reabilitaÇÃo_a intervenção como transformação formal

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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal Habitação Unifamiliar DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA Maria Inês Pimentel FAUP | 2011

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"Reabilitação_A intervenção como transformaçao formal em habitação unifamiliar" é a Dissertação Final de Mestrado Integrado em Arquitectura, de Inês Pimentel, realizada na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, sob orientação do Arq. Nuno Brandão Costa.

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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal Habitação Unifamiliar 

   

                  

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA Maria Inês Pimentel 

FAUP | 2011 

 

                

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal Habitação Unifamiliar 

                  

 DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto | 2011 

Maria Inês Novais Ferreira Pimentel Docente orientador: Arquitecto Nuno Brandão Costa  

 

            

                                  

 

Ao Professor Nuno Brandão Costa que foi para mim um exemplo enquanto professor e arquitecto, 

Aos  meus  pais  e  irmãos  pelo  mimo,  paciência  e  encorajamento  ao  longo  deste  percurso 

académico, 

À Rita pela prestável ajuda nos muitos trabalhos de última hora, 

Ao João pelo sentido crítico, carinho, ajuda e incansável companhia, 

 

Obrigada. 

 

                                              As citações aparecem na língua original para que sejam mantidos o rigor e o sentido de cada expressão.  

 

ÍNDICE:  Resumo   Abstract  Introdução   Objecto   Objectivo   Método 

 I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente 

Contextualização Histórica Teorias de Intervenção | diferentes posturas ao longo da história 

J. Wyatt Milner Carter   Viollet‐le‐Duc  

  John Ruskin   Morris   Camilo Boito   Luca Beltrami   Gustavo Giovannonni As Cartas   Carta de Atenas de 1931   Carta de Veneza de 1964 

   II | Reabilitação | transformação da imagem arquitectónica 

O Medo da Mudança   A Lição do Passado  

O arquitecto e a memória  O problema do [re]desenho  A visão de Távora | o caso português 

  Tempos da Mesma Cidade | cidade histórica e cidade contemporânea   Reabilitar Hoje | atitudes frente à preexistência       O lugar | ruína e preexistência     Construir no construído     Transformação formal   Como Actuar 

 

Índice

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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar Fernando Távora | Casa da Cavada | Guimarães, Portugal – 1989‐1990 

  Álvaro Siza Vieira | Casa Van Middelem‐Dupont | Oudenburg, Ostend,  Bélgica – 1997‐2001 

Aires Mateus e associados | Casa de Alenquer | Alenquer, Portugal – 1999‐2001 Eduardo Souto de Moura | Projecto de Recuperação da Casa D6‐2 | R. Padre Luís  

Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal – 2001 Nuno Brandão Costa | Reconstrução de Casa Unifamiliar | Arga de Cima,  

Caminha, Portugal – 2005‐2008  

 

Considerações Finais  Bibliografia  Créditos de Imagem 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Resumo 

 

Ao  longo  da  História  da  Arquitectura  os  edifícios  sofreram  constantes  processos  de 

transformação.  As  alterações  e  mudanças  verificadas  no  correr  dos  tempos  surgem  de  um 

processo natural de adaptação a novas épocas, realidades e usos. Esta transformação gradual e 

faseada  devolve  à  cidade,  e mais  concretamente  ao  edifício  intervencionado,  a  capacidade  de 

resistir ao mundo moderno num processo de regeneração de cidade. 

Abraçando  essa  realidade,  o  tema  da  dissertação  final:  Reabilitação  ‐  a  intervenção  como 

transformação  formal,  aborda  a  intervenção  em  objectos  arquitectónicos  preexistentes  com 

recurso à alteração da imagem do edifício. 

 

Por força das necessidades da sociedade contemporânea, uma intervenção de restauro não tem, 

muitas vezes, a capacidade de suprir novas necessidades sendo necessário ampliar, transformar e 

recorrer  a  processos  de  reabilitação.  As  intervenções  em  preexistências  tendo  por  base  uma 

transformação  formal  lançam  ao  arquitecto,  novos  desafios  e  perspectivas  de  encarar  o 

património, a ruína, o “lugar” consolidado com que se depara no acto de projectar. 

Neste  sentido,  a  história  deve  ser  entendida  como  um  ponto  de  partida  gerador  de  ideias  de 

projecto e não como uma limitação a priori. O importante é entender que independentemente da 

escala de intervenção e dos limites impostos, a relação entre o preexistente e o novo, a tradição e 

a modernidade devem ser apoiados pelo conhecimento rigoroso da história, para  legitimar, dar 

certezas e tirar dúvidas no acto de projectar. 

Pretende‐se demonstrar que este processo de transformação não tem que ser necessariamente 

radical  nem  obrigatoriamente  tímido.  A  intervenção  deve  ser  geradora  de  um  consenso.  As 

estruturas base vão persistindo ao  longo dos  tempos e não deixam de existir  só porque  foram 

objecto de transformação. É na preexistência que a obra nasce, é ela que transmite ao conjunto 

unidade e coerência. 

Fazer uma leitura consciente da história e afirmar as intenções de projecto confere autenticidade 

à obra, legitimando o processo de transformação. 

É importante ter noção dos limites a que a intervenção se propõe mas também é necessário “ser 

arquitecto” e não ter medo de afirmar o gesto. É necessário construir um discurso arquitectónico 

que conduza à aceitação da intervenção no existente, com recurso à transformação formal, pelas 

necessidades da nova sociedade e pela realidade de grande parte da arquitectura se considerar 

Resumo

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

 

consolidada. A visão do arquitecto deve estar para além do historicismo instalado. Consciente da 

necessidade de salvaguarda do património deve deixar que este seja um processo e um caminho, 

nunca um factor limitador da sua criatividade. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abstract 

 

Along with  the History of Architecture, buildings have suffered constant  transformations. Those 

changes are a result of a natural process of adaptation to new eras, new realities and consuetude. 

That gradual and phased transformation rends to the city and to the modified building the ability 

to defy the modern world. 

The present essay – Rehabilitation ‐ the intervention as a formal transformation – aims to give us 

an overview about the intervention in the preexistent architecture by modifying the image of the 

building. 

 

Very  often  the  needs  of  the  contemporary  society  go  far  beyond merely  restoring.  And  it’s 

necessary to expand, transform, rehabilitate. Those formal  interventions  in preexistent buildings 

will allow the Architect new challenges and new perspectives when perceiving the heritage, the 

ruin, the building… in order to start drawing. 

History must be understood as a starting point that will generate ideas and not as a limitation to 

the creative process. The main point  is to understand that the boundaries, the relation between 

the  preexistent  and  the  new,  the  tradition  and  the modernity must  be  supported  by  severe 

acknowledge of history in order to legitimate the architects work. 

The main goal of this essay  is to demonstrate that this transformation process  is neither radical 

nor shy. Intervention must generate consensus. The preexistent structures will always be a part of 

history  and won’t  vanish  just  because  they  have  been  transformed.  The work  is  born  in  the 

preexistence. 

 It’s important to be aware of the limits to an intervention process. But even more important is to 

have the courage to be “an Architect”. 

That being said, we have the strong conviction that a long path has to be traveled. A path where is 

accepted  the  intervention  in  the preexistence using  the  formal  transformation. The  intuition of 

the architect must be beyond the pre‐installed historicism. The architect’s awareness of heritage 

safeguard shouldn’t be a limitation to his creativity but, on the contrary, an impulse to a process 

and to a new path. 

 

 

Abstract

 

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Introdução 

 

Objecto 

 

Num passeio pela cidade verificamos facilmente que algumas estruturas só são capazes de resistir 

ao  longo dos  tempos pelos constantes processos de requalificação a que  foram sujeitas, que as 

integram no tempo e no espaço de cada época em que vivem.  

Conscientes  das  restrições  dadas  a  priori  numa  cidade  de  malha  bem  consolidada  devemos 

encontrar nelas a fonte de inspiração e o mote para a reabilitação. 

As  intervenções  com  recurso  a  transformação  formal  geram,  necessariamente,  um  confronto 

entre o novo e o antigo. É neste entre que se detém a reflexão e objecto de estudo: Reabilitação | 

A intervenção como transformação formal. 

 

Esta realidade, surge da necessidade actual de  intervir e reabilitar cidade consolidada, suprindo 

necessidades do presente. A resposta está na capacidade de conciliação entre o novo e o velho 

fazendo uma leitura da história como ponto de partida e não como limite à criação. 

A mirada sobre a história deve ser feita com o  intuito de entender as sucessivas transformações 

geradas na arquitectura, as suas razões, preocupações e anseios, colocando as conclusões tiradas 

ao serviço do projecto. 

 

 

Objectivo 

 

O presente trabalho, apresentado como dissertação final, focaliza‐se no estudo e interpretação da 

reabilitação  e  transformação  formal  em  arquitecturas  preexistentes  geradoras  de  novas 

possibilidades.  Tem  por  objectivo  clarificar  o  posicionamento  e  o  grau  de  convivência  da 

arquitectura  contemporânea  com  a  já  existente.  Pretende  encontrar  caminhos  para  este 

entendimento, e sem ditar regras, descobrir os mecanismos ao nosso alcance na promoção de um 

resultado formal e temporal coeso e consistente. 

Introdução

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

12 

 

A dificuldade reside na impossibilidade de ditar regras e a solução surgirá da experimentação, do 

reconhecimento dos valores do passado e do posicionamento, perante a preexistência, de cada 

autor.  

Ao  longo  dos  séculos  as  opiniões  vão‐se  alterando  e  se muitas  vezes  a  única  condição  de  ser 

antigo parece conferir qualidade à obra, outras tenta‐se fazer novo numa apologia do novo como 

valor  cultural  absoluto.  Visionário  será  aquele  que,  consciente  de  que  toda  a  criação  impõe 

limites,  alcance  o  respeito  e  a  sintonia  entre  preexistência  e  nova  arquitectura  sem medo  de 

afirmar o gesto. 

Não  é  objectivo  suprir  a  carência  de  regras  existente  no  campus  teórico  pois  seria  impossível 

numa  área  onde  a  história,  o  lugar  e  a  preexistência  são  factores  singulares  a  cada  obra 

conferindo‐lhe uma autonomia livre de pré‐conceitos. 

Por acreditar que este caminho não é  feito de regras, que é  impossível encontrar métodos que 

determinem o desenho, que ditem o que se pode ou não fazer, que ensinem como actuar perante 

diferentes  preexistências  e  ruínas,  apresentam‐se  sim,  diferentes  estratégias,  direcções,  linhas 

mestras  e  suportes  à  criação  que  conduzam  a  um  entendimento  da  reabilitação  como 

transformação  formal.  Estes  instrumentos,  variáveis  de  contexto  em  contexto,  capacitarão  o 

arquitecto na hora de reabilitar. 

 

Em  processos  de  reabilitação  é  impossível  dissociar  o  objecto  arquitectónico  do  seu  contexto. 

Neste sentido, o estudo apresentado, aborda as duas escalas de  intervenção. A escala de cidade 

onde a abordagem envolve a mutação do lugar e a intervenção circunscrita ao edifício. 

A  reabilitação  com  transformação  formal  evidencia  a  importância  e  necessidade  de  uma 

renovação  de  cidade,  mas  sempre  consciente  da  importância  da  história  da  arquitectura  na 

criação do projecto. A obra deve  surgir, actual, capaz de acrescentar algo ao contexto onde  se 

insere. A intervenção surge não só, dotada de mudança e um espírito novo contemporâneo, mas 

também, com o intuito de imprimir à nova obra uma ideia de continuidade e coerência de todo o 

conjunto  arquitectónico.  A  intervenção  pretende  o  diálogo  entre  os  diferentes  layers  da 

arquitectura bem como entre a nova arquitectura e o contexto de cidade a que pertence. 

É na opção e delimitação do  campus de  intervenção que  reside o processo de  regeneração de 

cidade  e/ou  zonas  de  cidade.  As  dicotomia  novo  e  antigo,  objecto  arquitectónico  e  o  seu 

contexto,  continuação  ou mudança,  serão  presenças  constantes  ao  longo  de  todo  o  processo 

criativo. 

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Conscientes  de  que  toda  a  arquitectura,  por  força  das  circunstâncias,  do  tempo  e  das  novas 

necessidades,  está  sujeita  a  sucessivas  alterações  ao  longo  dos  anos,  cabe  ao  arquitecto 

determinar  a  estratégia  de  conservação  e  demolição  a  exercer  em  determinado  local.  Neste 

processo  de  construir  no  construído,  o  arquitecto  não  está  só,  tem  ao  seu  dispor  um  legado 

histórico  e  a  sociedade  que  faz  o  novo  contexto  da  obra  e  exige  novas  soluções  para  novos 

problemas.  

Ao  longo dos próximos capítulos pretende‐se clarificar a  relação entre  tradição e modernidade, 

no  diálogo  entre  a  arquitectura  existente  e  a  nova  proposta.  O  posicionamento  adoptado 

pretende regenerar, ampliar, manter actual uma cidade e sociedade em constante transformação. 

 

 

Método 

 

Iniciado por uma contextualização histórica, o  trabalho vai  limitando o campus de acção até se 

focar  concretamente o  estudo de  seis  casos de  reabilitação,  em habitações unifamiliares,  com 

recurso a transformação formal. 

A  estrutura  da  dissertação  será  dividida  em  três  capítulos.  O  primeiro  corresponderá  a  uma 

análise histórica das diferentes teorias de intervenção e diferentes posturas ao longo da história. 

Citam‐se os autores mais  significativos e enumeram‐se obras de  referência que a  irão ajudar a 

elaborar  o  contexto  actual  de  intervenções,  de  onde  surgem  alguns  princípios  e motivações. 

Explicitam‐se alguns suportes teóricos, que conduziram a processos de reabilitação ao  longo dos 

tempos. 

O  corpo  principal  da  prova  desenvolver‐se‐á  no  segundo  capítulo.  Explanará  a  ideia  de 

intervenção como transformação formal. A sua pertinência, necessidade e adequação aos dias de 

hoje. Num mundo em constante transformação, onde a cada dia surgem novas necessidades do 

habitar,  urge  a  necessidade  de  regenerar  cidade  e  diferentes  arquitecturas  para  que  possam 

resistir  ao  passar  do  tempo.  Partindo  do  pressuposto  que  a  arquitectura  necessita  de  ser 

actualizada para  se manter útil  e  contemporânea  a  ideia de  construir no  construído  atravessa 

todo o estudo. 

Para sistematizar e clarificar as  ideias expostas no capítulo anterior, surge um  terceiro e último 

capítulo,  com  cinco  casos  de  estudo,  organizados  por  ordem  cronológica,  exemplo  de 

reabilitações  com  recurso  a  transformação  formal,  em  habitação  unifamiliar.  Estas  obras,  de 

Introdução

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

14 

 

portugueses, abordarão diferentes níveis e intensidades de intervenção formal, de acordo com o 

seu contexto e matéria projectável disponível. Não existindo uma fórmula para a intervenção, as 

propostas  tocar‐se‐ão  em  alguns  pontos  e  afastar‐se‐ão  noutros.  Pretende‐se  sistematizar 

diferentes  casos  e  clarificar  os  princípios  que  conduzem  a  cada  estratégia  de  intervenção.  É 

transversal  a  todas  as  obras  o  diálogo  entre  o  novo  e  o  antigo,  verificando‐se  que  existem 

diferentes abordagens a uma mesma  temática. O  trabalho  focaliza habitação unifamiliar por  se 

tratar de uma realidade onde é frequente a necessidade de ampliação, adaptação e reformulação 

de espaços de acordo com cada usuário, levantando problemas de forma. 

Para concluir o estudo, apresentar‐se‐ão algumas considerações finais que ajudarão a sistematizar 

o problema abordado ao  longo da dissertação. Não é possível tecer um conjunto de regras que 

nos conduza à  ideia do que é certo ou é errado, do que se pode ou não pode fazer, pois actuar 

perante uma preexistência envolve  sempre, diferentes  factores  como: a história, o  contexto, o 

objecto arquitectónico, a estratégia mais conservadora ou demolidora… 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

          

  

        

I Evolução Histórica da Intervenção no Existente  

 

 

 

   

 

17 

 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente 

 

A conservação de monumentos históricos varia ao  longo da história consoante as suas relações 

com o tempo, a memória e o saber. É o tempo por onde passam que os  faz adquirir diferentes 

características, e é a população que os utiliza que os faz perdurar, ou não, de geração em geração. 

Cada  época  adquiriu  diferentes  posturas  perante  as  obras  de  arquitectura  do  passado,  umas 

ficaram  caídas no esquecimento, pelo desuso e  a desafectação ou pela  simples  vontade de  as 

destruir ou de as  fazer escapar à acção do  tempo; outras  reconstituíam‐se  como  réplicas para 

fazer perdurar a memória. É certo que a conservação é uma prática transversal à humanidade e 

que a história da arquitectura é capaz de relatar diferentes exemplos e posturas adoptadas nestes 

processos. 

 

A colonização romana deixou grandes obras arquitectónicas na Europa que acabaram por sofrer 

grande destruição durante o período da Idade Média. Uma grande parte ocorre por divergências 

religiosas de que é exemplo a transformação em pedreira do anfiteatro de Tréves, a destruição da 

arena de Mans e do templo de Tours; outra prende‐se com a indiferença generalizada em relação 

aos monumentos que perderam a sua função. Em Roma, um decreto legaliza a expropriação dos 

edifícios  cujo  estado não permite  a  reparação. No  século  IX, Roma  assiste  ao  fechamento dos 

arcos do coliseu que passam a  ser ocupados por habitação, armazéns e oficinas, por  sua vez a 

arena recebe uma igreja e a citadela de Frangipani. O Circo Máximo é ocupado por habitações; os 

arcos do teatro de pompeia são ocupados por mercados de vinho. Na Provença, a arena de Arles 

é transformada em citadelas, as suas arcadas fechadas, um quarteirão de habitações construído 

sobre as suas bancadas e uma igreja edificada no seu centro.  

Curiosamente,  verificam‐se  em  simultâneo  algumas  atitudes  de  conservação  deliberada  em 

relação a edifícios deste mesmo  tempo. Esta atitude preservadora, exercida principalmente por 

parte do  clero, deve‐se na  sua maioria  razões de ordem económica pela  crise vivida.1 Todavia, 

seria injusto afirmar que na génese da conservação está simplesmente um interesse utilitário, era 

também motivo a sensibilidade e o saber literário. 

 

                                                            1 “No século VI, a atitude do Papa Gregório I é exemplar. Em Roma, toma a seu cargo a manutenção do parque  imobiliário e pratíca 

uma política de reutilização que o seu sucessor Honório seguirá: as grandes habitações patrícias são transformadas em mosteiros, as 

suas salas de recepção em igrejas…” CHOAY, 2000: 33 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

18 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

001 | Coliseu de Roma. Armadura de madeira  idealizada por Valadier, para o restauro deste  lado do anel exterior, encarregado por 

León XII (1826)  

002 | Coliseu de Roma. Intervenção de Stern (1807), no Pontificado de Pio VII. Utiliza uma solução rápida e barata, um muro de tijolo, 

com grande impacto visual, mas que funciona como salvação antes do seu colapso. 

003 | Coliseu de Roma. Lado restaurado por Valadier (1826), com tijolo e travertino nas partes com função de suporte. 

004| Maquete. Reconstituição do Circo Máximo. 

005 | Circo Máximo, fotografia aérea do estado actual. 

004 

005 

001 

002 |  003 

19 

 

Esta  nova  realidade,  da  conservação  dos  edifícios  antigos,  levanta  novos  desafios  e  diferentes 

problemas  técnicos.  Surgem  problemas  económicos,  políticos  e  psicológicos.  A  vontade  de 

conservar não  se prende  com questões de  salvaguarda do património, mas  sim  com questões 

emocionais de paixão pelo  saber e pela arte. A destruição é unicamente  combatida através do 

amor pelos monumentos históricos. “É por isso que a tomada de consciência no Quattrocento do 

duplo  valor  histórico  e  artístico  dos monumentos  da  antiguidade,  não  implicou  a  conservação 

efectiva  e  sistemática. A  Roma  do  século  XV  é,  nesta matéria,  caracterizada  por  ambivalência 

notável.”2 

Mais  tarde,  no  período  Neo‐Gótico  o  arquitecto,  perante  um  problema  de  restauro,  usa 

deliberadamente  a  sua  imaginação,  inventando  uma  nova  realidade.  O  monumento  não  é 

recuperado de acordo com o que existe, mas sim de acordo com a sua vontade. A esta atitude 

chama‐se, então, de restaurar. 

 

Como foi referido, nas  intervenções de recuperação dos edifícios históricos, a preocupação, não 

se prendia, muitas vezes, com o original. A sociedade inglesa, é a primeira a questionar‐se sobre a 

doutrina, o modelo  e método  a  seguir no  restauro dos  seus monumentos nacionais. A dúvida 

estava entre o optar por uma vertente conservacionista do restauro ou intervencionista. Iniciado 

em  Londres,  este  é  um  debate  ainda  actual,  e  que  na  época  se  tornou  transversal  a muitas 

sociedades.  

O  arquitecto  J. Wyatt  introduz  as  campanhas  de  restauro  num  conjunto  de  catedrais  inglesas 

entre 1788 e 1791. A sua atitude revela‐se fortemente intervencionista “em nome transparência, 

da simetria e da unidade de estilo”. Com o objectivo de  transformar o espaço da catedral num 

espaço visual unitário, de Ocidente para Oriente, elimina, nos seus restauros, as tribunas e outros 

obstáculos,  desloca  os  monumentos  funerários,  demole  os  portais  “demasiado  antigos”  e 

substitui elementos tardios por elementos antigos reinventados, como uma rosácea na catedral 

de Durham. 

O reverendo Milner e o desenhador Carter, mostram‐se totalmente contra esta atitude radical de 

Wyatt. Escrevem artigos  sobre  “a devastação  continuamente  cometida nas nossas  catedrais” e 

pregam  uma  cruzada  contra  “as  pessoas  ocupadas  em  pagar  os  vestígios  da  nossa  antiga 

magnificência que, mantidos ainda intactos, não podem ser senão ridiculamente imitados e não  

                                                            2 CHOAY, 2000: 44 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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006 | Arcos do Teatro de Pompeia. 

007 | Ilustração da transformação da Arena de Arles em Citadela 

008 | Arena de Arles, estado actual 

009 | 010 | Recuperação e transformação dos arcos da Arena de Arles 

006

007 

008 

009 | 010 

21 

 

serão nunca,  indubitavelmente,  igualados.”3 Ruskin4 e Morris5 retomarão esta postura de Milner 

contra Viollet‐le‐Duc.6 

Na origem da conservação dos monumentos históricos em França está a Revolução francesa. As 

comissões  revolucionárias,  responsáveis  pela  manutenção  de  conventos,  igrejas,  castelos, 

palácios, deparam‐se com problemas técnicos e financeiros quando tentam substituir os antigos 

proprietários, o  clero, a  realeza ou os  senhores  feudais. Cabe‐lhes encontrar uma nova  função 

para  estes  edifícios  que  agora  detêm,  pois  estes  perderam  o  uso  inicial.  Este  processo  de 

reutilização  começou a  levantar novos problemas arquitectónicos que, aliás, perduram até aos 

dias de hoje. 

 

Por  volta  de  1960  o  monumento  histórico  é  então  consagrado  de  forma  mais  marcante  e 

simbólica aquando da elaboração da Carta de Veneza em 1964. “Este documento, publicado em 

1966, marca a retoma, após a 2ª Guerra Mundial, dos trabalhos teóricos relativos à protecção dos 

monumentos  históricos,  no  âmbito  de  uma  audiência  internacional  alargada. O  primeiro  texto 

internacional deste género tinha sido publicado em 1931, sob a égide da Sociedade das Nações e 

permaneceu estritamente europeu.”7  

No século XIX, após a consolidação e o reconhecimento do valor do monumento histórico, surge o 

debate sobre o restauro e, partir dos anos vinte, aparece uma nova disciplina, a conservação dos 

monumentos  antigos,  que  vem  de  encontro  aos  valores  e  novos  sentidos  então  atribuídos  ao 

monumento  histórico.  A  revolução  industrial  surge  no mesmo  seguimento  da  consagração  de 

monumento histórico. 

Neste sentido, na Europa, começa a surgir uma tendência de preservar e restaurar as ruínas de 

cidades assim como das esculturas e outros objectos que as escavações foram desvendando.  

 

Este  período  fez  com  que  surgissem  de  forma  célere,  tanto  em  França  como  em  Inglaterra, 

algumas leis de protecção. Esta realidade é abordada de diferentes formas nos dois países. 

                                                            3 CHOAY, 2000: 75 4 John Ruskin, Londres 1819 – 1900. Foi escritor e ficou reconhecido como crítico de arte e crítico social britânico. Escreveu ensaios 

sobre arte e arquitectura. Foi também poeta e desenhador. 5 William Morris,  Essex  1834  –  Londres  1896.  Foi um  dos principais  fundadores do Movimento das Artes  e Ofícios britânico  e do 

movimento socialista em Inglaterra. Era pintor e escritor. 6 Viollet‐le‐Duc,  França  1814  –  Suiça  1879. Arquitecto de  formação,  foi um dos primeiros  teóricos da preservação do património. 

Enquanto escritor e professor elaborou várias doutrinas sobre conservação. 7 CHOAY, 2000: 111 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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011 | 012 | 013| Entretiens sur l’architecture, vol.2, Viollet‐le‐Duc, 1872. 

014 | John Ruskin, Modern Painters IV, 1856. 

015| John Ruskin, Ruskin Library da Universidade de Lancaster, Reino Unido. 

016| John Ruskin, estudos para colunas. 

011 

012 | 013

014 

015 | 016

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Surgindo,  por  oposição  duas  doutrinas:  uma  intervencionista,  que  tem  lugar  no  conjunto  dos 

países europeus; e outra anti‐intervencionista, característica de Inglaterra. As duas teorias fazem‐

se ouvir, respectivamente, em França pela voz de Viollet‐le‐Duc, arquitecto que concebeu a teoria 

do restauro, e em Inglaterra por John Ruskin o pai da conservação. 

Estas duas  teorias,  totalmente antagónicas, surgem sob um clima conturbado dos monumentos 

históricos europeus. França, recém saída de um período de revoluções e conflitos, alterando a sua 

situação política,  Inglaterra deixa‐se guiar pela sociedade  industrial, num descuido, desinteresse 

que ameaçava o património.  

Cada autor atribui diferentes valores aos seus monumentos históricos, resultando em diferentes 

estratégias. França, conduz a  industrialização com uma  forte consciência da modernidade, com 

sentido de futuro, e progresso que aplicará nos seus monumentos históricos. 

Por sua vez,  Inglaterra, mãe da  industrialização, vive mais directamente  ligada com as tradições 

do passado. Os Franceses, envolvidos com a  industrialização retiram dos monumentos antigos o 

seu valor nacional e histórico. Para os  Ingleses, o presente vive‐se de olhos postos no passado, 

sendo essencial a presença dos monumentos históricos. 

A  formação  dos  dois  autores  também  é  muito  diferente  em  termos,  sociais,  profissionais  e 

culturais.  

Viollete‐le‐Duc,1814‐1879  nasceu  e  foi  criado  no  seio  de  uma  família  culta  e  recebeu  uma 

educação fortemente escolarizada. Começa a sua carreira num atelier de arquitectura e aos vinte 

e  quatro  anos  entra  para  o  departamento  de  conservação  de monumentos  na  administração 

pública. Dividindo a sua carreira entre arquitecto, professor e escritor. 

Apesar  de  raízes  familiares menos  cultas,  Ruskin,  1819‐1900,  possui  uma  formação  ampla  no 

campo cultural. Sempre tocado pelo desejo de descobrir a essência humana. Aproveitando a sua 

capacidade extraordinária de percepção do mundo que o rodeia, estuda e procura conhecimentos 

do passado, do presente e do  futuro. Sempre  se  interessou pelo mundo da  conservação e dos 

monumentos.  Não  é  possível  identificá‐lo  com  uma  profissão  fixa  remunerada.  Formações 

distintas, conduziram a posturas diferentes perante o monumento histórico na hora de recuperar.  

 

John  Ruskin  é  defensor  da  intocabilidade  dos monumentos  históricos  do  passado  e  não  está 

sozinho nesta luta, Morris partilha a sua doutrina e juntos tentam preconizá‐la. Ruskin, defendeu, 

que a memória é um valor do monumento histórico, capaz de criar a história de cada obra e de 

um tempo. 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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017 | John Ruskin, Ilustração The Stones of Venice in  Modern Painters ‐ 1851‐52. 

018 | John Ruskin, estudo para Gneiss Roc, Ashmolean Museum, Oxford, Inglaterra. 

019 | John Ruskin, ilustração arco e colunas. 

020 | John Ruskin, North West Porch, São Marcos, Veneza, 1877. 

021 | John Ruskin, entrada para o transepto Sul da Catedral de Rouen, França. 

022 | John Ruskin, aguarela, São Marcos, Veneza. 

017 | 018 

019 

020 

021 | 022 

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Assim sendo, a arquitectura é o elo de ligação com o passado, onde reside a nossa identidade e é 

parte  integrante  de  cada  ser  humano. Vê‐se  que  Ruskin,  reaproximando  assim  os  edifícios  do 

presente e do passado, não está longe de tornar a dar ao monumento histórico o valor e a função 

do monumento original. Ruskin, não pensa somente no edifício em si mesmo, e torna‐se pioneiro 

ao incluir, os “conjuntos urbanos”, na mesma categoria dos edifícios históricos a preservar. 

O  autor  defende  um  anti‐intervencionismo  radical,  consequência  da  sua  concepção  de 

monumento  histórico.  Acredita  que  as  gerações  passadas  imprimiram  em  cada  edifício  um 

carácter  sagrado.  Esta  passagem  do  tempo  deixou marcas  que  constituem  a  sua  essência.  O 

aprofundar dos estudos históricos resulta numa tomada de consciência do valor do passado. 

Este  século pensa o carácter único e  insubstituível, dos acontecimentos do passado, e o cunho 

que imprime em cada obra.8 

John Ruskin, defende a ideia de pertença dos monumentos do passado por parte daqueles que os 

edificaram e das suas gerações vindouras. Neste sentido afirma como ilegítima a possibilidade de 

lhes “tocar” pois eles não nos pertencem. 

Em “The Seven Lamps of architecture” o autor expõe, as suas teorias e princípios sobre o restauro 

e conservação arquitectónica. Numa atitude radical, identifica o restauro como “a destruição mais 

total que uma construção pode sofrer. O projecto restaurador é absurdo. Restaurar é impossível, 

tanto como dar vida a um morto.” 

Defende  a  teoria  de  conservação,  que  acredita  estar  profundamente  ligada  ao momento  da 

concepção  da  obra  arquitectónica.  Para  ele,  o  arquitecto,  ao  eleger  determinados materiais  e 

técnicas  construtivas, deve estar  consciente que  isto determinará a  vida da obra ao  longo dos 

séculos, assim, antecipando, a vida do edifício. A conservação deve corresponder à durabilidade                                                              8 “Devemos “ter em conta a grande modificação que se  insinuou no mundo, transformando a natureza do seu sentimento e do seu 

conhecimento da história  […]. Os nossos antepassados  representavam  tudo o que  tinha  todo  lugar no passado exactamente  como 

esses mesmos factos lhe teriam aparecido na sua própria época. Eles julgavam o passado e os homens do passado de acordo com os 

critérios  da  sua  própria  época.  E  esses  tempos  antigos  estavam  tão  recheados  que  eles  não  tinham  qualquer  tempo  livre  para 

especular a cerca dos desenvolvimentos do passado ou do futuro. Vale a pena sublinhar como a situação é agora diferente. A tomada 

de consciência cada vez mais forte do presente, mostrando‐nos mesmo o quanto os homens, aparentemente animados pelas mesmas 

paixões que nós, eram, na realidade, diferentes […], essa tomada de consciência, sublinhando inteiramente essa diferença ligou‐nos, 

contudo, ao passado de tal maneira que ele faz hoje parte integrante da nossa vida e mesmo do nosso próprio desenvolvimento. Este 

facto, ouso afirmá‐lo, nunca tinha acontecido antes. É um facto completamente novo […]. Repito‐o, nós os que pertencemos a este 

século, fizemos uma descoberta impossível para as idades precedentes, dito de outra forma, nós sabemos a partir que nenhum novo 

esplendor, nem nenhuma obra moderna podem substituir‐nos a perda de um trabalho antigo, que é uma autêntica obra de arte”” The 

Builder, artigo sobre “The restauration of ancient buildings”, 28 Dezembro de 1878. CHOAY, 2000: 130 

 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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023 | John Ruskin, desenho de Aldeia Italiana, 1845. 

024 | John Ruskin, The Ducal Palace, Veneza. 

025 | John Ruskin, Ruskin Library da Universidade de Lancaster, Reino Unido. 

023 

024 

025 

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dos  materiais  com  que  o  objecto  arquitectónico  foi  concebido.  Este  princípio,  utilizado  no 

momento  da  sua  criação,  deve  ser  o mesmo  que  acompanha  o  edifício  ao  longo  da  sua  vida. 

Ruskin, clarifica três etapas ao longo da vida de um edifício: o início, que corresponde à altura da 

sua  construção;  a  história,  que  é  o  período  de  vida  da  obra;  e  um  fim,  sem  possibilidade  de 

restauro. 

O autor, encontra no  restauro a  impossibilidade de  fazer  renascer um  tempo passado a que o 

edifício pertenceu, bem como a dificuldade de identificação plena com o artista que o produziu. A 

ideia  do  restauro  é  vista  como  uma mentira,  uma  tentativa  de  subverter  a  autenticidade  dos 

princípios que constituíram o edifício. 

O seu historicismo, e a vontade de manter autentica a vida de cada edifício, leva‐o a afirmar que o 

restauro é “[…]  la más absoluta destrucción que un edifício pueda sufrir: una destrucción tras  la 

cual no quedan restos que reunir: una destrucción que se acompaña con falsas descripciones de 

lo destruído.”9 Defende que a conservação deve ser um processo contínuo, de responsabilidade 

da  população  em  geral  e  não  unicamente  do  arquitecto.  Entende  que,  necessariamente,  uma 

intervenção  de  restauro  resulta  de  uma  má  utilização  dos  monumentos,  de  descuidos  e 

desinteresse pela herança do passado. 

Para  que  esta  atitude  anti‐intervencionista  não  culmine  na  ruína  dos monumentos,  Ruskin  e 

Morris “preconizam a sua manutenção e admitem que se os consolide, com a condição de ser de 

forma invisível.”10 

Ruskin dirige uma crítica aos Franceses acusando‐os de “antes de mais, negligenciar os edifícios, 

para depois os  restaurar em  seguida”, assertivamente afirma  “tomais  convenientemente  conta 

dos vossos monumentos e não  tereis de os restaurar em seguida.”11 Ao homem cabe a simples 

tarefa  de  o  proteger  e  conservar  para  gerações  vindouras. Neste  processo,  o  edifício  adquire 

características próprias como a patine dos anos, defendida por Ruskin como símbolo de beleza e 

marca da acção, inevitável, do tempo. O restauro, destruiria esta memória, apagando estes sinais 

da história, para além de modificar a fisionomia adquirida pelo tempo, não passaria de um falsear 

da realidade. “la memoria que no puede ser violada es la memoria que tiene un valor pedagógico: 

es decir, que permite la transmición de la civilización.”12 

                                                             9 RUSKIN, cit JUSTICIA, 2008: 235 10 CHOAY, 2000: 131 11 RUSKIN, cit CHOAY, 2000: 131  12 JUSTICIA, 2008: 238 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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026 | Ilustração do exterior do Cristal Palace, colecção de John D. Crimmins. 

027 | Ilustração do interior do Cristal Palace. 

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027 

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Não  confundamos a  sua postura  como defensora da  ruína. Ele apenas pretende que o edifício 

encontre o  seu  fim  longe da mentira e da  falsificação que diz provocar o  restauro. Associava o 

restauro  à  destruição  de  uma  memória  passada,  o  edifício  só  deve  durar  aquilo  que  a  sua 

natureza  permita.  ”Lo  que  llama  restauración  no  es  más  que  el  peor  modo  de  destrucción 

[aforimo 31]. No nos  engañemos  en  asunto  tan  importante;  es  imposible,  tan  imposible  como 

rescucitar a los muertos, restaurar algo que haya sido grande o bello en arquitectura.”13 Exprime 

bem a sua postura no artigo sobre o Crystal Palace.14 

Entendendo a arquitectura como uma arte perene no tempo, os autores condenam o restauro. O 

revivalismo é aceite como uma realidade incontornável, e os edifícios antigos, intocáveis, passam 

a fazer parte do dia‐a‐dia. 

Esta doutrina Ruskiana de conservação dos monumentos, difunde‐se por toda a Europa opondo‐

se ao pensamento restaurador de Viollet‐le‐Duc.  

 

Conforme  supra  referido, em França, na doutrina do  restauro destaca‐se a  figura de Viollet‐le‐

Duc.  Racionalista,  é  o  autor  da  primeira  teoria  sobre  o  restauro  arquitectónico,  pondo‐a  em 

prática através de projectos seus de recuperação.  

A sua postura constrói‐se com base nos conhecimentos da recuperação efectuada a partir período 

medieval. Reconhecer o valor arquitectónico dos monumentos do passado conduz a sua postura 

intervencionista. O espírito pioneiro francês em relação à implementação de leis de protecção do 

património, bem como o meio erudito onde se  insere, ajudam‐no no desenvolvimento das suas 

teorias. 

Diametralmente oposto às práticas de conservação de Ruskin, Viollet‐le‐Duc afirma a sua postura 

intervencionista nas operações que faz em monumentos franceses e nos seus artigos sobre esta 

temática. Defende que o  restauro  far‐se‐á através de uma analogia a partir dos  fragmentos do 

passado. Para melhor se conhecer a sua postura perante a problemática do restauro é necessário 

recorrer à definição do seu Dictionnaire raisonné de l’Architecture française du XIe au XVIe siécle,  

                                                            13 RUSKIN, cit JUSTICIA, 2008: 236 14 Ruskin “proíbe que se toque no monumento, “salvo na medida em que possa ser necessário consolidá‐lo ou protege‐lo  […] essas 

operações necessárias limitam‐se a substituir pedras novas às usadas no caso em que estas ultimas sejam absolutamente necessárias 

para a estabilidade do edifício; a escorar com madeira ou metal as partes susceptíveis a darem de si; a fixar ou cimentar no seu lugar as 

esculturas prestes a soltarem‐se; e, de modo geral, a arrancar as ervas daninhas que se inserem nos interstícios das pedras e a soltar as 

condutas de  escoamento. Mas, nenhuma  escultura moderna ou nenhuma  cópia deve  ser misturada  com  as obras  antigas, nunca, 

quaisquer que sejam as circunstâncias”, op. cit. IX, P112, itálicos de Ruskin” CHOAY, 2000: 131 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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028 | 029 | 030 | 031 | Viollet‐le‐Duc, desenhos do Dictionnaire raisonné de l’Architecture française du XIe au XVIe siécle, París, 1854‐

1868. 

032 | Viollet‐le‐Duc, projecto para a Palais des Papes, Avignon, França. 

033 | Viollet‐le‐Duc, projecto de uma sala de concertos, 1864, in Entretiens sur l’Architecture, expressando os princípios góticos. 

034 | Viollet‐le‐Duc, perspectiva da ideal igreja gótica. 

035 | Viollet‐le‐Duc, desenho para o Mausoléu da Duquesa de Alba, 1867, Médiathèque de l'architecture et du Patrimoine, Paris. 

028 | 029 

030 | 031 

032 | 033 

034 | 035 

31 

 

París, 1854‐1868,onde define a palavra  restauro da seguinte  forma: “La palavra y  la acción  son 

modernas.  Restaurar  un  edifício  no  es  conservarlo,  rehacerlo  o  repararlo,  es  restituirlo  a  un 

estado completo que puede que no haya existido  jamás.” Acrescenta ainda que o arquitecto no 

momento  da  recuperação  deve  colocar‐se  no  papel  do  arquitecto  primitivo  do monumento  e 

intervir de acordo com os seus princípios tentando alcançar a sua forma de pensar. Viollet‐le‐Duc, 

acredita que se este arquitecto medieval voltasse aos dias de hoje restauraria de acordo com as 

necessidades, engenhos e regras que tem ao seu dispor, pois o seu pensamento é ser racional e 

actual.Tal  definição  reflecte,  claramente,  uma  postura  intervencionista,  reformadora  e  de 

mudança perante o restauro. 

Por oposição, Morris define o  restauro: “preservar os edifícios antigos  significa conservá‐los no 

próprio estado em que nos  foram  transmitidos,  reconhecível, por um  lado, enquanto  relíquias 

históricas, e não como as suas cópias e, por outro  lado, enquanto obras de arte executadas por 

artistas que teriam sido livres para trabalhar de outra forma se assim o tivessem desejado.”15 Os 

restauros  de  Viollet‐le‐Duc  reflectem  intervenções  de  correcção  muitas  vezes  consideradas 

agressivas.  Em  sua  defesa,  nos  textos  onde  descreve  a  diversidade  a  que  estavam  sujeitos  os 

edifícios religiosos do século XIII, o autor afirma: ““todos originários do mesmo princípio”, grande 

família em que cada membro possui, no entanto, “um carácter de originalidade bem cavado”, em 

que “ se sente a mão do artista, se reconhece a sua individualidade”.”16  

Para  o  autor  o  principal  problema  na  hora  de  restaurar  reside  nos  edifícios  com  diferentes 

estratos temporais, na decisão de qual(ais) o(s) período(s) que deve(m) prevalecer no restauro. É 

um diálogo entre estética e história. “Si es necesario restaurar no sólo  las partes primitivas, sino 

las modificadas,  ¿es  necesario  no  tener  en  cuenta  la  última  y  restablecer  la  unidad  de  estilo 

alterado o  reproducir exactamente el conjunto con  las modificaciones posteriores? Es entonces 

cuando a adopción absoluta de una de  las dos opciones puede ofrecer peligros y cuando, por el 

contrario, es necesario – sin admitir ninguno de los dos principios de manera absoluta – actuar en 

razón de las circunstancias particulares.”17  

Para Ruskin, é nossa obrigação manter  vivos os edifícios do passado,  sem deixar que o  tempo 

actue  sobre  eles  como  factor modificador.  Por  sua  vez,  Viollet‐le‐Duc,  apela  ao  restauro  pois 

encarou o seu falecimento. Viollet‐le‐Duc, vive de olhos postos no futuro e acredita ser este o  

                                                            15 MORRIS, in The Builder, cit CHOAY, 2000: 131 16 CHOAY, 2000: 131 e 132 17 VIOLLET‐LE‐DUC, cit JUSTICIA, 2008: 231 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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036 | Catedral de Notre‐Dame, Paris. 

037 | Viollet‐le‐Duc, projecto para a pintura das paredes e decoração das capelas da Catedral de Notre‐Dame, Paris, 1870. 

038 | Viollet‐le‐Duc, ilustração da Catedral de Saint‐Sernin de Toulose. 

039 |  Catedral de Saint‐Sernin de Toulose. 

040 | Viollet‐le‐Duc, ilustração do Castelo de Pierrefonds 

041 | Castelo de Pierrefonds. 

042 | Muralhas da cidade de Carcasone. 

036 | 037 

038 

039 

040 | 041 

042  

33 

 

caminho do restauro. Esta visão reflecte‐se numa atitude restauradora intransigente, voltada para 

a  intervenção sempre que necessária. Para o autor, “Um edifício não se torna “histórico” se não 

na condição de ser entendido como pertencendo simultaneamente a dois mundos, um presente e 

imediatamente  dado,  o  outro  passado  e  inapropriável”18,  assim  sendo  deve‐se  assumir  com  a 

mesma  importância  tempos  diferentes  sem  viver  a  nostalgia  do  passado.  São  exemplo  de 

intervenções suas: os primeiros trabalhos em Vezeley, na catedral de Notre‐Dame de Paris ou a 

Catedral de Amiens, Saint‐Sernin de Tolouse, o Castelo de Pierrefonds ou as Muralhas da cidade 

de Carcasone. O autor deixa um grande legado na cultura arquitectónica Francesa.  

A  posição  anti‐intervencionista  de  Ruskin,  pretende  tornar  intacta  a  patine  adquirida  pelos 

monumentos  históricos  ao  longo  dos  anos.  Tenta  reparar  os  edifícios  com  o  mínimo  de 

intervenção  possível  contrariando  a  posição  radical  de  Violet‐le‐Duc.  Ruskin,  defende  a 

intervenção na única perspectiva de não deixar cair os edifícios. Estes pertencem a um tempo e a 

um espaço marcado pelos homens, no qual não  se deve  tocar; e  são entendidos, em primeiro 

lugar, como objecto de arte. Por oposição, em França, o monumento histórico é visto antes de 

mais como um objecto histórico, que deve ser analisado racionalmente. O lado afectivo de ruína 

virá a posteriori, a par da sua condição de obra de arte. Os Franceses defendem uma intervenção 

através  do  restauro  fiel,  que  se  torne  parte  integrante  do  edifício  de  forma  a  tornar‐se 

indetectável. Valorizam “a memória histórica relativamente à memória afectiva.”19   

Entre  Ingleses e Franceses, como  já foi referido, as doutrinas divergem: os Franceses dirigem‐se 

para  a  museologização  dos  monumentos  históricos  através  do  restauro  de  alguns  edifícios, 

atitude fortemente criticada pelos ingleses. 

Ruskin,  implementa,  pratica  e  difunde  a  sua  doutrina  unicamente  em  Inglaterra. Os  princípios 

intervencionistas  de  Viollet‐le‐Duc  iniciam‐se  em  França  mas  a  Europa  começa  a  admirar  e 

mostra‐se disponível para os adoptar.20 Ruskin e Viollet‐le‐Duc, teceram as primeiras teorias sobre 

os métodos de conservação e  restauro dos monumentos históricos. São os  fundadores de uma 

primeira geração crítica e  reflexiva perante a problemática do  restauro. Ambos os autores  têm 

como objectivo final, proteger os monumentos do passado. A postura  interventiva de Viollet‐le‐

Duc,  pretende  prolongar  a  sua  existência,  o  conservadorismo  de  Ruskin  pretende  torná‐los 

intocáveis para que não se perca a sua autenticidade. 

                                                            18 CHOAY, 2000: 133 19 Idem: 135 20 Principalmente os países de língua alemã e na Europa Central. 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

34 

 

Após a tomada de consciência do valor histórico e artístico dos monumentos, o debate sobre o 

restauro  continuará  durante  vários  anos  ao  longo  do  século  XIX.  Por  se  tratar  de  um  tema 

inacabado,  seguiu‐se,  no  final  do  século,  uma  reflexão  crítica  sobre  o  assunto. A  aceitação  da 

doutrina de Violet‐le‐duc, começa a ser ameaçada por um novo método de restauro. Este, graças 

aos  progressos  da  arqueologia  e  da  história  da  arte,  torna‐se mais  ponderado, moderado,  e 

consequentemente mais reflexivo. 

Surge o  restauro científico, defendido por Camilo Boito21, e o  restauro histórico,  formulado por 

Luca Beltrami22. Ambas as teorias sustêm a ideia de que cada obra de arte é singular, é um feito 

diferente e acabado. Pondo de parte a teoria de Viollet‐le‐Duc, de restaurar por analogia a outros 

elementos arquitectónicos. 

Apesar de hoje em dia, a sua obra não ser manifestamente reconhecida, a não ser no seu país de 

origem,  Itália, Boito defendeu apaixonadamente esta nova posição.23   Camillo Boito, 1835‐1914, 

arquitecto,  engenheiro  e  historiador  de  arte,  alarga  a  sua  formação  em  Itália, Alemanha  e  na 

Polónia.  Ensina  e  pratica  a  arquitectura  e  o  restauro  dos  edifícios  antigos  em Milão.  Pela  sua 

formação é‐lhe permitido dialogar entre as artes e a  técnica. Boito situa‐se entre a doutrina de 

Viollet‐le‐Duc e Ruskin, tentando retirar o melhor de cada uma, para formular a sua posição. 

Assim, tenta conciliar o radicalismo de Ruskin, com a possibilidade de restauro. Reprova a ideia de 

que um edifício está condenado a um final de ruína através do passar do tempo, acreditando que 

pode  reverter  este processo utilizando os devidos  instrumentos  técnicos. Contradiz  a  doutrina 

francesa ao opor‐se à  reconstrução  falseada de peças arquitectónicas, bem  como a eliminação 

dos diferentes estilos históricos na mesma obra, defendendo a autenticidade histórica de  cada 

monumento. 

Em  1883,  enuncia,  no  Congresso  de  Engenheiros  e  Arquitectos  Italianos,  os  princípios 

fundamentais  da  sua  teoria  da  conservação  e  do  restauro  ‐  “Restaurare  o  Conservare”  ‐  dos 

monumentos históricos, que  se baseiam  em quatro pontos.24  Estas directrizes  acabam por  ser 

                                                            21 Camilo Boito, 1835‐1914. Arquitecto, engenheiro e conceituado historiador de arte italiano. 22 Luca Beltrami, Milão 1854 ‐ Roma 1933, foi arquitecto do parlamento italiano.  23 “Na sua Storia dell’architecttura moderna, Turim, Einaudi, 1951, Bruno Zevi faz de Boito um Herói nacional e concede‐lhe o lugar de 

pioneiro que recusa a Giovannoni. Para a bibliografia crítica de Boito, cf. C. Ceschi, Teoria e storia del restauro, Roma, Bulzoni, 1970.” 

CHOAY, 2000: 136 24  “1.  Los monumentos  son  válidos, no  sólo para el estudio de arquitectura,  sino  también  como documentos de  la historia de  los 

pueblos  y,  por  ellos,  deben,  ser  respetados,  puesto  que  sus  alteraciones  conducen  a  engaño  y  a  deducciones  erróneas.  2.  Los 

monumentos deben ser consolidados antes que  reparados,  reparados antes que  restaurados, evitando añadidos y  renovaciones. 3. 

Cuando los añadidos sean indispensables, por razones de estática u otros motivos de absoluta necesidad, deben realizarse sobre datos 

35 

 

integradas na  lei  italiana em 1909. Quando G. Giovannoni25, na Conferência de Atenas se refere 

ao “restauro  italiano dos monumentos em  Itália” mostra‐se totalmente solidário com as teorias 

de Boito. 

Em 1893, em Questioni pratiche di belli arti, Boito elabora a  sua  teoria através da  voz de dois 

técnicos. Um representa as ideias intervencionistas de Viollet‐le‐Duc e outro ‐ alter‐ego de Boito, 

com  posição  semelhante  a  Ruskin  e Morris  ‐  critíca  o  anterior.  As  teorias  de  Boito  assumem 

grande  importância na  formulação de  legislação  italiana  sobre a conservação dos monumentos 

antigos.  Contudo,  estes  princípios  difundem‐se  lentamente  e  só  em  1931,  aquando  da 

Conferência  Internacional  de  Atenas  para  o  Restauro,  estes  princípios  são  valorizados.  Os 

métodos  tornaram‐se  insuficientes  e  obsoletos  aquando  da  vasta  destruição  causada  pela 

Segunda Guerra Mundial. 

Boito “deve a Ruskin e a Morris a sua concepção de conservação dos monumentos, fundada sobre 

a  noção  de  autenticidade.  Não  se  deve  apenas  preservar  a  patine  dos  edifícios  antigos, mas 

também  os  acrescentos  sucessivos  de  que  o  tempo  os  carregou:  verdadeiros  estratos 

comparáveis  ao  da  crosta  terrestre,  que  Viollet‐le‐Duc  condenava  sem  escrúpulos.”26  Não 

obstante,  contra  Ruskin  e Morris, mostra‐se  solidário  com  a  posição  de Viollet‐le‐Duc  sobre  a 

sobreposição  do  presente  em  relação  ao  passado,  defendendo  a  legitimidade  do  restauro. 

Acreditava  que  este  deveria  ser  o  último  recurso,  quando  todos  os  outros  métodos  de 

salvaguarda dos monumentos – manutenção,  consolidação,  reparação – não  foram  capazes de 

suprir  as  necessidades. O  restauro  torna‐se  uma mais‐valia  quando  o  edifício  caminha  para  a 

destruição e sem ele não será capaz de resistir no tempo. 

Alcançar  um  estado  intermédio  entre  as  duas  teorias  antagónicas  sobre  o  restauro,  introduz 

alguma complexidade ao tema. Segundo o autor, para se iniciar o processo de restauro, deve‐se, 

antes de mais, encontrar no edifício a sua pertinência, necessidade, e importância da intervenção. 

Depois de concluída a sua  indispensabilidade, este deve ser assumido claramente para se tornar 

legítimo. O trabalho de restauro deve sobressair do edifício em si mesmo, deve fazer‐se realçar a 

falta de autenticidade para que não se caia na tentação de um mimetismo impossível de alcançar. 

                                                                                                                                                                                    absolutamente  ciertos  y  con  caracteres  y  materiales  diferentes,  pero  conservando  en  el  edificio  su  aspecto  actual  y  su  forma 

arquitectónica,  artística  y pintoresca.  4.  Los  añadidos  realizados  en  épocas  anteriores,  se deben  considerar partes  integrantes del 

monumento y, en consecuencia, deben ser mantenidos, salvo en aquellos casos en que enmascaren o alteren su aspecto.” JUSTICIA, 

2008: 242   25 Gustavo Giovannoni, Roma 1873 – 1947. Foi um arquitecto e engenheiro italiano. 26 CHOAY, 2000: 137 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

36 

 

Este  processo  pode  ser  levado  a  cabo  de  diferentes  formas:  “materiais,  diferente  cor  do 

monumento original,  aposição  sobre  as partes  restauradas de  inscrições e de  sinais  simbólicos 

precisando  as  condições  e  as  datas  das  intervenções,  difusão,  local  e  na  imprensa,  das 

informações  necessárias  e,  em  particular,  de  fotografias  das  diferentes  fases  das  operações  e 

conservação  na  proximidade  do  monumento  das  partes  eventuais  a  que  o  restauro  se 

substituiu.”27 

Boito, defende que  cada  intervenção num monumento histórico deve  ser  identificada pelo  seu 

estilo, e pela  técnica aplicada em  cada um. Neste  sentido propõe  três  tipos de  intervenção de 

acordo com o estilo e a idade dos edifícios em questão. Um para os monumentos da Antiguidade, 

onde a preocupação maior deve passar pelo rigor científico e, quando necessária a  intervenção, 

esta  deve  cingir‐se  a  uma  reconstituição  volumétrica  não  entrando  em  detalhes  de 

ornamentação. Outro para os monumentos góticos, onde o restauro deve incidir, na base da obra, 

no seu “esqueleto”, deixando tudo o que é acessório, estatuária e decoração, ao sabor do efeito 

do tempo. Por fim, um terceiro tipo para os monumentos clássicos e barrocos, onde a intervenção 

deve ser vista como um todo. 

As  directivas  para  a  formulação  da  sua  doutrina  sobre  o  restauro  assentam  nos  conceitos  de 

autenticidade, de hierarquia de intervenção e de estilo restaurador. As suas regras aprofundaram‐

se e clarificaram‐se com os processos de restauro elaborados depois dos conflitos armados desde 

a Primeira Guerra Mundial, associados ao desenvolvimento técnico desses tempos. Contudo, na 

sua génese, permanecem válidas. 

 

Como  foi  referido  Luca  Beltrami,  1854‐1933,  contemporâneo  de  Camillo  Boito,  defende  o 

restauro  ligada  à  intervenção  inovadora  apelidada  de  Restauro  Histórico.  Homem  de  poucas 

teorias reflecte, e escreve sobre projectos concretos. Parte da sua formação académica dá‐se em 

Paris,  daí  o  seu  apoio  à  teoria  da  analogia  defendida  por  Viollet‐le‐Duc.  Numa  atitude muito 

racional  apoia‐se  sempre  num  rigoroso  conhecimento  histórico  para  enquadrar  espacial  e 

temporalmente  o  edifício  em  questão.  Associado  ao  conhecimento  histórico  privilegia  o 

reconhecimento das motivações do arquitecto que o projectou e da função que deveria cumprir. 

Com esta preparação prévia antes do restauro, Beltrami tenta encontrar a medida justa que não 

corrompa a autenticidade da obra, sem ter que ser necessariamente uma recuperação do original. 

                                                            27 CHOAY, 2000: 138 

37 

 

O autor discorda de Ruskin, encontrando no restauro um processo positivo para fazer perdurar a 

obra no  tempo diminuindo o  seu desgaste e opondo‐se à  ideia que a patine dos anos e o  seu 

processo natural de degradação conferem ao edifico uma beleza natural. No acto de  reabilitar, 

Luca Beltrami, baseia‐se unicamente na observação directa do monumento adoptando para cada 

caso uma atitude. A observação directa do monumento sobrepõe‐se às fontes de conhecimento 

indirectas. 

Beltrami, encontra o valor máximo da obra no seu valor artístico, sobrepondo‐o a todos os outros. 

Estes últimos devem ser analisados em  favor do primeiro. Descoberto este valor artístico sobre 

todos  os  outros,  o  restauro  deve  recuperar  restituindo  à  obra  de  arte  todos  os  elementos 

figurativos que emprestem à obra a sua singularidade, resgatando a sua verdadeira forma. 

Quando o grau de destruição  for demasiado elevado não  será possível  fazer a  sua  reprodução, 

defendida por Viollet‐le‐Duc, pois para Beltrami o acto criador é único e irrepetível. Desta postura 

resultam  alguns  princípios28  que  se  opõem  ao  método  defensor  da  historicidade  dos 

monumentos, ainda que sem negar o seu valor artístico. 

Em suma, para Beltrami, nas obras arquitectónicas destaca‐se o valor figurativo. Assim, o restauro 

é um acto criador, que confere ao edifício a sua individualidade. Todo este processo sem inventar 

nenhum  componente  do  espaço,  servindo‐se  dos  elementos  que  tem  ao  seu  dispor,  que  a 

arquitectura lhe fornece. A aplicação das teorias de Boito e Beltrami dá‐se já no século XX.  

 

Refira‐se ainda que, como uma das figuras emblemáticas do restauro do  início do século XX em 

Itália, está Gustavo Giovannoni. Partindo da doutrina positivista de Boito, acredita ser impossível 

fundar o estudo da arquitectura no simples valor estético. A arquitectura engloba a história de 

vários tempos. Assim, é essencial o estudo de todos, a bagagem histórica que está por detrás de 

uma obra para que se alcance um conhecimento global da mesma. Antes de qualquer valorização 

estilística, o monumento é parte  integrante da história, é um documento palpável que não deve 

ser deixado ao sabor de conceitos estilísticos hipotéticos. 

 

                                                            28 “1. Eliminar las superposiciones y añadidos – incluso apreciables y de valor testimonial – que pueden dañar y desgastar la integridad 

arquitectónico  figurativa, alterando así su visión –  Imagem | 044; 2. Proibir  las  reconstrucciones allí donde  las destrucciones hayan 

causado la pérdida de la unidad figurativa; 3. Legitimar las reconstrucciones, con la de que sean realizadas sobre datos absolutamente 

seguros y no sean reconstrucciones sustanciales, porque entonces afectarían a  la condición de  irrepetibilidad que toda obra de arte 

lleva consigo. De esta forma, completando las partes que falten, se podrá restituir la visión completa.” JUSTICIA, 2008: 246 e 247 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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043 | Santa Maria in Cosmedin, Roma, adaptada no séc. XVIII, com a fachada de Giuseppe Sardi 

044 | Santa Maria  in Cosmedin, Roma. Retoma‐se o seu aspecto primitivo medieval, aplicando os critérios positivistas   da “restauro 

histórico”.

043

044

39 

 

Giovanonni  tenta  “crear  una  normativa  en  equilibrio  sutil  entre  las  exigencias  de  la  verdad 

histórica  y  los  problemas  de  la  naturaleza  estética  que  la  obra  plantea.”29 O  autor  estabelece 

ainda  uma  distinção  entre  monumentos  mortos,  incapazes  de  cumprir  a  sua  função,  e 

monumentos vivos que satisfazem necessidade do presente e que cumprem uma função. Divide 

esta última categoria em maior e menor, e poderiam ser restaurados através de consolidações e 

recomposições. 

Concentra todos os seus escritos e teorias elaboradas enquanto docente, estudioso e teórico em 

“I  restauri  dei  monumenti”.  A  sua  doutrina  teve  grande  relevo  no  primeiro  documento 

internacional do restauro, “A carta de Atenas”. Em Itália este documento dá origem à “Carta del 

Restauro 1932”, consagrando as ideias de Giovanonni, uniformizando o método e fornecendo um 

guia para todos os arquitectos. As suas teorias foram postas em prática durante os períodos de 

recuperação após as duas Grandes Guerras Mundiais.  

 

Durante o período do  século XX, para  se exercer de  forma mais  consciente  a  conservação e o 

restauro  dos  monumentos  históricos,  exigiu‐se  um  maior  conhecimento  científico  e  técnico, 

relacionado  com  a  constituição  dos materiais.  Este  saber,  deveria  estar  sempre  associado  ao 

conhecimento rigoroso da história da arquitectura. A  intervenção de técnicos especializados em 

monumentos históricos exige não só um rigoroso conhecimento histórico, técnico e metodológico 

como também uma doutrina capaz de fazer conviver estes saberes com o conhecimento prático 

na hora da intervenção. 

Neste  sentido,  urge  a  necessidade  de  formular  documentos  que  estabeleçam  princípios, 

internacionais para a salvaguarda do património,  já  referidos pontual e sumariamente ao  longo 

do texto. 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            29 JUSTICIA, 2008: 282 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

40 

 

As Cartas 

 

A tomada de consciência da importância da protecção do património arquitectónico ao longo do 

século  XX  é  assinalada  em  1931  com  a  elaboração da Carta de Atenas, onde  são  consagrados 

princípios,  internacionais,  continentais  e  nacionais  para  a  salvaguarda  do  património.  É 

importante o conhecimento destes textos para elaborar projectos de restauro, contudo, há várias 

questões  que  se  levantam  aquando  da  sua  interpretação.  “…existe  una  tendencia  bastante 

generalizada entre grande parte de  los teóricos de  la restauración a desconfiar de estas normas 

escritas.”30 Tal  facto baseia‐se na necessidade que estes  sentem em aplicar uma  reflexão e um 

juízo, antes da aplicação de regras num trabalho de restauro. 

As cartas estruturam uma base de conhecimento prévio, pois cada obra é singular, necessitando 

de métodos próprios. A dificuldade, muitas vezes, reside na falta de uma base de conhecimentos 

arquitectónicos que permita interpretar, reflectir e apreciar os princípios ditados pelas cartas. 

 

A Carta de Atenas, de 1931, é um documento internacional elaborado no âmbito da conferência 

de Atenas. A carta reúne um conjunto de princípios de maior importância no âmbito do restauro 

constituindo um ponto de viragem no restauro europeu. Nesta primeira conferência internacional 

sobre o restauro, realizada em Atenas, estabelecem‐se e redigem‐se, pela primeira vez, princípios 

aceites por  todos os países que  guiarão o processo de  restauro  com um mesmo  fio  condutor, 

resultando num entendimento generalizado. 

Em  dez  artigos,  a  carta  aglutina  os  critérios  do  restauro moderno. No  primeiro  artigo,  a  carta 

consagra o interesse comum dos Estados na conservação do património arquitectónico e artístico. 

A Comissão  Internacional de Cooperação  Intelectual passa a  ser o organismo  competente para 

avaliar  o  processo  de  restauro  de  cada  intervenção.  No  artigo  II  reprovam‐se  as  restituições 

integrais,  salvaguardando  o  respeito  por  todas  as  épocas  históricas,  tentando,  sempre  que 

possível, manter o seu uso inicial. Se tal não for possível, deve respeitar‐se o carácter histórico e 

artístico no novo uso a aplicar. Cada estado deverá resolver todos os problemas que resultem de 

conflitos público/privados. Não esquecendo, porém, que o monumento é sempre considerado um 

bem  público,  sobrepondo‐se  este  ao  interesse  privado,  princípio  consagrado  no  artigo  III.  No 

artigo  IV, prevê‐se,  sempre que possível, a  reconstituição de elementos originais, bem  como a 

utilização de novos materiais e sistemas construtivos, em particular o betão armado, uma vez que                                                             30 JUSTICIA, 2008: 371 

41 

 

não  se  altere  o  aspecto  externo  do  edifício  –  artigo  V.  Existem  ameaças  exteriores  de  várias 

ordens, o que conduz à  interdisciplinaridade  ‐  física, química e ciências naturais – necessária na 

hora de restaurar, sendo publicados os resultados obtidos em publicações internacionais – artigo 

VI. Aconselha‐se a não  instalação de publicidade e  indústrias ruidosas  junto do centro histórico, 

uma  vez que estas normativas podem  ser entendidas mais  além da protecção do monumento 

histórico e artístico, abrangendo  também o  centro histórico – artigo VII. A  carta no  seu oitavo 

artigo, alerta para a  importância de elaborar  inventários nacionais acompanhados com material 

gráfico,  e  criar  arquivos nacionais  com  a documentação  referente  aos monumentos históricos, 

publica‐los  no  âmbito  nacional. O  artigo  X  aborda  as  questões  de  protecção  da  obra  de  arte, 

incumbindo os educadores a incutir bons hábitos de conduta de protecção das obras de artes nos 

mais novos uma vez que as obras de artes vêm do afecto e do respeito do povo. 

A Carta de Atenas teve grande impacto e repercussão em toda a Europa, estabelecendo princípios 

internacionais e muitos ainda vigoram hoje em dia. Este texto deu origem a inúmeras legislações 

nacionais  e  europeias.  Em  Itália,  Gustavo  Giovannoni,  propôs  uma  reelaboração,  a  Carta  do 

Restauro, que conferia mais  importância aos elementos documentais que aos aspectos  formais. 

Itália assumiu a posição de vanguardista na área do restauro.  

 

Do II Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos dos Monumentos Históricos, realizado em 

Veneza, resulta a elaboração de uma nova carta do restauro, A Carta de Veneza de 1964 – Carta 

Internacional  para  a  Conservação  e  Restauro  de  Monumentos.  Reconhecendo  a  importante 

função da Carta de Atenas, a Carta de Veneza vem reforçar a ideia de manutenção do passado e 

dos edifícios da humanidade, assumindo que as regras devem ter um carácter internacional. 

A Carta  renova‐se, essencialmente, no artigo  I, onde  se estabelece agora um novo conceito de 

monumento histórico mais ampliado. Enquanto que na Carta de Atenas se fala em “monumentos 

artísticos  e  históricos,  obras  emblemáticas  nas  quais  a  civilização  encontrou  a  sua mais  alta 

expressão e que apareçam ameaçadas”, a Carta de Veneza refere “[…]  la noción de monumento 

histórico  comprende  tanto  la  creación  arquitectónica  aislada,  como  el  ambiente  urbano  o 

paisajístico  que  constituya  el  testimonio  de  una  civilización  particular,  de  una  evolución 

significativa de un acontecimiento histórico. Esta noción se aplica no sólo a las grandes obras, sino 

también a las obras modestas que, con el tiempo, hayan adquirido un significado cultural.”31  

 

                                                            31 JUSTICIA, 2008: 376 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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045 | Museu do Louvre, Paris, França. 

045 

43 

 

Neste  sentido,  a  carta  de  Veneza  assume  um maior  carácter  de  conjunto,  valorizando  todo  o 

enquadramento ambiental do objecto arquitectónico. 

A nova carta refere, em conformidade com a Carta de Atenas, a importância da junção dos vários 

saberes ao serviço do restauro ‐ artigo II. Especifíca em que situações se deve recorrer à utilização 

de materiais e técnicas modernas, quando a ciência e a experiencia tenham demonstrado a sua 

eficácia e quando as técnicas tradicionais resultem inadequadas – artigo X.  

Embora, e à semelhança da Carte de Atenas, a Carta de Veneza não tenha tido valor  legislativo, 

reflectem‐se  os  seus  efeitos  nas  práticas  do  restauro  praticados  em  diferentes  obras.  Estes 

escritos mostram uma visão tradicional do restauro. 

Com a ampliação do conceito de património arquitectónico, a Carta de Veneza deixa de ser capaz 

de solucionar algumas questões na arquitectura contemporânea, industrial, vernácula bem como 

em  jardins  e  centros  históricos.  Neste  sentido,  surge  a  necessidade  de  elaborar  novos 

documentos que respondam a estas novas necessidades, como a Carta de Toledo de 1986, que 

consagrava a conservação das cidades históricas. 

 

“O culto prestado hoje em dia ao património histórico exige, pois, mais do que uma verificação de 

prazer.  Exige  um  questionário,  uma  vez  que  ele  é  revelador,  negligenciado  e,  contudo, 

incontestável, de um estado da sociedade e das questões que nela existem.”32 

Os  arquitectos  fazem  sobressair  o  direito  à  criação  artística.  Anseiam  deixar  a  sua marca  na 

cidade, assim como fizeram os seus antecessores. Negam a possibilidade de viver na sombra das 

cidades  históricas,  relegados  para  o  historicismo.  Invocam,  em  sua  defesa,  que  ao  longo  da 

história  da  arquitectura  se  verificam  exemplos  de  saudável  convivência  entre  edifícios  de 

diferentes tempos, e que se articulam e justapõem na mesma cidade. 

Como marca desta realidade e a fazer história da arquitectura, desde a época romana ao gótico 

flamejante ou ao Barroco, são  legíveis e destacam‐se as diferentes partes dos grandes edifícios 

religiosos europeus: catedrais de Chartres, de Nevers, de Aix‐en‐Provence, de Valença, de Toledo. 

Neste sentido as cidades constituem‐se pela “diversidade estilística das suas arquitecturas e dos 

seus espaços, que não devem ser travados por uma conservação intransigente, mas continuados: 

é o caso da pirâmide do Louvre.”33 A sedução de uma cidade como Paris resulta da diversidade 

                                                            32 CHOAY, 2000: 11 33 Idem: 15 

I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

44 

 

estilística  das  suas  arquitecturas  e  dos  seus  espaços,  que  não  devem  ser  travados  por  uma 

conservação intransigente, mas continuados. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     

  

            

II Intervenção como Transformação Formal  

 

   

47 

 

II | Intervenção como Transformação Formal  

O Medo da Mudança 

 

As exigências da sociedade contemporânea obrigam o arquitecto a repensar o modo de habitar, a 

escala de cada espaço, bem como a possibilidade de adaptação ao longo dos anos. 

Consequentemente, num processo de reabilitação, a abordagem ao projecto deve ser feita com a 

consciência da história do lugar, mas sem constrangimentos a priori de uma protecção obsessiva 

do que é antigo. 

A  cultura  arquitectónica  tradicional  dificulta  o  diálogo  entre  o  novo  e  o  velho.  O  medo  de 

corromper  a memória  faz  com  que  o  acto  de  projectar  e  transformar  cidade  consolidada  seja 

temido.  A  atitude  historicista  conservadora  torna‐se  mais  fácil  pelo  facto  de  não  levantar 

questões  de  permanência  e  destruição,  contudo  não  deixa  que  a  cidade  evolua,  cresça  e  se 

mantenha  actualizada.  Negam‐se  novas  necessidades  funcionais  e  a  preexistência  é  sobre 

valorizada  sem  que  se  verifique  a  sua  actualidade.  É  como  se  o  factor  tempo  conferisse  de 

imediato qualidade à arquitectura negando, ab  initio, a evolução. “A história das cidades dá‐nos 

conta de  quanto hoje  é  actual  construir no  construído,  e no  entanto,  em nenhum período da 

história o homem teve tanto medo como na actualidade, de realizar, à imagem das suas ideias e 

vontades as diferentes formas, que ao longo do tempo, essas mesmas adquiriram.”34  

Numa  sociedade  reactiva  a  poucos  interessa  a  qualidade  da  arquitectura  e  generaliza‐se  a 

protecção pouco criteriosa e incondicional do que é antigo. “Por uma ideia falseada de Património 

se  se  mexe  numa  igreja  há  um  escândalo,  mas  um  edifício  feio  e  mal  projectado  passa 

despercebido.”35 

Os valores arquitectónicos do presente prendem‐se com razões de ordem sentimental que muitas 

vezes nada tem que ver com a verdadeira qualidade do objecto em si mesmo. 

 

Ao  longo  da  história  verificaram‐se  as  mesmas  angústias  e  anseios  vividos  pelo  homem 

contemporâneo.36 

                                                            34 CANNATÀ, FERNANDES, 1999: 7 35 SOUTO DE MOURA, 2002 cit. ESPOSITO, LEONI, 2003: 7 36  Aquando  do  incêndio  do  Parthenon  de  Agrippa,  em  Roma,  Adriano  não  se  limita  a  uma  conservação  construindo  um  novo 

Parthenon. Defensores de uma atitude  conservadora, os  juízes  condenam Adriano por acreditarem existir na  ruína qualidades que 

fariam exaltar a beleza do que um dia foi. O preconceito em relação à reconstrução verifica‐se ao longo dos tempos. Quando Carlos V 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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046 | Parthenon de Agrippa, Roma, transformações sofridas ao longo dos anos. O homem medieval juntou uma capelinha Românica, 

séc. XII, já destruída. 

047 | Parthenon de Agrippa, Roma, transformações sofridas ao longo dos anos. No séc. XVII Bernini construiu duas torres gémeas, já 

destruídas, e organizou o espaço público. 

048  |  Parthenon  de  Agrippa,  Roma,  transformações  sofridas  ao  longo  dos  anos.  Em  1893,  os  critérios  do  restauro  histórico, 

conduziram à eliminação de tudo o que fosse original, para assim recuperar a sua imagem mais esplendorosa, conservando‐se neste 

estado até aos dias de hoje.   

                                                                                                                                                                                    mandou construir o seu palácio Renascentista em Alhambra, surgiram muitas vozes discordantes que não foram tocados pela evolução 

do tempo, da história e da justiça.  

046 

047 

048 

49 

 

Só um espírito  inovador será capaz de construir cidade e, consequentemente, a história de cada 

tempo. É preciso  lembrar que esta cultura conservadora poderia ter eliminado da nossa história 

grandes obras de arquitectura, hoje dotadas de um carácter conferido ao longo dos anos.  

 

Siza, quando questionado sobre o que o preocupa quando  intervém no património num centro 

histórico não assume uma atitude conservadora e obsessiva na protecção do mesmo. Abre‐se a 

novas possibilidades de construir sempre apoiado pela ideia de integridade. “me llama la atención 

cuando en un edificio antiguo se  introducen sin criterio ni  justificación  fragmentos de un nuevo 

lenguaje; es como poner el sello de la modernidad. Creo que hay que trabajar con mas integridad 

al enfrentarnos con el patrimonio, lo que no imposibilita la modernización del uso del edificio.”37 

Mais do que tentar encontrar regras, deveríamos falar da importância do conhecimento histórico, 

quer  geral  quer  específico,  do  lugar  para  onde  se  projecta  e  da  pesquisa  de  uma  clareza 

construtiva  capaz  de  conservar  e  controlar  a  complexidade  do  diálogo  novo  e  antigo  que 

legitimarão a intervenção.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            37 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 18   

 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

50 

 

A Lição do Passado 

 

O forte vínculo com a tradição pode converter‐se num obstáculo à inovação. Torna‐se imperativo 

um  conhecimento  rigoroso  da  história,  pois,  contra  esta,  nada  se  pode  fazer.  Esta  será  uma 

condição útil para desmentir, aniquilar e contrapor a  ideia de que não se pode mexer no que é 

antigo.  A  segurança  advém  deste  estudo  aprofundado  para  que  se  possam  colocar  novas 

questões  e  propor  novas  soluções.  Arriscar  mais  na  hora  de  projectar,  “la  inovación  pasa 

inevitablemente por la tradición.”38 

O  posicionamento  do  arquitecto  perante  esta  realidade  é  tão  importante  como  o  anseio  de 

construir  novo,  criar  e  abrir  novos  caminhos  ao  futuro.  É  nesta  simbiose  que  o  contributo  da 

história  se  figura  primordial  para  que  as  novas  obras  nasçam  de  um  processo  de  criação 

conhecedor  e  responsável.  Com  a  história  queremos,  “armazenar  na  memória,  apreender 

mecanismos, perceber  intenções e  condicionamentos para, esquecendo  tudo, nos  abrirmos de 

uma  forma culta e eticamente  responsável à criação escandalosamente artística, como é nosso 

dever.”39 

Por  conseguinte,  existe  uma  ruptura  entre  o  posicionamento  do  arquitecto  e  do  historiador 

perante a história da arquitectura. O primeiro fá‐la renascer dotada de um espírito novo capaz de 

resistir no tempo e no espaço, o segundo, mumifica‐a. 

É de uma forte consciência do passado que se encontra a ajuda ímpar no acto de projectar. Este 

representa a identidade cultural e as bases para uma nova obra. O passado arquitectónico surge 

como segurança palpável, como caminho, como o início de um projecto de reabilitação. É através 

deste passado que  construímos o que  será o nosso  futuro e é nestas experiências  vividas que 

dimensionamos novos desafios e posicionamentos em relação à arquitectura contemporânea. 

É crucial que este olhar para a história seja crítico, arrojado e corajoso, só assim nos é permitido 

tirar partido sem cairmos no mimetismo do passado. Nunca olhar com um objectivo de cópia mas 

com o intuito de aprender a lição de provas dadas na história da arquitectura. Segundo Teotónio 

Pereira  a história deve  ser  considerada  como um  instrumento operativo para  a  construção do 

presente. 

                                                            38 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 20 39 ALVES COSTA, O  lugar da História,  in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos, 

2001: 29 

 

51 

 

Servir o real não é rejeitar totalmente a história e o que ela aporta, é, posicionarmo‐nos de forma 

consciente,  perante  novos  desafios.  Olhar  o  seu  legado  tentando  solucionar  problemáticas 

específicas dos dias de hoje, muitas vezes  incompatíveis com formas de ontem. O homem deve 

estar no centro desta transformação. 

A história que está por detrás de uma obra de arquitectura faz surgir a nova obra conferindo‐lhe 

sentido e segurança. É neste processo de formação, entre presente e passado, que a obra nasce. 

“…uma forma real pressupõe uma vida real. Mas nenhuma vida passada é sequer pensada. Aqui 

está o critério. Nós não apreciamos o resultado, mas o princípio do processo de formação. Mesmo 

por aqui  se  vê  se a  forma  foi encontrada a partir da  vida ou por amor a ela mesma. Por este 

motivo o processo de  formação é para mim  tão  importante. A vida é para nós decisiva. Na sua 

total plenitude, nas suas relações espirituais e materiais…Nós queremos abrir‐nos à vida e assumi‐

la”40 

 

Ao longo dos tempos o homem foi‐se deparando com problemas do habitar que serviram de lição 

para o arquitecto contemporâneo; tudo através de uma mirada perspicaz na análise do passado. 

A  ânsia  de  ser moderno,  não  pode  esquecer  referentes,  nem  tão  pouco  a  sua  ligação  a  uma 

memória e à história. Ter um posicionamento analítico na hora de projectar resultará numa obra 

em continuidade com o passado, solucionando problemas do presente antevendo o futuro. 

Cabe  ao  arquitecto  fazer  o melhor  uso  dessa memória,  incluindo‐a  e  cruzando‐a  com  outros 

elementos contemporâneos no acto de projectar. “Assim, o sentido de contemporaneidade é um 

acto de autenticidade histórica em que em cada época se assinalam os seus valores próprios.”41 

 

 

O arquitecto e a memória 

 

O arquitecto não está só. 

Toda  a  sua  formação,  ainda  que  muitas  vezes  inconsciente,  resulta  de  um  acumular  de 

experiências, curiosidade pelo trabalho dos outros, e reconhecimento do  legado histórico. Neste 

                                                            40 Ludwig Mies Van der Rohe, “Zum neuen Jahrgang” in Die Form, 2, 1927, carta de Mies Van der Rohe sobre a forma arquitectónica 

endereçada a Walter Riezler. ESPOSITO, LEONI, 2003: 35  41 AIRES MATEUS, Manuel, A reinvenção de um exercício, relatório de uma aula, Prova de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa – FAUTL, Lisboa 1995: 24  

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

52 

 

sentido, cria a sua linguagem própria. “não se pode projectar sem memória, tal como não se pode 

projectar sem a existência de uma relação com a vida.”42 

Rodeado  de  grandes  exemplos  de  arquitectura  ao  longo  dos  tempos,  o  arquitecto  deve 

transportar para o  futuro os ensinamentos  retirados da história e  torná‐los parte  integrante no 

acto de projectar. É sua missão encontrar caminho para este jogo de conciliações. “Aprender a ver 

é  fundamental  para  um  arquitecto,  existe  uma  bagagem  de  conhecimentos  aos  quais 

inevitavelmente recorremos, de modo que nada do quanto façamos é absolutamente novo.”43 É 

encontrar no passado sentido de oportunidade para uma nova arquitectura que deverá marcar o 

nosso tempo.  

 

Facilmente se cairia na reprodução do passado, pela segurança que daí pode advir. A capacidade 

do  arquitecto  para  recuperar  um  edifício  inovando  “consiste  en  entrenar  la  forma  de  ver  las 

cosas, la profundidad al mirar y observar; y eso se logra a través del trabajo continuo.”44 

“O  arquitecto  trabalha manipulando  a memória,  disso  não  há  dúvida,  conscientemente mas  a 

maioria das vezes subconscientemente. O conhecimento, a informação, o estudo dos arquitectos 

e da história da  arquitectura  tendem ou devem  tender  a  ser  assimilados,  até  se perderem no 

inconsciente ou no subconsciente de cada um.”45 

 

 

O problema do [re]desenho 

 

Aos arquitectos, Távora lança um repto para encontrar o caminho conciliador entre conservação e 

demolição “reconquistemos a qualidade do desenho”46 

Como  referiu  Souto  de  Moura  “O  problema  de  desenho  não  existe;  existe  o  problema  do 

redesenho. Desenhar deve ser um fenómeno de inteligência, e desenhar do zero é um fenómeno 

                                                            42 ALVES COSTA, O  lugar da História,  in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos, 

2001: 29 43 SIZA, 1998: 139 44 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 24 45 SIZA, 1998: 37 46 FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40 

53 

 

de estupidez, porque é perder um legado de informação disponível.”47 Neste sentido o desenho é 

capaz de se adaptar ao contexto em que se vai inserir potenciando‐o. 

Urge a necessidade de afirmação e  segurança do gesto na hora de projectar  “…quanto mais a 

forma  for  débil,  enquanto  forma  arquitectónica,  mais  facilmente  se  poderá  alterar  e  negar 

deixando terreno à construção de uma realidade.”48  

Para Souto de Moura muitas vezes a solução está em reinventar a preexistência quase como se de 

uma  manipulação  se  tratasse.  O  arquitecto  altera  a  preexistência  para  adequa‐la  ao  que 

pretende.  “…  volvemos  a  aquella  discusión  sobre  la  verdad  en  la  arquitectura.  La  verdad  es 

siempre  fea,  o  sea,  éticamente  es  bonita,  pero  su  exposición  puede  ser  fea.”49  Resulta  um 

reinventar da verdade e uma manipulação da história ao serviço da obra. 

 

 

A visão de Távora | o caso português 

 

Em  Portugal,  o  forte  vínculo  com  a  casa  à  antiga  Portuguesa50  deixa marcas  no  processo  de 

desenvolvimento da arquitectura portuguesa fazendo com que esta sofra um atraso em relação à 

Europa.  

Os arquitectos portugueses viviam presos a  raízes e preconceitos acreditando poder “criar uma 

arquitectura de carácter  local e  independente, mas de todo  incompatível com o pensar, sentir e 

viver do mundo que a rodeava.”51 Os valores do passado impunham‐se sobre novas experiências 

arquitectónicas  e  vivia‐se  da  arqueologia  deixando  o  carácter  inventivo  do  arquitecto  para 

segundo plano. 

Instituiu‐se  a  ideia  que  a  simples  atitude  de  fazer  arquitectura,  obedecendo  a  regras  de 

composição e recorrendo ao uso de determinados materiais, seria obrigatoriamente sinónimo de 

boa  arquitectura  –  arquitectura  tradicional  portuguesa.  Estes  arquitectos  prenderam‐se 

                                                            47 SOUTO DE MOURA, entrevista por Paulo Pais, cit. TRIGUEIROS, 1996: 30 48 LEONI, 2003: 26 49 El Croquis nº146, Souto de Moura 2005 2009, Teatros del Mundo, Madrid: editorial El Croquis, 2009: 22 50 “Cremos que não é necessário definir o que entendemos por Casa à Antiga Portuguesa pois, infelizmente, qualquer dos leitores liga 

a estas palavras um tipo de casa, com certas características próprias, certo amaneiramento e doçura de formas, grande quantidade de 

pormenores inúteis de que resulta um excessivo pitoresco, uma completa ausência de dignidade, e nenhuma noção das realidades do 

nosso mundo.” TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 13  51 Idem: 11 

 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

54 

 

unicamente com questões históricas de valor sentimental e esqueceram o sentido de progresso e 

adaptação  a  novas  realidades.  A  qualidade  garantida  que  um  certo  número  de  regras 

imediatamente conferia às suas obras fez com que o hino à história e às raízes se tornasse de tal 

forma forte que, mais do que um auxiliar, passou a obsessão.  

 

Deixar que o acto criativo de projectar morra mesmo antes de poder nascer, é negar a essência da 

arquitectura  por mais  forte  que  seja  o  valor  histórico  e  patrimonial  do  local  ou  objecto  em 

questão. Este deve reflectir “um espírito próprio daquele que age sobre o mesmo material. Daí 

que em toda a boa Arquitectura exista uma  lógica dominante, uma profunda razão em todas as 

suas partes, uma íntima e constante força que unifica e prende entre si todas as formas, fazendo 

de cada edifício um corpo vivo, um organismo com alma e linguagem próprias.”52 

Segundo Távora, esta  ideia de arquitectura  foi negada a priori e defendeu‐se um  “conceito de 

Arquitectura que é  falso, que não corresponde a qualquer verdade portuguesa e que  como  tal 

deveria  banir‐se  inteiramente  do mesmo modo  que  se  procura  eliminar  da  sociedade  todo  o 

elemento que, por mentiroso, lhe é prejudicial.”53 

Conhecedor, praticante e directamente envolvido nos processos de reabilitação com “defesa de 

uma atitude conceptual dialogante com as  formas do passado no quadro de uma continuidade 

arquitectónica”54,  Távora  envolve‐se  no  debate  nacional  acerca  da  preservação  do  nosso 

património  arquitectónico.  Quando  se  fala  da  sua  destruição  afirma,  já  “no  século  dezanove 

também se gerou o pânico... O meu pai falava disso como se fosse o Diabo.”55 

 

Vivia‐se,  em  Portugal,  uma  época  de  grandes  exageros,  se  por  um  lado  o  aumento  da 

prosperidade conduz à inconsciência dos valores culturais, por outro, Távora afirma, “a obsessão 

por  conservação  do  património  quase  denota  falta  de  criatividade. Nos  períodos  criativos  não 

existiu esse interesse. Há uma certa decadência nesta obsessão por conservar edifícios.”56 

Visionário,  Távora,  defendia  um  conceito  patrimonial  arquitectónico  “alargado”.  Deveremos 

entender  por  Património  todo  o  nosso  território.  Protegendo  apenas  o  que,  construído  ou 

natural, demonstre real significado. “O património resulta de uma criação permanente e colectiva 

                                                            52 TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 12 53 Idem: 12 54 FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40 55 Ibidem 56 Ibidem  

55 

 

e o próprio acto de recuperação do património tem de ser uma acto de criação e não um acto de 

rotina burocrática ou de capricho pessoal”57  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            57 Távora, Fernando – património, comunicação ao | congresso da Região Norte, Porto, 1987; p. 56 FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 

1993: 40 

 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

56 

 

Tempos da Mesma Cidade | cidade histórica e cidade contemporânea 

 

Numa  perspectiva  de  arquitecto  criador,  Távora  defende  que  não  devemos  olhar  para  o 

património como algo intocável, correndo o risco de se cair na incapacidade de “fazer cidade”. Tal 

atitude,  reflectir‐se‐á num escape ao acto de projectar,  requalificar e preservar património.  Se 

mantivermos  uma  postura  conservadora,  viveremos  sempre  de  uma  imitação  do  passado 

impedindo a renovação, actualização e crescimento das cidades. 

Um  discurso  conservador  perante  as  novas  arquitecturas  pode  conduzir,  a  um  distanciamento 

entre  cidade  histórica  e  cidade  contemporânea.  Produzindo‐se  uma  cidade  descontínua,  que 

consequentemente, atrairá problemas de desertificação e degradação dos  centros históricos. A 

intervenção  arquitectónica  em  zonas  históricas  ou  zonas  de  cidade  consolidada  suscita 

expectativa e pressões que conduzem muitas vezes a polémicas.  

Impõe‐se que o planeamento da cidade de hoje surja em continuidade com a cidade histórica, de 

forma  a  torná‐las  elementos  de  um mesmo  sistema.  A  época  da  criação  deverá  ser  a  única 

distância que as separa. Mais uma vez, surge a necessidade de nos sustentarmos na história para 

encontrar um ponto por onde  [re]começar  a  vida da  arquitectura e, naturalmente, das nossas 

cidades. Supera‐se o desconforto e o medo de projectar do zero e a obra nasce ajustada ao nosso 

tempo e ao lugar.  

Távora  insurge‐se  contra a atitude de  fazer  ““…moderno, muito moderno, mas  fora do  centro, 

porque  na  cidade  antiga  há  que  respeitar  o  passado”.  Tal  afirmação,  que  nos  impressionou 

grandemente,  pressupõe  a  cidade  como  espaço  descontínuo  e  pretende  que  a  arquitectura 

contemporânea  é  incapaz  de  se  integrar  em  ambientes  passados;  a  manter‐se  o  critério,  a 

referida cidade parecerá dentro de anos qualquer coisa assim como uma múmia, envolvida por 

rica redoma de plástico”58 

 

É  imperativo anular a distância e o vazio que se formou entre tempos da mesma cidade. Cabe à 

arquitectura contemporânea, com todas as ferramentas e conhecimento que tem ao seu dispor, 

estreitar esta fronteira e conceber projectos que pareçam pertencer desde sempre à cidade, mas 

com a vantagem de colmatar necessidades actuais. O confronto deve resultar em aproximação, 

em  continuidade  com  a  história.  A  cidade  deve  “trabalhar”  em  conjunto  com  objectivos  e 

princípios definidos no seu planeamento.                                                             58 TÁVORA, 2004: 58 

57 

 

Quando inicia o acto de projectar, o arquitecto dispõe de um instrumento que ajudará a sustentar 

a sua criação: a história. Conduzido por este princípio a obra nasce mais segura, integrada, e em 

estreita relação com o passado e cidade contemporânea. 

Alcançar o consenso é quase  impossível por se tratar de um tema com significado afectivo para 

toda  a  população.  Contudo,  é  necessário  que  ocorra,  para  que  a  cidade  possa  sobreviver  à 

degradação e às necessidades do mundo moderno. “La arquitectura suscita rechazo, por ser una 

presencia perturbadora. Me refiero a propuestas que plantean soluciones menos convencionales 

y que proponen  interpretaciones mas arriesgadas y mejor construidas. Es absolutamiente cierto 

que  las  obras  mediocres  jámas  han  generado  polémica,  incluso  las  muy  malas  nunca  han 

provocado rechazo.”59 

O património herdado passará a fazer parte de postais sem fazer parte  integrante da cidade dos 

nossos  dias.  Criam‐se  no  território  zonas  desertificadas  que  pouco  dizem  à  sociedade  actual 

porque nela não encontram um lugar de interesse para além de um museu. Esta atitude obsessiva 

pela conservação conduzir‐nos‐á à delapidação gradual, ao abandono e conseguinte deterioro das 

construções  pela  sua  inadaptabilidade  aos  tempos  de  hoje,  numa  cidade  onde  todos  somos 

responsáveis. 

Nos processos de reabilitação, uma postura extremada em relação ao passado pode por de parte 

o verdadeiro carácter inventivo, criativo e vanguardista inerente ao acto de projectar. Não é justo 

que  vivamos  a  nostalgia  do  que  um  dia  foi,  deixando  que  fragmentos  de  cidade  se  tornem 

obsoletos pela única  condição de  terem  surgido noutros  tempos à  luz de outras necessidades. 

Contudo, deve ser tido em conta o valor da preexistência, através da investigação histórica, para 

se poder definir o grau de intervenção  

Neste sentido, os processos de reabilitação devem resultar de uma leitura de conjunto da cidade, 

de  uma  crescente  inclusão  da  cidade  antiga  na  dita  cidade  contemporânea.  Devem  seguir‐se 

estratégias  de  conservação  que  salvaguardem  a  envolvente,  a  história  do  edifício  mas  com 

liberdade suficiente para que se possa adaptar às necessidades de hoje. Permitindo, em alguns 

casos, a alteração da sua planta para que possam suprir novas necessidades e adaptar‐se a novos 

usos. 

Uma  política  de  conservação  estipulada  a  priori  permite  alcançar  o  conhecimento  e  visão  de 

conjunto tão necessários para fazer renascer e crescer uma cidade coerente, harmónica capaz de 

fazer a ponte ente novo e antigo, entre conservação e remodelação. 

                                                            59 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 18 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

58 

 

Reabilitar Hoje | atitudes frente à preexistência  

 

Se  é  proveitoso  entender  a  lição  do  passado  é  também  útil  conhecer  os  anseios  da  nossa 

actualidade  para  que  se  possa  fazer o  diálogo  entre  ambos.  É  necessário  não  esquecer  que  o 

arquitecto de hoje projecta para solucionar questões do nosso tempo. O arquitecto deve cultivar 

o  espírito  inovador  e  criador,  com  a  segurança  que  o  legado  arquitectónico  lhe  transmite. 

Devemos  ver  no  passado  a  busca  de  novas metas  capazes  de  satisfazer  o  homem  de  hoje. 

“Portanto, quando tentamos encontrar novos caminhos, não podemos deixar de sentir ainda mais 

fortemente  a  presença  dos  extraordinários  feitos  do  passado,  imaginando  talvez  que  a  esses 

outros nos devamos e possamos juntar.”60  

Na análise da história da arquitectura, a pergunta que se coloca não é de “como fazer” hoje, mas 

sim a “coisa a  fazer”. “Hoje o “como”  já não é  suficiente.  Isolado  surge‐nos de  facto como um 

conceito velho e caduco; para ultrapassar o  impasse actual é preciso questionarmo‐nos sobre a 

“coisa que se faz” e isto mudará consequentemente a nossa relação com o passado. 

Por este facto, o nosso principal interesse pelo passado não se dirige tanto à própria arquitectura 

que o  formou, mas antes a compreender como cada uma conseguiu  representar plenamente o 

próprio  tempo.  Se  antes,  para  compreender  o  “como  fazer”,  a  nossa  atenção  se  dirigia  aos 

edifícios singulares, hoje, é para a cidade e para os grandes ciclos da história que é preciso olhar, 

para compreender como a arquitectura é sempre e apenas espelho de tempo que a produz e a ele 

está indissoluvelmente ligada.”61  

O corpo do passado contém regras e princípios que devem ser considerados no acto de projectar. 

O novo projecto deve ter em conta este fio condutor mas nunca tornar‐se subalterno à realidade 

existente, correndo o  risco de nunca alcançar a autonomia desejada  ficando  sempre a viver na 

sombra do que um dia  foi uma obra de  arquitectura.  “A história  é  entendida  como um  recuo 

positivo ao passado no  sentido de uma apropriação produtiva.”62 A preexistência não deve  ser 

entendida como reminiscência de uma arquitectura, mas lida como matéria projectável geradora 

de novas ideias. 

 

                                                            60 BATTISTA, cit. CANNATÀ, FERNANDES, 1999: 12 61 Idem: 13 62 ALVES COSTA, O  lugar da História,  in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos, 

2001: 34 

59 

 

A história não vem impor uma linguagem e boicotar a modernidade no acto de projectar; ao invés 

torna‐se um  instrumento útil no processo. Do passado  retira‐se o que pode  tornar a obra mais 

sólida, legítima e perene. Pretende‐se que a obra projectada hoje, encontre lugar no nosso tempo 

sem viver da cópia do passado. 

“A  história  da  arquitectura  para  futuros  arquitectos  deve  ser  o  estudo  das  condições  e  dos 

processos de desenho que produziram as obras objecto de análise e crítica, exemplos concretos 

em que se aprende o como, referencias alargadas para o seu trabalho de projecto. 

Esta perspectiva formativa e  informativa deve servir, prioritariamente, para qualificar o desenho 

de cada um como projecção estruturada do pensamento.”63  

Devemos  pois,  dar  sentido  aos  estudos  arqueológicos,  à  história  do  lugar  e  do  edifício  e  aos 

fragmentos de outras arquitecturas, mas sempre com um olhar crítico com vista a entender estes 

factores como colaborantes e não como imposições de composição e mimetismos do passado. “O 

passado é uma prisão de que poucos sabem livrar‐se airosamente e produtivamente; vale muito, 

mas é necessário olhá‐lo não em si próprio mas em função de nós próprios.”64 

 

 

O lugar | ruína e preexistência 

 

Em matéria de reabilitação, o contexto torna‐se uma componente central no acto de projectar e o 

objecto arquitectónico converte‐se a uma peça neste processo mais amplo e complexo. 

Perante  um  problema  de  reabilitação  o  arquitecto  tenta  optimizar  as  condições  criadas  pela 

natureza,  que  já  iniciou  o  seu  trabalho  de  desenho  e  configuração  do  espaço.  Tira  partido  do 

existente e nasce uma estreita relação entre natureza, ruína e novo construído. A obra enche‐se 

de clareza no respeito pela preexistência mas em simultâneo ganha a autonomia dada pelo seu 

tempo. 

A  coerência  surge do diálogo entre as arquitecturas da  cidade  consolidada e a nova obra, que 

deve  surgir no  seguimento da  anterior. É na  ruína que  reside  a  força para o novo projecto. O 

edifício  existente  é  detentor  de  vínculos  e  regras  pela  sua  arquitectura  mais  do  que  por 

significados extra arquitectónicos.  

                                                            63 ALVES COSTA, O  lugar da História,  in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos, 

2001: 34 64 TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 13 

II | Intervenção como Transformação Formal

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

ReabilitaçãoADIÇÃO

Esquema I | O Lugar | Atitudes frente à preexistência/ruína

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

60

61 

 

A par de uma intervenção formal é possível manter as memórias e a energia de um local, de uma 

ruína. 

Como referiu Souto de Moura, em entrevista a Monica Danielle “Me  interesan  las ruínas, son  lo 

que más me gusta de la arquitectura, porque son el estado natural de una obra”65 

Imbuídos  deste  ensinamento,  é  possível  afirmar  que  existem  dois  posicionamentos  possíveis 

perante a ruína: um será olhá‐la e admirá‐la, usufruindo somente do seu potencial contemplativo, 

vista  como  parte  integrante  da  paisagem  natural;  o  outro  será  vislumbrá‐la  como  matéria 

projectável  geradora  de  nova  arquitectura.  Sendo  certo  que  o  fim  de  todos  os  edifícios  é 

tornarem‐se ruínas. “De un edificio queda siempre una bella ruina”66 

 

O  processo  criativo  deve  levar  a  cabo  uma  alteração  que  faça  ressaltar  as  características  do 

ambiente, através da relação contexto e obra, articulando estes factores com o objectivo comum 

de criar cidade coesa. Privilegiam‐se características da história do  lugar. “o projecto constitui‐se, 

em síntese, como “refundador” do ambiente”67 que vem enriquecer zonas específicas de cidade. 

“Por  este motivo,  Eduardo  Souto  de Moura  aceita  trabalhar  sem  impedimentos  em  todos  os 

sítios,  e  com  qualquer  programa,  na medida  em  que  cada  acção  sua  se  torna  ocasião  para 

exprimir  juízos  sobre  as  características  físicas  e  sobre  as  implicações  culturais  das 

preexistências.”68  

O acto de reabilitar prende‐se, necessariamente, com o contexto, onde se redesenham espaços, 

se acrescentam e subtraem outros. Exigem‐se, pois,  intervenções dotadas de clareza conceptual 

do ponto de vista histórico e morfológico. 

Pensar que um  lugar é  intocável condiciona, necessariamente, o acto criativo. Ao  invés, o  lugar 

deve pressupor o início da criação. Perante um contexto tão rico, entre preexistência e natureza, 

é necessário aperfeiçoar a sensibilidade e afinar a intensidade da expressão. 

                                                            65 SOUTO DE MOURA, entrevista biográfica por Mónica Daniele, diciembre 2002, Barcelona, Gustavi Gilli, 2004  in El Croquis nº124, 

Eduardo Souto de Moura 1995 2005, La naturalidad de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2005: 436 66 PERRET, El Croquis nº146, Souto de Moura 2005 2009, Teatros del Mundo, Madrid: editorial El Croquis, 2009: 22 67 ANGELILLO, 1993 cit. TRIGUEIROS, 1993: 14 68 Ibidem 

 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

62 

 

Neste  sentido, o  lugar  terá que  ser manipulado e adaptado ao  fim a que  se destina,  “o  sítio é 

aquilo que se quer que ele seja.”69 Torna‐se elemento basilar no projecto vinculando o mesmo à 

preexistência. 

Entendendo o  sítio como mote do projecto, capaz de gerar diferentes  soluções, é  fundamental 

que exista, a priori, um reconhecimento global do lugar com o intuito de gerar equilíbrio entre a 

nova obra e o contexto existente.  

Ao  invés  de  se  ver  a  intervenção  numa  preexistência  como  um  romper  com  a  história,  deve 

entender‐se como um legado anterior, fruto da acção do tempo que assegura a continuidade com 

o novo. Esta preexistência umas vezes pode afirmar‐se como ordem e como forma, mas noutras 

pela sua perfeita integração no lugar, pode considerar‐se tecido da própria cidade. 

 

 

Construir no construído 

 

Em processos de reabilitação constrói‐se sempre com o construído. “O construído é tanto o lugar 

em transformação, como a cultura arquitectónica universal.”70 

Num  território  onde  o  tecido  urbano  se  apresenta  fortemente  consolidado,  onde  a  cidade 

histórica assume maior  importância, o desafio de  reabilitar e suprir as necessidades do homem 

contemporâneo  torna‐se  maior.  Exige,  uma  maior  capacidade  conciliadora  entre  passado  e 

presente que deixará, necessariamente, sinais da sua passagem no tempo e no espaço.  

Esta  atitude  de  “reutilizar”  cidade  não  só  estimula  o  seu  crescimento  e  regenera  pontos 

obsoletos, como também satisfaz carências da população. A cidade renova‐se e os usos alteram‐

se  consoante  as  exigências;  as morfologias  adaptam‐se  e  nasce  um  conjunto  actual  coeso  e 

unitário.  Zonas  abandonadas  renascem  dotadas  de mecanismos  capazes  de  resistir  ao mundo 

contemporâneo. 

Assim, “continuar el desarrollo de  la arquitectura en  la ciudad es algo normal y  lógico, aunque 

este desarrollo haya supuesto en ocasiones el sacrificio y la destruición del patrimonio existente. 

                                                            69 SOUTO DE MOURA, entrevista por Paulo Pais, cit. TRIGUEIROS, 1996: 28 70 ALVES COSTA, O  lugar da História,  in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos, 

2001: 29 

 

63 

 

Lo mas importante es que a pesar de estas transformaciones siempre se ha mantenido el carácter 

compacto, denso y unitario que caracteriza el centro histórico.”71 

 

O projecto de arquitectura deve suprir necessidades e oferecer soluções para problemas actuais 

que  a  planificação  urbana  já  não  consegue  alcançar  por  se  tratar  de  um  espaço  consolidado. 

Neste  sentido a necessidade de ampliação e consequentemente a necessidade de alteração de 

uma  imagem de cidade predefinida deve assumir‐se como uma realidade. A qualidade não está 

em  manter  o  território  intacto  mas  sim  em  intervir  de  forma  racional,  adequando  escala, 

materiais, e composição formal à realidade envolvente.  

Para  Souto  de  Moura,  uma  reabilitação,  é  “verdadeira  manifestação  de  inteligência”.  É  no 

confronto entre um  sistema  construtivo existente  e  a proposta de novas  ideias que  se  situa o 

desafio. É nas intervenções sobre o existente que o arquitecto se sente “finalmente libertado pela 

ocasião e programa da indecente necessidade de criar formas”, quando o tema da representação 

não  passa  pelo  "desenhar  desde  o  início mas  o  redesenhar.”72  Acredita  que  um  projecto  de 

reabilitação  se  despe  de  qualquer  “artifício  e  intelectualismo  que  um  edifício  complexo,  por 

escolha e não por necessidade, poderia gerar.”73 

Num projecto de reabilitação, para Souto de Moura é muito importante o “estilo de vida” a que o 

edifício está destinado. Contudo, não se deve aceitar que a necessidade de adaptação de novos 

usos a edifícios históricos seja por si só a  justificação de uma  intervenção. “Qualquer obra deve 

estar  disponível  para  alterações  e  transformações,  mas  não  para  a  deliberada  intenção  de 

destruir.”74 

O segredo consiste em manter a continuidade histórica, o carácter e a atmosfera do  lugar. Não 

passa por um desejo de fazer novo nem tão pouco pela timidez muitas vezes  imposta pelo peso 

da história do lugar. 

 

Urge  a  necessidade do  arquitecto  se  desvincular da  ideia da  arquitectura  unicamente  ligada  à 

história,  para  produzir  uma  arquitectura  de  hoje.  Viver  no  nosso  tempo  é  pois  viver  em 

consonância com o legado histórico mas amarrados às necessidades e anseios dos dias de hoje. 

                                                            71 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 20 72 Idem: 29 73 Ibidem 74 SIZA VIEIRA, 1998: 124 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

64 

 

Parafraseando Távora “As casas de hoje, terão de nascer de nós,  isto é, terão de representar as 

nossas necessidades, resultar das nossas condições e de toda a serie de circunstâncias dentro das 

quais vivemos, no espaço e no tempo. Sendo assim, o problema exige soluções reais e presentes, 

soluções que certamente nos  levarão a resultados bem diferentes dos conseguidos até agora na 

arquitectura portuguesa. Abrem‐se perante nós, novos ou velhos armados de um espírito novo, 

horizontes  vastíssimos,  campos  férteis  de  possibilidades,  pois  tudo  há  que  refazer  começando 

pelo princípio.”75 E assim, o novo deve aparecer com base em aspirações do nosso  tempo com 

vista a solucionar problemas de futuro. 

 

Perante  um  problema  de  reabilitação,  as  questões  levantadas  avolumam‐se  e  não  compete 

somente ao arquitecto, com base na sua formação, optar e decidir. A solução está para além de 

um  problema  estético  ou  formal;  a  história,  o  usuário,  as  novas  realidades  devem  fazer  parte 

deste processo. E o produto deve ser capaz de reflectir uma adequação aos novos problemas e 

anseios,  novos modos  de  habitar,  uma  nova  cidade  e  sociedade,  diferentes  política,  social  e 

economicamente. “Sendo tão forte o grau destas variações, porque não hão‐de ser outras, muito 

outras as  soluções a encontrar para os portugueses de hoje? Para quê  teimar em permanecer, 

quando tudo nos convida para um caminho diferente?”76 

Necessariamente, tal atitude irá reflectir uma renovação a nível formal. A arquitectura de hoje é o 

resultado  de  layers  acumulados  ao  longo  dos  tempos,  alterações  sucessivas,  camadas  que  se 

sobrepõem  resultado de diferentes  épocas  e modos de habitar. Num projecto de  reabilitação, 

esta  realidade  surge  com maior  clareza, muitas  vezes é possível datar os  layers  aparentes. Tal 

hipótese não retira coesão ao edifício, confere‐lhe carácter e integra‐o funcional e esteticamente 

no  seu  tempo.  Para  tal  a memória  e  história  são  factores  coadjuvantes  na  hora  de  projectar. 

Compete aos arquitectos utilizar estes instrumentos na produção do futuro da arquitectura. 

A qualidade deste acto de reabilitar não pode ser ditado antecipadamente com regras específicas, 

pois  cada  lugar  está  dotado  de  sinais,  memórias  e  características  próprias.  A  conciliação 

consciente  destes  factores  em  consonância  com  o  presente  revelará  o  sucesso  da  obra.  A 

arquitectura,  depois  de  construída,  deve  acrescentar  algo,  deve  tornar‐se  parte  integrante  do 

território, quase presença  indispensável. Deve fazer renascer a cidade numa determinada época 

que assim o exige. 

                                                            75 TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 12 76 Idem: 13 

65 

 

Transformação formal 

 

Como  já  foi  referido, nos processos de  reabilitação, são  frequentes  intervenções com  recurso a 

transformação  formal  pela  necessidade  de  adaptação  a  novas  realidades  do  habitar.  Neste 

processo,  o  carácter  não  se  perde,  deve‐se,  sim,  “aumentar  ao  passado  algo  de  presente  e 

algumas possibilidades de futuro, para aqueles para quem viver é criar alguma coisa de novo, não 

pelo desejo estúpido de ser diferente, mas pela imperiosa determinação da vida que não admita 

qualquer paragem ou qualquer estagnação sob pena de que a posteridade nos não perdoe.”77 

É utópico pensar que é possível consolidar uma forma do passado sem que o tempo exerça sobre 

esta  um  processo  natural  de  transformação  e  adaptação;  “…a  irreversibilidade  do  espaço  não 

permite aceitar tal hipótese (…) dada a marcha constante do tempo e de tudo o que tal marcha 

acarreta e significa, um espaço organizado nunca pode vir a ser o que já foi.”78 

Tais mudanças reflectem‐se directamente com questões de ordem programática, neste sentido o 

processo  deve  reflectir  não  só,  sucessivas  adaptações  do  edifício  ao  seu  novo  programa, mas 

também do novo programa à preexistência. 

As  transformações e adaptações de edifícios antigos  resultam da  impossibilidade de  resistir ao 

longo  dos  anos  aos  fins  para  que  foram  primeiramente  criados.  Por  conseguinte,  surge  a 

necessidade  de  adaptá‐los  continuamente  a  novos  usos,  processo  extenso  no  tempo  levado  a 

cabo por diferentes  gerações de  acordo  com o  seu entorno  temporal e  físico. Este  sentido de 

continuidade  e permanência  criou história  e  atribui  a  cada  arquitectura  carácter,  formado por 

diferentes estratos  temporais. Esta nova  realidade  tornou‐se  intrínseca ao acto de  reabilitar. E 

torna‐se clara a necessidade de encontrar novos usos para edifícios antigos.  

Contudo,  cada  intervenção deve  ser  reflectida  tendo  em  conta  factores  temporais,  espaciais  e 

funcionais.  A  obra  nasce  neste  processo  contínuo  e  evolutivo  de  transformar,  retirar  e  juntar 

partes de um mesmo sistema. Perante um problema de projecto Siza  responde a Souto Moura 

“Quando num projecto o Távora não consegue alguma coisa, ele acrescenta‐lhe um espaço.”79 

É neste diálogo coerente que o arquitecto se deve situar, construindo e refazendo cidade. Para 

Távora  “…conservar  e  construir  são momentos  de  um mesmo método  na  transformação  dos 

                                                            77 TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 13 78 TÁVORA, 2004: 19 79 SOUTO DE MOURA, 2002 cit. ESPOSITO, LEONI, 2003: 13 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

66 

 

edifícios,  garante  de  vida  é  o  respeito  pela  sua  identidade  arquitectónica,  continuando‐a, 

inovando‐a.”80 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            80 FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40 

67 

 

Como Actuar 

 

Não é possível encontrar  regras,  soluções, nem definir estratégias na hora de entrevir  sobre o 

património. A disponibilidade mental e criativa do arquitecto deve ser total. Contudo, cada caso, 

pela sua história,  lugar e usuário torna‐se singular. “Os espaços que o homem organiza não são 

criados ou organizados em  regime de  liberdade  total mas antes profundamente  condicionados 

por uma soma infinita de factores.”81  

Posto  isto,  saber  actuar perante um problema de  reabilitação não  é uma questão de  regras  e 

métodos de  intervenção.  “Trata‐se de  continuar a  construir  cultura,  reunindo nos  locais  certos 

tudo  quanto  constitui  a  sua  densidade  e mantêm  a  sua  complexidade,  aos mais  altos  níveis, 

enquanto, com o tempo, os materiais e as necessidades continuam a mudar”82  

Será difícil ditar fórmulas para uma intervenção contemporânea, pois, conscientes de um mundo 

em constante transformação, este será um processo de intuição e reflexão. “A modernidade não 

se prende a modelos, está sempre em estado de procura, não há de facto uma forma definitiva da 

modernidade,  mas  somente  a  definição  sempre  renovada  de  uma  modernidade  que  toma 

forma.”83  

A  arquitectura  resulta  deste  entendimento  do  mundo  que  nos  rodeia  como  um  tempo  de 

diversidade.  “Neste  sentido,  modernidade  significa  abordagens  que  entendam  o  sentido 

específico de cada  intervenção, ou seja, a  reflexão a partir de  temas “eternos” da arquitectura, 

tomados sempre como matéria de reflexão.”84 

 

A morfologia da cidade histórica é marcada pela sua heterogeneidade que faz variar a atitude e 

grau  de  liberdade  dado  ao  arquitecto.  Existem  zonas  fortemente  consolidadas,  de  linguagem 

marcante, e outras onde os vazios desconectam a malha. A autonomia imposta a cada obra surge 

nesta descoberta feita entre história e actualidade. 

 

                                                            81 TÁVORA, 2004: 21 82 COLLOVÁ, 1998: 58 83 AIRES MATEUS, Manuel, A reinvenção de um exercício, relatório de uma aula, Prova de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, 

apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa – FAUTL, Lisboa 1995: 24  84 Ibidem  

II | Intervenção como Transformação Formal

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

sobreposição

fora

contiguidade

integração

consolidação

dentro

ReabilitaçãoADIÇÃO

Esquema II | Como Actuar | Diferentes métodos de reabilitar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

68

69 

 

A cidade tradicional deixou‐se contaminar pelo Movimento Moderno. Num olhar atento sobre as 

cidades de hoje, são perceptíveis as diferentes camadas ao longo dos tempos. “Aquilo que define 

o espírito urbano são as colagens, os somatórios dos vários extractos por sobreposição deixando 

discernir as varias épocas e culturas.”85 

É para uma  ideia de cidade coerente que devemos  trabalhar. Transmitir uma  ideia de conjunto 

sólido, coeso, capaz de resistir no tempo mesmo que sejam necessárias transformações.  

O  arquitecto  de  hoje  constrói  as  ruínas  de  amanhã  que  serão matéria  projectável  para  novas 

gerações. 

Um projecto de arquitectura resulta do confronto entre a realidade existente e, por conseguinte, 

nasce do entendimento entre a cidade, as suas arquitecturas, o que um dia foi e o que poderá vir 

a ser. Um projecto contém, em si mesmo, uma reflexão sobre a história da arquitectura, a história 

actual  e  a  história  que  pretende  contar  no  futuro.  Exerce  um  juízo  de  valor  com  o  intuito  de 

cumprir objectivos e suprir carências de hoje.  

Neste  sentido,  reitera‐se  que,  não  deve  passar  despercebida  a  importância  dos  valores  do 

passado,  estes  devem  ser  defendidos  sempre  numa  perspectiva  reformadora  e  construtiva. 

Estando  conscientes do  seu  contributo e da necessidade de  referências que  temos no acto de 

projectar,  devemos  aceitá‐los,  actualizá‐los  e  integrá‐los  em  obras  contemporâneas.  A  cidade 

deve nascer como um espaço unificado onde o antigo e o novo convivem harmoniosamente. 

 

Távora apelida de restauro saudável esta atitude de reabilitar fugindo ao mimetismo do passado. 

“Estabelecer um critério de restauro diferente do critério corrente entre nós (…) procurei que a 

este arranjo presidisse um critério de  restauro  ‘saudável’: sem negar o passado nem pretender 

continuá‐lo,  copiando‐lhe  as  formas;  ensaiar  um  diálogo  com  esse  legado  na  nossa  linguagem 

actual, e obter nessa síntese de linguagens uma obra fresca e alegre”86 

Ao  projectar,  Távora,  não  fica  preso  a  qualquer  influência  formal  de  uma  época,  aceita  novas 

ideias e conceitos. “As  linguagens  formais” no projecto de Távora, “reentram no projecto como 

uma componente suplementar introduzida com o comportamento culto e desencantado (…) uma 

riqueza e  liberdade de referências características tanto da modernidade como do classicismo ou 

de outros sistemas de formas, utilizados alguma vez com destaque irónico. (…) 

                                                            85 SOUTO DE MOURA, entrevista por Paulo Pais, cit. TRIGUEIROS, 1996: 28 86 TÁVORA sobre recuperação da Casa da Igreja em Mondim de Bastos. FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 32 

II | Intervenção como Transformação Formal

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

70 

 

Távora não tem nenhuma dificuldade em utilizar as formas que conhece, sejam elas modernas ou 

clássicas, deixando intactos os valores, porque o principal sentido do seu projecto está em outro 

lugar, na organização de um espaço destinado a um conteúdo de experiencia e de tempo”87  

Hoje  o  arquitecto  procura  conciliar  o  presente  com  o  passado,  e  este  tornou‐se  matéria 

indispensável ao acto de projectar. No momento da criação o arquitecto deve estar dotado de um 

espírito  novo,  na  busca  de  novos  desafios  e  soluções.  “…é  necessário  armarmo‐nos  contra  os 

vários conformismos profissionais ou académicos que estrangulam hoje a nossa disciplina, para 

fugir finalmente das cinzas do “moderno” e tentarmos tornar‐nos realmente modernos.”88 

É  que  reabilitar  pressupõe  fazer  renascer  o  que  existe  e  que  não  está  explorado  com  o  seu 

máximo potencial. Criam‐se novos pressupostos,  reflecte‐se sobre o seu  redor, abrem‐se novos 

caminhos e a obra nasce. 

As  características do  lugar, o  tipo,  a  tipologia  e  a preexistência  criam matéria projectável  com 

infinitas possibilidades de reabilitar. “Deste modo, a força evocativa da forma supera a da função 

para  a  qual  o  objecto  foi  criado,  fornecendo‐lhe  o  grau  d  flexibilidade  necessária  para  a 

interpretação adequada que uma sociedade em continua evolução lhe exige.”89 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                             87 LEONI, 2003: 22 e24 88 BATTISTA, cit. CANNATÀ, FERNANDES, 1999: 13 89 ANGELILLO, 1993 cit. TRIGUEIROS, 1993: 20 

 

                    

III Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar 

 

A  selecção dos projectos apresentados pretende,  sem negar a história e a  tradição,  indicar um 

posicionamento claro de defesa da intervenção com recurso a transformação formal. Esta postura 

reflecte‐se na alteração evidente da imagem do edifício, assumindo, sem medos o novo gesto e a 

nova intervenção mas em continuidade e tendo como mote a preexistência.  

A escolha tenta abranger diferentes casos de intervenção com recurso a transformação formal em 

habitação unifamiliar.  

Por  definição,  as  obras  são  reflexo  de  uma  série  de  experiências  projectuais  de  adaptação  de 

edifícios antigos a usos actuais, que aparecem com o objectivo comum de demonstrar a grande 

potencialidade  de  construir  no  construído  e  a  mais‐valia  que  a  preexistência  põe  à  nossa 

disposição para criar e inovar. É pois objectivo enquadrar a arquitectura como resposta concreta 

às  exigências  da  vida  contemporânea  distinguindo  o  papel  criador  do  arquitecto  do  papel 

conservador do historiador.  

 

Os cinco projectos de habitação unifamiliar têm em comum a descoberta de diferentes formas de 

intervir, encontrando, no existente, potencialidades próprias para uma reabilitação. Por se tratar 

de  habitação  unifamiliar  é  possível  afirmar  que  os  seus  autores  são  os  proprietários  e  os 

arquitectos  que  tornaram  possível  o  prolongamento  da  vida  útil  dos  edifícios  ameaçados  pelo 

tempo. Neste sentido, o envolvimento do cliente no processo de criação é total. 

A história do lugar e a matéria construída fazem de cada projecto uma obra de interesse singular 

e grandes exemplos de reabilitação com intervenção formal. São respostas projectuais arrojadas, 

de gestos marcantes, dotadas de um forte carácter e expressão formal. Entram em diálogo com a 

história da arquitectura e do  lugar, questionam o actual conceito do habitar e encontram novas 

respostas. Os  projectos  dão  voz  a  linguagens  diferentes  que  acabam  por  culminar  num  único 

conjunto. 

É objectivo,  com a análise dos  cinco  casos de estudo,  levantar novas questões que ampliem o 

debate sobre intervenção formal em preexistências. 

 

 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

74 

 

As  cinco  obras  de  reabilitação  construídas,  de  arquitectos  portugueses,  são  apresentadas,  por 

ordem cronológica: 

Fernando Távora | Casa de Férias em Briteiros | Guimarães, Portugal – 1989‐1990 

  Álvaro  Siza Vieira  | Casa Van Middelem‐Dupont  | Oudenburg, Ostend, Bélgica  –  1997‐

2001 

Aires Mateus e associados | Casa em Alenquer | Alenquer, Portugal – 1999‐2001 

Eduardo Souto de Moura | Projecto de Recuperação da Casa D6‐2 | R. Padre Luis Cabral, 

Foz Velha, Porto, Portugal – 2001 

Nuno  Brandão  Costa  |  Reconstrução  de  Casa  Unifamiliar  |  Arga  de  Cima,  Caminha, 

Portugal – 2005‐2008 

 

As  obras  de  reabilitação  seleccionadas  mostram  diferentes  estratégias  e  atitudes  perante  a 

intervenção  em  preexistência.  Todas  as  intervenções  pretendem  fazer  renascer  a  obra, 

capacitando‐a de ferramentas para que possa tornar‐se útil e adaptada aos dias de hoje.  

O trabalho enfoca habitação unifamiliar pela constante necessidade de transformação, adaptação 

e ampliação do espaço ao indivíduo que, consequentemente, levantará problemas de forma.  

 

 

 

 

 

                

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Fernando Távora 

 

Como  foi  evidenciado  ao  longo  do  capítulo  anterior,  Fernando  Távora  influenciou  toda  a  sua 

época  com  as  suas  ideias,  conceitos  e  atitudes  à  frente  no  seu  tempo,  tendo  sido  um  dos 

arquitectos  mais  importantes  do  nosso  país.  Homem  de  grandes  convicções  foi  um  dos 

fundadores  da  “Escola  do  Porto”,  assente  nos  princípios  da  tradição,  das  raízes  culturais  e  da 

história,  criando  um  método  projectual  no  qual  a  obra  deveria  estar  harmoniosamente  em 

sintonia com o lugar.  

A sua visão é clarificada na postura adoptada perante a problemática da Casa Portuguesa – ver 

página  53.  Neste  sentido  emerge  o  debate  sobre  o  património  arquitectónico  português 

levantando  questões,  ainda  actuais  e  basilares  em  processos  de  reabilitação:  o  convívio  entre 

novo e antigo.  

Entende que  esta  relação deve  surgir de um  forte  conhecimento da história mas  sem  cair  em 

mimetismo do passado pois seria anular o  lado criativo de ser arquitecto. A actualidade da sua 

obra  advém  deste  jogo  inteligente  entre  presente  e  passado,  formas  novas  e  antigas.  A 

arquitectura  popular  está  ao  seu  serviço  para  criar,  de  forma  pacífica,  o  novo,  assente  nos 

mesmos princípios e regras da construção tradicional.  

Introduz,  com  grande  sensibilidade  e  conhecimento da história, um novo pensamento  sobre o 

papel social da arquitectura em contraste com o que se desenvolvia na época.  

 

É  próximo  de  Ruskin  ao  colocar  em  posição  de  destaque  a  história,  a  cultura  e  o  património, 

contudo, é através de analogias e interpretações com a cultura tradicional portuguesa que cria a 

sua obra, assemelhando‐se a Viollet‐le‐Duc. Para Távora, a preservação do património passa pelo 

seu usufruto ao  longo dos anos. Para que  tal aconteça, é necessário encontrar mecanismos de 

intervenção que prolonguem a sua vida e que o adaptem à evolução dos tempos, impensável para 

Ruskin.  “O  património  resulta  de  uma  criação  permanente  e  colectiva  e  o  próprio  acto  de 

recuperação do património tem de ser um acto de criação e não um acto de rotina burocrática ou 

de capricho pessoal.”90  

Aquando  da  problemática  da  relação  entre  antigo  e  novo,  consagrada  na  Carta  de  Veneza,  o 

Arquitecto Fernando Távora assume claramente a postura do diálogo através da valorização das 

semelhanças e da continuidade, por oposição, às diferenças e rupturas. A sua visão é transversal a                                                              90 TÁVORA, 1987 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40  

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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049 | Esquisso retrato Fernando Távora 

049 

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qualquer  espaço  construído,  quer  falemos  de  um  edifico  ou  de  um  espaço  de  cidade,  tendo 

sempre presente a condição irreversível do tempo. 

Desta postura, resulta uma arquitectura intemporal, vanguardista, erudita no seu tempo, que fez 

e faz escola. Acredita no gesto criador do arquitecto e este, conhecedor da história e da tradição, 

deve  vê‐la  como  um  auxiliar  e  não  um  impedimento  à  obra. A  arquitectura,  segundo  Távora, 

existia para servir o homem, neste sentido deveria  ser actual, suprindo as necessidades do seu 

tempo, sem medo de inovar ou ser moderno. 

 

 

Casa da Cavada | Casa de Férias em Briteiros 

Guimarães, Portugal – 1989‐1990 

 

Implantada em Briteiros, povoação de origem Celta Romanizada, na província do Minho, a norte 

de  Portugal,  a  casa  da  Cavada  é  exemplo  de  um  processo  de  reabilitação.  Alvo  de  enumeras 

alterações  ao  longo  dos  tempos  sofreu  uma  transformação  gradual  pela  necessidade  de 

adaptação ao tempo, ao lugar e ao usuário. 

O  conjunto  arquitectónico  único  e  consolidado,  que  hoje  se  apresenta,  nasceu  da  articulação 

entre  volumes  soltos, destinados primeiramente  a  funções agrícolas. Tal uso  torna‐se obsoleto 

perante a situação económica da  terra. Recupera‐se o conjunto e altera‐se o seu uso para uma 

casa de férias.  

A  sua  implantação  original  em  nada  é  alterada  ao  longo  dos  tempos  pela  actualidade  e 

capacidade de resistir à nova  função. Consolidam‐se espaços, alteram‐se outros mas o princípio 

de fechar a casa aos ventos de norte mantém‐se. 

No  processo  de  recuperação  Távora  utiliza  “uma  experiência  de  projecto  pouco 

“ortodoxa””91contracta um empreiteiro  local conhecedor das técnicas de construção tradicionais 

e inicia a obra depois de “primeiros esquissos sobre um levantamento sumário”92 

A  obra  surge  e  desenvolve‐se  apoiada  num  permanente  acompanhamento  por  parte  do 

arquitecto, as decisões tomam‐se no diálogo entre arquitecto, cliente e empreiteiro. O trabalho 

de atelier é substituído por esta dedicação à obra na fase de construção “Daqui a ausência quase 

completa de elementos desenhados do projecto – plantas, alçados, cortes, pormenores – muitos  

                                                            91 TÁVORA, 1990 cit. TRIGUEIROS, 1993: 160 92 Ibidem 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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050 | Levantamento da evolução da planta da Casa da Cavada desde 1650 até 1991. 

051 | Projecto de recuperação da Casa da Cavada, planta 1º piso. 

052 | Projecto de recuperação da Casa da Cavada, planta 2º piso. 

050 

051 

052

79 

 

deles elaborados na própria obra, outros perdidos por descuido ou desinteresse. As plantas  (…) 

resultam não de um projecto  anterior mas de um  levantamento posterior e o  trabalho  correu 

como clandestino no meu atelier.”93 

 

Como  já  foi  referido,  com  a  intervenção  de  Távora  reconhecem‐se  alterações,  interiores  e 

exteriores,  a  nível  formal.  Pela  necessidade  do  novo  uso,  no  interior,  foi  redesenhada  a 

compartimentação  e  acessos  verticais.  É  possível  distinguir  funcionalmente  os  dois  corpos  da 

casa:  um mais  compacto  directamente  relacionado  com  os  serviços  e  outro mais  extenso  no 

terreno que contém a zona dos quartos. 

A transformação formal exterior é fortemente marcada pelas caixilharias, de madeira e zinco, que 

assumem grande importância na fachada pela cor vermelha e branca e pelo seu desenho. No piso 

superior,  os  vãos,  que  anteriormente  conviviam  francamente  com  o  exterior,  agora  são 

encerrados  por  um  conjunto  único,  de  cor  vermelha,  em madeira  com  soleira  de  zinco,  que 

preenche o vazio existente na fachada de pedra. Controlam‐se as vistas de cada divisão com vãos 

mais  pequenos  com  caixilharia  branca.  No  piso  inferior  utiliza‐se  a  mesma  estratégia  no 

encerramento dos vãos das portas. Na articulação dos dois corpos, uma varanda, desenhada no 

mesmo registo, marca fortemente a imagem do conjunto. 

 

Condicionado  pelas  novas  exigências  programáticas,  o  arquitecto,  recupera  a  preexistência, 

sempre  com  um  olhar  atento  no  que  um  dia  foi,  na  história,  gerando  um  processo  de 

transformação com base na continuidade e semelhança, antes da diferença e da ruptura. 

Conserva uma  imagem datada e forte, e reafirma, através de novos elementos, os seus espaços 

mais significativos – articulação entre os dois corpos. 

Távora não faz uma transformação formal radical. Atendendo ao contexto rural, às necessidades 

do novo uso e à  imagem do conjunto marca a  sua  intervenção através dos encerramentos dos 

vãos.  Com  permanente  contemporaneidade  é  ousado  no  desenho  afirmativo,  robusto  e  com 

presença destes elementos. 

 

                                                            93 TÁVORA, 1990 cit. TRIGUREIROS, 1993: 162 

 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

80 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

053 | Fachada principal, Sul e ligação entre os dois volumes | transformação formal. 

054 | Vista Oeste | Varanda. 

055 | Vista aérea da fachada Sul | transformação formal. 

056 | Vista Este. 

057 | Vista Oeste | 1º piso coberto; 2º piso varanda. 

058 | 058 | Fotografias interiores. 

060 | Esquisso de Fernando Távora | Estudo para a transformação formal do alçado principal Sul. 

053 | 054 

055  

056 | 057 

058 | 059 

60 

81 

 

A obra que [re]nasceu, passa a ser lida num processo formalmente coerente e evolutivo ao longo 

dos tempos. 

É  na  relação  dialéctica  entre  presente  e  passado  que  a  obra  de  Fernando  Távora  se  situa. 

Defendendo os valores do presente, característica de um arquitecto moderno, evoca o passado 

no  sentido de o  tornar  ferramenta de projecto. No  acto de  reabilitar,  abre  espaço para novas 

realidades, novos valores e necessidades, sem ignorar a tradição. 

Como referiu, a sua arquitectura desenha‐se no acto de “continuar inovando.”94  Neste sentido, e 

à luz dos valores do seu tempo, exerce um papel conciliador entre os princípios da modernidade e 

da tradição na sua arquitectura.  

Abre espaço à evolução da arquitectura contemporânea com capacidade de  identificação com o 

tradicional. É nas formas do passado que procura fundamentar a modernidade do desenho que 

produz. 

Távora é um precursor do diálogo entre o novo e o antigo nos processos de reabilitação. Introduz 

na “nova arquitectura” um elo de continuidade com a anterior só comparável ao processo natural 

ocorrido ao  longo da história da construção; edifícios continuamente adaptados, modificados e 

melhorados com diversas intervenções arquitectónicas que criam uma unidade. 

Como  referiu  Siza,  surge  uma  ““nova  arquitectura”  que  ultrapassa  a  condição  de  acrescento, 

ascendendo  a  parte  integrante  da  história  de  uma  poderosa  estrutura  em  lenta  e  continuada 

transformação”95 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

                                                            94 “Távora, Fernando – Trabalhos de conservação e adaptação, in Boletim da DGEMN – Pousada de Santa Marinha, Guimarães, nº130, 

Lisboa, 1985: 77” FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 23  95 SIZA sobre o processo de recuperação da pousada do Convento da Costa. FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 36 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

Casa daCavada

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

sobreposição

fora

contiguidade

integração

consolidação

dentro

ReabilitaçãoADIÇÃO

preexistência | ruína

localização datransformação formal

Casa da Cavada

Esquema III | Casos de Estudo | Fernando Távora | Casa da Cavada | Guimarães, Portugal - 1989-1990

061 | Coberto.062 | Vista Este | transformação formal.063 | Vista aérea Oeste.064 | Fachada principal, Sul | transformação formal.

061 | 062

063 | 064

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

82

83 

 

Álvaro Siza Vieira 

 

A  postura  de  Távora,  inovadora,  criativa  e  conscienciosa  de  um  novo  tempo  com  novas 

necessidades, acaba por influenciar a obra e o percurso de Álvaro Siza. É evidente nas suas obras 

premissas provenientes da ascendência de Fernando Távora. A história, a  tradição, a noção de 

lugar e a utilização de materiais e técnicas tradicionais são factores constantes na obra de ambos 

os arquitectos que os usam ao serviço de uma nova arquitectura de acordo com as aspirações do 

presente. Este respeito pelo passado resulta no equilíbrio projectual na hora de reabilitar edifícios 

antigos. Intervir sobre a preexistência é, para Siza, “…um estímulo.(…)uma grande aprendizagem, 

parece um paradoxo mas é verdade. Basta  ter entrado numa casa em pleno Verão, numa casa 

antiga, um  solar numa  casa de quinta.  E depois  é  estimulante.(…)os  grandes  estímulos para o 

projecto,  para  a  arquitectura,  sendo  ela  centrada  no  que  é  o  projecto  em  termos 

transformadores,  em  termos  novos,  vêm  do  que  lhe  é  exterior.”96  Encara  a  justaposição  de 

diferentes tempos como uma coisa natural, pois a arquitectura faz‐se dessa mudança e adaptação 

constante a novos materiais, ideias, e programas. “uma cidade não é feita de continuidade, é feita 

de descontinuidades. Agora, a capacidade de navegar no meio dessas descontinuidades e dessas 

mudanças de projecto, nesse balanço entre conservadoorismo e utopia, ou novas  ideias, novas 

necessidades, novas exigências, manter esse equilíbrio sem que  isso signifique conservadorismo 

ou paragem no tempo, é o grande desafio da arquitectura”97 

A parceria de Álvaro Siza com Távora é basilar no desenvolvimento desta postura reflectindo‐se 

na sua obra. Siza, afirma ter recebido pela mão de Távora a sensibilidade em relação ao local e à 

envolvente.  É  exemplo  disso  a  escolha  exacta  de  Távora  para  a  Casa  de  Chá  que  permite  a 

adjudicação  do  projecto.  A  noção  de  lugar  é  ainda  influenciada  pelo  Arquitecto  Alvar  Aalto, 

ajudando‐o a observar o espaço como um  todo, não uma peça  isolada mas  sim, num contexto 

mais alargado. Desta forma, Siza é capaz de projectar em qualquer parte do mundo, conseguindo 

transmitir o ambiente próprio de daquele lugar. “…é a própria experiência existencial e projectual 

que me leva a ser cidadão daquele território durante um período. Sou parte, vivo naquele  

                                                            96 SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 85 97 Ibidem 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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065 | Esquissos de Siza Vieira para o projecto da Casa Van Middelem‐Dupont. 

065 

85 

 

território. Vivo no sentido em que estou a projectar para ele, e estou a projectar em contacto com 

pessoas dali.”98 

É  através  do  desenho  que  Álvaro  Siza  dá  forma  ao  seu  pensamento.  O  desenho  torna‐se  o 

primeiro  reflexo  da  observação  do  lugar  e  é  com  ele  que  o  arquitecto  faz  a  aproximação  ao 

projecto. O desenho é “o testemunho dessa procura (processo projectual), em lugar de desenhos 

encontrados.  Testemunhos  do  dia‐a‐dia  de  dúvidas,  de  pequenos  avanços  e  de  erros,  do 

abandono de uma ideia, e do retomar de algo diferente da mesma ideia, da difícil perseguição da 

forma.”99  

O  desenho  tambem  o  caracteriza  no  particular  detalhe  e  promenor  com  que  projecta 

determinados  elementos  em  cada  obra  caracterizam  o  gesto  do  autor.  Uma  dobradiça,  um 

puxador,  uma mudança  de  pavimento,  cada  junta  e  cada  pilar  são  para  Siza  elementos  tão 

importantes como o próprio edifício e que fazem obra. 

 

 

Casa Van Middelem‐Dupont  

Oudenburg, Ostend, Bélgica – 1997‐2001 

 

Situada  em  Oudenburg,  uma  pequena  localidade  perto  de  Ostende  na  Bélgica,  a  casa  Van 

Middelem‐Dupont é a primeira casa de Siza Vieira construída fora de Portugal. Região fortemente 

marcada  pela  sua  paisagem  ímpar,  de  campos  verdes  e  cursos  de  água,  que  enquadram  o 

conjunto situado numa propriedade agrícola. 

O projecto de reabilitação consistiu na recuperação e ampliação da casa solarenga com o intuito 

de dar um novo uso ao conjunto ‐ galeria de arte e habitação, mantendo a actividade agrícola.  

A  conservação dos edifícios existentes  foi exigência por parte dos proprietários. Estes  volumes 

antigos  apresentam  características  rurais  fortemente marcadas  pelos  tijolos  das  paredes  e  os 

telhados de duas águas com pendentes acentuadas, forrados a telha. A patina dos anos revela‐se 

nas diferenças de tonalidades que os edifícios apresentam, afirmando a sua forte presença.  

 

                                                            98 SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 84 99SIZA cit. LLANO, CASTANHEIRA, 1996: 58 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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066 | Planta | Cortes | Alçados 

1.casa|nova construção 

   Transformação formal 

 

4.garagem 

5.armazém 

2.casa|reabilitação 

3.galeria 

 

1

2

3

066 

87 

 

A preexistência  implanta‐se no  terreno em  forma de  “U” e define um pátio pelo qual  se  faz a 

entrada  da  quinta.  Este  pátio,  não  só  permite  uma  leitura  de  todo  o  conjunto  como  também 

organiza funcionalmente o espaço numa franca relação entre edifícios. 

Os  novos  volumes  em  “L”,  construídos  nas  costas  dos  corpos  existentes,  associam‐se  a  estes 

formando  um  novo  pátio  em  “U”  com  um  carácter  mais  privado,  onde  coexistirão  as  três 

actividades  ‐  galeria  de  arte,  habitação  e  actividade  agrícola.  “Não  é  só  preservação 

arquitectónica, paisagística, estética, é uma coisa muito mais profunda. É a própria actividade e a 

continuidade histórica”100  

O pátio é um elemento arquitectónico que caracteriza a obra de Álvaro Siza e o acompanha em 

diferentes projectos. Este, pode ser entendido e utilizado ao serviço do projecto com diferentes 

intenções,  se  em  algumas obras pode  significar  recolhimento,  fechamento  e  calma; noutras, o 

pátio, funciona como elemento conciliador de um espaço, é um elemento de transição, aberto e 

com  bastante  movimento.  Na  Casa  Van  Middelem  o  pátio  assume  a  função  socializadora  e 

conciliadora dos diferentes tempos e programas da mesma obra. Arte, vida e animais convivem 

no espaço do pátio. O pátio ajuda na união com o existente, para que o novo volume não nasça 

isolado mas sim um todo articulado com a paisagem e os volumes existentes. 

 

O novo projecto nasce da preexistência e no acto de “construir com  la  tradicion.”101 Esta  forte 

consciência do passado faz com que a ampliação surja numa perspectiva de conjunto unitário, em 

diálogo com a construção existente. Levantado o tema da ampliação, Siza encontra nas formas do 

passado  o  caminho  para  gerar  o  novo  conjunto.  “Antigo  e  novo  podem  fazer  um  todo, 

complementam‐se”102 

A  forma obedece geometricamente às medidas dos volumes existentes. As alturas, a  inclinação 

das águas, e a  larguras dos corpos  repetem‐se na continuação de um espaço que deve ser  lido 

como um todo. Resulta na unificação do espaço organizado num conjunto unitário onde é difícil 

datar e distinguir cada volume. O novo espaço adapta‐se ao anterior através da sua implantação e 

forma.  

                                                            100 SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 83 101 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 100 102 SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 83 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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067| Fotografia aérea do existente. 

068 | Esquisso Siza Vieira | estudos para proposta de ampliação e reabilitação. 

069 | Chegada à quinta | diálogo novo/antigo. 

070 | Pátio formado pelo novo volume “L” | relação com o existente. 

071 | Relação do pátio com o curso de água. 

072 | Pátio/galeria de arte. 

067 | 068 

069 

070 

071 

072 

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O projecto não  só cria um novo espaço que confere um novo  sentido à quinta, como  também 

explora uma nova expressão para uma arquitectura tão vinculada às raízes do  lugar. O conceito 

do projecto está em “hacer lo que todavia existe”.  

O novo conjunto nasce formalmente semelhante ao anterior  ‐ volumes simples, de uma mesma 

secção  geométrica  ligam‐se  ao  passado.  Contudo,  plasticamente  diferentes.  As  divergências 

centram‐se na plasticidade dos materiais que, apesar de tradicionais, fazem a ponte entre novo e 

antigo.  A  integração  no  tempo  e  no  espaço  não  só  é  feita  através  da  semelhança  formal,  da 

implantação que conforma igualmente um “U”, como também pela patine dos materiais em tons 

cinza. A  construção  secular da  casa e dos estábulos é  feita em pedra e  telha enquanto que os 

novos corpos adquirem novas texturas e expressividade. 

As novas fachadas estão cobertas por um ripado vertical de madeira de cedro. Só a fachada, que 

faz o ponto de viragem entre o novo e o antigo, está revestida a pedra para melhor se  integrar 

com  os  dois  tempos.  A  caleira,  em  cinza  azulado,  aparece  no mesmo material  da  cobertura, 

perfeitamente diluída nesta, quase sem expressão. O embasamento, em pedra cinza faz o remate 

inferior de todo o edifício.  

Utilizando somente três materiais, a nova edificação resulta numa unidade formal e plástica entre 

novo e antigo. Resolve ainda todos os problemas construtivos inerentes à construção, coexistindo 

com a arquitectura tradicional já existente. 

 

Para o arquitecto, só o poder que o tempo exerce sobre a obra lhe confere o verdadeiro sentido. 

Numa  reabilitação  com  ampliação,  este  processo  de  influência  temporal  não  terá, 

necessariamente, a mesma força que no volume existente. Através dos materiais utilizados e dos 

jogos  volumétricos  semelhantes,  Siza  Vieira,  tenta  alcançar  esta  patine mas,  contudo,  para  o 

autor  “de  inmediato un edificio  recuperado  tiene algo decepcionante,  carece de  lo que  solo el 

tiempo  puede  hacer  y  que  nosotros,  a  pesar  de  toda  la  tecnología  a  nuestro  alcance,  no 

conseguimos. Hay un cierto desencanto en la recuperación de un edificio porque al recuperar hay 

siempre, lo queramos o no, algo que se pierde, que desaparece.”103 

O novo conjunto distingue‐se ainda por detalhes formais que  ligam, articulam e animam a nova 

composição. A janela oblíqua, as texturas exteriores da cobertura e das paredes revelam que a  

                                                             103 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 2 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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073 | 074 | 075 | Ponto de união entre novo corpo e o antigo | pé direito mais baixo | mesmo material nas paredes contíguas. 

076 | 077 | 078 | Relação do novo volume com o existente | Janela‐alcova | enquadra a paisagem. 

079 | Interior da janela‐alcova | recanto intimista | olho sobre a paisagem. 

073 

074 |075 

076 

077 

078 | 079 

91 

 

ampliação  não  se  faz  com  base  no  mimetismo  do  passado.  Introduzem‐se  acontecimentos 

arquitectónicos de linguagem forte.  

O ponto de união entre o novo corpo e o antigo é feito com um pé direito mais baixo. A rotação 

do  volume  pré‐existente  contamina  o  novo  corpo  no  seu  interior.  A  parede  que  separa  a 

circulação da zona da cozinha, sala de jantar e sala de estar aparece neste enfiamento com uma 

ligeira inclinação. No outro braço do “L” funcionam os quartos e casas de banho. Todo o interior 

da  casa  foi  demolido  pois  não  se  encontrava  em  bom  estado  de  conservação  sofrendo  uma 

remodelação total para suprir as novas exigências. As paredes exteriores são mantidas estando os 

seus  vãos  já definidos  e  influenciando o  espaço  interior da  casa.  Este  aspecto  reflecte‐se num 

espaço  interior bem mais  fluido nos novos volumes do que no espaço  interior da preexistência, 

condicionado pelos seus vãos. 

Próximo do movimento moderno o autor utiliza a  janela como elemento basilar nas suas obras. 

Estas  são  desenhadas  como  se  de  telas  se  tratasse,  ajudam  a  definir  enquadramentos  na 

paisagem construindo um ambiente interior no espaço arquitectónico. Na sala, na articulação do 

“L”,  surge  uma  janela‐alcova  que  enquadra  a  paisagem.  É  um  olho  em  direcção  aos  campos, 

criando  um  recanto mais  intimista.  Numa  franca  relação  com  o  exterior,  abrem‐se  vãos  bem 

seleccionados. O cuidado minucioso com que escolhe o lugar exacto de cada vão, realça o jogo de 

relações interior/exterior. As caixilharias em madeira são pintadas de branco apenas pelo interior. 

A materialidade da obra constrói um ambiente flamenco sobre a história do solar. Na galeria, mais 

concretamente, entra em diálogo a tradição rural do artesanato versus a arte contemporânea.  

 

O projecto apresentado reflecte, em parte, a doutrina de analogia defendida por Viollet‐le‐Duc. 

Os novos volumes encontram  razão no existente, não caindo no  seu mimetismo  imediato. Não 

representam  uma  repetição  dos  que  já  existia, mas  uma  busca  de  aproximação  da  escala,  da 

volumetria e do detalhe. “…há uma quase obrigação moral de não tentar imitar uma coisa de que 

à partida se sabe ser irrepetível, não é natural. Daí outros materiais, com outro rigor na execução, 

rigor que  responde ao que a arquitectura hoje permite, mas de  forma a estar ao  lado daquela 

arquitectura tradicional. Não se limitam as marcas do tempo. O conforto que hoje se exige tem a 

ver com a  técnica e o  rigor da execução. De uma maneira geral a  ideia é manter o espírito da 

arquitectura local, e o seu relacionamento coma a paisagem.”104   

                                                            104 SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 81 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

92 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

080 | Vista geral | mesma volumetria | materiais diferentes. 

081 | Vista Oeste. 

082 | Vista Norte | relação novo/antigo. 

083 | Interior | galeria 

084 | Janelas que enquadram a paisagem | telas. 

080 

081 

082 

083 | 084 

93 

 

O novo e o antigo dialogam por justaposição, onde a utilização do mesmo material, o tijolo, só nas 

fachadas contíguas é exemplo desta coexistência harmoniosa. 

Sem medo de afirmar o gesto, construindo novos volumes por analogia aos existentes, utilizando 

novos  materiais  e  originando  novas  utilizações,  a  casa  nasce  como  um  todo  suprindo  as 

necessidades  exigidas  pelos  dias  de  hoje.  A  diferença  de  materiais  reflecte  a  vontade  do 

arquitecto  de  querer  afirmar  a mutação  do  tempo,  factor  sempre  presente  em  processos  de 

reabilitação. 

A simplicidade do desenho, destaca os elementos essenciais da arquitectura, paredes e tectos que 

resistiram à passagem do tempo e se tornam referência. Inspirado na plasticidade da construção 

existente, o autor acrescenta a sua sensibilidade, experiência e conhecimento na nova obra. Esta 

atitude é reflexo da capacidade do arquitecto em ter uma visão alargada do lugar e da região para 

onde  projecta,  resumindo‐o  em  cada  obra.  Cada  projecto  é  encarado  isento  de  preconceitos, 

arrisca e tenta encontrar a medida justa em cada sítio, auxiliado pela história da arquitectura e do 

lugar para onde projecta. 

A  justaposição  de  diferentes  tempos,  memória  e  materiais  está  intrínseca  no  seu  acto  de 

projectar pois é uma realidade transversal quer ao acto de reabilitar e conjugar o novo e o antigo 

como  também quando  intervém na  cidade descontínua e  constituída por diferentes  layers. Na 

Casa Van Middelem, o arquitecto, faz conviver os dois tempos através da continuidade, os novos 

volumes justapõem‐se aos existentes não existindo um forte contraste.105  

 

A arquitectura de Siza Vieira, respeitando sempre o património e as preexistências, não deixa de 

ser actual, afirmativa e definidora de uma postura intervencionista. Espelha continuidade entre o 

velho e o novo, mantendo  intacta a personalidade e a essência da preexistência. Neste sendido, 

torna‐se clara a  influencia sofrida pelo Arquitecto Fernando Távora. Como  já foi referido, a casa 

constrói‐se  de  formas  simples,  e  são  estes  detalhes  arquitectónicos  que  fazem  o  espaço  fluir. 

Todo o conjunto está dominado por tons neutros que destacam a volumetria no meio do campo 

verde.  

O processo de ampliação e recuperação resultam em continuidade e harmonia com a atmosfera 

do lugar e carácter das edificações já existentes. É esta simplicidade do gesto que confere sentido  

                                                            105 Na Casa Alcino Cardoso, em Moledo do Minho, 1971‐1973, projecto de reabilitação do mesmo arquitecto, evidencia‐se uma postura 

mais radical. O novo volume intersecta a construção rural preexistente, a que o autor chama de imatura. 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

CasaVan Middelem-Dupont

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

sobreposição

fora

contiguidade

integração

consolidação

dentro

ReabilitaçãoADIÇÃO

preexistência | ruína

localização datransformação formal

Casa Van Middelem-Dupont

Esquema IV | Casos de Estudo | Álvaro Siza Vieira | Casa Van Middelem-Dupont | Odenburg, Ostend, Bélgica - 1997-2001

085 | Vista geral | pátio formado pelo novo volume em "L" e o volume existente.086 | Relação novo/antigo.

085

086

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

94

95 

 

ao novo volume retirando‐lhe a condição de acrescento. O conjunto resulta totalmente integrado, 

transmitindo a ideia de que a nova construção sempre esteve aí. 

Como referiu Juan Domingo Santos ““viendo la obra de Álvaro Siza se tiene la sensación de que un 

proyecto nace de una necesidad, de un equilibrio o de un vacio por explorar.”106 

Na entrevista feita ao arquitecto para a revista Croquis, Siza é questionado sobre a utilização da 

expressão  “recuperar”  em  detrimento  de  outras  como  restauro,  reabilitação,  reconstrução  ou 

inovação. Em resposta, Siza, esclarece que “Recuperar es algo que va mas alla de lo físico y de lo 

material (…) para mi tiene mucho que ver con cosas muy diferentes, incluso culturales, y no solo 

con  la arquitectura o  la construcción, sino que está  relacionado con una  lectura  funcional de  la 

ciudad”107 No seu ponto de vista, a ideia de restauro prende‐se directamente com a consolidação 

da parte material de um edifício importante, independentemente da sua função.  

Assim, o uso que faz da palavra recuperar é mais amplo e diferente, tem um sentido que não é 

material nem físico, relaciona‐se com a atmosfera e ambiente do lugar. 

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            106 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 6 107 Idem: 22 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

 

97 

 

Aires Mateus e associados 

 

Manuel  e  Francisco  Aires  Mateus  nasceram  em  Lisboa  e  formam‐se  na  década  de  80,  pela 

Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Durante o seu periodo académico 

sofrem  grande  influência  por  parte  do  Arquitecto Manuel  Taínha.  Nasceram  no  seio  de  uma 

família  de  artistas,  pai  arquitecto  e mãe  pintora,  que  acaba  por marcar  o  seu  crescimento  e 

influenciar o  resto das suas vidas como arquitectos. Recebem, pela mão do Arquitecto Gonçalo 

Byrne,  os  primeiros  ensinamentos  enquanto  arquitectos.  Desta  parceria,  logo  após  as  suas 

licenciaturas, resulta o início da arquitectura praticada pelos dois irmãos que, mais tarde, acabam 

por formar o seu próprio atelier.  

Guiados pelo purismo e  simplicidade da  forma,  tentam  com esta valorizar o espaço para onde 

projectam,  recriando‐o  e  organizando‐o  em  cada  gesto.  Cada  obra  é  revestida  de  grande 

intencionalidade  no  campo  dos  sentimentos  e  sensações  que  provoca  nas  pessoas  que  as 

precorrem,  carcterística herdada do Barroco,  como  referiu Delfim  Sardo. O  contraste, o  efeito 

surpresa,  a  espacialidade  que  se  descobre  na  apropriação  do  espaço  caracterizam  a  obra  de 

Manuel  e  Francisco  Aires  Mateus.  Criam  diferentes  ambientes  pelos  contrastes  luz/sombra 

acentuados pela utilização da cor branca nas suas obras. A sombra torna‐se tão importante como 

a  luz  na  definição  do  espaço.  A  influência  do  branco  imprime,  nas  suas  obras,  a  ideia  da 

arquitectura  tradicional alentejana,  trabalhando a  fachada  limpa como um  limite rigoroso entre 

interior e exterior. No alentejo, os muros brancos e robustos, com aberturas pontuais, conferem 

ao  interior  características  mais  intimistas  e  pelo  exterior  revestem‐se  de  uma  luminusidade 

extrema  resultado do  reflexo da  luz do  Sol.  Este mesmo efeito é  captado  em muitas das  suas 

obras. 

 

Arquitectos  livres  de  preconceitos,  arriscam  e  questionam  o  espaço  da  casa,  afastam‐se  do 

convencional  na  procura  de  novos  conceitos  caracterizadores  de  uma  linguagem  própria.  O 

desenho de cada obra parte sempre de uma  ideia forte, de um conceito que os conduzirá a um 

resultado  final  ambicionado mas que muitas  vezes  sofre  transformações e descobertas no  seu 

processo. A arquitectura destes autores faz‐nos repensar a arquitectura de hoje, através de uma 

linguagem forte, simples, que os caracteriza. Este processo criador não é um exercício meramente 

experimental,  inclui e preocupa‐se com o usuário ao qual a obra se destina. A obra dos autores 

caracteriza‐se pelo confronto entre o cheio/vazio, o interior/exterior pela ideia de que a  

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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087 | Vista aérea sobre Alenquer | Casa já construida. 

088 | Ruína. 

089 | Casa de Alenquer | transformação formal. 

090 | Casa de Alenquer | maquete de implantação. 

091 | Casa de Alenquer | planta de cobertura. 

087 

088 | 089 

090 | 091 

99 

 

arquitectura é uma massa moldável com peso e substância, realçando uma percepção unitária de 

conjunto. Resulta na adição e subtracção de partes, que o habitar vai ocupar. 

Defensores  das  formas  puras,  o  quadrado  é  uma  figura  presente  nas  suas  obras.  Pela  sua 

geometria,  sem  influenciar  direcções  ou  acentuar  enfiamentos,  ajuda  na  implantação,  na 

proporção e na descoberta da medida exacta que passam pelas formas clássicas de um palácio, 

ou  mesmo  pelas  formas  vernaculares  da  casa‐pátio.  “…um  quadrado  surge,  sobretudo 

bidimensionalmente em projectos que não estão referenciados a nada. Casas que são no meio do 

campo.  (…) o quadrado, é a primeira unidade de  fundação  romana, é uma  forma que não  tem 

direcção, não é uma coisa insólita como um círculo. O quadrado é o zero, e trabalha‐se com essa 

intuição,  com essa experiência do  subconsciente.”108  Seguros das  suas  formas, os  irmãos Aires 

Mateus,  viajam  pela  Arquitectura  Clássica  para  suprirem  necessidades  actuais  e  levantarem 

questões de projecto que se tornam disciplina. Contudo, não perseguem uma arquitectura do seu 

tempo. Encontram nesta expressão uma carga demasiado volúvel, na qual não se podem basear, 

pois o tempo está sempre em constante mudança. “As construções vão ultrapassar‐nos a todos 

em  longevidade. Portanto, ter uma demonstração de declaração de tempo muito peculiar não é 

matéria interessante para nós. Pensamos sempre que as coisas não têm, ou desenha‐se para não 

terem tempo.”109 

Apesar de tocar diferentes programas, a obra desta dupla procura uma reflexão sobre a temática 

do  habitar.  Os  processos  de  reabilitação  e  intervenção  em  preexistência  são  uma  realidade 

recente  para  os  autores  mas  que  o  vêem  como  um  desafio,  uma  oportunidade  e  um 

enriquecimento  enquanto  arquitectos  .  Intervir  sobre  a  preexistência,  dizem  ser  sempre  uma 

oportunidade  que  requer  “concentração  e  algum  cuidado  na  avaliação  daquilo  que  se 

encontra.”110  Contudo,  não  vêem muitas  diferenças  entre  um  projecto  de  reabilitação  e  um 

projecto de raíz. O método é semelhante. “Um projecto de recuperação parte sempre de tentar 

perceber, naquilo que se está a recuperar, o que é  importante e o que é  irrelevante. Não existe 

dogma nenhum, nem preconceitos em relação a uma recuperação, em que uma pessoa diga: “Se 

é uma recuperação em absoluto, não se pode deitar nada a baixo.” Nem sequer existe esse  

                                                            108 SILVA, Entrevista anexo 3, 17 de Julho de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 98 109 Idem: 102 110 Ibidem 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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092 | Casa de Alenquer | Planta R/C. 

093 | Casa de Alenquer | Planta 1º piso. 

092 

093 

101 

 

respeito pelo antigo em si. Existe sim, e isso é uma constante no atelier, uma grande valorização 

daquilo  que  o  tempo  foi  sabendo  deixar  como  legado.  (…)  uma  recuperação,  em  si,  não  é 

diferente de um projecto novo, porque aquilo que nos chega do tempo, quando nós percebems 

que foi acidental ou casual, não representa, em si, limitação nenhuma.”111 

Os projectos de  reabilitação que  se destacam  na  sua obra  são  a Casa de Azeitão  e  a Casa de 

Alenquer, analisada em seguida. Em ambos os casos é de realçar a  importância de um conceito 

inicial  que  origina  a  forma. Os  arquitectos  constroem  o  habitar  no  entre,  no  interior/exterior. 

Francisco e Manuel Aires Mateus lêem a preexistência como mais um factor coadjuvante ao acto 

de projectar, que deve  ser  tido em  conta mas  sem nunca  se  tornar o elemento dominador da 

obra. Colabora no desenho da obra, na criação do conceito e de objectivos, mas é colocado em 

posição semelhante a outro factor. A preexistência é utilizada como mote para o projecto, é posta 

ao  serviço  do  projecto  por  oposição  à  sua  demolição,  a  obra  nasce  dela. Mais  do  que  a  sua 

materialidade, texturas e formas o importante é o espçao que ela potencia.  

 

 

Casa em Alenquer 

Alenquer, Portugal – 1999‐2001 

 

Situada em Alenquer, a casa dos irmãos Aires Mateus constitui um ponto de reflexão e viragem na 

sua carreira enquanto arquitectos. Do projecto à obra decorreu um período de sete anos, desde 

1995 a 2001. Um espaço de tempo que foi cheio  interrogações, experimentação e muitas vezes 

voltou‐se ao início numa atitude de projectar e [re]descobrir. 

Apesar  das  pequenas  dimensões,  a  obra  surge  como  um  “atelier  experimental”,  sem  recear  o 

tempo e a história ou o produto obtido, ensaia‐se de novo e  redescobre‐se de  forma  intuitiva. 

Tendo  como  objectivo  encontrar  uma  lógica  forte  e  coerente  para  o  projecto,  aceitam‐se 

mudanças de direcção e o projecto nasce de uma constante selecção de opções, articulação de 

espaços  e  relação  entre  tempo  e  lugar.  “…a  Casa  de  Alenquer,  enfim,  por  constrangimentos, 

quase por casualidade fez com que o atelier, pela primeira vez dentro do seu trabalho, percebesse 

que um legado ou que uma preexistência podia ter um valor cénico e compositivo activo. E não  

                                                            111 SILVA, Entrevista anexo 3, 17 de Julho de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 97 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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094 | Casa de Alenquer | Cortes longitudinais e transversais. 

095 | 096 | Vista exterior | recuperação da ruína. 

097 | Vista da Piscina. 

094 

095 | 096 

 

097 

103 

 

representar uma  limitação,  representar uma oportunidade.”112 O projecto  surge como  resposta 

ao problema do habitar,  jogando  com o  factor  tempo/ruína. A  casa  lê‐se  como  “casa objecto” 

implantada no vazio e é destes vazios que vive o espaço.  

É no diálogo ambíguo entre novo e existente,  interior e exterior, que a obra nasce. Surge então 

uma nova possibilidade para o habitar, que ultrapassa a concepção clássica de casa.  

Foi  construído  um  novo  corpo,  e  foram  deixadas  as  paredes  preexistentes  ao  redor  da  nova 

construção.  As  paredes  da  ruína  existente,  carregadas  de  significado  histórico,  estabelecem  o 

primeiro contacto entre o usuário, a envolvente e casa propriamente dita. A casa, distancia‐se da 

pele exterior criando um vazio que unifica  todo o conjunto. Este vazio, que surge entre os dois 

corpos,  constrói e organiza  as  zonas de  circulação exterior, definindo  a  fronteira entre os dois 

corpos.  É  um  espaço  de  intimidade.  O  piso  de  madeira  não  só  confere  continuidade 

interior/exterior como também realça as peças construídas. A tensão da obra está entre  limites. 

Os espaços moldam‐se entre fachadas e constrói‐se um espaço unitário. 

Construtivamente,  faz‐se a  consolidação e  reparação da  ruína das paredes da antiga  casa. Esta 

funciona  como  um  elemento  compositivo,  está  ao  serviço  do  projecto mas materializada  da 

mesma  forma  que  a  nova  construção,  com  o mesmo  acabamento  que  o  novo  volume.  Toda 

rebocada  de  branco,  a  preexistência  ganha  agora  uma  maior  expressão  e  materialidade. 

Funcionou como mote para o projecto, não se impondo, mas sim integrando‐se. Abriram‐se vãos 

e acrescentaram‐se partes,  sem nunca  recear o passado. Resultando numa maior  coerência do 

conjunto. A verticalidade do espaço foi afirmada pela nudez das paredes exteriores que antes se 

apresentavam divididas por um piso e agora mostram, de uma só vez, a sua altura máxima. Este 

efeito de verticalidade é acentuado pelo reflexo da água da piscina que torna mais luminoso todo 

o espaço. 

A casa propriamente dita, a que se constrói dentro desta pele, é trabalhada ao milímetro com a 

preocupação de orientar os vãos da casa de acordo com os vãos da ruína. Neste sentido, alcança‐

se uma continuidade visual com o interior, espaço intermédio e exterior. É um jogo de vistas que 

vai construindo o espaço interior e exterior. A casa foca a envolvente cuidadosamente e constrói 

o espaço  interior. No piso  térreo  situa‐se  a  cozinha,  sala e  sala de  jantar  com um enfoque de 

paisagem minucioso entre os “vãos duplos”. No piso superior organiza‐se a zona mais privada da  

                                                            112 SILVA, Entrevista anexo 3, 17 de Julho de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de 

Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 96 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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098 | Casa de Alenquer | Entrada na ruína. 

099 | 100 | Casa de Alenquer | vistas do entre | ruína/casa. 

101 | Jogos de luz | diferentes planos brancos. 

102 | Casa de Alenquer | vista interior | aceso ao 1º piso. 

103 | Casa de Alenquer | vista interior | sala piso R/C. 

098 | 099 

100| 101 

102| 103 

105 

 

casa. A luz exerce um grande papel na composição do espaço. O branco propicia um espaço cheio 

de luz, produzindo efeitos e ambientes distintos entre luz própria e reflectida. 

 

Neste processo de reabilitação com transformação formal apenas restaram as paredes exteriores 

que  vão  influenciar  toda  a  obra  conferindo  carácter  ao  novo  espaço  que  se  constrói  dentro. 

Assim,  e  sem  recear  o  peso  do  passado,  o  seu  interior  foi  ocupado  sem  obedecer  a  regras 

previamente  concebidas  e  constrói‐se  a  habitação  num  corpo  independente,  mas 

necessariamente  ligado  ao  anterior.  A  impossibilidade  de  sustentação  das  paredes  com  o  seu 

interior  demolido,  leva  os  arquitectos  a  descobrir  uma  nova  possibilidade  do  habitar.  A  casa 

constrói‐se dentro dos muros da ruína e estes fazem a mediação entre a envolvente e o espaço 

exterior da casa. 

A  obra materializa‐se  num  todo  coeso,  construído  por  duas  partes  e  dois  tempos:  uma  pele 

exterior  e  um  volume  no  seu  interior  unidos  pela  tensão  do  vazio.  Este  conjunto  de  factores 

permitiu reinventar uma história anteriormente marcada nas paredes existentes pelo passar dos 

anos. A apropriação do espaço resulta do entendimento consciente da preexistência em sintonia 

com  a  capacidade  de  exploração  de  novas  realidades  –  o  vazio  –  por  parte  dos  arquitectos. 

Considera‐se então como ponto de partida a ruína, na materialização do habitar. 

É nesta atitude de descoberta e experimentação que surge este novo conceito de habitar entre 

limites. Com  esta obra  abre‐se  caminho para uma nova  forma de  abordar  o projecto  a  priori, 

experimenta‐se  e  criam‐se  novas  possibilidades  de  uso. O  gesto  de  Francisco  e Manuel  Aires 

Mateus  define‐se  no  acto  de  projectar  dentro  de  algo,  utilizando  o  passado  ao  serviço  do 

projecto. Os  arquitectos,  perante  um  exercício  recorrente  de  habitação,  abrem  caminho  para 

novas possibilidades.  “para hacer una  casa,  se  coge un puñado de aire y  se  lo  sujeta  con unas 

paredes”.113 A casa constrói‐se no vazio e este espaço assume igual importância no conjunto. 

A força da preexistência ditou o projecto pela materialidade e presença com que se manteve de 

pé. O despojamento  com que  se apresentou a  ruína  conferiu  força à nova arquitectura, quase 

como se do essencial se tratasse.  

Para  o  arquitecto  Manuel  Aires  Mateus  a  casa  de  Alenquer  é  um  ponto  de  charneira. 

“Desenhámos  a  recuperação  tradicional  de  uma  casa,  um  projecto  correcto  para  se  fazer  no 

campo, numa vila histórica; quando começámos a obra, ruiu tudo, as paredes não tinham  

                                                            113 Provérbio Nazarí. BAEZA, Un puñdao de aire in 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 46 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

Casa deAlenquer

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

sobreposição

fora

contiguidade

integração

consolidação

dentro

ReabilitaçãoADIÇÃO

preexistência | ruína

localização datransformação formal

Casa de Alenquer

Esquema V | Casos de Estudo | Aires Mateus | Casa de Alenquer | Alenquer, Portugal - 1999-2001

104 | Casa de Alenquer | enquadramento das janelas interiores com as janelas da ruína.105 | Casa de Alenquer | vista do entre.

104 | 105

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

106

107 

 

capacidade  de  carga.”114  “Ficaram  as  paredes  exteriores,  só.”115  “O  que  era  uma  casa  banal 

transformou‐se  numa  ruína  lindíssima.  E  decidimos  mudar  o  projecto  completamente. 

Começámos a ter outra consciência da realidade, e outro afecto [pelo que existia].”116 

Referem ainda como foi importante trabalharem com o que já existia para perceberem o valor do 

material e o valor do  tempo. Foi um projecto de grandes descobertas e possibilidades. A partir 

deste projecto, os arquitectos estão mais disponíveis para perceber o que  realmente existe, ou 

existiu, num  terreno  a projectar. Abriu‐se o  campo de  liberdade no  acto de projectar.  “O que 

percebemos ali foi a liberdade com que é possível operar. É a pessoa dizer: "Tenho um campo de 

liberdade, posso, e mais, devo usá‐lo." Um projecto é uma infinita condição de possibilidades que 

podemos  e  devemos  usar.  E  usamos.  O  que  não  acontecia  antes.  Tínhamos  uma  espécie  de 

esquema, queríamos fazer uma arquitectura dizendo sempre que não.”117 

Neste processo de reabilitação os arquitectos percebem que podem “navegar pela história com 

uma total  liberdade. Não tem de ser cronológico; posso andar para a frente, para trás, misturar 

tempos. Ou na teoria, ou nas influências, em qualquer ponto da cultura.”118 

             

 

                                                            114 AIRES MATEUS, Manuel, Entrevista Os Aires Mateus são dois, mas são um, por Anabela Mota Ribeiro 22.11.2010 ‐ 11:46, para Jornal 

Público  115 AIRES MATEUS, Francisco, Entrevista Os Aires Mateus são dois, mas são um, por Anabela Mota Ribeiro 22.11.2010  ‐ 11:46, para 

Jornal Público 116 AIRES MATEUS, Francisco in 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 46 116 AIRES MATEUS, Manuel, Entrevista Os Aires Mateus são dois, mas são um, por Anabela Mota Ribeiro 22.11.2010 ‐ 11:46, para Jornal 

Público 117 Ibidem 118 Ibidem 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

 

109 

 

Eduardo Souto de Moura  

 

Licenciado em arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, Eduardo Souto Moura 

iniciou a sua carreira no atelier de Álvaro Siza Vieira, entre 1974 e 1979, ainda como estudante. É 

no programa de habitação desenvolvido pela escola, pré‐SAAL, que conhece Siza. Termina a sua 

formação, em 1980, e começa de imediato a sua actividade liberal. A escola é decisiva e basilar no 

seu desenvolvimento enquanto arquitecto, onde recebe diferentes ensinamentos com diferentes 

abordagens ao projecto, umas mais sensoriais e abstractas, outras mais  técnicas e construtivas, 

pela mão  de  diferentes  arquitectos,  como  o  arquitecto  Távora,  o  escultor Alberto  Carneiro,  o 

arquitecto Alcino Soutinho entre outros.  

Seguidor  dos  princípios  da  arquitectura  Portuguesa,  defendidos  pelos  seus Mestres  Fernando 

Távora  e  Siza  Vieira,  Souto  de  Moura  enquadra‐se  no  panorama  nacional,  onde  os  valores 

tradicionais da história, da terra e do património são estimados. “O ensinamento de Távora não 

se referia tanto ao projecto como aos princípios: o papel do desenho, a compreensão do lugar, a 

importância  da  história.”119  A  problemática  e  valorização  do  contexto  histórico  e  social,  a 

importância do lugar, a integração da obra, a arquitectura vernacular e a tradição, são princípios 

que acabam por marcar profundamente a sua arquitectura.  

No seu gesto  fica claro o  rigor, a precisão das  formas e a sua profunda sensibilidade perante o 

contexto  reinterpretando  a  lógica  construtiva  tradicional.  “A  arquitectura  de  Souto  de Moura 

nasce  sobretudo  de  esquissos  de  alçados  que  marcam  imediatamente  e,  com  uma  limpeza 

extrema uma  identidade  figurativa  complexa do edifício e do  lugar.”120 Neste  sentido,  cuida os 

detalhes na selecção dos materiais  locais para que a obra nasça fazendo parte do  lugar onde se 

insere. Trabalha a pedra, o betão, a madeira e o alumínio conjugando‐os de  forma harmoniosa. 

Reinventa  o  muro  em  pedra,  por  uma  necessidade  construtiva  e  fortemente  figurativa, 

recorrendo a uma máscara que esconde uma construção basilar. O muro em pedra está acoplado 

ao muro de betão  rebocado ou de  tijolo, onde  se  insere o  grande  caixilho  em  vidro  e  aço ou 

madeira.  Seduzido  pelas  soluções  construtivas,  faz  “…o  contraste  entre  a  simplicidade  dos 

princípios  vitruvianos  da  construção  (…)  e  a  complexidade  construtiva  da  desconstrução 

vanguardista. (…) Trata‐se de uma curiosidade natural pelo facto construtivo em si, pelos seus  

                                                            119 SOUTO DE MOURA, cit. ESPOSITO, LEONI, 2003: 11 120 Idem: 24 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

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106 | Maquete da proposta de recuperação da Casa D6‐2. 

106 

111 

 

aspectos  mais  concretos  e  diminutos,  afinados  pela  intervenção  frequente  em  edifícios 

existentes.”121 

É  de  salientar  a  influência  de Mies  Van  der  Rohe  na  obra  de  Souto  de Moura.  Precursor  da 

máxima “less is more”, encontra na simplicidade, na pureza da forma e dos materiais, o caminho 

para a sua arquitectura. É, neste sentido, próximo de Mies Van der Rohe pela procura incessante 

da elegância da  forma sempre com base numa  lógica construtiva, na  fragmentação dos planos, 

nos jogos de sobreposições de diferentes peles e materiais, bem como na ocultação da estrutura. 

Na  sua  obra,  privilegia  a  forma  simples,  o  gesto  preciso  e  único,  e  a materialidade  de  cada 

elemento arquitectónico. Dialoga entre o natural e o artificial através de um  jogo de texturas. É 

revelador  do  seu  talento  e  respeito  pela  cultura  vs modernidade,  a  capacidade  de  "usar  uma 

pedra com mais de mil anos ou inspirar‐se num detalhe moderno de Mies van der Rohe."122 

Eduardo Souto de Moura,  identifica‐se por uma arquitectura de  linhas rectas, com texturas, que 

transmite emoções através da matéria‐prima e dos espaços simples. Para o autor, as obras têm 

que  ser  simples,  sem  serem  simplistas,  e  belas,  sem  serem  bonitas.  Gosta  da  palavra 

“desassossego” de Fernando Pessoa, que o conduz nesta busca, constante e incessante, da forma. 

 

Recentemente  distinguido  com  o  prémio  Pritzker,  diz,  ser  um  gratificante  reconhecimento  de 

trinta  anos  de  trabalho  e  encontra  em  cada  prémio  motivação  para  continuar  a  projectar. 

Reconhecido  pelo  júri  do  Prémio  Pritzker  como  “um  arquitecto  fascinado  pela  beleza  e 

autenticidade dos materiais, Souto de Moura reflecte a afirmação da cultura portuguesa em cada 

manifestação de contemporaneidade. Para Siza, “A sua obra é de um grande rigor, de uma grande 

exigência. Não conheço nenhuma obra descuidada. Há sempre grande atenção à inserção de cada 

obra que  faz. Não são peças  isoladas e  fazem parte de um  tecido. É uma arquitectura que  tem 

passado e anúncios de futuro.”123 

Sem  deixar  de  reflectir  a  arquitectura  do  seu  tempo,  de  inovar,  de  ser  actual  e  suprir  as 

necessidades  do  presente,  Souto  de Moura  dá  voz  à  arquitectura  tradicional  integrando‐a  no 

desenho das suas obras. Durante as últimas três décadas, o autor cria uma arquitectura que é do  

                                                            121 SOUTO DE MOURA, cit.ESPOSITO, LEONI, 2003: 19 122 Comunicado do Júri do Prémio Pritzker, Reacções à escolha de Souto Moura para Pritzker, por Sérgio C. Andrade, Alexandra Prado 

Coelho, Cláudia Carvalho, 28.03.2011 – 20:06, para Jornal Público 

123 SIZA, Entrevista Reacções à escolha de Souto Moura para Pritzker, por Sérgio C. Andrade, Alexandra Prado Coelho, Cláudia Carvalho, 

28.03.2011 – 20:06, para Jornal Público 

 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

112 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

107 | Casa D6‐2 | planta 1º e 2º piso | planta de cobertura. 

108 | Casa D6‐2 | planta estúdio. 

109 | Casa D6‐2 | corte longitudinal pelo estúdio. 

107 

108 

109 

113 

 

nosso tempo mas que também espelha a arquitectura tradicional. “Os seus edifícios apresentam 

uma capacidade única de conciliar características opostas, como o poder e a modéstia, a coragem 

e a subtileza, a ousadia e simplicidade  ‐ ao mesmo tempo”, como refere o comunicado emitido 

pelo júri do prémio Pritzker.  

 

Autor de grandes obras de reabilitação, como a Pousada de Santa Maria do Bouro, Souto Moura 

acredita na renovação e mudança da vida de um edifício, e vê‐a como algo natural, resultado da 

evolução dos  tempos.124  “Estoy  convencido de que  cualquier edifício puede  tener outra vida.Si 

hay una grangrena, no siempre es necesario cortar una pierna entera. Se puede cortar en dedo. 

Creo en  la reparación. Me gusta ser realista. Es muy fácil para  los arquitectos estar enfadados y 

sentirse mal  com el mundo.  La mayoría encuentra  siempre motivos de ofensa. Yo  soy  realista. 

Creo en la reparación”125  

Na reabilitação fica clara a sua capacidade de conciliar o novo e o antigo, diversos sistemas de 

linguagem e diferentes sistemas construtivos, resultado de um “talento e uma inteligência inata. 

Mas também um saber e uma cultura de irrepetível sensibilidade.”126 

 

 

Projecto de Recuperação da Casa D6‐2 

R. Padre Luís Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal – 2001 

 

O projecto de  reabilitação do  arquitecto  Souto de Moura, na  Foz Velha do Porto,  surge  como 

resposta ao problema de  intervir num centro histórico denso e  fortemente consolidado. O  lote 

urbano estreito e profundo, característico desta zona da cidade do Porto,  levanta problemas de 

ampliação pela sua  implantação entre casas e pela  imagem marcante de cidade consolidada ao 

longo dos anos. É então necessário criar uma obra que seja capaz de, em simultâneo, suprir as 

necessidades contemporâneas do habitar e dialogar com a história da cidade. 

 

                                                            124 Ver capítulo II | Intervenção como Transformação Formal | O problema do [re]desenho, página 52 125 SOUTO DE MOURA, Entrevista Eduardo Souto de Moura “Soy  realista creo en  la  reparación”, por Ana Txu Za Balbeascoa, 24‐07‐

2011, para o jornal El Pais 126 BRANDÃO COSTA, Entrevista Reacções à escolha de Souto Moura para Pritzker, por Sérgio C. Andrade, Alexandra Prado Coelho, 

Cláudia Carvalho, 28.03.2011 – 20:06, para Jornal Público  

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

114 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

110 | 111 | Casa D6‐2 | alçados Norte e Sul. 

112 | Casa D6‐2 | corte longitudinal. 

113 | 114 | 115 | Alçado principal Norte da Rua Padre Luís Cabral. 

116 | 117 | Entrada do estúdio | pátio exterior. 

118 | Alçado Oeste | entrada traseiras. 

110 | 111 

112

113 | 114 | 115 

116 

117| 118 

115 

 

Assim, o projecto de  reabilitação e  ampliação  surge  com o  intuito de  construir uma habitação 

unifamiliar que garanta “as condições mínimas de habitabilidade e salubridade a um edifício que 

tinha  inicialmente 61.5m2 de área bruta.”127 O edifício confronta a Norte com a Rua Padre Luís 

Cabral, e a nascente com a Travessa do Passeio Alegre. 

Como  já foi referido,  impõe‐se a ampliação do espaço. E, uma casa  inicialmente constituída por 

um piso, é ampliada para um segundo piso. O programa distribui‐se da seguinte forma, no piso 0 

a sala comum, uma cozinha, uma lavandaria e um sanitário, e no piso 1 dois quartos e duas casas 

de banho. A obra  surge como o completamento de um quarteirão urbano num dos  locais com 

maior  densidade  da  história  da  cidade  do  Porto.  O  confronto  com  a  história  é  estabelecido, 

principalmente,  com  as  fachadas  existentes  que  conformam  a  rua  e  caracterizam  o  local.  A 

extensão da casa ao piso 1 permite não só colmatar uma necessidade  funcional como  também 

ajustar formalmente a imagem da rua. 

Os edifícios contíguos apresentavam cérceas diferentes, é o novo edifício que faz a ponte entre os 

dois e preenche o vazio existente no alçado da rua. A fachada da nova  intervenção surge como 

resposta a uma necessidade  funcional de ampliação da casa. Liga‐se de  forma subtil ao edifício 

existente e propõe uma  linguagem  contemporânea numa  zona de  cidade  fortemente marcada 

pela  história  urbana.  A  nova  arquitectura,  de  linhas  simples,  faz  a  ligação  com  as  formas  do 

passado construindo uma ideia de conjunto. Apesar de claramente assumida por Souto de Moura 

a intervenção com transformação formal, são cuidados, pelo arquitecto, aspectos de continuidade 

com o  contexto,  abrindo um único  vão na  fachada Norte do  segundo piso.  Esta opção não  só 

reflecte a largura bastante reduzida do lote, de 4,70m, como também se prende com a intenção 

formal  de  criar  “um  mimetismo  com  toda  a  zona  envolvente,  onde  a  relação  parede‐vão  é 

bastante vincada.”128 Harmonizam‐se assim edifícios diferentes do mesmo conjunto que revelam 

a  época  de  construção,  não  só  desta  zona  de  cidade, mas  também,  e  numa  perspectiva mais 

alargada, da história da cidade. 

O aproveitamento do lote, não só é feito em altura como na sua extensão. É potenciada a ligação 

à Travessa do Passeio Alegre pela criação de um estúdio que articula com a casa através de um 

pequeno jardim. 

 

                                                            127 SOUTO DE MOURA, memória descritiva do projecto de recuperação da Casa D6‐2, R. Padre Luís Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal, 

2001 128 Ibidem 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

Casa D6-2

Casa D6-2

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

sobreposição

fora

contiguidade

integração

consolidação

dentro

ReabilitaçãoADIÇÃO

preexistência | ruína

localização datransformação formal

Esquema VI | Casos de Estudo | Eduarduardo Souto de Moura | Projecto de Recuperação da Casa D6-2 | R. Padre Luis Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal - 2001

119 | 120 | Casa D6-2 | sala.121 | Casa D6-2 | estúdio.

119

120 | 121

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

116

117 

 

Nas suas  intervenções, Souto de Moura atribui grande  importância à solução construtiva, que é, 

muitas  vezes,  esclarecedora  da  solução  adoptada.  A  contraposição  entre  inovação  e  tradição 

prende‐se com esta necessidade construtiva que acaba por contaminar a escolha de materiais. 

Aproveitando  a  preexistência,  o  edifício  sustenta‐se  através  das  suas  paredes  exteriores, 

acrescentando‐lhes uma estrutura de betão armado. As lajes são igualmente em betão armado. A 

garantir  o  conforto  térmico  estão  as  suas  paredes  exteriores  e  empenas  revestidas  com 

isolamento  térmico.  Comum  acabamento  de  reboco  e  pintura.  Pelo  interior  as  paredes  são 

rebocadas  com  reboco  estanhado  e  pintura.  Na  zona  de  quartos,  no  piso  1,  o  pavimento  é 

revestido a soalho e no piso inferior, é revestido por mármore creme marfim. 

Com o intuito de garantir uma maior continuidade com a envolvente, as caixilharias, viradas para 

a rua, serão em madeira pintadas de cor branca. No interior, voltadas para o pátio e estúdio são 

em alumínio à cor natural.  

 

A  intervenção  de  Souto  de Moura  não  só  colmata  uma  necessidade  funcional  como  também 

permite alcançar a sobriedade expressiva numa arquitectura urbana. O acrescentar de mais um 

piso  consolida  a  arquitectura  existente  dotando  a  obra  de  inteligência  e  densidade  que  a  faz 

encontrar o seu  lugar no tempo e no espaço de hoje sem esquecer a sua origem. A casa resulta 

em perfeita sintonia entre lote e cidade. Uma solução sóbria que reforça o equilíbrio e a imagem 

da rua. A intervenção formal é claramente assumida pelo arquitecto, mas é o gesto simples, que o 

caracteriza,  que  harmoniza  todo  o  conjunto.  Fica  clara  a  possibilidade  de  intervir  numa  zona 

histórica  consolidada. Usando a  sua  sensibilidade,  sentido  crítico, e um  rigoroso  conhecimento 

construtivo,  a  obra  nasce  reflectindo  um  gesto  contemporâneo mas  sempre  a  dialogar  com  o 

passado. O equilíbrio está na forma justa do acrescento, na delicadeza da cor, no apuramento do 

vão.  A  casa,  que  pelas  suas  dimensões  reduzidas,  era  incapaz  de  responder  às  necessidades 

actuais  da  família,  com  a  reabilitação  afirmativa  e  consciente,  do  arquitecto  Souto  de Moura, 

devolveu‐se à vida.  

         

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

118 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

122 | Esquisso Nuno Brandão Costa | reconstrução da casa unifamiliar d’Arga de Cima. 

122 

119 

 

Nuno Brandão Costa 

 

Influenciado por Fernando Távora, Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, Nuno Brandão Costa 

constrói o seu percurso e define uma  linguagem própria. Formou‐se, em 1994, na Faculdade de 

Arquitectura  de  Universidade  do  Porto,  mas  é  também,  pela  mão  da  dupla  suíça  Herzog  & 

Meurron,  que,  em  1992,  durante  o  seu  estágio  enquanto  estudante,  recebe  grandes 

ensinamentos. O contacto directo com esta dupla  fá‐lo ver a arquitectura de um modo distinto 

que tinha experimentado na escola do Porto, “...vi‐me numa cultura totalmente diferente, centro‐

europeia, muito mais  conceptual  e  racionalista.  Provavelmente,  alguma  da  geometria  que  as 

pessoas vêem na minha obra ainda vem desses tempos.”129 Ligado à história e tradição, através 

da formação metodológica da escola do Porto, encontra, no estágio em Basileia, o complemento 

conceptual na abordagem ao projecto que  também o define enquanto arquitecto. Considera o 

projecto  uma  acumulação  de  informações  que  advêm  não  só  do  conhecimento  de  diferentes 

autores  de  que  se  gosta,  como  também  de  viagens  que  o  arquitecto  realiza.  Estas memórias 

estarão sempre presentes na hora de projectar. 

É o gosto pelo desenho que o conduz ao mundo da arquitectura “Tudo começou pelo desenho. 

Sempre tive gosto pelo desenho e tinha que seguir qualquer coisa que tivesse a ver com ele.”130 

Neste  sentido,  o  desenho,  é  a  ferramenta  que  o  acompanha  no  início  e  desenvolvimento  do 

projecto. Este, transmite‐lhe certezas e “antecipa a realidade”131. A sua arquitectura minimalista 

nasce da geometria, de linhas rectas e sobreposição e composição de volumes puros. Distinguido 

com o prémio Secil 2008, Brandão Costa, segundo o júri do concurso é "um jovem arquitecto com 

uma obra consistente e rigorosa". 

É com o projecto de recuperação da Quinta de Bouçós, em Valença do Minho, que experimenta, 

pela primeira vez, a reabilitação. Trabalha com a história na intervenção e ampliação do existente 

e no diálogo do novo e do antigo, respeitando a sabedoria popular que envolve a preexistência. 

Para o autor, reabilitar e intervir num meio rural, “...são desafios muito duros. No sentido em que 

dão muito  trabalho, sobretudo de pensamento. Não é como projectar uma casa ou um edifício 

público, em que o raciocínio é mais de lógica ou de geometria; há outras nuances.”132 A clara  

                                                            129 BANDÃO COSTA, cit. MENDES, in Arquitectura & Construção nº53, O apelo do desenho, Fevereiro 2009: 87  130 Ibidem 131 Ibidem 132 Idem: 89 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

120 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

123 | Casa d’Arga | planta R/C. 

124 | Casa d’Arga | planta 1º piso. 

125 | 126 | Casa d’Arga | Alçados Sul | Nascente. 

123 

124 

125 

126 

121 

 

geometria,  transversal  a  toda  a  sua  obra,  compõe  o  espaço  dotado  de  contemporaneidade  e 

reflexo de uma linguagem adequada a cada contexto. Este respeito pela envolvente não subjuga o 

projecto  a  um mimetismo  da  preexistência,  capta  a  realidade  onde  se  insere  trabalhando  em 

sintonia com a envolvente. 

Reconhecido nacional e  internacionalmente, Brandão Costa é um dos nomes mais relevantes da 

arquitectura portuguesa.  

 

 

Reconstrução de Casa Unifamiliar 

Arga de Cima, Caminha, Portugal – 2005‐2008 

 

O projecto de  reconstrução da casa unifamiliar em Arga de Cima, do Arquitecto Nuno Brandão 

Costa nasce de ruínas e preexistências herdadas do passado. Com vista sobranceira para a Serra 

d’Arga ergue‐se a ruína de uma casa situada em Arga de Cima freguesia do concelho de Caminha. 

À partida, é inegável o seu valor arquitectónico como matéria projectável pela robustez, textura e 

presença das pedras que constituem a ruína. 

Para  que  desta  preexistência  nasça  uma  habitação  unifamiliar  é  necessário  intervir  de  forma 

profunda, de modo a garantir todas as condições de habitabilidade. O projecto tenta adaptar, ou 

melhor, servir‐se das pedras disponíveis para construir um novo edifício. Trata‐se de uma nova 

construção, onde a ruína intervém de forma determinante. Esta é o mote para o projecto, e é da 

materialidade,  robustez  e  presença  deste  elemento  que  a  obra  nasce.  A  ruína  resultou  num 

espaço manipulável de forte potencial. 

Independentemente  do  tempo,  a  ruína  renasce  e  dá  lugar  ao  habitar.  “Perguntaram‐me  se 

naquela área seria possível uma casa, eu sem certezas mas sismado na textura das pedras disse 

que sim. Comecei o projecto e descobri uma casa, afinal grande, entre os muros e as espessuras 

de uma mescla de granito e xisto.”133 

A  reconversão dos  restos da aldeia em habitação unifamiliar, procura dar  lugar a um  conjunto 

unitário  com escala de  casa. Nesta obra  assume‐se  claramente  a preexistência,  sendo possível 

datar e estratificar cada etapa da casa. 

 

                                                            133 BRANDÃO COSTA, memória descritiva do projecto de reconstrução da Casa Unifamiliar em Arga de Cima, Caminha, Portugal, 2005‐

2008 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

122 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

127 | 128 | 129 | Casa d’Arga | fotografias do levantamento | estado da ruína | pátio. 

130 | Casa d’Arga | fotografias do levantamento | estado da ruína | muro exterior. 

131 | 132 | 133 | Casa d’Arga | fotografias de obra | pátio. 

134 | Casa d’Arga | fotografias de obra | muro exterior. 

127| 128 

129 | 130 

131 | 132 

133 | 134 

123 

 

Entre  a  mescla  de  xisto  e  granito  que  constituem  a  ruína,  destacam‐se  alguns  elementos 

arquitectónicos marcantes como a escada de granito, que conduz ao segundo piso, e a espessura 

dos muros preexistentes. Estes serão elementos basilares na construção do projecto. 

As necessárias  intervenções funcionais adaptam‐se à ruína numa atitude de continuidade com a 

história  da  aldeia. O  novo  constrói‐se  dentro,  deixando  sempre  os  sinais  visíveis  de  que  tudo 

nasceu a partir do uso da preexistência. Utilizando e recuperando os restos e ruínas da aldeia, a 

casa nasce como parte da memória e do actual. A nova vida surge entre estes muros marcados 

pelo tempo. Apesar deste respeito pela história, o gesto não se torna tímido e é afirmado pela laje 

plana que surge na fachada da casa marcando todo o projecto. As pedras da ruína assumem lugar 

de destaque e a laje branca de linguagem contemporânea abraça e unifica todo o conjunto. Esta, 

não só protege os espaços da casa como também reflecte uma atitude contemporânea perante a 

reabilitação.  Este  elemento,  que  surge  com  espessuras  diferentes  nas  diferentes  fachadas, 

devolve a vida à ruína articulando todas as zonas que constituem o espaço da casa. Laje e ruína 

fazem renascer uma casa cheia de luz, marcada pela história. 

 

Durante  o  projecto,  o  desenho  procura  o  concílio  entre  forma  e  programa  e  são  introduzidos 

novos materiais. A composição volumétrica e formal da casa é depurada, dialogando o novo com 

o antigo. Os vãos, as pedras dos muros, a luz e o espaço são elementos permanentes na história 

da  arquitectura  que  agora  renascem  dotados  de  um  sentido  de  contemporaneidade.  A  casa 

constrói‐se  com  os  muros  existentes.  Os  vãos,  portas  e  janelas,  que  parecem  surgir 

aleatoriamente, resultam da sua ausência mas cumprindo sempre uma função no novo espaço. As 

zonas,  interiores  e  exteriores,  refeitas,  mostram  a  riqueza  inerente  a  uma  reabilitação 

disponibilizada no diálogo entre novo e antigo. 

Resulta numa intervenção de reabilitação funcional, tipológica e construtiva realizada através das 

potencialidades  da  matéria  edificada  no  lugar.  Esta  intervenção  permitiu  a  continuidade  do 

habitar neste pedaço de aldeia. A  laje e o novo corpo de escadas, em betão, devolvem à casa a 

funcionalidade perdida pelo passar dos anos. Um pátio organiza os diferentes espaços da casa. 

Acede‐se ao primeiro piso através das escadas de granito, já existentes. Neste piso sala e cozinha 

articulam‐se a  todo o comprimento numa  franca  relação entre ambas. No piso  inferior, surgem 

dois quartos. Num volume anexo à casa, voltado para o pátio de distribuição, está uma zona de 

biblioteca, trabalho e lazer. Os pavimentos interiores são em madeira e as zonas de circulação em 

granito. 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

Casa naSerra D'Arga

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

sobreposição

fora

contiguidade

integração

consolidação

dentro

ReabilitaçãoADIÇÃO

Casa na Serra D'Argapreexistência | ruína

localização datransformação formal

Esquema VII | Casos de Estudo | Nuno Brandão Costa| Reconstrução de Casa Unifamiliar | Arga de Cima, Caminha, Portugal - 2005-2008

135 | 136 | Casa d'Arga | pátio | transformação formal.137 | Casa d'Arga | exterior | trandformação formal.138 | Casa d'Arga | interior | sala | varanda interior.139 | Casa d'Arga | varanda 1º piso.140 | Casa d'Arga | corredor interior.

135 | 136

137 | 138

139 | 140

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

124

125 

 

Em suma, a obra afirma o reconhecimento e valorização da preexistência. O projecto surge como 

resposta à necessidade de habitar. Como solução funcional, o espaço da casa autonomiza‐se da 

ruína  e  surge  no  seu  interior.  A  casa  d’Arga  é  o  exemplo  de  um  corpo  histórico  onde  foram 

introduzidos novos elementos contemporâneos que a devolvem à vida. “…e a casa ampliou‐se, 

cheia de luz, e a vista sobre a Serra ficou ainda maior.”134 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            134 BRANDÃO COSTA, memória descritiva do projecto de reconstrução da Casa Unifamiliar em Arga de Cima, Caminha, Portugal, 2005‐

2008 

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

Casa D6-2

CasaVan Middelem-Dupont

Casa deAlenquerCasa da

Cavada

Casa naSerra D'Arga

Cércea

Preexistência

Ampliação

Ruína

sobreposição

fora

contiguidade

integração

consolidação

dentro

ReabilitaçãoADIÇÃO

preexistência | ruína

localização datransformação formal

Esquema VIII | Casos de Estudo | Relações entre os diferentes métodos de reabilitação

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal

126

Alçado Principal Implantação Palavras-Chave daReabilitação

AdiçãoRuínaConsolidaçãoIntegração

AdiçãoPreexistênciaImplantaçãoContiguidadeFora

AdiçãoRuínaImplantaçãoIntegraçãoConsolidaçãoDentro

AdiçãoPreexistênciaAlturaSobreposição

AdiçãoRuínaAlturaIntegraçãoConsolidaçãoDentro

Fernando TávoraCasa da CavadaGuimarães, Portugal - 1989-1990

Álvaro Siza VieiraCasa Van Middelem-DupontOstend, Bélgica - 1997-2001

Aires Mateus e associadosCasa em AlenquerAlenquer, Portugal - 1999-2001

Eduardo Souto de MouraCasa D6-2Porto, Portugal - 2001

Nuno Brandão CostaCasa Serra D'ArgaArga de Cima, Portugal - 2005-2008

Transformação Formalpreexistência | ruína

localização da transformação formalTabela Comparativa | Casos de Estudo | Transformação formal

129 

 

Nas  cinco  obras  apresentadas  foi  possivel  identificar  claros  processo  de  reabilitação  onde  se 

recorre  à  intervenção  com  transformação  formal  por  parte  de  cada  autor.  Os  edifícios 

regeneraram‐se e, através da  reabilitação,  foram devolvidos à vida com uma nova aparrência e 

características capaz de enfrentar as necessidades e exigências dos novos tempos. Contudo, é de 

salientar, que não foi reposto o estado primitivo do edificio, não houve um restauro mas sim um 

processo de transformação, reabilitação e renovação com base na preexistência. 

                                       

III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar

 

131 

 

Considerações Finais  

O trabalho propunha‐se a reflectir sobre a reabilitação, em habitação unifamiliar, com recurso a 

transformação  formal,  colmatando,  assim,  a  compreensão  de  um  tema  de  projecto  nunca 

abordado no decorrer do curso.  

O  tema  revelou‐se  rico e  complexo, e o que no  início parecia um estudo que  conduziria a um 

determinado  conjunto de  regras  culminou numa descoberta  incapaz de as  formular. Este  facto 

prende‐se  com  a  infinita  gama de possibilidades que  a  reabilitação oferece perante  cada  caso 

singular  de  uma  preexistência.  As  conclusões  reflectem,  essencialmente,  com  caminhos  e 

objectos inerentes a cada reabilitação, suportes e ferramentas que auxiliarão durante o processo 

criativo. 

 

A história da arquitectura conta‐nos a permanente transformação a que os edifícios estão sujeitos 

pela acção do tempo e do homem. Alteram‐se os tempos e surge, como natural, a necessidade de 

ampliação de uns, a amputação de outros, alterar funções, corrigir implantações, acrescentar ou 

suprir vãos, moldar o edifício às novas necessidades. O nosso passado arquitectónico  revela‐se 

como um estado de permanente mudança, acertos e correcções dos edifícios ao longo dos anos, 

pelos  seus  actores,  de  reajustes  sociais  e  económicos.  As  novas  necessidades  conduzem  a 

intervenções  que mantêm  a  vida  dos  edifícios  e  das  cidades. Não  existe  uma  única  forma  de 

intervir no existente, originando diferentes estratégias e atitudes, cada preexistência é um novo 

desafio, dotado de características próprias que advêm do objecto em si mesmo, do contexto onde 

se inserem e da história que viveram.  

Na hora de intervir terão que ser ponderados inúmeros factores. O arquitecto depara‐se com um 

conjunto  infinito de possibilidades, desde a continuidade à  tensão, por que  terá que optar mas 

sem nunca perder a identidade de uma linguagem própria. Cabe ao arquitecto gerir esta liberdade 

actuando  sobre  o  edifício  de  forma  mais  conservacionista  ou  intervencionista,  variando  a 

intensidade  da  sua  acção,  a  sua  recuperação  ou  demolição.  Perante  o  mesmo  contexto  o 

arquitecto pode optar pelo contraste, onde se coloca em confrontação o velho e o novo, onde as 

duas  partes,  apesar  de  pertencerem  a  tempos  diferentes,  contribuem  para  a  concepção  do 

mesmo  objecto  arquitectónico,  ou  escolhe  a  fusão  das  duas  realidades  e  trabalha  em 

continuidade com os dois tempos.  

Considerações Finais

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

132 

 

Na  primeira  estratégia,  de  contraste  e  confrontação  do  novo  com  o  existente  é  facilmente 

identificável  o  radicalismo  da  atitude  interventiva.  O  edifício  intervencionado  assume  maior 

destaque  no  contexto  em  que  se  insere.  É  possível  encontrar  esta  atitude  de  ruptura  com  o 

passado ao longo dos tempos, mas com o espírito moderno e as novas tecnologias ao serviço da 

arquitectura,  esta  realidade  tornou‐se  mais  afirmativa.  No  entanto,  não  confundamos  uma 

atitude arrojada, de contraste com sentido crítico, com o  total desconhecimento da história da 

arquitectura,  projectando  de  forma  autista  alheada  do  contexto. A  ruptura  deve  ser  pensada, 

reflectida  e  apoiada,  à  semelhança  das  intervenções  por  continuidade,  num  alargado 

conhecimento da história da arquitectura. 

Quando, pelo contrário, a estratégia conduz ao novo integrado no existente, o gesto não tem que 

por  isso se tornar tímido. Não são cópias ou mimetismos que trarão esta continuidade visual ao 

edifício, o processo parte sempre do existente, que está na génese do projecto, e o objectivo é 

alcançar  uma  imagem  global  de  conjunto.  Contudo,  esta  procura  formal  não  significa 

necessariamente  um  camuflar  do  novo,  assim,  recorrendo  a  artifícios  como  mudança  de 

materiais,  técnicas que  fazem parte da história da arquitectura.135 O processo pode passar pela 

adopção  de  uma  continuidade  visual,  onde  a  intervenção  segue,  geométrica,  volumétrica  e 

proporcionalmente  o  existente136.  O  objectivo  é  cumprido  sem  que  se  perca  a  leitura  dos 

diferentes estratos da história da arquitectura. A continuidade surge, muitas vezes, pelo desejo de 

tornar mais tranquila a nova intervenção, pela necessidade de enquadrar a obra num contexto de 

cidade mais alargado e fortemente marcado por determinada época, que é o caso do projecto de 

Recuperação da Casa D6‐2 do Arquitecto Eduardo Souto de Moura na Foz Velha.137 O novo piso 

nasce tranquilo, depurado, colmatando um vazio na malha histórica densa, respeitando cércias. É 

visível uma continuidade formal que alcança uma ideia unitária de conjunto urbano, articulando o 

novo com o antigo. 

 

A reabilitação é um processo que exige um contacto permanente com o edifício a intervencionar. 

A  preexistência  deve  ser  analisada  e  avaliada  de  forma  cuidadosa,  a  que  uso  se  destina,  bem 

                                                            135 Ver capítulo I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente, página 15 136 Ver  capítulo  III  | Casos de  Estudo  | Reabilitação de Habitação Unifamiliar  | Álvaro  Siza Vieira  | Casa Van Middelem‐Dupont  | 

Oudenburg, Ostend, Bélgica – 1997‐2001, página 83 137 Ver capítulo III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar | Eduardo Souto de Moura | Projecto de Recuperação da 

Casa D6‐2 | R. Padre Luís Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal – 2001, página 109 

 

133 

 

como a sua relação com a envolvente próxima e a cidade onde se insere. Perante esta realidade, o 

arquitecto deve apoiar‐se na sua história, nos seus diferentes estratos, se existirem, no sistema 

construtivo,  para  que  depois  a  possa  recusar  ou  aceitar  legitimando  a  sua  intervenção.  Esta 

análise  da  história  deve  ser  sempre  dotada  de  um  espírito  crítico,  reconhecendo  os  valores  a 

manter na nova arquitectura. 

Neste  ponto  situa‐se  a  diferença  entre  arquitecto  e  o  historiador.  Devemos  encontrar  na 

preexistência um estímulo à criatividade, estabelecendo em diálogo entre o novo e o antigo. O 

arquitecto deve ser capaz de potenciar a preexistência, acrescentá‐la, extrair partes, altera‐la para 

o mundo  contemporâneo.  A  história  da  arquitectura  é  uma  ferramenta  vital  neste  processo 

quando analisada com espírito crítico. “A  la beauté telle que  l’a voulue un cerveau humain, une 

époque, une  forme particulière de société, elles ajoutent une beauté  involontaire, associée aux 

hasards de l’histoire, due aux effets des causes naturelles et du temps.”138  A história não deve ser 

imposta  como  uma  realidade  intransponível,  deve  sim  trabalhar  ao  serviço  do  novo  projecto, 

discernindo o que deve ser duradouro do que é acessório. Sem desrespeitar a história e tudo o 

que tal história acarreta, devemos encontrar na mudança e na transformação a beleza capaz de 

manter vivas as cidades.  

No diálogo entre o novo e o antigo  importa encontrar um sentido para a história no momento 

presente, para que cada obra não se torne um museu vazio de sentido de contemporaneidade. A 

história, a preexistência, o programa, o contexto, o cliente, o espírito criativo do arquitecto são 

factores singulares a cada obra. Neste sentido, todas as intervenções conscientes revestem‐se de 

uma  enorme  complexidade  e  singularidade  incapazes  de  estabelecer  um  método  a  priori.  A 

resposta está no diálogo entre os diferentes intervenientes neste processo, “não de surdos que se 

ignoram,  mas  de  ouvintes  que  desejam  entender‐se,  afirmando  mais  as  semelhanças  e  a 

continuidade, do que cultivando a diferença e a ruptura.”139 

Um olhar atento, reflexivo, e conhecedor, sobre a preexistência, contribui para uma  intervenção 

legítima  e  conscienciosa.  O  modo  como  se  pensa  a  construção  deve  ter  o  mesmo  rigor  e 

preocupação com que se pensa uma demolição, ou alteração do que já existe. 

Aceitar que o mundo está em constante mudança faz parte de ser arquitecto, cabe‐lhe encontrar 

um  equilíbrio  entre  as  partes  de  tempos  diferentes.  Cada  intervenção  surgirá  diferente,  pois 

diferentes serão o seu contexto e objectivos. Em algumas, apenas se transformará o seu interior, 

                                                            138 YOURCENAR, 1983: 61 139 TÁVORA, 1985 cit TRIGUEIROS, 1993: 116 

Considerações Finais

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

134 

 

noutras a sua composição formal e outras voltarão à vida com a combinação das anteriores. Em 

todas  elas  o  trabalho  deve  estar  sustentado  no  reconhecimento  da  preexistência,  nas  novas 

motivações e no objectivo de tornar harmonioso o conjunto das diferentes partes. Não há apenas 

uma  verdade,  a metamorfose  encontra  novos  caminhos  em  cada  obra  e  não  é  possível  ditar 

regras para modelar o novo e o antigo. Num projecto de reabilitação é essencial ouvir, apreender 

e  compreender a preexistência, e pô‐la em diálogo  com a história do  local e do objecto em  si 

mesmo  ‐  a  obra  resultará  da  conjugação  destes  factores. O  desafio  está  em  trabalhar  com  o 

passado como se do programa de projecto se tratasse, envolvê‐lo desde o início no acto criativo 

que  influenciará o  resultado  final. Em cada  intervenção de  reabilitação acrescentamos mais um 

layer  à  história  do  edifício.  Conscientes  desta  realidade,  não  podemos  deixar  de  ser 

contemporâneos e viver na nostalgia do passado. O arquitecto deve ser conhecedor do edifício 

em que vai  intervir, consciente e ponderado nas suas decisões mas do seu  tempo. Perante um 

mundo  de  possibilidades,  o  tacto,  a  sensatez  e  o  conhecimento  conduziram  a  uma  proposta 

equilibrada. 

 

As  obras  apresentadas  têm  como  objectivo  ajudar  a  compreender  os  conceitos,  estratégias  e 

posturas perante a reabilitação, enunciadas ao longo do trabalho. São projectos relevantes não só 

no âmbito da temática da reabilitação no panorama da habitação unifamiliar, como também nos 

percursos  individuais  de  cada  Arquitecto.  Em  cada  obra  encontra‐se  o  lugar  exacto,  justo  e 

oportuno para a preexistência, tornando‐a parte  integrante da nova realidade que se construiu. 

Nos casos analisados, o diálogo do novo com o antigo varia entre a justaposição, sobreposição ou 

independência.  Através  das  cinco  obras,  de  arquitectos  portugueses,  podemos  reafirmar  que 

perante  problemas  similares,  são  adoptados  estratégias  diferentes  de  reabilitação.  A 

metamorfose  encontra  diferentes  caminhos,  mexendo  na  implantação  de  origem,  ou 

simplesmente alterando a sua cércia. 

 

O  homem,  em  colaboração  inteligente  com  a  ruína  e  a  sua  vontade,  alcançará  um  projecto 

coerente, coeso e legítimo. Este processo, umas vezes escondido outras evidente, não pode surgir 

de outro local, se não da mão humana, que reinventa um certo lugar e um certo tempo.  

Em reabilitação a obra [re]nasce da preexistência…  

“le  jour  où  une  statue  est  terminée,  sa  vie,  en  un  sens,  commence.  La  première  étape  est 

franchie,  qui,  par  les  soins  du  sculpteur,  l’a menée  du  bloc  à  la  forme  humaine;  une  seconde 

135 

 

étape,  au  cours  des  siècles,  à  travers  des  alternatives  d’adoration,  d’admiration,  d’amour,  de 

mépris ou d’indifférence,  pas degrés  successifs d’érosion  et d’usure,  le  ramènera peu  a peu  à 

l’ètat de mineral informe auquel l’avait soustrait son sculpteur.”140 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                             140 YOURCENAR, 1983: 61 

Considerações Finais

 

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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

144 

 

ollet‐le‐

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145 

 

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http://guilhermeapferreira58.files.wordpress.com/2011/08/dsc03192b1.jpg,  consultado  em  15.07.2011;  043  |  044  | 

JUSTICIA, Mª José Martínez, Historia y Teoría de la Conservación y Restauración Artística, Madrid: Editorial Tecnos, 2008 

figura  36;  045  |  http://www.google.pt/imgres?q=piramide+louvre&hl=pt‐

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bnh=138&tbnw=186&start=0&ndsp=18&ved=1t:429,r:4,s:0, consultado em 15.07.2011; 046 | 047 | 048 | JUSTICIA, Mª 

José Martínez, Historia y Teoría de  la Conservación y Restauración Artística, Madrid: Editorial Tecnos, 2008  figura 26; 

Esquema I | realizado pelo autor; Esquema II | realizado pelo autor; 049 | Arquitectura e Vida nº37, Abril 2003; 050 | 

TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 160; 051 | 052 | 053 | TRIGUEIROS, Luiz, 

Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 162; 054 | 055 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, 

Lisboa: Editorial Blau,  Lda, 1996: 160; 056 | TRIGUEIROS,  Luiz, Eduardo Souto de Moura,  Lisboa: Editorial Blau,  Lda, 

1996: 162; 057 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 160; 058 | 059 | 060 | 

TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 165; 061 | 062 | 063 | TRIGUEIROS, Luiz, 

Eduardo  Souto de Moura,  Lisboa:  Editorial Blau,  Lda, 1996: 160; 064  |  TRIGUEIROS,  Luiz,  Eduardo  Souto de Moura, 

Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 163; Esquema III | realizado pelo autor; 065 | El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, 

El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 99;  066 | El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido 

de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 100; 067 | CIANCHETTA, Alessandra, MOLTENI, Enrico, Álvaro Siza Casas 

1954‐2004, Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SA, 2004: 165 068 | El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de 

las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 99;  069 | 070 | 071 | 072 | 073 | 074 | 075 | 076 | 077 | 078 | 079 | 080 

| 081 | 082 | 083 | 084 | 085 | 086 | http://www.ducciomalagamba.com/proyectos.php?IdProyecto=279&Idioma=En, 

consultado em 15.07.2011; Esquema  IV | realizado pelo autor; 087 | 088 | 089 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: 

editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 48 091 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 51; 092 | 

093 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003:50; 094 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: 

editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 52; 095 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 51; 096 | 

2G  nº28,  Aires  Mateus,  Barcelona:  editorial  Gustavo  Gili,  SA,  2003:  57;  097  | 

http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=423734, consultado em 15.07.2011; 098 | 2G nº28, Aires Mateus, 

Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003:53; 099 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 

54;  100  |  2G  nº28,  Aires  Mateus,  Barcelona:  editorial  Gustavo  Gili,  SA,  2003:  55;  101  | 

http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=423734, consultado em 15.07.2011; 102 | 2G nº28, Aires Mateus, 

Barcelona:  editorial  Gustavo  Gili,  SA,  2003:58  103  |  2G  nº28,  Aires Mateus,  Barcelona:  editorial  Gustavo  Gili,  SA, 

2003:59;  104  |  2G  nº28,  Aires  Mateus,  Barcelona:  editorial  Gustavo  Gili,  SA,  2003:  49;  105  | 

http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=423734,  consultado  em  15.07.2011;  Esquema  V  |  realizado  pelo 

REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal 

146 

 

autor; 106 | 107 | ESPOSITO, Antonio, LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SA, 

2003; 108 | 109 | 110 | 111 | 112 | 113 | 114 | 115 | 116 | 117 | 118 | 119 | 120 | 121 | atelier Souto de Moura, 

fotógrafo Luís Ferreira Alves; Esquema VI | realizado pelo autor; 122 | atelier Nuno Brandão Costa, Arquitecto Nuno 

Brandão Costa; 123 | 124 | 125 | 126 | atelier Nuno Brandão Costa; 127 | 128 | 129 | 130 | 131 | 132 | 133 | 134 | 

atelier Nuno Brandão Costa, Arquitecto Nuno Brandão Costa; 135 | 136 | 137 | 138 | 139 | 140 | atelier Nuno Brandão 

Costa, fotógrafo Arménio Teixeira; Esquema VII | realizado pelo autor; Esquema VIII | realizado pelo autor; Esquema IX 

| realizado pelo autor; Tabela Comparativa | realizada pelo autor. 

 

 

 

Créditos de Imagem