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RACIONALIDADE, FORMAÇÃO E EMANCIPAÇÃO Margarita Sgro 1 [1] Há momentos na história em que aquelas questões que parecem naturais deixam de sê-las e começam, elas mesmas, a ser tematizadas, aí se apresenta um problema grave que já se tornou natural na contemporaneidade, a falta de legitimidade, das instituições, dos atores sociais, das ações, dos meios e instrumentos, mas sobretudo dos fines ou objetivos que determinam uma ação como boa ou valiosa para uma sociedade num momento de sua história. Isto acontece com a ação educacional em nossos dias, uma vez que a estrutura da racionalidade moderna começou a quebrar-se. Nesse momento é preciso voltar a colocar perguntas fundantes que são os cimentos sobre os quais pode-se, não sem muitas modificações, voltar a construir o edifício, uma dessas perguntas é: Educar para quê? 1[1] Profa. - UNICAMP

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RACIONALIDADE, FORMAO E EMANCIPAO

RACIONALIDADE, FORMAO E EMANCIPAOMargarita Sgro[1] H momentos na histria em que aquelas questes que parecem naturais deixam de s-las e comeam, elas mesmas, a ser tematizadas, a se apresenta um problema grave que j se tornou natural na contemporaneidade, a falta de legitimidade, das instituies, dos atores sociais, das aes, dos meios e instrumentos, mas sobretudo dos fines ou objetivos que determinam uma ao como boa ou valiosa para uma sociedade num momento de sua histria. Isto acontece com a ao educacional em nossos dias, uma vez que a estrutura da racionalidade moderna comeou a quebrar-se. Nesse momento preciso voltar a colocar perguntas fundantes que so os cimentos sobre os quais pode-se, no sem muitas modificaes, voltar a construir o edifcio, uma dessas perguntas : Educar para qu? Ela formulada num texto de Adorno, publicado no livro Educacin para la emancipacin [2] (conferencias e entrevistas radiais feitas entre 1959-1969), ali diz Adorno: Al proponer debatir sobre `Formacin para qu?` o `Educacin para qu?` no sugera en absoluto que nos pusiramos a discutir el para qu de la educacin que tenemos o que necesitaramos tener, sino: `a dnde debe llevar la educacin? Tiene, pues, que ser asumida en un sentido muy fundamental la cuestin del objetivo de la educacin. (Adorno, 1998; pg 93) Hellmut Becker (o interlocutor) fala para Adorno na entrevista: (...) Lo decisivo me parece ser que vivimos en una poca en la que est cada vez ms claro que el para qu no resulta ya evidente por s mismo. Adorno responde:Ese es exactamente el problema con el que tenemos que enfrentarnos. Es conocida la pueril ancdota del hombre de los mil pies, que al ser preguntado cundo mova en particular cada uno de sus pies, qued enteramente paralizado y ya no pudo dar un paso ms. Algo parecido ocurre con la educacin y la formacin. Hubo pocas en las que estos conceptos eran sustantivos, como Hegel los hubiera llamado, esto es, resultaban inteligibles por s mismos a partir de la totalidad de una cultura y no eran problemticos. Hoy lo son. En el momento en que cuando se pregunta: `educacin para qu?` este `para qu` no resulta ya inteligible por s mismo, no forma parte sin mayor dificultad de lo cotidianamente asumido y operante todo se ve afectado por la inseguridad y exige reflexiones no precisamente fciles. Y sobre todo una vez perdido este para qu, no puede ser substituido simplemente por un acto de voluntad, creando un objetivo educativo desde fuera. (Adorno, 1988; Pg. 94) Ainda que extensa, acho que esta citao resume os problemas com que educadores, polticos e tericos crticos da educao se defrontam hoje. Em primeiro lugar, a paralise da teoria quando tem de refletir sobre a sua prpria fundamentao. E em segundo lugar, que esta reflexo, assim como a pratica educacional que pretenda ser crtica, j no pode ser um ato voluntarista e ingnuo, tem de ser um ato assentado em decises racionais, em motivos que possam ser discutidos, aceitados ou rejeitados com razes, e que por isto, permitam estratgias de ao. Ora, quando as imagens normativas, que dirigem a ao so postas em dvida, h que voltar a falar de objetivos e esses objetivos, como diz Adorno, no podem ser colocados desde fora, eles precisam ser debatidos e consensuados porque j no so naturais, j no so inteligveis, nem evidentes por si mesmos. Com este panorama, agrega: Hay que preguntarse de dnde saca hoy alguien y se adjudica el derecho de decidir para qu tienen otros que ser educados. (Adorno, 1998; pg 95)E mais adiante, deixa claramente colocado um outro tema, os autoritrios, deles fala:Se oponen a la idea de un ser autnomo, emancipado, tal como Kant la formul, de modo an no superado, en la exigencia para la humanidad, de liberarse de una minora de edad de la que es ella misma culpable. (Adorno, 1998; Pg. 95) lgico que Adorno se pergunte pela legitimidade da educao e mais ainda, que no reconhea sujeitos que possam adjudicar-se tal direito. Se o sujeito se acha livre, quando na realidade toda a sua conduta dirigida pelo sistema econmico, se acha original quando na verdade forma parte de uma massa dedicada s autopreservao, se acha transgressor quando na verdade funcional ao modelo capitalista e preso de uma cultura que s expressa os interesses da indstria. lgico que Adorno se pergunte para qu educar, quando o progresso tem demonstrado gerar ao mesmo tempo uma barbrie que o homem de outros tempos no conhecia. Educar para qu? quando sociedades educadas, que tinham seus sistemas educacionais j consolidados, foram as mais brbaras, por exemplo, a Alemanha. No entanto, Adorno educa, e no s educa seno se ocupa de refletir sobre educao e o que resulta mais interessante ainda, que suas reflexes vo direito ao resgate de Kant, a salvar a perspectiva da modernidade educacional sustentada sobre a Emancipao, a Autonomia e a Formao. pergunta para qu educar? Adorno responde positivamente ao longo de todo o livro, desenvolve os critrios de uma educao para a Emancipao e a Autonomia do sujeito e contra a Barbrie. Se bem que a resposta foi formulada h um pouco mais de 30 anos, nos poderamos responder da mesma forma, s que agora, na nossa contemporaneidade, e depois das crticas que o prprio Adorno e os primeiros frankfurtianos fizeram razo, ao sujeito, ao progresso e a uma concepo teleolgica da histria, Emancipao, Autonomia, j no podem ter o mesmo sentido que tinham em Kant e os modernos. Adorno sabe disso e talvez todo seu esforo terico no esteja mais que destinado procura de novos fundamentos racionais para poder acreditar na transformao da realidade e agir conscientemente em favor dessa transformao. Isso parecem afirmar alguns especialistas do tema. S que uma racionalidade instrumental, e um sujeito que se converteu a si mesmo em objeto no podem nem pensar nem produzir transformao alguma. sta s pode se esperar da redeno final. Hoje, para sustentar a resposta de Adorno, parece preciso restaurar uma outra racionalidade para, como afirma o pensador alemo, criar desde dentro sem voluntarismo sujeitos autnomos em sociedades emancipadas. Sem voluntarismo entre outras coisas, racionalmente, agora bem, qual razo?Alm da questo fundamental da restaurao de uma racionalidade ferida pelo critrio da utilidade e a calculabilidade, temos uma outra pergunta que faz a legitimidade e a necessidade da educao E como educar hoje? porque se a razo ficou ferida, no ficaram menos feridos, o sujeito (quem educa e quem educado), as instituies, e como est dito os fins e objetivos, tema que desvela a Adorno. Esta segunda pergunta forma parte de reflexes mais recentes e aparece fechando um texto do Prof. Pedro Goergen, denominado Ps-modernidade, tica e Educao, [3] no qual a anlise est dirigida a colocar o problema da educao na contemporaneidade no marco de um debate mais genrico sobre a modernidade que retomando as crticas dos frankfurtianos, avana e desenvolve um dilogo entre o pensamento ps-moderno e aqueles que, como Habermas, bebendo nas fontes de seus maestros defendem a razo numa outra perspectiva e uma volta aos ideais da modernidade como projeto inacabado[4]. A resposta a esta ltima pergunta pe novamente no primeiro plano da reflexo o conceito de Formao, porque se algo fracassou na educao foi a aplicao do modelo Positivista de racionalidade instrumentalizada que entendeu que a transmisso de contedos cientficos e tcnicos geraria uma cidadania responsvel e solidria e portanto, uma sociedade emancipada das trevas da irracionalidade, pelo conhecimento o homem pode dominar todo o que existe. Agora bem, no mudando de contedos como pode ser questionado o modelo da instruo, ele tem de ser contraposto a um outro modelo o da formao, mais novamente estamos aqui frente ao mesmo problema qu formar? na sociedade contempornea. As respostas a essas perguntas recolocam os trs conceitos que sem dvida devem ser repensados pela teoria crtica de educao, educamos para a Autonomia e a Emancipao mas a transmisso de conhecimento cientfico e tcnico, os modelos instrucionais j no alcanam para situar a educao no lugar em que a sociedade demanda, preciso repensar o conceito de formao. A crtica instrumentalidade do conhecimento cientfico acabou deslegitimando a instruo e a crtica ao sujeito atingiu tambm a autoridade do docente e das instituies, para transmitir e decidir o qu e como transmitir. Portanto, a tarefa formativa da educao tem de ser hoje colocada sob os mesmos questionamentos de uma racionalidade centrada exclusivamente em relaes sujeito-objeto, que acabam sendo relaes de domnio, do homem com a natureza ou do homem para com outros homens. Pareceria que s nos processos de comunicao onde o outro reconhecido como igual e ao mesmo tempo distinto, onde pode ser repensada a idia de formao. Es la forma misma de los procesos de interaccin la que sera menester mudar, si se quiere averiguar en sentido prctico que podran querer los miembros de una sociedad dada la situacin en que se encuentran, y qu deberan hacer en inters de todos. (Habermas, 1989 Pg. 107) Poderamos definir a teoria crtica de educao como aquela que necessariamente tem de ocupar-se dos problemas mais graves do nosso tempo, isto a supervivencia mesma de humanidade. Voltar a colocar no centro da reflexo os temas da convivncia social e da solidariedade entre os homens, assim como a transformao das nossas comunidades, implica refletir sobre a crise da contemporaneidade, decorrente especificamente da crise da razo. Fazer teoria critica de educao perguntar-se se ainda acreditamos na possibilidade da transformao social e mais importante ainda, se pensamos atores racionais dela, sujeitos capazes de agir propositalmente a favor de um outro modelo de sociedade. O livro Adorno o poder educativo do pensamento crtico[5], coloca claramente a dimenso poltica e social do conceito de formao cultural, O prprio conceito de formao cultural partidrio da idia de uma humanidade sem injustias sociais, onde todos possuem as mesmas chances de lutar pela possibilidade de ascenso na hierarquia social. (Soares Zuin, e outros 2000, pg 55) Pois bem, a luta precisa de estratgias racionais que s podero ser consensuadas na interao com outros. O como da luta, para voltar a nossas perguntas primeiras, tem de ser recolocado. As questes Educar para qu? e como educar na atualidade? no tm para os educadores um sentido retrico, elas deveriam estar na base do sentido mesmo da educao. As duas requerem respostas complexas, que atingem uma dimenso filosfica, tica e poltica que a teoria convencional no est em condies de desenvolver. Mas sobre todo essas respostas precisam ser discutidas, tematizadas e sobre todo precisam de acordos. Hoje, como Adorno coloca j no so inteligveis por si mesmas. Para pensar estas respostas necessrio sair da racionalidade instrumental na que se encontra ainda o pensamento educacional na contemporaneidade e colocar essa discusso no debate decorrente da crise dos paradigmas de pensamento modernos. No estranho achar esforos para repensar os conceitos fundantes da teoria de educao moderna como a idia de Formao e emancipao, conscientizao, autonomia, reflexo, auto-reflexo, etc; conceitos que, sem dvida, postos no centro da cena terica parecem poder colaborar em boa medida com esta idia de elaborao de um pensamento educacional crtico, liberado dos limites da instrumentalidade. Contudo o problema surge quando na reflexo achamos um cenrio, a atualidade, que no permite simplesmente voltar a falar deles como quando foram formulados sobretudo em sua verso moderna, porque o pano de fundo de uma modernidade esperanosa, que juntava progresso social com progresso humano foi, com razo, questionado. Dito em outras palavras, pertinente e urgente perguntar se a crise das metanarrativas representa tambm uma crise de legitimidade dos fundamentos da cultura pedaggica amparada nesses metarrelatos. (Goergen, pg 62) E a resposta enfaticamente sim. Horkheimer y Adorno colocaram, sem dvida, algumas das crticas mais certeiras a esse projeto otimista do Iluminismo que marcou o comeo da modernidade e detalharam os limites da racionalidade calculadora y subjetiva que acabou tomando conta de tudo o que pode ser chamado de racional. S cientfico, e portanto racional, aquilo que til, e calculvel, o nico saber vlido e o saber metdico e sistemtico das cincias de objetos naturais, a filosofia, o saber especulativo no tem uma utilidade evidente portanto fica entre os saberes desnecessrios. Afirma Habermas, a teoria do conhecimento converteu-se em teoria da cincia, isto fez o Positivismo, porque ele o renegar da reflexo (Pg 11) [6] As crticas ao Positivismo so uma constante na obra dos frankfurtianos desde Teoria Tradicional e Teoria Crtica em diante. A teoria da educao contempornea , talvez a mostra mais evidente dessa limitao da teoria que no pode refletir sobre nada que no sejam seno questes tcnicas, ainda aquelas reflexes que acreditam subsidiar-se no pensamento progressista no fogem dessa limitao. A teoria educacional ficou presa da racionalidade instrumentalizada incapaz de sair dos contornos da eficincia e a funcionalidade ou de sua contestao. Portanto, crticos e no crticos, para usar uma classificao tradicional, podem discutir temas relativos organizao do sistema, avaliao, planejamento, questes mais relacionadas ao campo da didtica. Uns, aceitaram de forma no critica os ditames dos organismos de crdito internacional e com realismo (como eles mesmos o definem) assumem o fim das utopias e procuram seus fundamentos tericos num pensamento ecltico, mundializado e nico. Presos da racionalidade instrumental, acreditam que o nico modelo possvel este capitalismo que regride a formas que acreditamos superadas. Ainda assim, entender que no h outra sada permite ao pensamento de direita propor Reformas levadas pratica efetivamente pelos sistemas educacionais. Em torno dessas Reformas (Brasil, Argentina) desenvolve-se a educao e a reflexo sobre educao em nossos dias. De outro lado, situados no mesmo paradigma de racionalidade instrumental, o pensamento que poderia ser chamado de progressista e entre eles, a esquerda tradicional debate-se entre a impotncia e o imobilismo. Impossibilitados de questionar suas prprias categorias de pensamento e de compreender a celeridade dos cmbios na contemporaneidade, entendem na maioria das vezes, a negatividade do pensamento como a tarefa de desvelar os dispositivos de dominao do sistema capitalista e acabam numa teoria conspiratria pela qual os poderosos s impem atravs de seu poder e seu dinheiro as normas para o mundo. Sem desconhecer a verdade deste diagnstico mas reconhecendo a parcialidade dele, a incapacidade da esquerda para fazer sua prpria autocrtica e assumir um rol tambm propositivo que permita propor linhas de ao, proverbial. E se convertendo em vitimas da fabulosa conspirao da direita e seu poder incomensurvel, voltam uma e outra vez a uma crtica invivel, por ficar fechados num antigo paradigma que ainda acredita no poder de um Iluminismo ingnuo. Se o pensamento crtico no comea seriamente a discutir seus prprios limites esta fadado ao fracasso. No entanto, como sabemos, a direita, que no quer transformar nada no tem este problema, pode continuar a propor estratgias polticas, sociais e essencialmente econmicas que os povos pobres adotaro sem vontade, mas tambm sem ter gerado uma alternativa prpria. Num texto denominado Pos-modernidade, globalizao e educao o Prof. Jos Luiz Sanfelice,[7] faz uma anlise das relaes entre esses conceitos na atualidade e culminando suas reflexes sobre o tema escreve: Como emergir deste emaranhado com um entendimento transformado do mesmo? esta a tarefa que se impe ao pensar dialtico que no pode prescindir de uma interpretao histrica carregada de temporalidade, pois ps-modernidade, globalizao, educao luz do pensamento neoliberal, continuam sendo fenmenos e conceitos temporais. (San Felice, 2001: p 11) Os que ainda conservam o otimismo de acreditar na transformao social, podem subscrever as palavras antes citadas, faz falta um entendimento transformado da atualidade, abrangente e complexo. Se as nossas apreciaes esto mais fortemente dirigidas ao campo crtico porque a necessidade de um pensamento emancipatrio, complexo e engajado na atualidade no pode esperar mais. Um novo entendimento, mais compreensivo e de maior complexidade permitir formular ou tentar elaborar uma teoria que no pode se mover por fora da razo. A Teoria crtica, desde que Horkheimer em 1937 o escrevera, um grande esforo por construir pensamento para transformar a realidade, voltar a esse projeto 65 anos depois pode ser um caminho de sada. Mas essa volta j no pode ser feita sob os paradigmas da racionalidade questionada. A idia deste trabalho ento, refletir sobre a possibilidade de recolocar os conceitos de Formao assim como Emancipao, numa nova constelao de pensamento que assuma as crticas modernidade, recuperando o contedo de verdade do diagnstico da crtica feita pelos primeiros tericos de Frankfurt, mas sem resignar a possibilidade de fazer teoria e prxis e de que o homem possa agir racionalmente em favor da transformao. A modernidade cifrou a esperana da sada da menoridade no desenvolvimento da razo. Kant explcito quando o menciona em seu texto Resposta a pergunta: Que o iluminismo de 1784, no mesmo ano, num outro texto denominado Idia de uma histria universal com um propsito cosmopolita faz uma anlise complementar. Neles, Kant afirma a confiana na capacidade de aperfeioamento da natureza humana, nica natureza racional sobre a terra e afirma tambm sua confiana em que o desenvolvimento desta racionalidade trar como conseqncia o desenvolvimento da sociedade em seu conjunto. Autonomia individual e emancipao social so partes de um mesmo processo decorrente da razo. A formao, o meio para atingir esses objetivos.Em seu tratado Sobre a Pedagogia d precises sobre a necessidade de direo externa para o processo educacional sem o qual o homem no poderia chegar a ser tal, ou dito de outra forma, no poderia chegar sua plenitude. A direo externa est legitimada pela razo e a sociedade que nela se embasa. Confiana, esperana, progresso, evoluo, aperfeioamento caracterizam o marco no qual os conceitos de Formao e Emancipao so colocados. Kant , sem dvida, paradigmtico, neste sentido. Mas tambm Rousseau e Comenio, entre outros, concordam na necessidade da educao para desenvolver a racionalidade e com ela a sociedade. No entanto, a histria foi derrubando esperanas e como fala em seu livro Historia del Siglo XX [8] Eric Hobsbawm este foi um sculo fecundo em desmentidas para os ideais propostos pelas utopias conhecidas na poca. As guerras mundiais, a violncia sem controle, as desigualdades desmedidas foram minando as esperanas no progresso da humanidade. A primeira gerao da Teoria Crtica [9], desenvolve uma crtica racionalidade iluminista, ao princpio de identidade com que foi pensado o mundo e como conseqncia seu carter excludente, ao sujeito voltado s para sua auto-conservao, ao progresso que gera barbrie, a histria e o carter teleolgico. Sem determo-nos minuciosamente nesta descrio, importante destacar que a proposta de Teoria Tradicional y Teoria Crtica assinala um momento no desenvolvimento da Escola de Frankfurt. Um outro momento comea quando a partir dos anos 40, j consolidado o poderio do Nazismo na Alemanha, e com os autores nos Estados Unidos, a percepo crtica vai se aprofundando e a perspectiva do pensamento vai mudando, a aparece a Dialtica do esclarecimento. Agora bem, preciso ter um entendimento transformado da realidade, pensar o progresso em sua ambigidade, o sujeito declinado mas com um espao de racionalidade que ainda permite-lhe a tematizao do mundo, a indstria cultural como um mbito de manipulao e dominao da conscincia, mas tambm, de enormes possibilidades de desenvolvimento, de outra forma, nossa prpria crtica fica deslegitimada no marco da sociedade administrada e no teramos nenhuma possibilidade de resgatar a idia de formao, emancipao, ou autonomia, por falar s de alguns conceitos modernos e esperanosos, e muito menos teramos a oportunidade de trabalhar racionalmente para consegui-os. Adorno consciente disso. Tem razo a maioria dos estudiosos da Teoria crtica quando falam da busca dos frankfurtianos para salvar a razo do contexto de ofuscamento e sobretudo salv-a pelo saber. O que difcil imaginar, como faze-lo desde que o sujeito e sua racionalidade fora abolida por uma sociedade administrada. Se a nica racionalidade como assinala Jeanne Marie Gagnebin no seu texto[10] situa-se na radicalidade da negao terica, na intransigncia do pensamento contra si mesmo, fica difcil pensar uma pedagogia crtica. Ao mesmo tempo em que Adorno afirma a Autonomia e a Emancipao, como tarefas da educao, escreve a Dialtica Negativa. Se a maneira ir pelo conceito alm do conceito, como fazer teoria? Se esta possibilidade da negao radical s fica em um grupo de privilegiados, no estaramos voltando aos pressupostos que a prpria teoria derrubou? Volta ao Iluminismo que j uma vez escolheu o pior caminho para libertar o homem das cadeias da ignorncia, escolheu a hegemonizao da cincia e da tecnologia. Volta a acreditar nos escolhidos entre os quais teriam de estar os docentes, eles mesmos fora da sociedade administrada, e a escola como redentora de humanidade, capaz de produzir as mudanas; e o conhecimento? Qual seria o conhecimento a ser transmitido? Entre educar para Autonomia e para a Emancipao, para evitar a Barbrie, e a Redeno final h um espao, um caminho, difcil de transitar. Os especialistas na Teoria crtica tm trabalhado muito sobre o tema, Jeanne Marie Gagnebin em seu livro Sete aulas sobre Linguagem, Memria e Histria analisa-o em Do conceito de razo em Adorno ali afirma que a preocupao do filsofo alemo salvar a razo do contexto de ofuscamento, isto , ao fato de o nosso conhecimento, de o nosso pensamento racional em geral, no poder se furtar ao contexto social-poltico de dominao. (Pg 117) Mas a aparece a questo da redeno, esperana da redeno e sua luz salvadora se contrape, assim, no mesmo texto, a noite da totalidade fechada nas suas determinaes inelutveis. justamente esta contradio que define em ltima anlise, o esforo do pensamento: (...) Podemos mesmo dizer que, para Adorno, o verdadeiro pensamento crtico no consiste em outro movimento que essa auto-reflexo sobre sua determinao e sobre a libertao dessa sua determinao. (Pg 118) A verdade, como afirma Gagnebin, a questo da redeno pode mesmo ser secundria, mas a negatividade radical de um pensamento, que se sabe determinado, no poderia pela educao, feita de um pensamento afirmativo, esperar a emancipao. No mesmo sentido, e mais voltados especificamente ao tema educacional, os autores de Teoria Crtica e Educao[11] e ADORNO o poder educativo do pensamento crtico precisam encontrar os textos donde um fio de racionalidade propositiva, possa se ver a risco de no poder refletir sobre educao ou de ter que negar que a emancipao ainda possvel. Isto , para fazer teoria educacional crtica, que no renuncie a transformar o mundo, h necessariamente que resgatar a razo, mas uma razo que permita trabalhar, ainda que criticamente, sobre a idia de emancipao. Em suma, o que de nenhum modo resulta possvel abrir mo da razo. Para agir a favor da transformao o sujeito precisa da razo. A conscincia contempornea dos diversos grupos sociais de que preciso fazer algo, coloca o problema de uma racionalidade capaz de produzir consensos mnimos que tirem a teoria critica do imobilismo e facilite a busca de objetivos para definir estratgias de ao. Nesta necessidade de encontrar acordos para seguir pensando est seguramente a idia de que o homem contemporneo est no limiar de uma nova conscincia de poca. (Goergen, 2001:7) Ter razes para a esperana muito mais que uma idia romntica a possibilidade mesma de viabilizar a crtica, e com ela como Horkheimer esperava, a transformao. dizer as razes proporcionam um sentido para a ao que de outro modo e ingnua e voluntarista, mas pior ainda ineficiente. Recolocar o problema de uma racionalidade complexa que como em Teoria tradicional e critica, reconhea o valor do conhecimento cientfico e tcnico para um mbito da realidade, mas ainda lute por uma razo objetiva, universal, que contenha em si a dimenso tica e esttica do sujeito. Essa tem de ser a luta de nossos dias, a luta pela dignidade humana, pela solidariedade, mas s poderemos afronta-la se encontrarmos um espao de racionalidade sobre o que seja possvel desenvolve-la. preciso repensar a racionalidade da educao, como parte de um sistema mais amplo, mas tambm como parte da cotidianidade dos sujeitos, como lugar de interao, e de comunicao, enfim de desenvolvimento e exerccio de intersubjetividades. A autocrtica, um olhar abrangente e complexo, o novo entendimento so imprescindveis para continuar pensando. A teoria crtica no pode mais se contentar em desvendar as armadilhas da sociedade administrada, preciso propor sadas. Pensar estratgias para a escola pblica, primeiro reconhecer que ela no s um mbito de reproduo, reconhecer a sua crise e a crise do sujeito que nela est, mas tambm reconhecer seu papel inovador. Colocar o dilogo no centro da tarefa educativa colocaria a escola em sua funo de instituio legitimadora das mltiplas concepes do mundo que depois da crtica identidade, tem de ser aceitas como caractersticas da nossa contemporaneidade. Sem uma outra perspectiva de racionalidade mais ampla, que permita um novo entendimento, Adorno no poderia ter refletido sobre educao nos termos em que ele mesmo colocou o problema. Apesar das crticas ao sujeito, ele volta ao sujeito, sua conscincia e sua racionalidade para falar da emancipao e autonomia e se ainda acha que possvel lutar contra a barbrie e que esta a tarefa fundamental da educao porque ainda acredita no progresso possvel da humanidade. Em outras palavras para um filsofo crtico falar de educao nos termos em que o faz Adorno reconhecer de fato uma racionalidade que ainda possa propor, que permita agir estrategicamente porque a educao precisa de estratgias e estas no podem ser voluntaristas se querem ser transformadoras. O problema que a negatividade permanente do pensamento no permitiria afirmao nenhuma e um pensamento emancipatrio um pensamento propositivo. O pensamento educacional afirmativo e no tem outra via mais que uma racionalidade discursiva, os consensos mnimos que faam funcionar as democracias s podem devir de um dilogo aberto ao outro e portanto racional. S pelo dilogo possvel transformar a educao e convert-la num fator de inovao nas nossas sociedades, s pelo dilogo capaz de tematizar a realidade possvel uma educao no instrumentalizada. Adorno tem razo: j no temos nem sujeitos, nem instituies com autoridade para impor modelos desde fora, a crise da contemporaneidade tal que s profundas discusses, mltiplas, locais, podem conduzir a humanidade a decidir sobre a sua supervivncia. Por essas razes todas, acho que recolocar os conceitos de Formao cultural e emancipao, reconhecendo a indissocivel relao entre teoria e prtica no campo educacional, demanda colocar o pensamento numa racionalidade mais ampla, que permita encontrar um cho no qual uma estratgia racional de ao possa ser assentada. Neste sentido a racionalidade comunicativa de Habermas poderia abrir um campo para continuar e aprofundar um pensamento fecundo e instigante. Bibliografia Adorno, T (1998) Educar para qu em Educacin para la emancipacin. Ediciones Morata. Madrid. Adorno, T (1986) Dialctica Negativa. Taurus. Madrid. Adorno, T e M, Horkheimer; (1985) Dialtica do Esclarecimento. Fragmentos filosficos. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. Freitag, B (1986) A Teoria Critica Ontem e Hoje. Editora Brasiliense, So Paulo. Gagnebin, J. M (1997) Sete aulas sobre Linguagem, Memria e Histria. Imago. Rio de Janeiro. Goergen, P (2001) Ps-modernidade, tica e Educao. Editora Autores Associados. Campinas. So Paulo. 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Rio de Janeiro [1] Profa. - UNICAMP

[2] Adorno, T: (1998) Educacin para la Emancipacin. Ediciones Morata. Madrid.

[3] Goergen, P: (2001) Editora Autores Associados. Campinas. So Paulo.

[4] Casullo, N (1990) Debates sobre modernidad y posmodernidad. Edit. Puntosur. Buenos Aires.

[5] Soarez Zuin, A; Pucci, B; e N, Ramos de Oliveira (2000) ADORNO o poder educativo do pensamiento crtico. Vozes. Petrpolis. Rio de Janeiro.

[6] Habermas, J: (1990) Conocimiento e Inters. Taurus. Madrid

[7] Sanfelice, J.L (2001) Ps-modernidade, Globalizao, e Educao. Em Lombardi, J.C (org.) Globalizao, ps-modernidade e educao. Editora Autores Associados. Campinas. So Paulo.

[8] Hobsbawm, Eric, (1997) Historia del siglo XX. Taurus. Madrid.

[9] Falamos de Primeira gerao da Teoria Crtica referindo-nos essencialmente, a Horkheimer, Adorno, e Benjamin, e seguindo os critrios de Jay, M (1974) La imaginacin dialctica. Historia de la Escuela de Frankfurt y el Instituto de Investigacin Social (1923-1950) Taurus. Madrid. Freitag, B (1986) A Teoria Critica Ontem e Hoje. Editora Brasiliense, So Paulo.

[10] Gagnebin, J. M (1997) Do conceito de razo em Adorno em Sete aulas sobre Linguagem, Memria e Histria. Imago. Rio de Janeiro.

[11] Pucci, B; (org) (1995) Teoria Crtica e Educao. A questo da formao cultural na Escola de Frankfurt. Vozes. Petrpolis. Rio de Janeiro.