recepção literária, adolescentes e adultos aproximam-se

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o bicho dos livros III Jornadas da Maia Livre Arbítrio: o direito de escolher leituras 18 e 19 de Outubro de 2012 Recepção à leitura literária: adolescentes e adultos aproximam-se Resumo: Quando se pensa a leitura literária, pensa-se muitas vezes, se não sempre, no efeito que esta produz no leitor. A recepção torna-se mais importante que as estruturas da tradição e do cânone literário, descentrando o livro de si próprio e relacionando-o com o leitor. Nesta mudança de paradigma, eventualmente perigosa, adolescentes e adultos aproximam-se nos comportamentos, nas escolhas e na relação fragmentada e aleatória com a leitura. Crossover e leitura literária A primeira vez que ouvi falar de Crossover foi em Janeiro de 2009, no 1º e único Congresso Internacional de Promoção da Leitura, promovido pela Casa da Leitura, um projecto da Fundação Calouste Gulbenkian. Hoje sabemos que foi um privilégio ouvir os melhores investigadores ao vivo, com uma clarividência, um sentido de actualidade e universalidade que tanta falta nos continua a fazer. Sandra Lee Beckett veio ao Congresso apresentar uma análise do conceito de crossover a partir do seu livro com o mesmo nome: Crossover Fiction. E ali sistematizou alguns pressupostos orientadores, defendendo que a ficção cruzada é um fenómeno de massas, de marketing e de literatura, uma associação paradoxal e eventualmente explosiva. Sendo escritas para adolescentes, estas narrativas têm como objectivo atrair também os adultos, o que aconteceu numa escala até então inalcançável com a saga de “Harry Potter”. Foi este o marco que fez nascer o crossover. Sandra Lee Beckett chama a atenção para dois movimentos antagónicos que se dirigem para o mesmo objecto: por um lado, há uma infantilização dos adultos, por outro, uma adultização das crianças, que estão a ficar cada vez mais sofisticadas. A autora avança na análise literária: se há uma estupidificação dos adultos, também é verdade que muita da melhor ficção está a ser publicada para jovens. www.obichodoslivros.blogspot.com [email protected]

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o bicho dos livros

III Jornadas da Maia

Livre Arbítrio: o direito de escolher leituras

18 e 19 de Outubro de 2012

Recepção à leitura literária: adolescentes e adultos aproximam-se Resumo: Quando se pensa a leitura literária, pensa-se muitas vezes, se não sempre, no

efeito que esta produz no leitor. A recepção torna-se mais importante que as estruturas da

tradição e do cânone literário, descentrando o livro de si próprio e relacionando-o com o

leitor. Nesta mudança de paradigma, eventualmente perigosa, adolescentes e adultos

aproximam-se nos comportamentos, nas escolhas e na relação fragmentada e aleatória com

a leitura.

Crossover e leitura literária A primeira vez que ouvi falar de Crossover foi em Janeiro de 2009, no 1º e único

Congresso Internacional de Promoção da Leitura, promovido pela Casa da Leitura, um

projecto da Fundação Calouste Gulbenkian. Hoje sabemos que foi um privilégio ouvir os

melhores investigadores ao vivo, com uma clarividência, um sentido de actualidade e

universalidade que tanta falta nos continua a fazer.

Sandra Lee Beckett veio ao Congresso apresentar uma análise do conceito de crossover a

partir do seu livro com o mesmo nome: Crossover Fiction.

E ali sistematizou alguns pressupostos orientadores, defendendo que a ficção cruzada é um

fenómeno de massas, de marketing e de literatura, uma associação paradoxal e

eventualmente explosiva.

Sendo escritas para adolescentes, estas narrativas têm como objectivo atrair também os

adultos, o que aconteceu numa escala até então inalcançável com a saga de “Harry Potter”.

Foi este o marco que fez nascer o crossover. Sandra Lee Beckett chama a atenção para dois

movimentos antagónicos que se dirigem para o mesmo objecto: por um lado, há uma

infantilização dos adultos, por outro, uma adultização das crianças, que estão a ficar cada

vez mais sofisticadas.

A autora avança na análise literária: se há uma estupidificação dos adultos, também é

verdade que muita da melhor ficção está a ser publicada para jovens.

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É neste gueto literário que há uma maior libertação dos códigos da literatura para adultos,

rompendo com as categorias estabelecidas.

Basta pensarmos em alguns dos distinguidos com o Prémio Alma – sou eu quem o afirma

– Sónia Hartnett, Shaun Tan, Guus Kuijer, ou, à escala da edição em Portugal, Que Monstros

Fabricamos, de David Almond ou Os Livros que Devoraram o Meu Pai, de Afonso Cruz.

A partir daqui podíamos começar a enumerar razões para esta aproximação do

comportamento leitor entre adultos e adolescentes e provavelmente uma delas seria a

massificação da leitura.

É verdade que muitos adultos, especialmente jovens adultos, não têm uma competência

leitora que lhes permita ler as grandes obras dos cânones literários europeus e americano.

Por isso, o fantástico, o mistério e a história, que são os principais domínios do crossover,

asseguram um estilo e uma estrutura menos complexos. Eventualmente. São também

aqueles que muitos jovens leitores preferem.

Mas, de entre o número avassalador de leitores adultos de “Harry Potter”, alguns puderam

ler Stieg Larsson passados quatro ou cinco anos, e terão descoberto o seu lugar de leitores.

É verdade que a infantilização do adulto, o culto da superficialidade e a ausência de boas

experiências leitoras na adolescência devolve o adulto a livros originalmente escritos para

adolescentes.

Teremos, todavia, de nos questionarmos sobre a utopia de formarmos todos os leitores

para dominarem um cânone literário.

Faz sentido? Onde queremos chegar? Que cânone é esse? O que nos dá esse cânone?

Quem o legitima?

Para o seu segundo ciclo de existência, o grande objectivo do PNL é o de formar leitores

competentes: passar de Ler Mais, para Ler Melhor.

Podemos questionar se não se deveria ter começado a investir logo na qualidade da leitura,

ou se cinco anos foram suficientes para que se lesse efectivamente mais. Mas não podemos

criticar o desejo de que os leitores sejam mais capazes de ler, porque ler melhor é, e todos o

sabemos, ser mais capaz para agir, para reagir, para interpretar o mundo sem medo e

credulidade.

Ler Melhor será então ler literatura. Ou ler textos complexos. Ou, ainda mais, identificar,

descodificar e relacionar sentidos figurados. Onde estão eles? Por toda a parte, e muitas

vezes mal contextualizados, em discursos imediatistas e fragmentados, como aqueles que

lemos em rodapés informativos, títulos de jornais em papel e online, sms, posts e

mensagens no facebook.

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Se a publicidade, a propaganda, e a opinião caminharam e se imiscuíram na informação, se

as reportagens ou artigos de fundo deram lugar a crónicas e notícias breves, com o

argumento de que as pessoas não lêem, como vamos agora formar leitores competentes?

No debate sobre as Novas Metas Curriculares de Educação Literária, no último congresso

do PNL, a prof. Helena Carvalhão Buesco, uma das responsáveis pela fixação de um novo

copus literário imposto aos alunos do ensino básico, defendeu legitimamente que a

competência da leitura se desenvolve com textos complexos e longos.

De facto, assim é. Se não treinarmos a leitura de textos longos, nunca seremos capazes de

ler um romance, se não lermos textos complexos, abandonaremos o primeiro texto que nos

obrigue ao estranhamento, que nos retire os principais eixos de raciocínio lógico, que nos

obrigue a aceitar um discurso que não compreendemos na expectativa de que, mais à

frente, tudo faça sentido.

Ler o quê?

Todavia, haverá outros caminhos que poderão contribuir para este desenvolvimento da

competência leitora e que podem ou não passar pela escola, e por este método que,

convenhamos, já foi longamente testado.

Poderemos, é certo, discutir a validade literária da lista proposta pelo Ministério da

Educação. A mim não me parece desajustada., falando do ponto de vista estritamente

literário. Mas concordo com o argumento apresentado por Teresa Calçada quando afirmou

que os professores não estão preparados para aquele corpus, porque não foi com ele que

estudaram e se formaram. Sem os mediadores, como pode funcionar o corpus? A educação

literária, como aparece designada no documento do Ministério da Educação, pode ser

aceite como necessária. Em muitos casos, será o único contacto que os alunos terão com a

tradição literária portuguesa, e alguns, certamente, voltarão a um ou outro autor, livro ou

género.

Mas quantos releram os Lusíadas depois de o terem estudado? Já os Maias, acredito que um

número minimamente satisfatório, se pensarmos no trauma que a obra causava aos alunos

(diga-se que num estilo mais romântico do que naturalista, o que é próprio da

adolescência). Por isso, não sejamos maniqueístas.

A questão não está, num primeiro nível de discussão, no cânone, e sim na formação dos

professores para motivarem para esse cânone. Se, antes de ser introduzido, fosse ele

próprio promovido junto dos docentes, ganhar-se-ia em entusiasmo e em leitores. O que se

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poderá operar com este processo é uma nova aproximação entre os leitores adolescentes e

os leitores adultos na incompreensão e recusa destas obras, levando-os para outros

caminhos.

Haverá então outras possibilidades de formar leitores competentes e literários?

O álbum tem o potencial para ser tornar numa leitura literária transversal. Começando

pelos pais, primeiros mediadores, que lêem os álbuns aos filhos, e continuando na escola, o

álbum é o tipo de livro que perdura durante mais tempo junto não apenas das crianças, mas

sobretudo dos mediadores. Ao despertar os mediadores para a leitura adulta do álbum, para

o prazer desta descoberta, começa um processo de formação. O álbum, se for bom, tem

muitas das características estilísticas que encontramos num texto literário.

Como contrapartida, tem pouco texto, o que provoca um défice ao nível da concentração e

treino de leitura de textos longos. Por isso mesmo, a leitura de álbuns não se apresenta aqui

em oposição à leitura de textos literários longos, sejam eles romances ou novelas juvenis,

ou livros ditos para adultos.

A leitura do álbum permite treinar a competência leitora de inferência, de previsão,

antecipação e confirmação, ao nível da narrativa, de descodificação de jogos

paródicos, satíricos, absurdos, metafóricos, hiperbólicos, e ainda de identificação

prosódica. Apesar de ser, muitas vezes, um processo intuitivo para o adulto, estas

associações operam-se no seu cérebro, tendo em conta a sua experiência, o seu

conhecimento do mundo e do contexto paraliterário do livro, e ainda a eventual

experiência de leitura.

No entanto, o adulto mediador ainda vê o álbum em função do seu leitor final: a criança e

as suas escolhas traçam-se a partir da imagem que tem dela. Acontece por isso muitas vezes

os adultos dizerem que este ou aquele álbum não é para crianças porque elas não

percebem. Apenas e tão só, as crianças não o percebem da mesma forma.

Ao contrário do que acontece com o adolescente, ainda não é possível estabelecer uma

aproximação mental entre criança e adulto. Os seus referentes são por demais diferentes.

Por isso, é preciso ajudar os mediadores a lerem de forma livre os álbuns que escolhem a

pensar que as suas crianças gostam muito da natureza, ou que precisam de um livro para

comerem a sopa, ou para superarem os medos, ou para aprenderem a contar… A

instrumentalização e o didactismo que ainda persistem na escolha dos álbuns tem

de ser erradicada e substituída pela leitura estética.

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É mais fácil ler álbuns do que novelas ou romances. Em primeiro lugar, o argumento do

tempo, ou falta dele, não colhe com livros que demoram 15 minutos a ler (com atenção!).

Em segundo lugar, o adulto não se sente menosprezado na sua condição de leitor, seja ela

qual for, porque assume que está a ler um livro destinado à infância, logo que o seu nível

será obrigatoriamente muito simples. Finalmente, a motivação de mediar melhor poderá ser

um argumento de peso para alimentar a curiosidade.

Depois, importa alimentar o diálogo entre pares, neste caso adultos. Clubes de leitura,

comunidades de leitores, forúns, e partilhas serão opções a pôr em prática. Alargá-las a

adultos que se interessam por estes livros, alargá-la a professores de outros ciclos, fará

como que todos percebam a plurissignificação dos álbuns, se surpreendam e emocionem e,

finalmente, compreendam a sua transversalidade e até vejam o mundo de outra forma.

(ex: Eu Espero, Davide Cali, Serge Bloch, Bruaá)

A partir daqui, ganhamos leitores competentes, ainda que limitados na dimensão do texto,

mas mais seguros na leitura de imagens e competentes ao nível da literacia visual.

É um facto que há cada vez mais adultos que se rendem à magia dos álbuns. Muitos

chegaram a este universo por causa dos filhos, mas nunca mais o abandonaram. Os bons

álbuns são museus ao alcance da mão, que se visita as vezes que se quiser e puder, e se

observa de maneiras e com estados de espírito diferentes.

Finalmente, promover a competência leitora com adolescentes através do álbum

pode ter alguns resultados. Ler um álbum colectivamente, em sala de aula, é uma actividade

exequível numa única sessão e permite o diálogo entre pares sobre o processo de

compreensão da narrativa, tecendo ligações, questões e relações entre discurso visual e

discurso textual. A leitura colectiva permite que o professor medeie a sessão como se de

um clube de leitura se tratasse e os argumentos e opiniões de uns alunos ajudarão os outros

a resolver algumas dúvidas e a descortinar o raciocínio que leva a determinados juízos de

valor.

Os grandes temas, os valores, a história, a construção de personagens, a memória, a

identidade, o discurso diarístico, a reportagem… está lá tudo, basta procurar.

Quando falamos de transversalidade, podemos hoje falar do álbum e acrescentá-lo a esse

espaço sem cânone (ou com um cânone muito pouco consensual e em constante evolução)

que é o da literatura infantil e sobretudo juvenil.

Zohar Shavit (Poética da Literatura para Crianças, Caminho, 2003) considera que textos

ambivalentes são aqueles que ocupam dois lugares ao mesmo tempo no

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polissistema literário. Quer isto dizer que o sistema literário é, em primeiro lugar,

dinâmico. Em segundo, que haverá vários lugares nesse sistema literário: o infantil, o

juvenil, o adulto, o canonizado, o não canonizado.

Isto provoca alterações no posicionamento dos livros em função dos leitores que os vão

escolhendo ao longo dos tempos. Se, num determinado momento, um livro é igualmente

lido por crianças e jovens, ou por adultos e jovens, sendo legitimado perante o sistema

nessa dupla condição (trata-se de uma coexistência de duas linhas de leitura, uma mais

simples, para um público menos competente, e outra mais sofisticada, que agrada à elite).

O álbum é, neste momento, um paradigma de texto ambivalente que seduz crianças e

adultos e em princípio os leva a leituras muito diferentes.

Será uma prova mais do que diz Sandra Lee Beckett: o adulto está mais infantil e a criança

mais sofisticada nos seus desejos?

O Leitor Literário caminha livremente

Certo é que o leitor literário não tem um único caminho a percorrer. Carlos Ceia, no artigo

“O Poder da Leitura Literária (contra as Formas de Impoder)” que se encontra no site da

Casa da Leitura, alerta para a grande questão ontológica dos estudos literários actualmente:

O que não é Literatura?

São dois mundos que se encontram muitas vezes, esse da literatura e da leitura literária, sem

confluírem, necessariamente, numa mesma direcção. Os estudos literários ajudam a

organizar um sistema, a dar forma a uma infinitude de possibilidades retóricas e estruturais

de um discurso verbal, a limitar influências, a encontrar pontos de continuidade e de

ruptura. A mais valia dos estudos literários é idêntica à de todas as disciplinas do

pensamento, mas não pode ter um efeito prescritivo sobre o leitor literário, que traça o seu

próprio caminho, numa relação autónoma com os discursos que vai elegendo para ler.

Logo no início do artigo, a propósito do teórico americano Harold Bloom e do seu

trabalho em defesa de um cânone ocidental, a partir dos estudos literários americanos,

Carlos Ceia declara que “Bloom não gosta de Harry Potter, porque, diz, é uma colecção de

lugares comuns que em nada enriquece os jovens. Recomenda como alternativa o clássico

Alice no País das Maravilhas (1865), de Lewis Carroll, e o excelente Contos de Shakespeare

(1807), de Charles Lamb. Ora, eu aprendi a ler através da literatura oral e popular e

devorando todos os livros de banda desenhada que o meu pai coleccionava. Aprendi a ler

através dos lugares mais comuns da própria literatura. Aprendi que ler tudo é o melhor

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remédio para saber hoje o que é que vale a pena ler. A pergunta J. K. Rowling ou William

Shakespeare? nunca devia ser colocada. O importante é o compromisso que cada um de

nós estabelece com aquilo que sente que deve ler. Errado é pensar que J. K. Rowling é

suficiente. Harry Potter é apenas um cantinho do mundo. As tragédias de Shakespeare

estarão certamente do outro lado do mundo, mas a nossa imaginação, se estiver

predisposta a isso, pode viajar para todo o lado e não deixar ninguém de fora.”

Nesse sentido, e se recuperarmos a ideia da sociedade de massas, não há como fugir de

fenómenos de crossover e ambivalência, em que todos se cruzam, todos se aproximam, e

todos se afastam.

Na monografia recentemente editada pelas Edicions Xerais, A Narrativa Xuvenil a Debate

(2000-20011), Gemma Lluch traça o panorama da edição de literatura para jovens e avança

com alguns processos inovadores na relação do leitor adolescente com o livro. O primeiro

é a desescolarização da leitura: as editoras, através das redes sociais e de um marketing

muito direccionado, fazem chegar ao adolescente todas as informações para que este esteja

a par dos fenómenos que se vão editando. Em segundo lugar, o mundo virtual da web 2.0

transformou o leitor em escritor, em fóruns, blogues, e redes sociais. A partilha da leitura

acontece muitas vezes aí.

Essa sociabilização do livro, cada vez mais mediática e abrangente, com sessões de

lançamento por todas as livrarias e bibliotecas, encontro com escritores, feiras do livro e o

incrível mundo virtual, arrancou em força na última década. Nunca o acesso à informação

sobre livros foi tão democrático.

Por isso, as escolhas fazem-se muitas vezes por razões sociais, como acontece com

qualquer outro programa de lazer. A aproximação de públicos é inevitável, por vezes

limitativa mas também surpreendente. É claro que continuamos que desejar uma resposta

para a pergunta O que é, ou o que não é literatura?

Só ela nos pode apaziguar para prosseguirmos o nosso trabalho de mediação e de formação

de leitores literários. Carlos Ceia responde: “Ler literariamente é um exercício amplo que

vai de um texto maior a um texto menor, ou vice-versa, embora para Bloom devesse existir

apenas o mundo dos textos maiores. A leitura literária não está condicionada ao poder da

presunção do leitor erudito. Todas as questões que pudermos acrescentar a esse exercício

são válidas, por exemplo, é tão válido Bloom perguntar: “Por que vale a pena ler Crime e

Castigo?” e depois responder: “Porque altera a nossa consciência.” (p. 160), como será

válido perguntarmos “Por que vale a pena ler Harry Potter?” E respondermos, por

exemplo, ”Porque ocupa a nossa imaginação, levando-nos para um mundo onde somos

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mais fortes.” O que interessa mesmo no acto de ler literariamente um livro não é a sua

classificação técnica, ou o maior ou menor conhecimento para o podermos fazer, mas o

pathos que cada um experimenta e a forma como o conhecimento que temos do mundo se

altera. O livro que mais conseguir mudar a nossa visão do mundo será sempre o melhor

livro que lemos e que devemos aconselhar a ler.”

Andreia Brites

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