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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PUBLICIDADE E PROPAGANDA GABRIEL BUFFON BORDIN A TRILHA SONORA COMO ELEMENTO NARRATIVO: A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM BEN LINUS NA SÉRIE LOST CAXIAS DO SUL 2017

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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA

GABRIEL BUFFON BORDIN

A TRILHA SONORA COMO ELEMENTO NARRATIVO:

A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM BEN LINUS NA SÉRIE LOST

CAXIAS DO SUL

2017

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GABRIEL BUFFON BORDIN

A TRILHA SONORA COMO ELEMENTO NARRATIVO:

A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM BEN LINUS NA SÉRIE LOST

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda, da Universidade de Caxias do Sul.

Orientador(a): Prof. Flóra Simon da Silva

CAXIAS DO SUL

2017

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GABRIEL BUFFON BORDIN

A TRILHA SONORA COMO ELEMENTO NARRATIVO:

A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM BEN LINUS NA SÉRIE LOST

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda, da Universidade de Caxias do Sul.

Aprovado (a): _____/_____/2017

Banca Examinadora _____________________________________

Prof. Esp. Flóra Simon da Silva Universidade de Caxias do Sul – UCS

_____________________________________

Prof. Me. Eduardo Luiz Cardoso Universidade de Caxias do Sul – UCS

_____________________________________

Prof. Me. Marcell Bocchese Universidade de Caxias do Sul – UCS

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Aos meus pais Gilmar Antonio Bordin e Silvana Buffon Bordin por serem minha constante.

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AGRADECIMENTOS

Ao longo da pesquisa e desenvolvimento deste estudo, muitos familiares,

amigos e professores contribuíram de diversas maneiras para que eu pudesse vir a

concluir esta monografia. Essas pessoas foram de extrema importância e

fundamentais para minha pessoa nos últimos meses e a elas eu devo e expresso aqui

a minha mais profunda gratidão.

Agradeço, primeiramente, aos meus pais Gilmar Antonio Bordin e Silvana

Buffon Bordin por todo apoio incondicional, tenha sido ele emocional, psicológico e

financeiro. Seus esforços em me proporcionar uma educação de qualidade e a me

incentivar no âmbito acadêmico e professional são significativos.

Na esfera educacional agradeço a minha orientadora Flóra Simon da Silva por

ter compartilhado seu conhecimento, além das dicas e opiniões construtivas e

valiosas, aliadas a sua atenção e paciência comigo; ao professor Marcell Bocchese

por ter contribuído significativamente na elaboração do projeto de pesquisa que deu

origem a este trabalho e também por estimular minha curiosidade por trilhas sonoras;

e ao professor Eduardo Luiz Cardoso por todos seus ensinamentos e aulas

verdadeiramente admiráveis e interessantes que contribuíram positivamente na minha

formação acadêmica.

Meu muito obrigado também a Laura Franken por todo amor, apoio e

paciência que teve comigo nos últimos meses e por ter aceitado assistir pela primeira

vez alguns episódios de Lost em minha companhia, fazendo comentários sobre a série

e colaborando para minha pesquisa.

A Nicole Aver por ter se disponibilizado a traduzir alguns trechos da Lost

Encyclopedia para me ajudar neste trabalho e aos amigos Lucas Borba, Paola Dalla

Chiesa, Pedro Suita Ekman e Ana Paula Seerig por se mostrarem acessíveis em me

auxiliar no que fosse preciso.

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"Se nós não pudermos viver juntos, nós vamos

morrer sozinhos."

“If we can’t live together, we’re gonna die alone.”

Personagem Jack Shephard, episódio White Rabbit da 1ª temporada de Lost

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RESUMO

Esta monografia analisa como a presença da trilha sonora na narrativa de Lost evidencia características do personagem Ben Linus na série. A metodologia que serviu de base foi a análise fílmica, a partir da análise dos episódios da série com foco na descrição e verificação do som. O objetivo principal foi estabelecer a função da trilha sonora na narrativa da série e compreender como ela se associa com os personagens. O resultado final mostrou que a música incidental exerce um papel fundamental em evocar, caracterizar e reforçar situações, atmosferas e traços dos personagens. Concluiu-se que a trilha sonora de Lost influencia na narrativa da série e realça características que participam na construção do personagem Ben Linus. Palavras-chaves: Trilha sonora. Narrativa. Personagem. Série. Lost.

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ABSTRACT

The monography assay how presence Lost’s soundtrack in the narrative evidences the characteristics of the character Ben Linus of the show. The methodology that served as the basis of it was the film analysis from the review of the episodes of the series with focus on the description and verification of the sound. The main objective was to establish the role of the soundtrack in the series narrative and to understand how it associates with the characters. The final result showed that incidental music plays a fundamental role in evoking, characterizing and reinforcing situations, atmospheres and the characters’ traits. We conclude that Lost’s soundtrack influences in the narrative of the show and emphasizes the characteristics that participate in the construction of the character Ben Linus. Keywords: Soundtrack. Narrative. Character. Series. Lost.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Lucille Ball no seriado I Love Lucy ....................................................... 24

Figura 2 – Comparativo do número de séries de TV nos últimos anos .................. 26

Figura 3 – Negan .................................................................................................... 33

Figura 4 – Peggy Olsen em Mad Men .................................................................... 40

Figura 5 – John Williams ....................................................................................... 50

Figura 6 – Cartaz de Lost ...................................................................................... 57

Figura 7 – Locação de Lost ................................................................................... 62

Figura 8 – Logo da Iniciativa Dharma e suas estações .......................................... 64

Figura 9 – Michael Giacchino ................................................................................ 66

Figura 10 – Protagonistas ...................................................................................... 70

Figura 11 – Benjamin Linus ................................................................................... 73

Figura 12 – Sequência 1: Henry Gale ................................................................... 75

Figura 13 – Sequência 2: Close em Henry Gale ................................................... 77

Figura 14 – Sequência 2.1: Close em Henry Gale (parte II) .................................. 78

Figura 15 – Sequência 3: Ben e Kate ..................................................................... 79

Figura 16 – Sequência 4: O menino Ben ............................................................... 82

Figura 17 – Sequência 5: Ben e Roger Linus ......................................................... 85

Figura 18 – Sequência 6: Ben mata seu pai........................................................... 88

Figura 19 – Sequência 7: Dharmacide ................................................................... 91

Figura 20 – Sequência 8: A morte de Alex ............................................................. 95

Figura 21 – Reação de Linus ................................................................................. 99

Figura 22 – Sequência 9: A tentativa de suicídio de Locke .................................... 101

Figura 23 – Sequência 10: A confissão de Ben...................................................... 106

Figura 24 – Momentos de Ben ............................................................................... 110

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 12

1.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................. 14

2 DO CINEMA AO SERIADO ..................................................................... 21

2.1 O UNIVERSO FICCIONAL SERIADO ...................................................... 25

2.2 A ESTRUTURA NARRATIVA ................................................................... 30

2.2.1 Narrador .................................................................................................. 31

2.2.2 Personagem ............................................................................................ 32

2.2.3 Acontecimentos ...................................................................................... 33

2.2.4 Tempo ....................................................................................................... 35

2.2.5 Espaço ...................................................................................................... 36

2.3 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PERSONAGEM NA SÉRIE ...... 36

3 TRILHA SONORA NO AUDIOVISUAL .................................................... 43

3.1 O CONJUNTO SONORO .......................................................................... 45

3.1.1 Sound Design e efeitos sonoros ............................................................ 45

3.1.2 Som ambiente ......................................................................................... 46

3.1.3 Diálogo e narração ................................................................................. 47

3.1.4 Silêncio ..................................................................................................... 48

3.2 MÚSICA INCIDENTAL ............................................................................. 49

3.3 A IMAGEM E O SOM COMO ELEMENTOS CORRELACIONADOS ....... 51

3.4 A ESTIMULAÇÃO DE EMOÇÕES ATRAVÉS DA MÚSICA ..................... 53

4 A RELAÇÃO DA TRILHA SONORA COM A NARRATIVA DE LOST .... 56

4.1 A FICÇÃO SERIADA LOST ...................................................................... 56

4.1.1 A sofisticada produção ........................................................................... 60

4.1.2 A inovadora narrativa e os misteriosos episódios ............................... 62

4.1.3 A composição musical de Michael Giacchino ...................................... 65

4.2 ANÁLISE SONORA DE CENAS EM LOST ............................................... 68

4.2.1 Os personagens ...................................................................................... 68

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4.2.2 Benjamin Linus ..................................................................................... 73

4.2.2.1 Sequência 1 ........................................................................................... 75

4.2.2.2 Sequência 2 ........................................................................................... 77

4.2.2.3 Sequência 3 ........................................................................................... 79

4.2.2.4 Sequência 4 ........................................................................................... 82

4.2.2.5 Sequência 5 ........................................................................................... 85

4.2.2.6 Sequência 6 ........................................................................................... 88

4.2.2.7 Sequência 7 ........................................................................................... 91

4.2.2.8 Sequência 8 ........................................................................................... 95

4.2.2.9 Sequência 9 ........................................................................................... 101

4.2.2.10 Sequência 10 ......................................................................................... 106

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 112

REFERÊNCIAS .................................................................................... 115

APÊNDICE A – PROJETO DE PESQUISA ......................................... 121

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1 INTRODUÇÃO

No dia 23 de maio de 2017 foram comemorados os sete anos de

encerramento de um dos maiores fenômenos e marcos da televisão mundial: a série

Lost. A série deixou como legado uma nova forma de se ver e de se fazer televisão.

Exercendo um forte impacto, seja na forma do público assistir e vivenciar o programa

de televisão, até a influência na construção de novos roteiros e narrativas, Lost, desde

o seu início em 22 de setembro de 2004, com a exibição do seu primeiro episódio pelo

canal americano ABC, destacou-se também pela sua trilha sonora composta pelo

então pouco conhecido, Michael Giacchino.

O meu primeiro contato com obra aconteceu no domingo do dia 5 de fevereiro

de 2006, quando a série começou a ser transmitida na televisão aberta brasileira pela

emissora Rede Globo. Lembro-me de estar assistindo ao programa jornalístico

Fantástico, da TV Globo, quando no intervalo um comercial me despertou à atenção.

Tratava-se de uma chamada na qual era anunciada a estreia de uma das séries mais

assistidas e comentadas no mundo inteiro. O próprio comercial indicava a série com

uma temática inédita na televisão, baseada em contar a história de 48 sobreviventes

de um acidente aéreo que caem e ficam presos em uma perigosa e misteriosa ilha no

sul do Oceano Pacífico.

Envolvido pelo comercial e curioso pela temática da série, aguardei o

programa Fantástico terminar para conferir, então, o duplo episódio de Lost que seria

exibido em seguida. A partir desse dia não passei mais a assistir a série, passei a

vivenciá-la. Daquele dia 5 de fevereiro de 2006 até o dia 23 de maio de 2010, quando

o seriado foi concluído, passei dias e noites acompanhando e lendo sites de notícias

relacionados a série, entrando em chats e redes sociais para debater, comentar e

teorizar sobre os episódios e mistérios, assim como milhares de outros fãs.

Assistindo Lost comecei a criar uma visão e audição mais apurada e atenta,

notando como a música pode influenciar em uma narrativa e como ela é determinante

na forma que o espectador irá receber a mensagem comunicada. Não demorou muito

para eu, muitos fãs e críticos perceberem e compreenderem a importância e êxito da

trilha sonora de Lost para sua trama. Foi a partir dessa série que comecei a me

interessar por televisão e cinema, abrindo portas para eu buscar cada vez mais assistir

séries e filmes ficcionais. Assim virei um exímio ouvinte e admirador de trilhas sonoras

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incidentais. Não há mais nenhum produto audiovisual que eu ignore totalmente sua

sonoridade.

Compor a trilha incidental de Lost abriu grandes possibilidades na televisão e

no cinema para Michael Giacchino, considerado um dos melhores e mais renomados

compositores de trilhas sonoras da atualidade. Entretanto, seu trabalho na série é

pouco estudado e analisado com profundidade, apesar do grande reconhecimento por

parte de público e crítica. Afinal, um dos aspectos de Lost que contribuiu para a

popularização da série foi a sua trilha sonora, utilizada como considerável e essencial

elemento narrativo.

Dessa forma, este trabalho propõem-se a delimitar a análise da trilha sonora

em relação ao personagem de Ben Linus, pois percebeu-se a sua importância para a

narrativa da série. Porém, para que análise seja bem sucedida, é preciso destacar

que o convívio e a relação dele com outros personagens permite compreender melhor

o seu desenvolvimento na série. Nesse caso, parte-se da seguinte questão

norteadora: “Como a presença da trilha sonora na narrativa de Lost evidencia

características do personagem Ben Linus em relação à sua participação na série?”.

A partir dessa questão, procurou-se reconhecer e mostrar a relevância de uma

convincente trilha sonora na televisão e no cinema. Uma notável trilha sonora é

fundamental para transmitir ideias, sensações, emoções e sentimentos, além de

comunicar com eficácia e até mesmo influenciar na resposta do público.

O objetivo principal deste estudo é estabelecer a função da trilha sonora na

narrativa da série e compreender como ela se associa com os personagens. Outros

objetivos também serão levados em consideração no desenvolvimento deste trabalho,

como analisar o conjunto audiovisual das cenas selecionadas, apresentar uma linha

evolutiva da construção do personagem Ben Linus e verificar mais especificadamente

em que momento e de que forma a música incidental é inserida nas sequências

analisadas.

A trilha sonora de Lost, especialmente a música incidental, não apenas

ajudaram a caracterizar a série e gerar tantas emoções e sentimentos nos seus

espectadores, mas também foi fundamental para reforçar características da

identidade de seus próprios personagens. E, como bom fã e admirador da série,

percebo que a trilha sonora de Lost é relevante e significativa o suficiente para ser

estudada e analisada mais atentamente e intimamente, com o fim de justificar sua

importância para a série e mostrar ainda como é imprescindível uma boa trilha sonora

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em seriados, filmes, comerciais e em tantas outras produções audiovisuais. Assim

como identificar quais são as funções exercidas, principalmente em relação aos

personagens pela música incidental dentro do seriado.

Portanto a trilha sonora é primordial para a progressão narrativa da série, bem

como uma ferramenta eficaz para ajudar na construção dos personagens tão

complexos de Lost. É isso que este estudo pretende explorar e analisar com

profundidade.

O presente trabalho pretende ainda servir de ajuda e reforço para todos

aqueles que se interessam, estudam e trabalham com o audiovisual e desejam ter

subsídios para um mais avançado aprendizado sobre a contribuição da trilha sonora

em determinados contextos. Além, claro, de fãs da série Lost e de outros seriados.

Com base no que foi dito anteriormente, esta monografia foi estruturada em

três capítulos centrais. O capítulo 2 irá resgatar brevemente o surgimento da narrativa

seriada e da sua evolução até chegar na televisão, visando apresentar informações

pertinentes sobre o que caracteriza uma série de TV e aspectos do seu universo.

Ainda nesse mesmo capítulo será debatido o que é uma narrativa e de que forma ela

é estabelecida dentro de uma história, assim como é concebida a construção da

identidade de um personagem e sua importância para uma obra ficcional.

O capítulo 3 proverá um estudo detalhado sobre o que é e quais são os

elementos que constituem uma trilha sonora. Será apresentado ainda a definição de

música incidental e sua utilidade para uma produção audiovisual, o vínculo entre

imagem e música e, por fim, será abordado sobre a estimulação de emoções através

da música.

Apresentará o capítulo 4 uma contextualização da série Lost, – objeto deste

estudo, e trará uma análise que será realizada através do personagem Ben Linus, por

meio da seleção de cenas que expressam uma relação entre o personagem, a

narrativa e a trilha sonora.

2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento adequado deste trabalho, é imprescindível ter uma

metodologia bastante clara e definida para poder alcançar os objetivos propostos.

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Segundo de Andrade (2010, p. 117), “metodologia é o conjunto de métodos ou

caminhos que são percorridos na busca do conhecimento.”

Fonseca (2002) afirma que methodos significa organização, e logos, estudo

sistemático, pesquisa, investigação; ou seja, metodologia é o estudo da organização,

dos caminhos a serem percorridos, para se realizar uma pesquisa ou um estudo, ou

para se fazer ciência. Etimologicamente, significa o estudo dos caminhos, dos

instrumentos utilizados para fazer uma pesquisa científica. Entende-se então, que a

metodologia vai além de suas técnicas e métodos, ela indicará ao pesquisador sua

escolha teórica para apresentar seu objeto de estudo.

Em um sentido mais específico, a palavra “método” pode ser entendida como

uma forma básica de buscar conhecimento através de um grupo de procedimentos,

técnicas e regras. Por isso que os métodos são importantes, pois eles irão guiar todo

o estudo a ser gerado.

Paviani (2013, p. 61) alega que “o conceito de método está intimamente ligado

ao conceito de processo de investigação científica, que tem por objetivo produzir

novos conhecimentos e modos de intervenção da realidade.”

Portanto, temos, no mínimo, três significados de método: o primeiro, indica caminho, orientação, direção; o segundo, aponta modos básicos de conhecer (como analisar, descrever, sintetizar, explicar, interpretar), e o terceiro, refere-se a um conjunto de regras, procedimentos e de instrumentos e/ou técnicas (como questionário, entrevista, documentos) para obter dados e informações. (PAVIANI, 2013, p. 61).

O método utilizado para o estudo e desenvolvimento dos primeiros capítulos

deste trabalho, refere-se à pesquisa bibliográfica, que de acordo com Köche (2010, p.

122), “é a que se desenvolve tentando explicar um problema, utilizando o

conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras

congêneres.”

Segundo de Andrade (2010, p. 25), “a pesquisa bibliográfica é habilidade

fundamental nos cursos de graduação, uma vez que constitui o primeiro passo para

todas as atividades acadêmicas.”

Como Lost se trata de um extenso seriado, com mais de 120 episódios, é

preciso fazer um grande levantamento das informações disponíveis sobre a série e

das teorias que guiarão a análise para responder ao problema de pesquisa. Köche

(2010, p. 122) afirma que “na pesquisa bibliográfica, o investigador irá levantar o

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conhecimento disponível na área, identificando as teorias produzidas, analisando-as

e avaliando sua contribuição para auxiliar e compreender ou explicar o problema

objeto da investigação.”

O objetivo da pesquisa bibliográfica, portanto, é o de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre determinado tema ou problema, tornando-se um instrumento indispensável para qualquer tipo de pesquisa. (KÖCHE, 2010, p. 122).

Neste trabalho foram utilizados para consulta, livros, artigos e dissertações

sobre o tema, além dos DVDs de toda a série completa de Lost e dos CDs com a trilha

incidental do seriado, composta por Michael Giacchino. Conforme Gil (2010, p. 29), “a

pesquisa bibliográfica é elaborada com base em material já publicado.

Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros,

revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos.”

Entretanto, segundo o próprio autor, atualmente, devido ao avanço

tecnológico possibilitar novas ferramentas e plataformas de consulta e estudo de

informações, a pesquisa bibliográfica também passa a incluir todo material

disponibilizado na internet, assim como discos, CDs, DVDs etc. Espera-se enfim,

através desse método, trazer conceitos, teorias e informações precisas e relevantes

que forneçam meios para a realização da análise que objetiva responder à questão

norteadora para alcançar os objetivos desta monografia.

A segunda parte desta monografia será construída procurando atingir seus

objetivos propostos, respondendo à questão norteadora, através de uma pesquisa de

natureza qualitativa, na qual serão assistidos os episódios do seriado Lost,

selecionando alguns destes para uma análise descritiva e explicativa mais completa.

Godoy (1995, p. 63) diz que na situação cujo “estudo é de caráter descritivo e o que

se busca é o entendimento do fenômeno como um todo, na sua complexidade, é

possível que uma análise qualitativa seja a mais indicada.”

Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a

um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não

podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Outro método fundamental que guiará o estudo será a análise fílmica, que

apesar de se basear no dessecamento de um filme, também pode ser aplicada em

favor de séries de televisão para se analisar seus episódios.

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A análise fílmica só consegue transpor, transcodificar o que pertence ao visual (descrição dos objetos filmados, cores, movimentos, luz etc.), do fílmico (montagem das imagens), do sonoro (músicas, ruídos, grãos, tons, tonalidade das vozes) e do audiovisual (relação entre imagens e sons). (VANOYE, 1994, p. 10).

Mesmo Lost sendo uma série de longa duração, é imprescindível que se

assista novamente com um olhar mais apurado, pois conforme Vanoye (1994),

analisar um filme implica que se veja e reveja a obra atentamente. O autor vai além e

afirma que “a descrição e a análise procedem de um processo de compreensão, de

(re)constituição de um outro objeto, o filme acabado passado pelo crivo da análise, da

interpretação.” (VANOYE, 1994, p. 12).

Analisar um filme não é mais vê-lo, é revê-lo e, mais ainda, examiná-lo tecnicamente. Trata-se de uma outra atitude com relação ao objeto-filme, que, aliás, pode trazer prazeres específicos: desmontar um filme é, de fato, estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico, usufruí-lo melhor. (VANOYE, 1994, p. 12).

A análise de qualquer objeto de estudo audiovisual, seja completo ou em

fragmentos, deve ocorrer de uma decomposição de seus elementos constitutivos. Por

isso Vanoye (1994, p. 15) é claro ao dizer que uma análise fílmica “é despedaçar,

descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar matérias que não se

percebam isoladamente ‘a olho nu’, pois se é tomado pela totalidade.”

Entretanto, a análise fílmica não termina só na decomposição do objeto-

estudo. “Uma segunda fase consiste, em seguida, em estabelecer elos entre esses

elementos isolados, em compreender como eles se associam e se tornam cúmplices

para fazer surgir um todo significante: reconstruir o filme ou fragmento.” (VANOYE,

1994, p. 15). A desconstrução dos episódios de Lost deve ser entendida como

equivalente a uma descrição, já a reconstrução corresponde a uma ou mais

intepretações elucidativas do pesquisador.

Deve-se ter em mente que nunca haverá uma análise que capte uma verdade

única da obra. Por exemplo, ao transcrever material televisivo como de Lost,

“devemos tomar decisões sobre como descrever os visuais, se vamos incluir pausas

e hesitações na fala, e como descrever os efeitos especiais, tais como música ou

mudanças na iluminação”. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 344).

Para alcançar os objetivos deste trabalho, será necessário registrar e

transcrever o evento sonoro para fins de análise. De acordo com Bauer e Gaskell

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(2002), o objetivo de transcrever é apresentar um conjunto de informações que se

preste a uma análise cuidadosa. Ela transfere e simplifica o som e a imagem complexa

da tela.

Esta transcrição deve apresentar o som e a música de forma semelhante a fala [...]. Os elementos do som estão ligados em sequências, mais ou menos complexas. Na música, nós descrevemos aqueles com as dimensões, por exemplo, de ritmo, melodia e harmonia. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 366).

A análise sonora da composição incidental levará em conta a relevância da

música na cena e como ela ajuda a criar ou ampliar sentidos, influenciando e

evidenciando ou não nas características em relação a identidade do personagem Ben

Linus. Como consequência será possível observar e concluir se a música possui

apenas sentido potencial, enquanto que o sentido real surge de seu encontro com o

texto e as imagens.

A descrição e análise dos trechos/cenas selecionadas de Lost terão como

referência três aspectos citados por Marie (2009). Serão analisados os elementos

visuais, a trilha sonora (diálogos, ruídos, música; escala sonora; intensidade;

transições sonoras, continuidade/ruptura sonora) e as relações sons/imagens (sons

in / off / fora de campo; sons diegéticos ou extradiegéticos, sincronismo ou

assincronismo entre imagens e sons).

Outras características a serem avaliadas, segundo Bauer e Gaskell (2002, p.

378), e que guiarão este projeto de estudo são a:

[...] melodia, que é a sequência de tons que nós podemos facilmente lembrar; a harmonia, que é o sistema que ordena a melodia; o ritmo, que é o tempo da progressão musical; [...] a dinâmica, que são as variações de sonoridade e velocidade; a forma, que são os padrões mais amplos de repetições; e a orquestração, que é a designação dos instrumentos para papeis específicos. Cada uma dessas características possui suas próprias convenções que, separadas ou combinadas, podem servir como indicadores culturais.

A percepção da música pode ocorrer, segundo J.J de Morais (1983 apud

SILVA, 2005) de três modos: fisicamente, emocionalmente e intelectualmente. Esse

discernimento acontece de forma contínua: o primeiro modo decorre do som saído do

emissor e “atinge” o espectador; em seguida, o espectador recebe a trilha de maneira

distinta, pois as associações feitas com as músicas são individuais (as pessoas se

emocionam e são impactadas conforme suas vivências e experiências), determinando

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o segundo modo; e por último, culminando no terceiro modo, se realiza o raciocínio

lógico do entendimento da música.

Necessário fazer uma ressalva em relação ao terceiro modo – o intelectual: a

maioria dos espectadores pode ser leiga em assuntos de natureza musical (conceitos,

teoria, linguagem, etc.). Contudo não são precisos conhecimentos avançados para

notar características básicas de uma música (como início, meio e fim, melodia triste

ou alegre, etc.). (SILVA, 2005).

As imagens também terão que ser levadas em consideração na análise, afinal

elas têm a capacidade de comunicar uma mensagem, sendo o objetivo deste estudo

descobrir qual a “atmosfera” que o diretor criou com determinada cena que recebeu

tratamento musical e como ela influenciou na motivação dos personagens.

Assim como na análise sonora, há um certo grau de subjetividade nessas

transposições, sendo, portanto, uma interpretação dentre tantas quantas forem

possíveis de existir. Ao analisar as imagens será feita uma decupagem, discorrendo

sobre o que acontece visualmente, destacando frames1 do vídeo e citando os seus

elementos constituintes e o resultado da combinação gerada com os elementos

sonoros.

Coutinho (2005, p. 341) salienta que na análise em relação a imagem fílmica

se:

[...] deve levar em conta especialmente os aspectos temporais desse registro visual, o desenrolar da cena, e a forma pela qual se mostram esses momentos. Assim, além dos elementos visuais já destacados, o tempo de duração, ou seja, por quanto tempo se exibe determinada imagem, o ritmo de montagem ou edição das cenas, a forma de encadeamento dos registro visuais e os chamados movimentos de câmera são aspecto a observar na análise da mensagem cinematográfica.

O desafio, neste trabalho, é identificar a contribuição da música incidental para

a construção de sentido, focado nos personagens da série, onde imagens em

movimento e sons estejam interligados. O que se percebe como uma textura

entrelaçada é diferente do que se nota ao se olhar para os três modos – imagens,

texto e som – isoladamente. Parece ser uma característica da música em filmes e

seriados, que ela se torne um pano de fundo, e que não seja percebida nem mesmo

1 Chamado de FPS (Frames Per Second ou Quadros por Segundo) são imagens sequenciais que, ao serem reproduzidas em velocidade, dão a sensação de movimento em séries, filmes, vídeos etc. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/07/o-que-e-fps.html>. Acesso em: 25 de agosto de 2017.

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pelo analista, porém na grande maioria das vezes ela estabelece um papel importante

para a narrativa e na forma que o público receberá a mensagem.

É válido ressaltar que a análise a ser realizada do som e da imagem isolados

e depois da combinação de ambos será direcionada, exclusivamente, a buscar

entender como a trilha sonora, principalmente a música incidental, participa e contribui

na narrativa de Lost e na caracterização dos seus personagens, por intermédio da

metodologia citada acima.

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2 DO CINEMA AO SERIADO

As séries de televisão têm uma ampla relação com o universo

cinematográfico, inclusive sua origem perpassa sobre os primeiros anos do cinema.

Para melhor entender essa conexão entre o cinema e o seriado2, é importante resgatar

alguns dos mais notáveis fatos da história daquele que hoje é considerado a sétima

arte.

O nascimento do cinema, como aponta Mascarello (2014), acontece por

intermédio de duas invenções: o quinetoscópio e o famoso cinematógrafo dos irmãos

Lumière.

As primeiras exibições de filmes com uso de um mecanismo intermitente aconteceram entre 1893, quando Thomas A. Edison registrou nos EUA a patente de seu quinetoscópio, e de dezembro de 1895, quando os irmãos Louis e Auguste Lumière realizaram em Paris a famosa demonstração pública e paga, de seu cinematógrafo. (MASCARELLO, 2014, p.18).

O cinematógrafo de Louis e Auguste Lumière foi determinante para o

desenvolvimento do cinema nos seus primeiros anos, entretanto os filmes ainda eram

totalmente mudos. De acordo com Berchmans (2006), no auge do cinema mudo, foi

enorme o movimento musical que acompanhava a exibição de filmes, particularmente

em grandes teatros.

Conforme o cinema ia se desenvolvendo, foram surgindo formas aprimoradas de acompanhamento musical dos filmes. Por volta de 1914, quando os grandes cinemas começaram a proliferar, estes contratavam grandes orquestras para acompanhamento musical das sessões noturnas. Durante as matinês, usavam-se pequenas orquestras ou órgão e o objetivo era mais superficial: abrandar o elevado ruído dos projetores, fornecer ao filme uma base musical e ainda disfarçar o barulho de cadeiras e dos sonoros espectadores. (BERCHMANS, 2006, p. 101-102).

Na década de 20 era perceptível o esforço e anseio das pessoas em introduzir

som aos filmes, fossem eles ruídos, diálogos ou música. A obra cinematográfica de

John Barrymore, chamada de Don Juan, foi a primeira a conseguir apresentar uma

trilha sonora oficialmente composta para um filme e totalmente sincronizada no dia 6

de agosto de 1926. A música foi composta por William Axt, David Mendoza e Edward

2 Este trabalho entende que “série” e “seriado” têm o mesmo significado na esfera audiovisual, assim como para Harumi e Medeiros (2014).

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Bowes, sendo gravada pela Orquestra Filarmônica de Nova Iorque. No ano seguinte

as primeiras palavras gravadas foram ouvidas saindo de um filme. (BERCHMANS,

2006).

Quanto ao seriado, foi o cinema, ainda quando era mudo, que proporcionou o

modelo básico de serialização audiovisual do qual se observa hoje na televisão.

Segundo Machado (2000, p. 86), “o seriado nasce no cinema por volta de 1913, como

decorrência das mudanças que estavam acontecendo no mercado de filmes.” Nesse

período, boa parte das salas de cinema eram os antigos nickelodeons3 que exibiam

apenas filmes curtos, devido ao desconforto do local para seu público de baixa renda.

Já os longas-metragens eram apenas exibidos nos poucos salões de cinema – estes

mais caros e confortáveis em relação aos nickelodeons. Sobre os filmes em série, o

autor diz:

Eram filmes de duração mais longa, que podiam ser exibidos nos salões de cinema destinados à classe média, mas podiam também ser exibidos em partes nos nickelodeons, que concentravam o público mais pobre da periferia. Séries cinematográficas como Fantômas (1913), de Louis Feuillade, e The Perils of Pauline (1914), de Louis Gasnier, baseado no modelo dos folhetins jornalísticos, deram forma básica ao gênero. (MACHADO, 2000, p. 86-87).

Entretanto não foi o cinema que criou a forma seriada de narrativa. Esse estilo

de narrativa se desenvolveu com a técnica do folhetim, mas começou a ser aplicada

ainda antes em cartas, sermões e histórias míticas inacabáveis como, por exemplo,

“As mil e uma noites4”. De acordo com Carlos (2006), o folhetim é a origem da

narrativa seriada vista hoje nas séries de TV:

O folhetim, narrativa cujos capítulos eram entregues ao leitor em forma seriada em jornais e revistas, consolidou uma fórmula de consumo interessante para uma sociedade industrial que se constituía ao longo do século 19. A estrutura em capítulos já era padrão em romances, mas, na medida em que nela se acentua a temporalidade, com a entrega de segredos ao leitor de forma regular, se consolida uma fidelidade à base da tensão e da atenção. (CARLOS, 2006, p. 9).

3 Nickelodeons são antigos ambientes rústicos, abafados e desconfortáveis, como grandes depósitos ou armazéns, adaptados para exibir filmes nos primeiros anos da década de 1910. (MASCARELLO, 2014).

4 Coleção de contos escritos por vários narradores anônimos. (MUNDO ESTRANHO, 2011). Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/cultura/quem-escreveu-as-mil-e-uma-noites/>. Acesso em: 20 outubro 2017.

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A partir da década de 1930 o formato de narrativa seriada, ganha um novo

meio de comunicação para sua difusão – a televisão.

Nascida nos anos 1930, a televisão teria de esperar até o final da Segunda Guerra Mundial para começar a ter um grau de organização e difusão semelhante à do rádio. Apenas nos anos 1950 surgiria a televisão comercial nos Estados Unidos, calcada em uma grade e horários organizada em torno de um modelo de família norte-americana, sustentada pelos anúncios publicitários veiculados nos intervalos da programação. (HAGEMEYER, 2012, p. 88).

Porém, antes da televisão comercial se espalhar pelo mundo depois da II

Guerra Mundial, alguns países já haviam conseguido realizar transmissões abertas

para poucos aparelhos de TV. E se a televisão começou a chegar aos lares norte-

americanos só depois de 1950, antes mesmo, em 1946 a Inglaterra exibia a primeira

série de TV da história, intitulada Pinwright’s Progress.

Estrelada pelo britânico James Hayter, Pinwright’s Progress estreou em novembro de 1946 e durou apenas uma temporada, acabando em maio de 1947. Foram dez episódios, com 30 minutos de duração, registrados num teatro de Londres e transmitidos ao vivo pelo canal BBC. Eles mostravam as desventuras de J. Pinwright, que tentava comandar a loja Macgillygally’s. Mas, todos os dias, precisava contornar dificuldades impostas por um rival e pelos próprios funcionários. (MUNDO ESTRANHO, 2016, não paginado).5

Contudo, para os críticos, a série I Love Lucy do canal CBS dos Estados

Unidos é considerada oficialmente a primeira série de televisão do mundo. Trata-se

de uma comédia, baseada em um programa de rádio e estrelada por Lucille Ball (ver

Figura 1). Seu primeiro episódio foi ao ar no dia 15 de outubro de 1951 e totalizou 179

episódios, sendo encerrada em 6 de maio de 1957. (PEIXES, 2014).

Deve-se destacar que nos Estados Unidos a programação seriada já aparecia

desde os primórdios da televisão através de adaptações realizadas do rádio para

comédias, dramas e programas de variedades. Com a conseguinte popularização da

televisão no país, os americanos se tornaram a maior potência nas produções de

séries de TV, dominando até hoje esse mercado com produções seriadas originais de

diferentes gêneros.

5 Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/cinema-e-tv/qual-foi-a-primeira-serie-de-tv/>. Acesso em: 20 outubro 2017.

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Figura 1 – Lucille Ball no seriado I Love Lucy

Fonte: ABC News.6

Já no Brasil, após a chegada de televisão em 1950, diversas produções dos

Estados Unidos foram transmitidas no país, sendo muito bem recebidas pelo público

e fortalecendo o seriado por aqui também.

As duas primeiras décadas da televisão no Brasil apresentaram e consolidaram o formato “seriado” para o público. Nesse período, chegaram à telinha dezenas de séries de ação, suspense, aventura e humor, incluindo as produções nacionais que se aventuraram nessa área dominada pelos americanos. Mas é interessante notar que diversas delas, mesmo sendo apresentadas ao público muitos anos depois de sua estreia no mercado americano, acabaram abrindo espaço dentro da programação das emissoras, como a Tupi, a Record, a Excelsior e a Globo, e ganhando sua merecida audiência. (PEREIRA, 2008, p. 12).

Atualmente a televisão não é mais o único meio de propagação e transmissão

de seriados ficcionais audiovisuais. Como será abordado a seguir, nos últimos anos

com o crescimento exponencial da internet e novos avanços tecnológicos, as

6 Disponível em: <http://abcnews.go.com/topics/entertainment/tv/i-love-lucy.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

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plataformas de streaming7 como Netflix, Amazon Prime Video, HBO Go e Crackle

também apresentam a possibilidade de assistir seriados em qualquer hora, lugar e

aparelho com conexão à internet.

2.1 O UNIVERSO FICCIONAL SERIADO

Séries de televisão nunca estiveram tão em alta e populares como no atual

momento. Até poucos anos atrás, os públicos de seriados eram bem restritos aos

espectadores que possuíam TV a cabo e aos que acompanhavam os exibidos na TV

aberta, normalmente em horários não muito acessíveis, principalmente na

madrugada. A internet é a principal responsável pela popularização das séries de

televisão. Com o advento da internet e, principalmente, o acesso a tal, os downloads

ilegais começaram a crescer exponencialmente e ainda assim atingindo um público

bastante específico.

Com o crescimento de serviços de streaming, como a Netflix – a plataforma

predominante no Brasil8 – as séries de TV se tornaram difundidas e comuns para o

entretenimento do espectador. Elas se transformaram em um conteúdo de forte

consumo, pois tanto seriados antigos (fora do ar) como novos (em fase de exibição),

cresceram consideravelmente na preferência do público nos últimos anos. Destaque

para os seriados americanos e britânicos, que apresentam tramas cada vez mais

complexas e produções sofisticadas, desfrutando de uma ótima recepção da crítica e

dos telespectadores.

Prova de como o mercado de séries está em alta pode ser observado em uma

pesquisa realizada pela FX Network Research realizada no ano passado9. A pesquisa

investigou o total de séries originais exibidas ao longo de 2016 na TV americana e

concluiu que nunca houveram tantas produções no ar como no último ano. Foram

totalizados 455 seriados – um aumento de 150% se comparado ao ano de 2002. A

pesquisa levou em consideração as séries de canais abertos, de canais a cabo e dos

serviços de streaming, como se pode conferir com mais detalhes na Figura 2.

7 Tecnologia que envia informações e conteúdos multimídia por meio da transferência de dados, utilizando a internet.

8 Fonte: <https://www.tecmundo.com.br/netflix/112700-netflix-cresce-rapido-brasil-ganha-dinheiro-sbt.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

9 Fonte: <https://www.ligadoemserie.com.br/2016/12/2016-teve-numero-recorde-de-series-originais/>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

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Com este crescimento, consequentemente, há maiores investimentos nas

séries de TV aqui no Brasil. Os canais a cabo estão buscando atualizar suas grades

de programação com séries recentes e de grande atratividade. Inclusive se antes a

espera era de meses para assistir a uma temporada inédita, agora é questão de

semanas até o episódio de uma série chegar ao Brasil – isso quando ela não tem

transmissão simultânea10 com os EUA como acontece com Game of Thrones, Legion

e The Walking Dead.

Figura 2 – Comparativo do número de séries de TV nos últimos anos

Fonte: Ligado em Série11.

Para Seabra (2016), a definição de série de TV parece óbvia, mas por ser um

programa que se diferencia de um reality show, game show, talk show, novela e não

10 A transmissão simultânea, neste caso, é a exibição de um mesmo episódio de série de TV em dois ou mais países distintos ao mesmo tempo.

11 Disponível em: <https://www.ligadoemserie.com.br/2016/12/2016-teve-numero-recorde-de-series-originais/> Acesso em: 20 de outubro de 2017.

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possui caráter jornalístico, é necessário estabelecer características para uma melhor

diferenciação e afirmação do que realmente significa. O autor considera que “estamos

falando da série roteirizada que conta a história de um grupo relativamente pequeno

de personagens e não carrega em si uma previsão de encerramento.” (SEABRA,

2016, p. 21-22).

Um seriado normalmente só não estabelece uma possibilidade de

encerramento, como indica também uma continuidade. Essa continuidade é

conhecida como cliffhanger, popularmente chamada de “gancho”, em que um episódio

termina deixando um mistério, algum acontecimento em aberto, provocando a

curiosidade do telespectador em continuar assistindo. Séries como “24 Horas” e Lost

se destacaram em fazerem cliffhangers, tornando a espera pelo próximo episódio

ainda maior para os fãs.

O programa não se realiza em uma exibição única e fechada em si mesma (como um especial ou um filme), e sim é dividido em episódios que podem contar uma história contínua ou fechar um caso a cada interação, ou ainda conseguir uma combinação de ambos. (SEABRA, 2016, p. 22).

Como Seabra (2016) menciona, há dois tipos de estruturas que caracterizam

os seriados: com episódios independentes, que não exigem que o público conheça ou

acompanhe a trama de forma permanente – normalmente utilizado em séries de

comédias, animações e procedurais12, e o segundo tipo de estrutura, que se refere às

séries mais complexas e estruturadas, que precisam ser acompanhadas desde o

começo da história para serem entendidas, comumente utilizada em dramas como

Lost, por exemplo.

A periodicidade é quase sempre semanal – decididamente não é diária, mas há exceções que procuram justamente subverter essa regra geral e assim acabam por reafirmá-la nos outros contextos. Em sua exibição original, a tendência é de que seja um programa majoritariamente noturno (ou não diurno), cujo direcionamento fica, em princípio, aberto ao público adulto em geral. (SEABRA, 2016, p. 22).

No sentido da periodicidade a qual Seabra (2016) se refere, a Netflix

estabeleceu uma nova forma de assistir aos seriados produzidos pela própria

empresa. A Netflix disponibiliza na sua plataforma todos os episódios produzidos por

12 As séries procedurais são aquelas que se utilizam de um mesmo formato em todos os episódios, apresentando um caso por semana (episódio), normalmente sobre investigação e solução de um crime.

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ela mesma, ou seja, não é necessário esperar semanas para um novo episódio ser

liberado para exibição, assim como o assinante do serviço pode assistir na hora que

desejar. Esse novo modo de assistir as produções como House of Cards, possibilitado

através da internet, recebe o nome de binge-watching13. Entretanto, assim como na

televisão, é preciso esperar meses para poder assistir a uma nova temporada das

produções originais da Netflix.

As temporadas na TV aberta geralmente são compostas de 22 episódios,

podendo até atingir os 24. Os episódios das séries de comédia têm cerca de 30

minutos de duração, com 22 minutos em média de programa gravado e o restante

destinado a intervalos comerciais. Já as séries dramáticas têm duração média de uma

hora, sendo cerca de 45 minutos de gravação e os demais minutos destinados a

comerciais.

Nos canais a cabo, isso funciona de modo diferente: por terem um orçamento

menor, essas emissoras preferem investir em menos episódios e mais em qualidade.

Muitas vezes, as produções para a TV a cabo têm muito mais complexidade técnica

e artística que as da rede aberta. Dramas e comédias tendem a ser mais longos que

na TV fechada e, em média, são compostos de 8 a 13 episódios por temporada.

Seus valores de produção, tanto econômicos quanto estéticos, pelo menos na atualidade, costumam ser bastante superiores aos da telenovela ou da soap opera diárias – “valores de produção” entendidos como não somente aqueles que se referem ao investimento financeiro em quesitos de ordem material, como figurino, maquiagem, locações, cenários, mas também de esmero em toda a parte técnica, roteiro, pesquisa, nível de exigência dos atores, contratação de profissionais tarimbados para direção, fotografia, iluminação, edição e afins. (SEABRA, 2016, p. 22).

As características citadas anteriormente por Seabra (2016) para definir uma

série de TV não devem ser seguidas como regra, mas apenas para ajudar a delimitar

um universo com o objetivo de abordar melhor o assunto. Esse tema é complexo o

suficiente para ser discutido mais profundamente, além desse mercado estar cada vez

mais inovando e se moldando as necessidades e gostos dos seus consumidores.

Todavia, algo que se deve ter como convicção é que a criação e construção

de uma série de TV exige o conhecimento de técnicas e linguagens específicas,

13 O termo binge, em inglês, significa compulsão e foi adaptado para designar o comportamento de assistir a vários episódios de séries de uma vez só, o que antes era chamado de maratona. Fonte: <http://anais-comunicon2015.espm.br/GTs/GT2/9_GT02-LOPES%20_SILVA.pdf>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

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principalmente em relação ao roteiro/narrativa, pois só assim poderá se definir com

precisão os personagens, tempo, espaço e acontecimentos da história. Muito do

sucesso de uma série passa por uma premissa bem definida e que vá dar identidade

a série.

A premissa é o que faz da série o que ela é. Ela dá a direção ao esforço criativo e faz um programa ser único e diferente, aquele em particular, e não uma outra coisa qualquer que seria para nós irreconhecível sob aquele nome. Um episódio feito segundo aquele molde pertence àquela série e somente a ela. House é House sempre que houver um mistério da medicina a ser resolvido por aquele gênio irascível que se interessa por doenças, mas não liga para as pessoas. Esse molde da série é muito mais específico e particularizador do que o vago rótulo “série médica” poderia descrever. (SEABRA, 2016, p. 32).

De acordo com Seabra (2016), a real razão de muitas séries serem aclamadas

pelo público e crítica está em seus personagens. Os personagens são mais relevantes

e marcantes do que a trama da produção em si.

Os grandes e verdadeiros motivos pelos quais as pessoas assistem às séries são os personagens, seja pela curiosidade que despertam logo no começo, seja porque se criou o costume de acompanha-los. O público quer vê-los reagirem a situações novas, mas não vai sempre guardar os detalhes da trama principal ou secundária. (SEABRA, 2016, p. 34).

É incomum os próprios canais de TV serem responsáveis pela produção dos

seriados da sua grade de programação. Nos EUA, principalmente, as séries são

normalmente produzidas por um estúdio e transmitidas por uma emissora de televisão

que não tem relação com a produção. Por exemplo, a comédia New Girl exibida pelo

canal ABC e American Horror Story do FX são produzidas pela 20th Century Fox

Television14.

O Fall Season compreende o intervalo de setembro a maio, e é considerado

o período mais importante para os canais investirem em produções com grandes

chances de virar sucesso. Boa parte dos episódios pilotos15 encomendados no início

do ano tem a estreia marcada justamente para esses meses. Porém, nas emissoras

14 Fonte: <https://www.ranker.com/list/tv-shows-produced-by-20th-century-fox-television/reference>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

15 Pilot em inglês, é o nome usado para comercializar a primeira gravação de um episódio individual; inicialmente é utilizado para apresentar aos executivos das estações de televisão, e mais tarde para o público em geral. Muitas vezes, depois de assistidos, os pilotos passam por ajustes ou até são filmados de novo, para assim terem uma chance de ir ao ar. Disponível em: <https://www.tertulianarrativa.com/pilotos>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

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de TV a cabo, novos episódios pilotos e temporadas são colocados para estrearem

quando as séries de canais abertos estão em pausa, ou seja, elas surgem nos meses

de junho, julho e agosto nas suas grades de programação. Isso ocorre justamente por

causa do grande número de séries e da forte concorrência entre os canais de

assinatura e da TV aberta, para assim evitar que suas produções de grande aposta

disputem audiência entre si.

É comum ocorrer de muitas séries não obterem boa receptividade do público

e por conta da baixa audiência, obrigar a emissora a cancelar a série para não ter

prejuízo nas finanças. Neste caso a produção de novos episódios é interrompida,

sendo exibidos apenas os episódios já produzidos até aquele momento. Muitos

seriados inclusive não conseguem passar do episódio piloto ou ganhar a encomenda

de uma temporada completa ou nova, deixando essas séries sem um final.

2.2 A ESTRUTURA NARRATIVA

Contar histórias é uma prática exercida desde os primórdios do homem. A

esta antiga atividade da humanidade, é preciso estabelecer como ela se desenvolve

e é estruturada para então compreender como é construída a narrativa em uma série.

Flory (2005) é uma autora que fala a respeito da narrativa:

O homem, a partir da necessidade atávica de organizar os acontecimentos relativos à sua trajetória (coletiva e individual), passa a “editar” esses eventos, dando origem então a narrativas organizadas e posteriormente concretizadas pela linguagem. Dessa maneira, temos a produção de narrativas ficcionais (filmes, seriados, telenovelas) e não-ficcionais (notícias, reportagens, documentários). (FLORY, 2005, p. 19).

Toda e qualquer história apresenta cinco elementos imprescindíveis e de

ordem evidente, os quais constituem uma narrativa real ou ficcional. Flory (2005)

indica quais são eles:

Assim, uma narrativa apresenta, basicamente, os seguintes pilares estruturais indispensáveis para que sua manifestação se concretize: narrador, personagens, tempo, espaço e acontecimentos. Em linhas gerais, não se pode conceber uma história se não houver quem a conte (narrador), bem como não há função para este se não houver sobre quem (personagens) contar as aventuras vividas (acontecimentos) que, naturalmente, se passam num dado momento (tempo) de suas vidas e em algum lugar (espaço). (FLORY, 2005, p. 20-21).

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Aos componentes estruturais de uma narrativa, citados acima, serão

explicados melhor a seguir com o objetivo de assimilar sua fundamentação e

importância para uma história.

2.2.1 Narrador

De acordo com Gancho (2006, p. 30), “não existe narrativa sem narrador, pois

ele é o elemento estruturador da história. As variantes de narrador podem ser

inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada obra.”

Contudo, na narrativa audiovisual é comum não se ter um narrador como na

narrativa literária, por exemplo. Sobre essa diferença, Flory (2005) esclarece:

Na narrativa audiovisual, temos o ato de narração, que compete ao narrador (o responsável pela organização da história), compartilhado. Se num romance convencional temos um narrador identificável nos rumos da história e no ponto de vista apresentado, de um filme (ou qualquer produção narrativa audiovisual) não podemos dizer a mesma coisa. Há que considerar o papel do roteiro e da direção do filme propriamente dito, já que a história, no formato audiovisual, chega ao leitor/receptor (e/ou destinatário) como resultado de um ato narrativo que passou pelo compartilhar de vários operadores de linguagens. (FLORY, 2005, p. 29).

Portanto, em filmes, novelas e seriados, é possível não se ter um indivíduo

narrador, ou seja, a imagem e o som ocupam essa função. Afinal, na narrativa

audiovisual são as ações e falas dos personagens na tela, definidos pelos roteiristas

e diretores, que irão mostrar ao telespectador a história como ela é. (FLORY, 2005).

A exemplo dessa utilização da imagem e do som como “substituto” do narrador, pode-

se citar o objeto desta pesquisa – a série Lost.

Todavia, há séries de televisão que apresentam narração. No seriado de

comédia Arrested Development há um narrador em terceira pessoa que opina e faz

comentários sobre os desdobramentos da história, ou seja, ele não é visto na tela e

funciona como um observador.

2.2.2 Personagem

O personagem é o responsável pelos rumos de uma narrativa ficcional e por

dar existência aos acontecimentos da obra. Muitos personagens são construídos de

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tal forma que podem fazer com que o público crie laços afetivos e se identifiquem com

eles através de suas características e ações.

A personagem é um ser fictício responsável pelo desempenho do enredo; em outras palavras, é quem faz a ação. Por mais real que pareça, a personagem é sempre invenção, mesmo quando se constata que determinadas personagens são baseadas em pessoas reais ou em elementos da personalidade de determinado indivíduo. (GANCHO, 2006, p. 17).

Cada personagem desempenha um papel na trama. Segundo Gancho (2006),

eles são classificados dentro de uma narrativa como:

a) protagonista: é o nome dado ao personagem principal. Pode ser o herói da

história por apresentar características superiores às de seu grupo; ou pode

ser ainda um anti-herói, por possuir atributos iguais ou inferiores às de seu

grupo, mas que por algum motivo está na posição de herói, só que sem

competência para tanto;

b) antagonista: é o personagem contrário ao protagonista, seja por sua ação

que prejudica, seja por suas características diametralmente opostas às do

protagonista. Geralmente é visto como o vilão da história. Um dos vilões

mais conhecidos da televisão de hoje é o personagem Negan (Figura 3) da

série The Walking Dead;

c) personagens secundários: são os personagens considerados menos

importantes na história, isto é, que têm uma participação menor ou menos

frequente no enredo. Eles podem desempenhar a função de ajudantes do

protagonista ou antagonista, de confidentes, enfim, de figurantes.

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Figura 3 – Negan

Fonte: AMC16

Em produções audiovisuais a escolha dos atores é realizada com extremo

cuidado e atenção, devido a sua importância para a história. Testes são realizados

com vários atores, muitas vezes para diferentes papéis, afim de observar com qual

personagem o intérprete melhor se adequa.

2.2.3 Acontecimentos

De acordo com Gancho (2006), ao conjunto dos fatos de uma história damos

o nome de enredo. Entretanto, o enredo de uma narrativa pode ser conhecido por

muitos outros nomes como fábula, intriga, ação, trama, história e acontecimentos (o

qual será utilizado neste trabalho). A autora ainda explica que os acontecimentos de

uma obra geralmente são determinados por intermédio de conflitos, sejam eles

morais, religiosos, econômicos, sociais e psicológicos.

16 Disponível em: <http://www.amc.com/shows/the-walking-dead/cast-crew/negan>. Acesso em: 20 de outubro de 2017.

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Gancho (2006) classifica a estrutura dos acontecimentos dentro de uma

narrativa em:

a) exposição (ou introdução ou apresentação): ocorre geralmente com o

começo da história, no qual são apresentados os fatos iniciais,

personagens, às vezes o tempo e espaço. Em geral, fica nítida a intenção

do enredo para o público, vinculada a motivação ou necessidade do

personagem principal;

b) complicação (ou desenvolvimento): é a parte do enredo no qual se

desenvolve e intensifica o(s) conflito(s). A complicação constitui a maior

parte da narrativa, na qual agem forças auxiliares e opositoras ao desejo

do personagem principal;

c) clímax: é o momento culminante da história, o momento de maior tensão,

no qual o conflito chega ao seu ponto crítico. O clímax é considerado o

ponto de referência para as outras partes do enredo, que se organizam em

função dele;

d) desfecho (ou desenlace ou conclusão): é a solução dos conflitos, boa ou

má, ou seja, na qual vai se concebendo um final feliz ou não. Há muitos

tipos de desfecho: surpreendente, feliz, trágico, cômico etc.

Sobre esta estrutura de acontecimentos exposta por Gancho (2006), é preciso

salientar que em séries de TV ela pode vir a ocorrer diferentemente de filmes e obras

literárias. Como um seriado costuma ser longo, dividido em episódios e temporadas,

esta estrutura pode se repetir dentro da série algumas vezes através de subtramas ou

da mudança de conflito.

Por isso determinado conflito de um personagem ou de um grupo de

personagens pode não durar toda a série e se modificar no decorrer dela. Muitas

séries de televisão, principalmente as de gênero dramático, estabelecem um tema

central diferente por temporada, fazendo com que essa estrutura narrativa apareça

em cada uma delas.

Há séries também, principalmente as comédias, animações e procedurais em

que essa estrutura se repete em cada episódio, por serem independentes um do outro

ou por apresentarem subtramas, normalmente envolvendo personagens secundários

da história. Nesse caso, vale lembrar que nem sempre tudo é resolvido em apenas

um episódio, pois ele pode vir a terminar com um cliffhanger. Por consequência disso,

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as subtramas podem ter seu desfecho adiado para o episódio seguinte ao qual foi

exposto o conflito/problema.

Nada na televisão deve ser considerado uma regra, por isso, a repetição da

estrutura narrativa é vista como normal em produções de TV, com o objetivo de

renovar a história e de não cansar e fazer o telespectador esperar por muitos episódios

(ou anos) para a conclusão de um ou mais conflitos. Afinal é preciso sempre

conquistar e manter o interesse do público para que a série gere audiência e retorno

financeiro para seus responsáveis.

2.2.4 Tempo

O tempo fictício é um elemento interno da narrativa ligada a duração dos

acontecimentos e, conforme Gancho (2006), se constitui através de vários níveis:

a) época em que a história se passa: constitui o pano de fundo para o enredo.

Fundamental destacar que a época da história dificilmente coincide com o

tempo real em que a obra foi escrita ou transmitida;

b) duração da história: muitas histórias se passam em um curto período de

tempo, já outras tem um enredo que se estende ao longo de muitos anos.

Nas séries de TV é comum haver um salto temporal que pode ser de horas

até décadas.

c) tempo cronológico: chama-se cronológico porque é mensurável em horas,

dias, meses, anos, séculos. É o tempo que transcorre na ordem natural dos

fatos no enredo, isto é, do começo para o final. Está ligado ao enredo linear,

ou seja, que não altera a ordem em que os fatos ocorreram;

d) tempo psicológico: transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou

imaginação do narrador ou dos personagens, isto é, os acontecimentos

estão fora da ordem natural.

Em Lost o tempo é utilizado como um importante e complexo componente

narrativo para a trama. A história central da série se passa nos dias atuais, mas há

episódios que possuem flashbacks17 que narram eventos passados de muitos anos.

Na quinta temporada, por exemplo, há viagens no tempo que colocam os

17 Técnica narrativa utilizada a serviço do tempo psicológico que consiste em voltar no tempo, ou seja, cena destinada a mostrar o passado de um personagem. (GANCHO, 2006).

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protagonistas em um período já antes vivido. Há também episódios com

flashforwards18 que mostram eventos futuros.

A série abusa do tempo psicológico ao longo de todas suas temporadas,

intercalando o tempo presente, com uma linha de tempo do passado e outra do futuro,

ocasionado dificuldades, alguns vezes, para que o público consiga separar e organizar

os acontecimentos em uma ordem cronológica que favoreça o seu entendimento.

2.2.5 Espaço

O lugar físico onde transcorre a ação numa narrativa é denominado de

espaço. Segundo Gancho (2006, p. 27) “o espaço tem como funções principais situar

as ações das personagens e estabelecer com eles uma interação, quer influenciando

suas atitudes, pensamentos ou emoções, quer sofrendo eventuais transformações

provocadas pelos personagens.”

O espaço pode ser determinado por um ou mais locais. Em seriados mais

complexos e com orçamento superior, normalmente há uma variedade maior de

espaços e locações.

Portanto os cinco elementos narrativos mencionados acima são a base para

se contar ou escrever uma história que consiga se sustentar e ser bem desenvolvida

e explorada por escritores e roteiristas. Inclusive quando o público consegue identificar

esses componentes, há uma chance maior da história vir a ser assimilada

corretamente.

2.3 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PERSONAGEM NA SÉRIE

Como foi dito anteriormente, os personagens são considerados peças

fundamentais para uma série de TV, afinal a história é sobre eles. Dito isto e tendo em

vista o tema deste trabalho, faz-se necessário compreender melhor o que é um

personagem e o que o caracteriza, ou seja, define sua identidade.

Pallottini (1998, p. 141) define o personagem com sendo “um ser de ficção,

humano ou antropomorfo, criado por um autor e filtrado por ele. O personagem é a

imagem de um ser, ou vários seres, que passa pelo crivo de um criador.” Segundo a

18 Técnica narrativa que antecipa um acontecimento posterior a história. (CAMPOS, 2010).

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autora um personagem é criado para cumprir na história um determinado papel,

desempenhando uma função, exercitando sua vontade, liberdade e destino.

O objetivo de um personagem na narrativa é muito particular do seu criador.

No caso das séries de TV, o personagem pode sofrer influências do telespectador,

obrigando os roteiristas a modificar ou dar outro rumo a ele, para atender a vontade

do público e garantir audiência. Para Campos (2007, p. 139) o personagem surge

quando “de nós e das pessoas à nossa volta, percebemos papeis, selecionamos

traços de perfil, evocamos e imaginamos conceitos, e criamos uma pessoa ficcional,

um personagem.”

A esse ser ficcional que Pallottini (1998) e Campos (2007) se referem, lhe é

provida uma personalidade dotada de características que irão compor a identidade de

seu personagem. Por isso mesmo que é necessário entender o conceito de

identidade, como ela é incorporada e aprimorada, além dos atributos, sejam eles

físicos ou psicológicos, que irão formá-la.

Segundo Dartigues (1997, p. 19), “a identidade narrativa implica a narração

de uma vida que indica o contexto das ações e situações a partir do qual podemos

identificar a pessoa. A pessoa é o que ela faz e o que sofreu.” Lisboa (2003) parte do

mesmo princípio que Dartigues (1997), mas acrescenta que a identidade de um

indivíduo é dotada de traços bastante particulares.

Podemos, pois, caracterizar, em primeiro lugar, a identidade pessoal como aquilo que nos faz reconhecer o indivíduo como sendo ele próprio a partir de um conjunto de traços que o individualizam, isto é, por meio de características físicas, psicológicas ou, ainda, por seu caráter, sua índole, sua disposição interior (vontade), suas virtudes, motivos, intenções e por suas ações num determinado contexto histórico-cultural. (LISBOA, 2003, p. 101).

O conceito de identidade é múltiplo e muito pouco desenvolvido e

compreendido. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2005) também discorre sobre

a questão da identidade. Apesar dele tratar do assunto com viés na realidade e no

cotidiano da sociedade, seu saber também serve para analisarmos a uma ficção

seriada. Em Lost, objeto deste estudo, os personagens desenvolvem e reforçam sua

identidade ao longo das temporadas, conforme mudam suas motivações e objetivos,

tornando aquele ser da ficção complexado e multifacetado. Por isso Bauman afirma

que:

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[...] o “pertencimento” e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a “identidade”. (BAUMAN, 2005, p. 17).

Para Jacques (2003) a identidade se refere ao conjunto de traços, de

imagens, de sentimentos que o indivíduo reconhece como parte dele próprio e que

corresponde ao conceito de si mesmo. A identidade é ainda formada pelos fatos

históricos e sociais que constituem a individualidade do sujeito, que o torna único.

Escorsin (2016) afirma que a identidade se dá através de aspectos,

características e fatos de vida que a pessoa assume pertencer a ela mesma.

A identidade é representada por tudo que o indivíduo reconhece sobre ele mesmo: seu próprio nome, sua idade, onde e com quem mora, os papeis que desempenha no meio em que vive, como o de pai ou mãe, filho(a), marido, esposa, profissional. Identidade é o que diferencia como um indivíduo de outros indivíduos. (ESCORSIN, 2016, p. 76).

O indivíduo forma sua identidade com fatos que disfarça e que revela. E este

aspecto será imprescindível para se analisar em Lost, pois a maioria dos personagens

são responsáveis por grandes reviravoltas na história, ocorridos principalmente pelas

informações que ocultam e revelam.

A identidade adquire diferentes aspectos de acordo com cada momento. É possível ter uma visão equivocada a respeito da identidade de alguém ou da própria identidade, como no caso de uma pessoa que sempre viveu como filho ou filha de determinados pais e descobre que foi adotado ou que o pai é outra pessoa. Fatos dessa natureza fazem com que o indivíduo tenha de repensar sua própria identidade. (ESCORSIN, 2016, p. 77).

Para Erikson (1972), construir uma identidade implica em definir quem a

pessoa é, quais são seus valores e quais as direções que deseja seguir pela vida. O

autor entende que identidade é uma concepção de si mesmo, composta de valores,

crenças e metas com os quais o indivíduo deve estar solidamente comprometido.

O conceito de identidade é um dos mais abrangentes da psicologia,

correspondente à integração das várias características pessoais como sentimentos,

pensamentos, emoções, comportamentos, atitudes, motivações, projetos de vida,

entre tantos outros. Inclusive é por intermédio dessas características pessoais que as

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principais séries dramáticas de sucesso dos últimos anos e da atualidade tem focado

para o desenvolvimento e aprofundamento de seus personagens.

Hoje, estão cada vez mais comuns as séries que permitem um efetivo desenvolvimento de personagens em passos pequenos e como parte de um quadro maior, de forma que o espectador possa acompanhar sem choques. [...] em dado momento, o personagem vai acabar dizendo algo que não seria característico dele em outro ponto da narrativa. Ele muda aos poucos, amadurece, descobre coisas novas sobre si mesmo. (SEABRA, 2016, p. 35).

Entretanto, Seabra (2016) observa que o desenvolvimento de personagens

que resultam de mudanças na sua personalidade e caráter, deve ter coerência com o

que já conhecemos do personagem e serem suficientemente justificadas.

[...] a forma como os personagens lidam com seu cotidiano às vezes extravagante deve ser sempre condizente com aquilo que se conhece de sua personalidade já consolidada, e essa consistência dos personagens – se não do nível ou teor das histórias – é que deve ser uma marca de todo bom roteirista. (SEABRA, 2016, p. 34).

Conforme Gerbase (2014), o desenvolvimento de personagens normalmente

ocorre em séries de longa duração, porque o aprofundamento de um indivíduo

ficcional exige tempo para ocorrer de forma coerente e gradativa.

Alguns seriados contemporâneos, especialmente os que atingem um número considerável de temporadas, também trabalham com essa relação entre o tempo ficcional e o real. Personagens podem, ao longo dos anos/temporadas, adquirir características inexistentes no começo, ou até sofrer transformações em seu caráter. (GERBASE, 2014, p. 47).

A exemplo disso, o autor cita a série Mad Men. Peggy Olsen (Figura 3), é

apresentada nos primeiros episódios de Mad Men como sendo uma secretária

ingênua e indefesa. Porém a partir da quinta temporada (cinco anos depois), Peggy é

uma publicitária de sucesso, independente e com ideias feministas.

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Figura 4 – Peggy Olsen em Mad Men

Fonte: iNews19

Segundo Pallottini (1998) essas mudanças comumente sofridas pelos

personagens em novelas e seriados são vistas como algo natural, afinal na vida real

as pessoas também podem vir a ficar instáveis e variar de comportamento. “O

personagem não é um ser imutável, como não o são as pessoas reais. Ao longo da

vida, as pessoas mudam, enriquecem, acrescentam-se com as experiências,

amadurecem, melhoram; ou tornam-se margas, desiludidas, endurecidas”.

(PALLOTTINI, 1998, p. 160). A autora ainda acrescenta:

[...] o personagem é um composto mutável com características fundamentais, tenham elas o nome que quisermos dar, e com traços cambiantes, que mudam por influência de circunstâncias externas: fatos da vida, êxitos e fracassos, paixões, emoções e, naturalmente, condições sociais e econômicas. (PALLOTTINI, 1998, p. 161).

19 Disponível em: <https://inews.co.uk/wp-content/uploads/2017/07/peggy-mad-men-s1.jpg>. Acesso em: 21 de outubro de 2017.

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As origens dessas mudanças na identidade de um personagem acontecem

por causa de um conflito interno ao qual ele se depara. Seabra (2016) afirma que o

conflito interno dos personagens de uma série é o que faz a obra existir. “Qualquer

série ficcional é elaborada essencialmente em cima de conflitos que envolvem os

personagens principais. Se não houver conflito, aqueles personagens não tem como

se revelar e não há necessidade de série”. (SEABRA, 2016, p. 35). Pallottini (1998)

define que:

Chama-se conflito interno a contraposição de duas forças, interiorizadas, ambas potentes, significativas, que se enfrentam num mesmo personagem. São os desejos conflitivos de vida e morte, os impulsos contraditórios de destruir ou construir, de amar ou renunciar, de escolher este ou aquele caminho. (PALLOTTINI, 1998, p. 163).

A autora também expõe de que maneiras é possível perceber uma possível

mudança de comportamento do personagem:

Por meio dos diálogos, de recursos visuais, de gestos, atitudes, da ação propriamente dita, enfim, de qualquer maneira apreensível pelo espectador, que, assim, tomará ciência de que aquele é um caráter dividido, portanto, passível de sofrer uma eventual e gradual modificação. (PALLOTTINI, 1998, p. 164).

De acordo ainda com a autora, um personagem é formando por diversos

aspectos já pertencentes ao roteiro, inclusive pelas técnicas de filmagem utilizadas

pelo diretor que podem vir a se tornar particulares do protagonista dentro da produção.

[...] ele [o personagem] é descrito, caracterizado e construído desde suas ações e falas, já constantes do texto, bem como o são os demais personagens que com ele contracenam – e que compõem uma constelação -, inclusive por meio dos recursos inerentes ao gênero televisivo: o enquadramento, o ângulo de tomada, a frequência de aparição, a cor escolhida para identificá-lo, a música, o som que lhe é exclusivo. (PALLOTTINI, 1998, p. 147-148).

Importante destacar que a música é um eficaz elemento para a identificação

de um personagem na percepção do público. Tanto no cinema como na televisão é

comum a utilização de músicas temas, ou seja, de canções principais que remetem a

um personagem ou contexto específicos. A própria letra, ritmo e melodia de uma

música podem servir de apoio para mostrar ou reforçar o perfil e as características de

um personagem. O tema musical pode ser apenas instrumental ou acompanhado de

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letras, assim como vir a ser adaptado de uma canção já existente ou vir de uma

composição original como será discutido no capítulo seguinte.

No tocante ao som, é notório o uso de música característica de cada um dos personagens, ou par de personagens, em telenovela [e série de TV]. Essa marca, proveniente do melodrama teatral, da ópera, mesmo, nos dá, mais uma vez, prova das origens do gênero. No melodrama, melodias identificam personagens e situações, e são retomadas sob várias formas, servindo como preparação e caracterização de acontecimentos e pessoas. (PALLOTTINI, 1998, p. 148).

Portanto, a construção e caracterização de um personagem passa

diretamente pelo crivo do seu criador e roteirista. Guia o espectador a desenvolver

uma impressão e opinião sobre o ser ficcional, que poderá vir a apresentar mudanças

no decorrer da narrativa, devido a forma com que ele lidará com seus conflitos

internos, motivações e objetivos presentes e futuros.

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3 TRILHA SONORA NO AUDIOVISUAL

O cinema, a televisão e qualquer produção audiovisual costumam se utilizar

de um elemento muito importante, mas que acaba, muitas vezes, passando

despercebido pelo público: a trilha sonora. Berchmans (2006, p. 19) indica o real

significado deste elemento/termo:

Trilha sonora vem do original inglês soundtrack que, na verdade, tecnicamente representa todo o conjunto sonoro de um filme, incluindo além da música, os efeitos sonoros e os diálogos. Frequentemente, usa-se o termo para descrever a coletânea de canções que tocam em um filme (ou em novelas, seriados, documentários etc.). Ou ainda falamos de trilha sonora quando nos referimos à parte musical instrumental que acompanha o filme, seja ela composta exclusivamente para este fim ou não.

Barnwell (2013) nos lembra que no início do cinema, os filmes eram mudos e

exibidos acompanhados de um pianista que tocava ao vivo, criando uma atmosfera e

incrementando os elementos narrativos, sendo considerado como uma espécie de

“primo pobre” da imagem em uma produção cinematográfica

Hoje, o som inclui os diálogos, o som de fundo (background), a narração, os efeitos sonoros e a música. Todos esses elementos contribuem com a história, as personagens e o estilo do filme, e ajudam a envolver o público na experiência. (BARNWELL, 2013, p. 155).

Apesar de ser um elemento composto por uma variedade de sons, o público

tende a relacionar e lembrar da trilha sonora apenas como parte do repertório de

gravação de uma banda ou artista comercial, de uma biblioteca de áudio de domínio

público ou mesmo de canções compostas exclusivamente para determinada produção

audiovisual. É por isso mesmo que a trilha sonora costuma ser explorada para fins

promocionais e de marketing.

Berchmans (2006, p. 19) esclarece sobre a música composta exclusivamente

para filmes, dizendo que “o termo que melhor representa a música especialmente

composta para determinado filme é música original do filme, ou no inglês, o score. A

tradução literal de score é partitura.”

Alguns autores da língua portuguesa usam o termo partitura quando se referem ao score. Porém, como ainda em nossos dicionários a partitura musical não tem nada a ver com o sentido cinematográfico, prefiro usar o

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termo música original ou o termo score para descrever a música exclusivamente composta para os filmes. (BERCHMANS, 2006, p. 19-20).

Breslin (2009, p. 148) é outro autor que usa o termo score para indicar a

composição de uma música especificamente para determinados elementos visuais de

um filme ou seriado. “Ocasionalmente, a música vem primeiro e os elementos visuais

são criados para ilustrá-la ou complementá-la, tal como um vídeo musical ou a

montagem dos melhores momentos olímpicos.”

A grande maioria de autores que discorrem sobre a música no cinema e

televisão acabam por direta ou indiretamente estabelecer seu significado juntamente

com a sua função de servir a algum propósito estabelecido pelo filme ou série de

televisão. Como o próprio Berchmans (2006, p. 20) afirma:

A função da música no cinema é de que, de uma maneira ou de outra, ela existe para “tocar” as pessoas. “Tocar” pode ser emocionar, arrancar lágrimas, causar tensão, desconforto, incomodar, narrar um acontecimento, uma morte, uma perseguição, uma piada, um diálogo, um alívio, uma festa, descrever um movimento, criar um clima, acelerar uma situação, acalmá-la, enfim, de um jeito ou de outro, a boa composição não existe em vão. Ela está lá por algum motivo, e ainda que não a ouçamos, podemos senti-la.

Segundo de Sá e Costa (2012), há um determinado consenso quanto a

principal função da música no cinema:

No que tange à música no cinema, há uma espécie de consenso de que uma das suas principais funções, desde o período silencioso, é evocar, sublinhar e suscitar emoções no espectador. Seja via música originalmente composta para um filme ou na utilização de um repertório preexistente, esteja ela na diegese (como execução musical filmada e/ou execução musical encenada). Ou como música de fundo, sempre é possível, se for o objetivo, lidar com uma espécie de conteúdo emocional. (DE SÁ; DA COSTA, 2012, p. 52).

O som faz parte, sem dúvida, da essência do cinema. A música do filme ou

da série de televisão acaba por se tornar um aspecto importante e relevante, porque

ela normalmente dita como o público deve se sentir perante determinada cena.

A música é, portanto, um elemento particularmente específico da arte do filme, e não é de surpreender que desempenhe um papel tão importante e às vezes pernicioso: “Em certos casos, a significação ‘literal’ das imagens resulta ser extremamente tênue. A sensação torna-se ‘musical’; a tal ponto que, quando a música a acompanha de fato, a imagem obtém da música o melhor de sua expressão ou, mais precisamente, de sua sugestão. Quando isso acontece, a imaginação predomina e, do ponto de vista da língua, o signo se perde. (MARTIN, 2009, p. 121).

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Para Breslin (2009) a música usada como parte do projeto de som acaba

muitas vezes passando despercebida pelos nossos ouvidos, pois é uma parte comum

e aceita da narração da mídia. É através dela que se estabelece o tom, provocando

mudanças no clima e atmosfera do filme, podendo ainda criar suspense e nos mostrar

quando a história vai terminar.

3.1 O CONJUNTO SONORO

No capítulo anterior foi visto que uma trilha sonora é composta de diferentes

sons e não apenas da música. Neste capítulo serão apresentados e definidos os

aspectos que compõem uma trilha sonora, como efeitos sonoros, música ambiente,

diálogo, narração, silêncio e música incidental (ver subcapítulo 3.2).

3.1.1 Sound Design e efeitos sonoros

O sound design é um componente que integra a trilha sonora. Berchmans

(2006) explica sobre da seguinte forma:

Conceitualmente, sound design (ou desenho de som, como em português pode-se chamar) é a criação, manipulação e organização de elementos sonoros. É o processo que reproduz o rugir de um tiranossauro rex, ou o som de uma arma-laser, o tiroteio de uma sangrenta batalha, ou ainda, a voz de um computador futurista. (BERCHMANS, 2006, p. 162).

O sound design trata-se de um trabalho minucioso e realizado por algumas

técnicas pelos desenhistas sonoros.

Uma das mais básicas e fundamentais no cinema moderno é o foley. Jack Foley era um editor de som da Universal Studios que foi precursor na arte de regravar o som de passos, gestos, e atitudes das pessoas em cena que, muitas vezes, tinha baixa qualidade de áudio. Daí nasceu o foley, que é a técnica de se reproduzir em estúdio todo o som gerado pela atividade física dos personagens, por meio da “mímica” de seus movimentos. (BERCHMANS, 2006, p. 162).

Os efeitos sonoros também são essenciais em qualquer filme ou seriado, pois

são eles que darão som a pequenos detalhes da cena, tornando o que é visto na tela

ainda mais realístico e natural.

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Os efeitos sonoros são sons extras que podem vir de coisas vistas na tela ou ser misturados na trilha sonora. Os efeitos sonoros podem substituir o som verdadeiro gravado para um evento na tela para aumentar a ênfase dramática. Os sons de fontes invisíveis podem ser inseridos para incrementar a atmosfera ou clima da cena retratada na tela. Os efeitos sonoros podem ser cantos de pássaros, ondas quebrando, passos, tiros, tinido de vidro ou gritos de multidão. (BRESLIN, 2009, p. 151).

Berchmans (2006, p. 162) disserta que os efeitos sonoros ou Sound Effects

(SFX) são outra faceta do sound design. Para ele “os sons criados com o objetivo de

destacar movimentos e ações, facilitar o entendimento de uma cena, valorizar

sensações ou simplesmente enriquecer a linguagem visual de um filme são

atribuições dos técnicos de SFX.”

Star Trek: Discovery é um bom exemplo de série de TV que trabalha bastante

com o sound design e efeitos sonoros, pois a história se passa no espaço em viagens

de nave estelar, explorando novos planetas e civilizações. Com isso, há uma gama

de sons que precisam ser criados e reproduzidos, com objetivo de sustentar e tornar

ainda mais realístico aquele espaço ficcional e as ações dos personagens.

3.1.2 Som ambiente

Mais um elemento essencial da trilha sonora é o de background, utilizado para

tornar o ambiente da cena o mais realístico possível.

Há ainda o trabalho de ambiência (background), que dita o “clima” da cena. São sons constantes e assíncronos, como o som do interior de um shopping, uma esquina movimentada, uma plantação num dia de muito vento, uma praia, um escritório, o interior de uma nave espacial, enfim, como o próprio nome diz, é a parte do áudio do filme que “ambienta” a ação. (BERCHMANS, 2006, p. 163).

De acordo com Breslin (2009) o som ambiente faz parte do som gravado no

local, ou seja, a ambiência é o som do espaço onde a história ocorre.

Existe ainda a música diegética, aquela na qual faz parte do local a onde o

personagem encontra-se e que ele mesmo pode ouvi-la e identificá-la.

Outro elemento sonoro pouco lembrado é a música ambiente ou música diegética, ou ainda no original inglês, source music. É o elemento musical que faz parte do contexto da cena, ou ainda numa definição mais acadêmica, é toda a música cuja origem pode ser identificada por personagens do filme. Uma música que toca no rádio, uma banda tocando numa cena de show, a

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música tocando num televisor presente na cena, o muzak do elevador etc. (BERCHMANS, 2006, p. 165).

Barnwell (2013) diz que o som de um filme ou série de TV geralmente é

definido como diegético ou não diegético. Segundo ele, a palavra “diegese” significa

o mundo narrativo do filme.

O som diegético é captado durante o processo de produção e se origina dos objetos ou das pessoas dentro do mundo do filme. Isso inclui sons que existem no mundo interior das personagens, como os pensamentos. O som não diegético vem de fora do mundo do filme, como a trilha sonora musical, e é captado durante a fase de pós-produção. (BARNWELL, 2013, p. 155).

Em Lost no episódio ...In Translation o personagem Hurley está na beira da

praia ouvindo a música Delicate de Damien Rice em um CD player até que as pilhas

acabam e a música é, consequentemente, interrompida. A esta música que o

personagem escuta e identifica, chama-se som diegético.

Exemplo de som não diegético se pode trazer da própria Lost, quando em

várias cenas os personagens estão andando pela ilha e toca a música “Hollywood and

Vines” composta por Michael Giacchino. Os personagens não podem ouvir essa

música, e ela é inserida para dar uma profundidade maior para a cena.

3.1.3 Diálogo e narração

O diálogo entre personagens e a narração são dois elementos de extrema

importância dentro de uma obra audiovisual e são considerados parte de uma trilha

sonora.

Breslin (2009, p. 150) descreve alguns aspectos do som, explicando de forma

técnica o que é um diálogo: “O diálogo é a parte integrante da maioria das peças de

ficção da mídia. As conversas entre os personagens compõem grande parte de muitos

filmes e são ainda mais centrais na novela televisiva e comédia.”

Outro elemento sonoro muito utilizado é a narração, a qual já foi brevemente

discutida no capítulo anterior. Apesar de ser semelhante ao diálogo, se diferencia

deste, ao passo que o narrador fala diretamente para a audiência e não para outra

pessoa na tela.

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Um narrador pode aparecer na câmera ou apenas na trilha sonora. A narração que é apenas ouvida se chama locução. A locução pode ser escrita e falada na terceira pessoa por uma voz não-identificada, geralmente aceita como um especialista. (BRESLIN, 2009, p. 150-151).

A esta narração que é apenas ouvida pode-se dar como exemplo o filme

Lemony Snicket's A Series of Unfortunate Events20 (2004), no qual um narrador conta

sobre o destino das crianças protagonistas, depois que elas se mudam para o casarão

do Conde Olaf, que as obriga a fazer serviços domésticos.

A locução também pode ser na primeira pessoa, a voz do criador ou de um participante da história, identificado explícita ou implicitamente. O narrador poderia se apresentar ou a sua identidade poderia se tornar clara através do que ele diz ou através do reconhecimento da voz. (BRESLIN, 2009, p. 150-151).

Já na locução em primeira pessoa, como exemplo pode-se trazer o clássico

filme, Taxi Driver21 de 1976, dirigido por Martin Scorsese. No filme o protagonista

Travis Bickle, motorista de um táxi, é utilizado como narrador-personagem. Ao passo

que sente-se como se ele estivesse falando com o telespectador, ele participa da

história também, dialogando com os outros personagens.

3.1.4 Silêncio

A ausência de som – o silêncio, também é um elemento que compõem a trilha

sonora. Isso é explicado porque o silêncio em uma narrativa audiovisual pode produzir

um efeito para auxiliar na formação da atmosfera desejada para a cena.

Sem dúvida, o silêncio – presente ou não – ajuda-nos a revelar o “teor” da cena que se desenvolve. Num primeiro momento vem à mente ideias como tensão, vazio, solidão ou mesmo paz. Seu valor dramático é grande se bem usado em relação à imagem e à montagem. (MANZANO, 2003, p. 116).

O uso do silêncio pode funcionar em favor do personagem também, revelando

seu estado interior e emoções vividas por ele. Conforme Costa (2011), cenas em que

a ação do personagem normalmente seria acompanhada de uma música ou de outros

20 O filme é uma adaptação dos três primeiros livros de uma série de treze, escritos por Lemony Snicket e traduzidos no Brasil para “Desventuras em Série”.

21 No Brasil traduzido para “Motorista de Taxi”.

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tipos som, quando são introduzidas pelo silêncio chamam a atenção do espectador

exatamente para a importância de tais ações. O momento no qual se decide quebrar

com a sonorização se transforma em um instante crucial para o personagem ou para

o público.

3.2 MÚSICA INCIDENTAL

A música incidental22 é a música instrumental composta por um músico ou

maestro, especialmente para determinada peça teatral, programa de televisão,

novela, comercial, rádio, jogo de videogame e cinema. Ela é ainda mais funcional em

séries de TV e filmes, porque ela auxilia na narrativa, na construção de seus

personagens e em seus elementos dramáticos. “...incidental porque são aquelas

[músicas] que fazem os climas, o suspense, uma brincadeira, uma frase qualquer que

enaltece ou valoriza algum momento.” (RIGHINI, 2004, p. 98).

O processo de criação da música incidental normalmente ocorre quando o

produtor, o diretor e o editor musical de um filme se encontram com um compositor e

maestro para discutirem e decidirem em que partes do filme a música será inserida.

Muitos produtores e diretores dão liberdade para o compositor definir quais cenas ele

acredita que a entrada da música pode ser adequada, para então definir quais

instrumentos deve utilizar para criar o tipo de som que irá caracterizar os diferentes

estágios e climas do filme.

A música faz parte do filme ao ponto de, muitas vezes, se mesclar perfeitamente às imagens sem chamar atenção para si. Pode ser evocativa e emotiva, adicionando nuance e alterando a percepção ao mesmo tempo. Usando ritmo e tempo, melodia ou tons dissonantes, a música transmite clima e emoção, realçando as personagens e a história. (BARNWELL, 2013, p. 164)

Righini (2004) fala sobre as variações e a função da música incidental:

As variações, geralmente, têm estilo e duração diferentes (romântico, tenso, alegre, triste etc.); são criadas com base nos temas de canções (tema dos personagens principais) e sua função é como o próprio nome diz, variar a forma do personagem e dar subsídio ou opções de uso para o sonoplasta, objetivando, entre outras coisas, não cansar o telespectador. (RIGHINI, 2004, p. 207).

22 Alguns autores, como Berchmans (2006), utilizam “música original do filme” ou “score” para falar sobre a música incidental.

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A composição de música incidental é uma área especializada que tem

prosperado não apenas no cinema, mas como também em seriados, games, entre

outros produtos audiovisuais. Exemplo de compositores popularmente conhecidos da

atualidade incluem Ennio Morricone, Danny Elfman, Michael Giacchino, Hans Zimmer,

John Williams (Figura 5) e Ramin Djawadi.

Figura 5 - John Williams

Fonte: HPO23

Considerada por muitos autores e críticos pouco reconhecida e elogiada, a

trilha conduz e dá novos significados à história. A música incidental dá o tom, o clima

do filme, seja qual for, ação, terror, suspense, comédia, romance, etc.

A música incidental deve ter uma série de funções, mas a que mais me interessa é a de identificadora das personagens, ou caracterizadora de certos momentos da história. Isso acontece também no cinema, em qualquer outro tipo de comunicação, mas, às vezes, por um tom, um som, uma melodia que você começa a escutar. Se você já é treinada na busca das razões dramatúrgicas de alguma coisa, você diz: “Ih, vai morrer alguém... Ih, alguém está...” Drama... romance... amor... quer dizer, você já consegue identificar os momentos, o tom da cena, que se seguirá; quase até o conteúdo da cena que vai vir pela melodia, pela música, pelo tema que é introduzido. [...] mas a função que mais me interessa na música é a dramaturgia, quer dizer, a função de ajudar a entender o personagem, a entender o desenrolar da história marcando, dando uma identidade aos momentos culminantes da história. (RIGHINI, 2004, p. 119-120).

23 Disponível em: <http://hpo.org/john-williams-a-composer-on-stage-and-on-screen/>. Acesso em: 15 de setembro de 2017.

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O autor enfatiza que o papel da trilha incidental é indiscutível, afinal é ela que

preenche os espaços vazios e colabora em fazer conectar o psicológico do espectador

com o que está vendo na tela.

Uma das técnicas mais interessantes da música incidental é o chamado

leitmotif. O termo é utilizado “para descrever um tema recorrente através da

composição que é associado a uma personagem, ideia ou situação específica.”

(BARNWELL, 2013, p. 164). Um exemplo clássico da utilização dessa técnica

aconteceu no filme Jaws (Tubarão) de 1975 pelo compositor John Willians, o qual

criou um tema de duas notas que se ouve toda vez que o tubarão do filme se aproxima.

Já nas séries de televisão, um leitmofit muito famoso é o criado por Michael Giacchino

em Lost, através de um instrumento de sopro chamado fliscorne (trombone também)

que cria um forte e perturbador som ao final de cenas com acontecimentos misteriosos

e de suspense.

3.3 A IMAGEM E O SOM COMO ELEMENTOS CORRELACIONADOS

No cinema ou na televisão, há dois elementos essenciais e que se destacam

– são eles a imagem e o som. Ambos possuem a potencialidade de despertar a

atenção do telespectador e quando funcionam juntos estando correlacionados sua

eficácia na transmissão da mensagem é ainda mais assertiva.

Martin (1990, p. 28) afirma que “a imagem reproduz o real, para em seguida,

em segundo grau e eventualmente, afetar nossos sentimentos e, por fim, em terceiro

grau e sempre facultativamente, adquirir uma significação ideológica e moral.”

A imagem é considerada o componente básico da linguagem cinematográfica,

ou mesmo, de uma produção audiovisual. Afinal, “as imagens mexem com nossos

sentidos e emoções. Vendo uma imagem, podemos sentir fome ou pena. Podemos rir

ou chorar. Podemos amar ou odiar. Realidade e ficção se misturam numa simbiose

de imagens.” (ALVES; FONTOURA; ANTONIUTTI, 2012, p. 152).

No cinema, a imagem gigantesca nos transporta para dentro da tela, fazendo-nos participar do filme. Em frente à televisão, diante da variedade de opções, acabamos escolhendo aquela imagem que, em fração de segundos, capturou a nossa atenção. (ALVES; FONTOURA; ANTONIUTTI, 2012, p. 151).

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Segundo Martin (1990) a imagem fílmica provoca no espectador um

sentimento de realidade muito intenso, pois em muitos casos ela é utilizada para

induzir à crença na existência objetiva do que é observado na tela.

A imagem fílmica, portanto, é antes de tudo realista, ou melhor dizendo, dotada de todas as aparências (ou quase todas) da realidade. Em primeiro lugar, naturalmente, o movimento, que outrora suscitou o espanto admirativo dos primeiros espectadores, perturbados ao ver as folhas das árvores palpitando sob a brisa ou um trem em sua direção: sob esse aspecto, o movimento é certamente o caráter mais específico e mais importante da imagem fílmica. (MARTIN, 1990, p. 22).

De acordo com o autor, a música, por sua vez, exerce uma função sensorial

e lírica, reforçando assim a capacidade de penetração da imagem. Ele não somente

destaca a importância da imagem, como também analisa a influência e consequência

do som para a imagem:

O som é também um elemento decisivo da imagem pela dimensão que lhe acrescenta, ao restituir o ambiente dos seres e das coisas que percebemos na vida real: nosso campo auditivo, com efeito, engloba a todo momento a totalidade do espaço ambiental, enquanto nosso olhar não consegue cobrir mais de sessenta graus de uma só vez, sendo que apenas trinta de maneira atenta. (MARTIN, 1990, p. 22).

Portanto para Martin (1990) o ambiente sonoro é o responsável por

estabelecer a uma imagem seu verdadeiro valor realista. Até porque a música,

comumente, é composta e gravada após a edição do filme ou série de TV, reforçando

a ideia de ser um elemento criado em função da imagem. O autor ainda justifica essa

relação da imagem com o ambiente sonoro, explicando as contribuições do som para

o cinema:

O realismo ou, melhor dizendo, a impressão de realidade: o som aumenta o coeficiente de autenticidade da imagem; credibilidade – não apenas material, mas estética – da imagem é literalmente multiplicada por dez. A continuidade sonora: enquanto a imagem de um filme é uma sequência de fragmentos, a trilha sonora restabelece de certo modo a continuidade, tanto ao nível da simples percepção quanto ao da sensação estética; a trilha sonora é efetivamente, por natureza e necessidade, bem menos fragmentada que a imagem: em geral é relativamente independente da montagem visual e muito mais de acordo com o “realismo” no que concerne ao ambiente sonoro; de resto, o papel da música é primordial como fator de continuidade sonora ao mesmo tempo material e dramática. O silêncio é promovido como valor positivo, e sabemos o papel dramático que ele pode desempenhar como símbolo de morte, ausência, perigo, angústia ou solidão. (MARTIN, 1990, p. 114).

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De acordo com Barnwell (2013), a edição de uma produção audiovisual é de

primordial importância, pois a sincronia entre o som e imagem proporciona uma

experiência mais próxima do real possível para os espectadores.

A edição do som pode ser feita antes ou depois da edição da imagem para passar sentimentos como tensão ou emoção. Essa edição pode ser eficiente quando é feita alguns frames antes da imagem, pois ajuda a criar interesse e antecipação por parte do público. (BARNWELL, 2013, p. 176).

Para Betton (1987) o ambiente sonoro de um filme tem como objetivo facilitar

o entendimento acerca da narrativa e aumentar sua força de expressão e

comunicação. O som é responsável por criar atmosferas, completando e corroborando

a imagem, de preencher lacunas no enredo, ou dar ênfase a alguma cena ou ação

específica, ou ainda caracterizar determinado personagem.

A trilha sonora musical também pode ser utilizada como uma forma de

narrativa. Como Oliveira (2011, p. 02) diz: “a música pode ser utilizada como elemento

fundamental para a própria narrativa fílmica, na caracterização de personagens, no

desempenho de determinadas ações ou na composição de climas.”

Por isso quando imagem e som funcionam em prol um do outro, a mensagem

e/ou sentimento que se deseja transmitir ocorre eficazmente, não havendo uma

discrepância de significações para cada um desses dois elementos da narrativa

audiovisual, se assim for o desejo do seu realizador.

3.4 A ESTIMULAÇÃO DE EMOÇÕES ATRAVÉS DA MÚSICA

Como já foi mencionando anteriormente neste capítulo, a música pode

estimular e reforçar sentimentos e sensações do ouvinte. Tendo em vista essa ideia,

a composição de uma trilha sonora original ou mesmo da seleção de uma coletânea

de músicas deve ser realizada com cuidado e atenção para não comprometer a

produção audiovisual.

A trilha exerce um papel fundamental em um filme, vídeo, novela, entre outros produtos audiovisuais. Ela complementa e reforça a emoção que se pretende passar em uma cena. Sons graves e longos produzidos por violoncelos, por exemplo, podem criar o efeito de tensão necessário a determinada cena. Já melodias alegres executadas por violinos são mais adequadas a imagens de crianças brincando descontraidamente numa praça. Os sentimentos de tristeza, alegria, raiva, melancolia, indiferença ou ações como pular, correr,

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sonhar, dormir etc. podem ser reforçados pela trilha. Embora algumas pessoas não se deem conta desse fato enquanto estão vendo um filme, basta excluir a trilha para que percebam a diferença que ela faz. (ALVES; FONTOURA; ANTONIUTTI, 2012, p. 252).

Berchmans (2006) escreve sobre o papel psicológico da música e suas

contribuições para um filme, novela ou série de TV:

A música pode criar um clima psicológico para determinadas cenas, revelar alguma tensão que não está explícita na imagem, prenunciar algo que pode reverter a expectativa do espectador, ou ainda “enganar” a audiência, fazendo o público acreditar que vai acontecer algo que no fim não acontece, e vice-versa. A música tem o misterioso poder de provocar sentimentos de tensão, medo, alegria, tristeza, angústia, alívio, horror, compaixão etc. Este papel psicológico da música é uma poderosa ferramenta dramática, largamente utilizada por compositores que buscam despertar as mais variadas sensações no público. (BERCHMANS, 2006, p. 26).

A música isoladamente já apresenta um enorme potencial de comunicação e

quando ela auxilia uma obra audiovisual, torna-se ainda mais eficaz na transmissão

de uma mensagem. Como Berchmans (2006, p. 26) diz “ela deve auxiliar a narrativa,

seus personagens, seu ritmo, suas texturas, sua linguagem, seus requisitos

dramáticos. Música é um rápido modo de atingir as pessoas emocionalmente”.

De acordo ainda com o autor, uma das mais importantes funções da música

é justamente a de suscitar emoções mais intensas no espectador, através de

determinadas situações dramáticas da cena.

Outra função da música seria a de realçar momentos de ação, como perseguições, lutas, combates, movimentos rápidos etc. Nestas situações, a música com o tempo acelerado pode intensificar a sensação dramática da cena. (...) Mas ela também pode desempenhar uma função mais sutil quando busca descrever o estado emocional do filme e dos personagens. Nestes casos, a música pode criar um clima psicológico para determinadas cenas, revelar alguma tensão que não está explícita na imagem, prenunciar algo que pode reverter a expectativa do espectador, ou ainda “enganar” a audiência, fazendo o público acreditar que vai acontecer algo que no fim não acontece, e vice-versa. (BERCHMANS, 2006, p. 25).

Seguindo a mesma linha de raciocínio de Berchmans, o maestro brasileiro

Júlio Medaglia também acredita na força dramática e no papel psicológico que a

música exerce no telespectador:

Você pode inclusive levar o público a pensar, a entender diferente coisa. Você pode enganar o público até o último momento. Você pode manipular o

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espectador através da música e, quando isso acontece, a cena ganha muito mais força dramática. (MEDAGLIA, 2000, apud RIGHINI, 2004, p. 153)24.

Portanto a música pode provocar um misto de emoções e sensações, sendo

assim uma ferramenta dramática e de efeito psicológico a serviço de seus

compositores e de produções cinematográficas e de televisão. Em resumo podemos

utilizar a frase de Berchmans (2006, p. 26) para definir o potencial de canções dentro

de uma obra audiovisual: “A música tem a força de ‘manipular’ a resposta emocional

do público”.

Exemplo dessa manipulação que a música pode causar vem da publicidade

na televisão. Muitos anunciantes apresentam comerciais de final de ano, por exemplo,

com músicas que estimulam a paz, alegria, felicidade, amor, prosperidade, entre

outros sentimentos e sensações boas. A Coca-Cola e os hipermercados Zaffari são

bastante ativos nesse tipo de publicidade, procurando transmitir valores ao público

com o apoio da imagem e da música, atraindo assim mais consumidores e gerando

mais vendas e simpatia pela marca.

24 Em entrevista concedida para Rafael Roso Righini em São Paulo no dia 7 de agosto de 2000.

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4 A RELAÇÃO DA TRILHA SONORA COM A NARRATIVA DE LOST

Este capítulo tem como objetivo inicial fazer o levantamento e apresentar

informações referentes a série de televisão Lost, indicando aspectos sobre sua

origem, produção, narrativa, episódios, personagens e composição musical.

O fornecimento de maiores detalhes sobre Lost capacitará um entendimento

mais avançado com relação a obra, tornando mais clara a conexão com a análise

sobre como a participação da trilha sonora na narrativa da série, evidencia

características da identidade dos personagens da produção.

4.1 A FICÇÃO SERIADA LOST

Lost25 foi uma série de televisão dramática, com elementos de ficção científica

e aventura, transmitida pela American Broadcasting Company (ABC) nos Estados

Unidos. O primeiro episódio, dividido em duas partes, chamado Pilot, foi exibido no

dia 22 de setembro de 2004. Entretanto, o primeiro episódio da série foi apresentado

na feira Comic-Con International26, ainda em julho de 2004, em San Diego nos

Estados Unidos. O piloto obteve ótima receptividade e conquistou de imediato o

público.

O seriado acompanha a vida de sobreviventes de um acidente aéreo em uma

misteriosa ilha tropical, depois que o voo 815 da companhia aérea Oceanic Airlines,

saído de Sydney na Austrália para Los Angeles nos Estados Unidos, cai em algum

lugar do Pacífico Sul.

Cada episódio mostra os acontecimentos na ilha, além de uma história

secundária sobre a vida em particular, através de flashbacks, de cada um dos

personagens principais. Ao longo das temporadas, acompanha-se os personagens

buscando sobreviver naquela ilha, tentando serem resgatados e/ou fugindo de seus

perigos, sendo surpreendidos por mistérios que o local possui.

25 “Perdidos” em tradução literal para o português brasileiro.

26 A Comic- Con International é evento que reúne grandes nomes da indústria de entretenimento, entre artistas, produtores e empresas do segmento. Fonte: <https://contato.ccxp.com.br/hc/pt-br/articles/202215484-O-que-%C3%A9-uma-Comic-Con->. Acesso em: 5 de setembro de 2017.

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Lost foi criada por J.J. Abrams, Damon Lindelof e Jeffrey Lieber, sendo

filmada, primariamente, em uma locação em Oahu no Havaí. Pelo seu grande elenco

e o custo de se filmar no Havaí, a série foi uma das mais caras da televisão. O seriado

na época era o que tinha o segundo maior elenco de uma série de TV com 14

personagens principais. (PORTER; LAVERY; ROBSON, 2008). Na figura 6 é possível

observar o cartaz promocional de divulgação da estreia de Lost na televisão

americana.

A série foi reconhecida pelos críticos de televisão como um sucesso e obteve

uma média de 16 milhões de telespectadores por episódio na ABC em sua primeira

temporada e ganhou vários prêmios importantes como o Emmy de melhor série

dramática em 2005, melhor série americana pela Academia Britânica de Televisão em

2005, um Globo de Ouro por melhor drama em 2006 e melhor elenco por uma série

dramática pelo Screen Actors Guild Award.

Figura 6 – Cartaz de Lost

Fonte: Teia pop27

27 Disponível em: <https://teiapop.files.wordpress.com/2011/10/lost-season-1-poster.jpg>. Acesso em: 5 de setembro de 2017.

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Lost é creditada por ter ajudado a reavivar o canal ABC em sua criação, na

temporada 2004/2005. Antes disso, a emissora estava perdendo audiência para

outras redes de televisão devido a seus shows impopulares. Por causa de Lost e de

outros programas desta temporada, como Grey's Anatomy e Desperate Housewives,

a ABC pôde se tornar uma das emissoras mais fortes e permanece assim até hoje.

Lost é reconhecido como um programa de televisão que foi fortemente integrado com uma interação multimídia entre a série e os fãs, muitas das quais foram pioneiras na televisão. Entre estas, incluem o uso significativo da internet, incluindo o ARG (Lost Experience), podcasts oficiais, fóruns oficiais, episódios disponíveis para assistir tanto em iPods como na internet por meio do site da ABC, e uma vasta gama de sites feitos por fãs da série. Lost também é reconhecido por combinar todos estes estilos de interação para alcançar o que alguns descrevem como estado "viral". (LOSTPÉDIA, 2012, não paginado).

O programa se tornou parte da cultura popular americana, refletindo sua vasta

e devota base de fãs, com referências de sua história aparecendo em outros seriados,

comerciais, histórias em quadrinhos, revistas, vídeo games e letras de músicas. O

universo ficcional da série também foi explorado através de livros, vídeo games e os

jogos de realidade alternativa, The Lost Experience, Find 815 e The Project.

(LOSTPÉDIA, 2012).

Lost sem dúvida contribuiu e influenciou na maneira em que fãs de séries de

televisão interagem hoje sobre seus programas favoritos, principalmente em relação

a internet. É praticamente consenso entre especialistas, críticos e fãs que a série

mudou o panorama da cultura popular.

Para cada série de televisão bem sucedida, há um sem número de comunidades virtuais que agregam os fãs, de diferentes localidades e matrizes culturais, em torno da troca de informações, experiências e outras práticas participativas, como a criação de fan-art, fanfiction e fanfilm, obras pictóricas, literárias e audiovisuais feitas e divulgadas pelos fãs. Com a facilidade de acesso propiciado pelo digital, que, além disso, permite assistir aos episódios para além do fluxo televisivo, os fãs passam a demonstrar um conhecimento amplo sobre os modos de encenação, os diálogos, a caracterização dos personagens, o desenvolvimento das tramas e a montagem das cenas. (SILVA, 2014, p. 248).

No Brasil a série passou pela primeira vez no canal fechado AXN, estreando

no dia 07 de março de 2005. Já na rede aberta foi a Rede Globo que começou a

transmitir em 2006 a série no Brasil, um capítulo por dia, à noite, por volta de

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00h50min. Os episódios eram dublados e, ao longo das temporadas, sofreram várias

alterações de equipe de dublagem.

A comunidade de fãs brasileiros teve um grande êxito, inclusive recebendo

auxílio da Rede Globo de Televisão na criação do blog LostInLost. Nessas

comunidades diversas teorias sobre a série foram compartilhadas, criando podcasts

não oficiais, promovendo encontros virtuais e presenciais entre fãs, além do suporte

com informações online sobre tudo o que acontecia ou poderia acontecer em Lost.

Alguns sites e blogs criados por fãs aqui no Brasil se destacaram por trazerem

informações confiáveis e comentários pertinentes sobre a série, como o “Teorias

Lost”, por exemplo. Acredita-se que o blog criado e dirigido por Davi Garcia, chamado

“Dude, We Are Lost!”, foi uma das fontes mais completas e notáveis sobre a série,

trazendo todo o material e informação possível, desde comentários sobre os

episódios, entrevistas traduzidas, vídeos, podcasts, notícias e reportagens.

Há uma grande quantidade de sites, blogs e portais sobre a série, muitos

ainda estão disponíveis e outros tantos ainda são atualizados conforme surge alguma

notícia relacionada ao elenco, diretores, criadores e a própria série.

Segundo Silva (2014), toda essa participação e envolvimento dos fãs gera

uma ampla rede de informações e consequentemente de conhecimento sobre Lost,

concretizada na forma de materiais.

Esse conhecimento se materializa em sites enciclopédicos específicos de cada série, como o célebre Lostpedia, lançado em 2005, por Kevin Croy, para servir como base de dados de informações sobre a série Lost, de livre acesso e atualizada e corrigida diretamente pelos próprios fãs. O Lostpedia é sem dúvida uma das principais fontes para qualquer pessoa interessada na série, por organizar as informações narrativas e contextuais sobre o que ocorrera na ilha, além de possuir referências de publicações acadêmicas e obras de fãs. (SILVA, 2014, p. 248).

Lost chegou ao fim em sua sexta temporada, contabilizando um total de 121

episódios. O último episódio foi exibido no dia 23 de maio de 2010 nos Estados

Unidos.

Toda essa misteriosa atmosfera e a continuidade entre os episódios, em conjunto com o enorme sucesso de Lost, criaram uma grande comunidade internacional de fãs, que tentam até os dias de hoje descobrir os mistérios que não foram explicados durante as temporadas, juntando peças do enredo, criando teorias, compartilhando informações mútuas entre eles. (VENANCIO, 2010, p. 4).

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O final de Lost foi um grande “divisor de águas” e sete anos após sua exibição

ainda gera discussões e debates. Considerado por muitos como um dos piores finais

de séries da TV, ele ainda origina interpretações diversas entre alguns

telespectadores. Tanto que os próprios criadores da série tiveram que dar uma

entrevista para esclarecer alguns pontos do episódio final. Já para muitos outros o

final foi satisfatório, emocionante e marcante. Independentemente do final, Lost

revolucionou a televisão e a forma como o público se relaciona com ela.

O sucesso de Lost também gerou tentativas subsequentes de várias redes de

TV em criar séries com enredos contínuos, especialmente com o recurso de

flashbacks e o elemento mistério, como The Nine e FlashForward próprias da ABC,

mas sem sucesso. Ainda hoje se espera e fala com enorme expectativa em qual série

será o “novo Lost”, porém as produções que se propuseram a tentar algo ao nível da

série, como por exemplo, The Event e Terra Nova, fracassaram.

Atualmente Lost integra o catálogo de séries da Netflix. Todos os episódios

podem ser assistidos pelos assinantes do serviço. Os DVDs da série, os CDs da trilha

sonora incidental e demais materiais sobre a série podem ser encontrados no

mercado para aquisição.

4.1.1 A sofisticada produção

Escrita por Jeffrey Lieber, Lost tinha o nome de Nowhere, inicialmente, em

seus primeiros rascunhos. Lieber somente é creditado como cocriador da série e

coroteirista do piloto. A série foi baseada em um argumento do executivo da ABC

Lloyd Braun, após ter assistido ao filme Cast Away (O Náufrago, com Tom Hanks) e

Lieber foi chamado para planejar a série. Insatisfeito com o resultado do roteiro e dos

tratamentos subsequentes, Braun chamou J.J. Abrams (que à época trabalhava em

Alias) e Damon Lindelof para conceber o que hoje se conhece como Lost. Jeffrey

Lieber processou o canal e a produção, exigindo o crédito de criação. Ele é então

citado em todos os episódios da série, mesmo não tendo escrito nenhuma linha que

tenha sido efetivamente aproveitada. (SEABRA, 2016).

J.J. Abrams não escrevia a série, ao contrário do que a maioria pensa, ele

apenas cocriou, dirigiu o piloto e compôs o tema de abertura. Depois ele seguiu como

produtor executivo pela Bad Robot, sua empresa, encarregada pela produção de Lost.

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Os showrunners – aqueles responsáveis por dar os rumos narrativos da produção –

efetivamente sempre foram Damon Lindelof e Carlton Cuse.

Com duas horas de duração, o piloto custou quase 12 milhões de dólares e

até hoje é considerado um dos mais caros da TV28. O gasto aliás, considerado alto

para os padrões da TV, custou o cargo do executivo chefe da ABC, Lloyd Braun, o

mesmo que encomendaria a série. Braun, inclusive era responsável pela voz que

introduzia cada episódio, dizendo o clássico “previously on Lost” – breve recapitulação

dos episódios anteriores. (LIGADO EM SÉRIE, 2014).

Efeitos visuais, também conhecidos como efeitos especiais foram bastante

utilizados no decorrer da série. Ainda no primeiro episódio, "Pilot, part 1", na icônica

cena de abertura do seriado, quando Jack abre os olhos, a pupila dilatada foi criada

usando efeitos especiais.

Em uma conferência29 de imprensa virtual em 2007 os produtores Carlton

Cuse e Damon Lindelof afirmaram que “os cenários naturais na série são tão

importantes quanto os personagens. Depois de visitarmos várias opções, o Havaí

pareceu-nos a melhor escolha. É um lugar lindo e não tão longe permitindo que toda

a logística exigida pela série seja feita sem grandes dificuldades.”

Na mesma conferência foi dito por eles que cerca de 500 pessoas trabalharam

em Lost. Grande parte delas mudou ao longo do tempo. Cerca de 400 ficavam no

Havaí e outras 100 em Los Angeles. A escrita dos roteiros, a seleção dos atores e

toda a pós-produção da série ficavam em Los Angeles. Toda parte envolvendo

filmagens ocorria no Havaí, com algumas exceções. (DUDE! WE ARE LOST, 2007).

Lost normalmente tem de capturar o exótico e o estranho para proporcionar ao público uma experiência visual diferente da realidade do cotidiano. Havaí, Oahu em especial, oferece o ambiente e variedade necessários para contar uma história tão complexa. Se Lost fosse filmado somente em Los Angeles, a experiência do público e a riqueza cinematográfica seriam bem diferentes. (PORTER; LAVERY; ROBSON, 2008, p. 186).

O Havaí é parte da identidade de Lost, mesmo cenas que não eram

ambientadas nos lugares naturais da ilha, normalmente eram filmadas no Havaí.

Igrejas, salas comercias, hotéis e casas eram aproveitadas como cenários para a

28 PEREIRA, Paulo Gustavo. Almanaque dos seriados. São Paulo: Ediouro, 2008.

29 A entrevista durante a conferência virtual foi transcrita por alguns veículos de comunicação do Brasil e pode ser encontrada através deste link: <http://www.dudewearelost.com.br/2007/10/mais-detalhes-da-entrevista-com-darlton.html>. Acesso em 5 de setembro de 2017.

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série, economizando tempo e orçamento. Na figura 7 verifica-se uma fotografia do

Kualoa Ranch em Honolulu no Havaí, onde o personagem Hurley cria um campo de

golfe para que os sobreviventes pudessem se divertir um pouco no episódio nove da

primeira temporada, intitulado Solitary.

Figura 7 – Locação de Lost

Fonte: Pinterest30

“Lost se tornou parte do Havaí assim como este se tornou um lar para o elenco

e para a equipe e, pelo menos virtualmente, para os fãs.” (PORTER; LAVERY;

ROBSON, 2008, p. 187). Mesmo hoje, mais de sete anos após o término da série, as

locações utilizadas pela produção ainda atraem fãs de todo o mundo, principalmente

as servidas de espaço para cenas célebres do programa.

4.1.2 A inovadora narrativa e os misteriosos episódios

Lost é uma série completa em todos os sentidos e que utilizou uma narrativa

interessante e surpreendente. Para contar uma história tão complexa e manter a

30 Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/173036810653681873>. Acesso em: 5 de setembro de 2017.

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atenção do público pela série, foram usados vários recursos e técnicas narrativas ao

longo das seis temporadas.

O primeiro destaque da sua narrativa são os flashbacks. Esse recurso foi

utilizado para contar eventos passados dos personagens relevantes para a trama. Já

a segunda técnica narrativa, chamada de flashforwards foi utilizada para contar

acontecimentos futuros do tempo atual. E, por fim, os flash-sideways da última

temporada mostravam uma linha de tempo em que o avião nunca havia caído e os

personagens seguiam com suas vidas normalmente, isto é, narrava uma realidade

paralela dos eventos reais.

Por conta das técnicas citadas acima, a narrativa de Lost foi complexa e por

muitas vezes confusas para o espectador, afinal os acontecimentos dificilmente

seguiam a ordem de tempo cronológico. Fora da ilha, as cenas ocorriam através do

tempo psicológico, determinadas pelos roteiristas.

Com um grande número de personagens e várias tramas secundárias

acontecendo além da história principal, os episódios da série geralmente mostravam

diferentes pontos de vista, ora enfocando um ângulo da vida do protagonista, ora de

determinados personagens do seu mundo, seja mostrando eventos passados, futuros

ou presentes. Toda essa complexidade narrativa conseguia com maestria

desenvolver seus personagens e deixar os telespectadores com inúmeras perguntas,

atiçando ainda mais sua curiosidade e atenção. Lost desafiava o público a pensar – e

melhor ainda, pensar junto com outros espectadores.

A primeira temporada composta de 25 episódios se concentrou nos

sobreviventes da queda do avião e na sua luta pela sobrevivência e resgate. Foi

abordada principalmente a questão da sobrevivência (caça por comida e busca por

água), além da apresentação de alguns mistérios e detalhes sobre o voo e o passado

dos protagonistas.

A segunda temporada focou-se na escotilha enterrada no chão, descoberta

ainda na primeira temporada. O tema principal foi a exploração da ilha, incluindo a

Iniciativa Dharma e suas estações (Figura 8), a vila falsa e os nativos do local. Novos

personagens foram introduzidos ao longo dos 24 episódios da temporada.

Nos 23 episódios da terceira temporada o foco foi no grupo de nativos da ilha,

chamados de “Outros”. O conhecimento sobre comunicação para fazer contato e sair

da ilha, além de novos mistérios também foram abordados.

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Com a greve de roteiristas que afetou Hollywood em 2007 e 2008, a quarta

temporada sofreu uma redução no número de episódios. Foram produzidos e exibidos

14 episódios, focados particularmente nos novos personagens introduzidos a ilha,

chegados em um navio cargueiro, e no destino de alguns sobreviventes que deixariam

a ilha. O tema principal foi rivalidade, incluindo combates e assassinatos, assim como

honra e traição. (LOSTPÉDIA, 2012).

A quinta temporada teve como cerne a redenção, com a resolução de

problemas pessoais, e a criação de novos. A temporada centrou-se em viagens no

tempo da ilha e nos seus efeitos em quem permaneceu ou voltou para ela. Novas

revelações sobre os mistérios da ilha e da Iniciativa Dharma foram mostrados nos 17

episódios que comportaram a temporada.

Figura 8 – Logo da Iniciativa Dharma e suas estações

Fonte: Movies & TV31

A sexta e última temporada, com 18 episódios, focou no conflito entre o bem

e o mal, representados por Jacob e O Homem de Preto. Deste conflito, foram

importantes: os objetivos de cada um e "a batalha final" (incluindo a morte de Jacob,

31 Disponível em: <https://movies.stackexchange.com/questions/55407/is-there-some-deep-significance-to-dharma-initiative-stations-logos>. Acesso em: 5 de setembro de 2017.

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sua habilidade de aparecer como espírito, O Templo e seus residentes, o grupo de

Ilana e O Homem de Preto como sendo o Monstro). Nesta temporada os flashbacks

e flashforwards foram substituídos da narrativa por flash-sideways, uma realidade

paralela que mostrava como teria sido a vida dos personagens se o avião nunca

tivesse caído. Este recurso narrativo na verdade representava uma espécie de

purgatório, onde os personagens se reencontravam depois das suas mortes.

(DUARTE, 2010).

É fundamental destacar que a história de Lost é estruturada de forma

contínua, seus episódios não são independentes um do outro. Para o entendimento

da obra é preciso assistir aos episódios na ordem que foram transmitidos/numerados.

Até porque praticamente todos os episódios e finais de temporada terminam com um

cliffhanger – sem um encerramento.

O episódio de maior audiência na história da série foi “Man of Science, Man

of Faith”, o primeiro da segunda temporada que teve mais de 23 milhões de

espectadores nos EUA. A título de comparação, “The End”, episódio duplo final da

série, registrou 15 milhões na audiência.

4.1.3 A composição musical de Michael Giacchino

Lost usufrui de uma notável trilha sonora, sempre mencionada como um dos

componentes mais significativos da série. Seja por meio das músicas incidentais de

pano de fundo e das que os personagens escutam (música diegética), das referências

a bandas reais e fictícias e dos demais elementos sonoros que compõe a sua trilha.

Entretanto, o grande destaque da trilha sonora da série são as composições

orquestradas de Michael Giacchino (Figura 9) que incorporam uma partitura original

orquestrada em cada episódio, isto é, uma música incidental.

Normalmente o orçamento destinado para a trilha sonora de uma série é baixo

e se opta por uma solução mais prática, como por exemplo, na adição de uma

coletânea de músicas já prontas. São raras as séries que se preocupam em ter trilhas

sonoras originais, porém na TV fechada isso tem se tornado mais usual, como em

Game of Thrones da HBO, por exemplo.

Giacchino compôs diversas trilhas sonoras orquestradas para a DreamWorks

Interactive, incluindo a série de grande sucesso Medal of Honor, um jogo de simulação

da Segunda Guerra Mundial criado por Steven Spielberg. Foi seu trabalho nesses

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jogos que o levou a trabalhar na série de TV, Alias, do canal ABC, criada pelo escritor

e diretor J.J. Abrams. (LOSTPÉDIA, 2012).

Figura 9 – Michael Giacchino

Fonte: Lostpédia32

Em 2004, J.J. Abrams chamou Giacchino para trabalhar na trilha sonora de

Lost. Não demorou muito que as composições de Giacchino fossem reconhecidas e

elogiadas, pois em 2005 ele ganhou o Emmy por Melhor Composição Musical em

Séries de TV (categoria dramática) pela trilha sonora da primeira temporada de Lost.

As composições premiadas de Michael Giacchino sutilmente revelam o perigo, as emoções e a alegria da vida na ilha; cuidadosamente selecionando os instrumentos e tons e sabendo exatamente quando a música deve entrar e deixar uma cena, ele cria uma trilha sonora única para essa série de televisão rara. (PORTER; LAVERY; ROBSON, 2008, p. 91).

32 Disponível em: <http://vignette4.wikia.nocookie.net/lostpedia/images/4/44/Giacchino_New.png/revi sion/latest?cb=20160124014011>. Acesso em: 5 de setembro de 2017.

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As melodias de Michael Giacchino engrandeceram o entretenimento de todos

os gêneros, incluindo programas de televisão, curtas-metragens de animação, vídeo

games e sinfonias com temas que vão desde tons comoventes e melancólicos, até

suspense e tranquilidade – como acontece em Lost.

[...] o talento musical de Giacchino é indiscutível. Sua habilidade de criar música, que muda as marchas emocionais dentro da cena, cria uma trilha sonora única e memorável para essa série especial. O público “sente” e ouve as músicas; ela apoia, mas nunca encobre o que está acontecendo visualmente. A trilha sonora de Lost captura a essência do que significa estar perdido dentro de si ou do mundo; ilustra, por meio da audição, o que significa ser humano. (PORTER; LAVERY; ROBSON, 2008, p. 114-115).

No DVD da quarta temporada de Lost, no bônus intitulado “Trilha sonora da

sobrevivência: compondo para os personagens, os conflitos e a queda”, Giacchino

(2008) diz que a maioria dos seriados na TV utiliza sintetizadores, mas que em Lost

ele preferiu optar que a música fosse gravada ao vivo. Segundo ele, a série é

assustadora, perturbadora e tocante, e nada transmite tão bem esse tipo de emoção

quanto músicos tocando em uma sala.

De acordo com o compositor, sua abordagem sempre foi a de tentar evitar

clichês de filmes de ação em selvas, como flauta e instrumentos de sopros, optando

por uma instrumentação diferente. Ele afirma que sempre quis uma seção de cordas,

pois elas são muito versáteis em fazer as pessoas sentirem diferentes emoções. Afinal

instrumentos de cordas podem soar suaves e bonitos, ou podem ser só assustadores.

Giacchino ainda fala sobre o seu objetivo na criação das músicas incidentais:

Eles [os produtores] sempre dizem: “Quer ler o roteiro?”; “De jeito nenhum.” Quero que a música mostre minha reação, seja tão real quanto a reação do público ao assistir. Quero ficar tão surpreso quanto o espectador em sua sala. Então, eu assisto o episódio desde o início. Quando acho que deve haver

música, é isso que eu componho: música. [...] Eu queria que o público

sentisse o mesmo que os personagens. Para mim, isso vem de uma combinação estranha de instrumentos, e uso isso sempre para fazer a trilha do seriado. Foi meu objetivo no seriado achar maneiras diferentes de usar instrumentos. (GIACCHINO, 2008).33

Com o sucesso e reconhecimento por sua significativa contribuição em Lost,

suas composições para a série ganharam CDs. Para cada temporada foi lançado um

disco com a compilação das melhores e mais marcantes músicas incidentais que

33 Transcrição de um trecho da entrevista concedida por Michael Giacchino para o DVD da 4ª temporada da série Lost.

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tocaram na série, além de uma faixa com o tema de abertura composta por J.J.

Abrams. Em outubro de 2010 foi lançado o “Lost: The Last Episodes”, edição limitada

de 5.000 cópias, com dois discos das composições de Giacchino presentes nos

últimos episódios da série.

Michael Giacchino nasceu no dia 10 de outubro de 1967 na cidade de

Riverside, estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos. Hoje ele é produtor e

compositor de trilhas sonoras de filmes, séries de televisão e videogames. Sua maior

conquista veio em 2010 com o Oscar de Melhor Trilha Sonora Original pelo filme “Up”.

(DUDE, WE ARE LOST!, 2007).

Giacchino não trabalhou com J.J. Abrams apenas na televisão, os dois

trabalharam juntos também no cinema em “Missão Impossível III”, “Super 8”, e na

recente franquia de Star Trek. As últimas composições de Michael Giacchino foram

para os filmes “Rogue One: A Star Wars Story” de 2016 e “Spider-Man: Homecoming”

deste ano34. Atualmente é considerado como um dos melhores e mais renomados

compositores de trilhas sonoras da nova geração.

4.2 ANÁLISE SONORA DE CENAS EM LOST

Neste subcapítulo, primeiramente, serão apresentados brevemente os

principais personagens de Lost, pois eles são determinantes na construção e

desenvolvimento da narrativa. Em seguida será realizada uma análise de cenas

selecionadas do personagem Ben Linus com base em como trilha sonora da série

influencia na narrativa e evidencia características da identidade do personagem.

4.2.1 Os personagens

Como já mencionado anteriormente, Lost foi uma série com um dos maiores

elencos da televisão. A cada temporada, personagens eram mortos e outros incluídos.

Aqui serão apresentados brevemente os principais e mais relevantes personagens da

história.

Na primeira temporada 14 personagens foram os protagonistas (Figura 10) –

todos faziam parte do grupo de sobreviventes da queda do voo Oceanic 815, são eles:

34 Disponível em: < http://michaelgiacchino.com/biography/>. Acesso em: 5 de setembro de 2017.

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– Jack Shephard: considerado o protagonista principal da série, Jack é um

neurocirurgião que assume a liderança do grupo de sobreviventes com o

objetivo de salvar e retirar todos da ilha;

– John Locke: tentando provar para si mesmo que a sua paralisia não era um

obstáculo, Locke resolve ir para a Austrália numa jornada de

autodescobrimento. Ao cair na ilha, recupera o movimento de suas pernas.

Considerado uma pessoa convicta, estranha e misteriosa pelos outros

personagens, ele se torna o responsável por conseguir comida para o

grupo através da caça;

– Kate Austen: tornou-se fugitiva depois de matar seu pai abusivo e no avião

estava sendo escoltada por um policial federal. Na ilha formou um triângulo

amoroso com Jack e Sawyer;

– James Ford: mais conhecido por Sawyer, era um golpista e na ilha utilizava

frequentemente apelidos maldosos para identificar os outros personagens.

Procurava e tomava posse de qualquer pertence dos destroços do avião

que pudessem trazer para si algum benefício;

– Sayid Jarrah: antigo torturador, Sayid viajava para os EUA com o intuito de

encontrar a mulher que amava. Na ilha precisava lidar com seu passado e

utilizava suas habilidades como oficial de comunicações para tentar fazer

contato com alguém de fora da ilha;

– Hugo Reyes: conhecido como Hurley, ficou milionário ao ganhar na loteria.

Após a queda do avião ele é tido como uma pessoa amigável e procura

levar bom humor ao restante do grupo;

– Charlie Pace: era viciado em cocaína e fazia parte da banda Drive Shaft

como segundo vocalista e baixista. Na ilha se apaixona por Claire e luta

contra seu vício pelas drogas;

– Claire Littleton: grávida, Claire se preocupa com sua gravidez e em como

ela ganhará o bebê na ilha. Apaixona-se por Charlie Pace, o qual procura

a manter confortável e em segurança;

– Jin Kwon: coreano, veio de uma família pobre, casou-se com Sun Kwon e

trabalhava para seu sogro mafioso. Na ilha vivia preocupado com a

segurança de sua esposa, controlando as ações dela. Tinha dificuldades

em se comunicar com o restante do grupo, pois era o único que não falava

inglês;

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– Sun Kwon: pertencia a uma família poderosa da Coréia do Sul e era esposa

de Jin. Aprendeu a língua inglesa e teve um caso com seu professor. Após

a queda do avião, procurou se aproximar e fazer amizade com os outros

sobreviventes, mas era impedida pela superproteção de Jin;

– Michael Dawson: estava no avião após ganhar a custódia do seu filho Walt,

levando-o para viver com ele nos EUA. Na ilha Michael luta para conhecer

e tirar seu filho daquele lugar;

– Walt Lloyd: após o falecimento de sua mãe, Walt conhece seu pai e embarca

para o EUA com ele e seu cachorro Vincent;

– Shannon Rutherford: estava no avião acompanhada de seu irmão de criação

Boone. Na ilha era antipática e egoísta, recusando-se a ajudar os outros,

por acreditar que logo seriam resgatados;

– Boone Carlyle: meio-irmão de Shannon; Boone era ciumento em relação à

Shannon e na ilha se mostrava atencioso com os outros e procurava

sempre ajudá-los, apesar dos erros que cometia.

Figura 10 – Protagonistas

Fonte: Nerd Infinite35

35 Disponível em: <http://www.nerdinfinite.com/top-10-episodes-lost-season-1/>. Acesso em 4 de novembro de 2017.

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A segunda temporada da série introduziu novos personagens, a maioria deles

também fazia parte do voo Oceanic 815, mas caíram em outra parte da ilha em relação

aos outros sobreviventes. Os principais novos personagens da temporada foram:

– Desmond Hume: viveu por anos na ilha dentro da estação Cisne da Iniciativa

Dharma. Foi descoberto por Locke, Jack e Kate, após estes explodirem a

entrada da escotinha que ficava no subsolo. Com isso se juntou ao grupo

de sobreviventes;

– Mister Eko: foi um dos sobreviventes da cauda do avião do voo Oceanic

815. Antes da ilha era um traficante de drogas e depois se tornou padre

para esconder sua verdadeira identidade;

– Ana Lucia Cortez: era uma ex-policial que esteve na parte de trás do voo

815 quando ele caiu. Assumiu a liderança do grupo de sobreviventes da

cauda do avião;

– Elizabeth Smith: conhecida por Libby, também estava entre os

sobreviventes da parte de trás do avião; era carinhosa e servia de

conselheira para outros personagens;

– Benjamin Linus: mais conhecido como Ben, ele é um antigo residente da

ilha e passou anos com seu pai como membro da Iniciativa Dharma. Ben

rebelou-se e destruiu a Dharma, tornando-se líder dos “Outros”. É

conhecido por ser controlador, estrategista e manipulador. Ele surge na

série sob o nome de Henry Gale – no segundo episódio da terceira

temporada é revelado seu verdadeiro nome.

Na terceira temporada a série focou no conflito entre os sobreviventes do

avião e os nativos da ilha que eram chamados de “Outros”. Apesar do personagem

Ben aparecer na temporada anterior, foi nessa temporada que se passou a conhecê-

lo melhor e, por conta disso, dois membros da sua equipe foram introduzidos na

produção. São eles:

– Juliet Burke: era um dos principais membros dos “Outros”. Foi trazida à ilha

onde foi obrigada por Ben a tentar salvar, sem sucesso, todas as mulheres

grávidas daquele lugar. Desejava desesperadamente voltar para casa, mas

era sempre impedida por Linus;

– Richard Alpert: habitante antigo da ilha, Richard, misteriosamente, não

envelhece e surge na série por possuir uma relação com Ben. Seu

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personagem ainda é pouco explorado nessa temporada – mais sobre ele é

descoberto na sexta temporada, principalmente.

Não diferente das temporadas anteriores, o quarto ano de Lost incluiu mais

personagens. A maior parte deles surgiu de um navio cargueiro que chega a ilha com

objetivos desconhecidos. Quatro são os novos personagens da temporada que vale

destacar:

– Miles Straume: é um médium e membro do time de cientistas que foi à ilha

no cargueiro. Miles tem a habilidade de extrair informação dos mortos;

– Daniel Faraday: físico e professor que chegou a ilha também através do

navio cargueiro. Logo ele utiliza seu conhecimento científico para investigar

as propriedades misteriosas da ilha;

– Charlotte Lewis: antropóloga cultural, foi recrutada para fazer parte da

equipe do cargueiro e se mostra uma mulher forte e determinada;

– Frank Lapidus: é um piloto de aviões, responsável por conduzir o helicóptero

que estava no navio cargueiro, transportando a equipe de cientistas do

navio para a ilha e vice-versa.

A quinta e sexta temporada de Lost novamente acrescentaram novos

personagens, porém estes são secundários e possuem uma participação pequena na

trama e não cabem ser citados aqui. Todavia, dois personagens que já eram

mencionados nos anos anteriores, só se tornaram realmente conhecidos pelo público

a partir das duas últimas temporadas. Eles foram responsáveis por representarem o

conflito entre o bem e o mau na ilha. São eles:

– O Homem de Preto: antigo habitante da ilha e irmão de Jacob, podia tomar

várias formas e se apropriar do corpo físico dos mortos. Representa o lado

do mau por querer destruir a ilha;

– Jacob: era um habitante há milênios da ilha e não envelhecia. Misterioso,

ele era conhecido como o verdadeiro líder dos “Outros” e representava o

lado do bem, com o intuito de proteger a ilha.

Como pode ser observado, a lista de personagens em Lost é extensa. A série

entregou grandes protagonistas e antagonistas para o espectador. Muitos desses

personagens citados acima foram desenvolvidos e tiveram sua história aprofundada

ao longo dos episódios – Benjamin Linus é um deles. Por isso e devido à

complexidade e riqueza do seu personagem em termos narrativos e por suas

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características em relação a sua identidade como personagem, observados a partir

da sua incidência na série, ele foi escolhido como objeto da análise deste trabalho.

4.2.2 Benjamin Linus

Benjamin Linus (Figura 11), mais conhecido como Ben, é interpretado pelo

ator Michael Emerson. Sua primeira aparição na série acontece no episódio One of

Them da 2ª temporada, utilizando o nome Henry Gale. Ele afirma ser um rico

proprietário de minas de Minnesota e que estava em um balão de ar quente com sua

esposa quando caiu na ilha. Diz ainda que sua mulher morreu de uma doença

misteriosa. Essa história é depois revelada como sendo uma farsa após os

sobreviventes do voo Oceanic 815 descobrirem a verdade. Sua última participação na

série acontece no episódio final, The End, quando ele e Hurley permanecem na ilha

para protegê-la.

Figura 11 – Benjamin Linus

Fonte: DVD Bash36

36 Disponível em: <https://dvdbash.com/2012/04/21/lost-michael-emerson-as-benjamin-linus/lost-michael-emerson-as-ben-linus-18/>. Acesso em: 15 de novembro de 2017.

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Ben nasceu antes do terceiro trimestre de gestação no dia 19 de dezembro

de 1962 em Portland, Oregon – EUA. Sua mãe Emily Linus morre durante o trabalho

de parto. Quando criança, seu pai, Roger Linus, leva-o para a ilha ao ganhar um

trabalho na Iniciativa Dharma. Entretanto Ben se sente excluído e passa a desejar

viver junto aos hostis da ilha. Ele esperou pacientemente até seus 20 anos de idade

para se tornar parte de um dos Outros.

Ao longo da série Benjamin ganha episódios focados no seu passado através

de flashbacks. Nesses episódios é mostrado que ele passou por uma infância difícil.

Quando adulto e já integrante dos Outros, Ben sequestra uma bebê, chamada

Alexandra, de Danielle Rousseau e a cria como sua “filha adotiva”.

Benjamin Linus é considerado uma pessoa misteriosa, calma, paciente,

quieta, de conversar pouco e de gostar de ler e tocar piano. É mentiroso, manipulador,

estrategista, ambicioso, líder, frio, sádico e que não mede esforços em conseguir o

que deseja.

No início das participações de Ben, suas ações são dúbias e suas motivações

desconhecidas, não se tem certeza se seu personagem é um protagonista ou

antagonista. Conforme a narrativa vai evoluindo e seu personagem é mais

desenvolvido e aprofundado, suas ações o classificam como um antagonista – vilão.

Porém nos últimos episódios da série ele começa a se arrepender de seus escolhas

e ações e procura ajudar aos outros personagens, abandonando seu lado desumano

e se unindo aos protagonistas da história.

A seguir foram selecionadas algumas das principais cenas do personagem

em toda a série, responsáveis por fazerem o espectador conhecer mais sobre ele,

suas características, identidade e história. As cenas foram escolhidas principalmente

com base na participação e influência da trilha sonora sobre os acontecimentos

vividos por Ben e sobre ele próprio.

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4.2.2.1 Sequência 1

Cena: Episódio 14 – One of Them, 2ª temporada, aos 11min20s.

Situação da Cena: Danielle Rousseau pede que Sayid a acompanhe pela mata, pois

deseja lhe mostrar algo. Eles encontram um homem gritando por ajuda, preso em uma

armadilha de Rousseau. O homem se identifica como Henry Gale de Minnesota e é

solto por Sayid. Henry então corre, mas Danielle atira nele com um arco e flecha para

não deixá-lo escapar.

Figura 12 – Sequência 1: Henry Gale

Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: Enquanto Danielle e Sayid andam pela mata, além de seus diálogos,

é possível ouvir a presença do som ambiente e da adição de efeitos sonoros (canto

dos pássaros, tilintar das folhas e passos). Não há presença de música, fornecendo

uma atmosfera de tranquilidade sob aquele espaço. Entretanto, a partir do momento

em que os personagens escutam a voz de um homem gritando por ajuda a trilha

sonora incidental é acrescentada e cria-se um clima de suspense, quebrando com o

ambiente calmo.

Ao Sayid avistar um homem preso em uma rede, o som de um trombone é

executado e o tom da música aumenta até ser cortado repentinamente e a tela ficar

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toda preta. Na continuidade da cena, a música então muda de ritmo e dá lugar ao som

de pequenas batidas espaçadas criando tensão, enquanto o homem diz estar preso

ali desde a última noite. Ele se identifica como Henry Gale de Minnesota.

Rousseau diz então que ele está mentindo e que faz parte dos habitantes da

ilha chamados de “Outros”. Com isso a música muda novamente e um som

instrumental de cordas é adicionado, misturando-se as batidas espaçadas e

aumentando o nível de suspense e tensão entorno daquela situação de dúvida sobre

quem realmente é aquele homem. A variação da música nesse contexto tem a função

de gerar desconforto, pois perturba incidindo sobre o momento em que o personagem

explica quem é, sendo contrariado por Rousseau. A composição musical não reforça

nenhuma das afirmações de cada personagem, ao contrário, ela forma um mistério

envolta da identidade daquele homem.

Na sequência Sayid corta a corda que sustenta a rede e libera Henry da

armadilha. A música fica em um ritmo mais acelerado e permanece combinada com

o som de batidas espaçadas acrescendo a impressão de mistério e perigo. Henry vê

Danielle colocando uma flecha no seu arco e resolve então correr para longe dali. A

música acompanha a sua ação ao entrar em um ritmo mais frenético, até ser

interrompida pelo tiro de arco e flecha de Danielle que atinge as costas do homem. A

música é interrompida e a equipe de sound design têm a função de criar o som de

lançamento e de impacto da flecha ao acertar o personagem.

A música retorna rapidamente após Henry cair no chão desacordado,

enquanto Sayid o socorre. Assim a música sobe e baixa de tom, repetidas vezes, com

instrumentos de percussão e de corda sendo executados mais rapidamente. Essa

mescla de sons em diferentes tons reforça ainda mais o contexto de mistério e

suspense, intensificando a sensação de apreensão e provocando curiosidade pela

continuidade em associação com a imagem.

Pode-se observar pela trilha sonora incidental dessa cena que o surgimento

de um novo personagem é visto como mistério, insegurança e ameaça para os

personagens (Sayid e Rousseau). A composição de Giacchino caracteriza e reforça

isso, além de acompanhar a imagem, dando mais ênfase a ação da fuga de Ben e

intensificando a sensação de tensão em torno da situação e de quem realmente é

aquele homem preso na armadilha – se ele é bom ou mau. A função da música é de

realçar os momentos de ação da cena, pois a composição com o tempo acelerado

pôde acentuar a sensação dramática dos acontecimentos.

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Nos episódios seguintes sabemos que Henry Gale não é seu nome, – seu

nome verdadeiro é Benjamin Linus, assim como é desmentida sua versão de como

chegou aquela ilha. Mas antes disso, por realmente não se conhecer aquele

personagem e suas motivações, a música incidental através do som estridente de

cordas e forte de trombone pontua alguns aspectos do personagem, criando dúvidas

quanto as suas reais intenções. Esses mesmos sons irão se repetir nos próximos

episódios, principalmente em cenas que Ben faz revelações surpreendentes ou age e

soa de maneira perversa. Contudo essa sonoridade não é exclusiva do personagem,

pois antes dele surgir na série, os mesmos sons já eram utilizados para dar ênfase a

acontecimentos dotados de risco, mistério e suspense. Cria-se assim, uma ligação

entre a música e as situações nas quais ela é utilizada.

4.2.2.2 Sequência 2

Cena: Episódio 17 – Lockdown, 2ª temporada, aos 42min25s.

Situação da Cena: Na última cena do episódio, Sayid, Ana Lucia, Jack e Kate

confrontam Henry Gale por ter mentindo sobre quem era e como havia chegado a ilha.

Figura 13 – Sequência 2: Close em Henry Gale

Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Cena: Episódio 19 – S.O.S., 2ª temporada, aos 17min50s.

Situação da Cena: Locke grita com Henry, trancado em um cômodo vazio,

questionando se ele havia digitado os números no computador. Apesar da insistência

de Locke, Henry faz questão de não responder.

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Figura 14 – Sequência 2.1: Close em Henry Gale (parte II)

Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: Quando Sayid confronta Henry no episódio Lockdown afirmando que

esse nome é de outro homem e mostrando-lhe uma foto do verdadeiro Henry Gale, a

câmera dá um close no rosto do “falso Henry”, conforme pode ser visto na figura 13,

e um forte e “pesado som” de trombone é inserido, sendo cortado pelos créditos finais

do episódio. Inclusive esta cena final é um exemplo de cliffhanger, ou seja, de

revelação surpreendente que deixa um “gancho” para o próximo episódio.

Algo semelhante a cena anterior ocorre no episódio S.O.S. Em determinada

momento do episódio, Locke, um dos protagonistas, insiste para que o “falso Henry”

responda a uma pergunta sua. Percebendo o desespero de Locke com a sua incerteza

e insegurança, o homem sob falso nome esboça um sorriso malicioso de satisfação.

Neste instante a câmera dá um close no seu rosto e o som de trombone novamente

é introduzido, mas desta vez mais suave apesar de soar forte, encerrando com a cena.

Aos sons de trombone acrescidos em ambos os episódios, chama-se de

leitmotif, pois ele é inserido na associação a um personagem, ideia ou situação

específica. (BARNWELL, 2013).

O leitmotif é um símbolo de Lost, sendo utilizado com muita frequência ao

longo de toda a série. Quando se fala da trilha sonora de Lost, provavelmente os fãs

lembrarão dos leitmotifs do seriado, ou seja, dos fortes e altos sons de poucos

segundos produzidos por trombones e fliscornes. Estes sons são introduzidos na

produção quando as cenas terminam com ações e/ou falas reveladoras e inesperadas

dos personagens, principalmente as que acabam por deixar o telespectador atônito,

com vários questionamentos em mente e com medo do que virá na sequência. Na

série, muitas vezes, os instrumentos são entoados em conjunto de maneiras pouco

convencionais, sendo utilizados por suas qualidades acústicas particulares e para

criarem sons estranhos.

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Entretanto com o surgimento de Benjamin Linus (ainda quando utilizava o

nome Henry Gale) o leitmotif tornou-se corriqueiro em suas aparições, principalmente

na terceira temporada. Nas duas cenas mencionadas acima, o leitmotif surge quando

as ações de o Ben remetem a um antagonista (GANCHO, 2006). O som forte e

crescente dos trombones, acaba por ser perturbador e anunciar uma situação

conflitante e perigosa. Em consequência disso e pelas duas cenas que estão sendo

analisadas aqui, aliadas à imagem, esse som começa a fornecer pistas sobre as

características do personagem Ben Linus.

Apesar dessas cenas não revelarem seu verdadeiro nome, seu passado e

seus objetivos, o leitmotif reforça que ele pode ser um personagem perigoso e de

ações que podem prejudicar os protagonistas. Afinal ele mentiu sobre sua própria

identidade e esboça estar satisfeito por implantar uma dúvida angustiante em Locke

como pôde ser constatado pela trilha sonora aliada à imagem em close no episódio

S.O.S.

4.2.2.3 Sequência 3

Cena: Episódio 01 – A Tale of Two Cities, 3ª temporada, aos 15min10s.

Situação da Cena: Após Benjamin Linus e sua equipe sequestrarem e aprisionarem

Jack, Kate e Sawyer, Kate é acompanhada por alguns homens para que se junte a

Ben na beira da praia. Ben está na areia próxima ao mar sentado juntamente a uma

mesa preparada para o café da manhã. Kate senta com a Ben a mesa. Ele pede para

que ela se algeme e ambos conversam um com o outro.

Figura 15 – Sequência 3: Ben e Kate

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Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: Quando Kate avista Ben na beira da praia há uma música incidental

de suspense que acompanha sua ação, além do som ambiente e de efeitos sonoros,

compostos pelo vento soprando, o tilintar das folhas, o mar se agitando e as ondas

quebrando. A música se trata de uma canção tema da personagem Kate. A faixa

musical é intitulada Kate's Motel e faz parte do CD da trilha sonora da primeira

temporada.

A partir do instante em que Kate começa a caminhar em direção a Ben a

música é interrompida. O silêncio então domina a sequência da cena e um breve som

de harpa com menos de 3 segundos de duração surge. Aqui os poucos segundos de

silêncio não remetem a paz, mas sim a uma apreensão e hesitação do que está por

vir no desenrolar na cena. As notas de harpa tocadas em um registro baixo parecem

combinar com o lindo cenário em um primeiro momento, mas na realidade são

entoadas em favor do contexto, arquitetando um suspense silencioso.

Kate se aproxima da mesa e Ben educadamente puxa a cadeira para que ela

possa se sentar. A partir desse momento o clima de paz e tranquilidade permanece,

mas ganha traços dramáticos pela inserção de uma música incidental originada pelas

cordas de um violino. A música é suave, mas transmite uma ideia de suspense, apesar

de contrastar com o espaço em que os personagens estão. Notas de piano também

são ouvidas sendo tocadas bem espaçadamente em meio ao som de violino.

Na ocasião em que Kate se senta à mesa, Ben pede que ela se algeme. Kate

obedece, mas ele pede que ela aperte ainda mais as algemas e então a música sobe

de tom. Esse ganho de tom da música gera uma sensação de desconforto – da

serenidade que predominava, agora há uma noção de desequilíbrio e desarmonia em

relação ao ambiente apresentado pela imagem. Enquanto os dois conversam a

música incidental fica em segundo plano, porém há momentos de ápice em que pode

ser ouvida com mais clareza, principalmente em meio as falas de Ben. Isso reforça

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que o personagem realmente não está do lado dos sobreviventes da Oceanic 815,

combinado com suas falas incômodas e amedrontadoras.

Teaser Time37 é o título dado por Michael Giacchino a essa sua composição

executada durante a conversa de Ben e Kate. Ainda que só o início da partitura seja

utilizado na cena, o nome da faixa é bastante sugestivo. E é basicamente isso que

Ben faz com Kate durante o diálogo entre os dois – ele a provoca.

Ao final da cena Ben fala para Kate que as próximas semanas serão bastante

desagradáveis. Ele então se retira da mesa, a imagem se volta para ela e é inserido

um leitmotif, sustentando a ideia de perigo a frente.

É interessante notar nessa cena como a música de Giacchino contrasta

perfeitamente com o espaço em que ocorre o desenrolar da ação. Apesar de a

princípio o som baixo de uma harpa combinar com o cenário, ao passo que Benjamin

Linus ganha mais espaço na tela, a música incidental (Teaser Time) é inserida para

reforçar a quebra do clima tranquilo indicado pela imagem, no qual se espera

cordialidade entre Ben e Kate. Até porque no início desse episódio é revelado que ele

trancou Jack em uma sala escura e aprisionou Sawyer e Kate em uma jaula. Logo,

suas ações anteriores o apontam como um vilão, mesmo que se continue sem saber

quais são suas motivações e objetivos para os personagens que sequestrou.

Esta é uma das primeiras cenas de Ben em que a música incidental

transparece consideravelmente, sem deixar incertezas sobre os traços que compõe a

identidade do personagem, ou seja, é aqui que a música começa a criar laços

narrativos com o personagem. A partir das observações anteriores, percebe-se que

ele é mentiroso, calmo, desafiador, inteligente; suas ações o classificam como

antagonista; e gosta de ter o controle sobre todos, vide quando ele pede para Kate

apertar as algemas.

Parte da construção da identidade de um personagem é atribuída pelo que a

pessoa faz, ou seja, suas ações e maneiras de lidar com diferentes acontecimentos.

(DARTIGUES, 1997). Os diálogos e a música incidental intensificam e reforçam as

atitudes e comportamentos perturbadores de Ben, mesmo quando opostos ao cenário

e à imagem. Este é um recurso aplicado pelos produtores e diretores, que permite

criar tensão a partir do contraste entre a música incidental e a imagem.

37 “Tempo de Provocação” em tradução para o português.

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4.2.2.4 Sequência 4

Cena: Episódio 20 – The Man Behind the Curtain, 3ª temporada, aos 18min.

Situação da Cena: Um flahsback mostra o jovem Ben Linus chegando em casa com

o presente de aniversário que ganhou. Ele encontra seu pai Roger deitado no sofá

com uma lata de cerveja na mão. Roger acorda e pede desculpas a Ben por ter

esquecido de seu aniversário, afirmando que é difícil comemorar esta data pois

coincide com o dia que sua mãe morreu ao dar à luz a ele. Ben chora e foge de casa.

Figura 16 – Sequência 4: O menino Ben

Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: O episódio The Man Behind the Curtain é o primeiro focado

totalmente em Ben. Nele conhecemos mais sobre seu passado através de flashbacks,

uma técnica narrativa que consiste em voltar no tempo, ou seja, destina-se a mostrar

o passado de um personagem. (GANCHO, 2006). Na cena a ser analisada a seguir

desse episódio, é apresentado ao espectador um pouco sobre a infância difícil de Ben

com seu pai na ilha. Ben é aqui interpretado pelo ator Sterling Beaumon.

A cena se inicia com uma nota de um piano sendo executada sutilmente e

dentro do intervalo de alguns segundos uma nova nota ecoa, promovendo uma

atmosfera de melancolia e tristeza em relação ao que é mostrado na tela. O som de

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piano nesse caso torna-se um instrumento verdadeiramente potencializador da

imagem que mostra o menino Ben chegando em casa à noite e encontrando seu pai

dormindo no sofá ainda vestido com a roupa de trabalho e segurando uma lata de

cerveja na mão. Aqui a composição é emotiva e desperta sentimentos de comoção.

De acordo com Berchmans (2006), esse papel psicológico da música é uma poderosa

ferramenta dramática, aplicada para buscar despertar os mais variados sentimentos

no público, como de fato acontece.

As notas de piano são então pausadas no momento em que Ben coloca seu

presente de aniversário, que ganhou de sua melhor amiga, na mesa ao lado de várias

latas de cerveja vazias. O silêncio invade a cena enquanto ele retira a lata de cerveja

da mão do pai e os calçados para que Roger possa dormir mais confortavelmente.

Aqui o silêncio, combinado à imagem, revela o estado interior de Ben que demonstra

estar infeliz, solitário e esquecido pelo pai. Além do mais, aniversários de criança

costumam ser de comemoração, alegria e diversão, ao contrário do que acontece com

o de Ben. O valor dramático do silêncio é significativo, pois é utilizado eficazmente em

relação à imagem e montagem da cena. (MANZANO, 2003).

A cena prossegue ao seu pai acordar, sentar-se e ver o pacote de presente

sobre a mesa e então perceber que era aniversário de seu filho. Roger pede desculpas

a Ben por ter esquecido da data, mas se justifica afirmando ser difícil comemorar o

aniversário dele por ser no mesmo dia em que Ben matou sua mãe.

O som de piano novamente é introduzido ao mostrar um Ben cabisbaixo e

sem reação por seu pai contar que ele e Emily, mãe de Ben, faziam uma caminhada

quando ela entrou em trabalho de parto antes do tempo e veio a falecer. Roger

continua se lamentando por estar preso na ilha junto com seu filho que então começa

a chorar silenciosamente.

Quando aparecem as primeiras lágrimas saindo do rosto de Ben, o som do

piano fica mais intenso e frequente, ou seja, as notas tocadas antes separadamente,

agora são contínuas. Aqui a função da música objetiva “tocar” o espectador,

mostrando um lado de Ben que até então não era conhecido, criando comoção e

empatia pelo personagem. A composição musical propõem comoção com a situação

e com o personagem, pois a partir disso começa-se a entender quais são os fatores

que influenciaram Ben a se tornar um homem tão perverso e manipulador.

É importante lembrar que a identidade de um personagem é também formada

pelos fatos históricos e sociais de sua vida, tornando-o único. (JACQUES, 2003). E

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esse flashback e os demais do mesmo episódio, que serão analisados a seguir,

introduzem sua história e apresentam características e traços da personalidade de

Ben que irão compor sua identidade futuramente.

No final da cena Roger volta a se deitar no sofá, fecha os olhos e deseja um

feliz aniversário para Ben que sai chorando e correndo desesperadamente de casa

em direção ao meio de uma mata. O som de piano some e a música muda para um

ritmo mais acelerado ao som de instrumentos de corda e sopro (trombone), indicando

que o acontecimento anterior pode ter sido derradeiro para a vida de Ben.

O fechamento da cena é rico em significados que são pontuados pela música

incidental. Agora tem-se um Ben em conflito interno, pois a maneira que seu pai o

tratou, deixa-o dividido em como lidar com aquela situação. O fato de Ben sair

correndo desolado, fugindo de casa, é um marco para seu personagem e para se

reconhecer um caráter passível de mudança, além do surgimento de novas

características originadas por influência externa. Sua fuga indica que ele não aguenta

mais viver sob o mesmo teto de um pai que o exclui e ainda o culpa injustamente pela

morte de sua mãe e da vida monótona que leva na ilha. Visivelmente perturbado pela

situação, ele agora adquire novas características em relação ao início da cena,

sublinhadas pela música de sons graves e frenéticos. A virada da música de uma

melodia triste para uma melodia diferente, mais acelerada e agitada, indica uma

mudança interna em Ben.

Faz-se necessário destacar que nas cenas seguintes a essa analisada, Ben

entra no território dos hostis (Outros) da ilha e encontra o líder deles (Richard). Ben

implora para se juntar a eles, reforçando sua escolha de querer abandonar sua antiga

vida e de seguir junto com um grupo de pessoas que são conhecidas por não

conseguirem viver em harmonia com a Iniciativa Dharma. Entretanto lhe é dito que ele

precisa ser muito paciente para que seu desejo venha a se tornar realidade.

A música incidental complementa e reforça as emoções e sensações que se

pretendem passar ao longo de toda a cena. A música é também utilizada como

elemento fundamental na caracterização do personagem e na composição de climas.

A partir disso, percebe-se o desenvolvimento emocional do personagem, revelado

também pela música que acompanha a narrativa.

A composição de Giacchino identifica o personagem Ben. As partituras de

piano que são tocadas no início e metade da cena, fazem parte da música tema de

Benjamin Linus, intitulada de Dharmacide. Mais sobre essa composição será discutido

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nas próximas cenas da análise. Contudo, nessa cena, apenas um trecho de

Dharmacide é executado. O mesmo trecho foi tocado pela primeira vez na abertura

do episódio, durante o parto forçado de Ben. Com isso percebe-se que essa parte da

composição é inserida toda vez que Ben está envolvido em uma situação triste, um

reforço de que sua infância esteve longe de ter sido boa e feliz. Se antes Ben era

descrito, caracterizado e construído desde suas ações, falas, vestimentas,

movimentos de câmera em plano de close e leitmotifs, agora percebe-se uma música

exclusiva para identificá-lo em contextos sentimentais e de infelicidade.

Os flashbacks desse episódio também revelam como o personagem pode ser

mais importante do que a premissa da história, pois o foco aqui é o desenvolvimento

e aprofundamento de Benjamin Linus na série. (SEABRA, 2016). Afinal, por alguns

momentos se esquece e se deixa de lado a trama principal que está acontecendo na

ilha, para apresentar ao espectador um personagem muito mais complexo do que se

poderia imaginar antes dos flashbacks.

4.2.2.5 Sequência 5

Cena: Episódio 20 – The Man Behind the Curtain, 3ª temporada, aos 34min08s.

Situação da Cena: Benjamin Linus veste seu macacão da Iniciativa Dharma e olha

nostálgico para um boneco de madeira que ganhou de aniversário na sua infância,

guardando-o em sua bolsa. Em seguida ele ajuda seu pai a carregar de suprimentos

uma Kombi, anuncia que hoje é seu aniversário e que mais uma vez Roger esqueceu

da data. Seu pai então o convida para beber umas cervejas após o trabalho.

Figura 17 – Sequência 5: Ben e Roger Linus

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Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: A cena descrita acima também é proveniente de um flashback que

se passa alguns anos após os acontecimentos da última cena analisada, aos 34

minutos do mesmo episódio. Aqui já temos um Ben com planos e objetivos traçados

que se revelarão nas cenas seguintes, além de sua personalidade e características

estarem intimamente ligadas ao personagem do tempo atual da história.

Enquanto Ben acaba de vestir seu macacão de servente da Iniciativa Dharma

e olha para seu relógio de pulso, como se estivesse esperando por algo, um som de

notas de pianos acompanha sua lenta e meticulosa ação. Quando ele vê na mesa o

boneco de madeira que ganhou na infância de sua melhor amiga, as partituras de

piano ficam mais fortes e altas, enquanto ele olha pensativo para o presente e o

guarda em sua bolsa. Com isso a câmera dá um close em sua expressão facial

fechada e séria.

Válido destacar que durante a execução da música de piano, uma nota baixa

do mesmo instrumento é intercalada com a música, entretanto essa nota soa mais

distante, como se estivesse em segundo plano, contrastando com a atmosfera de

calmaria da cena. E ao momento em que as notas de piano sobem o tom, o objetivo

da música é reforçar o quanto Ben se importa e tem apreço por aquele boneco de

madeira, único presente de aniversário que se tem conhecimento que ele ganhou.

Percebe-se isso quando ele coloca na bolsa e por ainda tê-lo após tantos anos.

A música incidental permanece tocando enquanto a cena segue com Ben

carregando uma caixa de mantimentos em direção a uma kombi. Seu pai aparece ao

lado do veículo colocando um caixa de latas de cerveja dentro dele.

À medida que os dois carregam as caixas para dentro do veículo, Roger pede

o que há de errado com Ben por ele estar bastante quieto naquela manhã. Benjamin

então explica que hoje é seu aniversário e não sabe porque acredita que algum dia

seu pai ainda lembrará de seu aniversário. Roger aparenta ficar envergonhado e

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sugere que ele e Ben, após terminarem o trabalho, poderiam ir até a montanha terem

um momento de pai e filho enquanto tomam algumas cervejas. Nesse momento a

música é interrompida e apenas o diálogo é escutado, ao mesmo tempo que Ben

aceita surpreso o convite. A interrupção da música de melodia triste é realizada para

indicar um acontecimento inesperado, isto é, pela primeira vez o pai de Ben parece

se importar em como ele se sente.

O som de pássaros cantando, da porta da kombi sendo fechada e de pessoas

caminhando, conversando e jogando vôlei também fazem parte da trilha sonora da

cena, deixando mais realístico o espaço de desenvolvimento da ação através do

trabalho da equipe de efeitos sonoros e de som ambiente da série.

A composição original de Giacchino refere-se a um trecho da música tema de

Ben, Dharmacide, tocada também na cena analisada anteriormente. A canção entra

em contraste com o cenário e o próprio estado interior de Ben. A cena se passa em

uma linda manhã de sol e céu azul, com membros da Iniciativa Dharma jogando vôlei,

caminhando e cuidando do jardim – dentro do cotidiano da comunidade. Já Ben

expressa estar fechado, rígido e desafiador ao falar com seu pai.

Ao contraste entre imagem e som, é curioso observar como esse trecho de

Dharmacide não mais surge para caracterizar o estado interior de tristeza de Ben e

de um cenário de sofrimento e melancolia. A música tema nem mesmo reforça o que

a imagem mostra. O contraponto entre som e imagem é totalmente perceptível. A

música de piano é delicada, emotiva e melancólica. Ela, sim, identifica o personagem

Ben e faz lembrar que ele e seu pai não possuem uma boa relação, apesar de estarem

mais velhos. Ainda que a música destoe da imagem, ela reforça que o aniversário de

Ben remete a uma data que não lhe traz boas recordações, justificando assim a

inserção dessa composição musical.

Em relação a identidade de Ben, a cena apresenta algumas características do

personagem já vistas no tempo presente da história, ainda que elas não tenham

conexão direta com a trilha sonora incidental. Dito isso, percebe-se nas falas e

expressões faciais de Ben que ele está mais severo e desafiador, semelhante ao seu

próprio personagem na cena analisada do episódio A Tale of Two Cities. Apesar

dessas características já serem de conhecimento do público, nesse flashback revela-

se como elas se manifestaram em Ben pela primeira vez, através do diálogo com

Roger e pela música incidental marcar alguns aspectos que já foram percebidos em

cenas do presente da narrativa.

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4.2.2.6 Sequência 6

Cena: Episódio 20 – The Man Behind the Curtain, 3ª temporada, aos 35min48s.

Situação da Cena: Roger dirige uma kombi na companhia de seu filho, Ben. Eles

param em meio a uma montanha. Roger toma uma cerveja enquanto Ben o questiona

se ele realmente o culpa pela morte da sua mãe. Benjamin então se despede de seu

pai e veste uma máscara, liberando um gás tóxico. Roger Linus vem então a falecer.

Figura 18 – Sequência 6: Ben mata seu pai

Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: Essa cena é a continuidade do flashback anterior. Aqui aparece uma

kombi na estrada subindo uma montanha ao som "Shambala" da banda Three Dog

Night. A música é alegre e animada, ideal para se escutar durante um passeio, por

exemplo. O barulho do motor da kombi também é audível. A música que participa do

contexto da cena, tocada pelo rádio da kombi que faz parte do espaço em que os

personagens estão e conseguem identificar/escutar, recebe o nome de som diegético.

Importante salientar que esta canção não é uma música incidental, ou seja, não foi

composta instrumentalmente e exclusivamente para a série. Ela apenas faz parte de

um repertório de canções de uma banda que autorizou o uso da música no seriado.

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Quando a kombi para em meio a montanha a música é desligada e a imagem

se volta para Roger e Ben dentro do veículo, ao passo que Ben retira seus óculos e

Roger abre uma lata de cerveja e toma.

Ben então questiona seu pai se ele realmente o culpa pela morte de sua mãe,

enquanto esboça uma expressão e olhar desafiador. Roger diz que não tem como

saber e pergunta a Ben porque ele fica olhando para o relógio. Roger diz que fará o

possível para lembrar do aniversário do filho no ano seguinte, mas Ben intervém

dizendo que isso não irá acontecer. Todo esse diálogo não tem o acompanhamento

de qualquer tipo de música. Há apenas a inserção de efeitos sonoros (o som do

ponteiro do relógio de pulso e da lata de cerveja sendo aberta).

No instante que Ben abre sua bolsa e retira uma máscara de gás de dentro

dela, um som ríspido e intimidador é executado em um segundo, indicando uma ação

futura ameaçadora.

Roger questiona o que Ben quis dizer com isso e ele responde falando que

também sentia a falta de sua mãe, talvez tanto quanto ele. Ben afirma que teve que

aturar seu pai por todos esses anos e o som intimidador anterior surge novamente.

Quando Ben diz que para isso foi preciso muitos anos de paciência uma música

incidental em tom crescente é inserida e continua sendo executada enquanto Ben diz

adeus para seu pai e veste a máscara. O começo da música reforça os “sons ásperos”

e intimidadores anteriores, apontando para o início de uma ação de natureza perversa

de Ben. A composição musical também pontua as falas e atitudes do seu personagem.

Ben retira uma granada de gás tóxico da bolsa e o som de batidas espaçadas

surge. Quando ele rompe o lacre e o gás tóxico é liberado dentro da kombi uma música

perturbadora se torna audível a medida que o nariz de Roger começa a sangrar e ele

começa a ficar sem ar, tossindo. Enquanto Roger se debate dentro do veículo o som

forte, estridente e crescente de trombones é inserido em volume alto, acompanhando

a ação maligna de Ben. A cena é encerrada quando a câmera foca no rosto de Ben,

que desvia o olhar de seu pai com um leitmotif sendo inserido.

O som do gás sendo liberado e se espalhando pelo local foi criado pela equipe

de sound design para dar mais ênfase dramática a cena, aumentando a sensação de

perigo e gravidade.

Esse episódio é um dos mais importantes, pois mostra a transformação da

identidade de Ben de uma criança triste e passiva para homem maligno e de atos

horrendos. A identidade de um indivíduo não é imutável, as decisões que ele próprio

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toma, os caminhos que percorre, a maneira como age em cada contexto são

determinantes para a consistência ou alteração das características e da personalidade

da sua pessoa. (BAUMAN, 2005). Nesse caso a música incidental indica e reforça

essa mudança de comportamento de Ben, à medida que o som vai aumentando o

ritmo com o aproximar da morte de Roger.

Toda essa eminente transformação na identidade de Ben ocorre exatamente

quando ele toma a decisão de matar seu pai. Antes mesmo dele e Roger irem para a

montanha, Ben já havia planejado a morte do pai. Basta lembrar da cena analisada

anteriormente em que ele já olhava para o relógio aguardando o momento certo para

colocar seu plano em ação, além de quando falava severamente com seu pai,

confrontando-o por ter esquecido mais uma vez de seu aniversário.

É claro que pelo conjunto da imagem e som da cena anterior, percebe-se que

Ben foi pego de surpresa por seu pai mostrar se importar a ponto de querer passar

um tempo com ele. Entretanto isso não foi o suficiente para fazer Ben mudar de ideia

em matar Roger. A decisão já havia sido tomada, afinal ele foi paciente por muitos

anos e está decidido que finalmente é o momento de dar fim a vida do homem que

sempre o excluía e o desprezava.

Lembrando sempre que a identidade de uma pessoa adquire diferentes

aspectos de acordo com cada situação. (ESCORSIN, 2016). E em Benjamin pode-se

perceber isso através dos flashbacks e do reforço da música incidental.

Como Lost é uma série longa, os diretores e roteiristas tiveram mais tempo e

possibilidades de trabalhar no desenvolvimento dos personagens. Por isso

características inexistentes em Ben no começo, agora na metade da série aparecem

e sofrem transformações. (GERBASE, 2014).

A música tema de Ben é novamente tocada, porém é um trecho diferente

daquele executado nas cenas anteriores. Dharmacide é uma composição com viradas

na melodia. O pedaço da música com notas que soam perturbadoras e impactantes,

agora são introduzidas para anunciar um acontecimento hediondo e para combinar

com sequência da ação.

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4.2.2.7 Sequência 7

Cena: Episódio 20 – The Man Behind the Curtain, 3ª temporada, aos 38min06s.

Situação da Cena: Após matar seu pai, Ben retorna a Iniciativa Dharma. Ele caminha

pelo local, observando todos os membros da Dharma mortos através do gás tóxico

que liberou no local enquanto estava com seu pai longe dali. Os hostis da ilha chegam

também ao local e Ben finalmente une-se a eles.

Figura 19 – Sequência 7: Dharmacide

Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: Essa cena é a sequência do último flahsback. Após matar seu pai,

Ben retorna a pé pela mata até a vila da Iniciativa Dharma com notas de piano sendo

executadas em um intervalo de tempo de poucos segundos. Ao chegar na vila, Ben

se depara com todos mortos, caídos no chão ao som de uma tocante música incidental

de cordas.

Ben caminha pelo local, ainda com a máscara de gás em seu rosto,

observando atentamente os mortos com um olhar de pesar e culpa. A composição de

Giacchino acompanha a ação de Ben, dando ênfase dramática a cena e,

principalmente, na reação do personagem. Ao encontrar Horace Goodspeed, antigo

amigo dele e de seu pai, sentado em um banco, morto e com os olhos abertos, a

música se converte para o som triste de piano. Ben se aproxima e fecha os olhos de

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Horace, expressando seu respeito e pesar por ele. Horace foi quem ajudou Roger a

socorrer Emily durante o parto de Ben. Ele também foi o responsável por dar um

emprego para Roger na Iniciativa Dharma e de leva-los para a ilha.

O som de piano continua sendo entoado a medida que Ben se move olhando

por todo espaço de aniquilação a sua volta. Assim os hostis (Outros) da ilha se

aproximam armados usando máscaras de gás. Richard, o líder dos hostis, olha para

o seu relógio e então retira lentamente sua máscara para sentir se o ar está limpo

para que possa respirar normalmente.

Richard se aproxima de Ben e o som triste de piano se mistura ao som

dramático de instrumentos de corda. Ben então retira rapidamente sua máscara e

respira fundo.

A música é interrompida no instante que Richard pergunta a Ben se eles

devem buscar o corpo de Roger na montanha. A câmera dá um close no rosto de Ben

que olha fixamente para Richard, de olhos arregalados. Ele responde dizendo que

não, isto é, que eles podem deixar o corpo de seu pai por lá mesmo. Então um som

crescente de trombone é inserido e a câmera faz um enquadramento de plano

aberto38, mostrando os hostis carregando e movendo os corpos dos mortos dali,

dando assim fim ao flashback.

A trilha sonora da cena é composta de efeitos sonoros (canto de pássaros,

respiração profunda e passos) e de uma música incidental (tema do personagem

Ben). Aqui parece haver um erro, pois se todos foram mortos por um gás venenoso,

como poderia existir pássaros cantando naquele espaço? Isso não foi esclarecido,

nem mesmo se sabe se a introdução do som do canto de pássaros foi intencional ou

inconsciente. De qualquer forma os efeitos sonoros tem o objetivo de dar uma

perspectiva mais realística e natural ao espaço.

Já a composição musical, Dharmacide, é de extrema importância no

acompanhamento da cena. Inclusive seu nome tem origem devido aos

acontecimentos dessa cena. “Dharmacide” vem da junção de duas palavras: de

“Dharma” e do sufixo “-cide” de proveniência da palavra em inglês “genocide”

(‘genocídio’ em tradução para o português), que significa o extermínio deliberado,

38 Enquadramento de câmera, com um ângulo visual aberto. A câmera revela uma parte significativa do cenário à sua frente com os personagens ocupando um espaço relativamente menor na tela. Disponível em: <https://social.stoa.usp.br/articles/0047/2919/Planos_de_enquadramento_6_.pdf>. Acesso em: 20 de novembro de 2017.

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parcial ou total, de uma comunidade, população ou grupo de pessoas por diferenças

de ordem racial, religiosa, étnica e etc39.

A música é uma composição orquestrada de Michael Giacchino com 3

minutos e 56 segundos de duração. Ela inclusive faz parte do disco número um da

trilha sonora incidental original da terceira temporada. Como já mencionado

anteriormente, ela é a música tema de Ben, responsável por identificar e caracterizar

a faceta maligna do personagem na série e os contextos que se faz presente.

Variações dessa mesma música foram compostas e inseridas em outros episódios da

série. Porém a principal aparição da música ocorre justamente nessa cena (vide o

nome da composição) e em momentos antes quando mata seu pai, assim reforçando

a importância da canção nesse momento surpreendente, revelador e impactante na

vida de Ben Linus.

É necessário esclarecer que o tema de Ben começou como uma música geral

para os “Outros”. Pequenos trechos e variações de Dharmacide também foram

introduzidas nas aparições do grupo dos “Outros”, inclusive ainda nos últimos

episódios da segunda temporada. Os Outros têm um tema simplista, um som baixo

com instrumentos de corda, usando as cordas mais graves para criar um clima de

tensão e suspense.

Dharmacide é uma música que começa desagradável, com viradas estranhas

na melodia, muito incômoda e perversa. Contém uma melodia sinistra de sete notas

para trombones, além de instrumentos de cordas. Seu primeiro minuto remete ao Ben

dos primeiros episódios da terceira temporada, na qual fica cada vez mais evidente

sua posição como antagonista da série. Na metade da música há uma mudança

considerável em que as notas baixas e tênues de piano contrastam com o início da

composição, agora soando emotiva e tocante.

Essas duas melodias bem definidas na música tema de Ben revelam

perfeitamente os dois lados de seu personagem. O Ben atual possui características

perturbadoras, as quais são identificadas também pela sua música tema e que o liga

aos Outros. Ben é manipulador, mau e indiferente com as pessoas. Já o Ben do

passado é um ser deprimido, triste e melancólico.

Tendo em vista isso, é exatamente essa a função da música na cena: fazer

entender como foram construídas e originadas essas características em Ben e como

39 Disponível em: <https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10007043>. Acesso em: 20 de novembro de 2017.

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ele se transformou nesse personagem insensível e indiferente. Tomar conhecimento

da sua história faz com que se crie empatia pelo personagem. O próprio Michael

Giacchino disse em um bônus40 dos DVDs da quarta temporada de Lost, que “quando

fizemos o episódio em que ele mata o pai, sentimos pena dele, entendemos o que ele

passou quando criança. Então, transformei a música cruel em algo mais tocante, e

mostrei o lado verdadeiro do personagem por um instante”.

Dito isso, observa-se que o objetivo de Giacchino foi alcançado com sucesso,

pois a sua composição tem a força de ‘manipular’ a resposta emocional do público.

Essa manipulação acontece porque a música contrasta com o acontecimento. É óbvio

que a infância e adolescência difícil e infeliz com seu pai e com a Iniciativa Dharma,

não justifica seu ato de genocídio. Todavia compreende-se que seu passado o levou

a exterminar com a Dharma e a composição musical ao invés de reforçar sua ação

cruel em conjunto com o cenário chocante de várias pessoas mortas, prefere realçar

seu estado interior de perplexidade e sacrifício feito ao perceber que sua decisão, por

mais sádica que tenha sido, tirou a vida de muitas pessoas com quem conviveu

durante anos. Prova disso é quando encontra Horace e fecha seus olhos em sinal de

respeito e a música se volta apenas ao som de notas baixas de piano.

A música da cena mais uma vez também contrasta com o cenário – apesar

das pessoas mortas, a vila da Iniciativa Dharma se mostra um lugar bonito e tranquilo.

O dia está ensolarado com o céu azul e algumas nuvens, a grama é bem verde e tudo

parece ser muito bem organizado e cuidado.

Apesar de a princípio não ficar totalmente claro que foi Ben quem aniquilou a

Iniciativa Dharma, na cena seguinte a essa, ele conversa com Locke e explica que os

membros da Dharma não conseguiam coexistir com os habitantes originais da ilha (os

hostis) e, por isso, um lado precisava ser purificado e que em consequência disso ele

fez o que precisava ser feito. Aliás, a este evento do episódio, foi-lhe dado o nome de

“a purgação”.

Mesmo não sendo mostrado em que momento e como Ben fez para matar

todas aquelas pessoas, a arma utilizada foi o gás venenoso. Afinal os corpos

apresentavam sangue saído de seus narizes e bocas, assim como em Roger.

Inclusive as máscaras de gás sustentam essa ideia.

40 A matéria completa com Michael Giacchino pode ser encontrada no disco 5 em “Trilha sonora da sobrevivência: compondo para os personagens, os conflitos e a queda”.

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Conclui-se portanto que essa cena foi derradeira para reconhecer novas

características em Ben pelo auxílio da música originalmente composta para a série.

Foi possível graças a ela e ao seu encontro com a imagem perceber que Ben teve de

ser paciente em esperar por muitos anos para poder se livrar do pai e da Iniciativa

Dharma, para conseguir fazer parte dos Outros; Ben precisou ser frio e calculista; foi

cruel, mas também fiel a si mesmo; mostrou-se ser capaz de mudar de

comportamento de acordo com a situação; e sua identidade não pode ser vista como

sólida e inalterável.

4.2.2.8 Sequência 8

Cena: Episódio 9 – The Shape of Things to Come, 4ª temporada, aos 20min.

Situação da Cena: Ben, Locke, Sawyer e Miles estão trancados e armados dentro de

uma casa se escondendo de um grupo de mercenários que chega a ilha. Martin

Keamy, o líder dos mercenários, faz Alex, filha de criação de Ben, como refém. Ele

pede que Ben se entregue ou irá matar sua filha. Ben recusa a se render e desafia

Keamy. Alex é morta.

Figura 20 – Sequência 8: A morte de Alex

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Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: Após Miles chegar com um walkie-talkie (rádio transceptor de dois

pontos e portátil) na casa em que Ben, Locke e Sawyer estão escondidos, a cena se

inicia com ele explicando que o grupo de mercenários está na ilha para capturar

Benjamin Linus e que desejam conversar com ele. Miles pede que Ben pegue o

walkie-talkie, pois eles fizeram um refém, mas Ben não se importa porque, segundo

ele, seu grupo está preparado para morrer se for preciso. Durante isso uma variação

de Benomination of the Temple é executada. Trata-se de uma composição

orquestrada de Michael Giacchino presente no disco dois da trilha sonora original da

terceira temporada de Lost.

A música é entoada de maneira a criar uma atmosfera de muita apreensão e

suspense para a situação em que os personagens estão envolvidos. A composição

produz um som alto e incômodo, engrandecendo o drama da cena. A música em si é

de difícil compreensão para a identificação correta de quais instrumentos são

utilizados e de que maneira são tocados. Entretanto ela é composta por uma espécie

de batida que se repete dentro de alguns segundos e que depois é tocada três vezes

continuamente. Depois disso o som ríspido de cordas surge e se mistura ao som de

um trombone. Tudo isso cria uma combinação de diferentes sons, indicando uma

situação passível de grande perigo. A sensação que passa é de desconforto, pois a

música que acompanha a cena é confusa, aumentando a intensidade hostil da

situação em que os personagens se encontram.

Miles então diz que a refém é a filha de Ben, que resolve enfim pegar o walkie-

talkie para iniciar uma conversa com o grupo de mercenários. A música anterior é

interrompida e um breve silêncio se instaura, até surgir um som de instrumento de

cordas que vai aumentando o tom gradativamente até Ben dizer “alô” pelo walkie-

talkie. Apesar do silêncio ter durado aproximadamente um segundo apenas, ele é

importante para anunciar uma mudança de comportamento no personagem. Se antes

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Ben não se mostrava muito preocupado com a situação, agora, ao saber que sua filha

de criação foi feita de refém, o silêncio que paralisa a música incidental revela que

isso é o suficiente para convencê-lo a dar a devida atenção a circunstância atual. Isso

é reforçado pelo leitmotif final de instrumentos de cordas que marcam um quadro de

ameaça como percebido em cenas anteriores.

O líder dos mercenários se identifica como Martin Keamy e pede que Ben olhe

pela janela. Martin pede que Ben saia da casa e se renda, prometendo que não

machucará mais ninguém dali. Durante o diálogo dos dois personagens pelo walkie-

talkie o som de notas de corda, que soam semelhantes a batidas, surge sendo

executado no intervalo de tempo de alguns segundos, deixando o clima de tensão

ainda mais evidente e forte.

Keamy então assovia e o som curto de trombone soa potente e alto, indicando

que algo vai acontecer, pois ele irrompe inesperadamente. Eis que outra pessoa do

grupo de mercenários traz Alex com as mãos amarradas feita sob refém. Keamy

aponta uma arma para a cabeça dela, ameaçando-a matar, caso Ben não saia da

casa. O som de trombone fica mais forte, alto e contínuo e se mistura ao anterior,

proveniente de instrumentos de cordas. Este som agrava o problema e indica que a

cena atingiu seu clímax, ou seja, o momento de maior tensão, no qual o conflito chega

ao seu ponto crítico.

A música incidental continua sendo tocada enquanto Ben pensa por um rápido

momento e resolve apresentar uma contraproposta que consiste em Martin e seu

grupo deixarem e esquecerem da ilha. No instante que Ben provoca com a sua

contraproposta, a música sofre um pequena virada dando continuidade ao som de

cordas e interrompendo o som de trombones, formando um ar de suspense.

“Hostile Negotiations” é o nome da composição de Giacchino que toca a partir

do momento em que Alex aparece. A música faz parte da trilha sonora incidental da

quarta temporada da série e foi composta especialmente para essa sequência

narrativa com o objetivo de pontuar e intensificar a carga dramática da cena.

A cena segue com Keamy passando o walkie-talkie para Alex se despedir de

seu pai. Alex chora enquanto fala que eles estão falando sério, pois mataram Karl e

sua mãe (Danielle Rousseau). Ben afirma convicto que ele tem a situação sob controle

e que tudo irá ficar bem. A música anterior se mistura agora com uma melodia mais

emotiva e dramática, oriunda de notas de instrumentos de cordas, reforçando o estado

interior de tristeza e desespero de Alex e da situação.

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Martin pega o walkie-talkie de volta e diz que Ben tem 10 segundos para se

entregar, iniciando a contagem regressiva. Ben aparece em close e tenta manipular e

desafiar Keamy dizendo que Alex não é sua filha, que a roubou quando era uma bebê

e que ela não significa nada para ele. Aqui uma variação do tema musical de Ben é

inserido, mas apenas da segunda parte de Dharmacide, pois esse trecho é

intensamente emotivo e triste. A música surge com a função de criar suspense e

anunciar uma tragédia, isto é, a provável morte de Alex. Além do mais a melodia

emotiva da música coloca mais peso nas falas de Ben. Os episódios anteriores

demonstram o quanto ele ama sua filha, fazendo suas afirmações se tornarem

opostas ao que ele realmente sente, para tentar assim convencer Keamy do que fala.

Além disso esse trecho de Dharmacide já havia sido tocado no episódio The

Man Behind the Curtain na cena em que Ben presencia a purgação da Iniciativa

Dharma. Por isso nessa cena a composição tem o objetivo de relembrar e revelar

novamente seu lado mais sensível e sentimental, apesar da frieza com que lidou em

ambas as circunstâncias.

Alex chora e Ben continua dizendo que não irá sair da casa e que se Keamy

quiser matá-la, então ele deve fazer isso. Imediatamente, ouve-se um tiro e a imagem

se volta para Keamy, mostrando Alex a sua frente, caindo no chão já morta. Neste

instante é inserido um som simplista e curto de percussão que se mistura com o “som

áspero” de instrumentos de cordas, sinalizando que Alex realmente morreu, em

associação com a imagem. As cordas produzem um contínuo e crescente som,

enquanto Ben parece não acreditar no que viu (Figura 21), ficando em estado de

choque. Em seguida a tela fica toda preta.

Além das composições e variações de “Dharmacide”, “Benomination of the

Temple” e “Hostile Negotiations”, efeitos sonoros também compõe a cena. Os efeitos

sonoros introduzidos são os chiados do walkie-talkie antes de Ben e Martin

começarem a falar e após concluírem suas falas, e também do som de tiro.

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Figura 21 – Reação de Linus

Fonte: frame extraído do DVD de Lost

A cena é longa e dura quase cinco minutos, logo a música incidental tem o

papel de criar, reforçar e aumentar o contexto dramático da cena, promovendo

suspense, tensão, emoção, surpresa e tristeza. E ela consegue isso com maestria,

inclusive em alguns momentos se sobrepondo a imagem devido a sua intensidade e

variação de sons desagradáveis e incomuns.

As falas de Ben são as grandes responsáveis por acentuar características que

já se conhece de seu personagem, como também por apresentar novas. Todavia a

música incidental sublinha esses traços enfatizando características de um

personagem presunçoso que faz a escolha errada ao ser autoconfiante e seguro

demais do que é capaz de fazer.

Um dos aspectos que constituem a identidade de um indivíduo, é ele

reconhecer seus próprios traços e sentimentos. Ben sabe que tem o potencial de

manipular e convencer as pessoas a fazerem o que ele deseja, e isso é um dos

motivos que o fizeram desafiar Keamy a ponto de acreditar que ele não mataria Alex,

independentemente do que falasse. Ele também compreende que sente amor

fidedigno por sua filha e que isso a torna sua maior fraqueza por ser uma “arma” para

os inimigos chegarem até ele. Logo sua estratégia foi de se mostrar indiferente a Alex,

aliadas a sua frieza, autoconfiança e capacidade de manipulação.

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A variação da música tema de Ben com uma melodia emocionante e

engrandecedora serve de indício para mostrar que seu personagem ainda tem um

lado mais sentimental, apesar dele falar o oposto do que sente sobre sua filha e dessa

sua faceta estar “dormente”. Logo a música reforça o quanto Ben realmente se

importava com Alex, principalmente devido a sua reação final.

Contudo é pertinente destacar que até então Ben sempre pareceu tomar suas

decisões por acreditar que estava defendendo a ilha, combinada com sua

personalidade egocêntrica. Ele sabia que se fosse se entregar, o responsável por

contratar os mercenários conseguiria chegar a ilha, colocando o lugar em risco

eminente. Por isso ele escolhe a ilha ao invés de Alex, apesar de acreditar que

conseguiria sair em vantagem daquela situação. Benjamin Linus realizou um

“sacrifício pela ilha” e a própria composição incidental aponta isso ao apresentar uma

melodia que ao final comove e enaltece o desfecho da cena. Apesar da composição

ser uma variação de Dharmacide, ela remete e cria a lembrança a outras cenas

comoventes envolvendo Ben, sendo utilizada mais uma vez como elemento narrativo

para pontuar um acontecimento triste.

Pode-se observar que essa cena é fundamental para se identificar uma linha

evolutiva na construção do personagem. O Ben da linha de tempo atual da série é

conhecido por ser um antagonista, devido as suas ações e planos que prejudicam os

protagonistas, mesmo que muitas vezes ele afirme que ao tomar algumas decisões,

ele também está ajudando os sobreviventes da Oceanic 815. Com isso cria-se uma

dúvida em relação ao que realmente Ben quer e o que o motiva para tanto. Inclusive

a música incidental reforça esses traços do personagem ao introduzir sons que criam

desconforto, suspense e mistério. O Ben dos flashbacks era visto com um jovem triste

e solitário, apesar de se tornar frio e perverso em consequência do contexto que

estava inserido. Logo a música também indicava essas características ao apresentar

melodias emotivas nas suas aparições.

Lost é uma série construída por inúmeros episódios, em vista disso a música

incidental aciona determinadas sensações e sentimentos que já foram anteriormente

experimentadas pelo espectador na narrativa e que nessa cena surgem novamente.

É o caso da faceta mais humanizada de Ben Linus que aparece pela primeira vez no

tempo presente da série por a composição musical criar a lembrança daquele Ben

melancólico dos flashbacks. Afinal a música incidental cria uma linha na narrativa do

personagem quando o acompanha em situações parecidas na série. Com isso ela tem

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a intenção nessa cena de pontuar aspectos que caracterizam o personagem,

contribuindo para o entendimento sobre ele, assim como uma estrutura coesa entre

os episódios.

4.2.2.9 Sequência 9

Cena: Episódio 7 – The Life and Death of Jeremy Bentham, 5ª temporada, aos

35min10s.

Situação da Cena: Locke está prestes a cometer suicídio, mas é interrompido por

Ben que implora para que ele não faça isso. Locke desiste e faz algumas revelações.

Ben mata Locke, enforcando-o com um cabo de extensão e forjando o espaço do

crime, fazendo parecer que Locke cometeu suicídio.

Figura 22 – Sequência 9: A tentativa de suicídio de Locke

Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

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Análise: Já fora da ilha, John Locke está prestes a cometer suicídio, mas é

interrompido ao ouvir batidas na porta do seu quarto de hotel. Ben Linus começa a

chamá-lo enquanto uma música proveniente de instrumentos de cordas vai tendo seu

som crescendo gradativamente. Nesse momento Ben arromba a porta e se depara

com um cabo de extensão ao redor do pescoço de Locke que está em cima de uma

mesa. A música continua em ritmo crescente e acelerado a medida que Locke tenta

dar um passo à frente e pular de cima da mesa. Então a música é brutalmente

interrompida quando Ben pede para que John não faça isso. Locke parece desistir da

ideia de se matar e pergunta como Ben o encontrou.

O ritmo acelerado e progressivo, combinados ao aumento contínuo do tom da

música incidental, criam uma atmosfera de extrema urgência, tensão e desespero em

relação a situação e a ação dos dois personagens. Já a interrupção da composição

incidental têm a função de gerar uma apreensão e dúvida do que Locke fará na

sequência.

O som semelhante a batidas sutis vão sendo inseridos espaçadamente ao

fundo enquanto Ben se explica. O som de violino, juntamente com as batidas, começa

quando John questiona o que Ben quer dele. Os dois continuam conversando, com

Locke exaltado e Ben falando num tom de voz mais elevado. A música se trata do

trecho inicial da composição orquestral, Teaser Time, a qual fornece um clima de

suspense, acompanhando a ação e combinando com algumas falas reveladoras de

Ben que deixam Locke, a princípio, surpreso e confuso, mas que depois as

compreende.

Teaser Time já havia sido tocada em cenas anteriores a essa, como naquela

em que ele conversa com Kate na beira da praia. Tanto naquela cena como nesta, a

música tem o papel de criar uma atmosfera de suspense, devido as falas reveladoras

de Ben Linus e que causam visível desconforto nos protagonistas.

Ao passo que Ben vai se aproximando de Locke, ele afirma que John não

pode se matar, pois é importante demais. Em seguida Ben pede para que Locke deixe

ele ajudá-lo. Sons em tom baixo de trombone são executados nessa sequência,

colocando em dúvida se o que Ben diz é realmente sincero, mesmo que ele e Locke

tenham, em parte, os mesmos objetivos agora. A incerteza em relação as palavras de

Ben é indicada pelos sons de trombone, pois eles já surgiram várias outras vezes nas

aparições em que não se sabe se ele está falando a verdade, mesmo quando soa

convincente, principalmente quando seus atos são dúbios.

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Locke diz que é um fracasso e que não pode liderar ninguém, tentando

segurar o choro. Ben afirma que Locke pode muito bem convencer os outros que

saíram da ilha a voltarem para lá. Nessa sequência uma variação da música tema de

Locke, chamada “Locke'd Out Again41”, é executada. A música normalmente é tocada

quando Locke passa por momentos tristes, transmitindo a sensação de sofrimento do

personagem. O próprio título da composição “brinca” com seu segundo nome ao

remeter a um John “preso emocionalmente” em uma situação de conflito interno.

A cena segue com Ben se ajoelhando em frente a John e implorado dizendo

que ele não pode morrer. Ben então desamarra o cabo de extensão que está preso

ao chão. Ele estende sua mão para John, se levantando e implorando mais uma vez

para que ele desça da mesa. Tudo isso acontece ao som de violino, que reforça a

dramaticidade da cena e os sentimentos de aflição e comoção. Isso faz com que

pareça que Ben mudou, isto é, que ele está pensando no que é melhor para o outro e

não mais só nele próprio. Até porque as músicas incidentais que causam desconforto

e soam perversas, principalmente os sons de trombone, não foram inseridos nesse

momento. Então aparentemente, ao que indica a imagem aliada à música suave e

triste, Ben não deixa dúvidas em suas ações que se mostram sinceras.

John desce da mesa com a ajuda de Ben, senta-se nela e começa a chorar

desesperadamente. Ben motiva Locke, dizendo que ele pode fazer isso (convencer

os outros personagens a voltar para a ilha) e sugere que ele comece por Sun. Locke

diz que não pode fazer isso e revela que Jin (marido de Sun) está vivo na ilha,

prometendo a ele que não levaria sua esposa de volta para lá. Ben fica surpreso e

então a música muda para uma melodia de suspense e mistério indicando que a

informação afetou-o de alguma maneira, apesar de ele concordar afirmando que

“promessa é promessa".

Locke retira o cabo envolto de seu pescoço e agradece Ben que olha nos

olhos dele e diz “de nada”. A música volta ao som emotivo de violino com algumas

notas de piano sendo tocadas em tom baixo. Ben então ajuda Locke a se sentar na

sua cadeira de rodas. Locke diz haver uma mulher ali em Los Angeles, chamada

Eloise Hawking, que pode ajudá-los a voltar para a ilha, enquanto Ben guarda o cabo

de extensão. A música sofre uma virada e agora soa misteriosa e apenas notas de

41 “Trancado Novamente” em tradução para o português.

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piano se fazem presentes. Ben fica surpreso e John pede se ele a conhece. Ele diz

que sim e então se aproxima pelas costas de John.

Ben então coloca o cabo envolta do pescoço de Locke e começa a estrangulá-

lo. A música de instrumentos de corda soa em tom e volume alto, provendo um clima

extremamente pesado e perverso – são notas que se repetem e que vão sendo

tocadas a cada segundo, freneticamente. Locke tenta se libertar, mas cai da cadeira

de rodas e os dois vão ao chão com Ben apertando ainda mais forte o cabo. A música

então vai acelerando e acompanhando a ação. Batidas fortes vindas de instrumentos

de percussão se misturam a música. A medida que Locke se aproxima da morte a

música vai parando lentamente. Locke vem então a falecer e a música para e os sons

de batidas intercaladas com o silêncio e a respiração ofegante de Ben tornam a cena

uma experiência profunda, violenta e chocante. A tela então fica preta.

Na continuidade Ben aparece organizando, limpando e se livrando de suas

impressões digitais naquele espaço. Toda essa última sequência apresenta ao fundo

uma música incidental com o som de curtas batidas que se repetem a cada 4

segundos aproximadamente e que dão a sensação de calmaria, mas também de

suspense.

Nisso Ben vê na mesa a aliança de casamento que Jin deu para Locke

convencer Sun que ele está morto para ela não retornar a ilha. Uma variação da

música tema de Ben, com sons de cordas começa a ser tocada, passando suspense.

Ben então pega a aliança para ele e se encaminha para a porta de saída, abre-a e

antes de sair e fechar a porta, olha seriamente em direção a John Locke dizendo que

vai sentir sua falta. A imagem se volta então para John enforcado no cabo de

extensão, preso no teto, sugerindo que ele se suicidou.

Toda essa longa cena de quase 10 minutos de duração tem em sua

composição diversos elementos de um trilha sonora. Há a presença de diferentes

músicas incidentais, o som ambiente (movimentação dos personagens dentro do

quarto; Ben limpando o lugar; porta se fechando), os diálogos e efeitos sonoros (porta

sendo arrombada, trânsito e carros buzinando). Sonoramente o grande destaque da

cena é sua trilha sonora incidental com músicas de melodias tristes, misteriosas,

perturbadoras e de suspense.

Do início ao fim a cena é fortemente impactante e transmite inúmeras

sensações e sentimentos diferentes. E a música é a responsável por dar ênfase em

como o público se sente ou deve se sentir. Ela trabalha em dar um peso dramático a

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sequência, valorizando e enaltecendo o estado interior de John e os traços bárbaros

de Ben. A composição musical é totalmente evocativa e emotiva.

A cena é responsável também por revelar aspectos sobre a identidade, índole

e traços que caracterizam e individualizam Ben Linus. É notável que mais uma vez

seu poder de convencimento em tentar controlar a situação e a outra pessoa dão

resultados positivos. Há instantes que realmente surge a impressão que Locke

inevitavelmente tirará sua vida e a música sublinha essa sensação.

A grande surpresa da sequência é mais vez as ações e escolhas sempre

imprevisíveis e de uma frieza incomparável de Benjamin Linus. Ao tentar convencer e

motivar Locke a viver, mostrando-se sincero, preocupado, empático e que procura

ajudar ao máximo John, observa-se um homem com características absolutamente

diferentes de tudo que já viu nele, inclusive nos flashbacks. Até por isso e pelos seus

atos dúbios que em determinado momento ficamos na dúvida se Ben realmente está

tentando amparar Locke a ponto de se ajoelhar e implorar para ele. Conhecendo o

caráter e a identidade de Ben, não há como não pensar que ele está agindo com

segundas intenções. Essa dúvida surge porque a música insere essa sensação de

incerteza. Todavia suas expressões e falas soam realmente sinceras em mais um

ótimo trabalho de atuação de Michael Emerson.

Entretanto quando Locke revela que Jin está vivo, Linus fica surpreso, pois

sabe que isso seria o suficiente para convencer Sun a voltar para ilha. Essa

informação já atiça o seu lado insensível e egoísta em querer passar por cima da

promessa que John fez para Jin. Quando Locke fala o nome de Eloise Hawking e Ben

percebe que ele sabe tanto ou mais que sua pessoa, seu instinto maligno faz com que

ele mate Locke de forma hedionda, afinal ele agora tem as informações que precisa.

É oportuno fazer aqui uma ressalva: até hoje não há um consenso sobre o

porquê Ben matou Locke, há várias opiniões diferentes, entre os críticos e fãs sobre

o que realmente motivou Linus a fazer aquilo. Contudo sabe-se pela cena, combinada

com a imagem das expressões faciais de Ben e pela mudança da trilha sonora

incidental, que quando John menciona que Jin está vivo e cita o nome de Eloise

Hawking, essas informações o surpreenderam e o atingiram de algum modo.

Mais uma vez Ben é imprevisível e surpreendente em relação aos seus atos

de frieza e perversidade ao forjar o suicídio de John Locke com a música incidental

efetivamente aumentando a autenticidade da imagem e a sua identidade de indivíduo

maléfico.

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Independentemente de não se saber com certeza se Ben realmente estava

expondo seu lado humano, sendo atencioso, sincero e puro em tentar convencer John

a desistir de se matar, ele foi verdadeiro no final da cena. Quando ele se despende de

John, olhando profundamente para seu corpo, afirmando que vai sentir sua falta, a

música sofre uma virada para um som singelo de melodia sombria e melancólica,

reforçando essa impressão de que ele sentirá a ausência de Locke em sua vida de

alguma maneira.

Conclui-se portanto, através dessa cena, que mais uma vez Ben coloca seus

objetivos e motivações a frente de qualquer coisa ou pessoa, mesmo quando se

importa com elas, como aconteceu com sua filha Alex. Assim como também faz com

que não se acredite mais em uma possível redenção do personagem que torna-se

ainda mais antagonista do que protagonista na narrativa da série.

4.2.2.10 Sequência 10

Cena: Episódio 7 – Dr. Linus, 6ª temporada, aos 34min17s.

Situação da Cena: Ben corre em fuga pela mata, sendo perseguido por Ilana. Ele

encontra um rifle e faz com que ela se renda. Quando Ilana questiona o porquê Ben

não atira nela, ele pede desculpas pelos seus erros e explica os sacrifícios que fez

pela ilha.

Figura 23 – Sequência 10: A confissão de Ben

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Fonte: frames extraídos do DVD de Lost

Análise: Antes de começar a análise da cena é preciso fazer alguns

apontamentos em relação a eventos de episódios passados. Para compreender essa

cena faz-se necessário ter conhecimento que Benjamin Linus matou Jacob, o homem

responsável por proteger a ilha e de quem o próprio Ben recebia ordens através de

Richard. Após matar Jacob, a mando do Homem de Preto (irmão e rival de Jacob),

IIana Verdansky que trabalhava como segurança de Jacob e de seus interesses,

descobre que foi Ben Linus que o matou. Ilana então mantém Ben na mira de uma

arma, acorrenta-o a uma árvore e o força a cavar sua própria cova. Quando Ilana se

afasta, o Homem de Preto aparece e oferece a Ben um lugar no seu grupo, liberando-

o da corrente. Ben, não querendo morrer, corre em direção ao matagal.

O Homem de Preto como é conhecido, seu verdadeiro nome não é revelado,

aparece sob a fisionomia de John Locke, pois ele tem o poder de absorver a aparência

física, a voz e as memórias de pessoas mortas.

Dito isso, a cena começa com Ben correndo em fuga pela mata. Ilana vai atrás

dele segurando uma arma enquanto a música acompanha a ação ao som frenético de

trombone e instrumentos de cordas tocados em tom alto. A música incidental visa aqui

acompanhar a perseguição, aumentando seu grau de realismo e acelerando a ação.

Linus encontra um rifle, deixado para ele pelo Homem de Preto, e aponta em

direção a IIana que se rende largando sua arma no chão. A música então perde seu

ritmo acelerado e ecoa mais lentamente, afinal agora os personagens pararam de

correr. De qualquer forma a composição musical continua a soar alta e a criar tensão

e suspense. Ambos se encaram e Ilana pede o que Ben está esperando.

Ben diz que deseja se explicar e uma nota baixa de piano ecoa e a música

ganha uma melodia triste. Ele fala que quer se justificar, pois sabe como Ilana se

sente. Ben então diz que viu sua filha morrer na sua frente e que foi sua culpa. Nisso

a segunda parte de Dharmacide, a mesma que é executada no flashback que o jovem

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Ben chega em casa com seu pai dormindo, começa a ser tocada, remetendo a um

sentimento de tristeza. Benjamin continua falando muito emocionado, quase

chorando, que teve a chance de salvar Alex, mas que escolheu proteger a ilha em

nome de Jacob, sacrificando tudo por ele, mas sem Jacob se importar.

A cena é tocante e Ben continua explicando que esfaqueou Jacob porque

estava com muita raiva, confuso e aterrorizado em perder a coisa com que mais se

importava: seu poder. Porém ele admite, ainda mais emocionado, que a única coisa

que realmente importava, ele já havia perdido – sua filha.

Ben segue pedindo desculpas a Ilana por ter matado Jacob e diz que não

espera que ela o perdoe, porque ele nunca irá se perdoar. Ilana então indaga o que

ele quer e Ben responde que só deseja que ela deixe-o ir. Ela pergunta para onde e

Ben responde “para Locke” (Homem de Preto). Illana questiona o porquê e Ben afirma,

segurando o choro, que é porque ele é o único que o aceitará. Ela então se comove

e diz que o aceitará. Ben fica surpreso, estático e de olhos arregalados, retornando

lentamente para a praia atrás dela. A cena é encerrada.

Efeitos sonoros da perseguição dos personagens pela mata e dos seus

passos foram inseridos para dar destaque e um aspecto mais realístico ao espaço de

ação deles.

Toda esta sequência é certamente uma das mais importantes envolvendo o

Ben do tempo presente da narrativa, pois marca uma mudança radical no seu

personagem – na sua identidade. De um vilão, com características perversas já

consolidadas, manifesta-se aqui uma nova faceta do personagem, agora sensível e

“mais humano”. Arrependido de suas escolhas e carregando um peso enorme de

culpa, ele assume a sua natureza falha ao pedir perdão pelos seus erros que

destruíram e acabaram com tantas vidas.

Ao longo da jornada de Ben, o espectador foi apresentado a um personagem

dominado pela sede de poder da ilha, um lugar que ele mesmo não compreendia, mas

que protegia a todo e qualquer custo. Seus atos, atitudes e escolhas sempre foram

egoístas, nunca em prol dos outros, mas sim em benefício próprio.

Pela primeira vez Ben fala a mais pura verdade, seja pela sua confissão

emocionada e autentica, seja pelo reforço da trilha sonora incidental ou por Illana ter

o aceitado e sido convencida de suas palavras. Inclusive Illana parece representar o

espectador nessa cena, pois depois de todo o mal que Ben provocou, o público já não

consegue mais ter empatia por seu personagem e deseja que ele sofra as

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consequências de seus atos. Percebe-se que todo o seu triste passado, apresentado

nos flashbacks, influenciou nas suas atitudes, porém, visto quando ele deixa sua filha

morrer ou mesmo quando mata Locke, parece ficar claro que ele não irá mudar.

Todavia, o primeiro sintoma que poderia vir a simbolizar o início de uma mudança no

seu caráter, seria uma mostra de reconhecimento e arrependimento de seus erros. E

é isso que acontece exatamente, inclusive Ben entende a dor de Ilana e o seu desejo

em matá-lo porque ele passou pela mesma situação quando mataram sua filha e

procurou vingança por isso.

Ao começar a tocar o trecho da música tema de Ben que remete ao seu lado

mais humano, identifica-se que o desenrolar da cena será totalmente focado em um

momento emotivo de seu personagem. Aliado a isso, ao texto de suas falas, a sua voz

embargada, as suas expressões faciais e a impressionante e comovente interpretação

do ator Michael Emerson.

Portanto a composição orquestral de Giacchino não é a única responsável por

mostrar um novo lado da identidade de Ben, mas ela é fundamental devido a sua

sonoridade em enaltecer e valorizar um dos raros momentos de sinceridade e

sensibilidade de Benjamin Linus.

Ben finalmente reconhece que suas escolhas só trouxeram sofrimento para a

sua vida, pois seu poder não vale nada sem a única coisa que despertava seu lado

humano: o amor genuíno por sua filha Alex. Ele também entende que Jacob não

estava ignorando-o, apenas tinha fé que Ben pudesse fazer escolhas diferentes e

melhores.

No final, quando Ilana diz que o aceitará, Ben então tem uma nova

oportunidade de escolher entre o caminho bom e o ruim. E o início da transformação

das características que irão compor sua nova identidade se concretiza quando ele vai

atrás de Illana, recusando-se aliar ao Homem de Preto.

É preciso ainda destacar uma característica da infância de Ben que veio nessa

cena a ser acentuada: o quanto ele se sentia sozinho. Fazendo um gancho com o

flashback da cena de seu aniversário, quando era jovem, lá tinha-se um menino que

se sentia sozinho, rejeitado e excluído pelo pai. Quando não suportou mais a pressão,

correu em desespero ao encontro de alguém que pudesse acolhê-lo, no caso os

Outros. Agora, aqui nessa cena que está sendo analisada, Ben se vê sozinho mais

uma vez e corre para se juntar ao Homem de Preto, que mesmo não tendo as

melhores intenções, é o único que manifesta interesse em tê-lo por perto. Por isso

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que quando Ben é aceito por Ilana e ele se junta a ela, há o início da consolidação da

redenção de seu personagem.

A identidade de uma pessoa é definida pelo que ela faz e sofreu ao longo de

sua vida (Figura 24), mas também pelo que ela reconhece sobre si mesma. Por isso

Ben adquire novas características ao longo da série, porque o espaço em que vive e

as pessoas com quem convive fazem que suas ações se moldem de acordo com o

contexto que está inserido, sendo passível uma mudança de suas características

físicas e psicológicas, do seu caráter, índole, disposição interior, virtudes, motivos,

ações e intenções.

Figura 24 – Momentos de Ben

Fonte: Facebook

Fechamento da Análise: A análise das sequências anteriores se configurou

em selecionar as cenas mais importantes do personagem Benjamin Linus que tivesse

a trilha sonora como um elemento narrativo importante e ativo na participação sobre

seu personagem. É evidente que há tantas outras cenas que poderiam ser utilizadas

para ilustrar a análise, mas estas ou não tinham uma participação, fosse ela

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determinante ou não, da trilha sonora ou não apresentavam uma significativa evolução

do personagem.

As cenas foram analisadas na ordem de exibição do seriado, para mostrar

exatamente como o personagem foi apresentado para o espectador. A escolha das

cenas se baseou em mostrar uma linha evolutiva do desenvolvimento e

aprofundamento do personagem Ben, e como a trilha sonora incide sobre a percepção

das suas características, sendo um importante elemento narrativo, ao revelar

características e criar ligações entre os episódios.

Ben Linus é um personagem complexo e responsável pelas grandes

reviravoltas na narrativa de Lost. Sua importância para a história é tão considerável

que ele ganhou em tema musical exclusivo para identificar e caracterizar suas ações

e situações na qual está diretamente envolvido. Ele é um personagem de ações

dúbias, misterioso e mentiroso, sendo a partir dessas características que a sua

identidade começa a ser construída e apresentada para o espectador. A medida que

a narrativa avança observa-se um personagem com características próximas ao de

um antagonista. Logo não demora muito para sua face perversa se manifestar.

Os flashbacks mostram ao público um novo lado que até então não era

conhecido de seu personagem que culmina em atos horrendos e aterrorizantes de

Ben. Contudo ele começa a manifestar uma mudança de caráter quando consegue

sentir o seu sofrimento no outro e reconhece suas falhas e traços que o individualizam.

A trilha sonora, principalmente a música incidental de Michael Giacchino, tem

participação direta em indicar, reforçar e valorizar o estado interior de Ben e por

identificar e caracterizar determinados momentos de seu personagem. Aciona

lembranças, criando ganchos com os episódios anteriores, facilitando o entendimento

da narrativa. Cria tensão ao reforçar uma ação ruim do personagem e passa sensação

de calma ao indicar ações boas, porém esse contraste demonstra que o personagem

possui características enigmáticas que são desenvolvidas durante a história e que são

modificadas a partir da estrutura e dos acontecimentos do seriado. A trilha sonora

aliada à imagem, reforça sensações e cria potência a situação, de acordo com o

desejo do realizador. Com isso, a composição orquestrada original da série consegue

influenciar na percepção do espectador em relação a identidade de Benjamin Linus,

seja emocionando ou causando dúvida quanto a identidade e personalidade de seu

personagem.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lost foi uma série de televisão considerada por críticos e especialistas um

fenômeno de seu tempo e um marco da televisão mundial devido a forma inovadora

e instigante de sua narrativa ficcional e pela maneira do público assistir e vivenciar a

obra. Um dos elementos da produção responsáveis pelo sucesso do programa foi a

trilha sonora orquestrada original composta por Michael Giacchino.

Dito isso, tornou-se relevante verificar como a trilha sonora participa e

contribui para a estrutura narrativa da série para então compreender sua importância

para o programa e como ela evidencia características do personagem Ben Linus. Em

vista disso, este trabalho procurou responder a seguinte questão norteadora: como a

composição e presença da trilha sonora na narrativa de Lost evidencia características

dos personagens em relação à sua participação na série?

Os capítulos dois e três, elaborados através de uma pesquisa bibliográfica

com base em diferentes materiais publicados, tiveram como objetivo trazer conceitos

e teorias para melhor auxiliar e sustentar a análise das cenas selecionadas de Lost.

Foram abordados conteúdos sobre a estrutura narrativa, as características de um

seriado, a definição de trilha sonora e os elementos que a constituem, e como a

música se relaciona com a imagem e estimula emoções.

O capítulo quatro procurou apresentar informações sobre a obra e o

personagem, objetos deste estudo, para capacitar um conhecimento mais avançado

sobre eles, tornando ainda mais preciso o vínculo com a análise focada no aspecto

sonoro das sequências elegidas.

A análise fílmica se mostrou uma metodologia adequada e eficaz para a

construção da proposta, pois proporcionou um processo mais técnico de

compreensão e (re)constituição do objeto de estudo para o pesquisador. Assim como

facilitou na investigação de como a trilha sonora é pertinente ou não na narrativa, além

das funções que ocupa para a cena, personagem ou situação.

Os objetivos específicos propostos no projeto desta monografia não apenas

foram alcançados, como serviram de base para a divisão e construção dos capítulos,

ao mesmo tempo em que atingiram o objetivo principal, que era estabelecer o papel

da trilha sonora na narrativa de Lost e compreender como ela se associava com os

personagens.

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Constatou-se que a trilha sonora participa efetivamente na narrativa da série,

mas que é a música incidental a maior responsável por evidenciar características do

personagem Ben Linus, à medida que exerce diferentes funções.

O som ambiente, silêncio, sound design e efeitos sonoros foram inseridos em

determinadas cenas para enriquecer a linguagem visual, destacando e tornando mais

realístico cenários, movimentos e ações. Os diálogos (texto de fala dos personagens)

são responsáveis por revelar e corroborar as características que compõe a identidade

do personagem Benjamin Linus e por muitas vezes modificar o contexto das cenas.

Já a música incidental é encarregada de identificar Ben Linus e determinados

contextos em que ele está inserido. Isso ocorre por meio de sua música tema que

revela as duas facetas da identidade de seu personagem: seu lado perverso e seu

lado “mais humano”. Inclusive os dois trechos distintos da composição musical são

responsáveis por indicar e caracterizar momentos em que Ben irá expor sua faceta

maligna ou sentimental, sugerindo que o foco do episódio/cena será em seu

personagem ou em suas ações.

Os leitmotifs também são bastante característicos das aparições de Ben, pois

após sua presença na série eles começaram a ser introduzidos, não apenas para

marcar falas ou acontecimentos de caráter revelador, surpreendente e misterioso,

mas se tornaram também comuns para aumentar o impacto e sensação de

desconforto com os atos de seu personagem.

O modo com que Michael Giacchino e sua equipe compuseram a música

incidental da série tem influência direta em como ela atinge o espectador. As músicas

eram compostas por uma orquestra ao vivo, isto é, não era lido o roteiro antes de

começar a trabalhar na criação das músicas, elas eram compostas no mesmo

momento em que Giacchino assistia ao episódio. Isso fez com que as composições

se aproximassem da possível reação e sentimento que o público teria ao em assistir

pela primeira vez o episódio.

A instrumentação consistia principalmente em uma seção de cordas (violino,

violoncelo e violão), trombones, piano, harpa e instrumentos de percussão variados.

Ocasionalmente, eram utilizados instrumentos adicionais, como sintetizador, guitarra,

baixo e ukulele. Os instrumentos de corda foram utilizados para criar uma música

incidental que soasse suave e bonita e, quando confusas e distorcidas, horripilante e

assustadora. Os trombones forneciam sons fortes e crescentes, utilizados

principalmente nos leitmotifs. O piano era incumbido de executar melodias que fossem

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emotivas e melancólicas e os instrumentos de percussão pontuavam ações, criando

suspense.

Todos esses instrumentos foram responsáveis por conceber sons capazes de

sublinhar, evocar, emocionar e enaltecer acontecimentos e ações dos personagens,

tornando a experiência do público com a série ainda mais rica e íntima. O ritmo, tom

e melodia das músicas aumentavam a dramaticidade das sequências e em alguns

momentos refletiam o estado interior dos personagens e reforçavam suas

características.

Percebeu-se ainda que a série trabalhou no desenvolvimento e

aprofundamento de Ben Linus, principalmente em flashbacks, construindo uma linha

evolutiva do personagem. Com isso foi possível fazer com que o espectador pudesse

conhecer mais sobre sua história e suas motivações, dando-lhe uma identidade

passível de transformação em relação ao espaço, tempo e contexto que estava

inserido. Criavam-se laços e lembranças de situações que já haviam ocorrido com o

personagem, estabelecendo uma linha entre os episódios, a partir da repetição ou

variação de composições musicais em determinados contextos ou nas aparições dos

personagens.

Finalmente pode-se observar e reconhecer a importância de uma convincente

trilha sonora na televisão e demais produções audiovisuais. Consequentemente,

percebeu-se que a área da publicidade e da propaganda podem explorar e ganhar

muito com trabalhos que primam por uma sonoridade eficiente e que esteja em

harmonia com a linguagem visual. Com isso a recepção da mensagem será mais

compreensível, seja pelo prazer do ouvinte ou por influenciar de modo objetivo na

resposta do público.

A música é uma forma de comunicação, logo ela tem o poder de ajudar na

construção de uma marca e estreitar sua relação com o consumidor, da mesma forma

que foi analisado em Lost, onde a trilha sonora participa na construção da narrativa e

aproxima o personagem do espectador.

Se a série ainda criou composições temas para identificar e caracterizar seus

personagens, a publicidade pode, por exemplo, produzir vinhetas, jingles e comerciais

com sons que identificam e caracterizam a marca ou produto. Lembrando sempre que

a música pode modificar comportamentos de acordo com os instrumentos utilizados

e os ritmos, melodias e letras geradas, estimulando emoções e sensações que

estejam associadas à marca anunciante.

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FILMOGRAFIA: DESVENTURAS EM SÉRIE. Direção: Brad Silberling. (EUA e Alemanha, 2004). HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR. Direção: Jon Watts. (EUA, 2017). TUBARÃO. Direção: Steven Spielberg. (EUA, 1975). MISSÃO IMPOSSÍVEL 3. Direção: J. J. Abrams. (EUA, Alemanha, China e Itália, 2006). MOTORISTA DE TÁXI. Direção: Martin Scorsese. (EUA, 1976). O NÁUFRAGO. Direção: Robert Zemeckis. (EUA, 2000). ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS. Direção: Gareth Edwards. (EUA, 2016). STAR TREK. Direção: J. J. Abrams. (EUA, 2009). SUPER 8. Direção: J. J. Abrams. (EUA, 2011).

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SÉRIES DE TV E DE STREAMING: 24 HORAS. Criação: Joel Surnow e Robert Cochran. (EUA, 2001). ALIAS. Criação: J. J. Abrams. (EUA, 2001). AMERICAN HORROR STORY. Criação: Ryan Murphy e Brad Falchuk. (EUA, 2011). ARRESTED DEVELOPMENT. Criação: Mitchell Hurwitz. (EUA, 2003). DESPERATE HOUSEWIVES. Criação: Marc Cherry. (EUA, 2004). FLASHFORWARD. Criação: Robert J. Sawyer e Brannon Braga. (EUA, 2009). GAME OF THRONES. Criação: David Benioff e D. B. Weiss. (EUA, 2011). GREY'S ANATOMY. Criação: Shonda Rhimes. (EUA, 2005). HOUSE OF CARDS. Criação: Beau Willimon. (EUA, 2013). I LOVE LUCY. Criação: Jess Oppenheimer, Bob Carroll, Jr. e Madelyn Davis. (EUA, 1951). LEGION. Criação: Noah Hawley. (EUA, 2017). LOST. Criação: Jeffrey Lieber, J. J. Abrams e Damon Lindelof. (EUA, 2004). MAD MEN. Criação: Matthew Weiner. (EUA, 2007). NEW GIRL. Criação: Elizabeth Meriwether. (EUA, 2011). PINWRIGHT’S PROGRESS. Criação: Clarence Wright e Sara Gregory. (Reino Unido, 1946). STAR TREK: DISCOVERY. Criação: Bryan Fuller e Alex Kurtzman. (EUA, 2017). TERRA NOVA. Criação: Kelly Marcel e Craig Silverstein (EUA, 2011). THE EVENT. Criação: Nick Wauters. (EUA, 2010). THE NINE. Criação: Hank Steinberg. (EUA, 2006). THE WALKING DEAD. Criação: Frank Darabont e Robert Kirkman. (EUA, 2010).

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MATERIAIS AUDIOVISUAIS: GIACCHINO, Michael. Lost Season 1: Original Television Soundtrack. EUA: Varèse Sarabande, 2006. 1 disco sonoro (59min 28s).

______. Lost Season 2: Original Television Soundtrack. EUA: Varèse Sarabande, 2006. 1 disco sonoro (59min 18s).

______. Lost Season 3: Original Television Soundtrack. EUA: Varèse Sarabande, 2008. 2 discos sonoros (2h 28min 47s). ______. Lost Season 4: Original Television Soundtrack. EUA: Varèse Sarabande, 2009. 1 disco sonoro (1h 15min 03s). ______. Lost Season 5: Original Television Soundtrack. EUA: Varèse Sarabande, 2010. 1 disco sonoro (1h 18min 21s). LOST: 2ª temporada completa. Produção: Buena Vista Home Entertainment. 2006. 7. DVD, (1.054 min), son., color. ______. 3ª temporada completa. Produção: Buena Vista Home Entertainment. 2007. 7. DVD, (990 min), son., color. ______. 4ª temporada completa. Produção: Buena Vista Home Entertainment. 2008. 6. DVD, (601 min), son., color. ______. 5ª temporada completa. Produção: Buena Vista Home Entertainment. 2009. 5. DVD, (730 min), son., color. ______. 6ª temporada completa. Produção: Buena Vista Home Entertainment. 2010. 5. DVD, (797 min), son., color.

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APÊNDICE A – PROJETO DE PESQUISA

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

GABRIEL BUFFON BORDIN

A MÚSICA INCIDENTAL E A CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE DE PERSONAGENS EM LOST

Caxias do Sul 2016

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

GABRIEL BUFFON BORDIN

A MÚSICA INCIDENTAL E A CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE DE PERSONAGENS EM LOST

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação na disciplina de Monografia I. Orientador(a): Marcell Bocchese

Caxias do Sul 2016

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 124

2 TEMA ................................................................................................................. 126

2.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA ............................................................................... 126

3 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 127

4 QUESTÃO NORTEADORA ............................................................................... 128

5. OBJETIVOS ...................................................................................................... 129

5.1 OBJETIVO GERAL ......................................................................................... 129

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................... 129

6. METODOLOGIA ............................................................................................... 130

7. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................. 135

7.1 TRILHA SONORA ............................................................................................ 135

7.2 DIÁLOGO E NARRAÇÃO ................................................................................ 136

7.3 EFEITOS SONOROS ....................................................................................... 137

7.4 MÚSICA INCIDENTAL ..................................................................................... 138

7.5 IDENTIDADE .................................................................................................... 139

8. ROTEIRO DOS CAPÍTULOS ............................................................................ 141

9. CRONOGRAMA ............................................................................................... 142

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 143

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1 INTRODUÇÃO

A série de ficção Lost estreou pelo canal ABC dos Estados Unidos no dia 22

de setembro de 2004, mas só chegou na televisão aberta brasileira no domingo do

dia 5 de fevereiro de 2006 pela emissora Rede Globo. Foi exatamente nesse dia que

obtive meu primeiro contato com o seriado. Lembro-me de estar assistindo ao

programa Fantástico, da TV Globo, quando no intervalo um comercial me despertou

à atenção. Tratava-se de uma chamada na qual era anunciada a estreia de uma das

séries mais assistidas e comentadas no mundo inteiro.

O próprio comercial indicava a série como uma temática inédita na televisão,

baseada em contar a história de 48 sobreviventes de um acidente aéreo que caem e

ficam presos em uma perigosa e misteriosa ilha no sul do Oceano Pacífico.

Envolvido pelo comercial e curioso pela temática da série, aguardei o programa

Fantástico terminar para conferir, então, o duplo episódio de Lost que veria a ser

transmitido em seguida. A partir desse dia eu não passei mais a assistir a série, eu

passei a vivenciá-la. Daquele dia 5 de fevereiro de 2006 até o ano 2010, quando o

seriado foi concluído, passei dias e noites acompanhando e lendo sites de notícias

relacionados a série, entrava em chats e redes sociais para discutir, comentar e

teorizar sobre os episódios e mistérios.

Não demorou muito para eu, muitos fãs e críticos perceberem e entenderem a

importância e êxito da trilha sonora de Lost. Foi a partir dessa série que eu comecei a

me interessar por televisão e cinema, abrindo portas para eu buscar cada vez mais

assistir séries e filmes ficcionais. Assim sendo, virei um exímio ouvinte e admirador de

trilhas sonoras. Não há mais nenhum produto audiovisual que eu ignore totalmente

sua trilha. Afinal, assistindo Lost comecei a criar uma visão e audição mais apurada e

atenta, percebendo como a música influencia em uma narrativa e como ela é

determinante na forma que o telespectador irá receber a mensagem transmitida.

Lost se tornou um marco da televisão mundial por suas características e por

inovar na forma de contar sua história. A sua trilha sonora é uma dessas

características que participaram e contribuíram significativamente para o sucesso da

série de TV, deixando uma legião de fãs com boas lembranças e muitas saudades.

A trilha sonora de Lost, especialmente a música incidental, não apenas

ajudaram a caracterizar a série e gerar tantas emoções e sentimentos nos seus

telespectadores, ela também foi fundamental para a construção da identidade de seus

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próprios personagens. E, como bom fã e admirador da série, percebo que a trilha

sonora de Lost é relevante e significativa o suficiente para ser estudada e analisada

mais atentamente e intimamente, com o fim de justificar sua importância para a série

e mostrar ainda como é imprescindível uma boa trilha sonora em seriados, filmes,

comerciais e tantos outros produtos audiovisuais.

Portanto, a trilha sonora é primordial para a progressão narrativa da série, bem

como uma ferramenta eficaz para ajudar os espectadores a entenderem melhor os

personagens tão complexados e multifacetados de Lost. É isso que este estudo

pretende explorar e analisar com profundidade.

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2 TEMA

A participação da trilha sonora na composição do perfil de personagens

multifacetados em Lost.

2.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

A tese deste trabalho baseia-se em procurar analisar como a motivação e a

personalidade de personagens multifacetados de Lost influenciam na composição da

música incidental, ajudando na construção da identidade dos personagens e da

própria série.

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3 JUSTIFICATIVA

No dia 23 de maio de 2016 foram comemorados os seis anos de encerramento

de um dos maiores fenômenos e marcos da televisão mundial: a série Lost. A série

deixou como legado uma nova forma de se ver e de se fazer televisão. Exercendo um

forte impacto, seja na forma do público assistir e vivenciar um programa de televisão,

até a influência na construção de novos roteiros e narrativas, Lost, desde o início, lá

em 22 de setembro de 2004, com a exibição do seu primeiro episódio pelo canal

americano ABC, destacou-se pela sua trilha sonora composta pelo então pouco

conhecido, Michael Giacchino.

Compor a trilha incidental de Lost abriu grandes possibilidades na televisão e

no cinema para Michael Giacchino, considerado um dos melhores compositores de

trilhas sonoras da atualidade. Entretanto, seu trabalho na série é pouco estudado e

analisado profundamente, apesar do grande reconhecimento por parte de público e

crítica da sua rica e eficaz trilha sonora. Afinal, um dos aspectos de Lost que contribuiu

para a popularização da série foi a sua trilha sonora, utilizada como importante e

essencial elemento narrativo.

Este trabalho, por isso, pretende analisar como a música incidental de Lost

contribui para a construção da identidade de seus personagens, mostrando, assim, a

importância de uma convincente trilha sonora na televisão e cinema. Inclusive em

conteúdos audiovisuais, como comerciais, spots e jingles publicitários, curtas-

metragens etc., uma notável trilha sonora é essencial para transmitir ideias,

sensações, emoções e sentimentos, como acontece em Lost, além de comunicar com

eficácia.

O presente estudo pretende servir de ajuda e reforço para todos aqueles que

se interessam, estudam e trabalham com o audiovisual e desejam ter subsídios para

um mais avançado aprendizado sobre a contribuição da música incidental em

determinados contextos. Além, claro, de fãs da série Lost, de outros seriados de

televisão e do cinema.

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4 QUESTÃO NORTEADORA

Como a composição e a participação da música incidental de Lost influenciam

na construção da identidade dos personagens multifacetados do seriado?

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5 OBJETIVOS

5.1 OBJETIVO GERAL

Perceber como a música incidental de Lost é determinante na construção da

identidade de personagens multifacetados da série.

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Reconhecer a importância da música incidental dentro do seriado;

- Identificar quais são as funções da música incidental dentro do seriado,

principalmente em relação aos seus personagens;

- Definir características da trilha sonora como construtora de significados em séries

de televisão.

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6 METODOLOGIA

Para o desenvolvimento adequado deste trabalho, é imprescindível ter uma

metodologia bastante clara e definida para poder se alcançar os objetivos propostos.

Segundo de Andrade (2010, p. 117), “metodologia é o conjunto de métodos ou

caminhos que são percorridos na busca do conhecimento.”

Fonseca (2002) afirma que methodos significa organização, e logos, estudo

sistemático, pesquisa, investigação; ou seja, metodologia é o estudo da organização,

dos caminhos a serem percorridos, para se realizar uma pesquisa ou um estudo, ou

para se fazer ciência. Etimologicamente, significa o estudo dos caminhos, dos

instrumentos utilizados para fazer uma pesquisa científica. Entende-se então, que a

metodologia vai além de suas técnicas e métodos, ela indicará ao pesquisador sua

escolha teórica para apresentar seu objeto de estudo.

Em um sentido mais específico, a palavra “método” pode ser entendida como

uma forma básica de buscar conhecimento através de um grupo de procedimentos,

técnicas e regras. Por isso que os métodos são importantes, pois eles irão guiar todo

o estudo a ser gerado.

Paviani (2013, p. 61) alega que “o conceito de método está intimamente ligado

ao conceito de processo de investigação científica, que tem por objetivo produzir

novos conhecimentos e modos de intervenção da realidade.”

Portanto, temos, no mínimo, três significados de método: o primeiro, indica caminho, orientação, direção; o segundo, aponta modos básicos de conhecer (como analisar, descrever, sintetizar, explicar, interpretar), e o terceiro, refere-se a um conjunto de regras, procedimentos e de instrumentos e/ou técnicas (como questionário, entrevista, documentos) para obter dados e informações. (PAVIANI, 2013, p. 61).

A partir do momento em que o homem começou a se questionar e procurar

respostas sobre os fatos do mundo exterior, na cultura e na natureza, uma

metodologia da pesquisa científica se fez essencial para estudar, analisar e procurar

entender esses questionamentos.

Para Paviani (2013), a análise abrange-se do esclarecimento de proposições,

de conceitos, de discursos e de argumentos. Raciocínio lógico pode ser muito bem

introduzido como sinônimo de análise.

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O termo grego analysis, ou latino resolutio, designa um processo de conhecer, que consiste na explicitação de elementos simples ou complexos de conceitos, de proposições ou de objetos e de relações entre elementos desses objetos. (PAVIANI, 2013, p. 75)

A análise significa na sua essência o ato ou efeito de analisar, de decompor um

todo em suas partes, como será feito com os episódios de Lost, em relação as suas

imagens e sons.

Um dos métodos utilizados para o estudo e desenvolvimento deste trabalho,

refere-se à pesquisa bibliográfica, que de acordo com Köche (2010, p. 122), “é a que

se desenvolve tentando explicar um problema, utilizando o conhecimento disponível

a partir das teorias publicadas em livros ou obras congêneres.”

Segundo de Andrade (2010, p. 25), “a pesquisa bibliográfica é habilidade

fundamental nos cursos de graduação, uma vez que constitui o primeiro passo para

todas as atividades acadêmicas.”

Como Lost se trata de um extenso seriado, com mais de 120 episódios, é

preciso fazer um grande levantamento das informações disponíveis sobre a série.

Köche (2010, p. 122) afirma que “Na pesquisa bibliográfica, o investigador irá levantar

o conhecimento disponível na área, identificando as teorias produzidas, analisando-

as e avaliando sua contribuição para auxiliar e compreender ou explicar o problema

objeto da investigação.”

O objetivo da pesquisa bibliográfica, portanto, é o de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre determinado tema ou problema, tornando-se um instrumento indispensável para qualquer tipo de pesquisa. (KÖCHE, 2010, p. 122)

Neste trabalho foi utilizado para consulta, livros, artigos e dissertações sobre o

tema, além dos DVDs de toda a série completa de Lost e dos CDs com a trilha

incidental do seriado, composta por Michael Giacchino. Conforme Gil (2010, p. 29), “a

pesquisa bibliográfica é elaborada com base em material já publicado.

Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros,

revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos.” Entretanto,

segundo o próprio Gil (2010), atualmente, devido ao avanço tecnológico possibilitar

novas ferramentas e plataformas de consulta e estudo de informações, a pesquisa

bibliográfica também passa a incluir todo material disponibilizado na internet, assim

como discos, CDs, DVDs etc.

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A presente monografia será construída e procurará atingir seus objetivos

propostos, respondendo à questão norteadora, através de uma pesquisa qualitativa,

na qual serão assistidos todos os episódios do seriado Lost, selecionando alguns

destes para uma análise mais completa. Godoy (1995) diz que na situação cujo

“estudo é de caráter descritivo e o que se busca é o entendimento do fenômeno como

um todo, na sua complexidade, é possível que uma análise qualitativa seja a mais

indicada.”

Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a

um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não

podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Outro método fundamental que guiará o estudo será a análise fílmica, que

apesar de se basear no dessecamento de um filme, também pode ser aplicada em

favor de séries de televisão para se analisar seus episódios.

A análise fílmica só consegue transpor, transcodificar o que pertence ao visual (descrição dos objetos filmados, cores, movimentos, luz etc.) do fílmico (montagem das imagens), do sonoro (músicas, ruídos, grãos, tons, tonalidade das vozes) e do audiovisual (relação entre imagens e sons). (VONOYE, 1994, p. 10).

Mesmo Lost sendo uma série de longa duração, é imprescindível que se assista

novamente com um olhar mais apurado, pois conforme Vanoye (1994), analisar um

filme implica que se veja e reveja o filme atentamente. Vanoye (1994, p. 12) vai além

e afirma que “a descrição e a análise procedem de um processo de compreensão, de

(re)constituição de um outro objeto, o filme acabado passado pelo crivo da análise, da

interpretação.”

Analisar um filme não é mais vê-lo, é revê-lo e, mais ainda, examiná-lo tecnicamente. Trata-se de uma outra atitude com relação ao objeto-filme, que, aliás, pode trazer prazeres específicos: desmontar um filme é, de fato, estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico, usufruí-lo melhor.

A análise de qualquer objeto de estudo audiovisual, seja completo ou um

fragmento, deve ocorrer de uma decomposição de seus elementos constitutivos. Por

isso Vanoye (1994, p. 15) é claro ao dizer que uma análise fílmica “é despedaçar,

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descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar matérias que não se

percebam isoladamente ‘a olho nu’, pois se é tomado pela totalidade.”

Entretanto, a análise fílmica não termina só na decomposição do objeto-estudo.

“Uma segunda fase consiste, em seguida, em estabelecer elos entre esses elementos

isolados, em compreender como eles se associam e se tornam cúmplices para fazer

surgir um todo significante: reconstruir o filme ou fragmento.” (Vanoye, 1994, p. 15). A

desconstrução dos episódios de Lost deve ser entendida como equivalente a uma

descrição, já a reconstrução corresponde a uma ou mais intepretações do

pesquisador.

Deve-se ter em mente que nunca haverá uma análise que capte uma verdade

única do filme. Por exemplo, ao transcrever material televisivo, como de Lost,

“devemos tomar decisões sobre como descrever os visuais, se vamos incluir pausas

e hesitações na fala, e como descrever os efeitos especiais, tais como música ou

mudanças na iluminação”. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 344)

Para alcançar os objetivos deste trabalho, será necessário registrar e

transcrever o evento sonoro para fins de análise. De acordo com Bauer e Gaskell

(2002), o objetivo de transcrever é apresentar um conjunto de informações que se

preste a uma análise cuidadosa. Ela transfere e simplifica o som e a imagem complexa

da tela.

Esta transcrição deve apresentar o som e a música de forma semelhante a fala, [...]. Os elementos do som estão ligados em sequências, mais ou menos complexas. Na música, nós descrevemos aqueles com as dimensões, por exemplo, de ritmo, melodia e harmonia. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 366)

A análise sonora da música incidental levará em conta a relevância da música

na cena e como ela ajuda a criar ou ampliar sentidos para a construção da identidade

dos personagens de Lost. Por conseguinte, será possível observar e concluir se a

música possui ou não apenas sentido potencial, enquanto que o sentido real surge de

seu encontro com o texto e as imagens.

A descrição e análise dos trechos/cenas selecionadas de Lost terão como

referência três aspectos dos sete citados por Marie (2009). Será analisado os

elementos visuais, a trilha sonora (diálogos, ruídos, música; escala sonora;

intensidade; transições sonoras, continuidade/ruptura sonora) e, em menor escala, as

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relações sons/imagens (sons in / off / fora de campo; sons diegéticos ou

extradiegéticos, sincronismo ou assincronismo entre imagens e sons).

Outras características a serem avaliadas, segundo Bauer e Gaskell (2002, p.

378), e que guiarão este projeto de estudo é a:

melodia, que é a sequência de tons que nós podemos facilmente lembrar; a harmonia, que é o sistema que ordena a melodia; o ritmo, que é o tempo da progressão musical; (...) a dinâmica, que são as variações de sonoridade e velocidade; a forma, que são os padrões mais amplos de repetições; e a orquestração, que é a designação dos instrumentos para papeis específicos. Cada uma dessas características possui suas próprias convenções que, separadas ou combinadas, podem servir como indicadores culturais.

As imagens também terão que ser levadas em consideração na análise, afinal

elas têm a capacidade de comunicar uma mensagem, sendo o objetivo deste estudo

descobrir qual a “atmosfera” que o diretor criou com determinada cena que recebeu

tratamento musical e como ela influenciou na motivação dos personagens.

Assim como na análise sonora, há um certo grau de subjetividade nessas

transposições, sendo, portanto, uma interpretação dentre tantas quantas forem

possíveis de existir. Ao analisar as imagens será feita uma decupagem, discorrendo

sobre o que acontece visualmente, destacando frames do vídeo e citando os seus

elementos constituintes e o resultado da combinação gerada com os elementos

sonoros.

O desafio, neste trabalho, é identificar a contribuição da música incidental para

a construção de sentido, focado nos personagens da série, onde imagens em

movimento e sons estejam interligados. O que se percebe como uma textura

entrelaçada é diferente do que se nota ao se olhar para os três modos – imagens,

texto e som – isoladamente. Parece ser uma característica da música em filmes e

seriados, que ela se torne um pano de fundo, e que não seja percebida nem mesmo

pelo analista, porém na grande maioria das vezes ela estabelece um papel importante

para a narrativa e na forma que o público receberá a mensagem.

É válido ressaltar que a análise a ser realizada do som e da imagem isolados

e depois da combinação de ambos será direcionada, exclusivamente, a buscar

entender como a música incidental participa e contribui na construção da identidade

dos personagens de Lost, por intermédio da metodologia citada acima.

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7 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

7.1 TRILHA SONORA

O cinema, a televisão e qualquer produto audiovisual costumam se utilizar de

um elemento muito importante, mas que acaba, muitas vezes, passando despercebido

pelo público: a trilha sonora. Berchmans (2006, p. 19) indica o real significado deste

elemento/termo:

Trilha sonora vem do original inglês soundtrack que, na verdade, tecnicamente representa todo o conjunto sonoro de um filme, incluindo além da música, os efeitos sonoros e os diálogos. Frequentemente, usa-se o termo para descrever a coletânea de canções que tocam em um filme (ou em novelas, seriados, documentários etc.). Ou ainda falamos de trilha sonora quando nos referimos à parte musical instrumental que acompanha o filme, seja ela composta exclusivamente para este fim ou não.

Berchmans (2006, p. 19) ainda esclarece sobre a música composta

exclusivamente para filmes, dizendo que “o termo que melhor representa a música

especialmente composta para determinado filme é música original do filme, ou no

inglês, o score. A tradução literal de score é partitura.”

Alguns autores da língua portuguesa usam o termo partitura quando se referem ao score. Porém, como ainda em nossos dicionários a partitura musical não tem nada a ver com o sentido cinematográfico, prefiro usar o termo música original ou o termo score para descrever a música exclusivamente composta para os filmes. (BERCHMANS, 2006, p. 19-20).

Breslin (2009) é outro autor que usa o termo score para indicar a composição

de música especificamente para determinados elementos visuais de um filme ou

seriado. “Ocasionalmente, a música vem primeiro e os elementos visuais são criados

para ilustrá-la ou complementá-la, tal como um vídeo musical ou a montagem dos

melhores momentos olímpicos.”

A grande maioria de autores que discorrem sobre a música no cinema e

televisão acabam por direta ou indiretamente estabelecendo seu significado

juntamente com a sua função de servir a algum propósito estabelecido pelo filme ou

série de televisão. Como o próprio Berchmans (2006, p. 20) afirma:

A função da música no cinema é de que, de uma maneira ou de outra, ela existe para “tocar” as pessoas. “Tocar” pode ser emocionar, arrancar

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lágrimas, causar tensão, desconforto, incomodar, narrar um acontecimento, uma morte, uma perseguição, uma piada, um diálogo, um alívio, uma festa, descrever um movimento, criar um clima, acelerar uma situação, acalmá-la, enfim, de um jeito ou de outro, a boa composição não existe em vão. Ela está lá por algum motivo, e ainda que não a ouçamos, podemos senti-la.

Segundo de Sá e Costa (2012), há um determinado consenso quanto a

principal função da música no cinema:

No que tange à música no cinema, há uma espécie de consenso de que uma das suas principais funções, desde o período silencioso, é evocar, sublinhar e suscitar emoções no espectador. Seja via música originalmente composta para um filme ou na utilização de um repertório preexistente, esteja ela na diegese (como execução musical filmada e/ou execução musical encenada). Ou como música de fundo, sempre é possível, se for o objetivo, lidar com uma espécie de conteúdo emocional. (DE SÁ; DA COSTA, 2012, p. 52).

O som faz parte, sem dúvida, da essência do cinema. A música do filme ou da

série de televisão acaba por se tornar um aspecto importante e relevante, porque ela

normalmente dita como devemos no sentir perante determinada cena.

A música é, portanto, um elemento particularmente específico da arte do filme, e não é de surpreender que desempenhe um papel tão importante e às vezes pernicioso: “Em certos casos, a significação ‘literal’ das imagens resulta ser extremamente tênue. A sensação torna-se ‘musical’; a tal ponto que, quando a música a acompanha de fato, a imagem obtém da música o melhor de sua expressão ou, mais precisamente, de sua sugestão. Quando isso acontece, a imaginação predomina e, do ponto de vista da língua, o signo se perde”. (MARTIN, 2009, p. 121).

Segundo Breslin (2009) a música usada como parte do projeto de som acaba

muitas vezes passando despercebida pelos nossos ouvidos, pois é uma parte comum

e aceita da narração da mídia. É através dela que se estabelece o tom, provocando

mudanças no clima e atmosfera do filme, podendo ainda criar suspense e nos mostrar

quando a história vai terminar.

7.2 DIÁLOGO E NARRAÇÃO

Breslin (2009) descreve alguns aspectos do som, explicando mais

tecnicamente o que é um diálogo: “O diálogo é a parte integrante da maioria das peças

de ficção da mídia. As conversas entre os personagens compõem grande parte de

muitos filmes e são ainda mais centrais na novela televisiva e comédia.”

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Outro elemento sonoro muito utilizado é a narração, que apesar de ser

semelhante ao diálogo, se diferencia deste, ao passo que o narrador fala diretamente

para a audiência e não para outra pessoa na tela.

Um narrador pode aparecer na câmera ou apenas na trilha sonora. A narração que é apenas ouvida se chama locução. A locução pode ser escrita e falada na terceira pessoa por uma voz não-identificada, geralmente aceita como um especialista. (BRESLIN, 2009, p. 150-151).

A esta narração que é apenas ouvida, pode-se dar como exemplo, o filme

Desventuras em Série (2004), no qual um narrador conta sobre o destino das crianças

protagonistas, depois que elas se mudam para o casarão do Conde Olaf, que as

obriga a fazer serviços domésticos.

A locução também pode ser na primeira pessoa, a voz do criador ou de um participante da história, identificado explícita ou implicitamente. O narrador poderia se apresentar ou a sua identidade poderia se tornar clara através do que ele diz ou através do reconhecimento da voz. (BRESLIN, 2009, p. 150-151).

Já na locução em primeira pessoa, como exemplo pode-se trazer o clássico

filme, Taxi Driver de 1976, dirigido por Martin Scorsese. No filme o protagonista Travis

Bickle, motorista de um táxi, é utilizado como narrador-personagem. Ao passo que

sentimos como se ele estivesse falando com o telespectador, ele participa da história

também, dialogando com os outros personagens.

Para Breslin “A ambiência é o som do espaço onde a história ocorre. O som

ambiente faz parte do som gravado no local.”

7.3 EFEITOS SONOROS

Os efeitos sonoros também são essenciais em qualquer filme ou seriado, por

exemplo, pois são eles que darão som a pequenos detalhes da cena, tornando o que

é visto na tela ainda mais realístico e natural. Breslin explica o que são efeitos sonoros

da seguinte forma:

Os efeitos sonoros são sons extras que podem vir de coisas vistas na tela ou ser misturados na trilha sonora. Os efeitos sonoros podem substituir o som verdadeiro gravado para um evento na tela para aumentar a ênfase dramática. Os sons de fontes invisíveis podem ser inseridos para incrementar a atmosfera ou clima da cena retratada na tela. Os efeitos sonoros podem ser

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cantos de pássaros, ondas quebrando, passos, tiros, tinido de vidro ou gritos de multidão. (BRESLIN, 2009, p. 151).

Aos sons de fontes invisíveis ao qual Breslin refere-se, é popularmente

conhecido por aqueles que trabalham na construção de um filme, através do termo

foley. Foley é gravação e edição dos sons, durante a pós-produção do som,

relacionados aos personagens em sincronia com a imagem. Seu nome é uma

homenagem ao seu criador, Jack Foley. O profissional que produz estes sons, recebe

então o nome de Foley Artist.

7.4 MÚSICA INCIDENTAL

A música incidental é a música instrumental composta por um músico ou

maestro, especialmente para determinada peça teatral, programa de televisão,

novela, rádio, jogo de videogame e cinema. Ela é ainda mais funcional em séries de

TV e filmes, porque ela auxilia na narrativa, na construção de seus personagens e em

seus requisitos dramáticos. “...incidental porque são aquelas [músicas] que fazem os

climas, o suspense, uma brincadeira, uma frase qualquer que enaltece ou valoriza

algum momento.” (RIGHINI, 2004, p. 98).

As variações, geralmente, têm estilo e duração diferentes (romântico, tenso, alegre, triste etc.); são criadas com base nos temas de canções (tema dos personagens principais) e sua função é como o próprio nome diz, variar a forma do personagem e dar subsídio ou opções de uso para o sonoplasta, objetivando, entre outras coisas, não cansar o telespectador. (RIGHINI, 2004, p. 207)

Poucas vezes reconhecida e elogiada, a trilha conduz e dá novos significados

à história. A música incidental dá o tom, o clima do filme, seja qual for, ação, terror,

suspense, comédia, romance, etc.

A música incidental deve ter uma série de funções, mas a que mais me interessa é a de identificadora das personagens, ou caracterizadora de certos momentos da história. Isso acontece também no cinema, em qualquer outro tipo de comunicação, mas, às vezes, por um tom, um som, uma melodia que você começa a escutar. Se você já é treinada na busca das razões dramatúrgicas de alguma coisa, você diz: “Ih, vai morrer alguém... Ih, alguém está...” Drama... romance... amor... quer dizer, você já consegue identificar os momentos, o tom da cena, que se seguirá; quase até o conteúdo da cena que vai vir pela melodia, pela música, pelo tema que é introduzido. [...] mas a função que mais me interessa na música é a dramaturgia, quer dizer, a função de ajudar a entender o personagem, a entender o desenrolar da história

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marcando, dando uma identidade aos momentos culminantes da história. (RIGHINI, 2004, p. 119-120).

Righini (2004) enfatiza que o papel da trilha incidental é indiscutível e

importantíssimo, afinal é ela que preenche os espaços vazios e colabora em fazer

conectar o psicológico do telespectador com o que está vendo na tela.

7.5 IDENTIDADE

Uma palavra que deve ser considerada e entendida para o desenvolvimento

deste trabalho é a palavra “identidade”, afinal, este estudo baseia-se em como a

música incidental de Lost colabora para a construção de seus personagens que

apresentam mais de uma faceta.

Segundo Dartigues, “a identidade narrativa implica a narração de uma vida que

indica o contexto das ações e situações a partir do qual podemos identificar a pessoa.

A pessoa é o que ela faz e o que sofreu.” (DARTIGUES, 1997, p.19).

Podemos, pois, caracterizar, em primeiro lugar, a identidade pessoal como aquilo que nos faz reconhecer o indivíduo como sendo ele próprio a partir de um conjunto de traços que o individualizam, isto é, por meio de características físicas, psicológicas ou, ainda, por seu caráter, sua índole, sua disposição interior (vontade), suas virtudes, motivos, intenções e por suas ações num determinado contexto histórico-cultural. (LISBOA, 2003, p. 101).

O conceito de identidade é complexo e muito pouco desenvolvido e

compreendido. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman que realiza estudos sobre a

sociedade contemporânea, também discorre sobre a questão da identidade. Apesar

dele tratar do assunto como algo real, seu saber também serve para analisarmos a

ficção seriada de Lost. Em Lost os personagens desenvolvem sua identidade ao longo

das temporadas, conforme mudam suas motivações e objetivos, tornando aquele

indivíduo complexado e multifacetado. Por isso, Bauman afirma que:

o “pertencimento” e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a “identidade”. (BAUMAN, 2005, p. 17)

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Para Jacques (2003) a identidade se refere ao conjunto de traços, de imagens,

de sentimentos que o indivíduo reconhece como parte dele próprio e que corresponde

ao conceito de si mesmo. A identidade é ainda formada pelos fatos históricos e sociais

que constituem a individualidade do sujeito, que o torna único.

A identidade é representada por tudo que o indivíduo reconhece sobre ele mesmo: seu próprio nome, sua idade, onde e com quem mora, os papeis que desempenha no meio em que vive, como o de pai ou mãe, filho(a), marido, esposa, profissional. Identidade é o que diferencia como um indivíduo de outros indivíduos. (ESCORSIN, 2016, p. 76)

O indivíduo forma sua identidade com fatos que oculta e que revela. E este

aspecto será imprescindível de se analisar em Lost, pois a maioria dos personagens

são responsáveis por grandes reviravoltas na história, ocorridos principalmente pelas

informações que ocultam e confessam.

A identidade adquire diferentes aspectos de acordo com cada momento. É possível ter uma visão equivocada a respeito da identidade de alguém ou da própria identidade, como no caso de uma pessoa que sempre viveu como filho ou filha de determinados pais e descobre que foi adotado ou que o pai é outra pessoa. Fatos dessa natureza fazem com que o indivíduo tenha de repensar sua própria identidade. (ESCORSIN, 2016, p. 77)

Construir uma identidade para Erikson (1972), implica em definir quem a

pessoa é, quais são seus valores e quais as direções que deseja seguir pela vida. O

autor entende que identidade é uma concepção de si mesmo, composta de valores,

crenças e metas com os quais o indivíduo está solidamente comprometido.

O conceito de identidade é um dos conceitos mais abrangentes da psicologia,

correspondente à integração das várias características pessoais como sentimentos,

pensamentos, emoções, comportamentos, atitudes, motivações, projetos de vida,

entre tantos outros. É com base na corrente da psicologia que se procurará analisar

a construção da identidade dos personagens de Lost através da participação da

música incidental do seriado.

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8 ROTEIRO DOS CAPÍTULOS

1 INTRODUÇÃO

2 A SÉRIE DE TELEVISÃO LOST

2.1 A sofisticada produção

2.2 O enigmático roteiro

2.3 A narrativa original e inovadora

2.4 Os misteriosos e cativantes episódios

2.5 Personagens complexados e multifacetados

2.6 A composição musical de Michael Giacchino

2.7 O universo ficcional seriado

3 TRILHA SONORA

3.1 A música incidental

3.2 A imagem e som como elementos correlacionados

3.3 A estimulação de emoções através da música

3.4 A trilha sonora nos seriados ficcionais

4 IDENTIDADE

4.1 Conceito

4.2 A identidade de personagens ficcionais

5 METODOLOGIA

6 ANÁLISE DA CONTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE PERSONAGENS PELA MÚSICA

INCIDENTAL

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

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9 CRONOGRAMA

DATA

PROGRAMAÇÃO

1

27/02/17

Primeiro encontro com o coordenador.

2

06/03/17

Escrita do capítulo 2.

3

13/03/17

Escrita do capítulo 2.

4

20/03/17

Correção do capítulo 2 e escrita do capítulo 3.

5

27/03/17

Escrita do capítulo 3.

6

03/04/17

Correção do capítulo 3 e escrita do capítulo 4.

7

10/04/17

Escrita do capítulo 4.

8

17/04/17

Correção do capítulo 4 e escrita do capítulo 5.

9

24/04/17

Escrita do capítulo 5.

10

01/05/17

Correção do capítulo 5 e escrita da análise.

11

08/05/17

Escrita da análise.

12

15/05/17

Escrita da análise.

13

22/05/17

Correção da análise e escrita das considerações finais.

14

29/05/17

Correção das considerações finais e escrita da introdução.

15

05/06/17

Correção da introdução e formatação da monografia.

16

12/06/17

Revisão final da monografia.

17

16/06/17

Entrega da monografia.

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