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Raça e Racismo Na Sala de AulaTRANSCRIPT
Raça e racismo na sala de aula: notas sobre o debate do “racismo a brasileira” (dos anos 1930 aos nossos dias)
LACOWICZ FILHO, Estanislau (PDE)1
LAVERDI, Robson (Orientador – Unioeste)2
Resumo: Este estudo a respeito da “democracia racial” constrói-se no sentido de estabelecer comentários reflexivos a partir da situação do negro, e principalmente, em função dos mitos que são socialmente criados em torno destes conceitos. Caso houvesse a igualdade sugerida por Gilberto Freyre com relação à harmonia racial brasileira, então não haveria a necessidade de serem aprovadas leis e ações afirmativas, visando oportunidades iguais para negros e brancos. São reflexões sobre questões relativas ao branqueamento e a democracia racial que caminham na mesma direção e pedem, deste modo, uma rediscussão e redefinição de condutas frente a recontextualização das dimensões de experiência social. Tendo como base a construção da nacionalidade brasileira, sentimento alimentado à partir de 1930. Poderíamos concluir que no Brasil não existiria preconceito racial, mas que o brasileiro teria o “preconceito de não ter preconceito” como foi observado por Florestan Fernandes. O mito da “democracia racial” não teve seus primeiros passos com a publicação de Casa-Grande e Senzala, deve-se considerar que anteriormente os eventos da Abolição e a da República deram condições, do ponto de vista do direito, à liberdade e igualdade, pelo menos apresentavam esta intenção. Palavras-chave: democracia racial, preconceito, discriminação racial¸racismo ABSTRACT: This research about “racial democracy” was built trying to set down reflexive commentaries from the black people’s situation, and mainly due myths that are socially constructed around these concepts. If there was the equality suggested by Gilberto Freyre about the Brazilian racial harmony, so there would not be the need of to approve laws and affirmative actions that aim equal opportunities among blacks and whites. This work brings some reflections about questions related to “racial whitening” and racial democracy that walking in the same direction and asking therefore for conduct re-discussion and redefinition about the re-contextualization of the social experiences dimensions. As we Have by foundations the built of Brazilian nationality, a feeling supported since 1930, we could conclude that in Brazil there was not racial prejudice, nonetheless Brazilian people would have “prejudice of having prejudice”, as It was noticed by Florestan Fernandes. The myth of “racial democracy” does not have its first steps with Casa-Grande e Senzala (The Masters and the Slaves) launch; it must be considered that events as Blacks Slavery Abolition and Republic proclamation gave conditions, by the Right’s point o view, for freedom and equality among whites and blacks; at least showed up this intention. Key words: racial democracy; prejudice, racial discrimination, racism
O racismo é um tipo de violência dos mais graves e a população afro-
descendente tem sofrido bastante com isso. O chamado “Racismo Cordial”, expressão
1 Graduado em História licenciatura plena pela Fafi (Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) de União da Vitória – PR; professor da rede pública estadual, ensino fundamental e médio, na cidade de Cascavel - PR 2 Professor Adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE; Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF; Docente do Programa de Pós-Graduação em História, Poder e Práticas Sociais; Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Documentação sobre o Oeste do Paraná – CEPEDAL; Diretor da Regional Sul da Associação Nacional de História Oral – ABHO; Publicou, dentre outros textos e artigos o livro Tempos Diversos, Vidas Entrelaçadas: trajetórias itinerantes de trabalhadores no Oeste do Paraná. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 2005.
utilizada como título de um caderno especial do Jornal Folha de São Paulo, no ano de
1995, é observado constantemente no cotidiano da sociedade. Este tipo de violência
disfarçada de cordialidade também é responsável pela baixa estima de alunos afro-
descendentes, levando muitos deles a não se identificar como negros e optando por uma
ou outra classificação qualquer.
Popularmente cita-se a expressão “ter um pé na África” (ascendência africana) e
esta funciona como um pretexto para que se ofenda, para se agir com intolerância ou
para expressar qualquer preconceito racial, crendo-o justificado pelo citado parentesco.
Geralmente não há intenção de reforçar o preconceito racial, contudo ocorre o contrário.
Observando esse tipo de procedimento entre alunos e mesmo entre professores no
cotidiano escolar, podemos avaliar que a escola reproduz o que a sociedade vivencia,
pois a escola faz parte dela e não consegue se desvencilhar de seus pressupostos. Desta
forma, a instituição escolar pode e deve contribuir para a superação dos preconceitos; é
um meio importante, porém toda a sociedade deve contribuir neste projeto, buscando a
mudança, por exemplo, por meio dos meios de comunicação, no ambiente do trabalho,
ambiente familiar, etc.
E não se tem apenas que incentivar a tolerância racial, devemos buscar a
convivência cordial de fato e de direito. Para isso o conhecimento, a educação é
imprescindível, porque pode conceder a motivação necessária para se acabar com
qualquer preconceito. Este é um posicionamento utópico, um sonho e uma possibilidade
de meta.
Neste estudo, a respeito do qual buscamos tecer alguns comentários nas linhas
que se seguem, ancoramos balizes teóricas em diversos autores que tratam de questões
relacionadas, direta ou indiretamente, com o conceito de “democracia social”, expandindo
as reflexões neste sentido. A seguir, apresentamos algumas idéias a partir,
especificamente, do texto de Stuart Hall: por que se colocar a questão da política cultural
negra neste momento conjuntural? Na verdade, a Lei federal 10.639, de 9 de Janeiro de
2003, que inclui “no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”, fez com que se realçasse a questão do preconceito
racial.
É um momento peculiar para se propor um debate acerca da problemática que,
em geral, surge em torno questão da cultura popular negra, hoje tratada como afro-
descendente, provocando não raras vezes visões distorcidas e limitadas sobre como os
traços culturais são vividos. Os Estados Unidos, por exemplo, sempre tiveram uma série
de etnicidades, o que acabou culminando, a partir da busca por poder político coletivo ou
nas relações sociais próximas, na construção das hierarquias étnicas em suas políticas
culturais. Devemos ter em mente, relativamente a estes momentos e situações históricas,
a profunda fascinação do pós-modernismo pelas diferenças sexuais, raciais, culturais e,
sobretudo, étnicas, tendo entre suas características e por vezes objetivos a releitura e
subversão dos conceitos e idéias tidas como oficiais (e representantes das elites), muitas
vezes, por meio de novos olhares sobre o discurso histórico e buscando a “voz dos
excluídos” – estabelecendo assim, oposição à cegueira e hostilidade que a “alta cultura
européia” demonstrava, de modo geral, pela diferença ou variedade étnica.
Não obstante, este momento é também resultado de políticas culturais da
diferença, de lutas em torno da diferença de produção e constituição de novas identidades
e do aparecimento de novos sujeitos no cenário político e cultural. Isto vale também para
outras etnicidades (ou grupos sociais) marginalizadas (feminismo, políticas sexuais, no
movimento de gays e lésbicas, transexuais) que buscam ter voz frente à construção da
história e, por meio da construção de seus discursos, construírem a si próprios, bem como
estabelecer suas identidades, processo este resultante de um novo tipo de política cultural
e por assim dizer, ideológica, tornando-se cada vez mais presente nos cenários sociais.
Contudo, apesar dos êxitos, é imprescindível não esquecer ou negar-se frente à
continuidade da luta, para não cair na armadilha ou ilusão da “vitória total ou total
cooptação” (segundo idéias do Movimento Negro Organizado), e que dificilmente poderia
ser crível na política cultural; contudo, é uma opinião crítica que acaba prevalecendo.
Falamos em termos de luta pela hegemonia cultural, que, por sua vez, é travada. É
importante desconstruir a imagem do popular para que se compreenda como se dá a sua
construção, analisando suas “partes” e a funcionalidade delas em relação ao conjunto. A
cultura popular tem, quase sempre, sua base em experiências, prazeres, memórias e
tradições do povo, sendo de transmissão enfatizada pela oralidade. Como mencionado
por Hall (2003, p. 322) “[...] Gramsci deu à questão que chamou de ‘nacional popular’
tamanha importância estratégica, pois entendeu que é no terreno do senso comum que a
hegemonia cultural é produzida, perdida e se torna objeto de lutas”.
A cultura popular passa no teste de autenticidade, que é a referência à
experiência negra e à expressividade negra. Estas servem como garantias de
determinação de qual cultura popular negra é a certa, qual é e qual não é; ou seja, a
validade precisa de passar pela avaliação, ainda que implícita ou inconsciente, da
experiência, do empirismo relacionado ao projeto (individual ou coletivo) de se colocar
frente à sociedade, fazer notar sua identidade, expressar-se. As diferenças raciais não se
constituem inteiramente, somos sempre diferentes e estamos negociando diferentes tipos
de diferenças – de gênero, sexualidade, classe. Para Hall (2003) o mainstream (tendência
dominante) busca a hegemonia cultural, sobrepor-se enquanto produto, enquanto algo
comercializável e que chame a atenção dos olhares gerais. Na maioria das vezes, neste
jogo, o mainstream inculca-se como pop (popular), e assim, dita os modelos de
comportamentos culturais.
Partindo do texto de Leila Moritz Schwarcz – Racismo no Brasil (1998),
começamos destacando o mito das três raças através da interpretação que lhe foi dado
pelo escritor brasileiro Mário de Andrade, em sua obra Macunaíma (1928). Esta obra é
colocada pelos críticos como um dos marcos do modernismo brasileiro, tanto pela
construção da linguagem guiada pela sede de liberdade e experimentação estética quanto
pela confluência que ocorre no texto de múltiplas influências, ecoando no texto de Mário
de Andrade lendas e costumes de todo o Brasil, que se apresentam em uma narrativa na
qual o tempo e o espaço são subvertidos.
Quanto ao mito das três raças, na obra modernista ele é re-criado do seguinte
modo: Macunaíma queria se banhar, mas o rio estava cheio de piranhas, eis que ele viu
uma lapa no meio do rio na qual havia uma cova cheia de água, conseguiu entrar nela e
se lavou. Contudo, tratava-se de uma água encantada, pois o buraco na lapa era marca
do pé de Sumé e quando Macunaíma saiu do banho estava louro e de olhos azuis, Jigue
percebeu isso e também se banhou, mas devido à água estar suja da “pretura” de
Macunaíma, o seu irmão só conseguiu apresentar uma cor de bronze novo; para
Maanape não havia sobrado mais água e ele só conseguiu molhar a palma dos pés e
mãos. (ANDRADE, 1999, p. 39-40)
Está aí o mito das três raças segundo o escritor. Nesta fábula, por um milagre da
natureza, mostrava-se a vontade de incorporar as culturas não-letradas. Detalhe:
Macunaíma era um herói “sem caráter”, mas não se configura necessariamente como um
mau-caráter, ocorre que ele congrega em si vários caracteres, várias características que
definem nele a pluralidade da cultura brasileira, e por isso, ele é “o herói de nossa gente”,
herói cujo caráter ainda se encontra em formação. Logo, havia também a intenção de
contrapor a versão pessimista da miscigenação. Na maioria das vezes, o critério racial é
colocado, ou como elogio ou como demérito e vergonha. (Já ouvi “formadores de opinião”
citarem que o problema da educação e outros da sociedade está na mistura de raças).
Sabemos que o nacionalismo é uma invenção, ou seja, é um discurso aleatório; acaba em
suas mais afetadas feições caindo em pensamentos e ações xenófobas, tentando excluir
o diferente, ações que visam à homogeneização da sociedade, das idéias e tipos. No
entanto, o termo ainda é bastante recorrente, não apenas como descrição de idéias, mas
como modo de pensamento a ser seguido, e assim o sendo, há grupos que participam e
dão continuidade a este pensamento.
Por meio dos dados supracitados, podemos inferir a existência de uma espécie de
apartheid social. Outra situação é, também, passível de verificação a partir do
mencionado: o que faz com que as pessoas “embranqueçam” ou “enegreçam” ocorre
conforme a situação social e mesmo econômica. Ainda aí, podemos sugerir que se
apresenta, mascarado pelo discurso, um preconceito “diferente”; o preconceito alternativo,
que localiza no próximo, ou no vizinho, a discriminação. Podemos lembrar-nos de
campanhas, veiculadas na mídia brasileira, como “jogue o preconceito no lixo” e “Onde
você guarda o seu preconceito?”, que nos fazer refletir sobre a desigualdade social,
preconceito e segregação.
Para Antonil, século 18, “colônia-purgatório”: extirpar pecados, purificando as
almas. O Brasil é o inferno dos negros, o purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos
e das mulatas. Montagne por sua vez incomodava-se pelo fato de os indígenas não
usarem calças.
Segundo o voluntarismo iluminista, isto compactua com a idéia de “perfectibilidade
humana” – capacidade que qualquer ser humano tem de chegar à virtude, pressupondo-
se a capacidade de se definir e conceber o que é tal perfeição, e abrindo o caminho
também para a negação desta, sem dúvida um dos maiores legados da Revolução
Francesa: um pensamento, por ser mais centrado no eu, no material e no objetivo
acabava sempre por relativizar utopias.
No século XIX os teóricos do darwinismo racial fizeram dos atributos externos de
cada ser humano e dos fenótipos – princípios essenciais das características – elementos
definidores de moralidades e do devir dos povos. Essas teorias condenam a “realidade
mestiça local”, atentam meticulosamente sobre os perigos da miscigenação. Em maio de
1888, um artigo do médico Nina Rodrigues dizia nos jornais: “os homens não nascem
iguais”, até sugeria dois códigos de leis, um para os brancos e outro para os negros.
Gobineau ficou no Brasil por quinze meses, queixava-se que: a população totalmente
mulata, viciada em sangue e no espírito era muito feia. Para ele a miscigenação era o
grande vilão dos problemas de subdesenvolvimento do país, possivelmente por encarar
nisto fatores que desestimulavam as capacidades intelectuais da população, o que
sabemos hoje ser uma das grandes falácias criadas por aqueles que representam
ideologias eurocêntricas e etnocêntricas.
Interessante que “raça” nem existia como conceito definido no século XVI. Ou
seja, é possível crer que as teorias raciais surgem de fato a partir do século XVII. Além
disso, antes de estabelecer vínculo com a biologia, a fim de fortalecer suas
argumentações, o termo compreendia a idéia de “grupos ou categorias de pessoas
conectadas por uma imagem comum”, não indicando uma reflexão de ordem mais natural
(Gobineau, Lê Bom e Taine- estabeleceram uma relação entre o físico [externo] e moral
[interno], fazendo da “raça” um elemento ontológico e definidor do futuro das nações);
conjuga-se a partir do século XIX um novo posicionamento: tributos externos e fenótipos
(teóricos do darwinismo racial) passam a ser elementos essenciais, definindo a “moral” e
do “devir”(vir a ser, transformações, etc.) dos povos.
O naturalista Von Martius defendia a tese de que a trajetória brasileira seria
construída através da mistura de suas três raças com a absorção pelos portugueses das
raças “índia” e “etiópica”. Dessa forma o Brasil seria representado, pela miscigenação, um
de seus maiores símbolos.
No Primeiro Congresso Internacional das Raças (1911), João Batista Lacerda,
professor de antropologia do Museu Nacional, sustentou a tese “Sobre os Mestiços”, na
qual dissertava que o processo de miscigenação vivenciado no país gerava expectativas
de uma nação mais branca. Para ele estava expressa a teoria do branqueamento, não só
físico, mas também moral e até social; e não apenas como uma possibilidade, mas como
a previsão de caminho que haveria de ser tomado em decorrência da mistura “racial”.
Nos anos 1930, uma nova visão, tida como oficial, foi construída. A hibridização –
agora menos biológica e mais cultural – é destacada, não mais como veneno, como algo
que iria deturpar o elemento novo criado, mas é vista como salvadora ou redentora. E,
com isso, autores como Gilberto Freire e Donald Pierson, “ligados” à política do Estado
Novo, definem o país pela sua singularidade racial, transformada em “solução”.
Freire afirmava que: “todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma,
quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e ou do
negro”. Passava desta forma, a imagem da miscigenação como sinônimo de tolerância.
Neste período, o “mestiço vira nacional”, é elencado como a imagem motriz das
propagandas políticas, insuflando nas superestruturas novos matizes ideológicos que
acompanhariam um processo de desafricanização de vários elementos culturais,
simbolicamente clareados (logo, europeizados). Podemos apresentar como exemplo a
questão da feijoada, tida tradicionalmente como “comida de escravo”, nos anos 1930
passando a ser “prato nacional”, trazendo a representação simbólica da mestiçagem, que
por sua vez representaria o povo brasileiro, e também o seu ethos. Neste caso, o feijão e
o arroz, metaforicamente seriam o preto e o branco, a couve as matas e a laranja o ouro.
A capoeira – reprimida pelo Código Penal de 1890 – passa a ser tratada como
modalidade esportiva nacional em 1937, permitida e rearticulada como outro símbolo do
Brasil, embora ainda não seja esporte olímpico. O samba sai da marginalidade e ganha
as ruas com as escolas de samba e seus desfiles. A partir de 1935, passam a ser
subvencionados oficialmente. Surgem novas datas cívicas relacionadas com a questão: o
Dia do Trabalho e o Dia da Raça, para “exaltar a tolerância da nossa sociedade”, que não
apenas aceita como “acalenta” estes grupos. O Candomblé, religião afro-descendente,
não tem mais interferência policial, sendo permitida a sua prática, embora ainda sendo
vista com maus olhos pela população em geral. Até o futebol foi sendo associado a
negros, principalmente a partir de 1933, quando da profissionalização da atividade,
mudando a coloração dos clubes futebolísticos. Ainda, Nossa Senhora da Conceição
Aparecida é escolhida para a padroeira do Brasil (outra representação da nacionalidade.
Surge também a figura do “malandro brasileiro” (o boa vida). Em 1943, Walt Disney cria o
Zé Carioca, o grande modelo de visão estereotipada do malandro, do pícaro que precisa
sobreviver pelos caminhos à margem, e além disso, uma visão de fora, estrangeira.
A produção musical, por sua vez, apresenta a composição Mulato de Qualidade,
de André Filho, no ano de 1932. Em 1950, chega-se à idéia de “jeitinho brasileiro”, aquele
que longe dos expedientes oficiais usa da intimidade para o seu sucesso, ou seja, utiliza-
se de caminhos ilícitos para a ascensão social, pois não possui acesso às vias
consideradas legais ou tradicionalmente aceitas. O critério continua pautado por “marcas
exteriores”, mas a distinção biológica ficava em segundo plano; o primeiro plano era
relegado ao social. A mistura torna-se cada vez mais modelo de igualdade racial.
A partir de 1940, com o apoio da UNESCO, acontecem três reuniões (1947, 1951
e 1964) que tentaram deslocar a importância biológica do termo “raça”, limitando-o a um
conceito taxonômico (gênero, família, classe) e meramente estatístico, uma tentativa de
atenuar a agressão que no termo havia, até aquele momento, provocado nas estruturas
sociais (ressaltando que ainda hoje isto acontece e que tal questão encontra-se aberta).
Apesar de tudo, persistia o racismo (oficial) nos Estados Unidos e, principalmente, na
África do Sul.
O filósofo Kwane Appiah, defendia a tese de que: “a verdade é que não existem
raças; não há no mundo algo capaz de fazer aquilo que pedimos que a raça faça por
nós... até a noção do biólogo tem apenas usos limitados[...]”. Raça é, assim, uma
construção histórica e social, assim como os próprios conceitos de histórico e social;
conforme Thomas Sowell, “antes de um conceito biológico é uma realidade social, uma
das formas de identificar pessoas em nossas próprias cabeças. No entanto, o racismo
continua como fenômeno social, sem ligação com o conceito biológico”. A mestiçagem e a
aposta no branqueamento da população geraram um racismo à brasileira: percebe antes
as colorações do que as raças, admite a discriminação apenas na esfera íntima e difunde
a universalidade das leis, que impõe desigualdade nas condições de vida mas é
assimilada no plano da cultura.
No Brasil a aparência física integra o status e a condição social. A cidadania é
difundida a partir da garantia de direitos formais, enquanto são ignoradas as limitações
sociais e econômicas. Tudo isso acaba transformando a desigualdade em etiqueta e a
discriminação em um espaço não formalizado.
Seguindo uma cronologia histórica tradicional do Brasil, temos que depois da
segunda metade do século XIX, começou o processo do branqueamento, sempre a seus
moldes obliterados e ilusórios, dando início ao incentivo à imigração européia. As leis
abolicionistas – Ventre Livre (1871), Saraiva Cotegipe ou do Sexagenário (1885) e a Lei
Áurea (1888) – mostraram o andamento vagaroso, demorado do processo abolicionista,
visto estar o país ainda demasiado preso às condições coloniais e agro-pastoris.
Importante ressaltar que neste período o Exército começava a negar-se de
perseguir escravos fugidos. Vários proprietários, para não perder todos os escravos,
propunham a libertação e a manutenção dos trabalhadores em suas fazendas, pois se
tomava consciência de outros métodos de aprisionamento cultural e social que não
fossem o chicote e as algemas, mas a nova condição hierárquica de patrão e empregado
que além de tudo estabelecia a “ilusão” de liberdade.
No Brasil não se estabeleceu ideologias oficiais, documentalmente fixadas, nem
se criaram categorias oficiais de segregação como o apartheid na África do Sul e a Jim
Crow nos Estados Unidos. Lembrando-se também que, em 14 de dezembro de 1890, Rui
Barbosa (ministro das finanças) mandou queimar os documentos ou, registros sobre a
escravidão, pois queria desta forma apagar o “nosso passado negro”; sua proposta era
começar do zero, e esta opinião pessoal era o eco de outras vozes, dos discursos das
elites brancas. Neste país miscigenado quanto mais branco, melhor; quanto mais claro,
superior. Via-se no branco não somente uma cor, mas também uma qualidade social, um
ideal divinizado e enaltecido. E assim, quanto mais o conflito se dava nas entrelinhas da
população, mais passava para o terreno do subentendido, do “maquiado”, ficando cada
vez mais difícil desvendar o problema, achar os seus pontos falhos e procurar caminhos
alternativos.
O racismo foi sendo reposto, primeiro de forma “científica”, com o aval da biologia,
e depois pela ordem do senso comum, também se utilizando dos livros didáticos.
Justificando os encaminhamentos das políticas e do pensamento coletivo, em 1950, a Lei
Afonso Arinos reprime pela primeira vez a discriminação. Ao punir o preconceito, torna o
problema evidente, mostra-o como existente de fato e como algo que desestabilizava a
convivência e o porte dos indivíduos em relação aos seus iguais; o projeto, no entanto,
mostrou-se ineficaz. Em 5 de janeiro de 1989, a lei 7.716 afirmava que “o racismo é crime
inafiançável”. Há um “porém”, “serão punidos, na forma da lei, os crimes e preconceitos
de raça ou de cor”, onde “raça” aparece como sinônimo de cor. Detalhe: racismo, pela lei,
é portanto, proibir alguém de fazer alguma coisa por conta de sua cor de pele. A lei
11.995. aprovada em 1996, é colocada em prática em 1997, obrigando que se afixasse a
seguinte mensagem: “É vedada sob pena de multa qualquer forma de discriminação em
virtude de raça, sexo, cor, origem, ou condição social, idade, porte ou presença de
deficiência física, de doença não contagiosa por contrato social ou acesso dos elevadores
deste local”.
De novo: “raça”, cor e origem estão presentes. Mas a lei é para poucos e a sua
fiscalização de funcionamento questionável. No curso da aplicação das leis, a partir do
momento em que se provava que o réu era trabalhador e pai de família, o acusado
transformava-se mais e mais em “moreno claro”, atenuando a imagem do crime, sendo o
inverso verdadeiro.
O racismo não pode ser tomado como um pensamento homogêneo, ou seja, não
ocorre de forma única, não acontece da mesma maneira para todos. Cada momento,
circunstância e local pode-se permitir situações preconceituosas e, muitas vezes,
justificadas por ideologias ultrapassadas que não acrescentam nada ao viver em
sociedade, só atrapalham o “dia-a-dia”. Complementando, a busca de uma imagem oficial
brasileira nos anos 1930, privilegiou situações culturais da mistura racial e religiosa
(sincretismo) e minimizou a desigualdade no cotidiano, que se revela tanto no público
quanto na esfera privada. As populações negra e parda apresentam renda menor, menos
acesso à educação, mortalidade acentuada, casam-se mais tarde e dentro do próprio
grupo social. Outra situação que merece ser citada é a dificuldade em se definir quem é
negro e quem é branco no país. Como determinar a cor, quando as pessoas
“embranquecem” ou “escurecem” em função dos determinantes do momento social que
se apresenta, quanto mais difícil para o preto ou o pardo, mais claro ele se autodenomina.
A identificação racial varia de indivíduo para indivíduo, é um fator decorrente mais de uma
auto-imagem e de como esta criação visual representa fatores morais ou culturais de
ordem diversa.
Há uma situação colocada de forte preferência pelo branco ou pelo “mais claro” e
coloca-se o preto para uma escala inferior na sociedade. É um fator tradicional a
associação do branco com a pureza e divindade e do negro com as trevas e o mal;
metáforas difíceis de serem mantidas fora das imagens sociais, e apenas dentro de
campos simbólicos da Literatura e Artes, por exemplo. De forma semelhante, os mestiços
que tem uma condição um pouco melhor, ou mais tranqüila, financeiramente falando,
tendem a se auto-definir como brancos, o que acaba, além de tornar mais subjetiva a
questão (logo de difícil acesso às ciências sociais), incentivando a associação do branco
com o progresso, algo bom. Sendo que, desta forma o termo pardo forma um grupo ou
categoria-resto, pois contém aqueles que não se desenvolveram em termos de renda,
escolaridade e status social. A cor assume um papel de vantagem sócio-econômica
conforme o local, a hora e a circunstância, dificultando a interpretação dos dados
estatísticos fornecidos pelo censo, no tocante à “raça” ou, definição de cor. A revista Raça
Brasil, considerada a Revista dos Negros Brasileiros, apresenta um exemplo da
descoberta desses novos comportamentos que permanecem por vezes intocados
padrões brancos de sociabilidade.
Eu lá no morro sou de fato
Eu respeito meu mulato
Porque ele é mesmo bamba
E é bom no samba
Qualquer parada ele topa com vontade
É respeitado
Quer no morro ou na cidade
E eu gosto dele
Porque é mulato de qualidade(...)
(André Filho, 1932; cantora: Carmem Miranda)
A revista Raça Brasil, número 1, em setembro de 1996, trazia em seu título o a
suposição em torno da questão de se raça é negra (SCHWARTZ, 1968, p. 233). O
próprio título nos leva a entender branco como se não fosse cor, e raça, no entanto, como
se fosse negra. O texto reforçava vários estereótipos, como “Black” com balanço e ginga,
“bem brasileiros”, caindo no senso comum, sem criticidade ou olhar mais atento e
reflexivo. Devemos ter o cuidado de não incentivar estereótipos que podem levar a
aumentar as dificuldades para as quais chamamos a atenção. A desigualdade também
aparece através dos dados na educação, no mercado de trabalho, etc. No Brasil a
endogamia, ou costume de manter os casamentos dos indivíduos dentro de seus grupos
sociais, chega a 79%, variando de grupo para grupo. A endogamia é maior entre os
brancos do que entre os negros e mais acentuada no sul do país. Ou seja se há
mestiçagem ela ocorre “a custa dos casamentos de mulheres brancas com homens
pretos”. Apenas 58% dos homens negros são casados com mulheres da mesma cor,
enquanto que 67% das mulheres negras têm cônjuge do mesmo grupo. Para Elza Berquó
(Fundadora do Núcleo de Estudos de População [Nepo] da Unicamp e membro do
conselho técnico de IBGE) na disputa entre sexos as mulheres brancas ainda competem
com vantagem no difícil “mercado matrimonial”. Observam-se dificuldades em usar termos
definidores da cor, percebe-se o caráter dissimulado da discriminação brasileira. Segundo
Lilian Schwarcz (2001), no ano de 1988 em São Paulo, foi feita uma investigação simples
e reveladora: “enquanto 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito, 98%
disseram conhecer, sim, pessoas e situações que revelavam a existência de
discriminação racial no país” (SCHWARCZ, 2001, p. 76). Em 1995, o jornal Folha de São
Paulo, divulgou uma pesquisa sobre o tema, cujos números finais são de certa forma
semelhantes. Lilian Schwarcz também apresenta que “Apesar de 89% dos brasileiros
dizerem haver preconceito de cor contra negros no país, só 10% reconhecem ter
preconceito. No entanto, de forma indireta, 87% revelam possuir algum preconceito, ao
enunciarem ou concordarem com frases e ditos de conteúdo racista” (2001, p. 77). Um
trabalho sobre bailes negros em São Paulo, realizado “por João Batista de Jesus Félix e
apresentado como tese de mestrado no departamento de antropologia social da
Universidade de São Paulo” e citado por Schwarcz (2001, p. 77) parece inversa, mas é,
na verdade, simétrica: a maioria dos entrevistados nesses bailes negou ter sido vítima de
discriminação, mas confirmou casos de racismo sofridos por familiares e conhecidos
próximos. De novo, a discriminação é “propriedade do outro” e só enquanto tal passa a
existir; esse dados refletem a necessidade do ser humano de se proteger e proteger a
imagem de seu grupo; é o jogo social do mascaramento, da apresentação de determinada
imagem prevendo sentidos específicos as serem criados na alteridade; em geral, as
ações se colocam avistando o horizonte do status. A revista Super Interessante, edição
187 de abril de 2003, em matéria intitulada “Vencendo na Raça” traz um quadro
comparativo/contrastivo entre negros/pardos e brancos:
(Ilustração 1 - Revista Super Interessante Edição 187. Ano 17 n. 4. Abril 2003. Editora
Abril)
O mito da “democracia racial” está freqüentemente vinculado à “desigualdade de
direitos”, ele também está associado à “igualdade”, independentemente da cor. Isso leva
a um engano intencional, responsável por uma nociva maquiagem social.
O branqueamento, enquanto modelo social, foi uma “saída” local, pois o incentivo
à imigração européia deu-se de forma diferenciada no país, visando clarear a população
brasileira que se encontrava, segundo os olhares das elites, demasiado negro e mestiço.
Demonstrar as falácias do mito da democracia racial talvez seja tão importante quanto
refletir sobre sua eficácia e permanência, que resiste ao descrédito teórico, já anunciado
desde finais dos anos 1950. Para alguns, ela designa preconceito de classe, mas não de
raça; para outros, delimita uma relação singular de tratamento entre brancos e negros,
cuja intimidade e convivência harmoniosa seriam em si exemplares. É possível
“considerar” o mito sem associá-lo necessariamente à noção de ideologia – de falsa
ideologia – ou compreendê-lo somente como um mascaramento intencional da realidade.
Culpar certa ideologia dominante não responde totalmente à situação de
preconceito vivida pelo afro-descendente. No Brasil, mesmo reconhecendo a existência
do preconceito, a idéia de harmonia racial se impõe aos dados e à própria consciência da
discriminação.
Refletir sobre o mito da “democracia racial”, sua eficácia e permanência. Precisa-
se evitar a associação do mito à noção de ideologia – de falsa ideologia – ou entender
tudo isso como disfarce intencional da realidade fática ou seus fatos sociais como são
encarados pelas pessoas. Buscar esclarecer o que o mito afirma para amenizar seus
efeitos, pois apesar das tentativas de desconstrução, os excessos do mesmo se fazem
presentes e oportunos, o que pode levar, e já levou, à aceitação do preconceito por meio
da idéia da harmonia racial, e que ela devia impor-se aos dados e à própria consciência
da discriminação.
Não devemos esquecer que em alguns pontos aconteceram mudanças
importantes: não está nada fácil sustentar publicamente a igualdade de oportunidades
que muitos acreditavam, devido à grande quantidade de dados que comprovam o
contrário. Sustenta-se que o negro deve ter oportunidades iguais aos brancos, com
muitas argumentações que são descaracterizadas pelos números que a realidade social
nos apresenta. A escola, nestes casos, deveria assumir um papel de incentivadora, no
sentido de elevar a auto-estima do negro e do pardo para que estes dêem continuidade
aos seus estudos, a sua formação, inclusive, superior; sabendo-se também que não é
apenas uma questão de auto-estima, mas também, de valorização integral da pessoa.
No entanto, somente reconhecer a existência do racismo não nos fornece a
totalidade de sua devida compreensão; acatamos a possibilidade de não se alcançar pela
apreensão da realidade, mas busca-se uma perspectiva mais ampla, mais aberta ao
diálogo e ao próprio auto-questionamento. A mestiçagem não é exclusividade brasileira,
mesmo assim, foi no Brasil que a convivência racial ganhou sofisticação e divulgação
incomum, ganhando espaço como modelo a ser exportado.
É ainda forte a interpretação culturalista dos anos 1930, que transformou a
miscigenação (e mulatos) em nosso símbolo maior. É na história que encontramos as
respostas para o racismo à brasileira, que não se esconde na imagem da “democracia
racial”, mas mantém o seu jeito único e a sua afirmação ocorre de maneira constante e
em certas ocasiões é reforçada. O mito não é mais oficial, mas mesmo assim está
presente; perdeu seu caráter científico, mas ganhou o senso comum e o dia-a-dia, a
rotina, como algo que nos faz melhor, mais alegres, mais cordiais; a tranqüilidade frente à
negação da diferença, do outro heterogêneo ao “eu”.
Estamos na divisa das duas mais conhecidas interpretações: Gilberto Freire, que
construiu o mito da “democracia racial”, e Florestan Fernandes, que o desconstruiu, duas
representações igualmente verdadeiras, com as devidas ressalvas. No Brasil convive-se
com estas duas realidades: um país mestiçado em crenças e costumes e, um racismo
invisível e extremamente presente.
As dificuldades enfrentadas por negros – tais como “preferência” na abordagem
policial e a dificuldade para conseguir certos empregos ou cargos maiores em decorrência
do preconceito, dentre outras – estão todos os dias nos jornais, no rádio, nas revistas, nos
noticiários televisivos que, não raras vezes, são acusados injustamente de todo tipo de
delito que se possa imaginar. Da mesma forma, os mestiços não escapam às acusações
fundadas unicamente em estereótipos alimentados pelo preconceito. Dados apontam para
algo em torno de 80 % de chance dos negros serem incriminados. As diferenças não são
nomeadas publicamente, os constrangimentos, geralmente, estão na esfera privada. Na
escola também se observa esta situação, do “preconceito cordial”, no qual a cor da pele
passa a ser referência de mau aluno.
Outro ponto que deve ser salientado, “raça” no Brasil pode ser encarada como um
problema de projeção aliada à representação ou visão do mundo. Para muitos são
considerados “normais” a utilização de termos ou palavras que marcam pessoas como:
“cego”, “aleijado”, “gordo”, “crioulo”, etc., expressões que estigmatizam a pessoa de tal
forma que a mesma chega a se convencer que tem alguma coisa que a deixa
inferiorizada. Estas expressões, usadas freqüentemente, agem na consciência e são
assimiladas como naturais.
As desvalorizações pelas quais os indivíduos (vítimas de preconceitos) passam,
são tão graves e eles recebem tratamento diferenciado, colocando-os em situações
inferiores, isto é, discriminatórias. A discriminação é a confirmação do preconceito. Aí o
preconceito racial age com situações discriminatórias que visam subjugar os sujeitos
negros, diminuindo suas possibilidades de sobrevivência e conseqüentemente, não
fazendo com que possam competir em pé de igualdade com os demais tornados
privilegiados.
A auto-estima reflete-se na identidade do negro. No caso de negros que estão em
conflito com sua auto-imagem, entre o real e o estigmatizado e o branco, socialmente
valorizado, as representações tendem a ser inferiorizadas, refletindo na sua auto-estima
baixa, o não saber dar valor a si próprio. Mas isto pode ser reelaborado e reconstruído
sob novas condições.
Os grupos de negros organizados trabalham para construir uma auto-estima
positiva de forma a resgatar a identidade desses brasileiros (as). A escola deve continuar
trabalhando nesta empreitada e muitos educadores, sensibilizados com a questão, já
estão participando deste propósito. O Movimento Negro Organizado pode ser considerado
vitorioso nesta empreitada: a criação do Dia Nacional da Consciência Negra a ser
comemorado no dia 20 de novembro, considerado como o dia da morte de Zumbi dos
Palmares, em detrimento do dia 13 de maio (abolição da escravatura), demonstra a força
e importância que o movimento tem operado na sociedade.
Uma parcela representativa dos educadores tem a importante preocupação com
as discriminações que acontecem dentro das escolas. A promoção de atividades que
visam chamar a atenção para a pluralidade e a diversidade, destacando os pontos do
racial, são constantes em muitas instituições de ensino. Por exemplo, a prática de
atividades em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro),
com apresentação de danças e músicas, colagens, confecção de máscaras, etc.; e muitos
docentes destacam sempre que possível o tema afro-brasileiro e africano, por meio do
trabalho com músicas nas aulas de Artes, História e também sociologia, ou aproveitando
os conteúdos temáticos inseridos em debates, seminários, etc.
As pesquisas sobre os temas: racismo, “democracia racial”; garantem suporte
teórico aos educadores para a causa negra e outros preconceitos. A espécie humana
sofreu várias mudanças para adaptarem-se aos diferentes ambientes, mudanças
exteriores. Como é exemplificado na reportagem “Vencendo na Raça” (Super
interessante, 2003, p. 44) “em regiões quentes é vantajoso ser baixo como os pigmeus ou
alongado como os quenianos, com a superfície do corpo grande quando comparada ao
volume, o que facilita a evaporação do suor”, demonstrando um pouco a questão de que a
interação entre o ser e a o ambiente deve ser equilibrada por meio da adaptação. O
problema desta capacidade adaptativa é que as diferenças físicas serviram para que
pessoas fossem avaliadas apressadamente, e julgadas à primeira vista, atribuindo-lhes
qualidades e defeitos. É através do estudo e das pesquisas sociológicas e antropológicas
que se podem desmistificar estas imagens preconceituosas; e por meio da educação, do
ensino, que visões mais claras, racionais e não racistas podem ser difundidas entre a
população.
É importante frisar que, mesmo com alguns entendimentos apressados e
comentários precipitados, o posicionamento de Gilberto Freyre em relação às idéias de
“raça pura” é de oposição, anti-racista, pois quando ele escreve sobre “democracia racial”
não demonstra preconceito e sim, a idéia de encontrar uma identificação social aos
brasileiros. Entretanto, o questionamento das últimas décadas trouxe um novo “olhar”
sobre a harmonia racial no Brasil. Num primeiro momento, houve a análise favorável ao
mito. Este modo de análise logo se desfez, em detrimento das perspectivas críticas sobre
as teorias e sobre as situações dialógicas do cotidiano.
A imagem do mulato, que servia de referência nacional para uma identidade
brasileira, passa a ser vista como um dos meios que agiam para inferiorizá-lo e diminuir
suas oportunidades, em comparação ao branco, e também diminuir sua vontade de se
utilizar das poucas oportunidades que eventualmente surgiam, em decorrência da auto-
imagem distorcida, seguindo a ideologia do outro eurocêntrico e branco.
As pesquisas sobre a sociedade brasileira sempre foram desfavoráveis quanto a
“democracia racial”, apontando para um desequilíbrio a favor do branco, em detrimento ao
negro e ao pardo.
A simbologia da miscigenação só servia, na prática, para reforçar a supremacia
do branco e arrefecer a vontade dos negros e pardos de buscar sua participação,
igualmente importante, na sociedade brasileira.
A lei 10.639, de janeiro de 2003, que tornara obrigatória a inclusão de História e
cultura afro-brasileira, colocou como conteúdo o estudo da História da África e dos
africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade. Uma nova lei, a 11.645, de março de 2008, manteve as disposições e incluiu
ainda a questão indígena. Depois de 5 anos, a lei federal que obriga escolas públicas e
particulares de todo o país a ensinar História e cultura afro-brasileira não saiu do papel,
sendo o fato acompanhado das mais diversas “desculpas”. Tal fator possivelmente ocorre
em detrimento da falta de controle ou penalização para as escolas (e o próprio Estado em
alguns casos) que não se adequarem às novas leis estipuladas para o ensino, exigindo
que as temáticas sejam inseridas nos projetos políticos pedagógicos e trabalhadas
coerentemente com a necessidade social brasileira.
São poucos os colégios que têm o tema inserido na grade curricular. O MEC visa
mudar essa situação, contudo parece ainda não ter encontrado um caminho eficiente para
se alcançar o almejado; por vezes parece que o caminho mais rápido e mais fácil é
incentivado, provocando novos ou eternizando antigas problemáticas frente à ineficiência
do ensino. O governo vai lançar um plano nacional, aproveitando o mês da Consciência
Negra de 2008, com distribuição de material didático e monitoramento das atividades;
novamente resta saber se o monitoramento será suficiente para que o projeto seja guiado
e que os frutos produzidos tenham a qualidade que se planejara. O projeto foi lançado,
contudo os materiais ainda não chegaram às escolas, o que se espera que aconteça em
2009.
Na Bahia- estado que abriga uma das maiores populações de negros do Brasil- o
Ministério Público instaurou inquérito civil em 2007 e notificou as escolas para que
cumpram a lei. Em São Paulo, o Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e
Desigualdades) entrou com representação no Ministério Público Federal para questionar
20 cidades da Grande São Paulo, incluindo a capital, sobre quais ações estavam sendo
tomadas. O presidente do Siesp (sindicato das escolas particulares de SP), José Augusto
de Mattos Lourenço, nega que a maioria das escolas não esteja cumprindo a lei, segundo
o Jornal Folha de São Paulo, de 27/10/2008.
O que foi exposto acima confirma o quanto é complicada a situação relativa à
“democracia racial” e as implicações na sociedade, e merece uma verificação do porquê
de não se cumprir a lei. Resta saber quais os motivos para que isso esteja acontecendo,
pois o número de professores treinados para trabalhar com o conteúdo: História e cultura
afro-brasileira, segundo o MEC é de 40 mil em todo o país, somados a um gasto de mais
de 10 milhões de reais; e, além disso, estariam estes professores realmente preparados
para este ensino? Ou ainda se está na velha fórmula de criar situações “belas” e ideais
que mostrem para todos, inclusive para nós, que algo está sendo feito frente à questão
dos preconceitos raciais, quando a maioria das tentativas não passa do limite da
“imagem”?
(Ilustração 2 - Quadro presente na matéria “Não negro ganha o dobro do negro”, do jornal “Gazeta do
Paraná” em 19 de Novembro de 2008, que por sua vez, trouxe informações da agência FolhaPress)
Informação da Folha online, do dia 14 de outubro de 2008, aponta: Renda de
Negros e Pardos é menor que a metade da dos brancos, diz IPEA (Instituto de Pesquisa
Aplicada). Os negros e pardos, conforme os últimos dados do IPEA têm renda per capita
equivalente a menos da metade da renda dos brancos. Dados estatísticos contam que se
o ritmo de avanços por parte dos negros e pardos for mantido, a igualdade racial só
ocorrerá em 2029. A solução, de acordo com especialista, está na execução de políticas
públicas. “Nos temos uma claro problema de desigualdade racial que tem relação com
discriminação, racismo e preconceito. Mas os dados não tocam nessas questões”
(GIRALDI, 2008, Folha online), afirmou o diretor de Cooperação de Desenvolvimento do
IPEA, Mário Theodoro.
O diretor de Estudos Sociais do IPEA, Jorge Abraão, lembrou ainda que
lentamente as conquistas dos negros e pardos vêm ocorrendo: “Apesar do diferencial
ainda existir, os negros estão tendo mais acesso ao ensino fundamental” ((GIRALDI,
2008, Folha online), afirmou; ressaltou também que “Em geral negros, nordestinos e
pobres têm uma situação (econômica) pior” (GIRALDI, 2008, Folha online). Além disso, há
a necessidade demonstrar para os pardos e negros, por meio de dados e da própria
realidade, que a situação está mudando para melhor, devido às iniciativas educativas e do
Movimento Negro Organizado, dando visibilidade aos antes excluídos, configurando este
processo de transição.
A possibilidade de a igualdade racial ocorrer em 2029 é, em certo sentido uma
estimativa bastante otimista visto que as possibilidades de negros e pardos acenderem
socialmente, melhorando sua situação econômica é muito difícil se a consciência racial
não mudar e a educação pode fazer muito para que isso aconteça, até mesmo antes do
previsto. Muito trabalho para os educadores públicos e privados. Também não adianta a
escola pública cumprir seu papel se as escolas particulares não agirem da mesma
maneira. O modo de agir deve ser constante e as duas devem estar coordenadas para
que o resultado seja o melhor para a sociedade como um todo. Por fim, de nada adianta a
focalização nos ensinos fundamental e médio se não houver, também, um trabalho
semelhante acontecendo nas IES, nas várias possibilidades de cursos de ensino superior,
não apenas os relacionados á licenciatura, mas todos, visto que serão profissões
inseridas no contexto maior que é a sociedade e devem estar atentas aos seus modos de
funcionamento e prática.
Também não podemos dispensar a colaboração de pais e responsáveis,
comunidade, na busca do melhor, para que todos nós tenhamos contato e possamos
entender a história e cultura dos afro-descendentes, para aumentar a auto-estima de
negros e pardos que tanto já fizeram e continuam fazendo pelo país.
O movimento negro organizado deve e pode colaborar nesta empreitada; por
exemplo, em Cascavel, temos o Peab (Projeto de estudos afro-brasileiros), que propicia
aos professores em formação e em exercício (e demais interessados) a possibilidade de
discutir assuntos a respeito da formação de professores e as relações étnico-raciais. Não
podemos esquecer que através da organização muito já se conseguiu. Só com este
exemplo é que podemos alavancar o ensino proposto como obrigatório pela Lei 10.639,
de janeiro de 2003. Esta experiência não deve ser dispensada pelas escolas que tem um
compromisso cada vez maior para com os estudantes e a sociedade de uma forma geral.
Os projetos devem ser incentivados para que a lei seja cumprida, não por ser obrigatória,
mas por ser um resultado importante da luta dos negros organizados e da transformação
das relações sociais.
A motivação para este trabalho se deu em função de uma situação presenciada
no cotidiano escolar. Ao abordar o tema em sala de aula, um dos alunos demonstrou-se
inquieto, dando a impressão de que queria evitar o assunto. Quando falei da importância
do questionamento da realidade social, do entendimento do assunto para assim, buscar
alternativas com o intuito de melhorar a situação do negro, acabar com o preconceito e
elevar a auto-estima das pessoas que sofrem com isso, etc., o aluno disse “Professor,
não adianta nada, vai continuar do mesmo jeito”. Isso soou como um grito de revolta
sufocado, provindo da observação cotidiana das dificuldades enfrentadas, gerando a
perda das esperanças; ou seja, o mundo, o seu mundo, não iria mudar somente pela
demonstração indignada.
Fontes: Ilustração 1: Revista Super Interessante. Edição 187. Ano 17 n. 4. Abril 2003. Editora
Abril
Ilustração 2: Jornal Gazeta do Paraná. “Não negro ganha o dobro do negro”. 19 de Novembro de
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In ----: SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. V. 4. Coordenador Geral da coleção Fernando A. Novais; organizadora do volume Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
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GIRALDI, Renata. Renda de negros e pardos é menor que a metade da dos brancos, diz Ipea. Folha Online 14/10/2008 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u456002.shtml .