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Reações Adversas aos Alimentos na Infância: Intolerância e Alergia Alimentar - Atualização. Adverse Food Reactions in Childhood. Food Intolerance and Food Allergy - An Update Lucia Ferro Bricks 1 Instituto da Criança Prof. Pedro de Alcântara do H. Clínicas da FMUSP Uniterrnos: Reações adversas aos alimentos; intolerância alimentar; alergia alimentar; RAST; doenças mediadas por IgE; testes cutâneos; Keywords: Adverse food reactions; food intolerance; food allergy; food challenges; skin tests; RAST; IgE - mediated diseases 1 - Médica do Instituto da Criança do H. Clínicas da FMUSP RESUMO: Neste artigo a autora discute a avaliação pediátrica de crianças com reações adversas aos alimentos e descreve os principais exames utilizados para o diagnóstico da alergia alimentar. Os exames labo- ratoriais (PRIK TEST, RAST e TESTES DE PROVO- CAÇÃO ORAL) têm menor importância para o diag- nóstico do que a habilidade do médico em diferen- ciar as diversas patologias que cursam com mani- festações clínicas idênticas às das reações adversas aos alimentos. Introdução Em todas as idades, a alimentação é considerada muito mais do que uma necessidade básica para a sobrevivência do indivíduo e da espécie, pois além de suprir os nutrientes necessários ao crescimento, desen- volvimento e manutenção de funções fisiológicas, en- volve aspectos importantes do relacionamento psicos- social. Quanto mais jovem a criança, maior a depen- dência em relação ao suprimento adequado de nutri- entes e maior o peso do envolvimento emocional rela- cionado às práticas alimentares. Portanto, é fácil com- preender que as reações adversas aos alimentos cau- sam muita angústia e preocupação e que, muitas vezes, essas reações envolvem problemas emocionais que nada tem a ver com a ingestão alimentar. Por outro lado, o enorme número de antígenos alimenta- res, a presença de aditivos e contaminantes de natureza química ou bacteriológica podem facilmente explicar a elevada freqüência de reações adversas aos alimentos. A verdadeira incidência dessas reações não é conhecida e os termos "reação adversa a alimentos", "alergia alimentar", "hipersensibilidade a alimentos" e "intolerância alimentar" têm sido utilizados de forma muitas vezes inapropriada não apenas por leigos, mas também por profissionais de saúde, por esse motivo, a Academia Americana de Alergia e Imunologia propôs as seguintes definições para as reações adver- sas aos alimentos:!5>i9 - Reação adversa aos alimentos: é um termo genérico, aplicado a qualquer reação indesejável após ingestão de um alimento normalmente tolerado pela maioria dos indivíduos. As reações adversas aos ali- mentos podem ser secundárias à alergia alimentar ou à intolerância alimentar e englobam uma ampla varie- dade de sinais e sintomas. Este termo não tem qual- quer relação com a patogênese das reações e pode ser aplicado tanto a reações causadas por mecanismos desconhecidos, como àquelas claramente associadas a processos metabólicos, farmacológicos ou imunoló- gÍCOS.!5 - Alergia alimentar ou hipersensibilidade aos alimentos: o termo alergia é utilizado quando uma substância, que não é deletéria por si mesma, provoca uma reação imune com sintomas em alguns indivíduos e alergia alimentar é um tipo de reação adversa aos ali- mentos que envolve mecanismos imunológicos, em sua maioria caracterizados por reações entre antígenos e anticorpos ou entre antígenos e linfócitos sensibi- lizados. Alergia atópica é um tipo de reação de hipersensibilidade medida por IgE. 22 É importante distinguir antigenicidade de alergeni- cidade. Antigenicidade é definida como a habilidade de uma substância se combinar de forma específica a um anticorpo produzido por um organismo previa- mente sensibilizado. O leite de vaca, por exemplo, possui numerosas frações proteicas que podem causar uma resposta imune. Essas proteínas são antigênicas,

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Reações Adversas aos Alimentos na Infância:Intolerância e Alergia Alimentar - Atualização.Adverse Food Reactions in Childhood. Food Intolerance and Food Allergy - An Update

Lucia Ferro Bricks1

Instituto da Criança Prof. Pedro de Alcântara do H. Clínicas da FMUSP

Uniterrnos: Reações adversas aos alimentos; intolerância alimentar; alergia alimentar; RAST; doenças mediadas por IgE; testes cutâneos;Keywords: Adverse food reactions; food intolerance; food allergy; food challenges; skin tests; RAST; IgE - mediated diseases

1 - Médica do Instituto da Criança do H. Clínicas da FMUSP

RESUMO:Neste artigo a autora discute a avaliação pediátricade crianças com reações adversas aos alimentos edescreve os principais exames utilizados para odiagnóstico da alergia alimentar. Os exames labo-ratoriais (PRIK TEST, RAST e TESTES DE PROVO-

CAÇÃO ORAL) têm menor importância para o diag-nóstico do que a habilidade do médico em diferen-ciar as diversas patologias que cursam com mani-festações clínicas idênticas às das reações adversasaos alimentos.

Introdução

Em todas as idades, a alimentação é consideradamuito mais do que uma necessidade básica para asobrevivência do indivíduo e da espécie, pois além desuprir os nutrientes necessários ao crescimento, desen-volvimento e manutenção de funções fisiológicas, en-volve aspectos importantes do relacionamento psicos-social. Quanto mais jovem a criança, maior a depen-dência em relação ao suprimento adequado de nutri-entes e maior o peso do envolvimento emocional rela-cionado às práticas alimentares. Portanto, é fácil com-preender que as reações adversas aos alimentos cau-sam muita angústia e preocupação e que, muitasvezes, essas reações envolvem problemas emocionaisque nada tem a ver com a ingestão alimentar. Poroutro lado, o enorme número de antígenos alimenta-res, a presença de aditivos e contaminantes denatureza química ou bacteriológica podem facilmenteexplicar a elevada freqüência de reações adversas aosalimentos. A verdadeira incidência dessas reações nãoé conhecida e os termos "reação adversa a alimentos","alergia alimentar", "hipersensibilidade a alimentos" e"intolerância alimentar" têm sido utilizados de formamuitas vezes inapropriada não apenas por leigos, mastambém por profissionais de saúde, por esse motivo,a Academia Americana de Alergia e Imunologiapropôs as seguintes definições para as reações adver-sas aos alimentos:!5>i9

- Reação adversa aos alimentos: é um termogenérico, aplicado a qualquer reação indesejável apósingestão de um alimento normalmente tolerado pelamaioria dos indivíduos. As reações adversas aos ali-mentos podem ser secundárias à alergia alimentar ouà intolerância alimentar e englobam uma ampla varie-dade de sinais e sintomas. Este termo não tem qual-quer relação com a patogênese das reações e pode seraplicado tanto a reações causadas por mecanismosdesconhecidos, como àquelas claramente associadas aprocessos metabólicos, farmacológicos ou imunoló-gÍCOS.!5

- Alergia alimentar ou hipersensibilidade aosalimentos: o termo alergia é utilizado quando umasubstância, que não é deletéria por si mesma, provocauma reação imune com sintomas em alguns indivíduose alergia alimentar é um tipo de reação adversa aos ali-mentos que envolve mecanismos imunológicos, emsua maioria caracterizados por reações entre antígenose anticorpos ou entre antígenos e linfócitos sensibi-lizados. Alergia atópica é um tipo de reação dehipersensibilidade medida por IgE.22

É importante distinguir antigenicidade de alergeni-cidade. Antigenicidade é definida como a habilidadede uma substância se combinar de forma específica aum anticorpo produzido por um organismo previa-mente sensibilizado. O leite de vaca, por exemplo,possui numerosas frações proteicas que podem causaruma resposta imune. Essas proteínas são antigênicas,

pois todas as crianças que ingerem leite de vaca apre-sentam resposta imunológica a essas frações proteicas,mensuráveis por anticorpos séricos da classe IgG. Aalergenicidade, no entanto, é caracterizada por umareação imune anormal que determina sintomas clíni-cos adversos.36

- Intolerância alimentar: é a denominação que seaplica a qualquer reação adversa aos alimentos decaráter não imunológico e que não apresente base psi-cológica, podendo ser o resultado de diversos meca-nismos etiológicos e fisiopatológicos.25

A grande maioria das reações adversas aos alimen-tos é causada por fatores não imunológicos, comocontaminação, reações farmacológicas, tóxicas, meta-bólicas, neuropsicológicas ou idiossincrásicas tratan-do-se, portanto, de intolerância alimentar e não alergiaalimentar. 6'!536 Muitas vezes as manisfetações da into-lerância alimentar são muito semelhantes às da alergiaalimentar, como é o caso dos envenenamentos por ali-mentos ricos em histamina, e nestes casos tem-se uti-lizado os termos "falsa alergia alimentar" ou "rea-ção anafilactóide".

Algumas vezes é impossível verificar a presença ouausência do envolvimento do sistema imunológico nasreações adversas aos alimentos e ainda existem muitascontrovérsias sobre a verdadeira incidência das mani-festações alérgicas aos alimentos nas diversas popu-lações. Embora a maioria das reações adversas aos ali-mentos seja devida a mecanismos não imunológicos,muitos estudos têm utilizado uma terminologia inade-quada, classificando como "alergia alimentar" casos deintolerância alimentar, x

Além disso, diversos trabalhos publicados arespeito de reações adversas aos alimentos têm sidorealizados de forma inadequada quanto ao desenhoda pesquisa, caracterização dos sinais e sintomas,número de casos e controle de fatores de erro.

Devido à grande variedade de reações adversas aosalimentos e às dificuldades no diagnóstico e tratamen-to da alergia alimentar, neste trabalho optamos portrazer ao pediatra geral uma síntese dos artigos que sereferem à abordagem clínica e laboratorial da alergiaalimentar na infância.

Alergia Alimentar na Infância

A maioria das reações aos alimentos de naturezaverdadeiramente alérgica se deve a reações dehipersensibilidade mediadas por IgE, mas os conheci-

mentos sobre a patogênese da alergia alimentar aindasão incompletos.19 As manifestações clínicas da alergiaalimentar dependem do órgão afetado, sendo maiscomuns os sintomas gastrointestinais, respiratórios ecutâneos. Os sinais e sintomas variam desde reaçõeslocais, como edema e prurido em lábios, náuseas,vômitos, diarréia, eczema e urticaria, até manifestaçõessistêmicas graves de caráter anafilático.5¿

Incidência e Prevalência da Alergia Alimentar:

É muito difícil estabelecer a verdadeira incidência eprevalência de alergia alimentar pois, infelizmente, atéo momento não existe nenhum método simples eobjetivo para a confirmação da alergia alimentar.Existe uma grande variedade de sinais e sintomasassociados à alergia e diversos testes laboratoriais têmsido propostos para avaliação deste problema. Noentanto, o diagnóstico das reações alérgicas e into-lerancias aos alimentos ainda é feito em bases clínicase os testes com dupla-incógnita, envolvendo adminis-tração do alimento suspeito e placebo, ainda são con-siderados como "padrão ouro". 15>21

A percepção da alergia alimentar pelos pacientes émuito diferente dos resultados obtidos por investi-gadores com testes alimentares, tanto em freqüência,como em relação aos principais alimentos alergênicos.Altman et ai.1 referem que, entre 3943 pessoas entre-vistadas, os alimentos mais relacionados a reaçõesalérgicas foram: leite de vaca (29,3%); peixe e produ-tos do mar (21%); vegetais (19,7%); frutas (19,7%) echocolate (11%). A alergia ao amendoim, embora sejamuito comum nos EUA, foi relatada por apenas 5,5%dos indivíduos entrevistados. Esta percepção sobre asmanifestações alérgicas aos alimentos que não é con-firmada por testes experimentais duplo-cegos tem sidodenominada "falsa alergia alimentar".

A incidência de reações graves ou fatais aos ali-mentos também não é conhecida, pois não existe umcódigo específico para "reação anafilática aos alimen-tos". Bock & Dorion4 realizaram um estudo prospecti-vo durante dois anos no Colorado (EUA) e identi-ficaram 25 indivíduos (2 a 71 anos) com reaçõesgraves aos alimentos, estimando que essas reaçõesocorram em l / 264.000 pessoas / ano. O amendoimfoi responsável por 1/3 das reações.

Sabe-se que em crianças existe uma maior freqüên-cia de reações aos alimentos (10%) do que em adultos(3%)21 e que as crianças mais jovens, particularmente

aquelas com menos de um ano de idade, apresentammaior incidência tanto da alergia alimentar do tiposensibilidade imediata, como de outras intoleranciasalimentares com provável patogênese imunológica.Praticamente todos os casos de enteropatia associadaàs proteínas do leite de vaca surgem durante o pri-meiro ano de vida.1?

A maioria dos relatos publicados não diferencia aalergia alimentar da intolerância aos alimentos, sendoimpossível determinar a verdadeira prevalência daalergia alimentar. Tanto do ponto de vista clínicocomo patogênico, alergia e intolerância alimentar sãodiferentes, mas ambas apresentam maior incidêncianos três primeiros anos de vida, diminuindo com aidade. No primeiro ano de vida a prevalência de aler-gia e/ou intolerância alimentar é de 15 a 25%, masquando checadas por testes duplo-cegos, só são con-firmadas em 5%. A maioria se resolve espontanea-mente.39

Segundo Crespo et ai.10, 48,8% das reações alérgicasaos alimentos do tipo imediato surgem durante oprimeiro ano de vida; 20,4% entre 12 e 24 meses, eapenas 10,5% após os 7 anos de idade. Raramente aalergia alimentar manifesta-se pela primeira vez emindivíduos adultos e a história natural da alergiademonstra que muitos alimentos inicialmente sensibi-lizantes para crianças passam a ser tolerados maistarde.!9

Alimentos mais Associados a ManifestaçõesAlérgicas:

Mais de 90% das reações alérgicas comprovadaspor trocas duplo-cegas, são causadas por poucos ali-mentos: leite, ovos, legumes; trigo e nozes. Menos fre-qüentemente temos as reações a peixes e comida domar, seguidas por reações a frutas cítricas, melões,tomates, aipo, arroz, maçãs e milho, entre outros.39

Crespo et ai.10 estudando 525 reações alérgicas dotipo imediato (mediadas por IgE) em 355 crianças,encontraram que 23,2% eram sensíveis ao ovo; 20,6%a peixe; 16,6% ao leite de vaca; 14,1% a frutas; 12,8%a legumes. Leite, ovos e peixe são responsáveis por60% das manifestações alérgicas mediadas por IgE emcrianças. Quanto à idade de início das manifestaçõesclínicas, os mesmos autores observaram que 75% dascrianças alérgicas ao leite de vaca apresentaram mani-festações clínicas nos 6 primeiros meses de vida.

Qualquer tipo de alimento pode determinar mani-

festações alérgicas mas, tanto o potencial alergênicointrínseco, quanto o consumo podem modificar a fre-qüência das manifestações alérgicas nas diferentesfaixas etárias ou grupos populacionais. Assim, o leitede vaca é o alimento mais associado a manifestaçõesalérgicas em crianças, mas ocupa o quinto lugar emadultos, seguindo-se em ordem de importância aosovos, peixes, mariscos e aipo.21

De acordo com os hábitos de consumo alimentarobservam-se diferentes incidências de manifestaçõesalérgicas aos alimentos. No Japão, por exemplo, écomum a alergia à soja, enquanto que na Suécia eFinlândia são mais freqüentes as alergias a peixe e fru-tas cítricas e nos Estados Unidos a alergia ao amen-doim.4-^

Fatores Predisponentes à Alergia:

1. idade: A maioria das reações alérgicas aos alimen-tos manifesta-se em crianças de baixa idade. A alergiaao leite de vaca afeta geralmente crianças com menosde três anos e o diagnóstico geralmente é feito antesdos dois anos, entre 6 e 18 meses.3o,3iA imaturidade da mucosa intestinal e a deficiência fi-siológica de IgA que ocorre no primeiro ano de vidaparecem ser os principais fatores associados à maiorincidência de manifestações alérgicas em lactentesjovens.223o,362. hereditariedade: A tendência a tornar-se alérgicoé herdada e a maioria dos atópicos têm parentes deprimeiro grau (pais e/ou irmãos) com sintomas seme-lhantes, mas as reações alérgicas não são limitadas aosindivíduos atópicos. 12&Savilahti et al.^o seguiram 183 crianças durante os doisprimeiros anos de vida detectando o surgimento demanifestações alérgicas em 33% das crianças comhistória familiar positiva para atopia, contra 16% nascrianças com história familiar negativa, sendo que ahereditariedade foi considerada como o fator preditivopositivo mais significativo para o surgimento de mani-festações alérgicas.Os indivíduos apresentam uma predisposição seletivapara síntese de anticorpos da classe IgE a diversosantígenos comuns. Essa produção aumentada de IgEparece estar sob controle genético e ser ligada aantígenos de histocompatibilidade do tipo HLA.393. precocidade do contato com antígenos: Certosalimentos (como leite, ovos, trigo) na presença de ima-turidade da mucosa gastrointestinal, são mais alergêni-cos, pois suas frações antigênicas são mais absorvidas.

Vários estudos têm demonstrado que as crianças ama-mentadas ao seio por períodos prolongados apresen-tam menor incidência de alergia ao leite de vaca.2233,364. potencial alergênico dos alimentos: Os alimen-tos diferem em seu potencial alergênico de acordocom diversos fatores, entre os quais salientam-se opeso molecular (geralmente entre 18.000 e 36.000 dal-tons) e a resistência ao calor e enzimas proteolíticas.Algumas substâncias de baixo peso molecular (hap-tenos) necessitam estar ligadas a carreadores para setornarem imunogênicas, como é o caso de muitos adi-tivos e do níquel.Em geral, os alérgenos de origem vegetal são ter-molábeis, perdendo seu potencial alergênico após ocozimento, enquanto que os alérgenos de origem ani-mal (exceto a albúmina da carne) são termoestáveis.O leite de vaca possui mais de 25 frações alergênicas,sendo que as 5 mais freqüentemente envolvidas emprocessos alérgicos são: soro-albumina e y-globulinabovinas (termosensíveis); a-lactoalbumina (parcial-mente sensível ao calor) e (3-lactoalbumina e caseína,que constituem 80% das proteínas do leite e são asprincipais frações alergênicas, pois resistem ao calor etambém aos processos digestivos.A alergenicidade e antigenicidade das proteínas doleite de vaca podem ser reduzidas pelas modificaçõesna estrutura das proteínas, através dos processos depasteurização e fervura ou da hidrólise enzimática uti-lizada na produção de fórmulas. As fórmulas adap-tadas para uso infantil contém 60% de proteínas dosoro e apenas 40% de caseína. Entretato apesar de seumenor potencial alergênico em relação ao leite innatura, que contém muito mais caseína, a especifici-dade das proteínas do soro do leite de vaca é total-mente diversa daquelas presentes no leite materno eos processos utilizados para modificar as proteínas doleite de vaca, embora diminuam muito a capacidadede sensibilização, não eliminam totalmente os riscosde alergia.Muito raramente, estes processos podem levar ao sur-gimento de novos epítetos antigênicos, já tendo sidodescritas reações clínicas em crianças sensibilizadasaté com fórmulas hidrolisadas.n.^is.s^5. estado imunológico da criança: Infecções eprocessos envolvendo o sistema imunológico, tanto anível local como sistêmico, costumam elevar a fre-qüência de sensibilizações secundárias, provavel-mente pela perda de integridade da mucosa intestinal,que facilita a absorção de proteínas, ou por interfe-rência na resposta imune da mucosa. Crianças com

diarréia crônica de qualquer etiología (inclusive alergiaao leite de vaca) são mais propensas a desenvolveralergia a mais de um alimento.6. deficiência de IgA: A IgA secretora é quantitativa-mente o anticorpo mais importante do trato gastroin-testinal e tem importante papel na redução da pene-tração mucosa do material antigênico ingerido.Crianças com deficiência de IgA apresentam maior fre-qüência de reações alérgicas aos alimentos.^ Existemduas subclasses de imunoglobulina A: IgA l, que pre-domina no soro e IgA 2, que predomina nas secreções.A IgA é produzida nas mucosas como um dímero e secombina com um componente secretor, recobrindo asuperfície das mucosas, como uma película anti-sépti-ca que protege o organismo contra microrganismosinvasores, impedindo sua fixação à mucosa e facilitan-do a fagocitose. A IgA secretora, além de impedir ainvasão de microrganismos, também inibe a pene-tração de macromoléculas estranhas, evitando odesenvolvimento de alergia.22'26

7. variação individual: Certamente, além dos fatoresacima citados existem outros envolvidos na gênese daalergia alimentar, pois muitos indivíduos possuemanticorpos IgE específicos contra determinados ali-mentos e não desenvolvem sintomas após contatocom os mesmos. Não se sabe porque isso ocorre eespecula-se que os alérgenos alimentares devamsuperar várias barreiras, antes de atingir os órgãosalvo, podendo ser neutralizados durante os processosdigestivos, ou bloqueados pela IgA secretora ou pelaação das células de Kupfer, que eliminam imunocom-plexos.39

Manifestações Clinicas:Existe uma ampla variedade de manifestações associ-adas à alergia alimentar, a maioria dos casos (87%) écaracterizada por reações do tipo I dependentes deIgE, também chamadas de hipersensibilidade ou dotipo imediato; as reações do tipo IV ocorrem em 9% eoutros mecanismos imunológicos também podemestar envolvidos.21

As reações do tipo I ou hipersensibilidade apresentamduas fases, melhor estudadas no aparelho respiratório(asma), mas que se acredita também possam ocorrerno sistema digestivo:1. Fase precoce: ocorre 10 a 30 minutos após aingestão do alimento ofensor e caracteriza-se porvasodilatação, edema, aumento de permeabilidadevascular, constrição de músculo liso (broncoespasmo)e produção de muco em resposta às substâncias libe-

radas pelos mastócitos. Nessa fase observa-se uma boaresposta à terapêutica com anti-histamínicos e cro-moglicato de sódio.2. Fase tardia ou inflamatoria crônica: ocorre após4 a 8 horas. Os eosinófilos, neutrófilos e linfócitoslocalizados no espaço perivascular determinamedema, eritema e hiperreatividade de vias aéreas que,nas asma, não respondem bem a anti-histamínicos ebroncodilatadores, mas apenas a corticoesteróides.0 quadro clínico da alergia alimentar é muito variado,podendo ocorrer desde reações locais, como edema eprurido em lábios, até manifestações sistêmicas graves.

1 - REAÇÕES IMEDIATAS DE CARÁTER AUTO-LIMITADO

A criança pode apresentar reações poucos minutosapós ingerir alimentos e apresentar edema de lábios,prurido; garganta, náuseas e vômitos, urticaria, exa-cerbação de eczema, bronco espasmo, diarréia oumesmo uma reação anafilática com risco de vida.LI. A síndrome da alergia oral é considerada umaforma de urticaria de contato, limitada quase queexclusivamente à orofaringe, com sintomas de início eresolução rápidos, mais associados à ingestão de fru-tas e vegetais frescos.1.2. A anafílaxia gastrointestinal manifesta-se pornáuseas, vômitos, eólicas, dor abdominal e diarréia,geralmente dentro de duas horas após a ingestão dosalimentos que determinam a hipersensibilidade media-da por IgE. Pacientes com esta síndrome geralmenteapresentam náusea e vômito após alimentação, dorabdominal, diarréia, falha no desenvolvimento ouperda de peso.L3- Urticaria e angioedema: estão entre as manifes-tações mais comuns da alergia alimentar. Os sintomasse iniciam segundos ou minutos após a ingestão dosseguintes alimentos: leite, ovos, peixes, mariscos,nozes e amendoins.1.4. Sintomas respiratórios: ocorrem dentro deminutos a duas horas após a ingestão de alérgenos, po-dendo ocorrer eritema e prurido periocular, lacrimeja-mento, rinorréia, congestão nasal e, mais raramente, hi-per reatividade brônquica. Raramente os antígenos ali-mentares agravam a asma ou rinoconjuntivite crônicas.1.5- Anafilaxia generalizada: além dos sintomascutâneos, respiratórios e gastrointestinais, o pacientepode apresentar hipotensão, colapso cardiovascular e

disritmia cardíaca. Esse quadro é mais comum em indi-víduos asmáticos e que já apresentaram reaçõesprévias ao alimento.6

H - REAÇÕES CRÔNICAS

Existem diversas manifestações crônicas associadas àalergia alimentar:n.l. Gastroenteropatia alérgica eosinofílica: podeestar associada à ingestão de proteínas do leite devaca, soja, peixe, ovos e outros alimentos. Manifesta-se com diarréia, vômitos, má absorção intestinal,eczema atópico. Geralmente desenvolve-se tambémintolerância à lactose e à biopsia existem variáveisalterações da mucosa jejunal. Esta reação pode estarassociada ou não a reações mediadas por IgEA?IL2. Colite associada à ingestão do leite de vaca:geralmente surge em lactentes jovens e caracteriza-sepor diarréia mucossanguinolenta. Com a dieta deexclusão, geralmente a criança passa a tolerar o leitede vaca após os dois anos de idade.15

A diarréia crônica por alergia alimentar é comum noprimeiro ano de vida, com incidência entre 0,6 e 1,9%.Existem duas formas:1. início agudo: nas primeiras 6 semanas de vida,com fezes aquosas, com muco e as vezes com sangue.Cólicas, vômitos persistentes, sintomas sistêmicos,como febre e distensão abdominal.Às vezes é difícil diferenciar o quadro inicial de gas-troenterite viral. Nos quadros mais tardios, é freqüenteo encontro de desnutrição, anemia, hipoproteinemia.Também são comuns os antecedentes de atopia (asma,rinite, dermatite atópica e urticaria).2. início tardio: geralmente se inicia com sintoma-tologia vaga: falha de desenvolvimento, distensãoabdominal, fezes volumosas (pode confundir comdoença celíaca). Ocorre sensibilização cruzada comsoja em 20%.?IL3- Eczema atópico: está mais associado a antígenosdo peixe e ovos do que aos antígenos do leite devaca.!5 Geralmente o quadro de eczema atópico se ini-cia na infância e está associado a asma e rinite alérgi-ca. Aproximadamente 30% das crianças com eczemaatópico apresentam sensibilidade a antígenos ali-mentares e existe acentuada melhora com dietas deexclusão. Nos casos mais graves, até 60% são sensíveisa um ou mais alimentos testados por trocas duplo-cegasA? Sampson et ai.28 indicam a pesquisa de alergia

alimentar nas crianças com dermatite atópica menoresde 7 anos que não respondem ao tratamento habitualcom anti-histamínicos e corticoesteróides tópicos, poisencontraram mais de 50% com hipersensibilidade aalimentos, especialmente ovos, leite e amendoim.

Procedimentos Diagnósticos

Os alimentos são misturas complexas de uma sériede moléculas alergênicas e, por este motivo, muitosimunologistas consideram "um milagre o fato de ohomem sobreviver à alimentação".22

Alguns leigos e médicos acreditam que qualquersintoma possa ser atribuído à alergia alimentar,incluindo vômitos, dor abdominal, alterações dohábito intestinal, enxaqueca, otite e problemas decomportamento. Outros, raramente pensam nesta eti-ología e a falta de testes diagnósticos simples, obje-tivos e reprodutíveis para confirmar a alergia alimen-tar é uma das causas destas opiniões conflitantes.

O primeiro passo para estabelecer ou excluir odiagnóstico de alergia alimentar é uma cuidadosarevisão da história, pois os sintomas da alergia ali-mentar ocorrem em várias outras entidades clínicas,como refluxo gastroesofágico, estenose pilórica, into-lerância à lactose, intolerância a glúten (doença celía-ca), entre outras. As crianças com alergia alimentarcom grande freqüência apresentam outras manifes-tações de atopia e têm pais ou irmãos atópicos.

Quando os sintomas ocorrem imediatamente apósa ingestão de algum alimento suspeito, o diagnósticoé fácil, mas quando as reações ocorrem mais tardia-mente ou quando os sintomas são crônicos, a pesquisadiagnostica é difícil e demorada.

Como os exames laboratoriais são pouco fidedig-nos para estabelecer o diagnóstico, as dietas de elimi-nação são freqüentemente utilizadas tanto para diag-nóstico como para o tratamento das alergias alimenta-res, mas antes de se introduzir uma dieta restrita, deve-se afastar outros problemas freqüentes como intole-rância à lactose, diarréia por uso de alimentos osmóti-cos, problemas psicológicos, otite média secretora easma brônquica.22

Recomenda-se que na suspeita de alergia alimentarseja feita uma anamnese detalhada e um exame físicocompleto, porém o valor da história clínica dependerádas informações do paciente. Por isso, considera-se degrande utilidade o uso de diários onde o paciente éorientado a anotar todos os alimentos consumidos

durante um período determinado e todos os sintomas.Esta avaliação feita de forma prospectiva, independeda memória do paciente e está menos sujeita a errosdo que os recordatorios.

Sempre que possível, deve-se confrontar a clínicacom testes duplo-cegos, em que se administra o ali-mento suspeito e um placebo, de forma alternada,para afastar interferências psicológicas.

Apesar da resposta às dietas de eliminação ser con-siderada como teste padrão para o diagnóstico de aler-gia alimentar, diversos estudos têm demonstrado quemenos de 50% das "reações alérgicas" aos alimentossão confirmadas por estudos de dupla-incógnita.

Para confirmação da alergia alimentar, deve haverdesaparecimento dos sintomas com exclusão do ali-mento e reaparecimento após sua introdução. Noscasos de urticaria, considera-se que deve haver umamelhora clínica de pelo menos 80%, após 3 semanasde exclusão.

Diversos testes diagnósticos têm sido propostospara avaliar o paciente com alergia alimentar. A eficá-cia dos testes depende dos seguintes fatores: sensibi-lidade, especificidade, reprodutibilidade e segurança.Além disso, também devem ser considerados con-veniência e custo.

Na prática clínica, os exames mais utilizados são ostestes cutâneos, os de provocação oral e os imunológi-cos. Alguns autores recomendam fazer biopsia antes eapós o teste de provocação oral para confirmação daalergia alimentar, utilizando critérios clínico patológi-cos. Polanco et al.25, referem que as biopsias não sãoessenciais para o diagnóstico de alergia alimentar,porque nem sempre se observa uma boa correlaçãoentre a clínica e os achados histopatológicos. Alémdisso, o quadro histológico da enteropatia por leite devaca é inespecífico, observando-se geralmente umaatrofia leve a moderada da mucosa, com maiorredução das vilosidades do que das criptas, com umaumento moderado de linfócitos intra-epiteliais, omesmo pode ser observado na enteropatia pós-enterite ocasionada por infecções por giardia, crip-tosporídios e Escherichia coli enteropatogênica.37

As dosagens de liberação de histamina, transfor-mação linfocitária, provocação sob endoscopia nãoserão discutidos neste artigo, pois são indicados ape-nas por especialistas.

1. Testes CutâneosA segurança, sensibilidade e reprodutibilidade dostestes cutâneos já foi estabelecida. Os testes cutâneos

podem ser realizados de várias formas: arranhadura,punção ou injeção intradérmica do extrato, sendoestes últimos mais sensíveis, porém com maioresriscos para o paciente.Os testes cutâneos são utilizados para verificar aresposta mediada por IgE (tipo I), que é do tipo ime-diato e ocorre dentro de 15 minutos. Pode haver umafase tardia, mediada por IgE, em indivíduos mais sen-síveis, que ocorre após 6 a 12 horas, mas que só iráocorrer em indivíduos que também apresentemresposta imediata. O fenômeno do tipo Arthus (reaçãodo tipo III) é uma resposta mediada por IgG, queocorre 6 a 8 horas após contato, não produzindoreações imediatas e a resposta alérgica do tipo IV(hipersensibilidade retardada) só se inicia várias horasapós contato (24 a 48 horas). Portanto, as reações alér-gicas do tipo III e IV não podem ser avaliadas pelostestes cutâneos (Prick Test e teste dermatológico).^Entre os testes cutâneos, o Prick Test é consideradoum bom meio para identificação ou exclusão de aler-gia alimentar mediada por IgE, quando baseado nahistória clínica. Se os sintomas são consistentes comreação alérgica mediada por IgE (anafilaxia, urticaria,asma, rinite) o Prick Test deve ser feito utilizando-seantígenos alimentares padronizados, controle positivocom histamina e controle negativo com solução salina.Para realização do teste o paciente não deve receberdrogas anti-histamínicas por pelo menos 3 a 5 diasantes da realização do teste, deve-se evitar altas con-centrações do antígeno, que produzem reaçõesinespecíficas em 16 a 50% dos indivíduos, geralmenteatribuídas ao glicerol, usado como estabilizante. Alémdisso, deve-se verificar as condições técnicas e otempo de leitura do teste, lembrando que algumasreações causadas por liberação de histamina tem picoentre 10 e 12 minutos, enquanto que as reações alér-gicas ocorrem após 15 minutos, devendo-se interpre-tar os testes sempre de forma cautelosa. 3435Considera-se o teste positivo quando se obtém umhalo eritematoso > 3 mm em relação ao controle ne-gativo. Quando o resultado é positivo, existe a possi-bilidade de que a sintomatologia realmente se deve aalergia, mas o valor preditivo positivo do teste é baixo(50%). Um resultado negativo, no entanto, é um exce-lente meio para afastar alergia alimentar mediada porIgE, quando se utilizam extratos de boa qualidade,pois o valor preditivo negativo do teste é alto (>95%).Resultados falso-negativos podem ser encontradosquando se utilizam antígenos de frutas ou vegetais,

que são muito lábeis, e quando se faz o teste em cri-anças com menos de dois anos.

2. Testes ImunolõgicosO teste imunológico mais utilizado para detecção dealergia alimentar é o radiallergosorbent test (RAST),que é considerado positivo quando > 2+, mas queapresenta maior especificidade quando > 3+. Existemdiscrepancias na literatura sobre o valor do RAST.Alguns investigadores relatam excelente sensibilidadee especificidade para o RAST, achando-o superior aostestes cutâneos, enquanto que outros consideram oRAST menos sensível que o Prick Test. Ambos ostestes apresentam alto valor preditivo negativo (82 e100%). O RAST tem a vantagem de poder ser realiza-do em indivíduos em uso de anti-histamínicos ou comproblemas dermatológicos, como dermatite generali-zada e dermografismo. Além disso, por ser realizadoin vitro, é muito seguro. Seus inconvenientes são a altaincidência de resultados falso-positivo e de falso-ne-gativos, em torno de 25%, e o alto custo.2?Isolauri et ai.16 referem que o RAST pode continuarpositivo mesmo após o indivíduo desenvolver tolerân-cia clínica ao alimento alergênico.

3. Testes de Provocação OralAté o presente os testes de provocação oral são con-siderados como padrão-ouro ou o método maisdefinitivo para o diagnóstico de alergia alimentar,devendo ser realizados experimentos duplo-cego econtrolados, para afastar os fatores de erro. A histórianão é confiável, exceto para as reações anafiláticasimediatas mais graves, mas pode auxiliar na identifi-cação dos alimentos suspeitos. O alimento a ser testa-do deve ter sido excluído da dieta por 7 a 14 diasantes do teste. Geralmente quando o problema é gas-trointestinal espera-se um tempo maior (2 a 3 meses)para a experimentação. Geralmente, indica-se a rein-trodução do alimento suspeito somente após os 6meses de idade. Quando as manifestações de alergiaocorrerem em lactentes jovens, especialmente quandoos sintomas tiverem caráter anafilático (história deurticárica aguda, choque anafilático), existe um maiorrisco em fazer testes clínicos para confirmação diag-nostica, recomendando-se aguardar para reintroduziro alimento suspeito após um ou dois anos de idade enesta situação o alimento suspeito só deve ser reintro-duzido sob rigorosa supervisão médica, usualmenteem ambiente hospitalar. A experiência do médico em

diferenciar entre as diversas doenças que se manifes-tam com sintomas semelhantes é, portanto, muito maisimportante do que qualquer teste diagnóstico in vitroou in vivo?1

Se com a exclusão do alimento suspeito os sintomasnão desaparecem, o diagnóstico de alergia alimentar émuito improvável.O uso de anti-histamínicos deve ter sido interrompidopelo menos 5 dias antes do início do teste, que deveser realizado inicialmente com doses pequenas(improváveis de causar sintomas), que devem seraumentadas a cada 15 ou 30 minutos.Como existe a possibilidade de reações de caráteranafilático, estes testes só devem ser realizados sobrigorosa vigilância médica. Raramente existem reaçõesfalso-negativas, que podem ocorrer quando se admi-nistra quantidade insuficiente do antígeno ou quandoa liofilização do antígeno alimentar altera os epítoposantigênicos. A experiência do médico em diferenciarentre as diversas doenças que se manifestam com sin-tomas semelhantes é, portanto, muito mais importantedo que qualquer teste diagnóstico in vitro ou in vivo.6

O diagnóstico presuntivo de alergia alimentar baseadoapenas na historia, testes cutâneos ou RAST não éaceitável, devendo ser confirmado pelo teste deprovocação oral, exceto em casos de anafilaxia graveapós ingestão de um alimento isolado. Sabe-se queaproximadamente 30% das crianças desenvolvem tole-rância clínica após um a dois anos com dieta deexclusão, época em que se deveria testar a perda dereatividade ao alimento alergênico.6

História Natural da Alergia Alimentar

Existem poucos estudos sobre a história natural daalergia alimentar, a maioria dos estudos prospectivos ésobre as reações ao leite de vaca. A prevalência dasreações adversas ao leite de vaca está em torno de la 3%, sendo que até os dois anos ocorre resoluçãoespontânea em 60 a 90%. A maioria dessas reaçõesnão é mediada por IgE, tratando-se de intolerância enão de alergia alimentar. Os poucos casos de verda-deira alergia alimentar geralmente levam ao surgimen-to de altos títulos de anticorpos contra as frações pro-teicas do leite de vaca, que podem ser detectados peloRAST, e nestes casos é mais difícil surgir tolerância.

Por estes motivos, recomenda-se evitar a exposiçãoprecoce a alimentos sabidamente alergênicos, espe-cialmente em crianças com antecedentes pessoais ou

familiares de atopia e recomenda-se ofertar os alimen-tos de origem animal, especialmente os mais alergêni-cos como o ovo, sempre cozidos. Os poucos casos deverdadeira alergia alimentar, levam ao desenvolvimen-to de altos títulos de anticorpos detectados pelo RAST,e parecem desenvolver tolerância mais raramente doque quando existe baixa produção de anticorpos.

Bock2, seguiu 87 crianças com alergia alimentarconfirmada por trocas duplo-cegas, e notou que entrel e 7 anos de seguimento muitas deixavam de apre-sentar reações aos alimentos testados. Quando o diag-nóstico era realizado antes dos 3 anos de idade, 44%passavam a ser tolerantes, e quando após os três anos,apenas 19% passavam a tolerar o alimento. Sampson &Mc Caskill26 estudando crianças com dermatite atópicae alergia alimentar, também notaram que muitasdesenvolviam tolerância após um a dois anos deseguimento.

Prevenção das Doenças Alérgicas na Infância

Durante a infância a acidez gástrica, a atividadeproteolítica, a produção e secreção do muco jejunal, eo sistema imunológico, tanto sistêmico como gastroin-testinal, sofrem um processo de maturação, quediminui a permeabilidade intestinal a macromoléculas.Sabe-se que todas as crianças jovens desenvolvemanticorpos do tipo preciptina após ingerirem o leite devaca e que a produção de anticorpos é tanto maiorquanto mais jovem for a criança^

Pesquisas em roedores também têm demonstradoque a exposição a antígenos ainda durante o períodopré-natal pode levar à sensibilização e que, sob certascondições, o próprio leite materno é capaz de sensibi-lizar a criança ou de causar sintomas em crianças pre-viamente sensibilizadas. A forma pela qual o indivíduose torna sensível ou tolerante aos antígenos ainda épouco conhecida, mas sabe-se que as manifestaçõesalérgicas dependem não apenas da hereditariedade,mas também de um grande número de fatores ambi-entais. 33

Portanto, estimular o aleitamento materno, evitar aexposição a antígenos durante a gravidez e a lactaçãoe retardar a introdução de alimentos sólidos são osprincipais fatores capazes de diminuir a incidência demanifestações alérgicas em populações de alto risco.22

O uso profilático de dietas hipoalergênicas, à basede soja ou de fórmulas com hidrolizados proteicos,como substitutos do leite de vaca, na impossibilidade

de manter o aleitamento materno exclusivo, ainda éobjeto de estudos e controvérsias na literatura, deven-do-se pesar cuidadosamente os riscos, benefícios ecustos destas dietas.?-8

Conclusões

Crianças com menos de 3 anos, quando apresen-tam reações adversas aos alimentos tendem a superaro problema após um período variável de tempo comdieta de exclusão, mas observa-se que a alergia ali-mentar mediada por IgE apresenta maior tendência apersistir de que a intolerância alimentar.

A alergia alimentar ainda é um problema nãoresolvido no campo das doenças alérgicas devido aoincompleto conhecimento sobre sua patogênese e ahabilidade do médico em avaliar clinicamente opaciente e diferenciar as diversas patologias quecausam sintomas semelhantes tem mais valor do quequalquer exame laboratorial na investigação de cri-anças com suspeita de alergia alimentar.

Summary: Adverse food reactions in childhood:Food intolerance and food allergy - An update

In this article the author discuss the pediatricevaluation of children with adverse food reac-tions and describes clinical approach andassays, such as SKIN TESTS (PRICK TEST), BAST,and DOUBLE-BLIND, PLACEBO CONTROLLEDFOOD CHALLENGES. It's emphasized that theskill of the physician in differentiating betweenillness persisting with similar clinical patterns isfar more important than the result of any labo-ratorial assay.

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Recebido para publicação: 22/02/1994Aceito para publicação: 30/03/1994

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIADra. Lúcia Ferro BricksInst. da Criança Prof. Pedro de Alcântarado H.C. - FMUSPAv. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647CEP 05403-000 - São Paulo - SP