reação antígeno-anticorpo e o complemento em imunohematologia

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CURSO DE IMUNOHEMATOLOGIA - 2009 Parte II: Reação Antígeno-Anticorpo e o Complemento em Imunohematologia (Compreendendo a sorologia de grupos sanguíneos) 1- Estrutura e origem dos anticorpos: A estrutura dos anticorpos humanos está, aqui, representada por moléculas de imunoglobulinas de classe IgG (monômero = 1 unidade básica) e de classe IgM (pentâmero = 5 unidades básicas). Cada unidade básica é constituída por 2 seqüências longas de aminoácidos (480 a.a.) que denominamos cadeias pesadas e 2 seqüências curtas (212 a.a.) denominadas cadeias leves. Pontes de bissulfeto ao longo das cadeias peptídicas mantêm a estrutura espacial da imunoglobulina e promovem a união entre estas cadeias, criando regiões de “dobradiças” que permitem uma certa mobilidade ao anticorpo. As seqüências peptídicas das regiões constantes das cadeias leves e pesadas (CL, CP1-CP2-CP3) constituem a fração “Fc”, comum em todos os anticorpos humanos e que pode ser reconhecida por macrófagos com receptores de “Fc”. As seqüências peptídicas das regiões variáveis das cadeias leves e pesadas (VL, VP) formam os sítios de ligação aos antígenos e são, portanto, responsáveis pela especificidade do anticorpo. A diversidade de anticorpos com diferentes especificidades, que constitui o repertório de respostas imunológicas de um indivíduo, é herdada geneticamente. Os genes que produzem as regiões variáveis (VL,VP) dos anticorpos, são codificados em segmentos que se rearranjam no DNA de precursores dos linfócitos para formar um gene completo.

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CURSO DE IMUNOHEMATOLOGIA - 2009Parte II: Reação Antígeno-Anticorpo e o Complemento em Imunohematologia(Compreendendo a sorologia de grupos sanguíneos)1- Estrutura e origem dos anticorpos:A estrutura dos anticorpos humanos está, aqui, representada por moléculas de imunoglobulinas de classe IgG (monômero = 1 unidade básica) e de classe IgM (pentâmero = 5 unidades básicas). Cada unidade básica é constituída por 2 seqüências longas de aminoácidos (480 a.a.) que denominamos cadeias pesadas e 2

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Page 1: Reação Antígeno-Anticorpo e o Complemento em Imunohematologia

CURSO DE IMUNOHEMATOLOGIA - 2009

Parte II: Reação Antígeno-Anticorpo e o Complemento em Imunohematologia

(Compreendendo a sorologia de grupos sanguíneos) 1- Estrutura e origem dos anticorpos:

A estrutura dos anticorpos humanos está, aqui, representada por moléculas de imunoglobulinas de classe IgG (monômero = 1 unidade básica) e de classe IgM (pentâmero = 5 unidades básicas). Cada unidade básica é constituída por 2 seqüências longas de aminoácidos (480 a.a.) que denominamos cadeias pesadas e 2 seqüências curtas (212 a.a.) denominadas cadeias leves. Pontes de bissulfeto ao longo das cadeias peptídicas mantêm a estrutura espacial da imunoglobulina e promovem a união entre estas cadeias, criando regiões de “dobradiças” que permitem uma certa mobilidade ao anticorpo. As seqüências peptídicas das regiões constantes das cadeias leves e pesadas (CL, CP1-CP2-CP3) constituem a fração “Fc”, comum em todos os anticorpos humanos e que pode ser reconhecida por macrófagos com receptores de “Fc”. As seqüências peptídicas das regiões variáveis das cadeias leves e pesadas (VL, VP) formam os sítios de ligação aos antígenos e são, portanto, responsáveis pela especificidade do anticorpo. A diversidade de anticorpos com diferentes especificidades, que constitui o repertório de respostas imunológicas de um indivíduo, é herdada geneticamente. Os genes que produzem as regiões variáveis (VL,VP) dos anticorpos, são codificados em segmentos que se rearranjam no DNA de precursores dos linfócitos para formar um gene completo.

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Este processo possibilita 4.000 combinações somente para produção das cadeias pesadas das IgGs humanas. Além disso, adições e deleções randômicas de bases nas regiões de ligação dos segmentos, criam uma diversidade adicional. Após a expressão dos receptores “sIg” (imunoglobulina de superfície) nos linfócitos maduros, o sistema imunitário começa a expurgar os clones “auto-reativos” (produtores de auto-anticorpos), por um mecanismo chamado “auto-tolerância”. A maior parte destes clones são deletados na medula óssea. Outros são inativados, mas não eliminados e, portanto, linfócitos auto-reativos podem permanecer na circulação linfóide periférica, mas com uma vida-média mais curta, com menor quantidade expressa de “sIg” e com menor capacidade de perceber o auto-antígeno quando a sua “sIg” é estimulada. Se por um lado, os mecanismos de eliminação ou inativação de linfócitos auto-reativos são críticos para a viabilidade de um animal, por outro lado, existem razões para acreditar que a “auto-tolerância” não pode e não deve ser perfeitamente eficiente. A capacidade de tolerância aos auto-antígenos deve estar balanceada com a capacidade de responder aos antígenos estranhos. Cada célula eliminada em benefício da “auto-tolerância” é uma que não poderá responder a um antígeno estranho potencial. Considerando que certos linfócitos auto-reativos permanecem na circulação linfóide periférica, muitas respostas imunes (proteínas estranhas, vírus) são acompanhadas de respostas auto-imunes transitórias. 2- Especificidade da reação Antígeno-Anticorpo:

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A característica básica da reação antígeno-anticorpo é a “especificidade”, que é representada por uma estreita relação de complementaridade entre as estruturas tridimensionais das duas moléculas. Esta complementaridade permite a aproximação máxima entre os sítios de ligação das moléculas de antígeno (Ag) e anticorpo (Ac). As forças de interação moleculares no complexo “Ag-Ac” não são covalentes e, embora sejam individualmente fracas, a multiplicidade das uniões leva a uma considerável energia de coesão. Forças de interação “Ag-Ac”: • Pontes de hidrogênio: existentes entre átomos eletropositivos (hidrogênio) e

átomos eletronegativos (oxigênio ou nitrogênio). • Forças eletrostáticas: representadas pela atração exercida entre dois

grupamentos de cargas opostas, por exemplo, os grupos NH3+ e COOH- nas estruturas do anticorpo e do antígeno.

• Forças de Van der Waals: ligadas ao movimento dos elétrons. Com a

aproximação máxima, as nuvens eletrônicas de antígeno e anticorpo interagem formando uma nuvem única em torno do complexo “Ag-Ac”, estabilizando-o.

• Ligações hidrofóbicas: associação de grupos hidrofóbicos não polares, de modo

que o contato com moléculas de água é minimizado. 3- Reversibilidade da reação Antígeno-Anticorpo:

As ligações não covalentes entre o anticorpo e o antígeno são dissociáveis, fornecendo-se a energia necessária ao sistema, caracterizando a reversibilidade da reação “Ag-Ac”. Essa dissociação (eluição) pode ser feita por diversos processos: calor, modificação do pH, da força iônica, solventes orgânicos, etc.

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Como se trata de uma reação bimolecular reversível, podemos aplicar a lei de ação das massas e determinarmos a constante de equilíbrio ou de afinidade na reação. Ag + Ac AgAc Se (Ag) representa a concentração antigênica (mol/l), (Ac) a concentração de anticorpos (mol/l), k e k' as constantes de associação e dissociação do complexo Ag-Ac, a aplicação da lei de ação das massas, em equilíbrio, nos permite considerar: (Ag)(Ac)k' = (AgAc)k ou (AgAc) = k = K (Ag)(Ac) k' K representa a "constante de equilíbrio de associação" do sistema e mede a estabilidade do complexo Ag-Ac ou, mais precisamente, a afinidade intrínseca do anticorpo pelo antígeno correspondente. Quanto mais elevada for a constante K, maior será a afinidade do anticorpo. 4- Termodinâmica da reação “Ag-Ac” – liberação de energia: É importante a correta compreensão da termodinâmica das reações “Ag-Ac”, pois isto facilitará muito o entendimento do conceito de anticorpos «frios e quentes» em imunohematologia. A reação antígeno-anticorpo é exotérmica, ou seja, sempre provoca uma liberação de calor, cuja variação ou entalpia (∆Hº) é mais negativa quanto mais exotérmica for a reação (quanto mais calor liberar). Usa-se o sinal negativo para simbolizar a liberação da energia. Assim um ∆Hº = -20 Kcal/mol é maior que um ∆Hº de -10 Kcal/mol, isto é, está liberando mais calor. Podemos então compreender os anticorpos "frios" e "quentes" em imunohematologia. Uma variação da entalpia, fortemente negativa, indica uma reação muito exotérmica. Em outras palavras, a combinação mol a mol do anticorpo com seu antígeno libera uma grande quantidade de calor. Nesse caso, a fixação do anticorpo sobre o antígeno é máxima em baixa temperatura (4ºC), mais fraca à 25ºC e freqüentemente nula à 37ºC (range térmico curto) e, esses anticorpos são chamados "frios". A combinação do anti-I (tipicamente frio) com seu antígeno específico, libera de -30 a -40 Kcal/mol. As aglutininas naturais do sistema ABO são, igualmente, exotérmicas e dão valores de ∆Hº variando de -2 Kcal/mol para o anti-B dos indivíduos "O" até -20 Kcal/mol para o anti-A dos indivíduos "B". São, então, anticorpos "frios". Inversamente, os anticorpos anti-RhD (tipicamente quentes) tem calor de reação (∆Hº) muito fracos e são chamados anticorpos "quentes". A variação da constante de equilíbrio de associação do sistema (K) é muito baixa em reações de 4ºC à 37ºC (range térmico amplo), sendo que a aglutinação é melhor visível à 37ºC.

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Um método de estudo da termodinâmica da combinação das hemaglutininas com seus antígenos correspondentes, foi introduzido em Imunogenética por Wurmser e colaboradores e é baseado na lei clássica de ação das massas. Por este método pode-se medir a concentração de anticorpos com maior precisão do que nas titulações clássicas por diluição. Conhecendo-se o número aproximado de hemácias presentes em suspensões de diversas concentrações, pode-se estimar o número de determinados antígenos de grupos sanguíneos (Ag). A partir da relação entre a concentração total dos anticorpos (T) que introduzimos na reação e a concentração dos anticorpos livres (L) e, contando-se o número máximo de hemácias aglutinadas pelo soro, pode-se determinar a concentração dos anticorpos fixados (Ac) pela relação (T/L). Em condições estandardizadas, demonstra-se que esse número é proporcional à concentração de anticorpos. A representação gráfica de Ac (T/L) x Ag é uma linha reta, cuja inclinação é proporcional a constante de equilíbrio de associação (K) do sistema que, como já vimos, define a afinidade do anticorpo por seu antígeno correspondente. O método pode ser utilizado para caracterizar um determinado anticorpo se utilizarmos sempre o mesmo antígeno, ou para caracterizar um antígeno se utilizarmos o mesmo anticorpo. 5- A aglutinação de eritrócitos:

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Se produzirmos certas modificações físico-químicas em suspensões de partículas de colóides ou células como eritrócitos e bactérias, estas suspensões perdem a estabilidade e os colóides ou células se aglutinam, formando grumos que chamamos “aglutinatos”. Em imunohematologia eritrocitária, o fenômeno de aglutinação das hemácias produzido pela reação de anticorpos contra antígenos de grupos sanguíneos, constitui a base de quase todas as técnicas aplicadas na “sorologia dos grupos sanguíneos”. Eventualmente, o fenômeno de hemólise pode ser a base de outras técnicas utilizadas. A aglutinação de hemácias em suspensões fisiológicas pode ocorrer por dois mecanismos básicos: específico e inespecífico. • Aglutinação específica: Sabemos que uma suspensão de hemácias em salina fisiológica (NaCl 0,85%) constitui um sistema estável, ou seja, as hemácias se mantêm a uma certa distância umas das outras. Essa estabilidade pode ser alterada pela introdução, de anticorpos específicos que se fixarão em antígenos da membrana eritrocitária, provocando a aglutinação das hemácias. De acordo com a "teoria das pontes", as moléculas de anticorpos são capazes de se fixarem sobre sítios antigênicos de células adjacentes formando pontes entre elas. A aglutinação seria observável, tão logo a rede, assim constituída, possua um tamanho importante. Veremos que esta concepção é falha e que resulta de uma simples analogia com o fenômeno de precipitação. A "teoria das pontes" é um modelo simplista do fenômeno de aglutinação de hemácias em suspensão e não permite compreender os exemplos de aglutinações inespecíficas, ou seja, na ausência de anticorpos. • Aglutinação inespecífica: Este fenômeno, chamado de “panaglutinação”, corresponde à aglutinação de hemácias normais (não sensibilizadas por anticorpos) por substâncias presentes no meio de suspensão, como: detergentes, sílica coloidal, ions metálicos, e macromoléculas (albumina, polibreno, ficol, dextran). Algumas fito-aglutininas (anti-A1, anti-H) são capazes de reagir com receptores presentes nas hemácias humanas, produzindo um fenômeno que se aproxima muito da aglutinação por anticorpos. 6- Processos físico-químicos da aglutinação (Potencial Zeta): Para compreendermos os fenômenos de hemaglutinação específica e não específica, precisamos de um modelo mais complexo, com base em processos físico-químicos, onde o fator mais importante a ser considerado é a distância média que separa as

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hemácias em suspensão. Esta distância pode ser diminuída, pela adição de anticorpos ou outras substâncias ao meio, até um ponto crítico em que a aglutinação ocorre. As hemácias comportam-se como partículas eletronegativas em estudos de migração eletroforética. Os grupos carboxílicos das sialoglicoproteinas da membrana eritrocitária são os maiores responsáveis por essa eletronegatividade. Em meio salino (NaCl 0,85%), íons positivos de sódio (Na+) são atraídos para junto das hemácias, criando uma camada dupla de cargas positivas, que gera uma forte repulsão interglobular. A nuvem de íons positivos que envolve cada hemácia, torna-se menos densa à medida que se distancia da hemácia. A diferença de potencial elétrico criada entre a camada dupla de íons positivos (Na+) próxima da hemácia e o meio com íons de sódio e cloro em equilíbrio (neutro), é chamada “Potencial Zeta”. A força de repulsão entre as hemácias, em meio salino, depende do valor do potencial zeta.

Considerando a carga elétrica da hemácia (γ), a força iônica do meio de suspensão (µ) e a constante dielétrica do meio (D), Pollack desenvolveu a seguinte expressão do potencial zeta (Z): Z = f {γ, 1/D, 1/√µ}, ou seja, a diferença de potencial zeta é uma função que varia diretamente com eletronegatividade da membrana eritrocitária (γ) e, inversamente com a constante dielétrica do meio de suspensão (D) e com a raiz quadrada da sua força iônica (√µ).

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Do ponto de vista físico-químico, a aglutinação ocorre pela agregação das hemácias (aglutinatos), quando a distância média entre elas se reduz a um valor mínimo. Esta distancia depende dos valores de duas forças antagônicas: a “tensão interfacial” (força de coesão), que tende a agregar as hemácias e a “força de repulsão”, devida aos escudos de cargas positivas criados ao redor das hemácias (cargas iguais repelem-se). Na ausência de agentes aglutinantes, a força de repulsão predomina e mantém a suspensão globular estável em meio salino.

A noção de "Potencial Zeta Crítico (Zc)" definida por Abramson, mostra que para valores elevados do potencial Zeta (em valores absolutos), as hemácias não se aglutinam, mesmo na presença de anticorpos específicos. Diminuindo-se, lentamente, o potencial Zeta do sistema, constata-se que a aglutinação ocorre em um determinado valor, que chamamos "Potencial Zeta Crítico". O potencial Zeta de um sistema pode ser modificado de duas maneiras: • Pela redução da carga elétrica da hemácia: Incluímos nesta categoria, os efeitos devidos ao tratamento das hemácias por enzimas proteolíticas, que removem fragmentos de proteínas da membrana,

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reduzindo sua eletronegatividade e ao efeito da fixação de anticorpos sobre a membrana eritrocitária. • Variação da composição do meio: São os efeitos devidos às modificações da força iônica e da constante dielétrica do sistema. A aglutinabilidade de um sistema é maior quanto mais baixo for o valor do potencial Zeta. Pollack relacionou os termos da sua expressão, de acordo com a seguinte equação:

Esta equação nos mostra que as reduções do potencial Zeta aumentam a aglutinabilidade do sistema, ou até mesmo promovem a aglutinação das hemácias em suspensão se o potencial zeta crítico (Zc) é atingido. Os valores do potencial Zeta podem baixar em três condições: • se a carga elétrica da hemácia (γ) diminui. • se a constante dielétrica (D) do sistema aumenta. • se a força iônica do meio (µ) aumenta. Tais condições são os principais parâmetros utilizados para se compreender as reações de aglutinação e os métodos de produção de aglutinações artificiais utilizados na rotina dos laboratórios de Imunohematologia, como abordaremos mais adiante. 7- O potencial zeta crítico (Zc) e as classes de anticorpos:

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Pollack explicou, em bases físico-químicas, as diferenças de comportamento dos anticorpos de classe IgG e de classe IgM na aglutinação de hemácias, quando reagem com antígenos de grupos sanguíneos. Estima-se em -15 mV, o potencial zeta de uma suspensão de hemácias RhD positivas em NaCl 0,85%. Pelo ajuste da força iônica (µ) e/ou da constante dielétrica (D) do meio de suspensão, pode-se fazer variar o valor do potencial Zeta do sistema e, mesmo na ausência de anticorpos anti-RhD, observa-se que as hemácias tendem a se aglutinar, espontaneamente, ao se atingir o potencial Zeta crítico (Zc) da ordem de -7 mV. Este valor obtido para o zeta crítico, onde uma aglutinação inespecífica das hemácias ocorre, não varia com diferentes suspensões celulares e, por isso, permite avaliar o valor da “tensão interfacial” (força de coesão) entre hemácias em suspensão salina (NaCl 0,85%). Podemos refazer os mesmos ajustes anteriores, na presença de anticorpos anti-RhD das classes IgG e IgM. Suspensões de hemácias RhD positivas foram tratadas com anticorpos anti-RhD das classes IgG e IgM e, em seguida, os valores do potencial zeta de cada suspensão foram modificados, para se determinar o potencial Zeta crítico (Zc) de cada sistema. O valor do zeta crítico (Zc) para as suspensões tratadas com anti-RhD de classe IgM, é da ordem de -18 a -23 mV, enquanto aquelas tratadas com anti-RhD de classe IgG, é da ordem de -8 a -10 mV. Como o potencial Zeta crítico (Zc) da suspensão de hemácias sensibilizadas por anticorpos anti-RhD (IgM) é superior, em valor absoluto, ao da própria suspensão em NaCl 0,85%, estes anticorpos são ditos “aglutinantes”. Ao contrário, o potencial Zeta crítico (Zc) na presença de anticorpos anti-RhD de classe IgG, sendo inferior ao da suspensão em NaCl 0,85%, não ocorre aglutinação das hemácias e estes anticorpos são ditos “não aglutinantes”. A vantagem das moléculas de IgM sobre as de IgG está ligada ao seu peso molecular e à sua estrutura pentamérica, melhor adaptada à função aglutinante. 8- Influência dos antígenos na aglutinação das hemácias:

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A aglutinação das hemácias, em uma suspensão, não está relacionada apenas com as classes dos anticorpos, mas também, com o número e localização dos sítios antigênicos. Anticorpos anti-A de classe IgM, por exemplo, aglutinam hemácias A1 ou A2 em suspensão de NaCl à 0,85%, mas não aglutinam hemácias Am. Da mesma maneira, anticorpos anti-RhD, de classe IgG, não aglutinam hemácias RhD positivas em suspensão de NaCl à 0,85%, mas aglutinam hemácias do fenótipo D--/D-- (variante rara do sistema Rh). O número de sítios antigênicos é responsável pelas diferenças de comportamentos dos anticorpos anti-A e anti-RhD em presença de hemácias Am e D--/D--, respectivamente. As hemácias Am possuem um número de sítios antigênicos "A" da ordem de 1.000 receptores por membrana, enquanto que as hemácias A1 possuem cerca de 1.000.000. Os fenótipos RhD mais comuns possuem entre 10.000 a 30.000 sítios por membrana, enquanto o fenótipo D--/D-- possui cerca de 100.000. Existe uma relação clara entre aglutinabilidade das hemácias e o número de sítios antigênicos presentes na membrana. Existe um número crítico de antígenos para se produzir a aglutinação, cujo valor depende do sistema de grupos sanguíneos em questão e das condições experimentais. No sistema ABO, o número crítico de antígenos "A" é da ordem de 2 a 3.000 receptores por célula, o que explica o fato de não observarmos aglutinações diretas com as hemácias "Am". A localização dos antígenos na membrana eritrocitária é outro fator importante na reação de aglutinação. Os antígenos podem estar total ou parcialmente encobertos (cripto-antígenos) e inacessíveis aos anticorpos. O exemplo mais conhecido é do antígeno "T" que, normalmente, não é reativo em hemácias íntegras, mas que após ação de enzimas proteolíticas bacterianas (pacientes com septicemia), tornam-se acessíveis e poliaglutináveis, uma vez que os soros humanos contêm auto-anti-T. 9- Técnicas de produção artificial de aglutinação de hemácias: Anticorpos “não aglutinantes” se fixam sobre as membranas das hemácias sem aglutiná-las. Por isso, a visualização das reações destes anticorpos com seus respectivos antígenos, depende de artifícios técnicos para produção da aglutinação. Em imunohematologia, essas técnicas são essenciais na detecção e identificação de alo-anticorpos anti-eritrocitários, nas fenotipagens sanguíneas, no diagnóstico das anemias hemolíticas auto-imunes (AHAI) e no diagnóstico das doenças hemolíticas do recém-nascido (DHRN). Discutiremos as técnicas mais importantes à luz da equação de Pollack para o potencial zeta:

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• Tratamento das hemácias por enzimas proteolíticas:

A tripsina, a papaína, a bromelina e a ficina são as principais enzimas proteolíticas utilizadas nas técnicas enzimáticas de aglutinação artificial. Estas enzimas são capazes de retirar da membrana eritrocitária, fragmentos peptídicos de glicoproteínas membranárias contendo moléculas de ácido siálico (eletronegativas), diminuindo a carga negativa das hemácias. Como conseqüência da diminuição da eletronegatividade das hemácias, os escudos de íons positivos (Na+), atraídos para próximo das membranas eritrocitárias, diminuem e o valor da diferença de potencial elétrico (potencial zeta) entre estes escudos e o meio de suspensão em equilíbrio (neutro), também diminui. Para valores mais baixos do potencial zeta, as suspensões de hemácias tornam-se mais aglutináveis. Isto está de acordo com o modelo eletrostático de Pollack, onde o potencial Zeta (Z) é diretamente proporcional à eletronegatividade da hemácia (γ). Como exemplo, hemácias RhD positivas tratadas pelas enzimas proteolíticas citadas, podem ser aglutinadas, em meio salino, por anticorpos anti-RhD de classe IgG (não aglutinantes). O tabela acima, mostra os efeitos de redução do potencial zeta, produzidos pelas enzimas proteolíticas mais utilizadas nos laboratórios de imunohematologia. • Adição de substâncias macro-moleculares: Pollack foi o primeiro a oferecer um modelo físico-químico da aglutinação em meio macromolecular, ou seja, do papel da constante dielétrica (D) do meio de suspensão. Macromoléculas hidrossolúveis como albumina, PVP, dextran, ficol, PEG, etc, quando adicionadas ao meio de suspensão das hemácias, aumenta sua constante dielétrica (D). Estas moléculas possuem uma extremidade positiva (amínica) e outra negativa (carboxílica) e se polarizam no campo elétrico das hemácias em suspensão. Como são pesadas, são atraídas para próximo das hemácias neutralizando cargas

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negativas das membranas eritrocitárias e promovendo a dispersão de íons positivos (Na+) próximos a elas. A diminuição deste escudo de cargas positivas, baixa o valor do potencial zeta e diminui força de repulsão interglobular. Isto está de acordo com a equação de Pollack, onde o potencial Zeta (Z) é inversamente proporcional à constante dielétrica (D) do meio de suspensão. A albumina (20 – 30%) e o polietilenoglicol (PEG) são os meios macromoleculares mais utilizados e a eficácia depende do conteúdo de polímeros. Falsas reações positivas podem ser provocadas pelo próprio meio macromolecular, quando um excesso de polímeros aumenta a constante dielétrica (D) a um ponto que o potencial Zeta crítico (Zc) é atingido e o fenômeno da aglutinação ocorre espontaneamente, mesmo na ausência de anticorpos (panaglutinação). As falsas reações podem ser evidenciadas pela utilização de soros-controle produzidos pelo mesmo fabricante e contendo o mesmo meio macromolecular dos soros de classificação sanguínea. O uso de tais controles é obrigatório pelas normas técnicas vigentes. • Alteração da força iônica do meio: Sabe-se que uma concentração muito elevada de certos cátions (Cr3+, Al3+, Fe3+) pode provocar uma “panaglutinação” de uma suspensão de hemácias não sensibilizadas por anticorpos. Os cátions introduzidos no meio modificam pouco a atmosfera iônica em volta dos glóbulos, uma vez que sua densidade depende da carga negativa das hemácias. A diferença de potencial (potencial zeta) diminui entre os escudos de cargas positivas ao redor das hemácias, que não aumentam com a adição de cátions e o meio de suspensão que se torna mais iônico pelo excesso de cátions, resultando numa diminuição da força de repulsão interglobular. Isto está de acordo com a equação de Pollack, onde um aumento da força iônica (µ) conduz a uma diminuição do potencial Zeta da suspensão de hemácias em NaCl 0,85%, o que favorece o aparecimento do fenômeno de aglutinação. A força iônica desempenha um papel importante no equilíbrio primário da reação antígeno-anticorpo, sendo seu efeito manifestado sob dois aspectos antagônicos. Se um aumento de "µ" conduz a um aumento da aglutinabilidade, na prática, concentrações iônicas elevadas competem com os anticorpos e inibem sua fixação inicial sobre os antígenos, conduzindo a um fenômeno inverso ao desejado. Tecnicamente, em reações de dois tempos (LISS/Coombs), a etapa de sensibilização é realizada em meio isotônico de baixa força iônica (LISS), aumentando a fixação inicial dos anticorpos sobre os antígenos membranários correspondentes (maior sensibilidade da reação), além de reduzir o tempo de incubação. A etapa de revelação dos anticorpos fixados sobre a membrana eritrocitária, pela adição da antiglobulina humana (soro de Coombs), é executada

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após uma série de lavagens das hemácias com salina (NaCl 0,85%) que é um meio de força iônica normal. Na técnica de “Gel-centrifugação ID-Gel teste”, as reações de LISS/Coombs não apresentam a etapa de lavagens das hemácias após a etapa de incubação. Nestes casos, a solução de baixa força iônica é modificada (LISS mod.) por um pequeno aumento de sua constante dielétrica (D), para compensar o efeito da diminuição da força iônica do meio de suspensão (µ) sobre o potencial zeta (Z). Observem que podemos trabalhar, simultaneamente, em mais de uma variável da equação de Pollack para o potencial zeta (Z). • Teste da antiglobulina humana ou reação de Coombs: O teste da antiglobulina humana ou teste de Coombs representa a forma mais importante de aglutinação artificial em imunohematologia. Por um procedimento imunológico, essa reação nos permite revelar a presença de anticorpos "não aglutinantes" na membrana eritrocitária. Dizemos "procedimento imunológico", porque os soros de Coombs são compostos de anticorpos contra anticorpos humanos. São produzidos pela injeção de cadeias leves e pesadas de IgGs humanas em animais (coelhos ou cabras), que formam anticorpos contra as frações "Fc" destas imunoglobulinas humanas.

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Estes anticorpos podem reconhecer qualquer imunoglobulina humana, por isso na execução do teste de Coombs é necessário lavar as hemácias, após a etapa de sensibilização (incubação) e antes de se acrescentar o soro de Coombs, a fim de se remover os anticorpos livres, deixando as hemácias recobertas com os anticorpos que se ligaram especificamente em antígenos membranários. Na técnica do “ID-Gel teste”, a separação de anticorpos livres dos fixados sobre antígenos membranários, se dá por um gradiente de centrifugação. Quando adicionamos o soro de Coombs, os anticorpos antiglobulinas humanas (AGH), se ligam nas frações “Fc” dos anticorpos anti-eritrocitários fixados na membrana eritrocitária. Considerando sua estrutura tridimensional, observamos que cada fração “FC” de um anticorpo fixado na membrana eritrocitária pode receber diversas moléculas de antiglobulinas humanas (AGH), tornado sua estrutura maior e mais pesada.

Como podemos observar no gráfico do experimento acima, a capacidade de aglutinação de anticorpos da classe IgG + AGH é similar aos da classe IgM, que são “aglutinantes”. Os soros de Coombs podem ser “poliespecíficos ou monoespecíficos”. Os poliespecíficos contem, além de anticorpos contra frações “Fc” das imunoglobulinas humanas, anticorpos contra a fração C3d do Complemento que pode estar presente sensibilizando a membrana eritrocitária, na presença ou

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ausência de anticorpos fixados. Os soros monoespecíficos contem anticorpos contra apenas um tipo de imunoglobulina (IgG, IgM ou IgA) ou contra frações do Complemento (C3c, C3d). Os anticorpos contra a fração C4 não devem estar presentes nos soros poliespecíficos, para se evitar reações cruzadas com antígenos do grupo sanguíneo Chido/Rodgers (ISBT= 017- CH/RG). O teste de Coombs pode ser realizado de duas formas: Coombs Direto e Indireto. Pelo Teste de Coombs Direto (TCD), demonstramos hemácias sensibilizadas in vivo por anticorpos e/ou frações do complemento. É utilizado no diagnóstico da Doença Hemolítica do Recém-Nascido (DHRN), da Anemia Hemolítica Auto-Imune (AHAI), da hemólise induzida por drogas e ainda no diagnóstico das reações hemolíticas pós transfusionais. O Teste de Coombs Indireto (TCI) representa a reação chave e de maiores possibilidades em imunohematologia e nos permite executar uma série de testes como: pesquisa e identificação de anticorpos anti-eritrocitários, testes de compatibilidade pré-transfusionais e determinação de antígenos eritrocitários que não são evidenciados por aglutinação direta (exs: variáveis fracas de RhD, antígenos Duffy, Kidd, Kell, etc). A sensibilidade do Teste de Coombs Indireto (TCI) pode ser aumentada por procedimentos que modificam a primeira etapa da reação, ou seja, da fixação dos anticorpos durante a incubação. Os mais utilizados são: adição de albumina 22% (BSA) ou polietilenoglicol (PEG) ao meio, uso de meios de baixa força iônica (LISS) ou, ainda, utilização de hemácias já tratadas por enzimas proteolíticas. A adição de albumina ou polietilenoglicol aumenta a constante dielétrica (D) do meio de suspensão e baixa o valor do potencial zeta (Z), favorecendo a aglutinação das hemácias. Favorece, também, a fixação inicial dos anticorpos à membrana eritrocitária pela dissipação de íons positivos próximos à membrana, embora este procedimento seja menos eficaz do que a diminuição da força iônica do meio. O uso de um meio isotônico de baixa força iônica (LISS), na etapa de sensibilização das hemácias, aumenta consideravelmente a velocidade de fixação e a quantidade de anticorpos fixados sobre a membrana eritrocitária. Este fato nos permite aumentar a sensibilidade e diminuir o tempo de incubação do teste. O uso de hemácias pré-tratadas por enzimas proteolíticas (tripsina ou papaína) no Teste de Coombs Indireto (TCI), é um procedimento indicado para melhorar a detecção de anticorpos anti-Kidd. 10- Outros fatores que influenciam a reação de aglutinação das hemácias: A temperatura da reação e o pH do meio de suspensão, influem no fenômeno de fixação primária dos anticorpos sobre seus antígenos e sobre o fenômeno de aglutinação, já que os dois aspectos da reação não são dissociáveis.

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Como já tratado anteriormente, distinguimos dois tipos de temperaturas de reação: um primeiro grupo das reações ótimas em baixas temperaturas e um outro grupo das reações ótimas em temperaturas mais elevadas. Os anticorpos ativos em temperaturas baixas (4oC), também chamados "anticorpos frios" correspondem, principalmente, às especificidades anti-I, -H, -A, -B, -AB, -Le, -M, -N e –P1. Trata-se, normalmente, de anticorpos naturais regulares ou irregulares. Os anticorpos ditos "imunes" reagem melhor à 37oC e são, também, chamados "anticorpos quentes". É o caso, por exemplo, dos anticorpos dos sistemas Rh, Kell, Duffy, Kidd, MNS, Diego, etc. As modificações de pH compreendidas entre 6,0 e 8,0 têm pouca ou nenhuma influência sobre a reatividade dos anticorpos. Fora destes limites pode-se observar hemólise das hemácias para valores extremos de pH, ou uma inibição da aglutinação devida a uma diminuição importante da constante de associação dos anticorpos. 11- O Complemento: O sistema de “Complemento” é constituído por uma série complexa de cerca de 20 proteínas plasmáticas, que funcionam como enzimas ou proteínas de ligação e que desempenham papel essencial na defesa do organismo contra agentes infecciosos e nos processos inflamatórios. Além das proteínas plasmáticas, o sistema de complemento inclui diversos receptores membranários em células do sistema imunitário, que reconhecem frações específicas do complemento. Outras proteínas membranárias com funções reguladoras (DAF, MIRL) previnem o ataque do complemento contra células autólogas.

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As três principais atividades biológicas do complemento são: − opsonização pela adesão de frações do complemento às células, facilitando a

fagocitose do antígeno. − ativação do sistema imunológico (ex: macrófagos) por substâncias com atividade

inflamatória como C3a e C5a (anafilotoxinas) liberadas na circulação. − lise de células alvo. Existem 2 vias de ativação do complemento: clássica e alternativa. Pela via clássica, a ativação se dá por complexos “antígeno-anticorpo”, sendo os anticorpos de classe IgM ou das subclasses IgG1, IgG3 e, em menor grau, IgG2. A via alternativa de ativação do complemento não é anticorpo-dependente e ativada, principalmente, por microorganismos invasores, constituindo uma defesa inata contra infecções bacterianas. Temos, então, duas vias de clivagem da proteína C3, que representa o acontecimento central no processo de ativação do sistema de complemento. Ambas as vias geram uma enzima "C3 convertase”, que converte C3 em C3b, que por sua vez ativa a seqüência terminal C5..C9 do complemento capaz de provocar a lise celular (citólise). Faremos uma breve descrição das vias clássica e alternativa de ativação do sistema de complemento:

• Via clássica (na presença de anticorpos)

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Nesta via, o primeiro estágio de ativação do complemento é representado pela fixação do complexo protéico C1 (C1qrs) pelas imunoglobulinas (IgM, IgG1, IgG3 e IgG2 no homem) ligadas aos seus antígenos específicos. O subcomponente C1q do complexo C1 une-se diretamente a imunoglobulina, por dois carboidratos presentes na fração “Fc”. São necessárias, pelo menos, duas moléculas de IgG ou apenas uma de IgM para a fixação de C1.

Em seguida o complexo ativado C1qrs cliva a proteína C4 no plasma próximo do local catalítico C1s, liberando o fragmento C4a. O fragmento principal C4b une-se a C2, que por sua vez é, também, clivado por C1s, liberando o fragmento C2b. O fragmento principal C2a permanece ligado ao C4b para formar a "C3 convertase” (C4b2a).

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A C3-convertase é a enzima central no processo de ativação do complemento, uma vez que cliva a proteína mais abundante do sistema de complemento, chamada C3. Como resultado desta clivagem temos as frações C3a (anafilotoxina) e C3b que é capaz de opsonizar membranas celulares e imunocomplexos para serem reconhecidos por macrófagos com receptores de C3b. Além disto, é a C3-convertase que se liga, aleatoriamente, a uma molécula de C3b para formar a C5-convertase, que iniciará a formação do complexo de ataque à membrana (C5b, C6, C7, C8 e múltiplos C9).

A “C5 convertase” (C4b2a3b) atua sobre C5 clivando essa proteína em C5a (anafilotoxina) e C5b que se fixa à membrana celular, criando a base para a construção do complexo de ataque à membrana.

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Na etapa de formação do complexo de ataque à membrana, a ligação seqüencial de C6, C7 e C8 sobre C5b, forma o complexo estável C5b678 que rompe a membrana celular. A última fração inserida no complexo é C9. Múltiplas moléculas de C9 se fixam sobre fração C8, que já atravessou a matriz fosfolipídica da membrana e se polimerizam aumentando o diâmetro do poro criado por C8. Estes orifícios criados na membrana permitem as trocas de conteúdos extra e intracelulares, provocando a lise da célula (hemólise no caso das hemácias).

• Via alternativa (na ausência do complexo Ag-Ac)

O complemento pode também ser ativado na ausência de um complexo antígeno-anticorpo. A ativação pela via alternativa é iniciada por substâncias como lipopolissacarídios em membranas de microorganismos (LPS), polissacarídios (zimosan, inulina), agregados de imunoglobulinas, endotoxinas de bactérias gram-negativas, veneno de cobra, entre outras, que são reconhecidas por moléculas circulantes de C3 ativadas fisiologicamente por hidrólise (C3+H2O). O C3 hidrolisado tem atividade similar ao C3b (C3b-like) e combina com uma glicoproteína rica em glicina chamada “fator B”, para formar uma proenzima de fase fluida (C3bB). Quando uma protease chamada “fator D” cliva a proteína B da proenzima C3bB, libera um pequeno fragmento “Ba” e gera uma C3 convertase (C3bBb) de fase fluida

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A presença de substancias ativadoras, como por exemplo microorganismos invasores, estimula todo o processo. Uma maior produção de C3 hidrolisado (C3b-like) com uma conseqüente maior produção da proenzima C3bB, aumenta a quantidade de substrato para o fator D, levando a um aumento da concentração de C3 convertase (C3bBb) fluida. Esta enzima produz mais C3b, pela clivagem de moléculas de C3. Cada C3b formado pode, potencialmente, formar mais C3 convertase e, portanto, mais C3b. Como C3b reconhece lipopolissacarídios (LPS) membranários, moléculas de C3b e de C3 convertase (C3bBb) se fixam sobre os microorganismos invasores. As moléculas de C3b fixadas já permitem o reconhecimento dos microorganismos por células fagocitárias com receptores para C3b. Além disto, as C3 convertases (C3bBb) sobre as membranas dos microorganismos iniciam um processo de clivagem de C3 ao seu redor, aumentando a cobertura opsônica de C3b e propiciando a formação de uma C5 convertase pela combinação da C3-convertase com mais uma molécula de C3b (C3bBbC3b). Uma vez formada a C5 convertase, a formação do complexo de ataque (C5b6789) às membranas dos microorganismos com a conseqüente lise celular, ocorre como na via clássica, descrita anteriormente. 11- Controle da Atividade do Complemento: A atividade do complemento precisa ser controlada para evitar uma produção excessiva de mediadores inflamatórios e de danos celulares. Proteínas plasmáticas e membranárias participam deste controle, interagindo em alguma etapa do processo de ativação do complemento.

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A figura acima representa a atividade reguladora de proteínas plasmáticas como as serino-proteases “fator H” e “fator I” que são capazes de clivar uma das cadeias do C3b fixado sobre uma membrana celular, alterando sua estrutura. Este C3b alterado passa a ser reconhecido por “enzimas trípticas” que sacam do C3b um fragmento maior que chamamos C3c. O fragmento menor C3d continua ligado à membrana celular (ligação covalente), mas não é mais reconhecido pelos macrófagos com receptores de C3b. Proteínas membranárias reguladoras do complemento (CR1, DAF e MIRL) foram apresentadas na parte I deste curso, quando estudamos os sistemas de grupos sanguíneos, por se tratar de proteínas que carreiam antígenos de grupos sanguíneos.