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Éramos jovens na guerra

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Prova 4

Éramos jovensna guerra

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Prova 4

Sarah Wallis & Svetlana Palmer

Éramos jovens na guerra

Cartas e diários de adolescentes que viveram a Segunda Guerra Mundial

Tradução de Clóvis Marques

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Prova 4

© Sarah Wallis and Svetlana Palmer 2009

Todos os direitos reservados.

Todos os direitos desta edição reservados àEDITORA OBJETIVA LTDA.Rua Cosme Velho, 103Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22241-090Tel.: (21) 2199 -7824 – Fax: (21) 2199 -7825www.objetiva.com.br

Título originalWe Were Young and at War

CapaTh iago Lacaz

Imagem de capa© Henri Bureau | Sygma | Corbis

PreparaçãoDiogo Henriques

RevisãoRita GodoyEduardo CarneiroJoana Milli

Editoração eletrônicaFiligrana

CIP -BRASIL. CATALOGAÇÃO -NA -FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

W186n

Wallis, Sarah Éramos jovens na guerra : cartas e diários de adolescentes que viveram a Segunda Guerra Mundial / Sarah Wallis & Svetlana Palmer ; tradução de Clóvis Marques. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2013.

Tradução de: We Were Young and at War 287p. ISBN 978-85-390-0430-0

1. Guerra Mundial, 1939-1945 - Narrativas pessoais. I. Palmer, Svetlana. II. Título.

12-7870. CDD: 940.531 CDU: 94(100)"1939/1945"

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Prova 4

Sumário

Prefácio 9

primeira parte 1. A invasão alemã da Polônia 13 2. A invasão alemã da Europa Ocidental 30 3. Sob ocupação alemã 55 4. A invasão da Rússia 74 5. A guerra se globaliza 96 6. O Holocausto 119

segunda parte 7. Depois de Stalingrado 143 8. Dentro da Alemanha 165 9. Esperando a Liberação 188 10. Dentro do Japão 211 11. A Alemanha em retirada 230 12. Os últimos meses da guerra 250

Epílogo 271 Agradecimentos 277 Bibliografi a 280

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Para Miriam, Claude e HildaPara Ben, Eleanor, Joel, Lukas, Sergei e Tristan

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Prefácio

Se por um lado o diário de Anne Frank é ainda hoje o diário infantil mais conhecido em todo o mundo, por outro, vários relatos de jovens que so-

breviveram à Segunda Guerra Mundial foram em grande parte esquecidos ou não são conhecidos fora de seu país de origem. Mas essas anotações esmae-cidas em papel amarelado, redigidas às escondidas, longe da vigilância dos pais e do alcance do inimigo, nos dizem muito do que era crescer durante essa guerra. Em tom íntimo e muitas vezes mais direto que o dos diários de adultos, eles representavam um espaço de confi dências e questionamentos, de preservação da dignidade ou da independência de espírito e pensamento.

Os diários e as correspondências que se seguem foram escolhidos pelo caráter único das narrativas pessoais e a qualidade do texto. Embora bus-cássemos inicialmente diários que acompanhassem os autores na adoles-cência e até o fi m da guerra, logo constatamos que, ao contrário do que acontece na fi cção, os diários da vida real nem sempre atendem a tais expectativas. Embora alguns abarquem todo o período do confl ito, outros têm início mais tarde ou apresentam grandes lacunas; alguns poucos ter-minam de maneira abrupta, muitas vezes indicando a brevidade da vida do autor. Em alguns desses diários falt am partes; não deixa de ser um milagre que alguns deles tenham chegado até nós. Entre as cartas incluí-das, muitas são eloquentes pelas próprias omissões, assim como pelo tom adotado pelo autor.

Apesar de organizado cronologicamente, este livro não pretende ser uma história da guerra. Em vez disso, é um livro conduzido pelas histórias dos autores, contextualizadas pelos fatos históricos e entre laçadas para ressaltar os paralelismos e confrontos de ideias e emoções, não raro surpreendentes, daqueles que se viram apanhados nesses acontecimentos histór icos, algumas vezes em lados opostos do confl ito, ou a milhares de quilômetros de distância

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uns dos outros. Nenhum dos a utores des ses diários pode ser considerado re-presentativo de seu país: alguns sucumbiram às ideias que lhes eram incu-tidas pelos adultos ou pelo Estado, outros confundem nossas expectativas; muitos, por outro lado, talvez esclareçam por que as guerras são combatidas pelos jovens.

Depois de anos de coleta, t radução e pesquisa dessas histórias, sentimo--nos muito próximas desses memorialistas. Isto se deve não só ao tempo que passamos com eles, mas também à natureza de seus depoimentos, tão francos e com f requência tão cor ajosos; eles abordam temas desagradáveis e revelam muito de si mesmos.

Sarah Wallis e Svetlana Palmer, Londres, 2009

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Primeira Parte

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c a p í t u l o

A invasão alemã da PolôniaSetembro-outubro de 1939

“Veremos o que acontece comigo...”

No verão de 1939, governos de toda a Europa contav am ainda com a possibi lidade de evitar ou pelo m enos adiar uma guerra. Embor a

a Franç a e a Grã-Bretanha não ti vessem reagido q uando Hitl er anexou a Áust ria em mar ço de 19 38 e os Sude tos tcheco s em sete mbro, um limi te foi imposto às reivindicações d e Hitler sobre a Polô nia. Na es perança d e que su a aliança pud esse det er o inimig o, os dois paíse s prometera m socorrer a Po-lônia se a Alema nha a inv adisse. Mas seu cálculo se revelou equivocado. Às 4h4 5 de 1o de sete mb ro de 1939, 1,5 milh ão de sold ados alemães e 2 .700 tanque s começaram a atravessar a fronteira da Polônia.

Tendo recuperado sua independência n o fi m d a Primeira Guerr a Mundial, a P olô nia e ra um símbo lo vivo da h umilhante der rota da Alema- nha e das per das territoriais que sofrera em conseq uência do Tratado de Paz de Ve rsal hes, em 1919 . Durante q uase v inte anos, a Polônia abrigara 700 mil c ida dãos de origem al emã, mas pre valecia um clima de animosidad e, agra vado quando mi lha res de alemães foram tra nsferid os c ompulsoriamente

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p ara o interior ao se aproxi mar a guerra, para q ue não dess em apoio aos i nvasores. Agor a, Hitler exorta va seus com andantes a libertar seus seme-lhantes “ari anos”, mand ando “ todo homem, mulher e criança de ascendên-cia e língua polone sas par a a morte, sem pie dade nem remorso” . Uma vez c onquistada , a Polônia seria esvaziada e voltaria a ser po voada com a “raça ariana superior e pura”.

País d e muita s mino rias étnicas , a Polô nia também abrig ava 3 m i-lhões de judeus , a ma ior comunidade judaic a da E uropa. Ante a n otícia da invasão alemã , mil hares de les fugira m, conscientes d as a meaças de Hitler de “aniquilar a raça judia na Europa”. Enquanto seus vizin hos fugi am, o a dolescente judeu polonês Dawid Sier akowiak, de 1 5 anos , e sua família decidiram per manecer em sua cidade, Łó dź, no c entro do país. Se m eco-nomias para fi na ncia r uma fu ga e inseguros quanto ao rumo a tomar, eles de cidiram enfr enta r seu destino na cidade.

Aos 16 an os, o a dolescente polonês E dward Niesobski, da pequena c idade f ronteiriça de Ostrów, no oeste da Polô nia, sabia que a guerra era imin en te. I ntegran te do Movi m ento de Escoteiros da P olônia, que prom o-via o espírito de indepe nd ência naciona l entre os jovens, Edward há mes es vinha se submet endo a um treinam ento param ilitar, espera ndo ser capaz de defender o país qua ndo chegasse o momento.

Dawid Sierakowiak registrou suas ideias e experiência s no diário que começara a r edigir naquele verão, mas Ed ward Niesobski só começ ou a escr ev er no próprio dia da in va são alemã. Aguardando instruções do chefe de seu g rupo de e scoteiros quanto ao plano d e ação e o papel que teria de desempenhar, Edward deixou r egistrado o fl agrante contraste en tre sua ima- gem rom ântica da gu erra e os fatos con cretos daquele m omento.

1o de set embro de 1939

A s eman a toda est amos espe rando que algo grave aconteça. As pess oas se reúne m em grupos por toda a cida de, conversan do; reser vistas fo- ram convocados; os soldados confi scam casas e automóveis. Não va-mo s permiti r que o inimi go nos submeta sem luta. Nosso grup o de escote iros també m está em alerta to tal. Na tarde de quar ta-feira, fo ram afi x ados carta zes a lertando os cidadão s para q ue estejam a bsolutamen te

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preparados . A mobili zação começou na qui nta- feir a. Minha mãe e meus irmãos já deixaram a cidade , mas eu fi que i com meu pai. Hoje, por volt a das cinco horas d a manhã, foi disparad a uma sirene; e vieram então os at aques aéreo s. Já começou. Os insaciávei s g uerreir os alem ães tomam territórios com sua s garra s vazias. E les que rem tirar de nós to-dos os nossos locais mais quer idos: a pro vínc ia de Pozn án, a Silési a e a Pomerânia. O país inteir o levant a-se hoje como um ho mem só para combatê-los.

Aviões alemães fazem círculos no céu como falcões negros. Seu ronco é a voz da morte. Esta manhã, vi grandes grupos de pessoas vindo do outro lado da fronteira. Elas disseram que foram atacadas na noite passada pelos vizinhos a lemães! Por i sso é que deix aram suas ca sas e vieram para o nosso lado da f ront eira, e m cer tos cas os mal tendo tido tempo de s e vestir. Alguns vieram de b icicleta, ou tros a cavalo ou em carroças carregadas com seus ben s mais valioso s. Não me surpre ende t anto assim que certa s pessoas q ue viv em na fron teira afi rm em agora que são alemãs. Todo mundo tem direito de dizer quem é, e s e você é a lemã o, é alemão. Mas o fa to é que se tra ta dos mesmos alemãe s que têm comi do nosso pão nos úl timos vinte an os, que vive ram em noss o país por t odo esse tempo. Eles tentar am nos impedir de reconstruir a P olônia depoi s da últi ma gue rra e agora apontam armas par a o no sso pei to, ar mas que guardavam es condidas todo e sse temp o. Mas nós, o povo polonês, não vamos perdoá-los. E les de viam ter muito ódio de ntro dele s. Mas eu não ten ho medo da gu erra, pois acredito que va-mos ven cer e acre dito que, dep ois de mil anos de lut as com no sso pior in imigo no Oci dente, haveremos de d estruí-lo, de u ma vez por todas. “Os alemães não cus pirão no nosso rosto ne m tornarão alemães os nossos fi lhos” , diz a canção. No ssos irm ãos do outro l ado da fro nteira nã o mais sofre rão sob o jugo alemão. D e modo que estou real mente muito f eliz.

O governo intei ro de Ostrów foi ev acuado d e trem. A maioria da populaçã o também fugiu. Nosso Exérc ito mo ve-se para outras posições. Tudo indica q ue Ost rów se r enderá sem lut a. Mas is so não m e preocupa realmente, tenho cert eza de que faz parte do nosso pla no militar...

Já é de tarde e empacotei a maior parte das min has coisa s, só p ara me prevenir . No início, eu não queria deixar a cidade, mas, assim q ue

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papai voltou, trato u de juntar suas coisas, até a var a de pesca , e me co n-venceu de que deveríamos pe gar o último trem .

Eu sei que jama is desistire mos, por ma is difíceis qu e as coisas fi -quem. Ainda assi m, o que acon teceu em segu ida me dei xou pensa tivo. À noite, a s pessoas já não estavam apenas part indo, mas tratando de correr para salvar próprias vidas. Por v olta da s 23 horas, tod os os s oldados que ainda permanec iam começa ram a b ater em ret irada, destruindo todas as ponte s por q ue passavam. As pesso as foge m sem saber para onde estão indo. Som os instruíd os a fu gir, mas para on de, e por qu ê? (...)

(...) Co nseguimos peg ar o últim o trem. Do ú ltimo vagão, ele s des-truía m os trilhos que fi cavam pa ra trás. Tod o mundo es tá chocado com a quant idade de armas e mu nições que o pessoal d e origem al emã tinha gu ardad a. Onde é que as e scondiam? C omo é que nosso s milita res não as en contrar am? Nós b uscávamo s peque nas pistas, mas aparentemente deixávamos passar a s gra ndes. E agora estamos vendo os resultado s de nosso d escuido. O céu atrás de nós está vermel ho. Ouvimos tiros a di s-tância, e estamo s quase che gando a Czeka now. E aqui va mos fi c ar até as três da manhã.

Enqua nto as forças ter restres e aéreas ale mãs atacavam simultaneam ente do sul, do oeste e do norte, Edward e o pai fugir am p ara leste, em direção a Varsóvia.

2 de set embro de 1 939

Pe la manhã, che gamos a Kalis z, mas tod o mundo também estava sendo e vacuado. Nosso trem foi per seguido por aviões alemães o dia inteiro. Eu não estava com medo , até que vi o que eles podi am fazer. Vi esquele-tos carbonizados em trens incendia dos — aquelas tin ham s ido pessoas. Vi pessoas sem braços nem pernas, vi uma cabeça rolando para um ca-nal, vi t ripas humanas pendura das em fi os te lefônicos. Quando a gente ouve gemidos de morib undos, e crianças choran do, e momentos depois vê um avião bem em cim a jogand o bomb as, só se pod e mesmo espe rar a m orte. Não dá mais para se pr eocupar com os moribundos ou os órfãos. Hoje são eles , mas ama nhã poderá ser a nossa vez. Fiqu ei mu ito triste

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A invasão alemã da Polônia 17

de imaginar q ue posso ter de morrer longe das pessoas q ue amo. Era a ún ica coisa que me importava.

Ta mbém houve ce nas divertidas hoje. Toda vez que éramos bom-bardeados, um casal d e jovens salta va do trem e corria para a plantaç ão de batatas, pois ap arentemente al guém lhes tinh a dito para se afasta-rem pelo menos 300 metros quan do o tre m estivesse sendo atacado . Desse modo , toda vez que o trem recomeça va a andar, eles p recisa vam correr f eito l oucos para subir a bordo de novo. Passa mos a noite em Sieradz.

3 de sete mbro de 1939

Fila s de carroças puxadas por animais nas ruas , todo m undo está fugin-d o dos alemães , os aldeões t êm mais medo deles qu e do própri o diabo, o u pelo menos tanto quanto. Seja como for, o diabo está semp re vestido c omo um alemão nas im agens qu e veem. Para onde vão tod as essas pes-soas? Elas não têm a menor ideia. E quantas v oltarão, para e ncontrar em ruínas a casa da família?

Numa estação depois de Sieradz, nos so trem recolheu os p rimei-r os feridos. Essas pess oas co be rtas de sangue são a primeira colheita da saf ra da guerra — e p ensar que tudo isso foi c ausado por uma única pe ssoa, Hitler. Quando se c orta madei ra, sempre sobram la scas, c omo diz o ditado.

Nos so trem p ara ao se aprox imar de Łódź. As pess oas olham para ci ma para ve r se enxergam n o céu os m ensagei ros da mor te, chegan do para transfo rmar nossos vagões em c aixões. E en tão eles aparecem . Pri-mei ro, ouvimos os mo tores e d epois o s vemos, como fal cões negr os. Eles estão vo ando em dir eção ao ae roport o de Łódź, ao que parece. Vemos tr ês dos no ssos páss aros prat eados poloneses a persegui- los. O s pesados falcões vã o subind o cada vez ma is, lentamen te. São nov e. Nos-sos p ássaros ap roximam -se pelos la dos, doi s deles encosta m nas c audas alemãs. Depois de algum tem po, dois av iões alemã es caem, soltando fuma ça; os dem ais fogem. Ficamos t odos muito fel izes. N osso coração se enche novam ente de espera nça por ver o que nossos p ássaros prat ea-dos p odem faz er com os fa lcões deles . O trem começa a se mover, mas,

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ao chegarmos à estação de Łódź, somos novamente atacados e corremos para nos proteger . No abrigo subte rrâneo ouvimos o ba rulho d os ca-nhões antiaéreos, o som dos aviõe s e das e xplosões. Aquele lugar podia ser nosso t úmulo, sere mos ente rrados viv os se e le desmoronar em nossas cab eças. Es te pode ser o fi m.

Ouvimos pelo rádio qu e a Ingl aterra declarou guerra à Alema-nha, mas a notícia é um terrí vel cho que: po r que s ó agora? Os alemães já at raves saram o rio Varta, milhares de ci dades foram bomb ardeadas, milhares de aviõ es alemães sobrev oam todo o nosso paí s. Vocês deviam te r socorrido a Polônia desd e o in ício! O céu está c ompletamente ver-melho ao norte, ond e a fábrica d e bebidas foi incendiada. D ormimos na estação fe rroviária.

A a lguns q uarteirõe s da estação fe rroviária d e Łódź , Dawid Sierakowiak, 15 anos, também se abrig ava do ata que alemão.

3 de se tembro d e 19 39

Meia-n oite e meia , sirene de ata que aéreo. Não paro de praguejar. Lá fora está f rio , escuro, ho rrível. No abrigo, brincávamos um p ouco, ma s, como sempre, as mu lheres com eçam a g ritar co nosco: “Estamos em guerra , sabiam? Nã o é uma festa! ” Saímos p ara a rua. Melhor enfren tar o frio e as bombas que fi ca r com essas megeras! Viva o humor, abaixo a hister ia!

A sirene para, nós vamos dormir, mas às cinco da manhã tudo co- meça outra vez. Tateio em busca de ro upas (está frio, ainda estou meio ad ormeci do) e sai o correndo na direção da lareira. Tudo tra nquilo até nove horas , a s irene parou. Dep ois, esto u de s erviço. Esquent ou. Por toda parte, as pesso as amontoam terra ao r edor dos porõe s. Estão ca-v ando a gr ama com pás. O s repr esentantes do nosso préd io se reú nem, conversamo s, cont amos piadas bobas e fa zemos uma vaquinha. Três d e nós s aem e voltam com 300 g ramas de se mentes. Elas são divididas fra-ternamente, send o algumas oferecid as às meninas e crianças pequenas que estã o por pe rto. De rep ente, soa um a siren e. Descemos para nos pr oteger, e u leio em voz a lta meus esquete s de comé dia. Co meça a fi car

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abafado, e nós subimos ao te rceiro and ar. D e repente, boas n otícias. O rádio in forma qu e a Inglaterra declaro u guerr a à Alemanha. Nós gri-tamos de ale gria e saímos co rrendo p ara dar a boa notícia, apesar da sire ne. O rádio transmite “God Save the King” , “A Marsel hesa” e “A Pol ônia ainda não foi perdida” [o hino nacional polo nês]. Uma sens a-ção boa.

Depois do jant ar, outra si rene . O pr imeiro grande ataque aéreo a Łódź. Doze aviõe s em for mações tr iangul ares romperam as lin has de def esa e e stão bo mbardeando a cidad e. Estamos d e pé ante a e ntrada de nossos apartamentos , assistindo à batalha. P equenas nuvens d e fu-maça se for mam ao re dor dos av iões, em c onsequência dos tiros dispa-rados por nossa artilharia antiaérea. A es quadrilha consegue e scapar, e vemos en tão nuvens de fumaça proveni entes de alg uma parte do centro da cidade. Bombas incendiárias! Logo vemos fumaça em outras partes também. De repente, vemos o s aviões vindo em n ossa direção. Aterro-rizados, resistindo à vontad e de fi car vendo, nos protegemos na escada e saímos de novo, repetindo esse vaivém cerca de vinte vezes em cinco minutos. Três aviões passa m por cima de nossas cab eças, parec e que va-mo s ser bomb ardeados, mas não. D amos um suspiro de alívi o. Passam os três seguint es, que também no s deixam em paz. Os outro s aviões desapar ecem . O perigo p assou, pel o menos por enquanto . Contamos o que ac onteceu às mulhere s aterrorizadas, nervosas, no abrigo. A lgumas tra zem crianças peque nas nos b raços. É uma cena r ealme nte com ove-dora. De repente, um representante da vizinhança usando máscara de gás entra correndo para inform ar que jo garam g ás em vários pontos da c idade. O pânico se instala. Os sortudos donos de máscaras de gás le vam-nas a o rosto, o utros lançam mão dos estoques de gaze. Lá fo ra está esfrian do e começa a ventar . Tocamos o gongo para soar o alarme. T umulto, med o, com oção. Finalmente tu do se acalma. Ficamos saben-do que o aviso sobre o gás era um ala rme fa lso.

A notícia da noite é tão bem -vinda quanto a da manhã: a França e a A ustrália entraram na guerra! E o s soldado s poloneses continua m res istindo e m Westerplatte, im pedindo que os Kr auts* deem mais u m

* Designação pejorativa dos alemães, sobretudo soldados, na Inglaterra a partir de 1918. (N. do T.)

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passo sequer, muito embora esteja m em inferioridade numérica. E a estação de Zbszy ń foi tomada de volta aos alemães! Damos boa-noite e vamos nos deitar cheios de alegria.

4 de setembro de 1939

Duas sirenes durante a noite. Fazia um frio do cão. Juntamo-nos no abrigo, nos aquecendo uns aos outros para dormir. Essa história toda de guerra começa a fi car cansativa e chata. Hoje eu dormi até as dez da ma-nhã. O tempo estava bom e ensolarado, depois da noite fria. Depois da terceira sirene, recebemos uma notícia chocante, mas boa. Os alemães torpedearam um navio inglês de passageiros com centenas de cidadãos americanos ricos e infl uentes. Morreram oitocentas pessoas! Roosevelt já disse que os Estados Unidos não fi carão neutros na guerra, antes mes-mo de isto acontecer. Que dirá agora? Todas as sirenes de ataque aéreo hoje foram alarmes falsos. Eu não tenho o que fazer. Ficamos sentados conversando, fl ertamos com as moças — segunda-feira fi nalmente vol-tamos às aulas!

Esperando novas notícias da ajuda dos Aliados, Dawid permaneceu em Łódź. Mas o presidente Roosevelt reagiu, garantindo aos cidadãos america-nos que os Estados Unidos se manteriam neutros, apesar do ataque. No dia seguinte, Edward Niesobski tentou localizar o resto de sua família.

4 de setembro de 1939

Esta manhã, comecei a procurar minha mãe. O distrito de Mazev tem 12 aldeias, de modo que tive de me informar para tentar encontrar seu endereço. Meu pai tomou um trem de volta a Łódź para se alistar no Exército. Há postos de controle em todas as pontes. Não consegui informações no primeiro lugar aonde fui mandado. A prefeitura está enfrentando o problema dos refugiados que precisam de teto, mas não parece fazer muito esforço. Havia lá um grande cartaz convocando os soldados a se alistarem. Dizia que nosso eterno inimigo ameaçava nosso

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direito à vida e à liberdade, convocando todos a lutar. Fez com que eu me sentisse seguro de que vamos vencer.

A busca por minha mãe não deu resultado hoje. Ela não estava em nenhuma das aldeias que visitei até agora, e então decidi passar a noite na quinta. Começo a perder toda esperança de voltar a vê-la.

5 de setembro de 1939

Voltei a Mazev esta manhã para procurar mamãe. Faltavam apenas qua-tro aldeias na minha busca. À tarde, tomei emprestada uma bicicleta e fui a Leczyca procurar por ela. Já devia ter percorrido uns 8 quilômetros quando de repente ouvi alguém me chamar. Voltei-me — e lá estava minha mãe!!! Minha busca fi nalmente chegou ao fi m. Que sorte termos nos reencontrado!

Duas horas depois, voltamos a Osendowice, onde mamãe está hos-pedada. A primeira coisa que fi z foi tomar um bom banho, o que não fazia desde 1o de setembro! Já estava escuro quando ouvi uma voz, não uma voz qualquer, era o meu pai!!!! Ele estava à nossa procura, vinha lá de Łódź, e fi nalmente nos reuníamos todos de novo. Minha irmã Krysia foi quem fi cou mais feliz. Ela deve ter pensado que os alemães tinham comido todos nós. Claro que não, pois os alemães não comeriam carne magra como a nossa.

À medida que o exército alemão se aproximava de Łódź, o governo polonês convocou todos os homens com idade entre 16 e 60 anos a se alistarem na defesa de Varsóvia. Com um ano a menos que a idade de mobilização, Da-wid foi arrolado na defesa antiaérea.

6 de setembro de 1939

Meu Deus! Mas o que está acontecendo? Pânico, êxodo em massa, der-rotismo. A cidade foi abandonada pela polícia e outras instituições do Estado e simplesmente espera aterrorizada a entrada das tropas alemãs. Que houve com as pessoas? Elas não podem simplesmente fi car paradas,

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correndo em círculos por medo e confusão, trocando móveis gastos de lugar por motivo algum. Meu serviço termina à uma hora da manhã. Vou acordar Rysiek para o turno seguinte. Ele está pessimista, é por ele que fi co sabendo dos supostos planos de evacuar a cidade. Ele conta que no escritório em que seu pai trabalha tudo foi empacotado e que logo vão deixar Łódź. Mas como? Fico sabendo que os alemães vão tomar a cidade a qualquer momento.

Correr, fugir, sempre mais longe, passo a passo, em travessias difí-ceis, chorar, esquecer — qualquer coisa para fi car o mais longe possível do perigo. Minha querida mãe, tão sensível, demonstra autocontrole. Reconforta a sra. Grodzieńska e a dissuade de seu plano enlouquecido de fuga, acalmando aos poucos a psicose de uma multidão a ponto de ser trucidada. Papai está perdendo a cabeça, não sabe o que fazer. Outros vizinhos judeus vieram conversar. Comentam a ordem a todos os capazes de carregar armas para que deixem a cidade, para não serem mandados para campos de trabalho pelo inimigo. Eles não sabem o que fazer. Discutem e acabam decidindo fi car onde estão. As pessoas estão indo embora o tempo todo: hordas de homens se encaminham para um ponto de convergência em Brzeziny. Reservistas e recrutas estão deixando a cidade. Atrás deles, mulheres carregando cobertas, roupas e alimentos em trouxas nas costas. Crianças pequenas vão com elas. Todos os nossos ofi ciais de comando deixaram a cidade e seus postos, e assim designamos a nós mesmos, de brincadeira, e sustentamos a coisa até meio-dia.

8 de setembro de 1939

Łódź foi ocupada. A cidade esteve tranquila o dia inteiro, tranquila demais. Esta tarde, eu estava sentado no parque, fazendo o retrato de uma das garotas, quando de repente chega uma notícia terrível. Łódź se entregou! Patrulhas alemãs estão na rua Piotrkowska. Medo, surpresa — rendição sem luta? Talvez seja apenas uma manobra tática. Vere-mos. Enquanto isso, não se conversa mais, as ruas estão vazias, os rostos e os corações se endureceram em ódio e carrancuda severidade. O sr. Grabiński volta da cidade e conta que os alemães de lá cumprimentam

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os compatriotas. O Grand Hotel, onde fi carão os generais, foi enfeitado com guirlandas de fl ores. Civis — rapazes e moças — pulam em tan-ques militares gritando alegremente “Heil Hitler!”, falando alemão em voz alta no meio da rua. Pessoas que eram tranquilas, patriotas e civili-zadas mostram sua verdadeira face. As luminárias de rua voltaram a ser acesas à noite. Não há mais perigo de ataques aéreos.

Naquela noite, enquanto as tropas alemãs eram recebidas com dança e fogos de artifício em Łódź, centenas de judeus eram mortos a fogo numa sinagoga em Bedzin, pouco mais de 160 quilômetros ao sul da cidade. Dezenas de cidades polonesas estavam em chamas, mas, apesar das “medidas de lim-peza” dos alemães contra milhares de poloneses e judeus, a Grã-Bretanha e a França descartaram a possibilidade de socorrer prontamente o país, pois também estavam sob a pressão da mobilização de guerra.

9 de setembro de 1939

De manhã, um aviso foi afi xado em polonês e alemão (alemão primei- ro!), pedi ndo calma quando as tropas alemãs entrassem na cidade. As-sinado: Co mitê dos Cidadãos de Łódź. Mais tarde, fui um pouco mais longe para ver a chegada das tropas. Muitos tanques, os soldados pare-cem pe rfeitamente normais, mas com uniformes diferentes dos unifo r-mes poloneses — os deles são de um verde-aço. Eles têm uma expressão confi ante, cheia de fanfarronice. Os conquistadores! Um tanque cheio de ofi ciais de alta patente e rostos austeros vem passando, rápido como um raio. As pessoas estão tranquilas, observam impassíveis. Silêncio! Voltamos aos nossos préd ios e nos sentamos nos b ancos, conversando e brincando. Mas que droga!

1 3 de setembro de 193 9

O feriado de Rosh Ha shanah [véspera do Ano-Novo judeu] é triste, sombrio, igual a qualquer outro dia. O mesmo pão seco com um

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pedacinho de arenque (a única coisa diferente dos outros dias). Che-gou hoje a ordem de que as lojas a bram amanhã. Para os j ud eus, é o pior golpe em muito tempo — as lojas abertas no Rosh Hashanah! E as sinagogas fi carã o fec hadas. Não ter e mos onde rezar juntos por mi-sericór dia, nada. Todas as nossas liberdades fundamentais nos estão sendo tiradas. Não sou um tradicionalista e sempre achei libertador escapulir das orações, mas essas ordens são dolorosas para os judeus. Agora entendo o que a fé proporciona aos fi éis — eles fi cam em paz, serenos. Tirar o único consolo de um homem, sua f é, e proi bir uma religião que é afi rmação de vida é um crime imperdoável. O povo ju deu não permitirá que Hitler saia imune disso. Nossa vin gança será terrí vel.

15 de setembro de 1939

Pela primeir a vez mamãe foi comprar pão e voltou sem nada. Ela se levanta às cinco horas e fi ca na fi la até as sete, quando a padaria abre, distribuindo pães de um quilo. É assim há uma semana. Hoje não havia mais pão quando cheg ou a vez dela. Talvez seja preciso entrar na fi la à uma da manhã. Na cidade, os agentes de Hitler tiram judeus das fi las de comida, pois ass im os judeus pobres que não têm empregada [polo-nesa] são condenados à morte por fome. É o humanitarismo al emão do século X X! Os Rabinowicz voltaram hoje de suas perambulações com os vizinhos. Estão com uma aparência terrível. Seus dois fi lhos estavam em outra carroça e não voltaram. Ninguém sabe onde estão. Eles falam de tro cas de tiros, da procura por lugares para dormir, de caminhadas a pé por quilômetros, de perigos e tudo o mais. Eu fi co todo arrepiado. Mas também há momentos divertidos. Em qualquer lugar é possível encontrar humor. Riso no meio da calamidade.

A própria Varsó via estava sob constante fogo de artilh aria e implacável bom-bardeio aéreo, e depois de duas semanas na estrada a família de Edward de-cidiu voltar para casa. Chega ndo a uma tranquila aldeia ao sul da capital, detiveram-se alguns dias para descansar.

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15 de setembro de 1939

Na noite passada, os alemães ocuparam todos os lugares que abando-namos. Mandaram prim eiro os tanques, que se locomoveram bem de-pressa pelas calçadas, evitando assim a areia que espalhamos nas pistas para atrasá-los.

Ele s mont aram ac am pam ento per to da fl o resta , ce rcado s d e me tra-lhadoras e tanques. Seus uni for mes são f eito s d e um tecid o verde-acin-zentado. Os capac et es são pe rfeita me nte li sos. Eles ostent am suástic as e á guias e se ves tem d e preto e branco, as cores nac ionais d a Alemanha.

Os moradores das a ldeias mu daram de lado c om a rapide z de u m raio: da no ite para o di a, tornaram-se al emães. Fazem r everê nc ia qu an-do veem um ofi cial alemão na ru a. Os a lem ães ol ha m para e les com d esprezo, m as eles não parec em se importar. O s soldad os alemã es cir-cu lam pe dindo ci gar ros e t ab aco , e as moça s da al deia fl ertam com el es , empe tecadas com suas r oupas de domingo . Eu procu ro ev ita r ver essas co isas, e as sim durmo na e stre baria .

1 7 de set embro de 19 39

Fo mos nos d eitar ve stidos, m as não c onseguimo s dormir p or ca usa do s tiros. De manhã, os aviõ es alemães haviam acuad o nossa in fantari a de volta à fl orest a. A tirara m em n os so s sold ados, e c ivis també m atiraram neles. É tudo uma perf eita b agun ça. À n oite, eu d ecid i qu e precisava dormir um p ouco. Esta va ca ns ado demais para me p reocupar com o que pod eria a contecer.

Enq uanto Ed ward per di a os acon tec imentos daquele dia em Łó dź, Da wid regi strava to das a s notí cias que podia, ma s reconh ecia e star co nfu so.

17 de setembro d e 1939

Fic amos sa bendo h oje que no sso g inási o f oi na verd ade di ssol vido. O Ginásio N úme r o 1 está sendo fundido co m a escola de m eninas. Os

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p rédios foram ocupa dos. Sinto- me tom ado pelo dese sper o. À ta rde, es-tava cam inhand o com [ minha amiga] Jadzia quando Marek v eio cor-r endo em n ossa d ireção co m no tíc ias estr anhas e as su st adoras. A Rússia ro mpeu o pacto de não a gres sã o com a Po lônia e o cup ou nossas regiõ es orien ta is. Ainda não sa bemos os detal hes. No i ní cio, eu não entend ia n a da. De pois, as rádio s alemã, sovi ética , i nglesa e polone sa foram aos poucos e sclarecend o a situação. O go verno soviétic o mobili zou sua s tropas por se sentir am eaçado (o que diz muit o do seu pa cto de não agressão c om os al em ães ). Com o já não existe um gov er no pol on ês em Varsóvia, a Rússia sente- se na obr ig ação de de fender a Bielorrú ssia e a Uc rânia frente à Alemanha. O alto-com ando polon ês declaro u que não co mbat erá a Rúss ia (de mo d o que esse ato d e a gressão é com tod a evi-dênc ia c onv eniente , apesar de tud o), concen trando t odas as sua s forças c on tra os alemães. E a rádio ing les a comentou que é evident e qu e o Exér cito ru ss o cooper ar á com o Exército polonês. O que es tá acont e-cendo, e ntão ? Se rá que a Rússia se l emb rou d e qu e o n azis mo é afi nal de contas o seu pior inimigo?

A o contrár io do q u e Dawi d esperava, as tro pas s oviétic as come çar am a oc u-p ar o leste da Polô nia de ac ordo c om o anex o secr eto do Pa cto de Não Agres- são Ge rmano-Soviético as sinado em a gosto de 19 39 . Como a Po l ônia e ra dividid a em dua s e sferas de infl uência, caíam p or terra as es perança s d o Exérc it o po lonês de se reagru par na regi ão orie ntal do país par a u ma nova ofensiva. N uma Łódź oc up ada, Da wi d desf rut ava pelo menos da v olta d e algu ns sinai s d e norm ali dade.

19 de se tembro d e 1939

Fui para a es col a de bo nde ves ti ndo u m uniforme limp o (tive d e v oltar a pé e am anhã terei de ir a p é, s em din hei ro para o bo nde ). São 15 moças e 18 rapa zes, de am bos os giná sios. Tiv emo s tr ês aula s, o mesm o que on tem. Revisão, ba sicamente. Não tivemos notícias . Havi a a lguns pro-fessore s novos , n ão muitos. Não sabemos se teremos aul as j unto co m as mo ças ou se paradamen te, pois está muit o aper tad o. Se f or sep ar ado, provavel men te fi ca remos no turno vespe rt ino.

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À s cinco da tarde, ouvi Hitler no rá dio . Ele fal ava de “ di e befrei te St adt D an zi g” [em ale mão, “a cidade l iberada de Da nzig”, ou Gd ańsk, em po lonês] depois de uma ovaç ão da m ulti dão. O d iscu rso most rou que ele não m erece sua fam a de g rande estadista. Ele se ag it ava, gritava, in sul tava , implor av a, adulava, ma s sobretu d o m entia e mentia. Mentiu que a Polônia tin ha co meçado a guerra , m entiu so bre a perseguição aos alemães na Polônia (“Ba rba ren!”). Men ti u sobre suas lin das intenções pacífi cas etc . Começou então u ma enfi ada de in sul tos contr a as autori-da des polo nesa s, C hurch ill, Co oper (Duff ) e Eden. Falou de s eu d ese jo de c he gar a u m acordo co m a Inglate rr a e a F ra nça. Falou da injusti ça do Tr at ado de Vers al hes, diz endo q ue a Polô ni a nunc a e xistir á nas fr on-teiras decidid as por ele. Disse que a tentativa dos in gleses de der rubar o governo alemão jamais teria êxito — a melho r pr ova que já ouvimos d e que o s i ngleses estã o seriame nte tentando algo assim. No fi m, fa lou de s u as b oas rel açõ es com a Rús sia (?. ..) e da impossib il id ade de u m con-fl it o germano-russo. Term ino u o discu rs o com al guma s frases, cheias de patho s, a respeito d e Gdańsk.

Três dias depois, Edward mai s uma vez at rave ssou Łódź , d essa vez a cami-nho de casa .

22 d e sete mbro de 19 39

A cida de não mos tra indício s d e qu e h aja uma g uerra; é a volta à nor-mali dade. As e sc ola s e st ão abe rta s nov ament e desde 11 de s etembro. Há mu it os cartazes alemães no s m uros e ba ndeiras de Hi tl er por to da parte. S into -me um e stranh o em meu próprio paí s. Não há m uita comida em Łódź , e as pess oas pa ssam hora s na fi la da batata. Nós atravess amos Ł ódź at é a esta ção de trem Kalisz.

23 de setemb ro de 193 9

Pas samos a noite na est ação ferr oviá ria co m trez en tas outras pessoas, e s-p era ndo um t rem que nunca c hega. Fina lmente ele chega por v olta das

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trê s da manh ã. Desloc a-se muito l entamente e eu vejo os d estro ços d e trens que ima dos, além de alg umas pont es qu e acaba ram d e ser conserta-das. Chegam os a Kalisz à s oito da noi te e fi c amo s espe ra ndo uma hora. De lá, vamos direto para Ostrów. Às 3h30 do dia seguinte, depois de tr ês semana s na est rad a, estou de volta em casa. Está tudo exatame nte com o deixamos, poi s nos sa t ia viv eu aq ui enquanto e stiv emos a usen tes. A pri meira coi sa que fazemos é t omar u m banho. Dá p ara imag ina r nossa ap arência no fi m des sa “aventu ra”!

O diário de E dward é i nte rrompido aqui. Di as depois , a Polôn ia se rendia e a cida de de Ostr ów era anexada ao Te rce iro R eich. Com a p roibição da língua e da cultura polonesa s, os c idadãos poloneses foram subm etidos a um int ens ivo pr ograma de germanizaçã o. En quanto o d es tin o de Ł ódź e dos 250 m il membro s de sua c omunidad e ju daica con tinuav a em suspenso, Dawid re latav a as mudanças imedi atas n a vida da viz inha nça.

3 de outu bro de 1939

Em bora se ja perfeit amente possível par a a mai oria d os c omerciár ios , operá ri os e loji s tas volta r ao trabalho, já é mais difícil par a os j udeus. Emp res ários, co mer ciantes, corretores , l ojistas etc., todos eles fi c am com muit o med o de a pare cer, pois po dem ser apanha do s para tr ab alhos fo r-çados e ass im per der seu meio de vida. Eles tentam vender c oisas baten- do de porta em port a, como f az a maioria de nossos viz inhos — meias femininas, pão, açúcar, roupas de tricô etc. Todo mundo tem alguma coisa para vender, os objetos passam pelas mãos de dezenas de interme-diários, atacadistas e comerciantes, mas nada disso será capaz de salvar os judeus de um rápido mergulho na pobreza. Meu pai não tem trabalho, está em casa sufocando. Também não temos dinheiro. Um fi asco total!

4 de outubro de 1939

Infelizmente, não consegui evitar o terrível destino de outros judeus: trabalhos forçados. Algumas pessoas mais velhas me convenceram a ir à

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escola pela rua Wólczańska — um caminho mais curto —, e foi o que eu fi z ontem: havia suásticas em todas as casas, muitos tanques alemães, grande quantidade de soldados e moradores de origem alemã usando suásticas. Consegui passar por tudo isso ontem, e hoje, encorajado, fi z o mesmo caminho. Perto da rua Andrzeja, um aluno alemão veio corren-do na minha direção com um porrete na mão e gritou: “Komm arbeiten! In die Schule darfst du nicht gehen!” [Venha trabalhar! Você não pode ir para a escola!] Eu não protestei — sabia que uma carteira de estudante não ajudaria em nada. Ele me levou para uma praça onde alguns judeus estavam trabalhando, recolhendo folhas do chão. O sádico queria me obrigar a escalar uma cerca de uns 2 metros de altura, mas, vendo que eu não conseguia, se foi. O trabalho na praça era supervisionado por um soldado, que também carregava um enorme porrete e me ordenou gros-seiramente que tampasse as poças com areia. Nunca fui tão humilhado; via os beócios que passavam rindo, sentindo prazer com a desgraça dos outros. Uns brutamontes imbecis, inacreditavelmente imbecis! Eles é que deviam se envergonhar, nossos torturadores. Humilhação infl igida pela força não é humilhação! Mas a indignação, uma raiva impotente ferve dentro de qualquer um que seja forçado a fazer esse trabalho estú-pido debaixo de zombaria. Só existe uma resposta: vingança! Depois de meia hora de trabalho, o soldado convocou todos os judeus (alguns dos quais tiveram seus bonés virados para trás, “de brincadeira”), organizou--nos em fi la e ordenou que um de nós recolhesse as pás e que os outros voltassem para casa. Brincando de ser magnânimo!

Cheguei à escola no meio da primeira aula, atrasado pela primei-ra vez em toda a minha vida de estudante. Os professores não podem fazer nada: “Por motivos fora do controle dos judeus.” Fui para casa pelo caminho antigo, passando pela rua Kilinski. Em casa, mamãe fi cou apavorada ao saber que eu fora obrigado a trabalhar. À noite, descobri-mos que um dos alemães que moravam em nossa rua “fi ca de olho” nos judeus em nosso bloco de apartamentos. Isso realmente deixou abalados meus pobres pais, tão nervosos. Na escola, enquanto isso, eles tinham anunciado que os alunos que não contribuíssem com algum dinheiro seriam barrados. Que acontecerá comigo?

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