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resenha de uma geografia do poder de claude raffestin

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Page 1: raffestin

Resenha do texto: ‘POR UMA GEOGRAFIA DO PODER’ de Claude Raffestin

Para Raffestin, as noções de matéria, recurso e tecnicismo equivalem de uma forma

análoga às noções de espaço, território e territorialidade. Inicialmente, o autor procura

trabalhar estes conceitos.

Quanto à matéria, ou substância, esta preexiste a toda ação humana, não sendo a

princípio uma consequência das práticas humanas, mas sim oferecendo possibilidades a

estas. Destas várias possibilidades, somente aquelas com um objetivo se realizarão, através

do conhecimento e da prática. Como exceção, existe a criação de matérias que não são

como existem na natureza, podendo já ser utilizadas ou não.

Por sua vez, a caracterização das propriedades da matéria se dá de acordo com sua

relação com o homem, suas práticas, através dos processos analíticos e empíricos feitos por

este; e assim sua valorização. Assim, uma mudança de prática é uma nova relação com a

matéria, onde se poderia descobrir novas propriedades desta. Como exemplo, o autor cita o

carvão, que durante muito tempo não tinha nenhum valor particular, mas pela evolução das

práticas com a matéria hoje é uma matéria-prima da indústria química. Portanto: “a cadeia

das propriedades materiais é uma função das práticas e dos conhecimentos humanos”

(p.224).

Sendo assim, a qualificação de uma matéria é resultado de um processo produtivo

na qual se tem um ator; uma prática, ou uma técnica mediatizada pelo trabalho; e uma

matéria; que resulta em um recurso ou conjunto de propriedades.

Essa relação do homem com a matéria não é apenas instrumental, é também

política, pois o recurso é um produto coletivo que interessa ao acesso de um grupo à

matéria, modificando o meio e o grupo. Portanto, um recurso é o produto de uma relação,

não é natural.

Assim, não há um crescimento exponencial dos recursos definidos em termos de

propriedades na história humana, pois certas propriedades não apresentam mais utilidade

em relação a um determinado contexto técnico-econômico.

Quanto à tecnicidade, o autor a define como: “conjunto das relações que o homem,

enquanto membro de um grupo, mantém com as matérias a qual pode ter acesso” (p.227). É

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o apêndice da territorialidade, podendo ser simétrica ou dissimétrica; a primeira se

caracteriza quando há relações não destrutivas do meio material; e a segunda quando há

relações destrutivas, como é o caso da exploração dos recursos não-renováveis nas

sociedades atuais, o que pode acarretar em substituições impostas de bens de substituição.

A tecnicidade está diretamente ligada às relações de poder entre os homens que

necessitam e se utilizam da matéria, já que para a produção de recursos é necessário um

domínio mínimo do espaço e tempo, e circustâncias políticas e econômicas favoráveis.

Deste modo, a tecnicidade interage com a territorialidade.

Antes de abordar as novas relações de poder que devem repercutir na tecnicidade

dos países consumidores, o autor julga necessário distinguir os recursos renováveis dos

recursos não-renováveis.

Os recursos renováveis dependem diretamente ou indiretamente da fotossíntense, e

logo do funcionamento do ecossistema, pois sem organismos autotróficos não há energia de

base para construir a matéria viva animal. A quantidade destes varia de sociedade para

sociedade, que costumam se empenhar em fazê-los crescer, com o limite do espaço

terrestre. Assim, a produção destes recursos é realizada pela organização de espaços da

superfície terrestre.

No ecossistema contemporâneo, o trabalho humano desempenha mais um papel

regulador, com a produtividade ampliada pelas máquinas. O rendimento econômico cada

vez mais precisa de inputs que não são ilimitados para produzir recursos. Também é

fundamental citar o solo e água como fatores de funcionamento do sistema agrícola.

Por sua vez, o solo é um fator renovável que pode ficar inutilizável porém pode ser

corrigido, sendo que as terras cultiváveis vem diminuindo na maioria dos países

industrializados pela poluição. Portanto, como coloca o autor: “as relações de produção e

de propriedade interagem e constituem um sistema de relações de poder”(p. 230), problema

central das reformas agrárias. O autor cita o caso dos Estados Unidos que perderam a

supremacia petrolífera, porém agora estão buscando outra fundada nos recursos renováveis

essenciais, o que não seria possível sem solo cultivável.

A água, indispensável à vida, é outro fator fundamental de se controlar qualitativa e

quantitativamente. Sendo a utilização da água maior que o consumo, é necessário políticas

para sua recicliagem, a fim de preservar esse bem. Com a utilização e consumo maiores da

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água pelo crescimento demográfico e econômico, hoje esta é motivo para conflitos

sobretudo de natureza política e relações de poder, já que este recurso interessa a uma

coletividade. O autor cita como exemplo Israel e as águas do Jordão.

As técnicas de utilização do solo e da água não param de ser aperfeiçoadas, porém

essas técnicas exigem cada vez um consumo maior de recursos não-renováveis,

principalmente a energia.

Os recurso não-renováveis são constituídos pelas matérias armazenadas no solo ou

no subsolo no decorrer da história da terra, como exemplo: carvão, petróleo, gás natural,

ferro, cobre, chumbo, etc. São não renováveis no tempo da escala humana, ou seja, irão

dimuindo conforme a exploração humana. A regulamentação apenas pode ser para se

utilizar pouco ou não se utilizar, a fim de não se esgotar um recurso, o que deve acontecer

com vários recursos no ritmo atual de consumo das sociedades, o que deve acarretar na

modificação da base da relação com a matérias nos países mais avançados tecnicamente.

Para a mobilização dos recursos é necessário um domínio mínimo de uma certa

quantidade de energia e informação para preparar um plano ou programa de exploração, de

inventário e de avaliação dos recursos potenciais. Para isso é necessário considerar as

condições e níveis possíveis dessa exploração face aos custos e benefícios antecipados.

Ainda são levados em conta o contexto técnico e jurídico. Trata-se, portanto, de uma

decisão técnico-política com a intervenção de um conjunto de atores sintagmáticos que

fornecem os fatores necessários à realização do projeto.

Assim, o autor resume os comportamentos em matéria de mobilização de recursos

em três categorias: exploracionismo, preservacionismo e conservadorismo.

Os exploracionistas se preocupam em produzir cada vez mais, e não com um

possível esgotamento do recurso, comportamento típico da época colonial e ainda presente.

Com os preservacionistas o meio é pouco tocado e se renuncia a um ganho elevado

imediato, a fim de preservar um recurso ou evitar desordens nas estruturas econômicas

nacionais, se opondo a um rápido crescimento econômico. Os conservacionistas trabalham

com as necessidades e objetivos de uma coletividade, meio termo entre os anteriores.

Dada estas afirmações, é necessário também entender os atores e componentes de

suas estratégias para um recurso renovável ou não-renovável.

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Estes não atuam de maneira igual, como coloca o autor: “os atores ocupam posições

espaço-temporais diferentes, que dispõe de quantidades e de qualidades diferenciais de

energia e de informação e que, por conseguinte, os papéis que podem desempenhar são

muito variáveis” (p.237). Entre os atores ocorrem três tipos de transferência: de matérias-

primas, de tecnologias e de recursos ou produtos semi-acabados ou acabados. Com base nas

transferências se constitui uma hierarquização dos atores, como centralidade e periferia.

Os atores estão submetidos à coerção espacial e temporal, e conforme dispõem de

matéria ou técnica vão procurar maximizar tempo ou espaço em suas respectivas

estratégias. Isso não seria necessário se um ator concentrasse tanto a matéria como a

técnica, tendo um monopólio mundial, porém isso não acontece na prática, todas as

estratégias são ao menos oligopolistas.

Para diminuir as desigualdades entre os países, a renda de países não deve depender

da matéria que produzem e é necessário que haja um bem de substituição. Como essas

condições raramente acontecem, se dá uma relação de dominação que é corrigida em parte

por organismos internacionais de ajuda bi ou multilaterais. Uma das soluções está na

transferências de recursos ou tecnologias, como citado o caso do Japão pelo autor,

transferência tecnológica que aconteceu neste país junto com o sistema social e de valores,

com ajuda maciça e sólido enquadramento do Estado, em um contexto favorável a isto

durante um longo período de tempo. Hoje, em uma nova conjutura, mais rapidamente, cabe

às empresas multinacionais assegurar ou não os investimentos.

Se tratando de tecnologia, são as empresas multinacionais que centralizam a

produção dos conhecimentos e que asseguram a circulação interna e externa destas

informações atualmente, com 80% das pesquisas mundiais financiadas pelas mesmas.

Trata-se de uma estratégia de uma economia industrial desenvolvida para preservar

o controle real sobre os recursos, que mantém a rede de circulação privada e liga a matriz às

filiais. Assim, a circulação externa acontece mais no manejo do que na produção, o saber

fazer permanece privado como estratégia. Tal estratégia pode ser explicada pelos fatores da

internacionalização da produção e da taxa de lucro, causando relações dissimétricas que são

a consequência do desenvolvimento desigual do saber.

A tecnologia tem um caráter multidimensional, pois afeta as taxas de crescimento,

emprego, repartição de lucros, balança de pagamento, etc. Trata-se de um problema na

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escolha entre técnicas que implicam muito capital, as principais; e aquelas que implicam

muita mão-de-obra, as secundárias.

Tal desigualdade da tecnologia, em simetria ao território, acentua a ideia de

centralidade e marginalidade. É a partir de tecnologias intermediárias que os atores com

pouca técnica procuram desenvolver estratégias para diminuir sua dependência.

A tecnologia intermediária está entre as técnicas ancestrais e sofisticadas, por meio

dela procura-se instrumentos com pouco custo que utilizam muita mão-de-obra e que

podem aumentar a capacidade produtiva de uma comunidade, ao mesmo tempo visando

menor deslocamento dos indivíduos. Tais técnicas tem como objetivo serem criadoras de

empregos e pólos de desenvolvimento, podendo ser um caminho para se chegar à

tecnologia apropriada.

Segundo o autor ainda, em uma visão realista, as tecnologias se tratam de termos de

poder e “os países desenvolvidos só podem conservar sua potência pelo controle quase total

do mercado tecnológico, e os subdesenvolvidos não podem concorrer efizcamente com

eles” (p.250), quadro que só poderia ser resolvido por uma mudança sob a pressão das

condições ao acesso de energia, já que as tecnologias avançadas usam muito destas.

Confome o que já foi colocado antes, o autor agora trata dos recursos como “armas

políticas”. Para falar sobre isso, é necessário salientar que só existem bens políticos, já que

respondem a necessidades coletivas e são endógenos aos sistemas técnico-econômicos.

Para demonstrar isto, o autor cita o exemplo do trigo. Ligado à condições climáticas

precisas, é fundamental para a alimentação dos países subdesenvolvidos que não são

grandes produtores deste, devido a uma divisão do trabalho internacional que os levaram a

se especializar em outros produtos. Os Estados Unidos, com um semi-monopólio mundial

do trigo, usa deste para sua dominação, introduzindo seus produtos industrializados,

defendendo suas empresas e impedindo o avanço do comunismo através deste.

Tratando dos recursos energéticos como instrumentos de poder, o autor cita o caso

do petróleo, controlado sutilmente pelos países arábes exportadores de petróleo membros

da OPEP, o que forçou as economias a investirem na redescoberta de novas energias para

dimuir sua dependência. Também cita o caso do cobre e alumínio, que beneficia os EUA.

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Assim, conclui-se que o desenvolvimento depende da eliminação progressiva das

relações dissimétricas impostas pelos atores que dispõe de meios financeiros e de

tecnologia para os atores que só dispõe de matéria-prima.