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Racionalização das Relações Intergovernamentais: federalismo e política pública no Brasil e Argentina.
Ximena Simpson1 Trabalho elaborado para a apresentação no XIII Encontro da ABCP.
Gramado, 1 a 4 de agosto de 2012.
Versão Preliminar Não citar sem a autorização da autora
INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho é investigar de que maneira os diferentes arranjos federativos2
resolvem os problemas de ação coletiva que são inerentes aos processos de negociação para a
produção e a implementação de políticas públicas (quase) universais e intertemporais. Desde essa
problemática mais geral, parte-se do argumento de que o conflito é inerente aos contextos federais e
que portanto, a implementação de políticas que busquem modificar o status quo ver-se-á
condicionada à capacidade das federações de gerarem mecanismos eficientes de coordenação entre
suas partes constitutivas.
Dito isto, defende-se então que é a forma como se institucionaliza a relação política entre o
governo central e as subunidades o que irá determinar a capacidade das federações de resolverem
problemas de coordenação e de alcançarem uma interação cooperativa entre os atores dos diferentes
níveis de governo. Por isso, postula-se que, para entender o funcionamento das federações e suas
implicações nas políticas públicas, é preciso analisar a maneira como se estruturam as relações
intergovernamentais (RIGs doravante).
A partir desta perspectiva, o trabalho parte, então, de três premissas centrais. São elas: 1)
Uma maior cooperação é alcançada quando se consegue estabelecer consenso em relação à
distribuição de poder entre as subunidades e o governo central, questão diretamente relacionada com
os mecanismos de geração e de distribuição da renda (federalismo fiscal) e a distribuição de poder
1 Doutora pelo IESP/UERJ.
Professora e Pesquisadora da Escuela de Política y Gobierno /UNSAM, Argentina.
Email: [email protected] 2 Para tal propósito, adotamos a definição de federalismo como organização política dividida em governos das
subunidades e em um governo central, no qual os interesses das regiões são representados no processo decisório
nacional, ao mesmo tempo em que mantêm áreas de autonomia em relação ao governo central (DUCHACEK, 1970).
Existe, portanto, um governo da federação assim como um conjunto de governos das subunidades, em que todos são
atores soberanos entre si, mas sua autonomia é partilhada (RIKER, 1969; 1975).
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político entre as esferas de governo3; 2) No que tange à distribuição vertical de poder político, este
trabalho defende que a existência de uma burocracia com maior independência e estabilidade 4 incide
positivamente na capacidade de os atores políticos gerarem acordos de longo prazo, pois atenuam os
problemas de ação coletiva, ao incidirem nos custos de transação. O conceito de burocracia aplicado
aqui se refere à existência de uma organização administrativa direcionada à gestão e regulação de
políticas econômicas e de desenvolvimento e caracterizada pela internalização de uma cultura
tecnocrática e meritocrática5. Por último, 3) Define-se o sistema partidário como o mecanismo
central de coordenação entre os interesses das subunidades e o poder central (RIKER, 1969). É,
portanto, endógeno à dinâmica das relações intergovernamentais e elemento central na análise das
implicações do federalismo na resolução de problemas de ação coletiva.
Por sua vez, entende-se o federalismo como um bem público, cuja legitimidade reside na
conexão entre as preferências dos atores locais e as políticas do governo central através de seus
sistemas de representação. Sua sobrevivência, então, depende de sua capacidade de adaptação em
face às mudanças na estrutura de incentivos dos atores das distintas esferas de poder. Estas mudanças
se referem não só a possíveis modificações conjunturais, mas ao resultado da aprendizagem que
suscita processos repetidos de interação entre instituições e atores diversos.
Seguindo esta lógica, argumenta-se que as características do funcionamento de um Estado
federal estarão relacionadas com as modificações em seu sistema partidário, já que este é o locus
central de expressão das preferências dos atores relevantes e para onde a aprendizagem é canalizada.
No entanto, é importante ressaltar, processos de aprendizagem não previnem resultados ineficientes
ou não cooperativos. Ao contrário, podem reproduzir mecanismos perversos de interação com
resultados de soma zero.
Nesse sentido, a capacidade de racionalizar o sistema federativo será maior quando o sistema
partidário, de forma horizontal, for capaz de solucionar os problemas de ação coletiva. Porém, esta
horizontalidade, é importante aclarar, não se refere à completa nacionalização do sistema de partidos.
Ao contrário, diz respeito a interesses locais projetados na arena nacional, sem que sua identidade
seja dissolvida. Formam-se dois interesses integradores e não contraditórios: o nacional e o local.
Nessa linha de trabalho, tomam-se como objetos de estudo os casos do Brasil e da Argentina.
A escolha dos casos não é aleatória. Uma análise comparativa preliminar dos processos políticos
3 Questão diretamente relacionada aos parâmetros de autonomia e soberania dos entes de uma federação e que
corresponde, por sua vez, às variáveis fundacionais, mesmo que flexíveis, dos federalismos modernos (na acepção
rikeriana). 4 Para uma rica discussão sobre o termo e sua aplicação ao caso brasileiro, ver a tese de doutorado de Gilda Figueiredo
Portugal Gouvêa (1994) e o Ex-Leviatã Brasileiro de Wanderley Guilherme dos Santos (2006). 5 Contudo, adverte-se que essa concepção não presume a inexistência de conflitos ou de práticas discricionais ou
clientelistas.
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desses dois países demonstra que constituem exemplos paradigmáticos e, pode-se dizer, até mesmo
contrafactuais.
As instituições brasileiras, amplamente assinaladas como fragmentárias (ABRÚCIO, 1997;
MAINWARING, 1999; AMES, 2003; SAMUELS, 2003; entre outros) devido ao amplo multipartidarismo,
aos elevados índices de fragmentação legislativa e ao efeito personalizante do sistema eleitoral de
representação proporcional de lista aberta, alcançaram, ao longo do tempo, índices superiores de
cooperação entre as instâncias governativas em comparação às da Argentina.
Quanto ao caso argentino, este é classificado por vários autores como partidariamente
disciplinado, e com baixa dispersão de poder, ambas as características reforçadas pela adoção do
sistema de representação proporcional de lista fechada (GARMAN, HAGGARD & WILLIS, 2001;
WIBBELS, 2005, entre outros). Porém, as relações intergovernamentais nesse país têm mostrado
maior dificuldade em alcançar acordos intertemporais.
No que se refere a ambos os países, a análise de sua dinâmica política não pode deixar de
levar em conta três fatores contextuais que reforçam a perspectiva comparativa deste trabalho. Em
primeiro lugar, estamos diante de instituições democráticas com relativamente pouco tempo de vida
e com passados autoritários coincidentes. Em segundo lugar, os dois países têm sofrido recorrentes
crises econômicas durante as décadas de 1980 e 1990; e, por último, essas nações contam com
estruturas federais amplamente descentralizadas e com Executivos que apresentam forte poder de
agenda (mesmo que haja diferenças importantes em relação às dimensões de suas prerrogativas).
Desse modo, as diferenças nos resultados das dinâmicas políticas nos dois países sugerem
que as características da divisão institucional de poder – inerente ao federalismo – são insuficientes
para definir o potencial de governabilidade e gerenciamento da agenda de políticas públicas.
A partir desta discussão, o artigo estrutura-se da seguinte forma: a próxima seção analisa os
processos de reforma fiscal levados a cabo em ambos os países durante a década de 1990 e começo
do ano 2000. A escolha das políticas focalizadas se justifica por três razões: a primeira, diz respeito
ao fato de essas políticas terem como objetivo central a modificação da estrutura de incentivos dos
atores intergovernamentais no que tange ao seu comportamento fiscal; a segunda razão é por estas
políticas suporem benefícios dispersos a longo prazo e custos concentrados imediatos, questão que
torna o processo de negociação muito mais problemático; e, por último, por consistirem em duas
políticas paradigmáticas, pois ambas, mesmo partindo de conjunturas aparentemente similares,
alcançaram, por um lado, resultados substancialmente diferentes, ao ponto de considerá-los casos
contrafactuais e, por outro, como veremos, porque estes resultados enfatizaram uma tendência que
vêm delineando a dinâmica das relações intergovernamentais em ambos os países.
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A terceira seção enfoca as transformações ocorridas nos sistemas partidários no Brasil e na
Argentina durante as últimas duas décadas do século XX e começo do XXI e seu impacto no
processo decisório no âmbito federal. A quarta parte consiste na análise empírica das hipóteses a
cima propostas e dos principais postulados levantados nas seções 3 e 4. Na última seção apresentam-
se as conclusões.
2. A POLÍTICA FISCAL NO BRASIL E NA ARGENTINA
Esta seção examina as diferenças observadas nos graus de cooperação intergovernamental
existentes nos processos de negociação que visam à implementação de políticas de responsabilidade
fiscal no Brasil e na Argentina6. Enfatiza o comportamento das subunidades em relação às tentativas,
por parte do governo central, de colocar em prática as políticas de estabilização econômica.
Este enfoque se justifica pela característica difusa que adquirem políticas de responsabilidade
fiscal em países federais, já que sua eficiência depende diretamente do comprometimento de todos os
entes de governo que conformam a federação. Caso contrário, a irresponsabilidade de uma
subunidade pode provocar uma externalidade negativa, a qual, no curto prazo, contamina o resultado
fiscal da nação como um todo. Por isso, este tipo de política exige claramente um ente coordenador,
que, dada sua posição privilegiada (e razão de ser), recai sobre o governo central.
Parte-se do suposto, então, de que a eficiência desse tipo de política depende do resultado de
negociações entre as subunidades e o poder central, o que se traduz, na linguagem da Teoria dos
Jogos, em determinado ponto de equilíbrio. As características desses equilíbrios e sua capacidade de
adaptar-se às mudanças de conjuntura ao longo do tempo podem favorecer processos mais
cooperativos, não cooperativos ou não alterar o tipo de interação existente7. Os graus de cooperação,
portanto, estão relacionados aos níveis de institucionalização das relações intergovernamentais8.
No que tange ao federalismo fiscal, diversos trabalhos têm demonstrado que um forte
desequilíbrio fiscal vertical ou, em outras palavras, a alta dependência econômica das subunidades
6 A responsabilidade fiscal se refere à aplicação de regras fiscais, ou seja, a restrições permanentes em relação ao déficit
fiscal, ao estoque permitido de dívida pública ou sobre outros indicadores globais de conduta fiscal. Em geral, essas
regras – que podem ser implementadas através de diferentes graus de formalidade institucional – estão acompanhadas por
critérios de transparência e de um marco orçamentário plurianual consistente. 7 Sobre este aspecto em particular, ver o trabalho de FALLETTI (2005). Em análise comparativa sobre os processos de
descentralização na Colômbia, no Brasil, no México e na Argentina, a autora demonstra que as relações
intergovernamentais na Argentina, em termos de distribuição de poder entre os atores pivotais, não têm sofrido
alterações, apesar das mudanças de conjuntura e dos processos de descentralização. 8
Utiliza-se a definição do conceito de institucionalização das relações intergovernamentais proposta por MORA (2002).
Segundo a autora, este diz respeito à adoção de regras claras que sirvam de parâmetros para o jogo político e assume que,
como se trata de relações políticas, a institucionalização não pressupõe a assepsia, ou melhor, as interferências na
interação entre os atores. Essas regras, por sua vez, serão responsáveis pela flexibilidade necessária para dotar o processo
político de maior credibilidade, pois, além de delimitarem o espaço das crises e as circunscreverem aos conflitos
intrínsecos à Federação, conferem estabilidade suficiente ao sistema para que a instabilidade inerente ao processo político
não cause maiores danos.
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em relação às transferências do governo central, associado a frágeis instrumentos de controle fiscal
por parte das autoridades centrais, tende a incentivar comportamentos não cooperativos,
principalmente em relação às políticas de estabilização fiscal (JONES, SANGUINETTI & TOMMASI,
2000; REMMER & WIBBLES, 2000; WIBBELS, 2005; RODDEN, 2006; ENTRE OUTROS).
Nesse mesmo sentido, RODDEN (2006) chama a atenção para o dilema institucional
provocado pela concepção, entre os atores subnacionais, de que a receita pública faz parte de um
“poço comum” (common pool). Isto ocorre quando o governo central é responsável em grande parte
pelo financiamento dos governos subnacionais e este incorre, então, em obrigações morais, políticas
e práticas que dificultam impor limites às subunidades. Por isso afirma-se que gerar
comprometimento fiscal em um país federal torna-se mais difícil quando o desequilíbrio vertical é
mais notável.
Por sua vez, a questão do controle do endividamento apresenta-se como não trivial. O
processo de endividamento explicita tanto o limite entre a autonomia dos governos subnacionais e a
soberania da Federação, quanto suas contradições. Desde essa perspectiva, este trabalho defende que
a existência ou não de uma burocracia independente e estável incide positivamente na capacidade de
os atores políticos gerarem acordos de longo prazo, pois atenuam os problemas de ação coletiva, ao
diminuírem os custos de transação.
Com base nessas considerações, observa-se que a situação de desequilíbrio fiscal vivida pelo
Brasil e pela Argentina durante as décadas de 1980 e 1990, que levou os governos a buscarem
soluções mediante a tentativa de reforma das instituições responsáveis pela redistribuição da receita
pública e a reformularem a relação entre a União e as subunidades, teve resultados
significativamente diversos: enquanto o caso argentino se caracterizou pelo fracasso reiterado no
tocante à reforma para a consecução de um regime sólido de coleta e de distribuição dos recursos
tributários, o Brasil, no ano 2000, conseguiu aprovar e sancionar a Lei de Responsabilidade Fiscal,
cujo objetivo era a normatização das finanças públicas nos três níveis de governo.
Enquanto o Brasil parece mostrar um processo de aprendizagem institucional, evidenciado
pelo maior consenso a respeito de certos parâmetros de distribuição de autoridade entre os governos,
as relações intergovernamentais na Argentina representam uma fonte de conflitos tão acirrada, que
impedem a implementação não só de uma reforma fiscal mais ampla, como de políticas públicas de
longo prazo.
Com o objetivo de verificar esta afirmação, a seção seguinte estuda os países separadamente.
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Brasil
Transição Democrática: a nova Carta Magna e o federalismo predatório
O contexto brasileiro da década de 1980 se caracterizou pelo início de profundas
transformações para a federação, oriundas tanto do compromisso assumido com a redemocratização
como do novo paradigma econômico. Nesse período, estados e municípios adquiriram o poder de
participar mais ativa e diretamente do processo decisório nacional como consequência do processo
de descentralização ocorrido principalmente a partir do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND/1975-1979)9. Esse aumento da autonomia representou um acréscimo na demanda por maior
quantidade de recursos públicos disponíveis, assim como do peso político estadual no processo
decisório.
A eleição direta para governadores, realizada em 1982, permitiu que, com o respaldo das
urnas, os estados passassem a requerer maior descentralização fiscal. Os estados mais desenvolvidos
exigiam a descentralização do poder de tributar, o que lhes permitiria explorar mais intensamente
suas bases de tributação. Porém, lançando mão de sua maioria parlamentar sedimentada no período
militar, os estados menos desenvolvidos conseguiram aprovar uma descentralização baseada na
ampliação das transferências fiscais já existentes. Contudo, o aumento de autonomia pela via da
descentralização não foi paralelo à transferência de responsabilidade aos estados.
A aprovação da Emenda Passos Porto em 198310
, consolidada na Constituição de 1988, fez
do Brasil o país em desenvolvimento com maior grau de descentralização fiscal11
. Os estados e
municípios conquistaram maiores benefícios tributários com o aumento dos repasses do governo
federal e com a ampliação de sua participação impositiva.
9 O II PND foi uma resposta à crise econômica decorrente do primeiro choque do petróleo no fim do chamado "milagre
econômico brasileiro", período de seis anos consecutivos com taxas de crescimento superiores a 10% ao ano. Foi o
último grande plano econômico do ciclo desenvolvimentista e, provavelmente, o mais amplo programa de intervenção
estatal na economia do país. O plano firmou-se politicamente graças ao capital financeiro nacional e às oligarquias
tradicionais. Entretanto, apesar dos investimentos feitos, a dívida externa do Brasil aumentou de maneira considerável no
período de vigência do Plano. O II PND se propôs a realizar na economia brasileira um ajuste estrutural, que tem o
objetivo de reorganizar as bases da economia, enquanto os ajustes conjunturais se referem a medidas de regulação da
economia ou de gestão da política econômica no curto prazo (através da utilização de instrumentos, tais como taxa de
câmbio, taxa básica de juros, regras para exportação e importação, tributação etc.). O plano conseguiu êxito parcial, uma
vez que, pela primeira vez na história, o Brasil conseguiu dominar todo o ciclo produtivo industrial. Contudo, essa
industrialização ocorreu a preço alto, pois fez a dívida externa explodir, o que resultou na moratória do final de 1982. 10
EC: 1/12/83 (PEC 22/83) Autor: Paulo Lustosa – Relator: Passos Porto. 11
Indicadores dos níveis de descentralização de impostos no Brasil, medidos pelos índices de participação dos governos
subnacionais no total da receita e do gasto, somados à autonomia das subunidades na coleta de impostos e na elaboração
de seu orçamento, colocam o Brasil em posição similar às das federações mais desenvolvidas; entre os países em
desenvolvimento é, de longe, o mais descentralizado em termos de autonomia. O Brasil se aproxima de países como
Canadá, Austrália, Alemanha e Estados Unidos e ultrapassa aqueles Estados unitários que baseiam suas administrações
em estratégias de descentralização, como é o caso da França e da Inglaterra (SERRA & AFONSO, 2007).
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No caso dos municípios, isto se deveu ao seu reconhecimento como membros da federação
em posição de igualdade com os estados no que concernia a direitos e deveres. Assim, o aumento
desordenado do número de municípios – de quatro mil, em 1983, para mais de cinco mil, em 1997 –
foi incentivado pela garantia de transferências federais à região12
. Com a proliferação de municípios,
os prefeitos angariaram maior poder de barganha e fortaleceram seu peso político no processo
decisório. De acordo com ABRÚCIO (2005), o resultado do processo de descentralização foi o
federalismo “compartimentalizado”, no qual cada nível de governo procurava encontrar o seu papel
específico e não havia incentivos para o compartilhamento de tarefas e para a atuação consociada.
As esferas subnacionais transferiam para o governo federal o ônus da crise fiscal. De acordo
com GONZAGA JR. (1995), a crise geral de financiamento se exacerbou ainda mais como decorrência
do padrão de ajustamento do início dos anos de 1980: a necessidade de manter um mínimo de
articulação no Congresso Nacional e as alianças políticas que garantiram a sustentação de SARNEY
(1985 – 1990) no governo, acabaram tendo cunho regionalista. As discussões no interior das duas
casas legislativas federais tinham as demandas estaduais por financiamento como elemento
norteador, acarretando a sobreposição de critérios políticos no tratamento da crise financeira dos
governos estaduais.
Durante os primeiros dez anos da Nova República (1985-1995), os governos aproveitaram o
momento de crise vivido pelo Estado Nacional e pela Presidência da República para obter benefícios
fiscais e financeiros que significavam, a médio e a longo prazo, um agravamento do desequilíbrio
fiscal e financeiro do setor público como um todo (ABRÚCIO & FERREIRA DA COSTA, 1998).
Com o aparente fortalecimento do Congresso Nacional frente ao Executivo Federal, os
estados aumentaram seu poder ante a União: os governos estaduais conseguiram se articular para
formar coalizões de veto às mudanças que modificassem a estrutura de distribuição de recursos e de
encargos dentro da Federação, criando dificuldades ao prosseguimento da reforma de Estado em
várias áreas. Ao conquistar mais poder, os estados puderam adotar uma postura mais independente
diante do governo federal.
Ao longo dos anos de 1990, o novo federalismo fiscal – resultante da Nova Carta de 1988 –
impôs severas dificuldades à política de estabilização no Brasil. Os esforços de austeridade do
governo central foram parcialmente cancelados pelos gastos excessivos dos governos subnacionais.
A busca do ajuste fiscal permanente do setor público foi igualmente limitada pela obrigação do
12
De acordo com estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI, 2006), estima-se que o “custo
político” dos municípios, ou seja, o montante de gasto mínimo correspondente ao funcionamento de um ente municipal
federalizado é de dez bilhões de reais (0,6% do PIB). É importante ressaltar, contudo, que, a partir da EC nº 15, de
dezembro de 1996, apesar de ser genérica e de depender da aprovação de Lei Complementar, conseguiu-se deter o
crescimento descontrolado do número de municípios: entre 1997 e 2005 somente foram criados cinquenta e sete.
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governo central em transferir aos governos subnacionais grande proporção da receita advinda do
Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, sabendo, de antemão, que qualquer
transferência seria imediatamente gasta. Essa vinculação reduziu, por um lado, a efetividade do
esforço de ajuste fiscal e, por outro, a qualidade do sistema tributário (GIAMBIAGI & RIGOLON, 1990).
A conjuntura de crise culminou, assim, com o colapso das finanças públicas estaduais no
começo da década de 1990. Basicamente, cinco fatores contribuíram para isso. Um, com validade
para todos os estados, foi a recessão iniciada no governo Collor (1990-1992). Outro se refere ao
engessamento do orçamento público estadual, resultado, sobretudo, do crescimento exorbitante da
folha salarial do funcionalismo, o que impedia a realização de investimentos de maior impacto por
parte dos governos estaduais. Um terceiro fator diz respeito à paralisação dos investimentos federais
nos estados a partir da segunda metade da década de 1980.
Para piorar a situação, secaram as fontes de financiamento internacionais ou nacionais,
caracterizando um quarto fator propulsor da crise das finanças estaduais. Por fim, um fator que
obrigou os governos estaduais a reverem suas estratégias de atuação no campo econômico: trata-se
da saída de empresas de seus estados de origem, motivada por incentivos fiscais de outros estados.
Tal quadro somente pôde ser estabelecido porque os investimentos públicos federais do II
PND – em especial, na área de infraestrutura – tinham beneficiado, em termos da distribuição de
riqueza, um conjunto considerável de estados periféricos, os quais anteriormente não poderiam
competir em igualdade de condições com as unidades estaduais mais ricas. A partir da
implementação de condições mínimas, esses estados periféricos passaram a poder competir pela
atração de novos recursos do setor privado (ABRÚCIO & FERREIRA DA COSTA, 1998).
Começava aí a chamada guerra fiscal entre os estados. Essa competição ocorre mediante a
manipulação dos respectivos Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)13
e por
meio da concessão de benefícios disfarçados na forma de empréstimos subsidiados e, até, de
participações acionárias. O principal efeito dessa “guerra” foi a redução da receita estadual
efetivamente disponível, como um todo, e o aumento das pressões fiscais dessas esferas de governo
sobre a União (CAVALCANTI & PRADO, 2000).
13
Regulamentado pela Lei Complementar 87/1996, a chamada "Lei Kandir", o ICMS é um imposto que cada Estado e o
Distrito Federal podem instituir por determinação da Constituição Federal de 1988. O imposto também incide sobre
serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de comunicações, de energia elétrica, de entrada de mercadorias
importadas e naqueles serviços prestados no exterior. Cada Estado possui autonomia para estabelecer as próprias regras
de cobrança do imposto, respeitando as regras previstas na Lei. Esse imposto pode ser seletivo. Na maior parte dos casos,
o ICMS, que é embutido no preço, corresponde ao percentual de 18%. Entretanto, para certos alimentos básicos, como
arroz e feijão, o ICMS cobrado é de 7%. Já no caso de produtos considerados supérfluos, como, por exemplo, cigarros,
cosméticos e perfumes, cobra-se o percentual de 25%. O ICMS é imposto não cumulativo, compensando-se o valor
devido em cada operação ou prestação com o montante cobrado anteriormente.
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Outro ponto a ser destacado é o da política de rolagem das dívidas pelos estados desde os
anos de 1980. Tal política consistiu na transferência do ônus da crise fiscal para o governo federal
por parte das esferas subnacionais, ônus decorrente também da relação dos estados com seus bancos
estaduais. Esse processo funcionava da seguinte forma: como resultado da reforma tributária de
196614, os estados foram autorizados a contrair empréstimos junto a seus bancos comerciais, dos
quais eram sócios majoritários.
A partir de então, os estados usaram seus bancos como uma das principais fontes de recursos,
em geral, tomando empréstimos, que não eram pagos, e, mais do que isso, recorrendo a subsídios que
os próprios bancos não disponibilizavam, o que obrigava o Banco Central a cobrir o déficit, lançando
mais moeda no mercado e gerando mais inflação e aumento exponencial das dívidas estaduais. Tal
situação fez com que os estados passassem a dever a seus bancos estaduais US$ 22,8 bilhões, dos
quais US$ 18 bilhões pertenciam ao estado de São Paulo.
Desse contexto de insolvência resultou que o governo federal passou a sofrer constantes
pressões direcionadas à suspensão do pagamento das dívidas estaduais por parte dos governos,
levando-o a sancionar um programa de ajuste em agosto de 1996. Este previa, dentre outras medidas,
a privatização dos bancos estaduais com financiamento de 100% ou de 50% do custo do saneamento
financeiro do banco, caso o estado decidisse permanecer com o controle acionário. A utilização dos
recursos obtidos com a privatização para pagar empréstimos feitos junto ao governo federal foi
tomada como garantia do pagamento das receitas do estado e sua quota no Fundo de Participação dos
Estados (FPE)15
16
.
14
Em linhas gerais, de acordo com VIOL (2000), a reforma de 1966 criou um sistema tributário sistematizado, com
menores distorções e ineficiências se comparado com o modelo de tributação anterior, que fora definido na Constituição
de 1946. Isso se deveu ao fato de os tributaristas responsáveis pela reforma de 1966 terem colocado em primeiro plano o
fator econômico, ou seja, a tributação brasileira passou realmente a incidir sobre bases econômicas, abandonando a
prática de tributar meras definições jurídicas. As principais modificações introduzidas pela reforma foram: 1) a criação
do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em substituição ao antigo Imposto sobre o Consumo (IC), ambos de
competência da União; 2) a criação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) em substituição ao antigo
Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), ambos de competência estadual; 3) a criação do Imposto sobre Serviços
(ISS) sob competência municipal; 4) a transferência do Imposto de Exportação para a União, antes administrado pelos
Estados, e do Imposto Territorial Rural, anteriormente sob competência municipal. Assim, é fácil constatar que não
houve significativas alterações na estrutura do sistema tributário brasileiro após a reforma de 1966, pois os impostos
anteriormente elencados continuam sendo, conjuntamente com o Imposto de Renda (instituído, no Brasil, sob
competência federal, desde 1922), a base do sistema atual. 15
O Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) são modalidades de
transferências constitucionais de recursos financeiros da União para Estados, Distrito Federal e Municípios, previstos na
Constituição Federal no art. 159, inciso I, alínea “a” e “b”. O FPE é constituído de 21,5% da arrecadação líquida
(arrecadação bruta deduzida de restituições e incentivos fiscais) do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer
Natureza (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Já o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é
constituído de 22,5% da arrecadação líquida (arrecadação bruta deduzida de restituições e incentivos fiscais) do IR e do
IPI. 16
A Constituição de 1988 previa um sistema de transferências intergovernamentais fundamentado por critérios
compensatórios ou em acordo com a lógica de repartição. As disparidades regionais no Brasil exigiam um mecanismo
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Paradoxalmente, a grave crise fiscal que atingiu os estados e provocou a limitação de suas
margens de manobra, proporcionou incentivos para que os governos subnacionais aceitassem
mudanças nos mecanismos que regulam as relações intergovernamentais (ABRÚCIO & FERREIRA
COSTA, 1998). O passo principal foram os acordos de refinanciamento patrocinados pelas leis
7.977/89; 8.727/9317
e consolidadas na Lei 9.496/97, os quais podem ser entendidos como parte de
um processo de consolidação das dívidas estaduais e um passo em direção à maior
institucionalização das relações federativas.
O Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados teve início em 1995,
com o chamado Voto 162 do Conselho Monetário Nacional (CNM), que instituía para os estados três
linhas de crédito destinadas pela Caixa Econômica Federal (CEF), buscando, assim, solucionar os
problemas de ordem estrutural nas administrações públicas estaduais.
O voto 162/95 foi o marco do processo de ajuste fiscal dos estados brasileiros. Pela primeira
vez na história do endividamento das subunidades, a possibilidade de obtenção de novos
financiamentos pelo Governo Federal passou a depender de compromissos de ajuste fiscal e
financeiro assumidos pelos estados, sob o acompanhamento da Secretaria do Tesouro Nacional
(STN). Consistiu em uma tentativa de interromper o processo cíclico de refinanciamento de dívidas,
proporcionando aos governos estaduais uma oportunidade de equilibrar suas contas a partir da busca
por programas de desenvolvimento autossustentável.
Entretanto, no final de 1996, já estava evidente que o socorro financeiro que se oferecia era
limitado, não se criando condições plenas para o ajuste fiscal dos estados. Assim, estes voltaram a
negociar na União uma solução para o problema das dívidas já refinanciadas e para aquelas não
abrangidas pelos refinanciamentos anteriores, principalmente a dívida mobiliária.
Uma nova rodada de negociações teve início a partir da assinatura dos Protocolos de Acordos
entre o Governo Federal e os Estados, os quais previam amplo programa de refinanciamento de
longo prazo das dívidas estaduais.
para contrabalançar, em alguma medida, as limitações impostas pela base de tributação aos governos estaduais. Como
contrapartida ao ICMS, então, o FPE é alocado, obedecendo a determinados critérios, como o inverso do PBI per capita.
O Fundo de Participação é formado por 44% da receita do Imposto de Renda e do IPI e distribuído entre estados (21,5%)
e municípios (22,5%). 17
Ao longo do ano de 1993 foram negociadas e refinanciadas as dívidas contratuais internas de responsabilidade das
administrações direta e indireta dos estados, contratadas até 30 de setembro de 1991 junto aos órgãos e entidades
controlados direta ou indiretamente pela União, nos termos da Lei nº 8.727, de 05 de novembro de 1993. Esse
refinanciamento, tido como terceira e última renegociação de obrigações dos estados junto à União anteriormente
ocorreram reestruturações de dívidas de origem externa e interna ao amparo das Leis nos 7.614, de 10 de julho de 1987, e
7.976, de 27 de dezembro de 1989 mereceu a adesão da maioria dos devedores, proporcionando o reescalonamento de
obrigações no valor equivalente a R$ 33,4 bilhões, posição em 31 de outubro de 1995, o que permitiu a regularização de
grande parte do contencioso existente entre os devedores e a União. Disponível em:
.
-
11
Com a edição da Lei n° 9.496 em setembro de 1997, a União ficou autorizada a assumir a
dívida pública mobiliária dos Estados e do Distrito Federal, além de outras dívidas permitidas pelo
Senado Federal, dentre elas aquelas assumidas a partir do Voto 162/95. Ganhou força, a partir de
então, a busca pelo desenvolvimento autossustentável através do Programa de Reestruturação e de
Ajuste Fiscal. A próxima seção centra-se nesse processo.
Ponto de Inflexão? Da Renegociação das Dívidas Estaduais à implementação da LRF
Ao longo da década de 1990 constatou-se que as negociações individuais continuaram a
alcançar a totalidade dos estados em 1997, embora nem todos tenham aderido ao sistema de
refinanciamento de suas dívidas em um primeiro momento. O Programa de Refinanciamento tinha
como base um arcabouço geral estruturado em quatro pontos:
• quitação de dívidas via privatizações das estatais;
• cumprimento de cláusulas mais rígidas de desempenho fiscal;
• penalidades bem definidas àqueles que não cumprissem regularmente os pagamentos;
• assunção pela União, através de títulos públicos federais, de dívida que dificilmente
seria refinanciada e pagaria preços muito altos no mercado.
A preocupação da União em assegurar o ajustamento fiscal das unidades da federação e de
impedir a ocorrência de novos desajustes futuros – suscitados pela utilização de bancos estaduais e
das concessionárias de energia elétrica bem como pela realização de operações de crédito – decorria
do receio de inviabilizar o pagamento das prestações do refinanciamento. Desse modo, buscava-se
evitar que a restrição orçamentária imposta às unidades da federação fosse flexibilizada, de modo a
resguardar a capacidade de pagamento.
A absorção de uma dívida superior a 13% do PIB (dívida subnacional renegociável) implicou
um ônus significativo para a União e tornou concretas as consequências do arranjo federativo em
vigência. O potencial de desgaste decorrente das relações intergovernamentais e suas implicações
sobre a estabilidade macroeconômica estavam explicitados (MORA & GIAMBIAGI, 2007).
O sucesso do Programa de Reestruturação Fiscal e Financeira18
dependia da capacidade de
efetiva revisão das relações federativas e da imposição de limites aos governos estaduais. Era
18
O Programa de Ajuste Fiscal, assinado pelos governadores dos vinte e cinco Estados que refinanciaram suas dívidas
(Amapá e Tocantins não o fizeram), apresenta metas anuais para um triênio, considerando a evolução das finanças
estaduais, os indicadores macroeconômicos para o novo período e a política fiscal adotada pelos governos estaduais. A
cada ano é avaliado o cumprimento das metas e compromissos do exercício anterior. Também anualmente poderá ser
realizada a atualização de metas para novo triênio. Estes procedimentos deverão ser observados enquanto o contrato de
refinanciamento perdurar. As propostas de metas fiscais apresentadas pelos Estados e Distrito Federal são avaliadas pelo
Ministério da Fazenda, que manifesta sua concordância de acordo com metodologias de análise técnica, de
responsabilidade da Secretaria do Tesouro Nacional, as quais buscam preservar a solvência do ente federado, em
particular com relação à sua capacidade de honrar os compromissos assumidos contratualmente. Ao longo da existência
dos Programas de Ajuste Fiscal, por conta da adoção de postura consistente com a manutenção do equilíbrio fiscal e com
-
12
necessário inverter o papel desempenhado pelos governos subnacionais, forçando-os a gerar
superávit primário em níveis condizentes com o pagamento das prestações do refinanciamento junto
à União e a contribuir para o esforço fiscal do setor público consolidado. A geração compulsória
desses superávits primários é garantida legalmente por dispositivo constitucional, que permite à
União, e apenas a ela, não só reter as transferências constitucionais a estados inadimplentes, como
acessar as contas recolhedoras dos tributos próprios.
Vislumbrava-se, portanto, a implementação de um abrangente ajuste fiscal para obter um
resultado primário condizente com o acordado nos contratos de refinanciamento. Como nessa época
a Receita Líquida Real (RLR)19
beirava os 7% do PIB, a proposta do Governo de um limite de 13%
da RLR para o pagamento das dívidas dos estados, indicavam no médio prazo uma contribuição dos
governos estaduais para o esforço fiscal do setor público consolidado na ordem de 1,0% do PIB.
Como consequência, a partir de 1999 verificou-se maior responsabilidade dos estados em
relação aos seus gastos públicos, o que gerou melhora fiscal primária de 0,11% do PIB entre 1998 e
1999 e de 0,50% do PIB no ano 2000.
No ano 2000 foi sancionada a Lei de Responsabilidade Fiscal com o objetivo de
normatização das finanças públicas nos três níveis de governo e de evitar a emergência de novos
desequilíbrios fiscal-financeiros nas esferas subnacionais. Para tanto, entre outras medidas, proibiu o
refinanciamento pela União de dívidas subnacionais como estratégia de controle ao endividamento e,
mediante a Lei Complementar 101 (LRF), desviou do Senado a prerrogativa sobre as decisões de
a estabilidade macroeconômica, os resultados alcançados pelos Estados foram significativos, em especial na redução do
endividamento estadual. Ademais, as revisões dos programas se coadunam com o entendimento do Governo Federal de
que deve haver compartilhamento dos benefícios da estabilidade econômica entre os entes que se esforçaram e mantém
situação fiscal equilibrada. Disponível em:
. 19
A Receita Líquida Real (RLR) é utilizada para apurar o limite de pagamento da dívida de Estados e Municípios
renegociada com o Tesouro Nacional e para a relação Dívida Financeira / Receita Líquida Real. É também parâmetro dos
Programas de Reestruturação e Ajuste Fiscal de Estados. O conceito de RLR encontra-se na Lei nº 9.496/97 (disponível
em )
em seu Artigo 2º, Parágrafo Único, assim transcrito: RLR é a receita realizada nos doze meses anteriores ao mês
imediatamente anterior àquele em que se estiver apurando, excluídas as receitas provenientes de operações de crédito, de
alienação de bens, de transferências voluntárias ou de doações recebidas com o fim específico de atender despesas de
capital e, no caso dos Estados, as transferências aos Municípios, por participações constitucionais e legais. A Lei nº
10.195/01 determinou que o cálculo da RLR exclua da receita realizada as deduções tratadas na Lei nº 9.424/96 (que
dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino fundamental e de Valorização do Magistério –
FUNDEF). No que se refere aos Municípios, o conceito de RLR está definido na Medida Provisória nº 2.185/01
(Instrumento Legal referente ao refinanciamento das dívidas dos Municípios). A RLR é apurada a partir dos dados de
balancetes enviados pelos Estados e Municípios e obtida pela dedução dos valores permitidos pelos contratos das receitas
orçamentárias. Os valores são calculados e divulgados mensalmente por meio de portaria da Secretaria do Tesouro
Nacional.
-
13
gasto estadual, o que visava eliminar o componente político do processo decisório em torno ao
endividamento20
.
Vale lembrar também, a propósito, que a Lei de Responsabilidade Fiscal tem sua origem na
Lei Camata (Lei Complementar nº. 82), a qual propôs normas rígidas e mecanismos de controle dos
gastos permanentes. Estes gastos são os que passam de um exercício fiscal para o outro,
principalmente aqueles relacionados à contratação de pessoal. A Lei de Responsabilidade Fiscal não
altera o limite imposto pela Lei Camata, que é de 60% da receita corrente líquida para os Estados e
de 50% para o Governo Federal.
O total de recursos envolvidos nesse processo atingiu a cifra astronômica de R$ 103 bilhões
(incluindo os recursos necessários ao saneamento, privatização ou extinção de bancos estaduais), que
foram incorporados ao estoque da dívida do Governo Federal. A partir do artigo 35 da LRF, a prática
de refinanciamento, ou mesmo a postergação de dívidas contratadas por entes públicos, ficou
efetivamente vedada. Além disso, com a publicação da LRF, a busca pelo ajuste fiscal nas contas
públicas tornou-se obrigatória em todo o território nacional.
Portanto, observando as metas fiscais desde 1995 (a partir da edição do supracitado Voto
162), vê-se que os governos estaduais em 2000 estavam melhor preparados para o cumprimento das
regras determinadas a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Um ponto importante destacado por AFONSO (2010) é o tratamento que a LRF recebeu no
Legislativo. A Câmara dos Deputados, embora tenha preservado todos os princípios propostos pelo
Executivo, promoveu expressivas mudanças na estruturação da lei e em sua técnica redacional, assim
como incluiu importantes alterações, que acentuaram ainda mais a austeridade fiscal do projeto e
sobre o Banco Central (separando as políticas fiscais e monetárias). O autor ainda sugere que o fato
de a comissão especial da Câmara dos Deputados ter alterado muitos dispositivos do projeto do
Executivo (com a concordância deste último), aumentou a adesão política dos parlamentares.
À parte, vale registrar como a questão federativa apareceu no processo legislativo da LRF.
Claro está que a autonomia foi um dos princípios mais reclamados pelos parlamentares que se
opuseram ao projeto. No entanto, AFONSO aponta para uma contradição, em termos partidários, entre
as posições favoráveis ao projeto por parte de prefeitos e governadores vinculados à oposição, e as
resistências e os votos negativos dos parlamentares dos mesmos partidos (que, no final, votaram em
20
Em 1998, o controle ao endividamento passou a respeitar a Resolução 78/98, vigente até a promulgação da Lei
Complementar no 101. Atualmente, o controle do endividamento não é mais da alçada do Senado Federal. A nova lei
estabelece limites ao endividamento do setor público através das Resoluções 40/01 e 43/01. Por sua vez, o equilíbrio
intertemporal das finanças públicas proposto no artigo 30 da Lei de Responsabilidade Fiscal é um mecanismo de controle
ao endividamento sustentável no tempo para as três esferas de governo. Para mais detalhes ver:
-
14
bloco contra, nas duas Casas). Fato que denota a legitimidade, em termos federativos, que alcança a
Lei Fiscal.
Logo, a Lei de Responsabilidade Fiscal reforçou a autonomia dos governos subnacionais ao
contribuir para a institucionalização das relações federais, fortalecendo suas contas públicas, aspecto
que ilustra o crescimento da economia estadual de forma agregada. Esse aumento, que é mais
contundente nos anos posteriores à implementação da Lei, pode ser visualizado no Gráfico 1, a
seguir.
Gráfico 1. Receitas Estaduais (1998 – 2009)
Fonte: STN.
É pertinente indicar que a implementação da LRF não significou perda de soberania fiscal e
administrativa por parte dos estados, pois, além de incorporar regras específicas para cada órgão
governamental, o que preservava a independência entre os poderes, também abarcou o governo
federal, dando tratamento igual a todos os entes federados.
Nesse sentido, o processo de ordenamento fiscal que culminou com a aplicação da LRF nos
três níveis de governo e em todos os milhares de entes da federação brasileira, significou bem mais
do que a implementação de uma política econômica. Teve o alcance de mudança na cultura em
relação à gestão econômica e à coordenação federal.
O que se procurou destacar nesta seção não foi a eficiência econômica da trajetória fiscal
relativa às RIGs no Brasil ou à competência técnica da LRF; buscou-se chamar a atenção para as
modificações nos incentivos aos atores subnacionais a partir da introdução de novos parâmetros de
coordenação fiscal em direção à interação mais institucionalizada e que parece perdurar ao longo do
tempo.
A seção seguinte descreve o caso argentino.
-
15
Argentina
Transição Democrática: Instabilidade Institucional e Crise Fiscal
O processo de redemocratização levado a cabo na Argentina no começo da década de 1980,
caracterizou-se pela fragilidade institucional e pela débâcle econômica resultante de um contexto de
crise fiscal e de hiperinflação. Em termos políticos, a volta à democracia representou uma
significativa mudança nas relações intergovernamentais, já que as províncias passaram a ter maior
margem de negociação como consequência da ampliação de seu poder fiscal – pelo aumento da
porcentagem de recursos coparticipados – e do poder político – pela volta à democracia.
No que tange aos recursos fiscais propriamente ditos, a redemocratização foi acompanhada
pela continuidade do regime de Coparticipação Fiscal de Impostos entre a Nação e as províncias (Lei
nº 20.221), que fora instituído em 1973 e renovado ao final de 1980 ainda pelo regime militar. De
acordo com a Lei, o regime era válido até 31 de dezembro de 1984, quando deveria ser instituído um
novo sistema de repartição. O ano terminou sem que fosse confeccionada nova lei, fato que pode ser
explicado pela dificuldade de se chegar a consenso entre as subunidades e o poder central.
Nessa época, a Nação via-se condicionada pelo peso da dívida externa herdada do regime
militar (1978 – 1982), pelos desequilíbrios econômicos e pela pressão do sistema de previdência
social. O contundente déficit fiscal ostentado pelo conjunto das províncias, todavia, obrigava o
governo Central a cobrir as necessidades de financiamento das subunidades através de repasses de
recursos do Tesouro Nacional, que se faziam de forma ad hoc. Este quadro, somado ao vazio legal
resultante da ausência de norma formal de Coparticipação de impostos, gerava tensão na já frágil
relação entre as esferas de governo.
Em termos políticos, o resultado das eleições de 1987 ampliou de forma contundente o
número de províncias nas mãos do partido opositor (PJ) e sua base parlamentar, desafiando a
governabilidade do debilitado Partido Radical, na Presidência da República com Raúl Alfonsín
(1983 – 1989) como presidente.
A oposição fortalecida lançou mão de seu poder de barganha para exigir maior participação
no montante de recursos a serem distribuídos. Vale mencionar que as províncias lideradas pelo
Partido Justicialista (Peronista) já vinham negociando com o governo militar um aumento de sua
participação na distribuição primária antes do retorno à democracia. Pleiteavam a participação de
56,66%, dando como justificativa a elevação de seus gastos pela transferência dos serviços
educativos ocorridos em 197821
.
21
De fato, a porcentagem que iria corresponder às províncias na nova norma de distribuição foi negociada entre
peronistas e radicais, tendo como moeda de troca o apoio político do partido opositor (PJ), necessário para manter
minimamente a governabilidade do país.
-
16
Em 1987, após várias negociações, estabeleceu-se o novo regime transitório de distribuição
de recursos tributários entre a União e as províncias: a Lei de Coparticipação Federal de Impostos nº.
23.548, a qual, salvo algumas modificações, está vigente até os dias de hoje. A norma consistiu na
repetição das distribuições efetivamente realizadas durante os anos de 1985-1988, que não se
baseavam em normas institucionalizadas, mas na distribuição herdada da anterior lei nº. 20.221 do
ano de 1973 (CENTRÁNGOLO & JIMÉNEZ, 2004). Ampliava-se, contudo, a porcentagem que
correspondia às províncias: de 48,5% passava a 54,66%.
O sistema transitório de Coparticipação Fiscal estabeleceu que a maioria dos impostos
nacionais faria parte de um fundo comum de recursos e sua distribuição se dividiria em três etapas:
1. Em um primeiro momento, determinava quais impostos fariam parte da receita
comum a todas as províncias, os quais seriam posteriormente divididos entre o
governo nacional e as subunidades;
2. Depois, fixava o percentual distribuído desses recursos comuns entre as províncias e o
governo federal (distribuição primária);
3. Por último, determinava o critério usado para estabelecer o percentual a ser dividido
entre as províncias (distribuição secundária).
A norma estipulava que 42,34% dos recursos coletados pela Nação permaneceriam nos cofres
federais, enquanto 54,66% seriam repassados às províncias pela via das transferências federais; 2%
iriam para Buenos Aires, Chubut, Neuquen e Santa Cruz – como recuperação de seus níveis
tributários –; e o 1% restante faria parte do chamado “Fondo de Aportes del Tesoro Nacional”
(ATNs), destinado às províncias com desequilíbrios econômicos, de acordo com regras definidas
pelo Ministério da Economia.
Uma observação importante é que, apesar de terem sido feitas modificações ao longo da
história quanto à porcentagem de distribuição primária e secundária dos recursos coparticipados,
todas tinham a centralização da arrecadação como fundamento comum. As subunidades delegavam
ao governo central o recolhimento da maioria dos tributos que seriam posteriormente distribuídos22.
Sobre esse aspecto em particular, EATON (2005) chama a atenção para a rigidez que vem
adquirindo o sistema de coparticipação fiscal argentino, pois nas negociações acerca dos critérios de
distribuição intergovernamental não é posta em discussão a regra mais fundamental acerca de o
porquê o governo federal recolher impostos provinciais.
A década de 1980 terminou, contudo, em meio a um crítico período hiperinflacionário. Em 6
de Fevereiro de 1989, o Governo de Raúl Alfonsín decidiu desvalorizar a moeda da época, o Austral,
22
Os serviços de educação pré-primária e primária, que representavam ao redor de 35% do quadro de professores, foram
transferidos às províncias mediante as Leis 21.809 e 21.810 de 1978.
-
17
o que disparou uma escalada de preços sem precedente na história argentina. O índice de preços ao
consumidor alcançou uma cifra de 3.079% anual. O governo, sem praticamente nenhuma base sólida
de sustentação política, perdeu as eleições de 1989, quando assumiu Carlos Saúl Menem, candidato
do opositor Partido Justicialista.
Políticas de Estabilização Fiscal: as RIGs e o círculo vicioso
Em 1991, com Menem na Presidência (1989 – 1999) iniciou-se um amplo programa de
estabilização econômica e de ajuste fiscal. O plano visava à restrição do gasto público, à privatização
da maioria das empresas estatais e à descentralização dos serviços de saúde. Começava uma
mudança significativa no contexto político e econômico do país como resultado do forte aumento dos
recursos coparticipáveis e da recuperação da atividade econômica. Vislumbrava-se, portanto, a
possibilidade de redefinição do frágil equilíbrio que existia entre os diferentes níveis de governo.
Entretanto, a pressão dos representantes das subunidades por maiores recursos a sua
disposição não cessou e acabou por diluir a oportunidade a favor de uma modificação significativa
na estrutura das relações fiscais intergovernamentais, oferecida por uma conjuntura economicamente
mais favorável.
Como explica MORDUCHOWICZ (1996: 35), a estratégia das províncias não foi a de se
comprometer com a política de estabilização lançada pelo Executivo Nacional, porém ao contrário.
Ao vislumbrar melhora em sua situação fiscal, os líderes subnacionais se desentenderam quanto às
responsabilidades com as regras de gasto e de endividamento propostas pelo poder Central.
O governo federal, então, passou a sofrer constantes pressões dos governadores para ampliar
ainda mais a porcentagem da coparticipação que correspondia às províncias. A resposta do Executivo
Federal foi a negociação de “alocações específicas” para determinadas rubricas de gasto. As
alocações específicas funcionavam como “pré-coparticipações”, ou seja, os recursos eram retirados
do montante destinado às províncias antes que fosse realizada a segunda distribuição. No entanto,
essa estratégia claramente tinha suas limitações e logo os governadores mostraram resistência através
de seus legisladores no Congresso Nacional.
A saída encontrada pelo Poder Central foi a de descentralizar gastos sem transferir seu
equivalente em recursos. No final de 1991, vinte hospitais federais e os serviços de educação
(fundamentalmente, os de ensino médio), que ainda permaneciam na órbita federal, foram
transferidos aos governos provinciais e à Cidade de Buenos Aires.
-
18
Pouco depois, em abril de 1992, a Nação conseguiu refinanciar a dívida externa mediante a
assinatura de um Plano Brady23
. Contudo, o cumprimento das obrigações impostas pelas entidades
financiadoras exigia um aprofundamento das medidas de ajuste anteriormente aplicadas.
A dificuldade em regular as economias provinciais levou o governo nacional a buscar reduzir
seus gastos, diminuindo os recursos repassados às províncias através da contínua transferência de
serviços sem seu paralelo financiamento. No mês de abril de 1992, o governo decidiu introduzir pré-
coparticipações mediante os decretos 559/92 e 701/92, os quais retiravam do montante da
coparticipação os gastos referentes à própria tarefa de recoletar os impostos (os gastos da Direção
Geral de Impostos – DGI), e o Decreto 879/92, no mês de junho, o qual modificava a distribuição do
Imposto de Renda (Impuesto a las Ganancias), destinando o valor recuperado ao financiamento do
sistema previdenciário.
Era preciso estabilizar as contas fiscais da federação como um todo. Mas, a estratégia de ação
unilateral do Executivo, através de decretos, e as medidas não populares de ajuste econômico
acirravam ainda mais os conflitos com as subunidades e afastavam o Presidente Menem de sua base
de sustentação política dentro do tradicional Partido Justicialista. O apoio no Congresso e entre os
governadores peronistas mostrava-se cada vez mais escasso, minguando as expectativas do
Executivo em relação à discussão e à aprovação de nova lei de Coparticipação Federal de recursos
que substituísse a provisória.
O governo Federal lançou então a proposta de um acordo entre o governo nacional e os
provinciais para rever os parâmetros de distribuição dos recursos da Coparticipação. Após
negociações bilaterais, a Lei 23.548 foi modificada. Duas das mais relevantes alterações aplicadas à
normativa referiam-se aos Pactos Fiscais propostos pelo governo de Carlos Menem nos anos de 1992
e 1993, respectivamente.
O Pacto Fiscal I, denominado "Acuerdo de Compromiso Federal entre el Gobierno Nacional
y los Gobiernos Provinciales", modificou a distribuição primária dos recursos coparticipáveis com o
objetivo de auxiliar as províncias com desequilíbrios fiscais no pagamento das obrigações
previdenciárias nacionais entre outros gastos operativos. Por sua vez, o Pacto Fiscal II, conhecido
como o “Pacto Federal para el Empleo, la Producción y el Crecimiento”, tinha como objetivo
23
Em março de 1989 foi anunciado pelo secretário de tesouro dos EUA, Nicholas F. Brady, um plano que pretendia
renovar a dívida externa de países em desenvolvimento mediante a troca por bônus novos. Estes bônus contemplavam o
abatimento do encargo da dívida através da redução do seu principal ou pelo alívio nos juros. Além de emitir os bônus,
os países deveriam promover reformas liberais em seus mercados. Os bônus do plano Brady ficaram conhecidos como
bradies. Apesar do ceticismo inicial, a visão que prevalece atualmente é a de que o plano Brady levou a crise da dívida ao
fim. A securitização da dívida dos países devedores levou à flexibilização desta dívida e permitiu que o mercado pudesse
conviver com o risco envolvido. Este risco foi compartilhado por todos os agentes que detinham os bradies; além disso, o
preço da dívida foi determinado pelas condições econômicas e/ou políticas dos países devedores. Desta forma, nenhuma
instituição credora ficava exposta a risco em excesso.
-
19
equiparar a política tributária das províncias e melhorar a competitividade dos setores produtivos
através de alocações específicas.
Esses Pactos buscavam reduzir a fração das províncias na distribuição dos recursos da
Coparticipação. Mais especificamente, o Pacto I reduzia em 15% os recursos destinados às
províncias e os transferiam aos gastos de previdência social (os quais representavam sério déficit de
caixa) de responsabilidade da União. A busca de maior centralização econômica24
respondia aos
efeitos das modificações na Coparticipação aprovada pelos legisladores em 1987, as quais
determinavam que as províncias deveriam receber em torno de 57% dos recursos coletados pela
Nação e não mais por volta de 48%, como previa a Lei nº. 20.221.
Com o fim de aprovar esta modificação, entretanto, os governadores exigiram um piso
mínimo para as transferências provinciais (nenhuma província poderia receber benefícios menores
do que $740 milhões de pesos). Os decretos 559/92 e 701/92, que estipularam pré-coparticipações
anteriores, foram revogados e transferências foram garantidas para cobrir os serviços antes
descentralizados. A negociação foi economicamente possível devido aos ganhos obtidos com o
sistema de convertibilidade lançado pelo Ministro Cavallo, uma vez que, ao controlar a inflação,
seria possível maior coleta de impostos e, em consequência, haveria maiores recursos disponíveis.
Em contrapartida, o governo exigia maior discrecionalidade a seu favor no processo decisório
e a privatização de empresas estratégicas para, no melhor dos casos, desafogar o caixa deficitário.
O Pacto Fiscal I, de 1992, também previa que tanto o Governo Federal, o Governo da Cidade
de Buenos Aires e as Províncias, comprometiam-se a não incrementar seus níveis de gasto primário,
na medida em que apresentassem ainda desequilíbrios fiscais, mesmo que potenciais, e
comprometiam-se a sancionar uma “Ley de Solvencia Fiscal e Ley de Administración Financiera” 25
.
Contudo, como podemos ver no quadro abaixo, nem todas as províncias cumpriram o
pactuado. Em relação à implementação das leis de solvência fiscal e à administração financeira, o
comprometimento não ficou longe de ser unânime. O Quadro 3, a seguir, ilustra essa situação.
Quadro 3. Leis de Solvência Fiscal e Administração Financeira
Províncias Leis de Solvência Fiscal Adm. Financeira
GCBA não possui Lei Nº 70
BUENOS AIRES não possui Não possui
CATAMARCA 26/12/2000 Lei N° 4997/m. Lei N°
5017
Lei Nº 4938
CORDOBA 25/03/2000 Lei N° 8836 Não possui
24
A re-centralizacão econômica concerne à centralização dos recursos nas mãos do Executivo federal; não se refere à
centralização e à federalização da política econômica. 25
As normativas presentes nas Leis foram sancionadas com base nas diretivas da Lei de Administração Financeira e dos
Sistemas de Controle do Setor Público Nacional (Ley Nº 24.156 de Administración Financiera y de los Sistemas de
Control del Sector Público Nacional). A Lei completa pode-se ver em:
-
20
CORRIENTES não possui Não possui
CHACO 17/05/2000 Lei N° 4725 Lei Nº 4787
CHUBUT não possui Lei Nº 4626
ENTRE RIOS não possui Lei N° 8964/m.
Lei N° 5104 FORMOSA 31/12/1999 Lei N° 1298 Lei N° 1180
JUJUY não possui Lei Nº 4958
LA PAMPA não possui Não possui
LA RIOJA não possui Lei Nº 6425
MENDOZA 13/01/2000 Lei N° 6757 Não possui
MISIONES 04/05/2000 Lei N° 3648 Não possui
NEUQUEN não possui Lei Nº 2141
RIO NEGRO 17/01/2001 Lei N° 3502 Lei Nº 3186
SALTA 27/05/1999 Lei N° 7030 Não possui
SAN JUAN 04/01/2001 Lei N° 7119 Lei Nº 6905
SAN LUIS 03/08/1999 Lei N° 5164 Lei N° 5172
SANTA CRUZ não possui Não possui
SANTA FE não possui Não possui
S. DEL ESTERO não possui Não possui
TUCUMAN 09/09/1999 Lei N° 6964 Lei Nº 6970
T. DEL FUEGO 22/08/2000 Lei N° 487 Lei N° 495
Elaboração Própria com base nas informações da Secretaria de Hacienda. Dirección Nacional de
Coordinación Fiscal con las Provincias Coordinación Fiscal con las Provincias
É interessante fazer a respeito duas observações. Em primeiro lugar chama a atenção, em
termos federativos, a falta de coordenação horizontal entre as subunidades e a falta de cooperação
vertical entre estas e o governo central, uma vez que apenas 30% das subunidades (apenas oito das
vinte e quatro) aderiram completamente às regras preestabelecidas. Em segundo lugar, é lógico supor
que os dados observados antecipam as minguadas chances de alcançar os resultados políticos e
econômicos esperados pelos Pactos.
O panorama econômico, contudo, mudou significativamente na segunda metade da década de
1990, como resultado da crise fiscal que emergia, em grande parte, pela incapacidade de o governo
federal manter o nível dos repasses acordados com as subunidades e o aumento dos gastos públicos.
Os Pactos, por sua vez, não só tornaram as províncias economicamente mais dependentes do
governo central, como engessaram o orçamento da administração central. O que teoricamente
serviria para aliviar e reordenar as relações fiscais intergovernamentais, terminou por limitar as
margens de manobra do Executivo e ampliar, uma vez mais, o poder de negociação das subunidades.
Paradoxalmente, o problema que o programa objetivava solucionar, acabou se agravando e o
endividamento das subunidades aumentou de maneira considerável.
A dinâmica de endividamento utilizada pelas províncias desde o começo da década de 1990,
que se caracterizava pelo uso das transferências de recursos da coparticipação como garantia, acabou
-
21
por gerar dois resultados: incentivou o endividamento provincial e restringiu a provisão de bens e
serviços sociais, aumentando a desigualdade entre as subunidades.
A situação fiscal na época da negociação do segundo Pacto fiscal, em 1993, havia se
deteriorado em comparação ao ano anterior, o que impunha limites estreitos às margens de
negociação do Executivo. Os resultados foram parciais: a União não conseguiu implementar um
ajuste nas subunidades e a falta de enforcement que as fizesse cumprir o acordado, impediu a
consolidação dos objetivos do segundo Pacto.
De fato, o texto do próprio acordo, na Cláusula 6ª, estimulava o seu não cumprimento, pois,
em lugar de prever punição, afirmava o repasse habitual às províncias:
ARTICULO 6°.- Las sumas destinadas a las provincias de acuerdo a lo dispuesto por los artículos 4°
y 5°, deberán ser giradas por la Nación independientemente de la garantía mínima de
coparticipación establecida en el Pacto Federal del 12 de agosto de 1992 y en el Pacto Federal para
el Empleo, la Producción y el Crecimiento del 12 de agosto de 1993. (COMISIÓN FEDERAL DE
IMPUESTOS – PACTO II)
Em 1994, com a Constituição finalmente reformada após quase dez anos de vida democrática,
determinou-se que a legislação que regulava a redistribuição da receita deveria ser prerrogativa do
Senado, onde se encontravam sobrerrepresentadas as províncias mais dependentes dessas
transferências. Tal decisão terminou por complicar qualquer iniciativa do Poder Executivo Federal
que se direcionasse às políticas de responsabilidade fiscal. Um indicativo disso é que, apesar de a
Constituição de 1994 estabelecer, no artigo sexto de suas Disposições Transitórias, que a nova lei de
Coparticipação deveria ser sancionada antes do final de 1996, e apesar de o prazo ter sido prorrogado
até 1998, as regras de distribuição não foram modificadas até hoje26
.
Nesse sentido, SPILLER & TOMMASI (2005) ressaltam que o país se caracteriza pela
ineficiência do Estado em fazer cumprir suas próprias políticas e metas fiscais, o que se traduz em
alta volatilidade no que se refere à estabilidade das políticas públicas 27
(BID, 2006). Este contexto é
agravado pelo observado alto conflito entre o Executivo e os governadores em questões fiscais.
Notou-se ainda que, na primeira metade da década de 1990, houve simplificação da estrutura
dos recursos a serem distribuídos, porém essa tendência se reverteu na segunda metade da mesma
década como consequência da introdução de novos impostos. Esses impostos funcionavam como
válvulas de emergência para o enfrentamento da explosão da crise fiscal. Por sua vez, no mesmo
26
Sexta: Un régimen de coparticipación conforme a lo dispuesto en el inc. 2 del art. 75 y la reglamentación del
organismo fiscal federal, serán establecidos antes de la finalización del año 1996; la distribución de competencias,
servicios y funciones vigentes a la sanción de esta reforma, no podrá modificarse sin la aprobación de la provincia
interesada; tampoco podrá modificarse en desmedro de las provincias la distribución de recursos vigente a la sanción
de esta reforma y en ambos casos hasta el dictado del mencionado régimen de coparticipación. (CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, 1994) 27
Em medição elaborada com base na volatilidade do índice Fraser de liberdade econômica e em amostra com cento e
seis nações, a Argentina se caracteriza por ser o sétimo país mais volátil no ramo das políticas públicas.
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período, sucessivas decisões políticas simplificaram o acesso das províncias às fontes internas e
externas de financiamento, o que levou a considerável aumento das dívidas provinciais, chegando ao
seu limite no final de 2001. Nesse ano observou-se uma contundente elevação da dívida pública total
(como % do PBI), a qual passou de 36%, em 1996, para 57%, em 2001 (Informes del Ministerio de
Economia, 2004)28
.
JONES, SANGUINETTI &TOMMASI (2000) explicam que este quadro foi agravado pelo fato de a
maioria do gasto provincial ter sido financiado por impostos coletados pelo governo nacional. Assim,
o alto grau de desequilíbrio vertical, somado à grande fração de serviços sociais oferecidos pelas
províncias – como é o caso da saúde e da educação –, contribuiu para a emergência do chamado
problema de common pool, o qual induz a um comportamento irresponsável por parte dos governos
subnacionais.
O Gráfico 2, a seguir, mostra o desequilíbrio vertical das províncias argentinas no ano de
2009.
Gráfico 2: Recursos Provinciais e da Coparticipação
Observa-se nesse gráfico que a principal fonte de recursos na maioria das províncias provém
das transferências efetivadas pelo sistema de coparticipação, sendo os recursos próprios
comparativamente inexistentes.
SAIEGH & TOMMASI (1999) argumentam, então, que a configuração redistributiva – a qual
centralizou quase 70% da arrecadação – incentivou comportamentos perversos por parte das
subunidades, “privilegiando” posturas fiscais expansivas. Assim, o forte desequilíbrio vertical,
somado à ausência de mecanismos que regulassem o gasto dos governos provinciais, contribuiu para
que as subunidades com déficits elevados recebessem “ajuda” federal, embora só tendo participado
de pequena fração dos custos políticos relacionados a sua arrecadação e mesmo tendo
comportamento irresponsável no que concerne a esses recursos.
28
A dívida pública consolidada do Estado argentino em setembro de 2010 foi de 47,1% do PIB.
Recursos provinciales + Coparticipación
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
Juju
y
Fo
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Coparticipación y otras transferencias automáticas 2009
Otros recursos provinciales 2008
Recaudación tributaria provincial 2008
Fuente: CIPPEC, datos del MECON
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Nesse contexto, a história da política fiscal argentina demonstra as dificuldades de estabelecer
um âmbito estável para transações políticas de longo prazo nas relações entre as províncias e o
governo federal. A separação entre o recolhimento de impostos e os gastos comprometeu a
autonomia fiscal dos governos provinciais, ao mesmo tempo em que os governadores gozavam de
considerável poder como atores políticos: as províncias que governam se tornaram unidades
relativamente fracas, enquanto eles se fortaleceram politicamente. As relações intergovernamentais
acabaram por se basear na luta de forças entre o Executivo e os governadores.
Com base nas questões apresentadas nesta seção, a seguir serão analisadas separadamente a
dinâmica das relações intergovernamentais na arena legislativa no Brasil e na Argentina, entendendo
que, em um sistema federal, no qual a divisão de poderes é inerente à sua razão de ser, o legislativo
representa a arena institucional onde formalmente ou idealmente tomam forma ou são dirimidos os
conflitos federais.
3. COORDENAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL E PROCESSO DECISÓRIO
Os mecanismos de coordenação de interesses entre diferentes níveis de governo autônomo
constituem aspectos-chave para entender a produção de políticas públicas em uma estrutura
federativa. Assim, para garantir a coordenação nas relações intergovernamentais, as federações
devem, em primeiro lugar, equilibrar as formas de competição existentes, levando em conta que o
federalismo é intrinsecamente conflituoso (ABRÚCIO, 2005).
Este trabalho postula, então, que o sistema partidário é o instrumento central de articulação
entre os interesses das subunidades e o poder central (RIKER, 1969). Defende-se que, mesmo que o
federalismo estruture o sistema de partidos em um primeiro momento, este último não é dependente
daquele. Abraçando a premissa segundo a qual o sistema partidário é endógeno à dinâmica das
relações intergovernamentais, pensamos que as transformações ao longo do tempo do próprio
sistema partidário podem vir a reformar o federalismo, em momento posterior, em direção a
interações mais ou menos cooperativas.
Portanto, nesta seção buscaremos analisar, separadamente, o impacto do sistema de partidos
no processo decisório no Brasil e na Argentina, com o objetivo de demonstrar seus efeitos na
resolução de problemas de ação coletiva e, em consequência, na implementação de política públicas
intertemporais, estas subordinadas às dinâmicas federais mais ou menos cooperativas.
O caso brasileiro
O ponto de partida de diversos estudos sobre o processo legislativo no Brasil se baseia na
dicotomia entre um país estadualista e refém dos “Barões da Federação” (ABRÚCIO, 1998; ABRÚCIO
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& SAMUELS, 1997) e um país que demonstra, cada vez mais, uma lógica de interação mais
cooperativa.
Claramente, o ponto de referência que desafia a posição estadualista são os trabalhos de
FIGUEIREDO & LIMONGI (1999; 2005; 2010) e de CHEIBUB, FIGUEIREDO & LIMONGI (2009), os quais,
mesmo aceitando o peso significativo dos governadores na dinâmica política brasileira, destacam que
a lógica estadual – segundo a qual a lealdade às bases eleitorais locais dominaria as preocupações
nacionais e partidárias – é contrarrestada por mecanismos institucionais e políticos que o governo
federal lança mão a fim de construir coalizões de apoio às suas políticas.
A partir da Constituição de 1988 (CF88), a organização interna dos trabalhos legislativos
caracteriza-se por ter um formato decisório centralizado que se harmoniza com o papel
preponderante do Executivo e por um Colégio de Líderes que esvazia o papel das comissões
permanentes.
As mudanças fundamentais instauradas em 1988 foram: a criação do Colégio de Líderes, com
a prerrogativa de organizar o calendário das votações; o controle de emendas em plenário29
; o
sistema de encaminhamento do voto30
; e em relação ao processo de formação das Comissões. Nesta
última, a centralização da escolha dos membros se dá através da decisão dos líderes partidários,
baseando-se a preferência na lealdade partidária e na expertise.
Por sua vez, no que tange ao poder de agenda do Executivo, os constituintes de 1988
preservaram as vantagens institucionais que o regime militar havia dotado o Poder31
. Nas áreas de
maior interesse, como tributação, orçamento, regulamentação e alterações na estrutura de cargos,
salários e gratificações do funcionalismo público e da burocracia nomeada, o Executivo tem a
prerrogativa exclusiva de propor legislação32
.
O Executivo também conta com uma arma significativa para alterar unilateralmente o estatus
quo legal: as medidas provisórias, cuja entrada em vigor é imediata, mesmo que precise ser validada
pelo Legislativo dentro de um período determinado. No caso da legislação orçamentária, ainda mais
importante do que a prerrogativa da iniciativa, são as limitações impostas ao poder de emenda do
29
Quando um projeto é submetido à votação no plenário em regime de urgência, as emendas somente são consideradas
quando conta com, pelo menos, um décimo da Câmara ou dos Líderes cujas bancadas representam esse número. 30
Encaminhamento do voto pelos líderes partidários diz respeito à orientação de voto que os membros de seu partido
devem seguir. 31
É interessante notar que, no Brasil, em todas as Constituições, inclusive na monárquica de 1824, o Executivo foi
contemplado com o direito de iniciativa legislativa. É possível que, nesse domínio, o Legislativo tenha exercido
supremacia no contexto das Constituições de 1824 (salvo a fase parlamentarista) e de 1891. Mas, em 1934, a
preeminência presidencial já se manifestava, inclusive pela criação de uma esfera de iniciativa exclusiva ou reservada, a
qual, com algumas modificações, se mantém na Constituição atualmente em vigor. 32
A Constituição Federal de 1988 e, em grande medida, também as Cartas anteriores (ver nota de rodapé nº 31) deram
amplos poderes legislativos ao Governo federal em políticas estratégicas, mesmo que estas fossem implementadas pelos
governos subnacionais.
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Congresso que, em última análise, somente pode remanejar verbas alocadas em investimento, dado
que as receitas são estimadas pela proposta original e pelos gastos destinados a pessoal, custeio e
pagamento da dívida não podem ser cortados (FIGUEIREDO & LIMONGI, 2010).
No que tange aos interesses federais propriamente ditos, no Brasil, a formação de uma
coalizão majoritária no Congresso Nacional é suficiente para que o Executivo federal consiga a
aprovação de sua agenda, incluindo emendas que modifiquem a Constituição, e não exige aprovação
ou revisão das instâncias inferiores de governo quando se trata de interesses subnacionais. O jogo
político começa e termina no Congresso Federal.
Como destacam SANTOS (2002) E AMORIM NETO & SANTOS (2003), a mudança alocativa do
Congresso, em comparação com o período de 1946-64, foi decisiva para uma “racionalização” do
comportamento legislativo. Observa-se, inclusive, maior disciplina partidária no segundo período
democrático brasileiro como resultado da ampliação das prerrogativas legislativas do presidente, as
quais incentivaram os legisladores individuais a seguir os lineamentos de seu partido, em lugar de
agir individualmente.
A alteração no comportamento dos parlamentares refletiria, de acordo com os autores, uma
solução ao problema de ação coletiva, já que os partidos passam a ter maior capacidade de
negociação do que o legislador individual. Nesse sentido, o maior peso que o partido vai adquirindo
no sistema político brasileiro propulsou a transformação de um presidencialismo de facções (sistema
presidencialista faccional) para um sistema presidencialista de coalizão, em que o processo de
formação de coalizões tem-se mostrado significativamente mais estável e preditor (ABRANCHES,
1987; SANTOS, 2002; FIGUEIREDO & LIMONGI, 2010).
A dimensão do impacto da mudança alocativa no processo decisório nacional é demonstrada
em diversos trabalhos. CHEIBUB, FIGUEIREDO & LIMONGI (2009) demonstram, por exemplo, que em
termos de conflitos especificamente federais, como é o caso das políticas centralizadoras da década
de 1990, o índice de disciplina dos parlamentares mostra-se ainda maior.
Nessas pesquisas, quando analisadas as medidas centralizadoras mais relevantes e,
consequentemente, mais conflituosas (como é o caso das medidas que modificam o status quo do
federalismo fiscal33
), os dados mostraram que a probabilidade de congruência do legislador
pertencente à coalizão do governo federal porém de um estado com governo oposicionista é positiva
com o líder do governo. Ou seja, no caso de medidas mais controvertidas federalmente, o legislador
tende a votar de acordo com a indicação do líder do governo. Inclusive, deputados da base
33
As mais importantes são aquelas que redefinem a estrutura do federalismo fiscal instituído em 1988: Criação do SUS,
LRF, Lei Camata, Lei Kandir, ICMS, ISS, ITR e FSE (FEF e DRU).
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governista, mas de estados com governos opositores, apresentaram índices superiores de disciplina
(89%) em comparação aos deputados de estados governistas (87%).
Em trabalho recente, FIGUEIREDO & LIMONGI (2010) demonstraram que não há grande
divergência no que tange às prioridades dos membros do Congresso e às do Executivo Federal. A
agenda de um e a do outro parecem ter caráter complementar. Mesmo que isso não implique
identidade de interesses e ausência de conflitos, significa que a atuação dos dois Poderes é baseada
em um princípio de coordenação.
Na mesma linha, os resultados encontrados por ARRETCHE & RODDEN (2004), ao analisarem
o impacto da distribuição regional de recursos fiscais nas estratégias eleitorais e legislativas dos
governadores brasileiros, mostram que os acordos entre os presidentes e o parlamento tendem a ser
de longo prazo, e não aleatórios, em torno a cada votação legislativa. Dentre todas as variáveis
testadas no trabalho, o pertencimento à coalizão de governo do presidente apresentou os mais
elevados índices de correlação: os estados com maior representação na coalizão de sustentação
legislativa do presidente recebem maiores montantes de transferências não constitucionais per capita.
O pertencimento do governador à coalizão de governo, no entanto, não é significativa em nenhuma
estimat