realidade e história do araguaia xingu
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Diagnóstico da regiao do Araguaia Xingu que incorpora uma perspectiva histórica, depoimentos e um importante trabalho estatístico e de mapas.TRANSCRIPT
Realidade e história
da região do Araguaia Xingu
série
2
Realidade e história da região do Araguaia Xingu
Realidade e históriada região do Araguaia Xingu
O INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994, por pessoas com formação e experiência marcantes na luta por direitos sociais e ambientais. Tem como objetivo defender bens e direitos coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. O ISA produz estudos e pesquisas, implanta projetos e programas que promovam a sustentabilidade socioambiental, valorizando a diversidade cultural e biológica do país.
Para saber mais sobre o ISA consulte www.socioambiental.org
Conselho Diretor: Neide Esterci (presidente), Marina Kahn (vice-presidente), Ana Valéria Araújo, Anthony R. Gross, Jurandir M. Craveiro Jr. Secretário Executivo: André Villas-BôasSecretária Executiva Adjunta: Adriana Ramos
Apoio institucional
ISA SÃO PAULO (sede) Av. Higienópolis, 901, 01238-001. São Paulo (SP), Brasil. Tel: (11) 3515-8900, fax: (11) 3515-8904, [email protected]
ISA BRASÍLIA SCLN 210, bloco C, sala 112, 70862-530, Brasília (DF). Tel: (61) 3035-5114, fax: (61) 3035-5121, [email protected]
ISA MANAUS R. Costa Azevedo, 272, 1º andar, Largo do Teatro, Centro, 69010-230, Manaus (AM). Tel/fax: (92) 3631-1244/3633-5502, [email protected]
ISA BOA VISTA R. Presidente Costa e Silva, 116, São Pedro, 69306-670, Boa Vista (RR). Tel: (95) 3224-7068, fax: (95) 3224-3441, [email protected]
ISA SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA R. Projetada, 70, Centro, 69750-000 S. Gabriel da Cachoeira (AM). Tel/fax: (97) 3471-1156, [email protected]
ISA CANARANA Av. São Paulo, 202, Centro, Canarana, 78.640-000. Tel (66) 3478-3491, [email protected]
ISA ELDORADO R. Paula Souza, 103, 11960-000, Eldorado (SP).Tel: (13) 3871-1697/1545, [email protected]
ISA ALTAMIRA R. Professora Beliza de Castro, 3253, Bairro Jd. Independente II, 68372-530, Altamira (PA). Tel: ( 93) 3515-0293
PROJETO “DISSEMINANDO A CULTURA AGROFLORESTAL NA REGIÃO DO ARAGUAIA XINGU”
ExecuçãoArticulação Xingu Araguaia (AXA)
ParceirosAssociação Nossa Senhora da Assunção (Ansa), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Socioambiental (ISA), Operação Amazônia Nativa (Opan).
ApoioProjetos Demonstrativos (PDA)/Padeq
Responsáveis institucionais pelo projetoRodrigo Gravina Prates Junqueira (ISA) Carlos García Paret (ISA)Eric Deblire (ISA) Cristina Velasquez (ISA)Vânia Costa Aguiar (Ansa)Claudia Alves de Araújo (CPT)Juliana Almeida (Opan)
EXECUÇÃO
PARCEIROS
APOIO
O PROGRAMA XINGU do ISA visa a contribuir com o ordenamento socioambiental da Bacia do Rio Xingu, considerando a expressiva diversidade socioambiental que a caracteriza e a importância do corredor de áreas protegidas de 28 milhões de hectares, que inclui Terras Indígenas e Unidades de Conservação, ao longo do rio. Desenvolve um conjunto de projetos voltados à proteção e sustentabilidade dos 24 povos indígenas e das populações ribeirinhas que habitam a região, à viabilização da agricultura familiar, adequação ambiental da produção agropecuária e proteção dos recursos hídricos.
Coordenador do Programa Xingu: André Villas-BôasCoordenadores Adjuntos: Marcelo Salazar, Paulo Junqueira e Rodrigo Gravina Prates Junqueira
Realidade e história da região do Araguaia Xingu
SÉRIE
VOLUME 2
São Paulo, maio de 2012.
CARLOS GARCÍA PARET
SÉRIE
A resposta da terraVOLUME 2
Realidade e história da região do Araguaia Xingu
TextosCarlos García Paret
Apoio na documentaçãoFernanda Bellei
Revisão dos textosElisa Marín, Antônio Canuto eCarolina Delgado de Carvalho
EstatísticasCarlos García Paret, Marcos Ramires, Gislene Rocha Delgado de Carvalho, Heber Queiroz Alves e Marcelo Moreira
MapasHeber Queiroz Alves
Projeto grá�co e diagramaçãoAna Cristina Silveira
AgradecimentosPedro Casaldáliga, Paulo César Moreira (CPT), Nara Letycia Martins (CPT), Antônio Canuto (CPT), Jeane Bellini (CPT), Edileuza Nunes (Arquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia), Paulo Gonçalves (Prelazia de São Félix do Araguaia), André Villas-Boas (ISA), Neide Esterci (ISA), Lea Vaz Cardoso (ISA), Claudio Aparecido Tavares (ISA), Marcelo Moreira (OPAN), Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP), Augusto Dunck, João D’Angélica e Rafael Govari (O Pioneiro)
ATIVIDADE DENTRO DO PROJETO“Disseminando a cultura agroflorestal na região do Araguaia Xingu”
Responsáveis do projeto PDA PADEQ
RODRIGO GRAVINA PRATES JUNQUEIRA Coordenador Adjunto Programa XinguInstituto Socioambiental (ISA)
CARLOS GARCÍA PARET Coordenador técnico do projeto PDA/PADEQ Instituto Socioambiental (ISA)
CRISTINA VELASQUES Equipe de apoio ao projeto PDA/PADEQ Instituto Socioambiental (ISA)
ERIC DEBLIRE Gestor financeiro projeto PDA/PADEQ Instituto Socioambiental (ISA)
VÂNIA COSTA AGUIAR Responsável PDA/PADEQ Associação Nossa Senhora da Assunção (ANSA)
CLAUDIA DE ARAÚJO Responsável PDA/PADEQ Comissão Pastoral da Terra (CPT)
JULIANA ALMEIDA Responsável PDA/PADEQ Operação Amazônia Nativa (OPAN)
LICENÇA
Para democratizar a difusão dos conteúdos publicados neste livro, os textos estão sob a licença Creative Commons (www.creativecommons.org.br), que flexibiliza a questão da propriedade intelectual. Na prática, essa licença libera os textos para reprodução e utilização em obras derivadas sem autorização prévia do editor (no caso o ISA), mas com alguns critérios: apenas em casos em que o fim não seja comercial, citada a fonte original (inclusive o autor do texto) e, no caso de obras derivadas, a obrigatoriedade de licenciá-las também em Creative Commons.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Índices para catálogo sistemático:1. Diagnóstico socioambiental e histórico de ocupação da região
do Araguaia Xingu : Geogra�a matogrossense 918.172
García Paret, CarlosRealidade e história da região do Araguaia Xingu / Carlos
García Paret. -- São Paulo : Instituto Socioambiental, 2012. -- (Série A resposta da terra ; v. 2)
ISBN 978-85-85994-92-1
1. Brasil - Araguaia Xingu, Região (Mato Grosso) - As-pectos ambientais 2. Brasil - Araguaia Xingu, Região (Mato Grosso) - Aspectos econômicos 3. Brasil - Araguaia Xingu, Região (Mato Grosso) - Aspectos sociais 4. Brasil - Araguaia Xingu, Região (Mato Grosso) - Descrição 5. Brasil - Araguaia Xingu, Região (Mato Grosso) - História I. Título. II. Série.
12-06261 CDD-918.172
IMPRESSÃO Ipsis Gráfica
TIRAGEM 2 mil exemplares
FSC
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sumário
Prefácio
Duas bacias unidas por um só destino
Estrutura econômica do Araguaia Xingu
Introdução
As encruzilhadas do futuro
Anexo estatístico
Terra de bois, migrantes e índios
Estrutura fundiária como resultado de uma história de lutas e conquistas
Patrimônio ambiental ameaçado
7Realidade e História da região do Araguaia Xingu
Uma palavra de Prefácio
O hino da Prelazia de São Félix do Ara-guaia começa assim: “Do Araguaia até o Xingu...” E é nesse marco dos dois rios
que a gente tem vivido mais de 40 anos de expe-riências marcantes da vida deste povo, retirante em grande maioria, e o processo ambiental desta região de fronteira.
Com características próprias evidentemente, a po-pulação e a natureza aqui têm sofrido uma “Mar-cha para o Oeste”. Para a sofrida esperança do povo e para a incontrolável cobiça do latifúndio, era esta terra “uma terra de ninguém”. Os povos indígenas eram desconsiderados por parte da política oficial e estereotipados negativamente pelo povo em geral; herança de 500 anos de massacre colonialista. A lei, se dizia, era a lei do “38” e a política era, por parte dos responsáveis, uma ignorância total da proble-mática e do futuro desta área da Amazônia Legal. A carta pastoral que lançamos no dia da minha ordenação episcopal se intitula, atingindo os dois problemas-raiz: “Uma Igreja da Amazônia em con-flito com o latifúndio e a marginalização social”.
PEDRO CASALDÀLIGA
PREFÁCIO
Continuam de premente atualidade os desafios maiores e continua sendo o latifúndio, travestido de agronegócio, o nosso inimigo numero um; con-tra o povo da terra e contra a terra do povo. O li-vro da Articulação Xingu Araguaia (AXA) retrata, muito lucidamente, a história não contada, a his-tória mal contada e a falta de vontade política mes-mo para as “duas bacias fundidas em um destino”.
Nós temos insistido sempre que os problemas e as soluções desta região, entre o Araguaia e o Xingu, devem se enfrentar regionalmente; em ecologia, em saúde, em educação, em comunicação, em produ-ção, em comercialização. E por isso merece todo aplauso a campanha de conscientização e de rea-lização pioneira que a AXA vem levando à frente.
Para “as encruzilhadas do futuro”, que é hoje, AXA, com todas as entidades solidárias e em uma mobilização pedagógica e política da população, essa consciência e ação regionais devem ser ban-deira de uma verdadeira revolução, geopolítica e integralmente ecológica, em uma terra que já foi estigmatizada como “vale dos esquecidos”.
Contra toda política homicida e ecocida e apesar de defecções e corrupções, seguiremos unidos, indig-nados e esperançados. A Vida tem a última palavra.
Pedro Casaldáliga e Antônio Carlos Moura vindo de Serra Nova Dourada, 15 de novembro de 1971
Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia 1971-2005
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8 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
INTRODUÇÃO
Em 2010, no âmbito de seu projeto “Disse-minando a cultura agroflorestal na região do Araguaia Xingu”, a Articulação Xingu
Araguaia (AXA) se propôs realizar um diagnósti-co deste território, com o intuito de construir uma visão abrangente da realidade atual, enriquecida pela dimensão histórica dos processos de ocupa-ção territorial do nordeste mato-grossense. Desde o século passado, a região vem marcando o Bra-sil com seus conflitos, lutas e conquistas. Nesse sentido, este trabalho de resgate e análise preten-de trazer elementos que enriqueçam o debate da problemática socioambiental própria das regiões situadas no arco de desmatamento da Amazônia.
A proposta do diagnóstico surgiu no momento em que assistíamos à mudança do perfil econômi-co da região, que se traduzia principalmente pela expansão acelerada das monoculturas ao redor da BR-158. Este movimento foi incentivado pelas perspectivas promissoras dos mercados crescentes da soja e da carne e pela construção das infra-es-truturas do PAC (asfaltamento da BR-158 e cons-trução das Ferrovias Norte-Sul e Leste-Oeste). Esta estratégia desenvolvimentista, sustentada por diversas ações do poder público e privado. Nelas não foram contempladas questões relacionadas ao ordenamento territorial, à proteção dos recur-sos naturais, à adequação da pecuária e da soja às novas exigências de mercados preocupados com a sustentabilidade da produção, à estruturação de uma agricultura de baixo carbono, ao impacto da mudança do clima, aos deságios da agricultura familiar, dos povos indígenas e das cadeias pro-dutivas da sociobiodiversidade, ao apoio às micro e pequenas empresas voltados para o desenvolvi-mento local, etc. Pelo contrário, via-se um enfra-quecimento da política indígena, agrícola e am-
biental, acompanhado por sucessivas tentativas de esvaziamento e flexibilização da estrutura legal que preserva a sociobiodiversidade.
O movimento de inserção da região à nova dinâ-mica desenvolvimentista teve como foco dois ati-vos principais: Terra e Água. Terra historicamente “expurgada” de índios e posseiros. Terra barata em comparação a outras regiões ocupadas. Terra livre das limitações legais ou econômicas presen-tes em outros territórios amazônicos já que 58% da região encontra-se no Cerrado ao tempo que pairava uma expectativa de anistia sobre as áreas desmatadas. Como resultado disso, as monocultu-ras voltaram a ocupar um milhão de hectares em 2010, um recorde inédito desde 2004/2005, período conhecido também pelos picos de desmatamento e conflitos fundiários.
O outro recurso, a Água, foi incorporado ao ciclo expansivo como mero insumo produtivo utiliza-do para os mais variados fins: perspectivas de alta rentabilidade da terceira safra anual para a soja, produção de hidroeletricidade na bacia do Xingu, barateamento dos custos de transporte de grãos graças ao projeto de hidrovia do Araguaia/Tocan-tins. Água poluída por agrotóxicos e pela falta de saneamento básico nas cidades, afetando à vida dos povos indígenas e ribeirinhos. Água degradada pelo poder público que ignora a necessidade e ur-gência de proteção das matas ciliares.
Neste contexto, nossa preocupação maior era cons-tatar que o novo modelo não vinha acompanhado do debate necessário sobre os seus impactos e con-dicionantes. Enquanto a nova onda de “moderni-dade” era impulsionada, assistíamos a situações extremas tais como terras indígenas ocupadas pelo
Araguaia Xingu: cruzando o vale dos esquecidos
9Realidade e História da região do Araguaia Xingu
gado e pela soja, peixes de índios e ribeirinhos po-luídos por agrotóxicos, frigoríficos autuados pelo Ministério Público, desmatamento, intensificação das queimadas e da degradação florestal, especula-ção fundiária sobre as áreas de assentamento, e um absoluto abandono da agricultura familiar.
“Realidade e história do Araguaia Xingu” é o re-sultado dessas inquietações, que levaram a AXA a de trazer um novo olhar que alimente o debate sobre o desenvolvimento regional, questionando as visões monolíticas que insistem em repetir mode-los falidos. Modelos que se baseiam na disponibili-dade de recursos naturais ociosos (terra, água, etc.) sem ter em conta as demandas locais e que carecem de uma visão de longo prazo. Ao longo dos capí-tulos, o livro aborda as principais questões relacio-nadas ao desenvolvimento regional: “Duas bacias unidas por um só destino” caracteriza o território do Araguaia Xingu; “Terra de bois, migrantes e índios” descreve o processo demográfico e aponta a diversidade de gentes que o povoam; “Estrutura econômica do Araguaia Xingu” descreve o tecido produtivo regional, suas principais forças e resulta-dos; “Estrutura fundiária como resultado de uma história de lutas e conquistas” explica quem ocu-pa o território e por quê; “Patrimônio ambiental ameaçado” expõe a situação da biodiversidade na região como consequência dos impactos do mode-lo produtivo e de ocupação.
Por um lado, o diagnóstico da realidade apóia-se em dados estatísticos que conferem uma objetivi-dade maior à descrição dos principais processos de-mográficos, sociais, econômicos, fundiários e am-bientais. Na construção destes dados, constatamos que os institutos e organismos oficiais têm diante de si o importante desafio de atualizar e aprimorar suas informações para permitir um debate mais qualificado sobre os problemas da região. Chamou especial atenção a falta de dados oficiais em temas--chave tais como desenvolvimento humano, pobre-za, saúde e meioambiente. O segundo pilar deste diagnóstico está no resgate da evolução histórica dos principais processos de ocupação e dos seus impactos, como componente essencial para uma boa compreensão do contexto atual. Pois “quem esquece a sua história está condenado a repeti-la” dizia J. Santayana.
A elaboração desta publicação foi desafiadora pelo tamanho da geografia, pela historia - densa em fatos, conflitos e protagonistas - pela comple-xidade dos processos que explicam o desenvolvi-mento e os seus impactos. Nos esforçamos para que o texto oferecesse um equilíbrio entre uma abordagem fundamentada e pedagógica que pos-sibilitasse a apropriação das idéias expostas pelo conjunto da cidadania.
O sentido último do livro está na contextualiza-ção do trabalho comum que as organizações da região realizam em prol de um desenvolvimento mais justo e sustentável. “Realidade e história do Araguaia Xingu” faz parte da série “A resposta da Terra”, na qual as entidades que formam a AXA mostram os resultados de seu trabalho nos últi-mos seis anos. Para entender o caráter inovador e propositivo dessas experiências, era necessário compreender o cenário e a problemática que mo-tivaram seu surgimento. Nessecontexto as orga-nizações da AXA, junto a outros parceiros, tra-balham para construir uma região mais justa e harmoniosa, orgulhosa da sua sociobiodiversida-de, como principal vetor de desenvolvimento. Um futuro em que o Araguaia Xingu não seja mais apelidado de “Vale dos Esquecidos”.
Estrada BR-242 em São Félix do Araguaia (MT).
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Duas bacias unidas por um só destino
É desafiador definir a área ocupada pela re-gião Araguaia Xingu na geografia mato--grossense: seu recente processo de ocupa-
ção, as múltiplas interfaces geográficas, políticas e econômicas, as diferentes matrizes culturais confi-guram um processo dinâmico de contínua constru-ção da identidade. Entretanto, resgatar alguns as-pectos históricos pode ajudar a entender melhor a configuração desse território. Foi em 1948, durante o Governo Dutra, que se constituiu o município de Barra de Garças, naquela época o maior município do Brasil. Sua sede, Barra do Garças, era um vila-rejo sem estrutura que lhe permitisse administrar aquela imensidão. A partir dos anos 70, a maioria dos municípios do Araguaia Xingu, que hoje ocu-pam o nordeste mato-grossense, foram se emanci-pando. Nesta mesma época, em 1970, o Papa Paulo VI assinou o decreto que criou por direito canônico a Prelazia de São Félix do Araguaia, com 150.000 km2 de superfície; foi assim que a Igreja Católica tornou-se a primeira força estruturante a se insta-lar naquela sociedade nascente, antes mesmo do Estado Brasileiro. Até os dias de hoje, é frequen-
Rio Araguaia em São Félix do Araguaia (MT)
Rio Xingu cortando o Parque Indígena do Xingu (MT)
te ouvir os moradores se referirem à região como “região da Prelazia” devido à importância que esta instituição teve na configuração histórica regional, principalmente no que diz respeito à defesa das po-pulações excluídas e oprimidas pelas políticas de colonização da ditadura militar. O linguajar local também acunhou o “Vale do Araguaia”, expressão significativa do ponto de vista histórico por refle-tir o pioneiro processo de ocupação a partir das margens do rio Araguaia algumas décadas antes da abertura das principais estradas. O Vale do Ara-guaia acolheu a leva de nordestinos que trilhavam as rotas marcadas pelas bandeiras verdes de Padre Cícero. Hoje, ao olhar para a região, fica claro que a expressão perdeu seu sentido dada a importância dos municípios da bacia hidrográfica do Xingu do ponto de vista populacional, econômico, político, socioambiental, e mesmo geográfico: eles ocupam 43% da região. Mas, dentre todos, o mote popular “Vale dos Esquecidos” é que revela o verdadeiro mal-estar de seus habitantes, indignados pelo iso-lamento e atraso socioeconômico e que denunciam alto e claro a responsabilidade dos poderes públi-
11Realidade e História da região do Araguaia Xingu
cos por esta situação. A expressão ganhou até um filme, realizado por Maria Raduan em 2011.
Na visão das organizações socioambientais, que em 2007 criaram a Articulação Xingu Araguaia (AXA), o território Araguaia Xingu é uma aliança de duas bacias ao redor do eixo da BR-158 que aspira a uma realidade mais justa e pacífica, que integre a riqueza da diversidade social com a sus-tentabilidade de seus meios de produção. A AXA surgiu de duas realidades que convergem e se re-forçaram mutuamente: de um lado, o trabalho de-senvolvido pelo Instituto Socioambiental no Par-que Indígena do Xingu e na região das cabeceiras do Xingu, cuja expressão máxima é a campanha Y’Ikatu Xingu, que procura alternativas para uma ocupação territorial que respeite a diversidade so-cioambiental; e de outro lado, a tradicional luta conduzida pelas organizações vinculadas à defesa dos direitos humanos e ligadas à Prelazia de São Félix do Araguaia.
1 http://valedosesquecidos.com.br/
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Bacia Hidrográficado Rio Araguaia
Canarana
São Félix ao Araguaia
Porto Alegre do Norte
MAPA 1No destaque, área de atuação da AXA nas bacias dos rios Xingu e Araguaia
Capital e Limite Estadual: IBGE/DGC. Base Cartográfica Contínua, ao milionésimo – BCIM: versão 3.0. Rio deISA, 2012.Janeiro, 2010 ; Hidrografia: IBGE em http://sigel.aneel.gov.br/ ; Região do Araguaia Xingu: ISA, 2011; Bacia Hidrográfica: ANA, 2006; Amazônia Legal Brasileira: Lei 1.806 de 06/01/1953 ; Biomas: IBGE, 2004 (primeira aproximação)
Fontes:
Legenda
Limite Estadual
Limite de Bacia Hidrográfica
Amazônia
Pantanal
Mata Atlântica
Cerrado
Caatinga
Biomas
LImite da Amazônia Legal
Região do Araguaia Xingu
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Por último, neste difícil processo de definir a re-gião, tivemos em conta o conceito de mesorregião utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir dos anos 60. As mesor-regiões são divisões territoriais entre os estados e as microrregiões, que agrupam conjuntos de mu-nicípios conforme os critérios seguintes: “um pro-cesso social como determinante, o quadro natural como condicionante e a rede de comunicação e de lugares como elemento da articulação espacial.2” Assim, identificamos a região Araguaia Xingu com sendo a mesorregião nordeste do Mato Grosso que, por sua vez, possui três microrregiões: Norte Araguaia, Canarana e Médio Araguaia.
Se a região Araguaia Xingu fosse um Estado da Federação, seria o décimo sexto em extensão – 177.729,37 km2, uma quinta parte do estado de Mato Grosso –, menor que Paraná e maior que Acre ou Ceará. Já, em termos populacionais, cor-
2 http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geogra�a/ default_div_int.shtm
12 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
responde à metade da população de Roraima, o es-tado menos povoado do país. Como alguém disse certa vez, “é um país dentro de outro país”, uma realidade de estepe siberiana, deserto australiano ou pampa argentino. A integração do Araguaia Xingu ao território nacional foi movida por sonhos de migrantes, lutas pela terra e o ruído das motos-serras. Durante décadas, permaneceu no escanteio e foi relegado pelo poder público ao status de um fundo de quintal onde a brutalidade lhe conferiu certo ar de faroeste. Na passagem do século, foi arrastado ao centro das contradições da globali-zação, que traz consigo benefícios diretos e outros
Características Araguaia Xingu Mato Grosso %Área (km2) 177.336 903.358 19,6%
Nº municípios 25 141 17,7%
População (2010) 276.901 3.035.122 9,1%
Densidade de população (hab/km2) 1,6 3,4 ---
Crescimento população (2000-2010) 17,8% 17,6% ---
PIB (2009) 4.276.151 53.023.000 8,1%
PIBpc (2009) 15.274 17.823 85,7%
Índice pobreza (2003) 36% 34% 105,6%
Nº cabeças de boi (2010) 6.295.882 28.757.438 21,9%
Área soja colhida (2009) 647.668 5.831.468 11,1%
Nº Assentamentos 91 537 16,9%
Capacidade assentamentos (lotes) 22.328 101.335 22,0%
% Área PAs sobre total 8,7% 6,7% ---
% Área TIs sobre total 15,0% 14,8% ---
% Área UCs sobre total 4,0% 3,5% ---
Área desmatada total (Amazônia, km2) 30.861 132.019 23,4%
Nº de povos indígenas 22 40 55,0%
DADOS GERAIS COMPARATIVOS
Sertanejo e xinguano
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compensatórios, o sucesso de uns e a marginaliza-ção de outros, ao passo que a democracia ainda vinha se instalando de forma tímida. Nos anos 70, a região foi ligada ao território por uma precária estrada federal de terra (BR-158) que atravessava o país de norte a sul e que precisou esperar trinta anos para ver o asfalto chegar. Poderiam ter sido mais, não fosse o empurrão econômico do recente boom das commodities. Atualmente, são 25 os mu-nícipios que ocupam o espaço entre as duas bacias, testemunhas de um dos mais fascinantes episódios da história brasileira e que compõem uma das mais ricas sociobiodiversidades do Brasil.
13Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MAPA 2Carta base da região do Araguaia Xingu
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São José do XinguPorto Alegre do Norte
Santa Terezinha
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Vila Rica
LuciaraCanabrava do Norte
São Félix do Araguaia
Alto Boa Vista
Serra NovaDourada
Novo SantoAntônioBom Jesus do Araguaia
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Ribeirão Cascalheira
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Formoso do Araguaia
Marcelândia
Feliz Natal
Gaúcha do Norte
Paranatinga
General Carneiro
Poxoréo
Tesouro Pontal do Araguaia
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Britânia
MozarlândiaAruanã
Nova Crixás
Mundo Novo
Crixás
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14 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
As primeiras notícias sobre o Araguaia Xingu surgem em meados do século
XVII, quando os primeiros bandeirantes atravessaram o Araguaia. Bandeiras como as de Pires de Campos e Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, percorreram a área por volta de 1660, capturando índios para depois vendê-los como escravos. Em 1673, a região foi explorada pelo bandeirante Manoel de Campos Bicudo, em busca de ouro. Estas expedições foram responsáveis pelo surgimento da lenda da Serra dos Martírios, um lugar fantástico de formações geográficas que lembram os martírios de Cristo, onde haveria muito ouro na superfície. O local descrito pelos bandeirantes nunca foi encontrado, mas rapidamente surgiram pequenas vilas garimpeiras nas beiras do Rio das Mortes, como a de Araés. Com o fim do ouro de lixiviação, os povoados logo foram abandonados.
Em meio a estes primeiros registros históricos, destaca-se uma carta escrita na Ilha de Sant´Anna, atual ilha do Bananal, em 1775, pelo alferes José Pinto da Fonseca, pertencente ao exército do Portugal, ao General de Goyazes. Nela, narra o contato pacífico com os Karajá, que caracteriza com índios assustados e com medo dos Xavante que, no tempo da seca, atravessavam o Araguaia e vinham arranchar-se nas roças dos Karajá.
Primeiras referências históricas do Araguaia Xingu
LINHA Do TEMPO1673
Exploração da região pelo Bandeirante Manoel de Campos Bicudo
1775Carta escrita desde a Ilha do Bananal pelo alferes português José Pinto da Fonseca
1887 Expedição científica de Karl von den Stein ao Xingu
1895Padres Dominicanos se estabelecem na região de Conceição do Araguaia
1914Primeiro contato dos Pe. Dominicanos com os indios Tapirapé
1932Inauguração da igreja do morro em Santa Terezinha, a primeira da região
1943 Expedição Roncador Xingu
1944Instalação da sede da Fundação Brasil Central, futura Nova Xavantina
1948 Constituição do municipio de Barra de Garças
1952 Chegada das Irmãzinhas de Jesus à aldeia Tapirapé
1961 Criação do Parque Indígena do Xingu
1962Abertura da estrada de Barra do Garças até São Félix do Araguaia
1966Expulsão dos Indígenas de Marãiwatsédé pela fazenda Suiá Missu
1967Início da resistência dos posseiros de Santa Terezinha frente a fazenda CODEARA
1970 Paulo VI cria a Prelazia de São Félix do Araguaia
1971Ordenação episcopal de Pedro Casaldáliga e lançamento da carta pastoral “Uma igreja em conflito com o latifúndio e a marginalização social”
1972Primeira assembleia do povo realizada em Pontinópolis, São Félix do Araguaia
1972 Criação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
1973Chegada dos primeiros colonos de Tenente Portela (RS) a Canarana (MT)
1975Criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e abertura da BR-158 até o Pará
1976Assassinato do Padre João Bosco em Riberão Bonito e erguimento do Santuário dos Mártires da Caminhada
1980Primeiros assentamentos de reforma agrária se implantam na região
1992 Demarcação e homologação da TI Urubu Branco
1998 Homologação da TI Marãiwatsédé
2000Audiência Popular contra a Hidrovia do Araguaia reúne 600 pessoas para defender o rio
2000 Pico de desmatamento na região com 2.315 km2
2004 Primeiro Encontro das Cabeceiras do Xingu
2006Relatório do Greenpeace “Comendo a Amazonia” denunciando o desmatamento incentivado pela soja
2006 Início da Campanha Y´Ikatu Xingu
2007 É criada a Articulação Xingu Araguaia
2008Projeto de lei do ZSEE/MT, são realizadas as audiências públicas
2008I Feira de Iniciativas Socioambientais em Canarana, no âmbito da Campanha Y’Ikatu Xingu
2009 Criação do assentamento Bordolândia
2009Greenpeace lança o relatório “A Farra do Boi na Amazônia”, denunciando o desmatamento incentivado pela pecuária na Amazônia
Ariosto da Riva, contato com os Xavante da Marãiwatsédé, 1966
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15Realidade e História da região do Araguaia Xingu
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Terra de bois, migrantes e índios
Gado pastando no município de Canabrava do Norte (MT)
De acordo com o censo de 2010 realizado pelo IBGE, o número de habitantes do Araguaia Xingu é de 276.901, com uma
densidade populacional de apenas 1,5 habitante/km2. Apesar da baixa densidade demográfica, a população não deixou de crescer nos últimos 50 anos, porém esse crescimento foi perdendo força com o passar do tempo, de acordo com os censos realizados a cada dez anos pelo IBGE.
A região não se diferencia muito das bacias pecuá-rias que foram criadas em outros pontos da perife-ria amazônica e configuram o modelo característi-co da ocupação territorial desde os anos 60: uma economia que se baseia principalmente na criação extensiva de gado e se desenvolve em estruturas fundiárias de alta concentração.
Neste sentido, uma das particularidades da ocu-pação do território é a relação entre a população e o rebanho bovino: contam-se, para cada pessoa, vinte cabeças de gado. Há decerto uma estreita causalidade entre a baixa densidade populacio-
nal e o peso da pecuária: esta necessita de gran-des territórios para se desenvolver, de mão de obra escassa e sem qualificação, gerando processos de acumulação de capital limitados em relação ao es-paço ocupado. O resultado são índices baixos de densidade demográfica e desenvolvimento huma-no em comparação com outras regiões de econo-mia mais avançada e diversificada.
Metade da população concentra-se nas seis prin-cipais sedes municipais (por ordem de importân-cia): Barra de Garças, Agua Boa, Nova Xavantina, Canarana, Confresa e Vila Rica. Um quinto dos habitantes da região vive na cidade de Barra do Garças, a oitava do estado de Mato Grosso com 55.000 habitantes (IBGE 2011). Em paralelo à con-centração urbana, a região apresenta um índice de ruralidade1 de 32%, quase o dobro que o resto do Estado (18%). No entanto, se levarmos em con-
1 Índice de ruralidade: pessoas que moram fora das capitais munici-pais (em pequenos distritos, propriedades rurais, assentamentos ou terras indígenas) em relação ao total de população.
16 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
sideração os padrões internacionais, o fenômeno rural é bem mais expressivo.
A estrutura populacional da região evidencia que se trata de uma população em meio a uma transi-ção demográfica2. É uma população ainda jovem, mais da metade tem menos de trinta anos, porém, com um leve processo de envelhecimento. o núme-ro de jovens é menor nos municípios mais estag-nados economicamente, marcados pela emigração juvenil rumo às grandes cidades. No entanto, no conjunto da região a conclusão é mais esperanço-sa: nos últimos 10 anos, os jovens continuaram mi-grando, mas numa proporção menor.
No que diz respeito aos grupos populacionais, a sociedade do Araguaia Xingu foi formada pe-los povos indígenas, habitantes tradicionais da
2 Transição demográ�ca é a passagem de uma sociedade com altas taxas de mortandade e natalidade, e portanto baixo crescimento popu-lacional, a outra sociedade com taxas baixas. Historicamente, a queda das taxas de mortandade precedeu à queda das taxas de natalidade, gerando crescimento populacional.
região, e a chegada de populações vindas dos quatro cantos do país. Retirantes espontâneos, colonos pioneiros e audaciosos, trabalhadores temporários (boias-frias), migrantes que emi-gram sem descanso, fugindo da pobreza em bus-ca de novas oportunidades: estamos falando de uma sociedade marcada pelos fenômenos de imi-gração e ocupação. Nos últimos 40 anos, apesar da estruturação das cidades e da instalação no campo das famílias detentoras de títulos de pro-priedade ou concessões de uso, essa caraterística embrionária ainda confere à estrutura social um caráter provisório, nômade, de raízes superfi-ciais, sustentada graças à rede de parentes e laços comunitários que reforçam a capacidade de so-brevivência dos indivíduos.
A chegada destas pessoas ocorreu de maneira es-pontânea a partir do inicio do século XX e poste-riormente, desde a época Vargas, como resultado dos sucessivos projetos governamentais de ocupa-ção. O saldo destas duas fases é o mosaico sócio--cultural atual:
Assentados no PA Brasil Novo, município de Querência (MT).
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17Realidade e História da região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 1
EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃORegião do Araguaia Xingu
GRÁFICOS 3
ESTRUTURA POPULACIONAL Por faixas etárias
GRÁFICO 4
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO Região do Araguaia Xingu, 2010
GRÁFICO 6
ÍNDICE DE RURALIDADE2010
GRÁFICO 5
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO Região do Araguaia Xingu, 2010
GRÁFICO 2
EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO NOS MUNICÍPIOSEntre 2000 e 2010Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
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18 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MATRIZ NORDESTINA – de imigração mais antiga e paulatina, atendeu ao chamado das ban-deiras verdes e da demanda de mão de obra dos grandes latifúndios que se instalaram na região a partir dos anos 60. Os nordestinos fundaram as cidades da beira do Araguaia como Santa Terezinha, Luciara, São Félix do Araguaia e Santo Antônio do Rio das Mortes.
MATRIZ GOIANA E TOCANTINENSE – seus integrantes naturalmente atravessaram o Araguaia pela Ilha do Bananal à procura das pastagens na-tivas da margem oeste, de terras dos projetos de reforma agrária ou de empregos nas fazen-das e municípios.
MATRIZ SULISTA, ligada aos projetos de colonização privada e que chega à região a partir dos anos 70. Este grupo está atualmente envolvido na
agricultura de escala, e, especialmente, no negócio da soja. Fundaram os municípios de Canarana, Querência, Agua Boa ou Vila Rica.
MATRIZ PAULISTA, contingente menor e de ocupação mais ocasional, mas com uma importante in-fluência na configuração socioeconômica pela presença de fazendeiros, empresários e pesso-as qualificadas que participam dos processos sociais de estruturação das políticas do Esta-do de bem-estar e do terceiro setor.
MATRIZ MATO-GROSSENSE, a mais recente, formada pelos filhos dos migrantes e pelos moradores advindos da imigração interna do estado.
MATRIZ INDÍGENA, com 22 etnias que habitam 19 ter-ras indígenas, fundamentalmente xinguanos, xavante, tapirapé e karajás.
Da esquerda para a direita, de cima para baixo: 1. Crianças (São Félix do Araguaia), 2. Colonos (Querência), 3. Indígenas Waurá (PIX), 4. liderança Xavante (Marãiwatsédé).
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19Realidade e História da região do Araguaia Xingu
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LocalidadeNº de habitantes
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Brasil 190.755.799Mato Grosso 3.035.122Região do Araguaia Xingu 276.901
20 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
Antes da chegada dos migrantes, a região já era ocupada por índios de várias etnias dos troncos Jê e Tupi. Karajá, na beira do Araguaia, Xavante, nas áreas de Cerrado, Tapirapé e Kayapó, povos da mata, já se aproximando da divisa com o Pará. O Parque do Xingu, que hospeda dezesseis etnias das bacias do Tapajós e Xingu, é fruto da luta visioná-ria dos irmãos Vilas Boas e do antropólogo Darcy Ribeiro, funcionário do Serviço de Proteção ao Ín-dio, nos anos cinquenta. Foi a primeira terra indí-gena homologada pelo governo em 1961 e é hoje uma das mais importantes ações de preservação da diversidade sociocultural no mundo.
O Araguaia Xingu acolhe atualmente 20.914 índios (ISA 2011) pertencentes a vinte e duas etnias, 8%
GRÁFICO 7
POPULAÇÃO INDÍGENARegião do Araguaia Xingu, 2011
GRÁFICO 9
POPULAÇÃO NAS TERRAS INDÍGENASRegião do Araguaia Xingu, 2011
GRÁFICO 10
EVOLUÇÃO DO NO DE TERRAS INDÍGENAS RECONHECIDASRegião do Araguaia Xingu
GRÁFICO 8
SITUAÇÃO JURÍDICA DAS TERRAS INDÍGENASRegião do Araguaia XinguFonte: ISA
Fonte: ISA
(*) Aweti, Yudja, Kalapalo, Kamaiurá, Kaiabi, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Kisêdjê, Trumai, Ikpeng, Wauja, Yawalapiti, Nahukuá, Naruvotu, Tapayuna.
Xavante 11.1334.829
1.388858653573
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Xinguanos (*)
Kayapó e TapayunaBororo e Xavante
KarajáTapirapé
Bororo
Tapirapé e Karajá
Kinsêdjê e TapayunaNaruvotu
PI XinguTI Parabubure
TI Capoto/JarinaTI Pimentel Barbosa
TI São Marcos
TI AreõesTI Maraiwatsede
TI Sangradouro/Volta Grande
TI Urubu Branco
TI Merure
TI WawiTI Cacique Fontoura
TI Tapirapé/Karajá
TI UbawaweTI São Domingos
TI Pequizal do Naruvotu
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de sua população total e entre 40% e 50% da po-pulação indígena de todo o estado de Mato Grosso. Abriga dezenove terras indígenas que ocupam um total de 27.064 km2, aproximadamente um sexto do território. Estão todas homologadas e registradas exceto Areões I e II, em processo de identificação, e as TIs Cacique Fontoura e Pequizal do Naruvo-tu, somente declaradas. Estatisticamente, as terras indígenas são as áreas melhor conservadas do pon-to de vista ambiental com 92% do território não desmatado. Dois povos, o Krenak-Maxacali e o Canela ainda não têm os seus direitos territoriais reconhecidos. Outros dois povos, apesar de terem suas terras homologadas, não conseguem ocupar a totalidade do seu território, trata-se dos Xavante de Marãiwatséde e dos Tapirapé da TI Urubu Branco.
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Homologada e registradaDemais
DeclaradaTI Cacique Fontoura e TI Pequizal do Naruvotu
Identi�cadaTI Ariões I e TI Ariões II
21Realidade e História da região do Araguaia Xingu
A criação do Parque do XinguPor André Villas-Boas
“A região do Xingu é de ocupação antiga, milenar, de um complexo cultural que foi se formando com uma origem
Karibe. Sempre houve um �uxo migratório desde a época dos portugueses, que de�agrou em uma movimentação de etnias, além das que estavam na região. O primeiro contato registrado com a região data de 1887, quando Karl von den Stein veio por meio de uma expedição cientí�ca alemã. Ele chegou no Xingu pelo rio Culuene.
É uma região de difícil acesso. Nas cabeceiras do Xingu, na parte sul, os rios tem uma navegabilidade muito restrita. Também tinha a presença dos Xavantes, que eram um povo aguerrido. Na parte norte da bacia, as frentes de ocupação de inicio do século XX, vinculadas ao ciclo da seringa, não conseguiram chegar na região por causa da presença dos também aguerridos Kayapó. Por isso, o Xingu �cou com um contato postergado até 1946, quando se inicia a expedição Roncador-Xingu, que foi a primeira expedição de integração nacional no contexto da marcha para o Oeste, que tinha como objetivo ocupar o centro oeste brasileiro. Nela participaram os irmãos Villas-Boas, que começaram como trabalhadores e terminaram liderando a expedição. Na expedição existia também um interesse estratégico em relação à rota aérea Rio de Janeiro / Manaus / Miami. Queriam se instalar bases da FAB que ajudassem na navegação nesse percurso: Aragarças, Xavantina, Jacaré (no parque), Cachimbo e Jacarecanga. Vale a pena ressaltar que a ocupação não se deu por conta da expedição e sim posteriormente nos anos 70 com a abertura das estradas BR163 (oeste da bacia) e BR158 (leste da bacia). O PIX foi criado no ano 1961, mas a discussão da sua constituição veio desde a década dos 50. A primeira proposta foi do ano 1952 e mostrava um parque cinco vezes maior do que ele é hoje. Os interesses mobiliários mato-grossenses se posicionaram contra a sua constituição. Foram realizadas sucessivas divisões no projeto até que em 1961 Jânio Quadros criou o PIX, que depois teve algumas mudanças no seu desenho. O parque contemplou a territorialidade integral de algumas etnias, mas deixou fora parcelas signi�cativas de território tradicional de povos que lá habitavam. Os Panará, Ikpeng, Kindsedge e os Caiabi, que habitavam fora do parque, perderam territórios na sua ida para o Xingu. Eles estavam debilitados pelas epidemias
Entrevista realizada por Fernanda Bellei em 2011 e adaptada por Carlos García Paret.
decorrentes dos contatos com as frentes de expansão. Foram trazidos para o parque como um porto seguro.
O PIX pode ser avaliado de várias maneiras. Naquela época a sociedade percebia os índios como algo do passado e não do futuro. Não havia legislação que garantisse os direitos territoriais dos índios. A criação de uma área de proteção com a presença do Estado dentro daquele contexto foi uma ousadia histórica. O grande mérito do PIX foi ter protegido efetivamente os índios. Os Caiabi, que viviam na bacia do Teles Pires, são um bom exemplo disso. Se você comparar os Caiabi que �caram fora do parque e os que foram para dentro há diferenças perceptíveis em termos de manutenção da língua e dos aspectos culturais. Os que �caram fora tiveram que enfrentar as frentes de expansão com perdas populacionais e culturais. Foi, portanto, uma ação de gestão territorial que liberou territórios para as frentes de expansão. Cabe dizer que os seus limites não foram discutidos com os índios tal e como acontece hoje. A sua demarcação foi uma interpretação das pessoas que tinham contato com os índios. Se eles tivessem participado o parque provavelmente seria maior.
Por outro lado, para os índios houve perdas territoriais. Várias etnias contabilizam essas perdas de partes de territórios ou de territórios inteiros de grupos que foram trazidos para o parque. Para a elite da época também houve uma perda em termos de terras disponíveis para a especulação imobiliária. Em de�nitiva, foi uma engenharia social o desa�o de colocar povos que moravam em espaços maiores em uma área mais restrita. A presença dos Villas- Boas ajudou nessa paci�cação interna entre os grupos rivais. Eles investiram na criação de uma situação de paz e de harmonia, de desarmamento dos espíritos guerreiros decorrentes das disputas históricas entre esses povos”.
Aldeia Waurá (PIX).
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22 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
O primeiro grito de contestação
frente à ditadura na Amazônia
Em 24 de outubro de 1971, no mesmo dia da consagração como bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga distribuía
sua primeira carta pastoral: Uma igreja da Amazônia em con�ito com o latifúndio e a marginalização social. 123 páginas que descrevem a região da Prelazia de São Félix do Araguaia e os principais con�itos provocados pelas grandes empresas. O texto é um amplo e rigoroso diagnóstico, único da sua época, baseado em dados primários e secundários levantados durante um ano de trabalho. Lembra o Pe. Pedrito que Pe. Canuto viajou desde São Félix do Araguaia até Barra do Garças à procura de dados estatísticos no cartório, porque como Pedro Casaldáliga disse, “precisávamos mostrar com rigor o que estava acontecendo”. Foi o Padre Canuto que tinha levado previamente o material para São Paulo; Pedro tinha pedido para ela fazer essa viagem e imprimi-lo em várias grá�cas para tentar driblar a censura e garantir que o documento viesse a luz. A CNBB ajudou na sua divulgação. A carta teve repercussão em todo o Brasil e a nível internacional.
A carta começa dando pinceladas geográ�cas: “Esta Prelazia de São Félix, bem no coração do Brasil, abrange uns 150.000 Km2 de extensão, dentro da Amazônia legal, no nordeste do Mato Grosso, e com a Ilha do Bananal em Goiás. Está encravada entre os rios
Araguaia e Xingu e lhe faz como de espinha dorsal, de Sul a Norte, a Serra do Roncador. (...)
Compõem o solo da Prelazia terras de mata fértil, �orestas, grandes pastagens, margens de areia e argila, campos e cerrados, sertão e varjões. Duas estações, bem marcadas, de clima sub-equatorial, se repartem o ano todo: “ as chuvas”, de novembro até abril, e “ a seca” de maio a outubro”
Dom Pedro descrevia o povo do Araguaia de começo dos anos 70, um amálgama de posseiros, índios, peões e latifundiários, antes da chegada dos grandes deslocamentos de sulistas nos projetos de colonização, dos “boias frias” nordestinos e da reforma agrária.
“A Maior parte do elemento humano é sertanejo: camponeses nordestinos, vindos diretamente do Maranhão, do Pará, do Ceará, do Piauí..., ou passando por Goiás. Desbravadores da região, “posseiros”. Povo simples e duro, retirante como por destino numa forçada e desorientada migração anterior, com a rede de dormir nas costas, os muitos �lhos, algum cavalo magro, e os quatro “trens” de cozinha carregados numa sacola.
Adauta Luz Batista, �lha da região e protagonista da história local, se refere a eles com este signi�cativo depoimento: “Acostumados com a aspereza da vida agreste, desprezados pela esfera dos altos poderes,
ludibriados na sua boa fé de gente simples, eles vêem os seus dias, à semelhança das nuvens negras, sempre anunciando um mau tempo. Ele (o sertanejo) é a vítima da ganância alheia, da inconsciência dos patrões, da exploração dos trêfegos políticos que na região aparecem de eleição em eleição para pedir voto e mais que tudo isto, da sua própria ignorância. É o homem que comete muitas das vezes um crime, porque embargando-se-lhes o direito, só lhe resta a violência. Esse infeliz, sobejo das pragas e da verminose, vive na penumbra de um futuro incerto. “Indiferentemente a tudo, eles vão ganhando o pão de cada dia, pois para eles só existem dois direitos: o de nascer e o de morrer. O produto de seus esforços somado ao de seus sacrifícios, vai aparecendo lentamente nos grandes armazéns das vilas, ou numa cabeça de gado a mais nas fazendas circunvizinhas. Pedro Casaldáliga. Ribeirão Bonito – Outubro de 1977.
Fotos: © A
rquivo da Prelazia de São Félix do Araguaia
23Realidade e História da região do Araguaia Xingu
A Marcha para o Oeste
Getúlio inaugurou a Marcha para Oeste na tentativa de deslocar contingentes
humanos do litoral para as áreas de interior dos estados de Paraná, Goiás (que na época incorporava Tocantins) e Mato Grosso (que na época era também Mato Grosso do Sul). Seu objetivo era fazer avançar a fronteira civilizatória e incorporar esses territórios à unidade nacional. Para tornar possível esse desafio, o presidente encarregou o ministro da Coordenação de Mobilização Econômica, João Alberto Lins de Barros, de promover a interiorização do Brasil: assim nasceu a Fundação Brasil Central, e imediatamente, foi anunciada a criação da Expedição Roncador-Xingu. Iniciada em 1943, desbravou o sul da Amazônia e travou contato com diversas etnias indígenas ainda desconhecidas. Uma epopeia que entrou para a História como das maiores aventuras do século XX e que foi liderada pelos três irmãos Villas-Boas: Leonardo, Cláudio e Orlando.
Naquela época, Anápolis era a maior cidade do Centro-Oeste. Brasília ainda não existia e alguns dizem que, durante o governo Vargas, o ponto onde atualmente se ergue a cidade de Nova Xavantina foi cogitado como um dos possíveis locais para a construção da nova capital brasileira. A viagem para alcançar o Araguaia Xingu fazia-se por estrada de chão até a cidade de Barra do Garças, que obteve o status de município em 1948, transformando-se no maior município do Brasil com 273.476 mil km². Ao norte, a sociedade nacional fazia-se presente nos pequenos aldeamentos situados na beira do Araguaia: Santa Terezinha, Luciara, o Serviço de Proteção do Índio, os restos de povoados garimpeiros do Rio das Mortes e a cidade nascente de Nova Xavantina.
Uma doença, uma boda, uma viagem, podem acabar com toda uma vida dolorosas poupanças. O sertanejo nunca conheceu a lei do protesto, das greves, do direito ou do uso da razão. Todo o seu cabedal histórico está dentro das quatro paredes de um mísero rancho e na prole que aparece descontroladamente. Desfaz as suas profundas mágoas entre um e outro copo de cachaça, ou num cigarro de palha, cujas baforadas se encarregam de levar bem longe a infelicidade que ele tem bem perto”. (Da “pesquisa Sociológica” realizada pelo professor Hélio de Souza Reis, em São Félix, durante o ano de 1970).
Os indígenas constituem uma pequena parte dos moradores. Os Xavante: caçadores, fortes, bravos ainda faz poucos anos quando semeavam o terror por estas paragens. Receosos. Bastante nobres Os Carajá: pescadores, comunicativos, fáceis à amizade, festeiros, artesãos do barro, das penas dos pássaros e da palha das palmas; moles e adoentados, particularmente agredidos pelos contatos prematuros desonestos com a chamada Civilização, por meio do funcionalismo, do turismo e do comércio: com a bebida, o fumo, a prostituição e as doenças importadas. Os Tapirapé: lavradores, mansos e sensíveis; mui comunitários e de uma delicada hospitalidade.
A várias tribos agrupadas dentro do parque Nacional do Xingu seriam o�cialmente virgens se bene�ciaram de um certo isolamento, depois de sofrer maior ou menor deportação. Foram porém afetadas por presenças e atuações discutíveis.
O restante da população está formado por fazendeiros, gerentes e pessoal administrativo das fazendas latifundiárias, quase sempre sulistas distantes, como estrangeiros de espírito, um pouco super-homens, exploradores da terra, do homem, e da política. Por funcionários da FUNAI e de outros organismos o�ciais, com as características próprias do funcionário “no interior”. Por comerciantes e marreteiros, motoristas, boiadeiros, pilotos, policiais, vagabundos, foragidos e prostitutas. E principalmente por peões: os trabalhadores braçais contratados pelas fazendas agropecuárias, em regime de empreitada. Trazidos diretamente de Goiás ou do Nordeste, ou vindos de todo canto do país; mais raramente moradores da região, que neste caso são comumente rapazes. (Muitos dos peões passam a ser moradores da região após se “libertar” do serviço das fazendas.)”.
Pedro Casaldáliga e José María, São Félix do Araguaia 1969.
24 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MAPA 4Caracterização da população indígena
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Canarana
Ribeirão Cascalheira
Cocalinho
Nova NazaréÁgua Boa
Nova Xavantina
Campinápolis
Santo Antôniodo Leste Novo São Joaquim
AraguaianaBarra do Garças
TI PimentelBarbosa
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TI Merure
TI Wawi
Parque Indígena do Xingu
TI Capoto/Jarina
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TI UrubuBranco
TI Tapirapé
TI CaciqueFontoura
TI São Domingos
TI Sangradouro/Volta Grande
TI Pequizal do Naruvôtu
Legenda
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Limite Estadual
População nas Terras Indígenas
HidrografiaSede Municipal!.
Limite de Bacia Hidrográfica
Terra Indígena / Etnia
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Bacia Hidrográfica do Rio Xingu Bacia Hidrográfica do Rio Araguaia
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Estrada Federal
1.001 - 2.000#02.001 - 5.000#0501 - 1.000#0
251 - 500#01 - 250#0
sem dados#0
Aweti, Yudja, Kalapalo, Kamaiurá, Kaiabi, Kuikuro, Matipu,Mehinako, Kisêdjê, Trumai, Ikpeng, Wauja, Yawalapititi,Nahukuá, Naruvotu e Tapayuna
BR-070
BR-158
BR-446
BR-070
BR-1
58BR-242
BR-158
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Lagoa da Confusão
Formoso do Araguaia
Marcelândia
Feliz Natal
Gaúcha do Norte
Paranatinga
General Carneiro
TesouroPontal do Araguaia
Aragarç
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Aruanã
São Miguel do Araguaia
Sandolândia
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TI Marechal Rondon
TI Karajá de Aruanã II
TI Batovi
TI PanaráTI TerenaGleba Iriri
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Iròdu Iràna
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Parque Indígenado Araguaia
Karajá
Kisêdjê e Tapayuna
Kayapó, Metyktire e Tapayuna
Tapirapé e Karajá
Tapirapé
Região do Araguaia Xingu
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25Realidade e História da região do Araguaia Xingu
PRINCIPAIS INDICADORES
Em termos econômicos, a região Araguaia Xingu apresenta um Produto Interno Bru-to de 4.276 milhões de reais que, distribu-
ídos entre seus 276.901 habitantes, representa um PIB per capita de aproximadamente 15.443 reais por pessoa/ano.
Analisar o PIB nos dá ideia aproximada do ta-manho da economia, do valor de sua produção anual de bens e serviços a preços daquele ano (correntes). Vejamos então no detalhe o que sig-nificam esses números no contexto regional e mato-grossense:
1. O PIB regional equivale a 8% do PIB mato-gros-sense e 0,16% do PIB nacional.
2. Comparativamente, a economia do Araguaia Xingu é menor que a economia da cidade de Ron-donópolis (MT) e semelhante às economias dos municípios de Itu (São Paulo), Boa Vista (Rorai-
ma), Sete Lagoas (Minas Gerais)1. No entanto, estes territórios são bem menores, o que denota o padrão econômico do Araguaia Xingu: produção de bens e serviços baseados no setor primário, alta-mente intensivos no recurso terra, de escasso valor agregado e escassa diversificação.
3. Do ponto de vista temporal, entre 2003 e 2009, o PIB regional cresceu em média 18% ao ano. Este aumento, que supera o da economia chi-nesa, explica-se por quatro fatores: o boom dos preços das commodities, a consolidação da re-gião como área de expansão agrícola, a maior disponibilidade de recursos públicos e o cresci-mento do mercado de produtos de consumo en-tre as classes mais populares.
4. No entanto, as economias municipais são mo-nopolizadas por poucas cadeias produtivas agro-pecuárias (gado de corte e soja), que por sua vez
1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_munic%C3%ADpios_do_Brasil_por_PIB
3
© Luis M
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Estrutura econômica do Araguaia Xingu
Estrada direção ao assentamentos PA Brasil Novo, Querência (MT)
26 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
2003 2005 2007 2009
1.78
2.70 2.92
4.28
sofrem importantes oscilações, ligadas aos preços praticados nos mercados internacionais, à taxa de câmbio e ao resultado das safras, condicionadas pelos imprevistos climáticos.
5. Existe uma importante concentração territorial da produção/renda: os municípios de Barra do Gar-ças, Querência, Agua Boa e Canarana produzem o equivalente aos 21 municípios restantes da região.
6. O PIB por habitante é em média 13% menor que no resto do estado e 6% menor que a média nacio-nal (IBGE 2009).
7. A distribuição de renda é altamente desigual dentro do território. As maiores rendas per capita encontram-se nos dois municípios que mais pro-duzem soja: Santo Antônio do Leste e Querência, com níveis de renda equivalentes a Japão e Coréia do Sul, respectivamente. No outro extremo estão dois municípios da beira do Araguaia, mais perifé-ricos, de colonização mais antiga e escassa popu-lação: Novo Santo Antônio e Luciara, com rendas equivalentes a El Salvador.
8. Calcula-se que uma parte importante da po-pulação encontra-se abaixo do nível de pobreza, aproximadamente 100.000 pessoas em 2011. No extremo da pobreza situam-se os municípios de Santa Terezinha ou Luciara, com quase a metade da população nesse grupo. No outro extremo, es-tão municípios como Agua Boa com somente 30% da população nessas condições (IBGE 2003). En-tretanto, para além de uma leitura mercantilista, cabe destacar que alguns municípios classificados oficialmente como mais pobres tem uma boa parte da sua população rural (assentados, ribeirinhos, povos indígenas) vivendo em áreas altos níveis de soberania alimentar devido à riqueza e acesso aos recursos naturais.
O PASSADO AGROEXTRATIVISTA E A CHEGADA DA MODERNIDADE
Antigamente os índios que habitavam os cerrados, as matas e as beiras de rio do Araguaia Xingu, com um maior ou menor nível de aldeamento, viviam do agroextrativismo. A sua força de sustentação eco-nômica e de renovação sociocultural tinha como
GRÁFICO 11
PIB REGIÃO ARAGUAIA XINGU Em bilhões de reais
GRÁFICO 12
DISTRIBUIÇÃO PIB REGIONAL 2009
GRÁFICO 14
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27Realidade e História da região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 15
PIB PER CAPITAEm reais, 2009
GRÁFICO 16
ÍNDICE DE POBREZA 2003
Fonte: IBGE
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São Félix do Araguaia
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37.139,22
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17.802,10
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15.443,00
12.690,18
11.798,60
9.641,73
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Querência
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Mato Grosso
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33.08%
30.04%
fundamento a agrobiodiversidade, sempre farta, vivenciada comunitariamente e percebida como um dom da Mãe Terra. Como afirma a irmãzinha de Foucault Odile Tapirapé em Urubu Branco: “meio brincando podemos dizer que se tratava de uma so-ciedade descartável, o menino podia quebrar uma flecha, não importava, tinha outra na mata”.
Os primeiros nordestinos e goianos que foram chegando espontaneamente pela Ilha do Bananal, vinham com seus animais, seus bois, aproveitando a riqueza de pastagens naturais. O vasto territó-rio podia acolher a todos, índios e posseiros. Água não faltava, a natureza era generosa. Nas matas, os
posseiros faziam suas roças de toco com a mesma tecnologia que os índios, o fogo. Essas pequenas roças temporárias, de alguns poucos hectares, não tinham outro título de propriedade que o conquis-tado pelas mãos calejadas daquele que as abria e com isso sustentava a família fornecendo milho, mandioca, arroz, feijão..., base da alimentação. Exploravam-nas durante dois, três, quatro anos, para depois migrar para outras áreas, à procu-ra de pastos mais frescos, beiras de rio com mais cardumes e matas densas. O restante das calorias obtinha-se da pesca, da caça e da coleta. Os remé-dios eram tirados das folhas, cascas e raízes. Nesta sociedade pioneira, o dinheiro era pouco e o co-
28 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MAPA 5Economia municipal
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São José do XinguPorto Alegre do Norte
Santa TerezinhaConfresa
Vila Rica
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São Félix do Araguaia
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Canarana
Ribeirão Cascalheira
Cocalinho
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Localidade PIB 2009 R$ (x1000)
Brasil 3.143.000.000Mato Grosso 53.023.000Região Araguaia Xingu 4.276.151
29Realidade e História da região do Araguaia Xingu
mércio baseava-se fundamentalmente na troca. O dinheiro servia para comprar os mantimentos e utensílios básicos trazidos da distante civilização: panelas, ferramentas, fósforos, munição, açúcar, sal, óleo... Assim constituíram-se pequenas comu-nidades e aldeamentos esparsos e seminômades perto dos rios Araguaia, Rio das Mortes, Xavan-tinho e Tapirapé, os primeiros embriões da futura sociedade, que, na sua essência econômica, não di-feria muito do modus vivendi indígena.
A economia nacional chegou como uma sinfonia em vários movimentos: timidamente nos anos qua-renta e com mais intensidade nos anos setenta. A presença do garimpo foi muito pontual e efême-ra, foi a força fundadora de Barra de Garças e da ocupação do Rio das Mortes. No entanto, as tão esperadas jazidas não foram encontradas e a eco-nomia nacional traçou outros planos para a região: um novo período abriu-se com a fundação da Suia--Missú em 1962 e da Companhia de Desenvolvi-mento do Araguaia (CODEARA) em 1967. Eram, naquela época, dos maiores empreendimentos agro pecuários do mundo, com 696.000 hectares e 370.000 hectares respetivamente. A proposta era abrir áreas para agropecuária extensiva. O latifún-dio chegou atraído pelo estímulo das isenções fis-cais, concessões de crédito e facilidades para a ob-tenção dos títulos da terra. Apoiou-se no contexto nacional de incentivo à ocupação de terras vazias – “Terra sem gente para gente sem terra” – e da ame-
aça de uma conspiração internacional que pairava sobre a Amazônia – “Integrar para não entregar”. De natureza expansiva, foi implantado por pro-prietários distantes que se valiam de grilos, capan-gas e trabalhadores em regime de escravidão para se enriquecer. Na maioria das vezes, esse modelo econômico tinha um caráter mais especulativo e de acumulação ociosa do que de empreendimento. Como resultado, nos primeiros tempos da coloni-zação a região do Araguaia não se parecia em nada ao sonho de modernidade que Getúlio Vargas teve quando sobrevoou o rio pela primeira vez a convite do então governador de Goiás, Pedro Ludovico, lá pelos anos quarenta do século passado.
A segunda metade do século XX testemunhou o parto traumático da modernidade, em parte ali-viado com a chegada, tardia e tímida, da demo-cracia. A região assistiu ao encontro entre mundos contraditórios envolvidos na disputa de terras, em uma miríade de conflitos esquecidos onde morre-ram milhares de pessoas: índios, posseiros, boias frias, colonos e fazendeiros formavam uma Torre de Babel, como tantas outras situadas às portas da Amazônia. O que a região vivenciou nesse tempo é a morte traumática de um sistema e o surgimento de outro mais ousado, cada um com os seus mitos, sua propaganda... Um diálogo impossível em um tempo em que nem sequer o estado ditatorial fazia--se presente nesse fim de mundo.
A força do dinheiro, dos fundos públicos e priva-dos, atraiu investimentos, implantou a propriedade privada, cidades, estradas, vilarejos, trouxe as cer-cas, campos de braquiária, benfeitorias, tratores, raças melhoradas de boi, frigoríficos, soja, secado-res, multinacionais, asfalto, transgenia... Seguindo as diretrizes traçadas pelos planos do governo e do mercado removeram-se as florestas, extraindo as madeiras mais nobres, plantaram-se pastagens exóticas de maior rendimento, e o Araguaia Xingu viu surgir uma das bacias pecuárias que hoje é uma das mais antigas da periferia da Amazônia.
Já na democracia, a força das leis do Estado de Di-reito e de uma sociedade mais conscientizada ajuda-ram a modernizar a economia agropecuária: proces-so de erradicação do trabalho escravo, demarcação de territórios indígenas, distribuição de terra no Contato com os Xavante de Marãiwatsédé.
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30 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
A chegada de João da
Angélica nos anos 60
“Disse o velho meu pai, velha a minha mãe que eu nasci em uma data feliz de 1940 em Barreira do Campo (Pará). 1945 nós mudou
para aqui, beirando Porto Alegre. Naquela época você caçava lugar, falava assim com os compadre. Eu arranjei um lugar bom: tem muita agua e muita mata boa e pasto bom para o gado. Não tinha perturbação de nada. Chegamos no dia de São João. Os índios mantaram um rapaz, que os índios kayapó eram muito bravos e nós mudemos para Jatoba Torto. Lá tinha uns oito vaqueiros e meu pai resolveu tirar um lugar e botaram o nome de Cedrolândia, (hoje Porto Alegre do Norte). Ele foi lá botou a roça, tudo queimou. Chegamos 6 de janeiro de 1950. Desde então eu estou lá, Porto Alegre do Norte. Eu era um homem muito bonito, e as mulheres �cavam arriba de mim e ai resolvi casar. Nesse casamento arrumei 10 �lhos, 1 homem e nove mulher. Hoje tô bem rodeado de família, os dez �lhos, graças a deus, 24 netos, dois bisnetos. E ainda tô querendo ver se faço dez meninos mais, que 10 tá pouco (risadas). Quando a gente chegou, naquela época não tinha perturbação de fazenda. Era o tempo melhor que nós passamos. Um tempo muito muito feliz, muita amizade. Aquele tempo, companheiro, eu tenho saudade para esses meus netos ver. Não tinha roubo. O gado era tudo junto. Você ia no campo e você caçava uma vaca sua, achava um cara com uma vaca do outro e levava para o curral, para sarar, era aquela satisfação, ninguém roubava do outro. O meu pai me ensinou para trabalhar. A pastagem era natural. Demorei em conhecer as pastagens que eles plantavam. Primeiramente era o
capim Jaraguá, ai o Colonião, ai o tal de Braquiarão. Hoje é tanto enxerto que eles plantam que nada é nada nada. Eu acredito que a pastagem natural. Porque eu conheço esse lado todo e sei como é que é. Na pastagem natural dava para criar o gado bom e gordo. Depois que misturou tudo não prestou mais.
Tem tantas lei que eu não combino com isso. Se pudesse morar longe de tantas lei que só tivesse o povo, só nós igual que os índios. Foi botar lei demais. Para acabar com tudo o que Deus deixou nesse mundo. Primeiramente as matas, eram matas bonitas. O cara derrubava a roça, sim derrubava. Um pedacinho, quatro linhas de chão. Cercava aquela roça, plantava dois, três anos. Eram assim, não era esse mundão de coisa que os fazendeiro faz. Por isso, companheiro, que eu tenho saudade daquele tempo. Nós viviam que nem os índios, da pesca e caça, plantava e tinha o gadinho. Ai chegou a fazenda Frenova. Dai para cá só foi para pior.
Eu tenho uma historinha, o Pedro (Casaldáliga) sabe dessa história. O gerente da fazenda me contratou para matar o padre, me dando 7000 naquele tempo. Nós fazia uma cerca por 30 cruzeiro. O Padre Enrique. Ele queria mandar matar, o padre ia na casa dos companheiros e falava, vocês não saem daqui, que vocês estão com 10 e 20 anos. Se vocês sair daqui, vai para outra terra, vão fazer o que lá. Não conhece ninguém, não tem apoio. E com esse povo foi ateando a cabeça. Ai, disse, tem que matar o padre. Nós tomemos 3500 dele, porque o resto
era de prestação, e não matemos o padre. Perdemos o resto do dinheiro e deixemos o padre vivo. Eu falo assim, oh bicho danado é padre, que nós perdemos tanto dinheiro hein!! (risadas). O padre tinha fugido, aí perdemos o dinheiro e o padre (mais risadas). O padre era quem mais ajudava nós, era amigo nosso. O tempo bom já passou e não volta mais porque os home não faz uma lei para proteger a nação, esse mundo nosso, não vi essa lei ainda. Mas de acabar sim isso que estou lhe falando. Papel, todo o mundo pega, agora abraço que eu tenho que outro tem do meu jeito é pouco que tem”.
Entrevista realizada por Carlos García Paret em 2011.
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31Realidade e História da região do Araguaia Xingu
âmbito da reforma agrária, diminuição do desma-tamento, recomposição dos passivos ambientais...
Contudo, e apesar da chegada da modernidade, a sabedoria ancestral da economia agroextrativista ainda se faz presente nos costumes dos índios, ri-beirinhos e agricultores. Uma cultura popular que conhece profundamente as frutas, fibras, raízes, re-médios, peixes, sementes..., que usa inúmeras pa-lavras, mitos e lendas, tecendo um universo onde a agrobiodiversidade ainda é vivenciada em roças, propriedades, matas e quintais. Basta um olhar nos quintais, uma conversa, um prato na mesa ou uma festa para perceber a riqueza incorporada por um povo que aprendeu a viver na abundancia do Ara-guaia Xingu.
A ECONOMIA NOS DIAS DE HOJE
O processo de ocupação da região é fundamental para entender sua atual estrutura econômica. Me-tade da produção regional é composta pelo setor de serviços (50%), seguido pelo setor agropecuário (40%), e por último, por um inexpressivo setor in-dustrial (10%).
No âmbito do setor de serviços podemos conside-rar todas as profissões liberais, as atividades co-merciais, de construção e as vinculadas ao setor público: educação, saúde e outros serviços pres-
tados pelas prefeituras e pelos diversos órgãos da administração federal e estadual. O setor de ser-viços é mais intensivo em mão-de-obra que o se-tor agropecuário, que tem seus principais fatores produtivos na terra, em primeiro lugar, e no capi-tal, sobretudo no que diz respeito à agricultura de grande escala.
A CIDADE E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A importância do setor de serviços para a geração de renda e a empregabilidade está vinculada a duas realidades: a estrutura empresarial de micro e pe-quenas empresas nas cidades e a presença da admi-nistração pública.
De acordo com a Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso (SEPLAN), a região do Araguaia Xingu oferece uma rede de aproximada-mente 9.000 empresas2, que representam 10% do total do Mato Grosso. Segundo a mesma fonte, 93% das empresas são privadas, 99,5% são micro e pequenas empresas (MPEs) com menos de 50 funcionários. Dentro deste grupo, as microempre-sas (menos de 10 funcionários) são a maioria, com 97,2%. As MPEs têm um caráter urbano, familiar,
2 Censo econômico dos municípios de MT (2007), SEPLAN. http://www.indicador.seplan.mt.gov.br/censo/ e no SEBRAE: http://www.bibliote-ca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/25BA39988A7410D78325795D003E8172/$File/NT00047276.pdf
GRÁFICO 17
COMPARAÇÃO DAS PRINCIPAIS ECONOMIAS DO ARAGUAIA XINGUValores anuais em milhões de reaisFonte: elaboração própria.
PIB agropecuario 2007
PIB setor serviços/setor público 2007
ICMS ecológico 2008
Bolsa Familia 2007
Terceiro setor (*)
Valor produção soja 2006
Pronaf 2006
Repasse Gov. Fed. Mun 2007
Exportações 2006
Valor produção algodão 2006
Valor produção leite 2006
Valor produção algodão 2007
Valor produção mandioca 2006
Receitas prefeituras 2008
FUNDEB
1.558,50
1.246,80386,15
355,64
318,40195,39190,65
40,8039,30
28,5622,97
21,6716,2911,77
10,00(*) Estimativa própria
GRÁFICO 18
COMPOSIÇÃO DO PIB2009
50%10%
40%
PIB Serviços
PIB Agropecuário
PIB Industrial
32 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
e ainda apresentam um grau de informalidade sig-nificativo: aproximadamente 30% não estariam le-galmente registradas e 50% dos funcionários não teriam carteira assinada. É conveniente destacar o papel fundamental destas empresas na economia, no que diz respeito à empregabilidade, à diversi-ficação e à geração e distribuição de riqueza. Seu fortalecimento e inovação é um dos pilares mais importantes da luta contra a pobreza na região.
A administração pública é outro ator de grande relevância no setor de serviços por várias razões. Por um lado, sua presença é essencial na disponibi-lização das políticas sociais, ainda mais quando os principais indicadores sociais mostram que certos municípios ainda se encontram abaixo da média mato-grossense quanto à satisfação das principais necessidades básicas da população.
O peso do orçamento anual das prefeituras é outra evidência, representa entre 10% e 20% do PIB mu-nicipal, dependendo do maior ou menor dinamismo do setor privado, e, seu impacto na empregabilidade é alto. Por exemplo, em 2011, a prefeitura de São Fé-lix do Araguaia era o maior empregador do municí-pio, com aproximadamente 10% da população eco-nomicamente ativa inserida na folha de pagamento.
O repasse de recursos do Governo Federal para os Municípios constitui aproximadamente 6% do PIB regional (IBGE 2007). São recursos direciona-dos para a estruturação de políticas públicas que são oferecidas nos municípios, principalmente no ramo da saúde, educação e assistência social. A maior parte é destinada para a saúde, num total de 71,4 milhões de reais (2011)3, sendo 28,6 milhões
3 Dados para 2011 obtidos no site do Governo Federal: http://www.portaltransparencia.gov.br/
Indicadores sociais Ano do dado Araguaia Xingu MTÍndice de Desenvolvimento Humano 2001 0,706 0,773
Esperança de vida (anos) 2000 66,9 68,7
Taxa de mortalidade (X1000 hab) 2000 38,9 32,9
Nº total homicídios 2009 52 987
Nº Mortes acidentes transito 2009 88 1118
Nº Médicos x 1000 habitantes 2000 0,21 0,29
% Domicílios agua canalizada sobre total 2000 49% 64%
% Domicílios com eletricidade sobre total 2000 77% 90%
Índice de pobreza 2003 36,3% 34,3%
% Pessoas recebem Benefícios de Prestação Continuada 2011 1,4% 1,3%
% Pessoas recebem Bolsa Família 2011 6,8% 5,7%
% Pessoas da área rural recebem PRONAF 2010 8,5% 7,2%
Nº Indígenas 2011 7,6% 1,2%
N º Assentados 2010 8,1% 3,3%
População rural 2010 32,2% 18,2%
INDICADORES SOCIAIS COMPARATIVOS
Assentamento Brasil Novo, Querência (MT).
© Luis M
ena
33Realidade e História da região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 19
TAMANHO DAS EMPRESAS Região do Araguaia Xingu, 2011
GRÁFICO 18
PRINCIPAIS ATIVIDADES SETOR SERVIÇOS E COMERCIAL Por número de funcionários em MT, 2008
Fonte: SEPLAN
Fonte: SEPLAN
0.1%97.2%0.4%
2.3%
Grande (mais de 250)
Média (de 51 a 250)
Pequena (de 11 a 50)
Micro (menos de 10 funcionarios)
Administração pública em geral
Comércio varejista de artigos do vestuário e complementos
Chopperias, whiskeria e outros estabelecimentos especializados
Lanchonete, casas de chá, de sucos e similaresMinimercados
Serviços de manutenção e reparação de automóveisRestaurante
Cabeleireiros
Comércio a varejo de peças e acessórios para veículos
Comércio varejista de materiais de construçãoComércio varejista de produtos farmacêuticos
Atividades de organizações religiosas
Outros
48.5%18.2%
14.8%12.5%12.4%12.2%
10.1%8.8%7.8%7%6.4%6.3%
22.7%
para o Programa Saúde na Família (PSF) e 16 mi-lhões para a saúde indígena4. Na área da educação, o programa mais importante é o Fundo de Manu-tenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUN-DEB), que injeta 21,7 milhões de reais no conjun-to da região. Na assistência social, os programas federais mais expressivos em recursos e número de beneficiários são o Programa Bolsa Família, que em 2011 destinou a soma de 19,5 milhões de reais a 18.925 pessoas (6,8% do total da população); e o Benefício de Prestação Continuada para idosos, as “aposentadorias” especialmente criadas para quem viveu no campo e na informalidade, e que acumularam 21,6 milhões de reais distribuídos en-tre 4.000 pessoas (dados do IPEA).
Por último está o terceiro setor, que constitui um eixo de atividade muito representativo da dinâmica social do Araguaia Xingu. Ainda que não represen-tem uma porção significativa em termos de renda e emprego, em temos qualitativos as denominadas Organizações Não-Governamentais reúnem um conjunto de instituições e ações inovadoras de alto valor estratégico para a coesão social, geração de renda e estabelecimento de processos de desenvolvi-mento sustentável. Trabalham em busca de respos-
4 Cálculo próprio em base aos dados disponíveis no Portal da Trans-parência e das consultas realizadas com os responsáveis locais da Secretaria Especial da Saúde Indígena.
tas frente às problemáticas do modelo econômico de ocupação territorial (desmatamento, queimadas, etc.) e da pobreza, frente às necessidades da agricul-tura familiar e dos povos indígenas, etc. Este grupo é composto por associações, OSCIPs, igrejas, etc. e calcula-se que as dez principais entidades investem na região aproximadamente 10 milhões de reais por ano, destinados a trabalhos na área socioambiental (geração de renda, recuperação ambiental de rios e matas, saúde indígena, etc.).
A DINÂMICA DO CAMPO
Ainda no que diz respeito à estrutura econômica, o setor agropecuário é o segundo setor em impor-tância: produz o equivalente a 1,6 bilhões de re-ais, 40% do PIB regional (IBGE 2009). Em linhas
34 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
gerais, existe uma produção altamente concen-trada em duas cadeias de valor: a pecuária de corte e a soja. Ambas determinam 80% do PIB agrope-cuário e, geograficamente, ocupam 95% das áre-as de uso econômico. O resto da cadeia produtiva está formada pelo algodão, a mandioca, o milho, o arroz, a cana e a pecuária de leite, ocupando no seu conjunto um espaço pouco representativo da renda e do território produtivo. O setor agropecu-ário é o responsável pela maioria das exportações, as quais em 2010 somaram 700 milhões de reais ou 44% do PIB agropecuário. Nesse sentido, a econo-mia do Araguaia Xingu possui uma forte dinâmica agro-exportadora, processo que se intensificou nos últimos anos. Como explicávamos anteriormente, seu peso econômico não tem impacto direto na empregabilidade e sim na territorialidade, por ser mais intensivo no recurso terra: as atividades agro-pecuárias ocupavam em 2006 37% do território do Araguaia Xingu (dados IBGE).
A REGIÃO COMO BACIA PECUÁRIA
A pecuária é a principal cadeia produtiva em termos de valor, mão-de-obra, espaço territorial ocupado, e também a mais antiga. Desde os anos sessenta,
os diversos governos que se sucederam da ditadu-ra à democracia sempre projetaram na região uma grande bacia pecuária, que foi se estruturando com subsídios econômicos de diversa índole (isenções fiscais, créditos, venda de terras públicas, projetos de assentamento...). No entanto, apesar dos estí-mulos, cabe lembrar que o gado já se encontrava na matriz cultural do povo transumante que inicial-mente ocupou as áreas de pastagens naturais das beiras do Araguaia. Os grandes projetos agrope-cuários, entre eles a reforma agrária, demoraram quatro décadas em ocupar essas áreas e abrir outras novas na mata até formar um estoque aproximado de seis milhões de hectares de pastagens (IBGE). Os principais instrumentos utilizados para a derru-bada das florestas, sua retirada e subsequente con-versão em pastagens foram os machados, as moto-serras, a técnica do “correntão” e o fogo. A partir dos anos oitenta, o plantio de pastagens exóticas (braquiária, colonião, andropogon, etc.), a compra de animais, com a introdução de novas raças, e o estabelecimento de cercas foram os principais desti-nos dos projetos financeiros aprovados pelo Banco do Brasil com recursos públicos. A estruturação da pecuária em uma área tão vasta e com instrumen-tos de alto impacto para a ocupação de espaços
TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS DO GOVERNO FEDERAL AOS MUNICÍPIOSRegião Araguaia Xingu, comparativo 2007 – 2011. Dados do Portal da Transparência. Governo Federal
Área Valor R$ 2007 R$/Habitante Valor R$ 2011 R$/Habitante CrescimentoSaúde 43.355.562,82 163,71 71.431.312,99 251,45 65%
Assistência Social 13.697.092,48 51,72 19.881.296,98 69,98 45%
Educação 3.701.702,89 13,98 9.834.073,78 34,62 166%
Agricultura 980.549,00 3,70 1.135.875,00 4,00 16%
Organização Agrária 9.868.022,71 37,26 3.656.469,33 12,87 -63%
Comércio e Serviços 891.250,00 3,37 169.908,38 0,60 -81%
Cultura 54.988,13 0,21 75.000,00 0,26 36%
Desporto e Lazer 380.167,66 1,44 14.703,00 0,05 -96%
Encargos Especiais 108.341.526,66 409,10 149.434.690,51 526,03 38%
Transporte 8.358.864,82 31,56 4.135.904,78 14,56 -51%
Habitação 975.000,00 3,68 518.805,00 1,83 -47%
Urbanismo 3.759.660,94 14,20 4.327.553,00 15,23 15%
Segurança Pública 873.000,00 3,30 - -100%
Gestão Ambiental 148.213,00 0,56 - -100%
Ciência e Tecnologia - 333.333,34 1,17
Total Geral 95.385.601,11 737,77 264.948.926,09 932,66 36%
35Realidade e História da região do Araguaia Xingu
virgens, como o fogo, criou um enorme passivo am-biental que ainda não foi recuperado.
Hoje, 6,3 milhões de cabeças de gado (IBGE 2010) ocupam o Araguaia Xingu, 22% do rebanho bo-vino mato-grossense, destinado em sua maioria à obtenção de carne. O município com maior re-banho da região é Vila Rica, com 693.260 cabeças (IBGE 2010), quinto lugar na classificação estadu-al. Existem estruturas industriais que internalizam parte da cadeia produtiva, como os frigoríficos; o mais importante é propriedade da empresa JBS e situa-se na cidade de Barra do Garças, com uma capacidade de abate de 2.000 animais por dia e 1.500 funcionários (dados de 2011)5.
5 http://www.araguaia.net/news/?Noticia=12869
GRÁFICO 21
MUNICÍPIOS MAIS EXPORTADORES Região do Araguaia Xingu, 2010Valores em milhões de reais
GRÁFICO 20
EVOLUÇÃO DAS EXPORTAÇÕES Região do Araguaia XinguValores em milhões de reais
GRÁFICO 22
CADEIAS PRODUTIVAS DO SETOR AGROPECUÁRIO Região do Araguaia Xingu, em reais, 2007
GRÁFICO 23
CADEIAS PRODUTIVAS DO SETOR AGROPECUÁRIO Região do Araguaia XinguEm hectares, 2010
Fonte: IPEAFonte: IPEA
Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
300
250
200
150
100
50
0
Barra do Garças
Água Boa
Querência
São Félix do Araguaia
Nova Xavantina
Canarana
Santo Antônio do Leste
300 400 500 600 700 800 900
1 bilhão
200 100
02003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
55%
29%
6%3%
1%
Cana
Leite
Arroz
Milho
Demais (maioria pecuária)
Mandioca
Algodão
Soja2%
2%2%
61%
24%
2%7%
Pastagens naturais
Pastagens
Pastagens degradadas
Restante do território
Soja
Agriculturas4%2%
Para além do dinamismo econômico e dos desa-fios ambientais associados, a pecuária possui uma importante papel social no âmbito da agricultura familiar, como vetor de geração de renda e de valor patrimonial dos assentados, agricultores e mora-dores de cidades que possuem pequenas proprieda-des, graças às escassas barreiras tecnológicas ou de capital que a caracterizam. Em resumo, existe um grande desafio de harmonização do valor social e econômico da pecuária de corte e de diminuição dos passivos ambientais.
Além da produção de carne, existe um pequeno rebanho de pecuária leiteira composto por 73.000 vacas (13% do Mato Grosso) e com uma produ-ção total próxima à do milho, arroz ou mandio-ca. Sua importância como alternativa produtiva
36 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
para a agricultura familiar tem aumentado, devi-do a que, à diferença da pecuária de carne, gera uma renda diária para as famílias do campo e a necessidade de um manejo mais constante e cui-dadoso da propriedade, que já não pode ser en-tendida como um mero valor patrimonial. Apesar das estruturas de beneficiamento do leite serem um pouco mais complexas, principalmente para manter a cadeia do frio, a barreira tecnológica tem sido superada graças a pequenos investimen-tos na aquisição de resfriadores comunitários. A presença de laticínios na região permitiu que se formasse a escala necessária para viabilizar a es-truturação da cadeia.
A economia do gado ocupa aproximadamente seis milhões de hectares de pastagens, 34% do total do território do Araguaia Xingu. Dessa área, aproxi-madamente 850.000 hectares, 14% do estoque to-tal de pastagens, estariam dentro dos assentamen-tos de reforma agrária. Trata-se de uma pecuária extensiva, onde uma cabeça de gado bovino ocupa um hectare de pasto. Três quartos do total são pas-
tagens plantadas e um quarto são pastos naturais, que totalizam uma faixa de 700.000 hectares e situ-am-se principalmente nas beiras mato-grossenses dos rios Araguaia e das Mortes, nos municípios de Cocalinho, São Félix do Araguaia, Luciara, Novo Santo Antônio e Santa Terezinha.
Segundo os dados do Censo Agropecuário de 2006 as pastagens degradadas abrangem 2,5% do terri-tório Araguaia Xingu; é uma área de 436.000 hec-tares de terras de produtividade muito baixa ou nula. No entanto, segundo um cálculo mais recen-te do Instituto Mato-grossense de Economia Agro-pecuária (IMEA) essa área seria de 671.000 hecta-res em 2011 ou 3,8% do território. Trata-se de um território equivalente ao ocupado pelas lavouras de soja na região. A recuperação destas áreas tem sido apontada por entidades como a EMBRAPA como uma das políticas estratégicas mais importantes para favorecer o crescimento sustentável agrope-cuário nas regiões de fronteira da Amazônia, no intuito de conciliar crescimento e preservação, sem a abertura de novas áreas.
GRÁFICO 24
NO CABEÇAS DE BOIRegião do Araguaia Xingu, em milhões
GRÁFICO 25
EVOLUÇÃO COMPARATIVARegião do Araguaia XinguCabeças de boi, em milhões
7
6
54
3
2
1
01975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
35
30
25
20
15
10
5
0
Mato Grosso
Araguaia Xingu
Alto: frigorí�co JBS-Friboi (Barra do Garças); acima: desmatamento e pecuária (Querência).
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37Realidade e História da região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 29
NO DE VACAS ORDENHADAS Região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 26
EVOLUÇÃO DA PECUÁRIARegião do Araguaia Xingu
GRÁFICO 27
CABEÇAS DE GADO POR MUNICÍPIORegião do Araguaia Xingu, 2010
GRÁFICO 28
ÁREA OCUPADA PELAS PASTAGENSRegião do Araguaia XinguEm hectares, 2006
Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
600.000
500.000
400.000
300.000
200.000
100.000
01996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
áreas de forteexpansão
áreas de crescimentomoderado
áreas madurasou de regressão
Querência
São Félix do Araguaia
Porto Alegre do Norte
Campinápolis
São José do Xingu
Água Boa
Confresa
Cocalinho
Ribeirão Cascalheira
Região
Vila Rica
Barra do Garças
Canarana
45%9%
30%
25%
24%
13%
13%
11%
11%
11%
7%
2%
1%
-4%
6%
5%
5%
3%
3%
2%
2%
2%
1%
0%
0%
-1%
Variação 2006-2010
Média anual
0 500 1000 1500 2000 2500
Vila Rica
Demais
Água Boa
Barra do Garças
Confresa
Cocalinho
São José do Xingu
CanaranaRibeirão Cascalheira
70%
23%
7%Pastagens degradadas
Pastagens nativas
Pastagens boas
38 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MAPA 6Importância da pecuária e da agricultura
39Realidade e História da região do Araguaia Xingu
O AVANÇO DAS COMMODITIES AGRÍCOLAS
Em paralelo à atividade pecuária, há uma presen-ça crescente da agricultura de escala na região. Em 2010, havia quase um milhão de hectares destina-dos a lavouras, 5% do território e 10% das lavouras de Mato Grosso. Portanto, hoje, a região caracteri-za-se por uma grande bacia pecuária manchada por territórios agrícolas, que naturalmente continuarão crescendo, já que a agricultura consegue rendimen-tos econômicos mais expressivos do que a pecuária: ocupando quase sete vezes menos área, gera 45% do PIB agropecuário da região (IBGE 2009).
Desde uma perspectiva temporal, essa mancha agrí-cola atingiu dois picos, em 2004 e 2010, ano em que atingiu um tamanho duas vezes e meia maior que no ano 2000. A expansão agrícola avança sobre as áreas de pastagem, ocorre ao redor da BR 158, na direção sul-norte, e é incentivada pela expectativa do barateamento da comercialização. O principal fator está no desenvolvimento dos eixos de escoa-
mento com o asfaltamento da estrada e a conclusão da ferrovia norte-sul em Tocantins, que segue até o porto de Itaqui em São Luiz de Maranhão, e de lá aos principais mercados globais: China, Estados Unidos, União Europeia, Rússia, etc.
A soja é a principal lavoura, estende-se sobre aproximadamente 650.000 hectares, 80% do to-tal das áreas agrícolas da região (dados 2010). Concentra-se principalmente em quatro municí-pios (num total de vinte e cinco), que constituem o polo da soja na região: Querência, Santo Antô-nio do Leste, Canarana e Novo São Joaquim, por ordem de importância.
Em termos de renda anual, a soja gerou uma mé-dia de 540 milhões de reais nos últimos três anos, aproximadamente um terço do PIB agropecuário.
No entanto, ao contrário da pecuária, esta cadeia produtiva tem menor impacto sobre a empregabili-dade e a agricultura familiar.
36%146%
122%
105%
68%
62%
53%
51%
39%
34%
26%
11%
9%
-20%
-27%
-50%
31%
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2007-2010
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Porto Alegre do Norte
Porto Alegre do Norte
Santa Cruz do Xingu
Vila Rica
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Água Boa
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Região
Barra do Garças
Canarana
GRÁFICO 30
AVANÇO DA AGRICULTURA DE ESCALARegião do Araguaia Xingu
40 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 31
ÁREAS COLHIDAS POR CULTURARegião do Araguaia Xingu, 2006
GRÁFICO 32
ÁREAS PLANTADASEm hectares, 2010
GRÁFICO 33
EVOLUÇÃO DAS ÁREAS AGRÍCOLASRegião do Araguaia XinguEm milhares de hectares
GRÁFICO 34
EVOLUÇÃO COMPARATIVA DAS ÁREAS AGRÍCOLASRegião do Araguaia XinguEm milhões de hectares
Fonte: IPEA Fonte: IPEA
Fonte: IPEA
Fonte: IPEA
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Canarana
Novo São Joaquim
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São Félix do Araguaia
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Total área colhida soja Araguaia Xingu
Total área plantada Araguaia
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Total área colhida de soja MT
Total área plantada Araguaia
Total área plantada Araguaia
Total área colhida de soja Araguaia Xingu
Plantação, colheita e silos de soja no entorno do Parque Indígena do Xingu (MT).
© Ton Koene
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arcos Vergueiro/Secom-M
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Ton Koene
41Realidade e História da região do Araguaia Xingu
Os esforços para “limpar” as cadeias produtivas desmatadoras
Nos últimos 30 anos, a estruturação das cadeias da pecuária e da soja no Araguaia Xingu resultaram na abertura de 6 milhões de hectares
para pastos e um milhão para agricultura, criando um considerável impacto ambiental. A história se repete em outras regiões da Amazônia. Desde 1988 os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registraram anualmente o alcance desta tragédia. No ano de 2004 foi o pico do desmatamento e da produção agropecuária no Mato Grosso e na Amazônia como um todo. Em 2006, o Greenpeace publicou o relatório “Comendo a Amazônia” denunciando a relação entre a cadeia da soja e o desmatamento, colocando no foco as empresas Cargill e McDonalds. No mesmo ano, o então governador do estado de Mato Grosso, Blairo Maggi, ganhou o premio Moto Serra de Ouro com 10.348 votos. Como resultado dessas pressões, em junho de 2006, a ABIOVE - Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais e a ANEC - Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais comprometeram-se a não comercializar a soja oriunda de áreas des�orestadas no Bioma Amazônia enquanto o governo não criasse uma estrutura de governança por meio de um zoneamento econômico-ecológico (vide na página --- o processo do ZSEE do governo do Estado de MT).
Foi durante a gestão de Marina Silva (2003-2008) que o Governo começou a priorizar a luta contra o desmatamento com políticas públicas mais ousadas, iniciativa que lhe valeu inúmeras inimizades no seio da bancada ruralista e de alguns setores do governo e levou à sua demissão em 2009.
Em 2007, o documento “Desmatamento Zero” foi publicado por várias ONGs propondo um eixo de ações que visavam eliminar o desmatamento no prazo de sete anos. Nesse mesmo ano, o Governo apresentou o Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas que integrava, entre outras medidas, um objetivo de redução voluntária de emissões de carbono a través da diminuição do desmatamento em 80% até 2020. Em 2008, o Conselho Monetário Nacional adotou uma resolução segundo a qual todo o crédito rural, público ou privado, destinado à safra 2008/2009 nos 550 municípios do Bioma Amazônia seria condicionado a critérios ambientais: licença ambiental do imóvel rural, respeito à reserva legal e comprovação de que a fazenda tem Certi�cado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR) válido.
Em junho de 2009, a organização Greenpeace voltou a marcar o debate lançando o relatório “A Farra do Boi na Amazônia”, que colocou a pecuária sob os holofotes e teve grande repercussão na imprensa. Frente aos dados que comprovavam que o gado de grandes frigorí�cos como Bertin e JBS pastava em áreas de �oresta amazônica devastada, Wall Mart, Carrefour e Pão de Açúcar declararam que não comprariam mais carne destes fornecedores e marcas como Timberland, Adidas, Nike,Reebok, Hugo Boss, Gucci e Prada passaram a exigiram garantias sobre o couro dos frigorí�cos envolvidos. Desde então, algumas destas empresas formaram junto às ONGs a mesa Conexões Sustentáveis, uma iniciativa que tem o intuito de de�nir as condicionantes de compra no varejo em São Paulo. Por sua parte, o Banco Mundial declarou a suspensão do contrato de empréstimo de U$ 90 milhões que tinha com a Bertin até que a empresa mudasse a sua política em relação ao desmatamento.
Do lado governamental, em 2009 iniciou-se a operação Arco Verde, que estabeleceu a lista dos municípios com maior desmatamento e de�niu as condições que deveriam ser preenchidas para sair desta “lista negra”. Alguns municípios da região Araguaia Xingu entraram na lista: Vila Rica, Confresa, Querência – que posteriormente saiu por ter atingido os requisitos – São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista. Nestes últimos anos, o Ministério Público, em seus níveis federal e estadual, desempenhou um papel fundamental no controle e repressão das atividades geradoras de desmatamento. Dentre elas, destacam-se os Termos de Ajuste de Conduta, cuja assinatura forçou os principais frigorí�cos a enquadrar sua produção conforme os critérios legais.
A proliferação de denúncias e iniciativas de �scalização e punição levou a uma queda considerável do desmatamento na Amazônia, passando dos 27.772 km2 em 2004 aos 6.238 km2 em 2011. Nesse período, no Araguaia Xingu passou-se de 1.332 km2 a 70,6 km2. No entanto, é importante apontar que o tipo de ameaças mudou nos últimos anos: às causas antrópicas tradicionais – madeireiras, avanço da fronteira agrícola, infraestruturas – uniu-se a mudança do clima. De acordo com dados do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), se a dinâmica atual não mudar, entre 40% e 30% da �oresta atual será eliminada até 2050.
42 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
Araguaia Free!
A ameaça de construção de uma hidrovia paira sobre o Araguaia desde 1996, ano em
que o primeiro projeto foi proposto. Em 2000, a Prelazia de São Félix do Araguaia e a Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (Cebrac) organizaram em São Félix do Araguaia uma audiência popular na qual um Painel de Especialistas Independentes apresentou o resultado do estudo do EIA/RIMA (estudo de impacto ambiental) do projeto. Diante de uma platéia de aproximadamente 600 pessoas vindas de 11 municípios, os especialistas foram muito claros nas suas conclusões sobre as consequências da obra:
1IMPACTO NAS 35 ALDEIAS INDÍGENAS DAS MARGENS DO ARAGUAIA, QUE TÊM NO RIO A
SUA FONTE DE ALIMENTO E CULTURA.
2IMPACTO AMBIENTAL CONSIDERÁVEL EM RAZÃO DO ASSOREAMENTO E DA DIMINUIÇÃO
DA QUANTIDADE DE ÁGUA DOS LAGOS AO REDOR DO ARAGUAIA, ALTERANDO O CICLO REPRODUTIVO DOS PEIXES.
3ALTO CUSTO DA OBRA, PRINCIPALMENTE SE COMPARADA A OUTRAS ALTERNATIVAS.
4ALTO CUSTO DE MANUTENÇÃO DO CANAL, QUE PRECISARIA SER CONSTANTEMENTE
DRAGADO.
5APROVEITAMENTO LIMITADO DO TRANSPORTE HIDROVIÁRIO, QUE BENEFICIARIA
PRINCIPALMENTE O SETOR DA SOJA EM DETRIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR.
6IMPACTO NEGATIVO NO TECIDO ECONÔMICO, DESESTIMULANDO ATIVIDADES COM MAIOR
POTENCIAL DE CRIAÇÃO DE EMPREGO COMO O TURISMO, A PESCA, O EXTRATIVISMO, ETC.
7CONCORRÊNCIA COM OUTRAS OBRAS FEDERAIS COMO AS FERROVIAS E ESTRADAS JÁ
EM CONSTRUÇÃO.
8O PROJETO NASCEU DESLEGITIMADO PELA FALTA DE APOIO ENTRE OS HABITANTES DA
REGIÃO E PELA COMPROVAÇÃO DE INÚMERAS IRREGULARIDADES.
O principal interesse atendido pela hidrovia foi exposto em um relatório do Ministério do Meio Ambiente (relatório �nal do programa institucional para a consolidação nacional de recursos hídricos de maio 2006): “A navegação �uvial, principalmente no rio Araguaia, permitirá o escoamento de três milhões de toneladas de soja da região Centro-Oeste, a partir da construção de eclusas, dragagens e outras obras, com implantação da hidrovia em cerca de 2.000 Km da calha principal e 1.600 Km dos a�uentes (MMA e ANA, 2003)”.
Em 2010, os representantes do ruralismo no Senado propuseram um projeto de decreto legislativo para autorizar as obras da hidrovia Araguaia-Tocantins em áreas indígenas homologadas e demarcadas pela União. O processo morreu com o grito simbólico do então Ministro de Meio Ambiente Carlos Minc que gritou na frente da mídia “Araguaia Free!” – Araguaia livre dos grandes projetos.
Voadeira atravessando o Rio Araguaia.
© A
lexandre Macedo
43Realidade e História da região do Araguaia Xingu
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MAPA 7Infraestrutura da região
44 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
HISTÓRICO DE COLONIZAÇÃO
A colonização do Araguaia Xingu foi pro-movida nos anos sessenta e setenta pelos governos militares, graças a todo o ins-
trumental de apoios financeiros e institucionais (Superintendência de Desenvolvimento da Ama-zônia e a Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste) e estimulou o desenvolvimento de grandes projetos agropecuários (latifúndios) que criaram uma estrutura fundiária altamente concentrada, gerando importantes conflitos terri-toriais e trabalhistas. Símbolo regional desta con-centração, a fazenda Suia-Missú, localizada no
município de São Félix do Araguaia, acumulava 696.000 hectares de propriedade em 1962.
Nesse processo de ocupação que visava reverter o “vazio populacional” do território, enxergava-se os índios como a primeira barreira do progresso: várias etnias tiveram que abandonar suas terras an-cestrais assim como seus modos de sobrevivência.
O povo Tapirapé teve que fugir para a serra de Urubu Branco, situada entre os municípios de Confresa e Santa Terezinha, na direção do Ara-guaia, onde foram recebidos pelo pacífico povo Karajá. Nessa empreitada, foram acompanhados pelas Irmãzinhas de Jesus de Foucauld, que desde 1952 tinham optado por vivir com esse povo por meio de um forte processo de aculturação. Em 1966, os índios Xavante de Marãiwatsédé, loca-lizada numa área que hoje estaria situada entre os municípios de São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista, foram deportados em aviões da Força Aérea Brasileira para a missão salesiana de São Marcos, ao sul da região. Nas semanas seguintes
“Do Araguaia eu beboa água da liberdadee são seus braços imensosas veias que sangram fortede todos os corpos mortosna luta deste sertão”.PAULO GABRIEL BLANCO
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Estrutura fundiária como resultado de uma história de lutas e conquistas
Desmatamento realizado visando preparar o solo para pantação de soja no entorno
do Parque Indígena do Xingu, Mato Grosso.
45Realidade e História da região do Araguaia Xingu
à deportação quase metade do grupo morreu por contagio de sarampo.
Vários grupos das bacias do Tapajós e do Xingu abandonaram os seus territórios ancestrais para ir ao Parque Indígena do Xingu, constituído em 1961, procurando a sua preservação.
No entanto, a ocupação pela força não era reser-vada somente aos territórios indígenas, muitos posseiros também sofreram tentativas de expulsão das suas posses e povoados. Foi pioneira em toda a Amazônia a história de resistência dos posseiros de Santa Terezinha quando foram forçados a aban-donar suas terras pela Companhia de Desenvolvi-mento do Araguaia (fazenda Codeara) a partir do ano de 1967. O ativo e corajoso Padre Francisco Jentel alentou os posseiros na sua oposição à CO-DEARA para permanecer na terra que, segundo o estatuto da terra da época, lhes pertencia legal-mente. O desenlace do conflito ocorreu após uma escalada de ataques orquestrada pelos capangas da fazenda, que espancaram posseiros, construíram cercas fechando as saídas do povoado, destruíram o posto de saúde, entre outras tantas agressões. O povo armado de foices e espingardas repeliu o ata-que de um trator da fazenda que quis derrubar o âmbulatório que estava sendo construído. O ato teve uma enorme relevância histórica: por primei-ra vez na Amazônia, um povo de analfabetos ca-boclos, acompanhados por um padre missionário estrangeiro, contestavam o poder do latifúndio e, consequentemente, a política de ocupação dos mi-litares e, em termos gerais, a própria ditadura. O resultado daquela epopeia foi uma monumental operação de repressão. O exército se fez presente em São Félix do Araguaia, interrogou, torturou, colocou o bispo Dom Pedro Casaldáliga em ar-resto domiciliar durante vários dias. Os posseiros, obsessivamente percebidos como comunistas pe-rigosos, esconderam-se durante meses nas matas. Jentel foi condenado por ato sedicioso, preso, ex-pulso do país com a conivência do núncio do Vati-cano e morreu na França.
Histórias semelhantes enfrentaram os posseiros de Serra Nova com a fazenda Bordon S/A Agro-pecuária da Amazonia, transformada em assenta-mento em 2009, os moradores de Porto Alegre do
Norte com a Fazenda Agropecuaria Nova Amazo-nia (Frenova) e os de Pontinópolis com a fazenda Agropecuaria Suiá-Missu.
No decorrer dos anos setenta e oitenta, a região foi subjugada por uma miríade de conflitos de terra que brotavam ao redor dos grandes latifúndios. Na épo-ca, a Prelazia de São Félix do Araguaia esteve à fren-te da luta pelos direitos dos esquecidos e prejudica-dos pelas políticas de ocupação e desenvolvimento. As experiências vivenciadas pelas equipes pastorais consolidaram-se em instituições que nasceram a partir de dois movimentos importantes de canaliza-ção das ações de denuncia e de defesa dos direitos dos índios e dos camponeses: A Comissão Pastoral da Terra e o Conselho Indigenista Missionário.
Com o intuito de aliviar a pressão dos conflitos en-tre o latifúndio e os posseiros, já organizados em sindicatos, o governo militar incentivou o processo de colonização privada. Foi então quando impor-tantes contingentes populacionais deslocaram-
A primeira assembleia da Prelazia, que contou com uma grande participação do povo, realizou-se entre os dias 28 e 29 de outubro de 1972 em Pontinópolis (São Félix do Araguaia). Era um encontro de lideranças, participaram 23 pessoas. Em 1974 se realizou a primeira assembleia do povo em Santa Terezinha. Participaram 50 lideranças de Pontinópolis, Porto Alegre, Serra Nova, Santo Antonio, Barreira Amarela, Curichão, Piabanha, Cascalheira, São Félix, Santa Terezinha e Cadete. Grande parte do tempo era dedicado aos problemas enfrentados por cada um dos lugares ali representados: terra, saúde, escola e repressão.
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46 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
-se do sul para ocupar algumas áreas da região, no que hoje seriam os municípios de Canarana, Agua Boa, Vila Rica, etc. Os agricultores (colo-nos) trocavam suas terras localizadas no sul do país por terras de maior extensão no Mato Gros-so. As empresas colonizadoras, mediadoras des-sas operações, reuniam agricultores, adquiriam terras e desenvolviam projetos de colonização. Nesse período é especialmente épica a história dos habitantes do município de Tenente Portela (Rio Grande do Sul) que, liderados pelo pastor luterano Norberto Schwantes, fundaram a Coo-perativa Colonizadora 31 de Março (Copercol). Seus integrantes avaliaram que o modelo desen-volvido no Sul, baseado no minifúndio e com es-cassas alternativas econômicas, condenaria as fu-turas gerações à pobreza. Assim, empreenderam um movimento de imigração e colonização, no intuito de continuar sendo agricultores em outras regiões do país. Este processo foi mais racional e democrático se comparado a outras iniciativas da época. Com o apoio da Copercol, ocuparam as áreas que, com o passar dos anos, constituiriam dois dos municípios mais prósperos da região: Agua Boa e Canarana.
Os “gaúchos” chegaram à região melhor prepa-rados em termos de recursos tecnológicos e de acesso ao capital que os antigos posseiros, porém muito menos adaptados ao novo ambiente. Os posseiros conheciam bem a mata e o Cerrado e os seus usos, graças a um processo nômade cons-truído ao longo de anos de peregrinação e sobre-vivência. Os colonos embarcavam em aviões ou em veículos terrestres que em pouco tempo os tiravam do clima temperado das Pampas e os ar-rojavam no meio da floresta tropical. Ao chegar ao seu destino com a perspectiva de uma nova vida, enfrentavam todo tipo de penúria, viviam em vilarejos instalados em um ambiente hostil e desconhecido, no meio da mata, sem estrutura, isolados, castigados pela malária. Muitos deles não resistiam e voltavam para o Sul, e assim vá-rios projetos de colonização privada foram fa-lindo aos poucos. Os que ficaram levantaram as suas benfeitorias e cidades com muito trabalho e esforço, imprimindo uma importante pegada no Araguaia Xingu. Apesar de uma estrutura fun-diária mais justa ter resultado desse processo, houve, com o passar dos anos, um fenômeno de concentração fundiária. No entanto, essa melhor
Mural de Cerezo Barredo na igreja do morro, Santa Terezinha.
© Carlos G
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47Realidade e História da região do Araguaia Xingu
Terra manchada de sangue
Quando a Irmã Jeane chegou na região da Prelazia de São Félix do Araguaia no ano de 1983, a região de Porto Alegre do Norte
estava cercada de con�itos de terras. Os impactos locais das fazendas Frenova e Piraguassu assim como a iminente construção de duas usinas de etanol apoiadas pelo programa Pro-Álcool, Gameleira e Rio Sabino, exigiam a retirada dos posseiros do que eram, supostamente, as suas áreas. Em julho de 1981, um major acompanhado de alguns homens, que se �zeram passar por policiais federais, e o prefeito de Luciara chamaram o delegado sindical João D’Angêlica e o acusaram de invasão da propriedade da Fazenda Frenova, nas áreas denominadas Betão e Gameleira (onde hoje se situa a usina de álcool Gameleira), dando o prazo de alguns dias para que ele e outros posseiros abandonassem o local. Em resposta, os posseiros ofereceram-se para comprar a terra com a condição de que lhes fosse apresentado um documento �dedigno de propriedade e, pouco depois, com a ajuda dos agentes de pastoral da Prelazia, desmascararam os falsos policiais. No entanto, o con�ito chegou ao seu ponto álgido em 1983, quando a fazenda Frenova contratou o Sr. José Antônio de Souza, o “velho Juca”, para limpar a área de Rio Sabino que na época era ocupada pela comunidade de Quebradão. Com os seus jagunços, ocupou a casa de um posseiro, derrubou a de outro e espancou o professor Sr. Ricardo Goulart. Pior sorte tiveram o posseiro José Otacílio Cavalcanti, conhecido como Zé das Cachorras, cujo corpo nunca foi achado apesar da casa ter sido encontrada coberta de sangue, e o trabalhador da fazenda Ailton Pereira Xavier, que foi descoberto no meio do mato, morto por três tiros na cabeça, sem orelhas e sem couro cabeludo. Na mesma época, a Fazenda Piraguassu iniciou o despejo das famílias localizadas nas proximidades de Canabrava do Norte. O episódio mais violento começou quando um dos pistoleiros da fazenda chamado Martinzão despejou vários tiros num grupo de posseiros que estava reunido. Ao reagirem, matando Martinzão e retendo o motorista e o administrador da fazenda, desencadearam uma ofensiva do poder público que enviou à cidade um batalhão de trinta policiais, que entraram nas casas e espancaram pessoas indistintamente. Os posseiros foram levados à praça de Canabrava, humilhados publicamente e nove pessoas foram presas, enquanto eram pronunciados discursos en�amados contra o sindicato e a Prelazia. Nenhuma medida foi tomada em relação à morte de Ailton, ao
desaparecimento do Zé das Cachorras, à queima das casas, aos atos de agressão, que até hoje não foram investigados pela policia. Somente o administrador da Piraguassu, Sr. Lauro, passou um tempo na cadeia, onde confessou ao secretário da Delegacia Sindical que os donos das duas fazendas haviam se reunido em Cuiabá com membros do Governo.
Naquela época, Irmã Jeane já estava envolvida nos trabalhos com a Comissão Pastoral da Terra, que havia sido criada em 1975 a nível nacional e tinha na região de Porto Alegre do Norte um dos seus polos de atuação. Ela conta como, após estes incidentes, o bispo Pedro Casaldáliga chegou no cemitério onde jaziam o trabalhador e o pistoleiro e excomungou as fazendas Frenova e Piraguassu pela “sua ganância, sua prepotência, sua desumanidade”. O momento mais comovente da cerimônia foi quando Pedro chamou ao presidente do sindicato para pegar terra da cova do pistoleiro e misturar com a terra da cova do trabalhador e disse: “o pistoleiro não é o inimigo, ele é um trabalhador perdido, traidor, o verdadeiro inimigo é o latifundio”. Foi em referência a esses episódios que escreveu o seguinte poema:
Malditas sejam todas as cercas!Malditas todas as propriedades privadas que nos impedem de viver e de amar!Malditas sejam todas as leis, dispostas por umas poucas mãos para amparar cercas e bois e tornar a terra escrava e escravos os humanos!Outra é a terra nossa, homens, todos!A humana terra livre, irmãos!
(Terra nossa, liberdade. In: Águas do tempo)
Missa o�ciada por Pedro Casaldáliga na catedral de São Félix do Araguaia (MT).
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48 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
A chegada dos Colonos de
Tenente Portela em Canarana
“Eu cheguei em 11 de janeiro de 1973. Saímos de Tenente Portela e levemos 7 dias para chegar na vila Sucurí, me acampei ali 30 dias
para conhecer as terras. Me entusiasmei. A diferença com Tenente Portela era enorme, lá a gente convivia com os vizinhos, a distância de um vizinho do outro era 50/100 metros. Aqui era 6/7 quilômetros, a gente estava meio isolado. Tinha um convívio com os que chegavam, mas com quem já estava era difícil. Mas valeu a pena depois de 40 anos. Em Tenente Portela tinha pouca terra e o pastor Norberto Schwantes, ele inventou de unir mais o pessoal de lá, vender a terra
para o vizinho e procurar outras áreas, mais espaço. Foi criada a Cooperativa 31 de março. Eu me inscrevi. Ele tinha pensado mais em Mato Grosso do Sul. Foi para Dourados, mas para lá tinha 3.000 hectares disponíveis e muito caro. Ele descobriu essa gleba aqui, perto do rio Fontoura. Tinha um corretor em Barra do Garças que indicou essa terra: 40.000 hectares. Inicialmente ele �cou em dúvida, mas veio um grupo, alguns desistiram. Fizemos uma assembleia e de 400 famílias, só 81 se pronti�caram para vir aqui. Tocou 500 hectares para cada família, a um preço irrisório de 30 cruzeiros para cada um. Mas para nós custou 100, com infraestrutura, rua, estrada, projeto, agrimensor... Tudo foi �nanciado pelo Banco do Brasil pelo PROTERRA.
O doutor Orlando Rewer foi o projetista que fez o projeto aqui. Quando o projeto estava pronto foi realizado um sorteio dos lotes em uma reunião de Tenente Portela. Eu cai no lote 20. Ai que eu vim conhecer com o meu compadre, para conhecer o lote. Cravei uma estaca e �zemos um barracão, colocando a lona por cima e eu por baixo. Quando eu vim de lá (Tenente Portela) de caminhão com a mudança, uma F100, e com 14 pessoas, demoramos 7 dias. De lá para cá era só pinguela, não tinha asfalto. De Iporá até aqui levemos 3 dias, 500 quilómetros, 20/30 quilômetros por hora, tinha muito mata burro.
Em 7 anos o município de Canarana emancipou. Houve um trabalho importante, condições de criar município. Conseguimos renda, sem renda e produção era impossível criar um município. A produção de arroz era boa, depois foi a soja. Deu uma boa renda e teve condições de criar dois municípios Canarana e Agua Boa. Aqui foram feitos 17 projetos de colonização. O pessoal veio e foi gostando. O Mato Grosso expandiu muito desde então. Tudo isso se deve ao trabalho das pessoas que migraram e que trabalharam.
Em Tenente Portela já tinha área indígena na porta do município, isso ajudou para conviver com o Parque Indígena do Xingu. Temos que acolher todos. Para mim isso é natural. Sejam indígenas ou qualquer que for.
Em 2004 foi criado um Memorial. Deve ter havido umas 6.000 visitas. Pessoas da Alemanha, da Espanha, um professor da UNB... A história deve �car escrita. Para que as pessoas conheçam como começou tudo. Precisaria dar algo de mais atenção para a história de Canarana.
Nestes 40 anos, 70% trabalhei para dentro do município, para a comunidade, CTG, escola, e 30% para mim”.
Entrevista realizada por Fernanda Bellei a Augusto Dunck em 2011. Arquivo O Pioneiro. Início da cidade de Canarana.
49Realidade e História da região do Araguaia Xingu
distribuição, em relação a a outros municípios, foi essencial no surgimento de municípios mais desenvolvidos e populosos, como é o caso de Ca-narana e Agua Boa.
RETOMADA DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS
A injusta estrutura fundiária resultante da época da ditadura militar deixou como herança amplas dívidas sociais em termos de direitos de acesso à terra. Índios e pequenos lavradores tiveram que es-perar a chegada da democracia, efetivada na Cons-tituição de 1988, para conquistar novamente os direitos perdidos. Nessa etapa, destacaram-se dois processos: a retomada dos territórios indígenas e a reforma agrária.
No início dos anos 90, os índios Tapirapé recupe-raram seu território graças à homologação da TI Urubu Branco e, dessa forma, saíram do Araguaia depois de décadas de exílio. Hoje são aproxima-damente 500 indivíduos que vivem pacificamente em seis aldeias e as crianças são educadas dentro de uma proposta pedagógica Tapirapé, uma con-quista que hoje representa um pilar de sustentação de sua identidade. No entanto, a parte norte do território é ocupada ilegalmente por pecuaristas e madeireiros que usurpam ilegalmente suas terras e exploram seus recursos.
Por sua vez, os índios Xavante conseguiram o apoio da Campanha Internacional Norte-Sul, que pres-sionou a empresa petroleira italiana Agip, dona da terra, para que a devolvesse aos Xavante. Foi durante a Eco-92, (Conferencia Mundial de Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992) que o presidente da filial da Agip no Brasil reconheceu publicamente esse compromisso e, em pouco tem-po, a FUNAI iniciou o processo de identificação da terra indígena, finalmente homologada em 1998. No entanto, paralelamente, os políticos e fazendei-ros da região, com apoios de fora, estimularam um processo de ocupação ilegal desta terra por peque-nos proprietários, em sua maioria vindos de outras regiões. A ação criminosa deu lugar a um dos epi-sódios de desmatamento de terras indígenas mais devastadores de todo o Brasil. Aproximadamente 104.000 hectares de mata amazônica foram derru-bados para dar passo à pecuária e à soja. Os índios,
a pedido dos anciões que queriam realizar o sonho de ver o seu povo vivendo na terra de seus ances-trais, resolveram voltar à Marãiwatséde depois de 40 anos de exilio. Acamparam à beira da estrada de 2003 a 2004, até conseguir ocupar a Fazenda Carú, que corresponde a aproximadamente 10% do ter-ritório homologado. Hoje, a aldeia Marãiwatséde hospeda 800 pessoas. No entanto, em 2012, vinte anos depois da promessa de devolução do seu terri-tório, ainda permanecem à espera de uma ação do governo que resolva o litigio da intrusão ilegal da área e efetive a expulsão dos não-índios.
Existem atualmente 20.914 índios de 22 etnias que vivem em 16 terras indígenas, um total de 2.706.433 hectares que representam 15,3% do território do Araguaia Xingu. Situadas no estado que encabe-ça a lista dos maiores desmatadores desde que há registros, as terras indígenas são as menos desma-tadas, com 92% de seu território preservado. São ilhas de floresta em um mar de pastagens e soja. Dessa forma, os índios, que ainda são percebidos como um empecilho para a modernidade, guar-dam nas suas matas uma das chaves para o futuro da região: em um contexto de mudança do clima, nosso planeta não poderá sobreviver sem os servi-ços ambientais e econômicos prestados por essas florestas para o conjunto da população.
Aldeia indígena xavante em Marãiwatsédé. Antes do contato.
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50 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
O Resnascer do povo Tapirapé
No ano de 1914, depois de viajar 15 dias pelo Araguaia e 5 pelo rio Tapirapé, o bispo de Conceição do Araguaia, D. Domingos Carerot,
realizou, junto com outros dois padres dominicanos, o contato com os índios Tapirapé. Já haviam existido outras tentativas – infrutíferas – de contatar o grupo, como a do pesquisador alemão Frederico Krauss em 1897.
Quando chegaram à aldeia Tapirapé, em 1952, as Irmãs Genoveva, Clara e Denise, irmãzinhas de Jesus, encontraram um povo enfraquecido, de apenas 50 pessoas, refugiadas nas margens do Araguaia e fora do seu território ancestral. Hoje, existem cerca de 500 Tapirapé, em sua maioria crianças e jovens, vivendo em duas áreas demarcadas: em Majtyritãwa, próxima a Santa Terezinha, e nas aldeias Tapi´itãwa, Wiriaotãwa, Akara´ytãwa e Xapi´ikeatãwa, situadas na Terra Indígena Urubu Branco, próxima à cidade de Confresa.
O respeito às crenças, ao estilo de vida e aos costumes dos Tapirapé foi o que tornou as Irmãzinhas as principais aliadas deste povo durante todos estes anos. “Queríamos viver no meio deles o amor de Deus, que não deseja outra coisa senão que vivam e cresçam como Tapirapé” são palavras da Irmãzinha Genoveva no seu aniversário de 50 anos de vida com o povo Tapirapé. O quase extermínio dos Tapirapé ocorreu a partir de 1909, quando o grupo, composto de aproximadamente 1500 índios de acordo com os dados do antropólogo americano Charles Wagley, foi exposto às doenças trazidas pelos não-índios. Epidemias de gripe, varíola e febre amarela dizimaram suas aldeias. O outro fator da diminuição expressiva e dispersão dos Tapirapé foram as disputas com os Kayapó que viviam na região. Em 1935, o povo tinha sido reduzido a 130 pessoas, e, em 1947, apenas 59, segundo o depoimento de Herbert Baldus,
antropólogo da Universidade de São Paulo que os visitou na época. Foi nesse ano que ocorreu o grande ataque Kayapó. Aproveitando a ausência dos homens que haviam saído para caçar, a aldeia Tampi´itawa foi praticamente destruída e várias mulheres e meninas, raptadas. Os sobreviventes procuraram refúgio na fazenda de Lúcio da Luz e junto a Valentim Gomes, recém-contratado pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e que vivia próximo à barra do Tapirapé. Foi junto a esse rio que a comunidade resolveu construir a nova aldeia, em 1950, cujo processo de consolidação iniciou com a chegada das Irmãzinhas, em 1952. O trabalho intenso e engajado dessas mulheres que ofereciam assistência à saúde permitiu que, em 1959, houvesse um controle da mortalidade. Em 1968, mais fortes e unidos, os Tapirapé deram inicio à recuperação do seu território ancestral com a abertura da primeira picada demarcatória, processo que se fortaleceu graças ás viagens feitas a Brasília em 1975. Neste contexto, não podemos deixar de mencionar a considerável in�uência das Irmãzinhas na criação do CIMI – Conselho Indigenista Missionário –, que, em 1974, dois anos depois de sua fundação, participou ativamente da demarcação das terras Tapirapé. Nos anos seguintes, a demogra�a desse povo parece estar de�nitivamente assegurada: entre 1976 e 1981, nasceram 50 crianças, uma guinada histórica, e em 1979 não foi registrada nenhuma morte na aldeia.
A Funai comprometeu-se a realizar a demarcação de todas as terras Tapirapé até 1981; no entanto, o território Urubu-Branco foi demarcado bem mais tarde, em 1992. Mesmo assim, hoje a metade do território encontra-se ocupada ilegalmente por oito propriedades de não-índios e pequenos posseiros.
Liderados por Marcos-Xako’iapari, o povo Tapirapé vem desenvolvendo desde 1983 um processo de reconstrução de sua auto-estima, apropriando-se de seu direito à cidadania e a ser uma etnia diferenciada, garantindo assim a herança ancestral. Hoje, a população Tapirapé conta mais de 500 índios, dispõe de uma escola indígena estadual de ensino fundamental que é referencia no mundo indígena, e está tramitando a implantação do ensino médio. Há professores que já terminaram o terceiro grau e outros que estão frequentando o terceiro grau indígena. Apesar das interferências da língua portuguesa, os Tapirapé conservam a sua própria língua.
Adaptação da entrevista realizada com Neide Esterci por Fernanda Bellei em 2011 e completada com o Jornal Alvorada e o Diario das Irmãzinhas. Ir Genoveva e Ir. Elisabeth, Matua e Warini; voltando
de “Porto Velho” no Rio Tapirapé – 1955.
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rquivo Prelazia de São Félix do Araguaia
51Realidade e História da região do Araguaia Xingu
REFORMA AGRÁRIA
A partir dos anos oitenta e, sobretudo com a che-gada da democracia nos anos noventa, inicia-se a política de reforma agrária comandada pelo Insti-tuto Nacional de Colonização e Reforma Agraria (INCRA). Existem hoje na região 85 assentamen-tos com um potencial de 22.328 famílias assen-tadas que ocupam 8% do território do Araguaia Xingu. Entretanto, a exemplo do que ocorreu nas colônias, deu-se nos assentamentos um processo de concentração fundiária que, mesmo sendo ile-gal, forma parte da dinâmica regional.
25% dos assentados da região encontram-se em Confresa, o restante distribui-se principalmente entre Riberão Cascalheira, São Félix do Araguaia e Agua Boa. Somente os municípios de Canarana, Luciara, Santa Cruz de Xingu e Santo Antonio do Leste não têm projetos de assentamento nos seus territórios.
O resultado da reforma agrária é algo contradi-tório. Do ponto de vista social e econômico, ela tem conseguido, ainda que de forma limitada, incorporar à terra um importante contingente de população de dentro e fora da região, aliviando assim a dívida social histórica, ampliando e diver-sificando a produção local. Do ponto de vista ins-titucional, a condução da reforma pelo INCRA é marcada por longas demoras na resolução de processos e inúmeros casos de corrupção. A supe-rintendência, situada em São Félix do Araguaia, apresenta um obscuro histórico na sua atuação das últimas décadas.
Grande parte dos assentados da região do Ara-guaia Xingu não receberam os créditos moradia, dispõem de serviços sociais de menor qualidade comparado ao resto da população, os serviços de assistência técnica não chegam para muitos e, quando chegam, são intermitentes e obsoletos. Quanto às políticas públicas, há grandes entraves no acesso ao PRONAF e ao resto de políticas de apoio à produção (Programa de Aquisição de Ali-mentos, Programa Nacional de Alimentação Esco-lar, etc.), e a política de incentivo ao gado tem cria-do, por sua vez, um importante passivo ambiental que em grandes casos tem inviabilizado a sustenta-
GRÁFICO 35
PROJETOS DE ASSENTAMENTORegião do Araguaia Xingu e MT
GRÁFICO 36
FAMÍLIAS ASSENTADASRegião do Araguaia Xingu e MT, 2011
GRÁFICO 37
ASSENTADOS POR MUNICÍPIOAno 2010
GRÁFICO 38
ÁREA OCUPADA PELOS ASSENTAMENTOS Região do Araguaia Xingu
Fonte: IPEA
Fonte: IPEA
AraguaiaMato Grosso
Anos 70Anos 60 Anos 80 Anos 90 Anos 2000
271
225
41131000
5523
AraguaiaMato Grosso
Anos 70Anos 60 Anos 80 Anos 90 Anos 2000
5.271
13.311
3.746
18.427
11.60000
47.180
34.128
25%
14%
7%6%6%6%
6%
5%
4%
Confresa
Ribeirão Cascalheira
São Félix do Araguaia
Água Boa
Querência
Porto Alegre do Norte
Vila Rica
Santa Terezinha
Nova Xavantina
Araguaia Xingu
Mato Grosso
19791981
19831985
19871989
19911993
19951997
19992001
20032005
20072009
10%
8%
6%
4%
2%
0
52 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
bilidade da produção, deixando caminho livre ao arrendamento dos lotes para a produção de soja.
No Araguaia Xingu falar de agricultura familiar envolve três grupos:
1. Assentados de reforma agrária.
2. Proprietários privados de terras cuja exten-são encontra-se abaixo de 4 módulos fiscais.
3. Chacareiros que realizam uma agricultura peri-urbana.
A agricultura familiar participa amplamente das duas cadeias produtivas principais da região: gado e soja. No entanto, apresenta uma maior diversi-dade produtiva, que vai desde horta a todo tipo de frutas (plantadas ou do extrativismo), tubérculos, mel, ovos, pequenos animais, leite, etc.
Ela recebe o apoio de um conjunto de políticas públicas, a mais importante em recursos é o Pro-grama Nacional de Fortalecimento da Agricultu-ra Familiar (PRONAF) que garante o seu recur-
so do Orçamento da União e está vinculado ao Plano Safra. No Araguaia Xingu, os recursos do PRONAF beneficiaram, em 2010, 8,5% da popu-lação que vive no campo. O acesso concentra-se principalmente em alguns municípios onde a pro-dução de soja prevalece: Canarana, Querência e Novo São Joaquim.
Existem, além do PRONAF, políticas mais inci-pientes como os programas de regularização fun-diária, impulsionados pelo Mutirão Arco Verde/Terra Legal do governo federal em 2009 e que con-sistem em um conjunto de ações que visam dimi-nuir o desmatamento na periferia da Amazonia. Estes programas estão presentes nos municípios de Vila Rica, Confresa, São Félix do Araguaia, Que-rência e Alto Boa Vista.
Outros dois programas de grande potencial para a agricultura familiar são o programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimenta-ção Escolar. Estes programas procuram incentivar a produção e consumo local de alimentos dentro da escola e no âmbito dos programas sociais finan-ciados pelo governo.
João Botelho Moura, Natalice S. Moura, Placides P. Lima, Raimunda Alves Lima. PA Manah, Canabrava do Norte.
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lexandre Macedo
53Realidade e História da região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 39
EVOLUÇÃO DOS CRÉDITOS PRONAFRegião do Araguaia XinguEm milhões de reais
GRÁFICO 42
EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS PRONAF E SEUS VALORES MÉDIOSRegião do Araguaia XinguEm milhares de reais
GRÁFICOS 43
DISTRIBUIÇÃO DOS CRÉDITOS PRONAF Por municípios, em milhões de reais, 1999-2010
GRÁFICO 41
CRÉDITOS PRONAF POR MUNICÍPIO 1999-2010
GRÁFICO 40
EVOLUÇÃO DOS CRÉDITOS PRONAF Região do Araguaia XinguPor linha de crédito
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Agricultura
Pecuária
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
140
120
100
80
60
40
20
0
Valor médio por contrato
Número de contratos
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Investimento
Custeio
Comercialização
12%
8%
9%
11%
7% 8%5%
5%
5%
17%
13%Canarana
Querência
Água Boa
Novo São Joaquim
Barra do Garças
Santo Antônio do Leste
Nova Xavantina
São Félix do Araguaia
Vila Rica
São José do Xingu
Demais
200 400 600 800
Canarana
Querência
Água Boa
Novo São Joaquim
Barra do Garças
Santo Antônio do Leste
Nova Xavantina
São Félix do Araguaia
Vila Rica
São José do Xingu
Demais
Agricultura
Pecuária
200 400 600 800
Canarana
Querência
Água Boa
Novo São Joaquim
Barra do Garças
Santo Antônio do Leste
Nova Xavantina
São Félix do Araguaia
Vila Rica
São José do Xingu
Demais
Investimento
Custeio
Comercialização
Fonte: Banco Central
Fonte: Banco Central
Fonte: Banco Central
Fonte: Banco Central
Fonte: Banco Central
54 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
ESTRUTURA FUNDIÁRIA NOS DIAS DE HOJE
Nos dias de hoje, pode-se afirmar que as dívidas históricas com os índios, os camponeses e o meio ambiente foram parcialmente saldadas. A atual taxa de ocupação do território por áreas destina-das à preservação da sociobiodiversidade regional é de 28% e distribui-se entre os índios (15%), os assentamentos de reforma agrária (9 %) e as Uni-dades de Conservação (4%).
No entanto, a desigualdade na repartição da terra ainda é considerável. Chama a atenção que 22.328 assentados ocupem praticamente a mesma área que as 212 maiores fazendas da região ou que o ta-manho médio dos estabelecimentos seja o maior se comparado ao resto do Estado. Essa desigualdade na distribuição da terra ainda é um fator determi-nante na geração de conflitos de terra. Segundo a
GRÁFICO 45
ESTRUTURA FUNDIÁRIARegião do Araguaia Xingu, 2011
GRÁFICO 46
NÚMERO DE ESTABELECIMENTOSRegião do Araguaia Xingu, 2006
GRÁFICO 44
TAMANHO MÉDIO DOS ESTABELECIMENTOS Região do Araguaia XinguEm hectares, 2006
GRÁFICO 47
FAMÍLIAS ENVOLVIDAS EM CONFLITOS DE TERRAS*
45%
8%
4%15%
19%
9%
Assentamentos de reforma agrária
Propriedades particulares
Propriedades empresariais
Terras Indígenas
Unidades de Conservação
Outros
57%
42%
1%
Propriedades empresariais
Propriedades particulares
Assentamentos de reforma agrária
Fonte: IBGE e ISA
Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
Assentamentos de reforma agrária
Propriedadesparticulares
Propriedadesempresariais
68.8
59.7
483.
3
343.
2
6.67
8,80
3.62
2,60
Mato Grosso
Araguaia Xingu
Fonte: CPT
14.00012.00010.000
8.0006.0004.0002.000
02004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Mato Grosso
Araguaia Xingu
Comissão Pastoral da Terra no ano de 2011 regis-traram-se 23 conflitos de terra em Mato Grosso envolvendo 2.437 famílias. Na região havia quatro grandes conflitos envolvendo 716 famílias.
Há atualmente um novo processo de ocupação ter-ritorial em gestação vinculado à expansão acele-rada do agronegócio. A este elemento aliam-se a especulação e o consequente acréscimo do valor da terra, que encoraja os agricultores familiares a vender e abandonar a sua terra, resultando assim numa maior concentração fundiária.
* Só foram disponibilizados dados da região do Araguaia Xingu a partir de 2010
55Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MAPA 8 Agricultura familiar
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Querência
Santa Cruz do Xingu
São José do XinguPorto Alegre do Norte
Santa Terezinha
Confresa
Vila Rica
Luciara
Canabrava do Norte
São Félix do Araguaia
Alto Boa Vista
Serra NovaDourada Novo Santo
AntônioBom Jesus do Araguaia
Canarana
Ribeirão Cascalheira
CocalinhoNova Nazaré
Água Boa
Nova Xavantina
Campinápolis
Santo Antôniodo Leste
Novo São Joaquim
Araguaiana
Barra do Garças
0 5025
Km
±
Legenda
Data da Criação do PA
Limite Municipal
Famílias Assentadas até 2010
Bacia Hidrográfica do Rio Xingu
Bacia Hidrográfica do Rio Araguaia
Cerrado
Amazônia
20.001 - 51.000!.
10.001 - 20.000!.5.001 - 10.000!.2.501 - 5.000!.
1 - 2.500!.
Divisão dos Biomas:Amazônia e Cerrado
Limite de Bacia Hidrográfica
Limite Estadual
sem informação
1980 - 1989
1990 - 1999
2000 - 2009
Assentamentos
Região do Araguaia Xingu
Lim
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LocalidadeNº de famílias assentadas até 2010
Brasil 922.707Mato Grosso 101.335Região do Araguaia Xingu 22.328
56 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
A tentativa de ordenamento territorial que não deu certo
Depois de uma história marcada pelos con�itos fundiários e desmatamento surgiu uma tentativa de criar um
modelo de ocupação e ordenamento territorial mais moderno e democrático. O denominado Zoneamento Socioeconômico Ecológico (ZSEE) foi proposto como um instrumento para o planejamento estratégico no estado de Mato Grosso e em outros estados da Amazônia Legal. Ele é instrumento técnico e político direcionado ao ordenamento do espaço geográ�co e ao disciplinamento do uso de seus recursos naturais, indicando diretrizes de fomento, controle, recuperação e manejo desses recursos, e estabelecendo diferentes categorias de intervenção no território. No estado de Mato Grosso, pesquisadores e especialistas realizaram diversos estudos, ao longo de 20 anos, que identi�caram as potencialidades e vulnerabilidades do território, dividido em doze regiões de planejamento, para construir uma proposta viável que atendesse sua realidade econômica e socioambiental, superando assim o histórico de con�itos fundiários e de destruição ambiental decorrente da ocupação desordenada.
As pesquisas realizadas se tornaram projeto de Lei (nº 273/2008), que instituía a Política de Planejamento e Ordenamento Territorial do Estado de Mato Grosso, mais conhecido como Zoneamento Sócio Econômico Ecológico – ZSEE. Em abril de 2008 foi encaminhado pelo governo do estado à Assembleia Legislativa. Posteriormente foram realizadas quinze audiências públicas ao longo da geogra�a mato-grossense. Nas audiências houve uma grande participação de movimentos e organizações da sociedade civil, que apresentaram propostas técnicas e populares de demandas de ordenamento territorial. Em Vila Rica índios, assentados e ribeirinhos organizados ao redor da Articulação Xingu Araguaia elaboraram documentos que recolhiam as principais reivindicações sociais e ambientais. Estes foram protocolados de maneira simbólica por uma índia Xavante e pela �lha de um posseiro de Serra Nova. No entanto o clima das audiências foi de bastante hostilidade devido ao clima de medo e desinformação provocado pela FAMATO
que fez questão de mostrar como o ZSEE ia inviabilizar o desenvolvimento do estado com consequências drásticas sobre o emprego e a riqueza da população.
Depois da proposta técnica, o projeto de lei e as audiências públicas, o relator do projeto, o petista Alexander César elaborou o chamado substitutivo 2, como resultado �nal do processo técnico e democrático. Porém, no dia 30 de março de 2009, deputados estaduais aprovaram uma proposta que apresentava claras divergências em relação ao que tinha sido debatido durante as audiências públicas e sugerido pelos estudos; era o Substitutivo Integral n° 3, apresentado pelas Lideranças Partidárias. O chamado substitutivo 2, foi um estudo decorrente de uma consultoria de seis meses encarregada a um especialista em zootecnia. Para quem conhece a história do estado das últimas décadas com povos indígenas extintos, milhares de pessoas mortas em con�itos fundiários, pobreza e isolamento de várias áreas, concentração fundiária como não existe em outro lugar do planeta e 132.000 quilómetros quadrados de desmatamento acumulado, a ação dos parlamentares apareceu como um ato grosseiro.
Sobre os conteúdos concretos do substitutivo 3 diversos setores da sociedade mato-grossense apontaram graves falhas técnicas, legais e sociais no documento. Dentre os problemas de maior destaque estavam a eliminação das terras indígenas, a redução de áreas destinadas à conservação e à proteção de recursos hídricos, o não-reconhecimento das áreas de agricultura familiar e a expansão de zonas destinadas à agricultura e à pecuária de alto impacto. No entanto, as áreas destinadas à agricultura consolidada (agronegócio) foram aumentadas em 86%.
O zoneamento é uma lei importante para estruturar de forma sustentável as atividades econômicas no estado. No entanto, do modo como foi aprovada, poderia verdadeiramente acarretar prejuízos aos ambientes mais frágeis do estado. Infeizmente, Mato Grosso, pelo descaso e corporativismo dos seus dirigentes, perdeu uma oportunidade de superar as feridas da história e entrar na modernidade.
57Realidade e História da região do Araguaia Xingu
Plantação de soja (alto), desmatamento e queimada (acima) no entorno do Parque Indígena do Xingu (MT).
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58 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
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Patrimônio ambiental ameaçado
Queimada após derrubada ilegal próxima à cidade de São José do Xingu, Mato Grosso.
A região Araguaia Xingu é um particular ponto de encontro entre os biomas do Cerrado e da Amazônia no qual nascem
seis tipos de regiões fitoecológicas, que vão desde a savana até a floresta ombrófila.
Os dois principais rios que lhe dão o nome delimi-tam suas fronteiras – o Araguaia, no leste, e o Xin-gu, no oeste –, sendo suas bacias alimentadas por rios importantes como o Rio das Mortes, o Xavan-tinho, o Tapirapé e o Beleza na bacia do Araguaia e os rios Culuene e o Suiá-Missú na bacia do Xingu.
Esse farto patrimônio ambiental da região, compos-to de florestas, água e fauna está sendo gravemente ameaçado pelo modelo de ocupação territorial pra-ticado nas últimas décadas. De acordo com o Ins-tituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a taxa de desmatamento acumulada até 2010 atingia 41% da Amazônia e 33% do Cerrado. Ainda não existem da-dos sobre os diferentes níveis de degradação, além do corte raso. Porém, observações realizadas com ima-
gens de satélite mostram que as áreas degradadas pelo impacto antrópico são ainda maiores.
Calcula-se que a supressão da floresta para a aber-tura de áreas para uso econômico causou, além do impacto negativo sobre os recursos hídricos, e na biodiversidade da fauna e da flora, a emissão na atmosfera entre 350 e 400 milhões de toneladas de carbono até 2010.
No que diz respeito ao bioma amazônico e de acor-do com o Código Florestal atualmente vigente em 2011, o passivo ambiental é de quase dois milhões de hectares. Para recuperar esse patrimônio am-biental haveria que investir vários bilhões de reais aos custos atuais de restauração.
Na região Araguaia Xingu, dos quase 7,5 milhões de hectares desmatados nos dois biomas (3,1 mi-lhões na Amazônia e 3,9 milhões no Cerrado) até 2011, 84% encontra-se em propriedades de parti-culares e empresas, a maioria não cadastrada no Sistema de Licenciamento de Propriedades Rurais
59Realidade e História da região do Araguaia Xingu
(SLAPR). Somente 12% desse desmatamento é atribuível aos assentamentos, 3% às terras indíge-nas e 1% às unidades de conservação.
No entanto, ao olhar mais de perto para cada unidade territorial, percebe-se que os lotes dos assentamentos de reforma agrária apresentam os maiores passivos ambientais, com uma taxa de desmatamento de 63%; esse percentual cai para menos de 10% no caso das terras indígenas e das unidades de conservação. A preservação do patro-mônio florestal nestes territórios significa um im-portante ativo para a região que pode ser traduzido em benefícios, seja nos processos de valorização do carbono, seja nos programas de compensação dos serviços ambientais oferecidos por estas florestas. Esses processos deverão incorporar a opinião das populações desses territórios, suas necessidades coletivas, realizando um correto dimensionamen-to e estruturação das políticas públicas. Por outro lado, estas áreas de mata em pé beneficiam alguns
municípios através do ICMS ecológico. Os mu-nicípios que possuem UCs e TIs podem receber recursos arrecadados por esta figura impositiva. Este imposto tem um caráter compensatório e tem como intuito minimizar o custo de oportunidade da não exploração de uma área preservada. Muni-cípios como Novo Santo Antônio, Alto Boa Vista
GRÁFICO 49
BIOMASRegião do Araguaia Xingu
GRÁFICO 48
PORCENTAGEM DA ÁREA DESMATADARegião do Araguaia Xingu
GRÁFICO 53
AONDE ACONTECE O DESMATAMENTO Região do Araguaia XinguEm milhões de hectares
GRÁFICO 52
NÍVEL DE DESMATAMENTO DOS BIOMAS Região do Araguaia Xingu, até 2010
GRÁFICO 50
BACIAS HIDROGRÁFICASRegião do Araguaia Xingu
GRÁFICO 51
FORMAÇÕES FITOECOLÓGICASRegião do Araguaia Xingu
Fonte: ISA
Fonte: ISA
Fonte: ISA
Fonte: ISA Fonte: ISA
Fonte: ISA
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70%
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60 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
GRÁFICO 54
ÁREAS TERRITORIAIS E DESMATAMENTORegião do Araguaia XinguEm milhões de hectares
GRÁFICO 55
BACIAS E DESMATAMENTORegião do Araguaia XinguEm milhões de hectares
GRÁFICO 56
MUNICÍPIOS QUE RECEBEM ICMS ECOLÓGICODados de 2009
Outras áreas
UCs
Assentamentos
Terras Indígenas
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Amazônia restante
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Amazônia restante
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Amazônia não �oresta
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Cerrado não desmatado
Querência
Campinápolis
Santa Cruz do Xingu
Santo Antônio do Leste
Cocalinho
Alto Boa Vista
Nova Nazaré
Novo Santo Antônio
Água Boa
Bom Jesus do Araguaia
Nova Xavantina
São Félix do Araguaia
Riberião Cascalheira
Porto Alegre do Norte
Santa Terezinha
São José do Xingu
Confresa
Novo São Joaquim
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Barra do Garças
Luciara
500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000
61Realidade e História da região do Araguaia Xingu
ou Nova Nazaré recebem mais de dois milhões de reais por ano por este conceito.
Por último, é importante mencionar que houve uma queda significativa das taxas de desmatamen-to nos últimos anos, como resultado de um maior
controle governamental, bem como de uma ação dos mercados que cada vez mais recusam produtos oriundos de áreas desmatadas. No entanto, a re-dução do desmatamento por corte raso deu lugar à degradação florestal pela técnica da queimada: o fogo que assola a região anualmente, na época da seca, constitui o principal problema ambiental. Tornou-se comum ouvir o testemunho dos mora-dores mais velhos, que notam uma maior virulên-cia das secas, e ao mesmo tempo, das queimadas que surgiram inicialmente das técnicas tradicionais usadas para a renovação e limpeza de pastagens. No entanto, esta técnica tornou-se cada vez menos viável devido ao surgimento do fenômeno global da mudança climática. Neste contexto, a diminui-ção do regime de chuvas assim como o aumento da seca no período de estiagem significa riscos maio-res de descontrole das queimadas. Portanto, as políticas de reflorestamento de áreas de preserva-ção permanente nas beiras de rios e nas nascentes, além da recuperação das reservas legais são estra-tégias fundamentais, não só para mitigar os efeitos da mudança do clima, mas também para aumentar a resiliência da região na adaptação ao novo cená-rio climático e assim poder garantir melhores con-dições ambientais para a produção agropecuária das gerações futuras.
GRÁFICO 58
DESMATAMENTO BIOMA AMAZÔNICO Região do Araguaia XinguEm km2
GRÁFICO 59
NÚMERO DE FOCOS DE CALORRegião do Araguaia Xingu, por km2, 1988-2011
GRÁFICO 57
DESMATAMENTO BIOMA CERRADO Região do Araguaia XinguEm km2
GRÁFICO 60
FOCOS DE CALORPor município, 1998-2011
Fonte: Prodes
Fonte: MMA
Média88-97
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10.000,00
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14% 10%
9%
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10%
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Querência
Cocalinho
Bom Jesus do Araguaia
São Félix do Araguaia
Vila Rica
Riberião Cascalheira
Santa Terezinha
Confresa
Canarana
Outros
1.64 1.611.30 1.14 1.10 1.02 0.96 0.95 0.81
0.33 0.27 0.27 0.24
Vila Rica
Querência
Santa Cruz do Xingu
Santo Antônio do Leste
Alto Boa Vista
Água Boa
Bom Jesus do Araguaia
Porto Alegre do Norte
Santa Terezinha
Serra Nova Dourada
Canabrava do Norte
Confresa
Barra do Garças
62 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
A história da terra indígena
mais desmatada do Brasil
A Terra Indígena Marãiwatsédé está localizada entre os municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia. É
cortada, de norte a sul, pelo divisor das bacias dos rios Araguaia e Xingu, razão pela qual reúne em seu território importantes cabeceiras de a�uentes desses dois rios, em uma região de ecótono (transição) entre os domínios da Amazônia e do Cerrado, marcada por uma rica biodiversidade.
Os primeiros contatos da sociedade nacional com este grupo Xavante ocorreram, provavelmente, em meados da década de 1950. Em 1966, foram expulsos de sua terra natal e vivem, desde então, uma historia épica de sobrevivência e luta pela reconquista de sua terra, que ainda não terminou. Em 1992, grandes grupos de interesse agropecuário iniciaram na área um processo de invasão e grilagem de terra para converter a vegetação nativa em pasto e lavoura. Após o considerável esforço das lideranças para retornar a sua terra natal, a Terra Indígena Marãiwatsédé foi homologada em 11 de dezembro de 1998, com 165.241 ha., o equivalente a 40% de sua área original. Entretanto,continua sendo ilegalmente ocupada pelos não-índios. Do ponto de vista ambiental, sua situação é catastró�ca: da vegetação primária existente em 1992, que cobria 66% da área, apenas 13% estão atualmente em pé, o restante foi totalmente degradado. Aproveitando a demora de um processo judicial que se arrastou nos tribunais federais durante anos, 103.628 ha de mata e Cerrado foram derrubados ao longo de 17 anos. Hoje, apesar de ser notório seu título de Terra Indígena mais devastada da Amazônia
Legal, o desmatamento na Marãiwatsédé continua, perante a estrutura inoperante e conivente dos órgãos de �scalização do Estado.
Essa invasão criminosa, que deita suas raízes em interesses econômicos e políticos variados, tinha como objetivo estimular a entrada de posseiros na TI, buscando, com isso, impossibilitar a volta dos índios. Com o tempo, as pequenas propriedades que brotavam na mata foram dando espaço a grandes e médias fazendas, ao passo que Marãiwatsédé transformava-se na TI mais devastada da Amazônia Legal.
O ano de 1992 marcou não somente o início da invasão do território Xavante. Anos depois, o enfrentamento entre as partes envolvidas foi parar nos tribunais. Tanto a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, representando os índios, quanto os invasores, representados por seus advogados, entraram na justiça para resolver o impasse: estes com o intuito de anular o processo demarcatório legítimo da TI, aqueles, solicitando a desintrusão da terra. Os dois processos correram em paralelo e, em todas as instâncias, a Justiça brasileira reconheceu o direito dos Xavante à posse de seu território.
Atualmente, os Xavante que vivem em Marãiwatsédé somam, aproximadamente, 700 pessoas. Ocupam menos de 20% da área demarcada, o restante da TI continua sendo grilada e sistematicamente devastada. Portanto, a dívida histórica, moral e ecológica do Estado brasileiro tem com eles ainda não foi saldada.
Aldeia Marãiwatsédé, 2009.
© Carlos G
arcía Paret
63Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MAPA 9 Biomas
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AraguaianaBarra doGarças
Bacia Hidrográfica do Rio Xingu
Bacia Hidrográfica do Rio Araguaia
Biomas em Mato Grosso
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Regiões Fitoecológicas
Contato Savana - Floresta
Floresta Ombrófila
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Limite Estadual
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Contato Floresta Ombrófilacom Estacional
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Limite Municipal
Região do Araguaia Xingu
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64 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
MAPA 10 Desmatamento 2010
Querência
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São José do XinguPorto Alegre do Norte
Santa Terezinha
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São Félix do Araguaia
Alto Boa Vista
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Novo SantoAntônioBom Jesus do Araguaia
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Ribeirão Cascalheira
Cocalinho
Nova Nazaré
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Campinápolis
Santo Antôniodo Leste Novo São Joaquim
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Bacia Hidrográfica do Rio Xingu
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Limite Municipal
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Desmatamento até 2010
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65Realidade e História da região do Araguaia Xingu
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Marcelândia
Feliz Natal
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General Carneiro
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Britânia
Aruanã
Nova Crixás
Mundo Novo
Crixás
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Bonópolis
São Miguel do Araguaia
Araguaçu
Sandolândia
66 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
AS ENCRUZILHADAS DO FUTURO
Após esta longa caminhada pela história, chegamos finalmente aos dias de hoje, um cenário no qual passado e presente se tor-
nam indissociáveis para uma boa compreensão dos principais elementos que configuram a estrutura e identidade do Araguaia Xingu. À luz do processo histórico da região, uma das mais emblemáticas da periferia da Amazônia, surge uma pergunta incon-tornável: é possível identificar algumas tendências que nos permitam orientar nossa visão de futuro? Quais são as principais encruzilhadas que a socieda-de do Araguaia Xingu deverá ter em conta ao definir os diversos cenários de desenvolvimento regional?
Em primeiro lugar, acreditamos que, para responder a estas perguntas, é importante considerar que as tendências regionais caminham juntamente com os processos nacionais e internacionais. Neste sentido, a análise conduzida nos mostra claramente como o desenvolvimento da região foi fortemente condicio-nado pelo processo histórico nacional, eventos que vão desde as políticas de colonização da Amazônia por Getúlio Vargas e os governos militares até o pe-ríodo democrático e a aprovação da Constituição Federal. Mais recentemente destacam-se a globali-zação das commodities agrícolas, o surgimento de uma sociedade civil mais articulada, uma maior preocupação com o meio ambiente, principalmen-te desde a Conferência da Terra no Rio de Janeiro (1992), o conceito de desenvolvimento econômico e social que pauta as políticas públicas, o poder da bancada ruralista na política nacional e seu reflexo nas questões socioambientais etc.
A primeira tendência que identificamos é de cunho populacional. O povoamento da região deu-se em diversas levas migratórias, de diversas origens e matrizes culturais. Se bem é possível antecipar um crescimento da população, que superará os 300.000 habitantes em 2020, acreditamos que este não irá modificar as características atuais de re-gião, de baixa densidade populacional. Devido a uma estrutura econômica baseada no setor primá-rio, o Araguaia Xingu continuará sendo “terra de
bois”. Ao mesmo tempo, percebemos uma tendên-cia de concentração populacional e econômica nos municípios ao redor da BR-158 em detrimento dos municípios situados fora deste eixo.
No que diz respeito ao acesso à terra, os povos indí-genas enfrentaram e resistiram às frentes de coloni-zação; hoje continuam no processo de retomada efe-tiva dos seus territórios, tendo à frente o importante desafio de construir modelos que conciliem tradição e modernidade. A estrutura fundiária resultante da época dos latifúndios foi modificada paulatinamen-te, caminhando para uma maior equidade: atual-mente estima-se que a sócio-biodiversidade ocupa 28% do total do território (terras indígenas, assen-tamentos e unidades de conservação). No entanto, a nova onda de investimentos agropecuários previstos poderá provocar uma diminuição das pequenas pro-priedades em prol das médias e grandes proprieda-des. Para se fortalecer, a agricultura familiar deverá encontra soluções para lidar com o êxodo rural, apoiando-se em políticas públicas mais consistentes e que promovam a biodiversidade.
Na esfera econômica, a análise dos últimos 10 anos mostra que o PIB regional cresceu mais que o dobro e espera-se que esta tendência continue nos próximos anos, apoiada pelas atividades comer-ciais, as políticas públicas básicas e a economia agropecuária. Neste cenário, espera-se que os re-cursos disponíveis para a estruturação das políti-cas públicas continuem aumentando ao passo que o desenvolvimento do setor de serviços precisará encontrar maiores incentivos no que diz respeito a pontos chave como acesso ao crédito, formação e tecnologia. Entretanto, um grande desafio resi-dirá no aumento da qualidade do atendimento às demandas da população em setores básicos como saúde e educação.
Nos últimos anos, o fenômeno econômico mais ex-pressivo da região é a expansão da fronteira agríco-la de Norte a Sul da BR-158, implementada em dois eixos: o asfaltamento da estrada federal BR-158 e
67Realidade e História da região do Araguaia Xingu
a abertura do corredor Leste de exportação, com suas funções intermodais, seja pela conexão com a ferrovia Norte-Sul e Leste-Oeste, seja com a hidro-via Araguaia Tocantins. A tendência dos próximos anos será a aliança entre investimentos públicos em infraestruturas e investimentos privados, realizados por empresas nacionais e transnacionais.
Em razão deste movimento, espera-se que as duas cadeias produtivas básicas – pecuária e soja – con-tinuem crescendo, porém talvez com menos fôlego no caso da pecuária que, na década passada, pas-sou de quatro a seis milhões de cabeças de gado. Neste panorama, o desafio será atenuar a pressão desta atividade sobre o território, encontrando al-ternativas às práticas extensivas. Por sua vez, pre-vê-se que a soja continue seu ciclo expansivo ao re-dor dos municípios da BR-158. Em 2010, ocupava 650.000 hectares de área plantada.
Como já observamos, dois elementos desestabiliza-dores para a estrutura social acompanham o cres-cimento da matriz agroexportadora: seu caráter oscilante, por um lado, e por outro a concentração e inequidade de recursos que gera, tanto no que diz respeito ao acesso à terra quanto aos benefícios.
Desde a perspectiva ambiental, não se esperam grandes mudanças dada a atual saturação das áre-as da fronteira agrícola, dominância da pecuária extensiva e consequente impacto sobre os recursos naturais: desmatamento, fogo, erosão de pasta-gens, etc. devem continuar. Contudo, antecipam--se graves ameaças sobre os recursos hídricos, uma vez que serão incorporados massivamente aos pro-cessos produtivos, gerando escassez, agravada num contexto de mudanças climáticas. Neste sentido, prevemos que o planejamento dos recursos hídri-cos visando a sua conservação será um dos maiores desafios que a região deverá enfrentar.
As mudanças na estrutura econômica terão conse-quências sobre a esfera politica. É plausível pensar que o establishment agrário continuará ganhando força, e com isso, aumentará também sua capaci-dade de configurar leis e políticas que apoiem seus interesses produtivistas, em detrimento de maiores níveis de conservação ambiental ou distribuição de renda. Por outro lado, existe também uma impor-
tante evolução dos processos de educação, cons-cientização cidadã e organização do tecido social. Este movimento pode, no futuro, gerar soluções inovadoras orientadas para uma sociedade mais harmoniosa e que permita preservar o legado da imensa riqueza social e ambiental do Araguaia e do Xingu para as futuras gerações.
Neste contexto, as encruzilhadas do futuro estão colocadas esperando que se respondam algumas perguntas: quais são as alternativas existentes para que Estado, consumidores e líderes empresariais possam assumir uma cultura produtiva e consu-midora que integra um maior respeito às questões socioambientais? A expansão do modelo de agro-negócio é compatível com outros usos da terra e com a agricultura familiar? Como minimizar os impactos deste modelo? Como superar a inadim-plência dos atores no cumprimento de suas respon-sabilidades socioambientais?
Noite estrelada no rio Araguaia.
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68 Realidade e História da região do Araguaia Xingu
ANEXO ESTATÍSTICOCARACTERIZAÇÃO TERRAS INDÍGENAS REGIÃO ARAGUAIA XINGU
Povos indígenas População Ano Etnia Data Homologação Situação JurídicaTI Capoto/Jarina 1,388 2010 Kayapo 25/01/1991 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Urubu Branco 573 2011 Tapirapé 08/09/1998 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Areões II - 0 Xavante 10/10/1990 Em identificação
TI Ubawawe 349 2002 Xavante 30/08/2000 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Pimentel Barbosa 1,759 2010 Xavante 20/08/1986 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Cacique Fontoura 489 2001 Karajá 14/08/2007 Declarada
TI Parabubure 3,819 2010 Xavante 29/10/1991 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Pequizal do Naruvotu 69 2003 Naruvotu 04/06/2009 Declarada
TI Areões 1,342 2010 Xavante 03/10/1996 Registrada no CRI e/ou SPU
TI São Marcos (Xavante) 2,848 2010 Xavante 05/09/1975 Registrada no CRI e/ou SPU
PI Xingu 4,829 2011 Xinguanos 25/01/1991 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Sangradouro/Volta Grande
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vante29/10/1991 Registrada no CRI e/ou SPU
TI São Domingos 164 2011 Karajá 24/12/1991 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Areões I - 0 Xavante 10/10/1990 Em identificação
TI Wawi 375 2010 Kinsêdjê 08/09/1998 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Maraiwatsede 960 2010 Xavante 11/12/1998 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Chão Preto 56 2002 Xavante 30/04/2001 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Tapirapé/Karajá 512 2011Tapirapé e
Karajá23/03/1983 Registrada no CRI e/ou SPU
TI Merure 524 2004 Bororo 11/02/1987 Registrada no CRI e/ou SPU
Fonte: ISA
69Realidade e História da região do Araguaia Xingu
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