mundo online-off hoje nos proporciona é o paradigma.

Incorporar crítica e reflexão dentro desse contexto é um dos princípios que “des-regem” a publicação recibo, quer seja patrocinada pela Petrobrás com dez mil exemplares de distribuição gratuita, ou sendo auto-financiada com cinquenta cópias ou mil exemplares de recibos (sempre) grátis.

Especificamente esta coleção Petrobrás de recibo do Programa Cultura e Pensamento do Ministério da Cultura aglutina em sua produção e edição um período tortuoso que só um programa de governo e sua respectiva mudança de gestão (2010-2011) podem (não) explicar. Por mais que paralisar por um ano um projeto patrocinado não seja mais relevante ao futuro desse contexto irrisório que se institui apenas na leitura ou no “folheamento” dessas páginas, é essencial registrarmos aqui uma total “inoperância dos usuários do sistema em reclamar por qualquer coisa”.

Dentro e fora desse contexto específico em que os processos públicos se envolvem, reuni uma série de trabalhos e intervenções que se referem ̀ a metáfora da crítica e também ̀ a abstração e ̀ a subjetividade.

Intervenções como a da dupla de espanhóis que vivem em Berlin, PSJM - I love the system, ou o trabalho da dupla de artistas de Madrid, Democracia - com o “demus contra cracia”, direcionam o tom da manifestação que recibo publica.

Na pesquisa para o projeto editorial, acabei adquirindo a Revista Mensal de Cultura Política – Problemas, que em seu título deflagra uma ótima provocação, sobretudo quando sabemos quem é o diretor do sexto número publicado no Brasil em 1948, Carlos Marighella3.

A referência histórica que convocamos com a inserção metafórica da revista Problemas não se resume apenas `a questão política, mas `a valorização da resistência contida na imagem da capa. Outra referência não menos histórica e muito atual é a intervenção de Erik van der Weijde que reproduzimos

edItOrIal 75

62

Page 63: recibo75

- numa versão em português especial para recibo - de seu fanzine Contemporary Brazilian Politics4. Todas as frases nos são muito conhecidas por suas reproduções em tele-jornais e outros meios de comunicação, que de tanto citadas nos soam como um mantra que (quase) não surte mais efeito para fins de reivindicação de algo ou de punições ou restrições das regalias, ou mesmo uma (mais que necessária), Reforma Política Brasileira.

As fotomontagens das artistas romenas Anetta e Lucia que gentilmente cederam seus trabalhos (numa conversação de email via google translate!) evidenciam essa esfera subjetiva dos signos das imagens que também servem muito bem para retratar não só o tempo pelo qual passamos, mas demonstram a matéria da qual temos muito conteúdo para explorar como linguagem (sampler e remix das imagens e informações no mundo).

A série de fotografias da artista argentina Luciana Lamothe também destaca o que está “óbvio “ justamente pela sequência de sentidos de um trabalho para o outro nessas páginas do recibo75... Não querer ver o que representam certas atitudes hoje é uma opção e até uma profissão, digamos, mas as evidências estão todas aí para quem quiser se alimentar de uma certa raiva, que como disse um amigo, há que se cultivar para no mínimo revelar o problema e não se acomodar na ilusão de que tudo está ok. A resistência aqui, até parece que se funde com a palavra utopia... e citando Paulo Freire numa “não-leitura” de um post da rede social: A postura utópica é a postura que vive, entende, e se experimenta na tensão entre a denúncia e o anúncio.

Qual a importância ou eficácia da crítica hoje? Ou mesmo do contragolpe? Ou nas próprias palavras de Fê Luz (performado por ela e Traplev no Centro de Artes da UDESC em Florianópolis no início dos anos 2000): Pra que público o discurso se refere?Pra que situação a crítica retribui às ideias e aceitações de um todo?O individual permanece o mais forte?O que constrói a comunicação geral?

O que fazer se o fracaço é eminente quando se aborda a resistência em prol de um bem público... ou mesmo da própria prática artística como ferramenta para reflexionar todo o contexto - e que realmente não tem utilidade nenhuma5 segundo os preceitos do mercado e da economia?

As palavras inventadas de Jorge Menna Barreto demonstram essa dicotomia quando ele junta a palavra “aço” e “fraco” para criar FRACAÇO. Sentido parecido acontece com a palavra criada DEXISTIR, que se transformam em tapetes... As “metáforas da mudança”, nesse sentido estão todas aí e reúnem numa ideia sentidos opostos que juntos se fortalecem justamente tentando evidenciar a reflexão sobre as coisas.

Nas fotos de Luz Broto, nas intervenções de Marcelo Cidade, nas lajes de Matheus Rocha Pitta, na poesia de Fê Luz, nos cartazes do grupo Poro, nos desenhos de Alexandre Vogler, no texto de André Mesquita, na intervenção de Roberto Winter, na proposta de C.L. Salvaro, na coleção de Fabio Tremonte e nas imagens do artista venezuelano Luis Romero, recibo evidencia justamente o que nos alimenta: a potência do pensamento e da iniciativa crítica para dispersão.

Traplev Recife de setembro de 2012.

_____________

1Recibo surgiu em 2002 na cidade de Florianópolis com um grupo de artistas que financiou sua primeira edição, onde o governo estadual de Santa Catarina até hoje insiste em ignorar a produção cultural local e externa a ela.2Apesar de não haver um ideal de gestão para o sistema vigente, digamos que há formas de mudanças (metáforas) que podem contribuir para uma melhor fruição do sistema, seja lá qual for.3Foi um político, guerrilheiro e poeta brasileiro, um dos principais organizadores da luta armada contra o regime militar a partir de1964.4Para maiores informações sobre a publicação: http://www.4478zine.com/2010publications.htm5Dentro dos projetos editoriais de recibo, a edição de número seis - recibo 88, publicou entre outras reflexões de outros autores sobre o tema, a tradução do texto de Georges Bataille intitulado “O paradoxo da utilidade absoluta”. Recibo 88 assim como os demais números estão disponíveis na plataforma online: http://issuu.com/recibo/

63

Page 64: recibo75

64

_ recibo75_ ano dez_ número dez_ produção: Edições Traplev Orçamentos _ administração: Fundação Hassis_ projeto editorial 75 e editor geral de recibo: Traplev_ projeto gráfico 75: ||||||||||||||||||||_ revisão texto editorial: Bárbara Wagner_ consultoria da palavra em grego: Maria Sideri_ conselho editorial 75: Amilcar Packer e Guilherme Altmayer

Recibo agradece em especial a todos os colaboradores por cederem seus trabalhos impressos para a publicação deste número.

Agradecimentos e desculpas gerais (esse recibo não seria possível sem a ajuda e compreensão dessas pessoas): Francini Barros, Isabel Ferreira Zarzuela, Eduardo Bonito, Icaro dos Santos, Helmut Batista, Amilcar Packer, Pipa, Vanessa Damasco, Julia Amaral, Priscila Gonzaga, Jorge Menna Barreto e a minha família. Um salve especial a Matias Moreira Barros que nasceu no meio desse período.

Crédito das intervenções:_ Intervenção na capa e nas pags. 28 e 29: Jorge Menna Barreto;_ Imagem da Revista Mensal de Cultura Politica – Problemas: acervo Traplev;_ Intervenção editorial das pags. 56-59: Traplev;_ Intervenção da pag. 61 e 62 do artista paulista Roberto Winter;_ Imagem I Love the System da dupla de artistas espanhóis radicados em Berlim PSJM;_ Imagem demus contra cracia (ação urbana de stencil e adesivos) da dupla de artistas espanhóis Democracia;

Sobre o trabalho de Luz Broto entre as pags. 34 e 37:_ fotografia: Sofia Caesar, Nicolás Llano Linares, Martín Vitaliti. _ agradecimientos: Sofia Caesar, Daniela Castro, Rodrigo Garcia Dutra, Daniel Gorin, Celso Gouveia, Nicolás Llano Linares, Glaucia Mayer, Gleice Mayer, Danielle Meres, Felipe Meres, Leo Motta, Eduardo Pacheco, Amilcar Packer, Airton Protencio, Eduardo Rodrigues, Lucas Sargentelli, Daniel Steegmann, Martín Vitaliti.

_ impressão 4\4_ 64 páginas_ tiragem de 10 mil exemplares_ sem periodicidade_ produzido entre setembro de 2011 a setembro de 2012 entre o Rio de Janeiro e Recife_ impresso na Gráfica Ediouro - RJ no Brasil entre fevereiro e março de 2013_ distribuição nacional gratuita: Programa Cultura e Pensamento/MINC_ contato: [email protected]_ http://issuu.com/recibo_ facebook: traplev orçamento

MINISTÉRIO DA CULTURAMarta Suplicy – Ministra de Estado

SECRETARIA DE POLÍTICAS CULTURAISSergio Mamberti – Secretário

ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSAJoão Maurício de Araújo Pinho – Presidente

SELEÇÃO PÚBLICA DE REVISTAS CULTURAIS DO PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO 2009/2010Sergio Cohn - Coordenador

eXpedIeNte 75

Page 65: recibo75

65

Page 66: recibo75

66

Page 67: recibo75

Começar

a queim

ar

pela lin

ha

de pontos.

©PS

JM

Page 68: recibo75

|| ed

ições t

ra

ple

v o

rça

men

tos ||

recib

o7

5

Apoio Realização

Esta publicação foi contemplada pela seleção pública de revistas culturais do Programa Cultura e Pensamento 2009/2010

Apresentam

Ministério daCultura

Ministério daCultura

Secretaria de Políticas Culturais

Ministério daEducação