reassentamento de tete - ordem dos advogados …jindal e vale) assumiram a responsabilidade de levar...

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Reassentamento de Tete Uma chamada para a materialização do direito à justiça e à segurança alimentar no reassentamento das comunidades afectadas pela exploração do carvão mineral em Tete A República de Moçambique, assumindo-se constitucionalmente como um Estado de Direito, de justiça social, baseado no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, deve assegurar que o processo de reassentamento proporcione, às famílias abrangidas pelos projectos de exploração de carvão mineral de Tete, condições de vida melhores ou, pelo menos iguais, quando comparadas àquelas que tinham antes do reassentamento. Ou seja, as comunidades deverão ter acesso à habitação condigna, alimentação segura, terra fértil, meios de produção ou fonte de renda para o próprio sustento, bem como educação, cultura, saúde, transporte, comunicação, vias de acesso, emprego, respeitando-se assim a dignidade humana. Sucede que, nos últimos tempos, com o anúncio da redução e/ou suspensão das actividades de produção nos projectos, resultante da quebra do preço do carvão no mercado internacional, o processo de reassentamento destas famílias enfrenta situações, com consequências graves para a qualidade de vida das comunidades, que ficaram expostas a diversas vulnerabilidades. A experiência dos reassentamentos realizados no âmbito dos projectos de exploração do carvão mineral de Tete demonstram, infelizmente, que a Vale deslocou as pessoas para zonas sem o mínimo de condições de vida. O Governo de Moçambique e a JINDAL assumem a existência de um processo de reassentamento provisório destas 289 famílias, que inclui o pagamento de um subsídio mensal de 2.000,00Mt (dois mil meticais) por cada família, subsídio esse que, de acordo com as comunidades, não é pago regularmente. A legalidade, finalidade e contornos desse reassentamento provisório são contestados pelas comunidades e organizações da sociedade civil. Reassentamento da Comunidade Afectada pela Concessão mineira da JINDAL Plano de Acção de Reassentamento O aprovado no âmbito da concessão da mina de Marara, a favor da JINDAL, determina o início do reassentamento de 289 famílias em 2010, sendo a sua maioria da comunidade de Cassoca. Para a efectivação do processo de reassentamento destas famílias já foi identificada uma área localizada em Nhamatua, no distrito de Marara, fora da concessão mineira nº3605C, atribuída à JINDAL. Nessa área já decorrem obras de construção das casas para as famílias camponesas afectadas. Em Março de 2016, a OAM testemunhou, no local, o processo de construção das primeiras 10 casas do Tipo 3, com casa de banho exterior, num universo de 289 casas que se pretende construir. Apesar de a JINDAL já ter iniciado as actividades de exploração mineira, estas 289 famílias continuam, até ao presente momento, a residir na mesma área de concessão mineira atribuída a esta mineradora, expondo as comunidades a um ambiente de risco para a saúde, como consequência da poluição ambiental pela exploração do carvão mineral. As autoridades públicas e a JINDAL reconhecem que o processo de reassentamento destas 289 famílias deveria ter iniciado no ano de 2010. A morosidade deste processo de reassentamento é preocupante por perpetuar um futuro incerto, violar os direitos sobre a terra e promover fome e insegurança alimentar. Casa de reassentamento tipo 3, em Nhamatua,para famílias afetadas pela JINDAL em Marara Minas de Carvão de Marara, em Tete Quem de direito deve monitorar o processo de reassentamento para garantir que essas casas sejam atribuídas, na totalidade, às famílias afectadas e para que os interesses e direitos conexos à habitação condigna estejam satisfeitos. De entre os direitos conexos destacamos a segurança alimentar e o acesso à terra produtiva. 1 Consultar o Plano de Reassentamento da População Residente na 1 Consultar o Plano de Reassentamento da População Residente na Concessão Mineira 3605C. Concessão Mineira 3605C. 1 Consultar o Plano de Reassentamento da População Residente na Concessão Mineira 3605C. ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE A (OAM), cujas atribuições estatutárias incluem a defesa do Estado de Direito Democrático, dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e a participação na boa administração da justiça, está a levar a cabo, através da sua Comissão de Direitos Humanos,em parceria com a Open Society for Southern Africa-OSISA, um projecto sobre a segurança alimentar e protecção dos direitos sobre a terra das comunidades afectadas pelos grandes investimentos, como é o caso da exploração de carvão mineral na Província de Tete pelas empresas JINDAL Mozambique Minerals, Lda e Vale Moçambique, nos distritos de Marara e Moatize, respectivamente. Relativamente à concessão das Minas de Carvão de Moatize, o Governo de Moçambique celebrou um contrato mineiro com a empresa Vale Moçambique, no dia 26 de Junho de 2007, visado pelo Tribunal Administrativo no dia 21 de Agosto do mesmo ano. Relativamente à concessão das minas de Marara, em Janeiro de 2008 o Governo de Moçambique concedeu à JINDAL uma licença de Prospecção e Pesquisa de carvão mineral numa área localizada entre os distritos de Changara e Cahora Bassa, na Província de Tete. A maior percentagem da área de concessão encontra-se no distrito de changara, Posto Administrativo de Marara, Localidade de Cachembe. No âmbito desses contratos celebrados no interesse público, o Governo de Moçambique e as empresas concessionárias (JINDAL e VALE) assumiram a responsabilidade de levar a cabo o reassentamento de inúmeras famílias afectadas, bem como indemnizá-las pelos danos causados, obedecendo um Plano de Acção de Reassentamento, cuja implementação compete, em especial, à Comissão Técnica Interdisciplinar de Acompanhamento e Supervisão. O Governo de Moçambique comprometeu-se a garantir e melhorar as condições de vida das comunidades afectadas e assegurar que a exploração do carvão mineral contribuiria para o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique, cumprindo assim um dos objectivos fundamentais do Estado Moçambicano, plasmado no artigo 11 da Constituição da República de Moçambique. O Regulamento do Processo de Reassentamento, aprovado pelo Decreto n o 31/2012, de 8 de Agosto, estabelece um quadro protector dos direitos humanos das comunidades locais quando reassentadas em virtude de actividades económicas, como é o caso. Escritórios da JINDAL, instalados na área de concessão mineira em Chirondzi,Marara Reassentamento das famílias afectadas pelas actividades da Vale Moçambique No Distrito de Moatize, entre 2009 e 2011, foram reassentadas cerca de 1365 famílias, cerca de 750 das quais foram integradas na comunidade de Cateme e outras, em número significativo, foram reassentadas na Unidade 6 do Bairro 25 de Setembro. O reassentamento das famílias afectadas pela exploração de carvão mineral pela empresa Vale Moçambique, sobretudo na comunidade de Cateme, é tido como a mais visível referência de um reassentamento injusto, inquinado de diversas ilegalidades e ofensivo dos direitos fundamentais das comunidades locais. A gravidade das situações criadas por este reassentamento é tal, que é sempre mencionado pela sociedade como exemplo do que não deve ser feito nos reassentamentos. 1

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Page 1: Reassentamento de Tete - Ordem dos Advogados …JINDAL e VALE) assumiram a responsabilidade de levar a cabo o reassentamento de inúmeras famílias afectadas, bem como indemnizá-las

Reassentamento de Tete

Uma chamada para a materialização do direito à justiçae à segurança alimentar no reassentamento das comunidadesafectadas pela exploração do carvão mineral em Tete

A República de Moçambique, assumindo-se

constitucionalmente como um Estado de Direito, de

justiça social, baseado no respeito e garantia dos

direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, deve

assegurar que o processo de reassentamento

proporcione, às famílias abrangidas pelos projectos de

exploração de carvão mineral de Tete, condições de

vida melhores ou, pelo menos iguais, quando

comparadas àquelas que t inham antes do

reassentamento. Ou seja, as comunidades deverão ter

acesso à habitação condigna, alimentação segura,

terra fértil, meios de produção ou fonte de renda para o

próprio sustento, bem como educação, cultura, saúde,

transporte, comunicação, vias de acesso, emprego,

respeitando-se assim a dignidade humana.

Sucede que, nos últimos tempos, com o anúncio da

redução e/ou suspensão das actividades de produção

nos projectos, resultante da quebra do preço do carvão

no mercado in te rnac iona l , o p rocesso de

reassentamento destas famílias enfrenta situações,

com consequências graves para a qualidade de vida

das comunidades, que ficaram expostas a diversas

vulnerabilidades. A experiência dos reassentamentos

realizados no âmbito dos projectos de exploração do

carvão mineral de Tete demonstram, infelizmente, que

a Vale deslocou as pessoas para zonas sem o mínimo

de condições de vida.

O Governo de Moçambique e a JINDAL assumem a

existência de um processo de reassentamento provisório

destas 289 famílias, que inclui o pagamento de um subsídio

mensal de 2.000,00Mt (dois mil meticais) por cada família,

subsídio esse que, de acordo com as comunidades, não é

pago regularmente. A legalidade, finalidade e contornos

desse reassentamento provisório são contestados pelas

comunidades e organizações da sociedade civil.

Reassentamento da Comunidade Afectadapela Concessão mineira da JINDAL

Plano de Acção de Reassentamento

Oaprovado no âmbito da concessão da mina de

Marara, a favor da JINDAL, determina o início

do reassentamento de 289 famílias em 2010, sendo a

sua maioria da comunidade de Cassoca. Para a

efectivação do processo de reassentamento destas

famílias já foi identificada uma área localizada em

Nhamatua, no distrito de Marara, fora da concessão

mineira nº3605C, atribuída à JINDAL. Nessa área já

decorrem obras de construção das casas para as

famílias camponesas afectadas. Em Março de 2016, a

OAM testemunhou, no local, o processo de construção

das primeiras 10 casas do Tipo 3, com casa de banho

exterior, num universo de 289 casas que se pretende

construir.

Apesar de a JINDAL já ter iniciado as actividades de

exploração mineira, estas 289 famílias continuam, até

ao presente momento, a residir na mesma área de

concessão mineira atribuída a esta mineradora,

expondo as comunidades a um ambiente de risco para

a saúde, como consequência da poluição ambiental

pela exploração do carvão mineral.

As autoridades públicas e a JINDAL reconhecem que o

processo de reassentamento destas 289 famílias

deveria ter iniciado no ano de 2010. A morosidade

deste processo de reassentamento é preocupante por

perpetuar um futuro incerto, violar os direitos sobre a

terra e promover fome e insegurança alimentar.

Casa de reassentamento tipo 3, em Nhamatua,para famíliasafetadas pela JINDAL em Marara

Minas de Carvão de Marara, em Tete

Quem de d i re i to deve moni torar o processo de

reassentamento para garantir que essas casas sejam

atribuídas, na totalidade, às famílias afectadas e para que os

interesses e direitos conexos à habitação condigna estejam

satisfeitos. De entre os direitos conexos destacamos a

segurança alimentar e o acesso à terra produtiva.

1 Consultar o Plano de Reassentamento da População Residente na1 Consultar o Plano de Reassentamento da População Residente naConcessão Mineira 3605C.Concessão Mineira 3605C.1 Consultar o Plano de Reassentamento da População Residente naConcessão Mineira 3605C.

ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE

A(OAM), cujas atribuições estatutárias incluem a

defesa do Estado de Direito Democrático, dos direitos

e liberdades fundamentais dos cidadãos e a participação na

boa administração da justiça, está a levar a cabo, através da

sua Comissão de Direitos Humanos,em parceria com a

Open Society for Southern Africa-OSISA, um projecto sobre a

segurança alimentar e protecção dos direitos sobre a terra

das comunidades afectadas pelos grandes investimentos,

como é o caso da exploração de carvão mineral na Província

de Tete pelas empresas JINDAL Mozambique Minerals, Lda e

Vale Moçambique, nos distritos de Marara e Moatize,

respectivamente.

Relativamente à concessão das Minas de Carvão de Moatize,

o Governo de Moçambique celebrou um contrato mineiro com

a empresa Vale Moçambique, no dia 26 de Junho de 2007,

visado pelo Tribunal Administrativo no dia 21 de Agosto do

mesmo ano. Relativamente à concessão das minas de

Marara, em Janeiro de 2008 o Governo de Moçambique

concedeu à JINDAL uma licença de Prospecção e Pesquisa

de carvão mineral numa área localizada entre os distritos de

Changara e Cahora Bassa, na Província de Tete. A maior

percentagem da área de concessão encontra-se no distrito de

changara, Posto Administrativo de Marara, Localidade de

Cachembe.

No âmbito desses contratos celebrados no interesse público,

o Governo de Moçambique e as empresas concessionárias

(JINDAL e VALE) assumiram a responsabilidade de levar a

cabo o reassentamento de inúmeras famílias afectadas, bem

como indemnizá-las pelos danos causados, obedecendo um

Plano de Acção de Reassentamento, cuja implementação

compete, em especial, à Comissão Técnica Interdisciplinar de

Acompanhamento e Supervisão.

O Governo de Moçambique comprometeu-se a garantir e

melhorar as condições de vida das comunidades afectadas e

assegurar que a exploração do carvão mineral contribuiria

para o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique,

cumprindo assim um dos objectivos fundamentais do Estado

Moçambicano, plasmado no artigo 11 da Constituição da

República de Moçambique.

O Regulamento do Processo de Reassentamento, aprovado

pelo Decreto n o 31/2012, de 8 de Agosto, estabelece um

quadro protector dos direitos humanos das comunidades

locais quando reassentadas em virtude de actividades

económicas, como é o caso.

Escritórios da JINDAL, instalados na área de concessãomineira em Chirondzi,Marara

Reassentamento das famílias afectadas pelasactividades da Vale Moçambique

No Distrito de Moatize, entre 2009 e 2011, foram

reassentadas cerca de 1365 famílias, cerca de 750 das quais

foram integradas na comunidade de Cateme e outras, em

número significativo, foram reassentadas na Unidade 6 do

Bairro 25 de Setembro.

O reassentamento das famílias afectadas pela exploração de

carvão mineral pela empresa Vale Moçambique, sobretudo na

comunidade de Cateme, é tido como a mais visível referência

de um reassentamento injusto, inquinado de diversas

ilegalidades e ofensivo dos direitos fundamentais das

comunidades locais. A gravidade das situações criadas por

este reassentamento é tal, que é sempre mencionado pela

sociedade como exemplo do que não deve ser feito nos

reassentamentos.

1

Page 2: Reassentamento de Tete - Ordem dos Advogados …JINDAL e VALE) assumiram a responsabilidade de levar a cabo o reassentamento de inúmeras famílias afectadas, bem como indemnizá-las

As indemnizações devidas às comunidades ainda não foram pagas

na totalidade; as condições de habitação ainda permanecem

precárias e problemáticas; as terras atribuídas às comunidades são

pedregosas e impróprias para à prática da agricultura; as

comunidades enfrentam problemas de acesso à água e transporte.

No âmbito do Plano de Acção de Reassentamento foi acordado que

a cada uma das famílias reassentadas seriam atribuídos dois

hectares de terra para a prática de agricultura, mas foi atribuído

somente um hectare de terra, tendo o segundo hectare sido

substituído pelo pagamento da quantia de 119.000.00M (Cento e

Dezanove mil meticais).

Não são conhecidos os motivos e a finalidade da substituição, nem

os critérios de fixação do valor atribuído.

Casas de reassentamento da comunidade de Cateme pelaVale Moçambique, em Moatize

da comunidade de Cateme, uma vez que não foi realista e foi

deficientemente implementado.

O projecto da Vale também afectou as fontes de rendimento de

milhares de oleiros na Vila de Moatize. Uma parte dos oleiros

cujas oficinas de fabrico de tijolos foram destruídas recebeu

uma indemnização no valor de 60.000.00Mt (Sessenta mil

meticais). A OAM soube nas entrevistas efectuadas aos oleiros,

que cerca de 900 oleiros é que receberam a alegada

compensação no valor de 60.000.00Mt. Os demais oleiros

abrangidos, cerca de 450, ainda não beneficiaram do referido

valor.

Estes oleiros afirmaram à OAM que o valor em causa não foi

resultado de qualquer concertação entre eles, a Vale e o

Governo, tanto é que nem sequer sabem quais os critérios que

foram usados para o cálculo desse valor e regras de

pagamento a uns com exclusão de outros. Mais ainda,

informaram a OAM que não beneficiaram de qualquer outro tipo

de compensação até ao presente momento, não obstante as

suas constantes reivindicações pela indemnização a que têm

direito.

As situações a que foram submetidos os oleiros estiveram na

origem de alguns levantamentos e manifestações populares,

algumas das quais na forma de tumultos que paralisaram

temporariamente as actividades de exploração de carvão

mineral da Vale.

Reassentamento de Tete2

Projecto de auto-sutento

Vale apoiou a introdução de um projecto de produção de

Afrangos pelas famílias em Cateme, com vista a ultrapassar

a problemática da fome e garantir segurança alimentar. As

famílias em Cateme revelaram à Ordem dos Advogados que a Vale

criou algumas condições para a criação de galinhas, quais sejam,

material para aviário, plásticos, redes, pintos, transporte para

carregar estacas para a construção do aviário, comedores,

bebedores, ração, etc.

No entanto, com a venda das galinhas/frangos as famílias tinham

de devolver à mineradora Vale o valor atribuído para a

implementação do projecto nas primeiras três vendas. Na verdade,

segundo estas famílias, o projecto da Vale era uma espécie de

Aviário-Escola, ou seja, projecto de formação de cooperativas de

frangos.

Infelizmente, esse projecto não tem surtido o efeito desejável dados

os inúmeros constrangimentos enfrentados, sendo de destacar: a

falta de condições para sustentar o projecto com custos próprios, o

elevado custo de aquisição dos pintos e da ração, bem como os

custos do transporte, uma vez que os pintos e a ração são

adquiridos na Vila de Moatize e os frangos são vendidos fora de

Cateme. Por outro lado, há incapacidade de comprar regularmente

as vacinas e medicamentos para os pintos.

Ora, são várias as evidências, incluindo relatórios, estudos,

denúncias, notas e comunicados de imprensa, processos judiciais,

debates públicos e seminários da sociedade civil nacional e

internacional que demonstram as inúmeras violações dos direitos e

liberdades fundamentais daquelas famílias afectadas pela

exploração do carvão mineral e reassentadas de forma injusta.

Aliás, qualquer pessoa de diligência média que visite, quer a

comunidade de Cateme, quer as famílias reassentadas na Unidade

6 do Bairro 25 de Setembro, consegue facilmente constatar as

precárias condições de habitabilidade em que vivem estas famílias.

Uma nota importante que evidencia as in just iças no

reassentamento da comunidade da Cateme é o facto de a Vale ter

assinado, em Julho de 2012, um Memorando de Entendimento com

o Governo da Província de Tete, para a restruturação do

reassentamento e satisfação dos direitos reivindicados, o que

incluía acesso à terra produtiva, à habitação condigna e à

alimentação adequada.Todavia, a implementação do referido

memorando não se traduziu na melhoria das condições de vida

Condições de habitação da comunidade de Cateme

As famílias afectadas pela exploração de carvão

mineral pelas mineradoras JINDAL e Vale

Moçambique têm um denominador comum: a

fome e pobreza aguda, a falta de terra produtiva e

de meios de produção para o seu próprio

sustento. As promessas e acordos celebrados

para um reassentamento justo da população

a f e c t a d a n ã o f o r a m m a t e r i a l i z a d a s

satisfatoriamente, estando as famílias entregues

à sua sor te , com escassas fontes de

rendimentos.

As pequenas machambas que estas famílias

possuem quase que não produzem, não só

devido ao clima quente e seco, como também por

causa da pobreza do solo e à escassez de água e

falta de sistemas de irrigação.

O processo de reassentamento destas famílias

não garante condições para a prática de

agricultura de subsistência ou para que as

mesmas possam gerar rendimentos a partir do

desenvolvimento de actividades sustentáveis.

Os celeiros ou armazéns das famílias afectadas

não têm comida. No caso da comunidade de

Cateme, às dificuldades acima mencionadas

a c r e s c e o f a c t o d e l o c a l i z a r - s e a

aproximadamente 40km da Vila de Moatize. Esta

distância, associada à falta de transporte, torna

cada vez mais difícil a prática de negócios e

acesso a mercados por parte desta comunidade.

Mesmo depois de aprovada a Política de

Responsabilidade Social Empresarial para a

Indústria Extractiva de Recursos Minerais, a

responsabilidade social não é devidamente

cumprida, pondo em causa os direitos humanos.

Como medidas de curto prazo, as mineradoras

Vale e JINDAL, em coordenação com o Governo

de Moçambique, levaram a cabo processos de

distribuição de pacotes alimentícios para as

famílias afectadas, incluindo a estratégia ou

programas de comida pelo trabalho, mas tais

práticas nunca se mostraram eficazes nem

sustentáveis. Membros da comunidade da

Cateme denunciam que há pessoas que chegam

a ficar cerca de três dias sem uma refeição

consistente, incluindo crianças.

Importa referir que havia dois grupos de oleiros: por um lado os

que tinham as suas casas e oficinas nas áreas de concessão

mineira da Vale, que foram reassentados em Cateme e no

Bairro 25 de Setembro em Moatize; por outro lado, os que

residiam fora da área de concessão, mas tinham oficinas de

fabrico de tijolos na referida área e não foram reassentados,

com o argumento de que as suas casas não foram afectadas

pela exploração do carvão mineral em questão.

A questão da garantia da segurança alimentardas famílias afectadas pelos projectos deexploração do carvão mineral de Tete

Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e

ONutricional (SETSAN) foi criado através do Decreto nº

24/2010, de 14 de Julho, publicado no Boletim da

República nº 28, I Série e tem como mandato garantir e

coordenar a promoção da segurança alimentar e nutricional

(artigo 2 deste diploma legal). A alínea b) do artigo 3 do mesmo

Decreto define como uma das atribuições do SETSAN a

promoção, avaliação e monitoria dos programas e acções no

âmbito da segurança alimentar e nutricional e do direito

humano à alimentação adequada.

O SETSAN está legalmente investido para avaliar e monitorar a

questão da segurança alimentar nestas comunidades para que

a mesma esteja efectivamente garantida nos termos da lei e em

obediência aos planos do reassentamento, à Estratégia e

Plano de Acção de Segurança Alimentar e Nutricional.

Entretanto, das pesquisas realizadas e contactos realizados

junto ao SETSAN, a OAM constatou que aquela entidade ainda

não realizou qualquer actividade ou estudo específico sobre a

segurança alimentar e nutricional nestas comunidades.

Luta pela sobrevivência com alimentos adquiridos na vila de Moatize para revenda nomercado de Cateme

Participação pública e exercício dodireito à informação

s consultas públicas constituem a forma

Ade participação preferida na interacção

com as comunidades, no contexto dos

reassentamentos.

As consultas públicas realizadas no âmbito do

processo de reassentamento das famílias

afectadas pelos projectos de exploração do

carvão mineral de Tete têm sido bastante

contestadas não só pelas organizações da-

2

Page 3: Reassentamento de Tete - Ordem dos Advogados …JINDAL e VALE) assumiram a responsabilidade de levar a cabo o reassentamento de inúmeras famílias afectadas, bem como indemnizá-las

Disposições relevantes sobre o dever do Estado de proteger os direitos das comunidades

sociedade civil e pelos movimentos sociais, como também, e sobretudo, pelas famílias camponesas

afectadas.

A comunicação e partilha de informação entre o Governo, as referidas mineradoras, as famílias afectadas e a

sociedade civil, não são eficazes. Outrossim, há falta de respostas às queixas sobre a deficiente participação

pública no processo de tomada de decisão por parte da sociedade civil e das comunidades afectadas, bem

como sobre as reclamações relativas aos direitos sobre a terra, à alimentação e às garantias de fontes de

rendimentos para a sustentabilidade das famílias afectadas. Também, preocupam à sociedade civil as

dificuldades em reassentar as famílias afectadas pela actividade mineira da JINDAL. Aos olhos dos

cidadãos, estas dificuldades revelam, por um lado, que não houve aprendizagem dos erros cometidos no

caso Vale e por outro, que a legislação relevante para efeito do reassentamento, sobretudo o Regulamento

sobre o Reassentamento Resultante de Actividades Económicas, não está a ser implementada de forma

correcta.

Reassentamento de Tete 3

As comunidades pouco conhecem sobre os contornos e rumo deste investimento de exploração do carvão

mineral como fonte de renda para a sustentabilidades das suas famílias, reclamam o acesso à informação e

a liberdade de expressão, muitas vezes cerceados.

FEED BACK

2 Aprovada através da Resolução n o 21/2014, de 16 de Maio

3 Aprovado pelo Decreto n o 31/2012, de 8 de Agosto.

O nº 1 do seu artigo 14 Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas, aprovado pelo Decreto n o 31/2012, de 8 de Agosto, estabelece

que “as partes interessadas e afectadas têm direito à informação sobre os conteúdos dos estudos referentes ao processo de reassentamento” e o nº 1 do artigo 13 do mesmo diploma

legal determina que “a participação pública é garantida ao longo de todo o processo de elaboração e implementação dos planos de reassentamentos.”

Portanto, não há dúvidas que tanto o Governo como as concessionárias devem respeitar o direito que as partes afectadas e interessadas têm de participação e de acesso à

informação. Neste mesmo sentido estabelece, também, a Lei nº34/2014, de 31 de Dezembro, que aprova o Exercício do Direito à Informação quando, no n°1 do artigo 6 estabelece que

“As entidades públicas e privadas tem o dever de disponibilizar a informação de interesse público em seu poder, publicando através dos diversos meios legalmente permitidos, que

possam torná-la cada vez mais acessível ao cidadão, sem prejuízo das excepções expressamente previstas na lei.” Reforçando este comando normativo, o n° 2 do mesmo dispositivo

legal acrescenta que “As referidas entidades devem proceder à ampla divulgação de informação sobre a organização e funcionamento dos serviços e conteúdos de decisões passíveis

de interferir na esfera dos direitos e liberdades do cidadão.”

Participação pública e acesso à informação no processo de reassentamento

Para permitir uma melhor participação pública e assegurar transparência nestes processos de reassentamento, o Governo tem o dever disponibilizar o conteúdo integral dos contratos

mineiros supra referidos, bem como os respectivos planos de reassentamento e de desenvolvimento das comunidades afectadas, no que não estiver vedado por lei como matéria

classificada ou segredo do Estado. Não há fundamentos para demasiado secretismo.

Responsabilidade do Estado na protecção dos direitos das famílias afectadas pelos

projectos de exploração de carvão mineral de Tete

dever do Estado promover o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos, através da promoção do

Éinvestimento e prestação de serviços públicos básicos. Tanto a Constituição da República como os

instrumentos internacionais impõem ao Estado Moçambicano o dever de proteger os cidadãos.O Estado moçambicano possui um quadro legal relativamente completo, regulador dos investimentos e da

actividade das empresas, bem como dos direitos humanos. Em alguma legislação recente, embora de forma

dispersa, o Estado tem feito uma abordagem inovadora e exemplar na protecção dos direitos humanos, em

particular na indústria extractiva, com disposições que prevêem, por exemplo, a inclusão nos contratos de

concessão de: (i) acções de responsabilidade social a serem realizadas; (ii) forma como as comunidades da

área são envolvidas no empreendimento e dele beneficiam; e (iii) a obrigação do Estado proteger as

comunidades onde as actividades de exploração estão autorizadas e de promover o desenvolvimento

socioeconómico em prol do bem-estar das mesmas.

O Estado moçambicano não deve por em prática condutas ou medidas que originem o retrocesso das

comunidades no gozo e exercício do direito sobre a terra.

Constituição da República - Artigo 56, nº1

“Os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e privadas, são garantidas pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da

Constituição e das leis.”

Lei n.º 20/2014, de 18 de Agosto (Lei de Minas) - artigo 13, alínea g)

“Compete ao Governo proteger as comunidades onde as actividades de exploração mineira estão autorizadas e promover o desenvolvimento socioeconómico e prol do bem-estar

das mesmas”.

Artigo 24

“Na atribuição de direitos para o exercício de operações mineiras…o Estado assegura sempre o respeito pelos interesses nacionais em relação à…segurança alimentar e

nutricional das comunidades e ao meio ambiente em geral”.

4

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Page 4: Reassentamento de Tete - Ordem dos Advogados …JINDAL e VALE) assumiram a responsabilidade de levar a cabo o reassentamento de inúmeras famílias afectadas, bem como indemnizá-las

Uma das principais ferramentas para o sucesso deste princípio de responsabilização é a realização de auditorias

jurídicas da situação dos direitos humanos no seio das comunidades afectadas pelas actividades das empresas

concessionárias.

Conclusões

O processo de reassentamento das famílias no âmbito da exploração mineira em Tete foi sempre caracterizado por protestos de vária ordem, tanto das comunidades afectadas, como das

organizações da sociedade civil. As questões da terra, agricultura, habitação condigna e fontes de acesso a alimentos, sempre constituíram parte das principais causas dos protestos em

alusão.

A aprovação e entrada em vigor do Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas na prática não significou, um avanço para a efectivação de

um reassentamento justo das famílias afectadas, uma vez que a sua correcta implementação tem sido várias vezes ignorada por quem de direito.

O processo de aquisição do DUAT e a ocupação de terra para a realização de investimentos privados no sector da exploração do carvão mineral de Tete, transformou-se em fonte de

conflito entre o Governo, as comunidades afectadas e as organizações da sociedade civil quando.

Recomendações:

Ÿ Urge tomar medidas apropriadas pelas autoridades da justiça, da segurança alimentar e nutricional, da terra, ambiente e desenvolvimento rural, para maior salvaguarda dos direitos

sobre a terra, segurança alimentar e reassentamento justo das famílias afectadas, em conformidade com os ditames da lei.

Ÿ A sociedade deve ser cada vez mais interventiva na monitoria dos projectos do carvão mineral da Vale e JINDAL, contribuindo assim para a efectivação dos direitos fundamentais das

comunidades afectadas.

Ÿ Há necessidade de acções de responsabilização por violações de direitos sobre a terra, do direito à informação, da participação pública e da segurança alimentar das comunidades

afectadas pelas actividades da Vale e JINDAL.

Por uma Ordem Dinâmica, Inclusiva e Descentralizada

Maputo, Julho de 2016

Nos termos da Constituição da República, da Lei de Minas, do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas, da Lei de Terras e do respectivo

Regulamento, cabe ao Estado e à empresa beneficiária da concessão mineira criar condições para a protecção dos direitos sobre a terra e segurança alimentar das famílias afectadas e

para que a actividade mineira seja levada a cabo sem violar os direitos fundamentais das comunidades.

Reassentamento de Tete4

4 Nomeadamente, no que diz respeito à responsabilidade social, a Lei das PPP (Lei n o 15/2011, de 10 de Agosto) e seu Regulamento (Decreto n o 16/2012, de 4 de Julho), a Política e Estratégia dos Recursos Minerais (Resolução

n o 89/2013, de 31 de Dezembro) e a Politica de Responsabilidade Social Empresarial para a Indústria Extractiva de Recursos Minerais (Resolução n o 21/2014, de 16 de Maio), bem como as Leis de Minas (Lei n o 20/2014) e dos

Petróleos (Lei n o 21/2014), ambas de 18 de Agosto, em todos os aspectos.

É, pois, fundamental assegurar que o Estado cumpra a sua função de proteger os cidadãos contra a violação dos direitos humanos em qualquer que seja o contexto.

Responsabilidade das mineradoras

s empresas concessionárias têm o dever legal de respeitar os direitos fundamentais das comunidades

Aafectadas, abstendo-se de violá-los, devendo assumir as consequências negativas nos direitos humanos,

que ocorrerem em resultado da sua actividade, tomando todas as medidas adequadas para prevenir,

mitigar e, se for caso disso, remediar a violação dos direitos em causa.

A JINDAL e a Vale têm a responsabilidade jurídica de respeitar os direitos das comunidades em conformidade com

a lei, considerando ainda que no âmbito do contrato mineiro celebrado com o Governo de Moçambique assumiram

o compromisso de respeitar e materializar os direitos das comunidades afectadas e melhorar as condições de suas

vidas, sobretudo, através do reassentamento, consubstanciado num Plano de Acção. Todavia, até hoje não há

evidências de melhoria das condições de vida destas famílias como resultado das actividades ou apoio das

empresas em questão, facto que coloca a necessidade de serem promovidas acções de responsabilização e de

protecção dos direitos das comunidades, nos termos da lei.

“Quando a área disponível da concessão abranja em parte ou na

totalidade espaços ocupados por famílias ou comunidades, que implique

o seu reassentamento, a empresa é obrigada a indemnizar os abrangidos

de forma justa e transparente”, devendo a justa indemnização “ser

firmada num memorando de entendimento entre o Governo, a empresa e

as comunidades”, sendo “da responsabilidade do Governo assegurar

melhores termos e condições do acordo em benefício da comunidade,

incluindo o pagamento da justa indemnização”.

(Artigo 30 da Lei de Minas n.º 20/2014, de 18 de Agosto).

Dever de Indemnização das Concessionárias