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ÀmemóriadePaulAdrienMauriceDirac1902-1984

Achoquepossodizercomsegurançaqueninguémentendemecânicaquântica

RICHARDFEYNMAN

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AGRADECIMENTOS

Aos funcionários da Oxford University Press, por sua ajuda na preparação dos manuscritos paraimpressão,eprincipalmenteàShelleyCox,porumasériedecomentáriosúteissobreaprimeiraversão.

JOHNPOLKINGHORNEQueens’College

Cambridge

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PREFÁCIO

Adescobertadateoriaquânticamodernaemmeadosdadécadade1920trouxeàtonaamaiorrevisãodaformadepensaranaturezadomundofísicodesdeaépocadeIsaacNewton.Oqueforaconsideradoaarena de processos claros e determinados mostrou-se, em suas raízes subatômicas, nebuloso eintermitenteemseucomportamento.Comparadasaessamudançarevolucionária,asmaioresdescobertasda relatividade geral e especial parecem não ser mais interessantes do que variações sobre temasclássicos.Defato,AlbertEinstein,queforaoprogenitordateoriadarelatividade,considerouamecânicaquântica moderna tão em desacordo com seu gosto metafísico que permaneceu implacavelmentecontrário a ela até o fim da vida. Não é exagero algum pensar na teoria quântica como uma dasrealizações intelectuaismais incríveisdoséculoXXeemsuadescobertacomoarepresentaçãodeumaverdadeirarevoluçãoemnossacompreensãodoprocessofísico.Sendoassim,aapreciaçãode ideiasquânticasnãodeveserumaparticularidadedos físicos teóricos.

Emboraaarticulaçãocompletadateoriaexijaousodesualinguagemnatural,amatemática,muitosdeseusconceitosbásicospodemseracessíveisaoleitorcomumqueestápreparadoparasedaraotrabalhodeacompanharahistóriadeumadescobertanotável.Estepequenolivrofoiescritotendoesseleitoremmente. Seu texto principal não contém nenhuma equação matemática. Um breve apêndice destacaalgumasideiasmatemáticassimplesquetrarãoummaioresclarecimentoàquelescapazesdedigerirumacarne um pouco mais dura. (Seções relevantes desse apêndice aparecem com referência cruzada emnegritonotextoprincipal.)Ateoriaquânticamostrouserimensamentefértilduranteosmaisde75anosdesuainvestigaçãodesde

asdescobertasiniciais.Elaéatualmenteaplicadacomconfiançaeêxitonadiscussãodequarkseglúons(oscandidatoscontemporâneosparaosconstituintesbásicosdamatérianuclear),emboraessasentidadessejam,nomínimo,100milhõesdevezesmenoresdoqueosátomos,cujocomportamento foimotivodeinteressedosprimeirosquânticos.Aindaassim,permaneceumprofundoparadoxo.Aepígrafedestelivrocontémalgodoexagerodaexpressãoquecaracterizouodiscursodograndefísicoquânticodesegundageração,RichardFeynman,mas é certamente verídico que, embora saibamos realizar os cálculos, nãoentendemos a teoria de modo tão completo como deveríamos. Veremos, a seguir, que importantesquestões interpretativas permanecem sem solução. Elas exigirão, para eventual resolução, não sóobservaçãofísica,comotambémdecisãometafísica.Quando jovem,tiveoprivilégiodeaprenderteoriaquânticasendoalunodePaulDirac,enquantoele

ministrou seu famoso curso em Cambridge. O material das suas aulas correspondia de perto aotratamentodadoemseulivroseminal,Osprincípiosdemecânicaquântica,umdosverdadeirosclássicosdapublicação científicado séculoXX.Alémde seromaior físico teóricoque já conhecipessoalmente,Dirac tinha pureza de espírito e comportamentomodesto (ele nunca enfatizava, nemminimamente, asprópriasimensascontribuiçõesaosprincípiosbásicosdessetema),oqueotornouumafigurainspiradoraeumtipodesanto-cientista.Humildementededicoestelivroàsuamemória.

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CAPÍTULO1RACHADURASCLÁSSICAS

Oprimeiro florescerdaciência físicamodernaatingiu seuaugeem1687, comapublicaçãodaobraPrincipia,deIsaacNewton.Desdeentão,amecânicaestabeleceu-secomoumadisciplinamadura,capazde descrever os movimentos das partículas de uma maneira clara e determinista. Essa nova ciênciapareciasertãocompletaque,porvoltadofimdoséculoXVIII,omaiordossucessoresdeNewton,PierreSimonLaplace, pôde fazer sua célebre declaração de que um ser, equipado com poderes ilimitados decálculoesupridodeconhecimentocompletodasdisposiçõesdetodasaspartículasemalguminstantedotempo,poderiausarasequaçõesdeNewtonparapreverofuturoeretrodizercomigualcertezaopassadodouniversointeiro.Defato,essaalegaçãomecanicistaumtantoassustadoratraziaconsigoumagrandesuspeita de orgulho arrogante. Em primeiro lugar, os seres humanos não se veem como máquinasautômatas. Além disso, por mais imponentes que fossem, sem sombra de dúvida, as realizações deNewton,elasnãoabarcavamtodososaspectosdomundofísicoqueeramconhecidosnaépoca.Restavamquestões não resolvidas que ameaçavam a crença na autossuficiência total da síntese newtoniana. Porexemplo,haviaaquestãodaverdadeiranaturezaeorigemda leidagravitaçãouniversaldo inversodoquadradoqueSir Isaacdescobrira.Tratava-sedeumassuntosobreoqualopróprioNewton declinaraformularumahipótese.Havia,ainda,aquestãonãosolucionadadanaturezadaluz.Nessecaso,Newtonpermitiu-seumgraudelatitudeespeculativa.EmOpticks,eleseinclinouàvisãodequeumfeixedeluzera composto de uma corrente de partículas minúsculas. Esse tipo de teoria corpuscular estava emharmoniacomatendênciadeNewtondeveromundofísicoemtermosatomísticos.

AnaturezadaluzFoisomentenoséculoXIXquehouveumprogressorealnoentendimentodanaturezadaluz.Bemno

começodoséculo,em1801,ThomasYoungapresentouevidênciasbastanteconvincentesparaofatodequealuz tinhaacaracterísticadeummovimentodeonda,umaespeculaçãoque fora feitamaisdeumséculo antes por Christiaan Huygens, contemporâneo holandês de Newton. As principais observaçõesfeitasporYoungconcentraram-senosefeitosdoquehojechamamosdefenômenosdeinterferência.Umexemplobásicoéaexistênciadebandasalternadasdeluzeescuridão,oque,pormaisirônicoqueseja,foramexibidaspelopróprioSirIsaacemumfenômenochamadodeanéisdeNewton.Efeitosdessetiposãocaracterísticosdeondasesurgemdaseguinteforma:omodocomodoistrensdeondassecombinamdependedecomosuasoscilaçõesseinter-relacionam.Seestãonomesmoritmo(emfase,comodizemosfísicos), então a crista coincide de maneira construtiva com a crista, resultando em reforço mútuomáximo. Quando isso acontece no caso da luz, obtêm-se bandas de brilho. Se, no entanto, os doisconjuntosdeondasestãoexatamenteforaderitmo(foradefase),acristacoincidecomovaleemumaanulaçãomutuamentedestrutiva,eoresultadoéumabandadeescuridão.Assim,aaparênciadepadrõesde interferência de luz e escuridão alternadas é uma assinatura inequívoca da presença de ondas. AsobservaçõesdeYoungpareciamterresolvidooproblema.Aluzéondulatória.

No decorrer do século XIX, a natureza do movimento ondulatório associado à luz parecia tornar-seclara. Descobertas importantes feitas por Hans Christian Oersted e Michael Faraday mostraram queeletricidadeemagnetismo–fenômenosque,àprimeiravista,pareciammuitodistintosemsuanatureza–estavam,naverdade,intimamenteligadosentresi.

OmodocomopodiamsercombinadasparadarumateoriaconsistentedeeletromagnetismoveioaserdeterminadoporJamesClerkMaxwell–umhomemdetamanhagenialidadequepodeserincluído,comjustiça,nomesmopatamardeIsaacNewton.AscélebresequaçõesdeMaxwell,aindaabasefundamentaldateoriaeletromagnética,foramestabelecidasem1873emseuTratadosobreeletricidadeemagnetismo,um dos maiores clássicos da literatura científica. Maxwell percebeu que essas equações possuíamsoluçõesondulatóriasequeavelocidadedessasondaseradeterminadaemtermosdeconstantesfísicasconhecidas.Estarevelouserafamiliarvelocidadedaluz!

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1.Sobreposiçãodeondas:(a)emfase;(b)foradefase.

Essa descoberta foi considerada o maior triunfo da física do século XIX. O fato de que a luz eracomposta de ondas eletromagnéticas parecia ter sido estabelecido da maneira mais sólida possível.Maxwelleseuscontemporâneosviamessasondascomooscilaçõesemummeioelásticodifuso,queveioaserchamadodeéter.Emumartigodeenciclopédia,elediriaqueoétereraaentidademaisconfirmadadetodaateoriafísica.

ChamamosafísicadeNewtoneMaxwelldefísicaclássica.NofimdoséculoXIX,elahaviasetornadoum imponente edifício teórico. Não foi nada surpreendente o fato de que nobres homens mais velhos,comoLordKelvin,chegaramapensarquetodasasideiasdafísicajáeramconhecidasequetudooquehaviapara fazereraorganizarosdetalhescommaiorprecisão.Nosúltimosquinzeanosdoséculo,umjovemnaAlemanha,quecontemplavaumacarreiraacadêmica, foialertadocontrao ingressona física.Seriamelhortomaroutrorumo,poisafísicaestavanofimdaestrada,compoucoounadaderelevanteaserfeito.OnomedessejovemeraMaxPlanck,quefelizmenteignorouoconselhodado.

Narealidade,algumasrachadurasjácomeçavamaaparecernaesplêndidafachadadafísicaclássica.Na década de 1880, os norte-americanos Michelson e Morley conduziram alguns experimentosengenhososcométerparademonstraromovimentodaTerra.Aideiaeraque,senessemeioaluzfosserealmenteondas,entãosuavelocidademedidadeveriadependerdecomooobservadorestavamovendo-seemrelaçãoaoéter.Pensenasondasdomar.Suavelocidadeaparente,observadadeumnavio,altera-seconforme o navio se move a favor ou contra as ondas, parecendo menor no primeiro caso do que nosegundo.Oexperimento foiprojetadoparacompararavelocidadeda luzemdoissentidosmutuamenteperpendiculares. Apenas se a Terra estivesse em repouso coincidente em relação ao éter quando asmensuraçõesforamfeitaséqueasduasvelocidadesseriamasmesmas,eessapossibilidadepoderiaserexcluída repetindo-se o experimento alguns meses depois, quando a Terra estaria movendo-se em umsentido diferente em sua órbita. Na prática, Michelson e Morley não conseguiram detectar nenhumadiferençadevelocidade.AsoluçãodesseproblemaexigiriaateoriadarelatividadeespecialdeEinstein,que prescindia completamente de éter. A grande descoberta não é objeto dessa história, embora sejaimportanteobservarquearelatividade,mesmosendoaltamentesignificativaesurpreendente,nãoaboliaasqualidadesdeclarezaedeterminismoqueafísicaclássicapossuía.Éporissoque,noPrefácio,afirmeiquearelatividadeespecialexigiamuitomenosemtermosdeumnovoraciocínioradicaldoqueateoriaquânticaviriaademandar.

EspectrosOprimeiroindíciodarevoluçãoquântica,irreconhecívelcomotalnaépoca,surgiuem1885.Eleteve

origem nos rascunhos matemáticos de um professor secundário suíço chamado Balmer. Ele estavapensandonoespectrodohidrogênio,ouseja,oconjuntodelinhascoloridasseparadasqueseencontramquandoaluzdogásincandescenteédivididaaopassarporumprisma.Asdiferentescorescorrespondema frequências distintas (taxas de oscilação) das ondas de luz envolvidas. Enquanto brincava com os

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númerossemobterêxitoalgum,Balmerdescobriuqueessasfrequênciaspoderiamserdescritasporumafórmulamatemáticabastantesimples[1]1.Naqueletempo,issonãoteriapassadodemeracuriosidade.

Mais tarde, as pessoas tentaram entender o resultado de Balmer em termos de sua imagemcontemporânea do átomo. Em 1897, J. J. Thomson descobriu que a carga negativa em um átomo eracarregadaporpartículasminúsculas,queacabaramrecebendoonomede“elétrons”.Supunha-sequeacargapositiva restanteerasimplesmenteespalhadapeloátomo.Essa ideia foi chamadade“modelodepudim de passas”, com os elétrons exercendo a função das passas, e a carga positiva, a do pudim. Asfrequênciasespectraisdeveriamcorresponderàsváriasmaneirascomooselétronspodemoscilardentrodo“pudim”comcargapositiva.Porém,verificou-sesermuitodifícil fazeressa ideia funcionardemodoempiricamentesatisfatório.VeremosqueaverdadeiraexplicaçãodaestranhadescobertadeBalmerseriaencontrada mais tarde, usando-se um conjunto muito distinto de ideias. Enquanto isso, a natureza dosátomosprovavelmentepareciaumaquestãoobscurademaisparaqueessesproblemasoriginassemumaansiedadecoletiva.

AcatástrofeultravioletaMuitomaisnitidamentedesafiadoraecomplexaeraoutradificuldade,trazidaàtonapelaprimeiravez

porLordRayleighem1900,queveioasechamar“acatástrofeultravioleta”.ElasurgiudaaplicaçãodasideiasdeoutragrandedescobertadoséculoXIX,afísicaestatística.Nela,oscientistasestavamtentandodesvendarocomportamentodesistemasmuitocomplicados,que tinhamformasbemdiferentesdoqueseus movimentos detalhados poderiam assumir. Um exemplo desse sistema seria um gás composto demuitas moléculas distintas, cada uma com seu próprio estado de movimento. Outro exemplo seria aenergia radioativa, que poderia ser composta de contribuições divididas entre muitas frequênciasdistintas. Seria praticamente impossível monitorar todos os detalhes do que estava acontecendo emsistemas dessa complexidade, mas, apesar disso, alguns aspectos importantes de seu comportamentogeral poderiam ser elaborados. Isso ocorria porque o comportamento físico resulta de uma médiaaproximada calculada sobre contribuições de muitos estados componentes individuais do movimento.Entreessaspossibilidades,oconjuntomaisprovávelpredominaporqueé,deformapreponderante,omaisprovável.Sobreessabasedemaximizaraprobabilidade,ClerkMaxwelleLudwigBolzmannconseguiramdemonstrar que é possível calcular com confiabilidade certas propriedades físicas do comportamentogeraldeumsistemacomplexo,comoapressãoemumgásdedeterminadovolumeetemperatura.

Rayleighaplicouessas técnicasde física estatística àquestãode comoa energia édistribuídaentrediferentes frequências no caso da radiação de corpo negro. Um corpo negro é aquele que absorveperfeitamentetodaaradiaçãoquerecaisobreelee,aseguir,reemitearadiaçãoporcompleto.Otemadoespectroda radiaçãoemequilíbrio comumcorponegropoderiaparecerum tipodequestãoum tantoexótica para se formular, porém, na verdade, há aproximações excelentes a corpos negros disponíveis;então, trata-se de um assunto que pode ser investigado de modo experimental e teórico, por exemplo,estudando-searadiaçãonointeriordeumfornoespecialmentepreparado.Aquestãoerasimplificadapelofatodequejásesabiaquearespostadependeriasomentedatemperaturadocorpo,enãodedetalhesadicionaisdesuaestrutura.Rayleighdestacouqueaaplicaçãoobjetivadasideiascomprovadasdafísicaestatística levou a um resultado desastroso. Além de o cálculo não estar de acordo com o espectromedido, ele não fazia sentido algum. Ele previa que uma quantidade infinita de energia estariaconcentrada nas frequências mais altas, uma conclusão constrangedora que recebeu o nome de“catástrofe ultravioleta”. A natureza catastrófica dessa conclusão é bastante evidente: “ultravioleta” éumamaneiradedizer“altasfrequências”.Odesastresurgiuporqueafísicaestatísticaclássicaprevêquecada grau de liberdade do sistema (nesse caso, cada modo distinto com que a radiação pode ondular)receberáomesmovolumefixodeenergia,umaquantidadequesódependedatemperatura.Quantomaiora frequência, maior o número de modos correspondentes de oscilação, com o resultado de que asfrequências mais altas roubam tudo, acumulando quantidades ilimitadas de energia. Aqui havia umproblemaqueequivaliaamaisdoqueumapequena falhanaesplêndida fachadada físicaclássica.Eramaisocasodeumburacoabertonoprédio.

Em um ano, Max Planck, agora professor de física em Berlim, encontrara uma maneira notável desolucionarodilema.Eledisseaseufilhoqueacreditavaterfeitoumadescobertadeigualsignificânciaàs

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deNewton.Podeterparecidoumaalegaçãograndiosa,masPlanckestavadizendonadamenosqueapuraverdade.

A física clássica considerava que a radiação vertia continuamente para dentro e para fora do corponegro,semelhanteacomoaáguapodeverterdeumaesponja.Nomundodesuavesmudançasdafísicaclássica,nenhumaoutrasuposiçãopareciatotalmenteplausível.Mesmoassim,Planckfezumapropostacontrária, sugerindo que a radiação era emitida ou absorvida de tempos em tempos em pacotes deenergiadetamanhodefinido.Eleespecificouqueoconteúdoenergéticodeumdessesquanta(comoeramchamadosospacotes)seriaproporcionalàfrequênciadaradiação.Aconstantedeproporcionalidadefoitirada de uma constante universal da natureza, agora conhecida como constante de Planck. Ela érepresentadapelosímboloh.Amagnitudedehémuitopequenaemtermosdetamanhoscorrespondentesàexperiênciacotidiana.Éporissoqueessecomportamentopontuadoderadiaçãonãoforanotadoantes;umasequênciadepequenospontosmuitopróximosassemelha-seaumalinhacheia.

Umaconsequênciadessahipóteseousadaeraquearadiaçãodealtafrequênciasópoderiaseremitidaou absorvida em eventos que envolvessem um único quantum de energia significativamente alta. Essagrandetarifaenergéticasignificavaqueesseseventosdealtafrequênciaseriamgravementesuprimidosemcomparaçãoàsexpectativasdafísicaclássica.Subjugardessaformaasaltasfrequênciaseliminavaacatástrofeultravioleta,alémdegerarumafórmulaemdetalhadaconcordânciacomoresultadoempírico.

Era evidente que Planck descobrira algo de grande significância. Contudo, exatamente qual era talsignificância,nemelenemoutraspessoas tinhamcertezano início.Quegraudeseriedadedeveríamosatribuiraosquanta?Eleseramumacaracterísticapersistentedaradiaçãoouapenasumaspectodomodocomoaradiaçãointeragiacomumcorponegro?Afinal,gotasdeumatorneiraformamumasequênciadequanta aquoso, mas fundem-se com o restante da água e perdem sua identidade individual assim quecaemnapia.

OefeitofotoelétricoOpróximoavançofoifeitoporumjovemcomtempodesobraenquantotrabalhavacomoespecialista

técnicodeterceiraclassenoescritóriodepatentesemBerna.SeunomeeraAlbertEinstein.Em1905,oannusmirabilisdeEinstein,ele fez trêsdescobertas fundamentais.Umadelasacabousendoopróximopasso no desdobramento da história da teoria quântica. Einstein pensou sobre as propriedadesenigmáticasquevieramà tonacomas investigações sobreoefeito fotoelétrico [2].Esseéo fenômenopelo qual um feixe de luz ejeta elétrons de dentro de um metal. Os metais contêm elétrons que sãocapazesde semoveremseu interior (seu fluxoéoquegeraumacorrenteelétrica),masquenão têmenergia suficiente para escapar completamente do metal. Que o efeito fotoelétrico acontecia não erasurpresa alguma. A radiação transfere energia para os elétrons aprisionados dentro do metal e, se oganhoforsuficiente,umelétronconsegueescapardasforçasqueoconfinam.Emumtipoderaciocínioclássico,oselétronsseriamagitadospelo“marulho”dasondasdeluz,ealgunspoderiamserperturbadosobastanteparaselivrardometal.Segundoessarepresentação,ograuemqueissoaconteciadependeriadaintensidadedofeixe,umavezquedeterminavaseuconteúdoenergético,masnãoerapossívelprevernenhumadependênciaparticulardafrequênciadaluzincidente.Naprática,osexperimentosmostravamumcomportamentoexatamenteoposto.Abaixodeumadeterminadafrequênciacrítica,nãohaviaemissãodeelétrons,pormais intensoqueo feixe fosse;acimadessa frequência,mesmoumfeixe fracopoderiaejetaralgunselétrons.

Einstein viu esse comportamento intrigante tornar-se instantaneamente inteligível se o feixe de luzfosseconsideradoumacorrentedequantapersistente.Umelétronseriaejetadoporqueumdessesquantacolidiracomele,abrindomãodetodaasuaenergia.Aquantidadedeenergianessequantum,segundoPlanck, era diretamente proporcional à frequência. Se a frequência fosse baixa demais, não haveriaenergiatransferidaemumacolisãoparapermitirqueoelétronescapasse.Poroutrolado,seafrequênciaexcedesse um determinado valor crítico, haveria energia suficiente para que o elétron conseguisseescapar. A intensidade do feixe simplesmente determinava quantos quanta ele continha e, portanto,quantoselétronsestavamenvolvidosemcolisõeseeramejetados.Oaumentodaintensidadenãopoderiaalteraraenergiatransferidaemumaúnicacolisão.Levandoasérioaexistênciadosquantadeluz (elesvieram a ser chamados de “fótons”), seria possível explicar o mistério do efeito fotoelétrico. O jovem

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Einstein fizera uma descoberta crucial. Na verdade, ele acabou recebendo o Prêmio Nobel por ela. Aacademia sueca presumivelmente considerou suas outras duas grandes descobertas de 1905 – arelatividadeespecialeumademonstraçãoconvincentedarealidadedasmoléculas–aindaespeculativasdemaisparaserrecompensadodetalforma!

Aanálisequânticadoefeito fotoelétrico foi umagrande vitóriada física,mas assemelhava-se aumavitóriapírrica.Otemaagorapassavaporumagravecrise.ComotodasaquelasbrilhantespercepçõesdoséculoXIX sobreanaturezaondulatóriada luz seriamconciliadascomessasnovas ideias?Afinal,umaondaéalgoespalhado,suspenso,enquantoumquantumésemelhanteaumapartícula,umtipodeprojétilpequeno. Como seria possível que as duas fossem verdadeiras? Durante muito tempo, os físicossimplesmente tiveram de viver com o paradoxo desconfortável da natureza onda/partícula da luz. NãoteriahavidoprogressonatentativadenegarasdescobertasdeYoungeMaxwelloudePlanckeEinstein.As pessoas tinham que se agarrar à experiência com a ponta dos dedos intelectuais, mesmo que nãoconseguissemcompreendê-la.Parecequemuitosatingiramissopormeiodatáticaumtantocovardededesviaroolhar.Comotempo,noentanto,veremosqueahistóriateveumfinalfeliz.

OátomonuclearEnquantoisso,aatençãovoltou-sedaluzparaosátomos.EmManchester,em1911,ErnestRutherford

ealgunscolaboradoresmais jovenscomeçaramaestudarcomoalgunsprojéteispequenosecomcargapositiva, chamados de partículas α, comportavam-se ao se chocar com uma lâmina delgada de ouro.Muitas partículas α conseguiam atravessá-la sendo pouco afetadas; porém, para grande surpresa dosinvestigadores,algumaseramdefletidasdemodoconsiderável.Rutherforddissemaistardequeeratãosurpreendente como se um projétil de navio de guerra com quinze polegadas tivesse retrocedido aoatingir um lenço de papel. O modelo atômico de pudim de passas não evidenciava o sentido desseresultado. As partículas α deveriam ter passado como um projétil atravessa um bolo. Rutherfordrapidamenteviuquehaviaapenasumamaneiraderesolveressedilema.Acargapositivadosátomosdeouro,querepeliriaaspartículasαpositivas,nãopoderiaespalhar-secomoemum“pudim”,masdeveriaestar concentrada no centro do átomo. Um encontro mais próximo com essa carga concentradaconseguiriadefletirumapartículaαdemaneirasubstancial.ConsultandoumantigolivrodemecânicadesuaépocadeestudanteuniversitárionaNovaZelândia,Rutherford–umfísicoexperimentalmaravilhosoquenãoeragrandecoisaemmatemática–pôdedemonstrarqueessaideia,deumacargacentralpositivano átomo orbitada por elétrons negativos, adequava-se com perfeição ao comportamento observado. Omodelodepudimdepassasimediatamentecedeulugaraomodeloatômicodo“sistemasolar”.Rutherfordeseuscolegashaviamdescobertoonúcleoatômico.

Isso foiumenormesucesso,masparecia,àprimeiravista,maisumavitóriadePirro.Naverdade,adescobertadonúcleoconduziuafísicaclássicaàsuacrisemaisprofundaatéentão.Seoselétronsemumátomo estão circundando o núcleo, estão continuamente mudando seu sentido de movimento. A teoriaeletromagnéticaclássicaexigeque,nesseprocesso,elesirradiempartedesuaenergia.Comoresultado,devem mover-se de forma constante mais próximo ao núcleo. Essa é uma conclusão verdadeiramentedesastrosa,pois implicaqueosátomosseriam instáveis, jáqueseuselétronscomponentesespiralavamatéocolapsoemdireçãoaocentro.Alémdisso,nodecorrerdessadesintegração,seriaemitidoumpadrãocontínuoderadiaçãoqueemnadasepareciacomasfrequênciasespectraisagudasdafórmuladeBalmer.Depoisde1911,ograndiosoedifíciodafísicaclássicanãoestavasócomeçandoarachar.Pareciatersidoatingidoporumterremoto.

OátomodeBohrNoentanto,assimcomoocorreucomPlanckeacatástrofeultravioleta,haviaumfísicoteóricoàmão

paraviraoresgateearrebatarosucessodasmandíbulasdofracassoaoproporumanovahipóteseousadae radical. Dessa vez, foi um jovem dinamarquês chamado Niels Bohr, que estava trabalhando naManchesterdeRutherford.Em1913,Bohr fezumaproposta revolucionária [3].A ideia clássicadeumprocessosuaveemqueaenergiavertidaparadentroeparaforadeumcorponegrofoisubstituidaporPlanckpelanoçãodeumprocessopontuadoemqueaenergiaéemitidaouabsorvidacomoquanta.Emtermosmatemáticos, isso significavaqueumaquantidade comoaenergia trocada,quepreviamente se

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pensava obter qualquer valor possível, agora era considerada capaz de assumir apenas uma série devalores agudos (1, 2, 3, ... pacotes envolvidos).Osmatemáticosdiriamqueo contínuo fora substituídopelodiscreto.Bohrviaqueissopoderiaserumatendênciabastantegeralaonovotipodefísicaqueestavanascendolentamente.EleaplicouaosátomosprincípiossemelhantesquePlanckaplicaraàradiação.Umfísicoclássicoteriasupostoqueoselétronscircundandoumnúcleopoderiamfazerissoemórbitascujosraiosconseguiriamassumirqualquervalor.Bohrpropôsasubstituiçãodessapossibilidadecontínuapelaexigênciadiscretadequeos raiospudessemassumir somenteumasériedevaloresdistintosque fossepossívelenumerar(primeiro,segundo,terceiro...).Eletambémfezumasugestãodefinitivadecomoessespossíveis raios eram determinados, usando uma prescrição que envolvia a constante h de Planck. (Aproposta relacionava-se ao momentum angular, uma medida do movimento rotatório do elétron que émensuradanasmesmasunidadesfísicasqueh.)

Duas consequências seguiam-se a essas propostas. Uma era a propriedade altamente desejável derestabeleceraestabilidadedosátomos.Umavezqueumelétronestivessenoestadocorrespondenteaomenorraiopermitido(quetambémeraoestadodeenergiamaisbaixa),elenãotinhalugaralgumparaire,portanto,nenhumaenergiaadicionalpoderiaserperdida.Oelétronpoderiaterchegadoaesseestadomaisbaixoperdendoenergiaàmedidaquesemoviadeumestadoderaiomaisalto.Bohrpresumiuque,quandoissoacontecesse,aenergiaexcedenteseriairradiadacomoumúnicofóton.Oscálculosrealizadosdemonstraram que essa ideia levava objetivamente à segunda consequência da corajosa conjectura deBohr: a previsãoda fórmuladeBalmer para linhas espectrais. Após quase trinta anos, essa misteriosaprescrição numérica deixou de ser uma excentricidade inexplicável para se tornar uma propriedadeinteligível da nova teoria dos átomos. A agudeza das linhas espectrais foi vista como um reflexo dadescontinuidadequeestavacomeçandoaserreconhecidacomoumtraçocaracterísticodopensamentoquântico. O movimento espiral contínuo que teria sido esperado com base na física clássica forasubstituídoporumsaltoquânticofortementedescontínuodeumaórbitadeumraiopermitidoparaumaórbitadeumraiopermitidomenor.

OátomodeBohrfoiumgrandetriunfo.Porém,elesurgiradeumatodeexperimentaçãoinspiradacomoqueaindaera,emmuitosaspectos,afísicaclássica.OtrabalhopioneirodeBohrera,narealidade,umconsertosubstancial,umremendosobreoedifíciofragmentadodafísicaclássica.Tentativasdeestenderesses conceitos ainda mais logo começaram a enfrentar dificuldades e encontrar inconsistências. A“antigateoriaquântica”,comotaisesforçosvieramaserchamados,eraumacombinaçãoconstrangedoraenãoreconciliadadas ideiasclássicasdeNewtoneMaxwellcomasprescriçõesquânticasdePlanckeEinstein.OtrabalhodeBohr foiumpassocrucialnodesenrolardahistóriada físicaquântica,masnãopoderia ser mais do que uma área de encontro no caminho da “nova teoria quântica”, uma explicaçãocompletamenteintegradaeconsistentedessasestranhasideias.Antesqueelafosseatingida,haviaoutrofenômenoimportanteaserdescoberto,queenfatizavaaindamaisanecessidadeinevitáveldedarcontadoraciocínioquântico.

EspalhamentodeComptonEm 1923, o físico norte-americano Arthur Compton investigou o espalhamento de raios X (radiação

eletromagnética de alta frequência) de acordo com a matéria. Ele constatou que a radiação espalhadatinha sua frequência alterada.Emuma representaçãode onda, issonãopoderia ser entendido.Aquelaconstataçãoimplicavaqueoprocessodeespalhamentoocorriaporqueoselétronspresentesnosátomosabsorviam e reemitiam energia das ondas incidentes e que isso aconteceria sem uma mudança defrequência. Em uma representação de fóton, o resultado poderia ser facilmente compreendido. O queestariaenvolvidoseriaumacolisãodotipo“boladebilhar”entreumelétroneumfótone,nocursodisso,o fóton perderia parte de sua energia para o elétron. Segundo a prescrição de Planck, mudança deenergia é o mesmo que mudança de frequência. Assim, Compton pôde elaborar uma explicaçãoquantitativa para suas observações, fornecendo, com isso, a evidência até então mais persuasiva dacaracterísticacorpusculardaradiaçãoeletromagnética.

As perplexidades às quais a sequência de descobertas discutidas neste capítulo deu origem nãoficariammuitotemposemserabordadas.DoisanosapósotrabalhodeCompton,oprogressoteóricodeumtiposubstancialeduradouroacabousendofeito.Aluzdanovateoriaquânticacomeçavaadespontar.

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1Asindicaçõesnuméricasentrecolchetesreferem-seaoApêndicematemáticonap.116.

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CAPÍTULO2ONASCERDALUZ

OsanosseguintesàpropostapioneiradeMaxPlanckforamumaépocadeconfusãoeescuridãoparaacomunidadefísica.Aluzeraondas;aluzerapartículas.Modelostentadoramenteexitosos,comooátomodeBohr,traziamapromessadequeumanovateoriafísicaestavaprestesaacontecer,masaimposiçãoimperfeita desses remendos quânticos nas ruínas da física clássica mostrou que era preciso maisdiscernimento antes que uma representação consistente pudesse emergir. Quando, por fim, a luzdespontou,elaofezcomtodaasubitaneidadedeumaauroratropical.

Nosanosde1925e1926,ateoriaquânticamodernaalcançouseuplenodesenvolvimento.Essesannimirabilescontinuamsendoumepisódiodeenormesignificâncianamemóriafolclóricadacomunidadedafísicateórica,aindarecordadocomrespeito,apesardofatodequeamemóriavivanãotenhamaisacessoa esses tempos heroicos.Quando há agitações contemporâneas sobre aspectos fundamentais da teoriafísica,algumaspessoaspodemdizer:“Tenhoaimpressãodeque1925estáserepetindo”.Existeumtommelancólico presente nesse comentário. Como disse Wordsworth sobre a Revolução Francesa: “Eramaravilhoso,naquelamanhã,estarvivo,masser jovemeraopróprioparaíso!”.Defato,emboramuitosavançosimportantestenhamsidofeitosnosúltimos75anos,aindanãohouveumasegundavezemquearevisãoradicaldeprincípiosfísicostenhasidonecessárianamesmaescalaquepresenciouonascimentodateoriaquântica.

Dois homens em especial puseram a revolução quântica em marcha, produzindo novas ideiasespantosasquasesimultaneamente.

2.Aelitedateoriaquântica:ConferênciadeSolvay,1927.

MecânicamatricialUmdeleseraum jovemteóricoalemão,WernerHeisenberg.Elevinha trabalhandoparaentenderos

detalhes dos espectros atômicos. A espectroscopia desempenhara uma importantíssima função nodesenvolvimento da física moderna. Um motivo para isso foi que as técnicas experimentais para amedição das frequências de linhas espectrais são capazes de grande refinamento, gerando resultadosmuitoexatos,osquaispropõemproblemasespecíficosparaos teóricosatacarem.Jávimosumexemplosimplesnocasodoespectrodohidrogênio,coma fórmuladeBalmereaexplicaçãodadaporBohrem

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termos de seumodelo atômico. As coisas ficarammais complicadas desde então, eHeisenberg estavainteressadoemumataquemuitomaisamploeambiciosodaspropriedadesespectraisemtermosgerais.EnquantoserecuperavaemHeligoland,umailhadoMardoNorte,deumacrisegravedefebredofeno,ele fez sua grande descoberta. Os cálculos pareciam bastante complexos, porém, quando o pó damatemática assentava, ficava evidente que o que estava envolvido era a manipulação de entidadesmatemáticas chamadas de matrizes (arranjos de números que se multiplicam juntos de uma maneiraespecífica). Logo, a descoberta de Heisenberg ficou conhecida como mecânica matricial. As ideiassubjacentesreaparecerãoumpoucomaistardedeformaaindamaisgeral.Porenquanto,vamosapenasobservar que as matrizes diferem de simples números porque, via de regra, elas não comutam. Issoequivaleadizerque,seAeBsãoduasmatrizes,oprodutoABeoprodutoBAnãosãoomesmo.Aordemdamultiplicaçãoimporta,diferentementedoqueacontececomosnúmeros,nosquaisdoismultiplicadosportrêsetrêsmultiplicadospordoisequivalemaseis.Aoqueseconstatou,essapropriedadematemáticadas matrizes tem um importante significado físico conectado com quais quantidades poderiam sermedidas simultaneamente na mecânica quântica. [No item 4 do Apêndice matemático, há umageneralização matemática que se mostrou necessária para o completo desenvolvimento da teoriaquântica.]

Em1925,asmatrizeseramtãomatematicamenteexóticasparaumfísicoteóricomédiocomopodemserhojeparaoleitormédionãomatemáticodestelivro.Muitomaisconhecidadosfísicosdaquelaépocaeraamatemáticaassociadaaomovimentodeondas(envolvendoequaçõesdiferenciaisparciais).Usavam-se técnicasqueerampadrãona físicaclássicado tipoqueMaxwelldesenvolvera.SeguindodepertoadescobertadeHeisenberg,haviaumaversãodateoriaquânticacomaparênciabemdistinta,baseadanamatemáticamuitomaissimpáticadasequaçõesdeonda.

MecânicaondulatóriaDemodobastanteadequado,essasegundarepresentaçãodateoriaquânticaerachamadademecânica

ondulatória.EmborasuaversãocompletamentedesenvolvidatenhasidodescobertapelofísicoaustríacoErwinSchrödinger,ummovimentonadireçãocertaforafeitoumpoucoantesnotrabalhodeumjovemaristocratafrancês,oPríncipeLouisdeBroglie[5].Estefezaousadasugestãodeque,sealuzondulantetambémmostravapropriedadescorpusculares,talvez,demodocorrespondente,pudéssemosesperarquepartículas como os elétrons manifestassem propriedades corpusculares. De Broglie pôde moldar essaideia em termos quantitativos com a generalização da fórmula de Planck, que tornara a propriedadecorpuscular da energia proporcional à propriedade ondulatória da frequência. De Broglie sugeriu queoutra propriedade corpuscular, o momentum (uma quantidade física significativa, bem-definida eaproximadamentecorrespondenteàquantidadedomovimentopersistentedeumapartícula),deveriaseranalogamente relacionada à outra propriedade corpuscular, o comprimento de onda, com a constanteuniversal dePlanck sendo novamente a constante relevante de proporcionalidade. Essas equivalênciasgeraram um tipo deminidicionário para traduzir de partículas para ondas, e vice-versa. Em 1924, DeBroglie esquematizou essas ideias em sua tese de doutorado.As autoridades daUniversidade deParisficaramdesconfiadasdessasnoçõesheterodoxas,masfelizmenteconsultaramEinstein.Elereconheceuagenialidadedo jovemeo títuloacadêmico foi-lheconcedido.Emalgunsanos,experimentosconduzidosporDavissoneGermer,nosEstadosUnidos,eporGeorgeThomson,naInglaterra,puderamdemonstraraexistência de padrões de interferência quando um feixe de elétrons interagia com uma estruturacristalina, confirmando que os elétrons de fato manifestavam comportamento ondulatório. Louis deBroglierecebeuoPrêmioNobeldefísicaem1929.(GeorgeThomsonerafilhodeJ.J.Thomson.Costuma-se dizer que o pai ganhou o PrêmioNobel por demonstrar que o elétron é uma partícula, enquanto oPrêmioNobelfoidadoaofilhopormostrarqueoelétronéumaonda.)

AsideiasqueDeBrogliedesenvolveuerambaseadasnadiscussãodaspropriedadesdepartículasemlivre movimento. Para atingir uma teoria inteiramente dinâmica, uma generalização adicional serianecessáriaparapermitiraincorporaçãodeinterações.EsseéoproblemaqueSchrödingerteveêxitoemresolver.Noiníciode1926,elepublicouafamosaequaçãoqueagorarecebeoseunome[6].Ocaminhoparaessadescobertafoiainvestigaçãodeumaanalogiaretiradadaóptica.

Emboraos físicosdoséculoXIXpensassemna luzcomosendocompostadeondas,elesnemsempre

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usavam as maduras técnicas de cálculos do movimento ondulatório para calcular o que estavaacontecendo.Seocomprimentodeondadaluzerapequenoemcomparaçãoàsdimensõesquedefiniamoproblema, era possível empregar ummétodo mais simples no geral. Essa era a abordagem da ópticageométrica,que tratavaa luz como se propagando em raios de linha reta, os quais eram refletidos ourefratados de acordo com regras simples. Os cálculos da escola de física de sistemas elementares delentes e espelhos são realizados hoje exatamente da mesma forma, sem se preocupar com ascomplexidadesdeumaequaçãodeondas.Asimplicidadedaópticaderaiosaplicadaàluzésemelhanteàsimplicidade do desenho de trajetórias namecânica de partículas. Se estamostrasse ser apenas umaaproximação de uma mecânica ondulatória subjacente, Schrödinger argumentava que essa mecânicaondulatóriapoderiaserdescobertarevertendo-seotipodeconsideraçõesquehaviamconduzidodaópticadeondasparaaópticageométrica.Assim,eledescobriuaequaçãodeSchrödinger.

SchrödingerpublicousuasideiassomentealgunsmesesapósHeisenbergterapresentadosuateoriadamecânicamatricialparaa comunidadeda física.Naquelaépoca,Schrödinger tinha38anos,dandoumcontraexemploimpressionantedaafirmação,àsvezesfeitapornãocientistas,dequeosfísicosteóricosfazem seu trabalho verdadeiramente original antes dos 25. A equação de Schrödinger é a equaçãodinâmicafundamentaldateoriaquântica.Éumtipobemdiretodeequaçãodiferencialparcial,daquelasqueeramconhecidasdos físicosnaquele tempoeparaasquaiseles tinhamumabateria formidáveldetécnicasdesoluçãomatemática.Eramuitomaisfácildeusardoqueosmétodosmatriciaisrecém-criadosporHeisenberg. Ao mesmo tempo, as pessoas podiam pôr mãos à obra aplicando essas ideias a umavariedadedeproblemasfísicosespecíficos.OpróprioSchrödingerconseguiuderivarafórmuladeBalmerdesuaequaçãoparaoespectrodohidrogênio.EssecálculomostroucomoBohrestivera tãopróximo–mas também tão distante – da verdade na reformulação inspirada da antiga teoria quântica. (Omomentumangulareraimportante,porémnãoexatamentedamaneiraqueBohrhaviaproposto.)

MecânicaquânticaEstavaclaroqueHeisenbergeSchrödingerfizeramavançosesplêndidos.Aindaassim,àprimeiravista,

o modo como eles apresentaram suas novas ideias pareceu tão diferente que não estava evidente sehaviam feito amesma descoberta, expressa demaneira distinta, ou se havia duas propostas rivais namesa [vejaadiscussãono item10doApêndice].Seguiu-seum importante trabalhodeesclarecimento,paraoqualMaxBorn,emGöttingen,ePaulDirac,emCambridge, fizeramcontribuiçõesespecialmentesignificativas.Logoficouestabelecidoquehaviaumaúnicateoriabaseadaemprincípiosgeraiscomuns,cuja articulação matemática poderia assumir uma variedade de formas equivalentes. Esses princípiosgerais acabarampor ser expostosdemodomais transparentenosPrincípios demecânicaquântica, deDirac,publicadopelaprimeiravezem1930eumdosclássicosintelectuaisdoséculoXX.Oprefáciodaprimeiraediçãocomeçacomoenunciadofalsamentesimples:“Osmétodosdoprogressonateoriafísicapassaramporumaenormemudançaduranteoséculoatual”.Devemosagoraconsiderararepresentaçãotransformadadanaturezadomundofísicoqueessaenormemudançaintroduzira.

Aprendimecânicaquânticadiretodafonte,porassimdizer,poisparticipeidofamosocursosobreteoriaquântica que Dirac ministrou em Cambridge por um período de mais de trinta anos. Entre osparticipantes,haviagraduandosdoúltimoano,comoeu,etambémvisitantesgraduadosqueacreditavam,comrazão,serumprivilégioouvirahistórianovamente,pormaisconhecidaquepudesseserparaelesemlinhasgerais, dabocadohomemque foraumde seusmaioresprotagonistas.Aspalestras seguiamdepertoopadrãodolivrodeDirac.Umacaracterísticaimpressionanteeraafaltatotaldeênfasedapartedopalestrantesobreoqueforasuaconsiderávelcontribuiçãopessoalaessasgrandesdescobertas.Jáfaleisobre Dirac como um tipo de santo científico, sobre a pureza de sua mente e a simplicidade de seuobjetivo.Aspalestrascativavamporsuaclarezaepelomajestosodesdobramentodeseuargumento,tãosatisfatórioeaparentementeinevitávelcomoodesenvolvimentodeumafugadeBach.Elaseramprivadasdequalquertipodetruqueretórico,maspróximoaoinícioDiracpermitia-seumgestolevementeteatral.

Elepegavaumpedaçodegizeoquebravaemdois.Posicionandoumfragmentoemumladodopúlpitoeooutrono ladooposto,Diracdiziaqueclassicamenteexisteumestadoemqueopedaçodegizestá“aqui” e outro em que o pedaço de giz está “lá”, e essas são as duas únicas possibilidades. Porém,substituaogizporumelétrone,nomundoquântico,nãoháapenasestadosde“aqui”e“lá”,masuma

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vastaquantidadedeoutrosestadosquesãomisturasdessaspossibilidades–umpoucode“aqui”eoutrotanto de “lá”, todos juntos. A teoria quântica permite amistura de estados que classicamente seriamexcludentesentre si.Éessapossibilidadecontraintuitivadeadiçãoquedistingueomundoquânticodomundo cotidiano da física clássica [7]. No jargão profissional, essa nova possibilidade é chamada deprincípiodasobreposição.

FendasduplasesobreposiçãoAsconsequênciasradicaisqueseseguemàpressuposiçãodesobreposiçãoestãobem-ilustradaspelo

quesechamadeexperimentodafendadupla.RichardFeynman,oespirituosofísicoganhadordoPrêmioNobelqueatraiuaimaginaçãopopularcomseuslivroscomhistóriasengraçadas,umavezdescreveuessefenômenocomoestandono“coraçãodamecânicaquântica”.Eleconsideravaqueeraprecisoengolirateoriaquânticacomoumtodo,semsepreocuparcomogostonemseseriapossíveldigeri-la.Issopoderiaserfeitoengolindo-seoexperimentodafendadupla,pois

Narealidade,elecontémoúnicomistério.Nãopodemosfazeromistériodesaparecer“explicando”comoelefunciona.Vamosapenasdizercomoelefunciona.Aodizercomoelefunciona,aspeculiaridadesbásicasdetodaamecânicaquânticaserãoditas.

Após essa introdução, o leitor certamente gostará de sabermais sobre esse intrigante fenômeno.Oexperimento envolve uma fonte de entidades quânticas, digamos um bombardeador de elétrons quedisparaumfeixecontínuodepartículas.Essaspartículascolidemcomumatelaemqueháduasfendas,AeB.Depoisdatelacomasfendas,háumateladedetecçãoquepoderegistrarachegadadoselétrons.Pode ser uma grande placa fotográfica sobre a qual o elétron incidente fará umamarca. O índice dedistribuição do bombardeador de elétrons é ajustado para que haja somente um único elétronatravessandooaparatodecadavez.Depoisobservamosoqueacontece.

Os elétrons chegam à tela de detecção um a um, e para cada um deles vemos uma marcacorrespondentequeregistraseupontodeimpacto.Issoexpressaocomportamentoindividualdoelétronem um modo corpuscular. No entanto, quando um grande número de marcas se acumula na tela dedetecção,verificamosqueopadrãocoletivocriadoporelasdemonstraaconhecidaformadeumefeitodeinterferência.

Háumpontointensamenteescuronatelaopostaaopontomédioentreasduasfendas,correspondenteàlocalizaçãonaqualomaiornúmerodemarcasdeelétronsfoidepositado.Emqualquerladodessafaixacentral,existemfaixasalternadamenteclarasereduzidamenteescuras,quecorrespondemànãochegadae chegada de elétrons nessas posições, respectivamente. Esse padrão de difração (como os físicoschamamtaisefeitosde interferência)éumaassinatura inconfundíveldeelétronsquesecomportamdemodoondulatório.

3.Oexperimentodafendadupla.

Ofenômenoéumbeloexemplodadualidadeonda/partículadoelétron.Oselétronsquechegamumaum têm comportamento corpuscular; o padrão de interferência coletivo resultante é comportamentoondulatório.Contudo,háalgomuitomaisinteressantedoqueissoaserdito.Podemosirumpoucomaisa

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fundonessaquestãofazendoaseguintepergunta:quandoumúnicoelétronindivisívelestáatravessandooaparato,atravésdequal fendaelepassaparachegarà teladedetecção?Vamossuporqueele tenhapassadopelafendasuperior,A.Seesseforocaso,afendainferiorBseriarealmenteirrelevanteepoderiaatésertemporariamentefechada.Porém,somentecomAaberta,oelétronprovavelmentenãochegariaaopontomédiodateladistante;pelocontrário,seriamaisprovávelqueeleacabassenopontoemfrenteaA.Jáqueessenãoéocaso,concluímosqueoelétronnãopoderiaterpassadoporA.Virandooargumentodoavesso, concluímos que o elétron também não poderia ter passado por B. O que, então, estavaacontecendo?Aquelegrandeebomhomem,SherlockHolmes,gostavadedizerque,quandoseeliminouoimpossível, tudo o que restar tem fundamento, pormais improvável que pareça ser. A aplicação desseprincípio holmesiano nos leva à conclusão de que o elétron indivisível passou pelas duas fendas. Emtermos de intuição clássica, essa é uma conclusão sem sentido. Todavia, em termos do princípio dasobreposição da teoria quântica, ela faz sentido. O estado de movimento do elétron foi a adição dosestados(passandoporA)e(passandoporB).

Oprincípiodasobreposiçãoimplicaduascaracterísticasgeraisdateoriaquântica.Aprimeiraéquenãoémaispossívelformarumarepresentaçãoclaradoqueestáacontecendonodecorrerdoprocessofísico.Vivendo como nós no mundo (clássico) cotidiano, é impossível visualizar uma partícula indivisívelpassandoporambasasfendas.Asegundacaracterísticaéquenãoémaispossívelprevercomexatidãooqueaconteceráquandofizermosumaobservação.Suponhaquemodificássemosoexperimentodafendaduplacolocandoumdetectorpróximoacadaumadasfendas,demodoquefossepossíveldeterminarporqual fendaoelétronpassou.Acontecequeessamodificaçãodoexperimentotrariaduasconsequências.Umadelaséque,algumasvezes,oelétronseriadetectadopróximoà fendaAe,emoutras,próximoàfenda B. Seria impossível prever onde ele seria encontrado em qualquer ocasião em especial, mas,duranteumalongasériedetestes,asprobabilidadesrelativasassociadasàsduasfendasseriamde50-50.Issoilustraacaracterísticageraldeque,nateoriaquântica,asprevisõesdosresultadosdamensuraçãosãoestatísticaspornatureza,enãodeterministas.Ateoriaquânticalidacomprobabilidades,enãocomcertezas. A outra consequência dessa modificação do experimento seria a destruição do padrão deinterferência na tela final. Os elétrons não tenderiam mais ao ponto médio da tela de detecção, masseriamdivididosigualmenteentreosquechegassememfrenteaAeosquechegassememfrenteaB.Emoutras palavras, o comportamento encontrado depende do que se está procurando. Uma perguntacorpuscular (qual fenda?) dá umadeterminada resposta corpuscular; umaquestão ondulatória (apenassobreopadrãoacumuladofinalnateladedetecção)recebeumarespostaondulatória.

ProbabilidadesFoiMaxBorn,emGöttingen,quempelaprimeiravezenfatizouclaramenteanaturezaprobabilísticada

teoriaquântica,umarealizaçãopelaqualelereceberiaseumerecidoPrêmioNobelsomenteem1954.Oadventodamecânicaondulatóriasuscitouaconhecidaquestão:ondasdequê?Inicialmente,haviaalgumadisposição para supor que poderia tratar-se de uma questão de ondas dematéria, demodo que era opróprio elétron que estava espalhado dessa forma ondulatória. Born logo percebeu que essa ideia nãofuncionava, porque não dava conta de propriedades corpusculares. Em vez disso, eram ondas deprobabilidade que a equação de Schrödinger descrevia. Esse desenvolvimento não agradou a todos ospioneiros, pois muitos retiveram intensamente os instintos deterministas da física clássica. Tanto DeBroglie quanto Schrödinger ficaram desiludidos com a física quântica quando se depararam com suanaturezaprobabilística.

A interpretação de probabilidades implicava que as mensurações devem ser ocasiões de mudançainstantâneaedescontínua.Seumelétronestavaemumestadocomprobabilidadedispersa“aqui”,“lá”e,talvez,“emtodolugar”,quandosuaposiçãofoimedidaeconstatou-seque,nessaocasião,estava“aqui”,entãoadistribuiçãodeprobabilidade tevequesubitamentemudar, ficandoconcentradaunicamentenaposiçãorealmentemedida–“aqui”.Comoadistribuiçãodeprobabilidadedevesercalculadacomafunçãode onda, esta também deve mudar descontinuamente, um comportamento que a própria equação deSchrödingernão implicava.Essefenômenodesúbitamudança,chamadodecolapsodopacotedeonda,eraumacondiçãoextraquetinhaqueser impostade forasobrea teoria.Veremosnopróximocapítuloque o processo demensuração continua a originar perplexidades sobre como entender e interpretar a

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teoriaquântica.EmalguémcomoSchrödinger,aquestãoevocavamaisdoqueperplexidade.Elaoenchiadeaversão,eofísicochegouadizerque,sesoubessequesuasideiasteriamlevadoaesse“malditosaltoquântico”,elenãoteriadesejadodescobriressaequação!

Observáveis(Aviso ao leitor: esta seção inclui algumas ideias matemáticas simples que valem o esforço de ser

entendidas,mascujadigestãoexigiráalgumaconcentração.Estaéaúnicaseçãodotextoprincipalquearriscaumencontrofurtivocomamatemática.Lamentoqueessadificuldadesejainevitávelparaosnãomatemáticos.)

Afísicaclássicadescreveummundoqueéclaroedeterminado.Afísicaquânticadescreveummundoqueénebulosoeintermitente.Emtermosdoformalismo(aexpressãomatemáticadateoria),vimosqueessas propriedades surgem do fato de que o princípio da sobreposição quântica permite amistura deestados que, na forma clássica, seriam estritamente imiscíveis. Esse simples princípio de aditividadecontraintuitivaencontraumaformanaturaldeexpressãomatemáticaemtermosdoschamadosespaçosvetoriais[7].

Umvetornoespaçoordináriopodeserimaginadocomoumaseta,algodedeterminadocomprimentoapontandoemdeterminadadireção.Assetaspodemseradicionadassimplesmenteseguindoumaàoutra.Porexemplo,quatromilhasnadireçãonorte, seguidade trêsmilhasnadireção leste resulta emcincomilhasemumadireção37°alestedonorte(vejaaFigura4).

Osmatemáticospodemgeneralizaressas ideiasparaespaçoscomqualquernúmerodedimensões.Apropriedadebásicaquetodososvetorestêméquepodemseradicionados.Assim,elesrepresentamumacontrapartematemáticanaturalaoprincípioda sobreposiçãoquântica.Nãoprecisamosnosocupardosdetalhesaqui,mas,comosempreébomestaràvontadecoma terminologia,valeapenadestacarqueuma maneira especialmente sofisticada de espaço vetorial, chamada de espaço de Hilbert, oferece oveículomatemáticodeescolhaparaateoriaquântica.

Até então, a discussão se concentrou em estados de movimento. Pode-se pensar neles surgindo demodos específicos de preparar o material inicial para um experimento: disparar elétrons de umbombardeador de elétrons; passar luz por um determinado sistema óptico; defletir partículas por umconjuntoespecialdecamposelétricosemagnéticos,eassimpordiante.Pode-sepensarnoestadocomosendo “qual é o caso” para o sistemaque foi preparado, embora a incapacidadede representaçãoporimagensdateoriaquânticasignifiquequeesseassuntonãoserátãoclaroeobjetivocomooserianafísicaclássica. Se o físico quiser saber algo com maior precisão (onde exatamente está o elétron?), seránecessário fazerumaobservaçãoenvolvendouma intervençãoexperimentalnosistema.Porexemplo,oinvestigador pode querer mensurar alguma quantidade dinâmica em especial, como a posição ou omomentumdeumelétron.Surge,então,aquestãoformal:seoestadoérepresentadoporumvetor,comoos observáveis que podem ser medidos devem ser representados? A resposta se dá em termos deoperadoresqueatuamnoespaçodeHilbert.Assim,oesquemaqueligaoformalismomatemáticoàfísicaincluiaespecificaçãodequevetorescorrespondemaestadosedequaisoperadorescorrespondemaosobserváveis[8].

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4.Adiçãodevetores.

A ideiageraldeumoperadorédequeeleéalgoque transformaumestadoemoutro.Umexemplosimples é dado por operadores de rotação. No espaço comum tridimensional, uma rotação de 90° navertical(nosentidodeumachavedefendapeladireita)transformaumvetor(pensenelecomosefosseuma seta) apontando para o leste em um vetor (seta) que aponta para o norte. Uma importantepropriedadedosoperadoreséquegeralmentenãocomutamentresi,ouseja,aordememqueatuamésignificativa. Considere dois operadores: R1, uma rotação de 90° na vertical; R2, uma rotação de 90°(novamente pela direita) sobre um eixo horizontal que aponta para o norte. Aplique-os na ordem R1

seguidodeR2 emumasetaapontandoparao leste.R1 transforma issoemumasetaapontandoparaonorte, que não é alterada por R2. Representamos as duas operações realizadas nessa ordem como oprodutoR2.R1,umavezqueosoperadores,comohebraicoearamaico,sãosemprelidosdadireitaparaaesquerda.Aaplicaçãodosoperadoresnaordemcontráriaprimeiroalteraasetavoltadaparaolesteparaumasetaqueapontaparabaixo(efeitodeR2),queentãoficainalterada(efeitodeR1).ComoR2.R1acabaficandocomumasetavoltadaparaonorteeR1.R2 ficacomumasetaapontandoparabaixo,essesdoisprodutossãobastantedistintosentresi.Aordemimporta–asrotaçõesnãocomutam.

Osmatemáticos reconhecerãoqueasmatrizes tambémpodemser consideradasoperadores, eanãocomutabilidadedasmatrizes queHeisenberg usou é outro exemplo específico dessa propriedade geraldosoperadores.

Tudo isso parece um tanto abstrato, mas a não comutabilidade se apresenta como a contrapartematemáticadeumaimportantepropriedadefísica.Paravercomoissoacontece,épreciso,emprimeirolugar, estabelecer comoo formalismodosoperadorespara observáveis está relacionado aos resultadosreais de experimentos. Os operadores são entidades matemáticas bastante sofisticadas, porém asmensuraçõessãosempreexpressascomonúmerosnãosofisticados,como,porexemplo,2,7unidadesdequalquer coisaquepossa ser. Se a teoria abstratapretendemostrar o sentidodas observações físicas,deve haver uma maneira de associar números (os resultados de observações) com operadores (oformalismomatemático).Felizmente,amatemáticaécapazdeenfrentaressedesafio.Asprincipaisideiassãoautovetoreseautovalores[8].

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5.Rotaçõesnãocomutativas.

Porvezes,umoperadorqueatuasobreumvetornãoalterasuadireção.Umexemploseriaumarotaçãosobre o eixo vertical, quemantém um vetor vertical completamente inalterado.Outro exemplo seria aoperaçãodesealongarnosentidovertical.Issonãomudariaadireçãodeumvetorvertical,masalterariaseu comprimento. Se o alongamento tem um efeito de duplicação, o comprimento do vetor vertical émultiplicadopordois.Emlinhasgerais,dizemosque,seumoperadorOtransformaumdeterminadovetorvemummúltiploλdesimesmo,entãovéumautovetordeOcomautovalorλ.Aideiabásicaéqueosautovalores(λ)oferecemummodomatemáticodeassociarnúmerosaumdeterminadooperador(O)eumestado específico (v). Os princípios gerais da teoria quântica incluem o ousado requisito de que umautovetor(tambémchamadodeautoestado)corresponderáfisicamenteaumestadoemqueamediçãodaquantidadeobservávelOcertamentedaráoresultadoλ.

Uma série de consequências significativas decorremdessa regra.Umaé o oposto, ou seja, comohámuitos vetores que não são autovetores, haverámuitos estados em que amensuração de O não daránenhumresultadoespecíficocomcerteza.(Matemáticaàparte,ébastantefácilverqueasobreposiçãodedoisautoestadosdeOcorrespondentesadiferentesautovaloresresultaráemumestadoquenãopodeserumsimplesautoestadodeO.)Portanto,amensuraçãodeOemestadosdesseúltimotiporesultaemumavariedade de diferentes respostas em diferentes eventos de mensuração. (A conhecida naturezaprobabilísticadateoriaquânticamanifesta-senovamente.)Qualquerquesejaoresultadoobtido,oestadoresultantedevecorresponderaele;issoequivaleadizerqueovetordeveseralteradoinstantaneamenteparasetornaroautovetoradequadodeO.Essaéaversãosofisticadadocolapsodopacotedeonda.

Outra consequência importante está relacionada a quais mensurações podem ser mutuamentecompatíveis,ouseja,feitasaomesmotempo.SuponhaquesejapossívelmedirO1eO2 simultaneamente,

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comresultadosλ1eλ2,respectivamente.Fazerissoemumaordemmultiplicaovetordeestadoporλ1edepoisporλ2,enquantoareversãodaordemdasobservaçõessimplesmentereverteaordememqueosλsmultiplicamovetordeestado.Comoosλssãoapenasnúmerosordinários,essaordemnãoimporta.IssoimplicaqueO2.O1eO1.O2atuandosobreovetordeestadotêmefeitosidênticos,demodoqueaordemdosoperadoresnãotemrelevância.Emoutraspalavras,mensuraçõessimultâneassópodemsermutuamentecompatíveisparaobserváveisquecorrespondamaoperadoresquecomutementresi.Ouseja,observáveisquenãocomutamnãoserãosimultaneamentemensuráveis.

Aqui,vemosanebulosidadecaracterísticadateoriaquânticasemanifestandomaisumavez.Nafísicaclássica,opesquisadorpodemedirqualquercoisaquedesejesemprequedesejarfazê-lo.Omundofísicoestá exposto à vista do olho do cientista, que tem o potencial de ver tudo. No mundo quântico, porcontraste, a visão do físico está parcialmente encoberta. Nosso acesso ao conhecimento de entidadesquânticaséepistemologicamentemaislimitadodoqueafísicaclássicahaviasuposto.

Nosso flertematemático com os espaços vetoriais está chegando ao fim. Qualquer leitor que estejamuitoconfusodevesimplesmenteseagarraraofatodeque,nateoriaquântica,apenasobserváveiscujosoperadorescomutamentresipodemsermedidossimultaneamente.

OprincípiodaincertezaOquetudoissosignificafoiconsideravelmenteesclarecidoporHeisenbergem1927quandoformulou

seu famosoprincípioda incerteza.Elepercebeuquea teoriadeveriaespecificaroqueelapermitiaserconhecidopormeiodemensuração.ApreocupaçãodeHeisenbergnãoeracomargumentosmatemáticosdotipoqueestivemosconsiderando,mascom“experimentosmentais”idealizadosquebuscavamexploraroconteúdofísicodamecânicaquântica.Umdessesexperimentosmentaisenvolviaaconsideraçãodoqueéchamadodemicroscópioderaiosgama.

Aideiaéencontrar,emprincípio,comqueexatidãosepodemensuraraposiçãoeomomentumdeumelétron.Segundoasregrasdamecânicaquântica,osoperadorescorrespondentesnãocomutam.Portanto,se a teoria realmente funciona, não deve ser possível saber os valores de posição e omomentum comprecisão arbitrária. Heisenberg queria entender, em termos físicos, por que isso acontecia. Vamoscomeçartentandomediraposiçãodoelétron.Emprincípio,umamaneiradefazerissoseriairradiarluzsobreoelétrone,aseguir,olharporummicroscópioparaverondeeleestá.(Lembre-sedequeestessãoexperimentos mentais.) Os instrumentos ópticos têm um poder de resolução limitado, que impõerestriçõessobreaexatidãocomqueosobjetospodemserlocalizados.Nãodáparafazermelhordoqueocomprimentodeondada luzsendousado.Éclaroqueumamaneiradeaumentaraprecisãoseriausarcomprimentosdeondamaiscurtos–queéondeentramosraiosgama,jáquesãoradiaçãodefrequênciamuitoalta(comprimentodeondacurto).Porém,esseestratagemaexigeumcusto,resultantedanaturezacorpuscular da radiação. Para que o elétron possa ser visto, ele deve defletir pelomenos um fóton nomicroscópio. A fórmula de Planck conclui que, quanto maior a frequência, mais energia aquele fótonestarácarregando.Comoconsequência,adiminuiçãodocomprimentodeondasujeitaoelétroncadavezmais pormeio de um distúrbio incontrolável de seumovimento através de sua colisão com o fóton. Adecorrênciadissoéqueseperdeprogressivamenteoconhecimentodequalseráomomentumdoelétronapósamensuraçãodeposição.Háumanegociaçãoinescapávelentreacrescenteexatidãodamensuraçãode posição e a decrescente precisão de conhecimento sobre o momentum. Esse fato está na base doprincípio de incerteza: não é possível ter conhecimento perfeito da posição e do momentumsimultaneamente[9].Emlinguagemmaiscoloquial,pode-sesaberondeoelétronestá,masnãooqueeleestáfazendo;oupode-sesaberoqueestáfazendosemsaberondeeleestá.Nomundoquântico,oqueofísicoclássicoconsiderariaconhecimentoparcialéomelhorquepodemosfazer.

Esse semiconhecimento é uma característica quântica. Os observáveis vêm em pares queepistemologicamente seexcluem.Umexemplodesse comportamentoencontradonocotidianopode serdadoem termosmusicais.Nãoépossível atribuirum instanteprecisoaquandoumanota foi tocadaesaberprecisamentequal foi seu tom. Issoocorreporqueadeterminaçãodo tomdeumanotarequeraanálisedafrequênciadosom,eissoexigeescutarumanotaporumperíodoqueduradiversasoscilaçõesantes de ser possível fazer uma estimativa exata. É a natureza ondulatória do som que impõe essarestrição e, se as questões de mensuração da teoria quântica forem discutidas do ponto de vista da

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mecânicaondulatória,consideraçõesexatamentesemelhanteslevamdevoltaaoprincípiodaincerteza.HáumainteressantehistóriahumanaportrásdadescobertadeHeisenberg.Naquelaépoca,eleestava

trabalhando no Instituto de Copenhague, cujo diretor era Niels Bohr. Bohr adorava discussõesintermináveis,eo jovemHeisenbergeraumdeseusparceirosdeconversa favoritos.Naverdade,apósalgum tempo, as ruminações infinitas de Bohr levaram seu colega mais jovem quase à distração.HeisenbergficoucontenteemaproveitaraoportunidadeoferecidapelaausênciadeBohr,queestavadefériasemumaestaçãodeesqui,paracontinuarseuprópriotrabalhoeconcluiroartigosobreoprincípiodaincerteza.Depoiseleosubmeteuàspressasparapublicaçãoantesqueseueminentechefevoltasse.Porém,quandoBohr retornou, ele detectou um erro queHeisenberg cometera. Felizmente, o erro eracorrigível,eacorreçãonãoafetavaoresultadofinal.Essepequenodeslizeenvolviaumerrosobreopoderde resolução de instrumentos ópticos. Acontece queHeisenberg já tivera problemas com esse assuntoantes.ElefezsuatesededoutoradoorientadoporArnoldSommerfeld,umdosprincipaisprotagonistasdaantiga teoria quântica. Brilhante como teórico, Heisenberg não se incomodou muito com o trabalhoexperimentalquetambémdeveriafazerpartedeseusestudos.OcolegadeexperimentosdeSommerfeld,WilhelmWien,observaraisso.Eleseressentiadaatitudearrogantedojovemedecidiutestá-lonaprovaoral: desafiou Heisenberg exatamente com uma exigência de derivar o poder de resolução deinstrumentos ópticos!Depois daprova,Wiendeclarouque esse lapso significavaqueHeisenbergseriareprovado.Sommerfeld,naturalmente(ecomrazão),argumentouafavordeumanotamáxima.Nofinal,eraprecisochegaraumtermocomum,eofuturoganhadordoPrêmioNobelrecebeuseudoutorado,mascomamenornotapossível.

AmplitudesdeprobabilidadeOmodocomoasprobabilidadessãocalculadasnateoriaquânticaocorreemtermosdoquesechamam

amplitudesdeprobabilidades.Umadiscussãocompletaseriamatematicamenteexigentedemais,mashádois aspectos envolvidos dos quais o leitor deve estar ciente. Um deles é que essas amplitudes sãonúmeroscomplexos,ouseja,envolvemnúmerosordináriosetambémi,araizquadrada“imaginária”de-1.Naverdade,osnúmeroscomplexossãoendêmicosnoformalismodateoriaquântica,porquefornecemumamaneiraconvenientederepresentarumaspectodeondasquefoireferidonoCapítulo1,duranteadiscussão de fenômenos de interferência. Vimos que a fase de ondas depende do fato de que doisconjuntosdeondasestejamemfaseouforadefase(ouqualquerpossibilidadeintermediáriaentreessasduas).Matematicamente,osnúmeroscomplexosoferecemummodoconvenienteenaturaldeexpressaressas“relaçõesdefase”.Noentanto,ateoriaprecisatomarcuidadoparagarantirqueosresultadosdasobservações(autovalores)nãosejamcontaminadosportermosenvolvendoi.Issoéfeitoexigindo-sequeos operadores correspondentes aos observáveis satisfaçam uma determinada condição que osmatemáticoschamamde“hermitiana”[8].

O segundo aspecto das amplitudes de probabilidade que precisamos pelo menos mencionar é que,sendo parte do aparato matemático da teoria em discussão, seu cálculo envolve uma combinação devetoresdeestadoeoperadoresobserváveis.Comosãoesses“elementosmatriciais”(assimsãochamadasessascombinações)quecarregamamaiorpartedasignificânciafísicadireta,ecomoelessãoformadosdoquesepoderiachamarde“sanduíches”deestadoeobservável,adependênciadotempodafísicapodeser atribuída a uma dependência do tempo presente nos vetores de estado ou a uma dependência dotempopresentenosobserváveis.Conformeseconstatoumaistarde,essaobservaçãoofereceapistaparacomo, apesar de suas aparentes diferenças, as teorias de Heisenberg e Schrödinger realmentecorrespondemàmesmafísica[10].SuaaparentedesigualdadeocorreporqueHeisenbergatribuitodaadependência do tempo aos operadores, enquanto Schrödinger a atribui inteiramente aos vetores deestado.

Asprópriasprobabilidades–que,parafazersentido,devemsernúmerospositivos–sãocalculadasapartir das amplitudes por um tipo de elevação ao quadrado (chamada de “quadrado domódulo”) quesempregeraumnúmeropositivodaamplitude complexa.Há tambémumacondiçãodeescalonamento(chamada de “normalização”) garantindo que, quando todas as probabilidades são adicionadas, elasdevemtotalizar1(obviamentealgodeveacontecer!).

Complementaridade

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Durantetodootempoemqueessasdescobertasestavamvindoàtona,Copenhagueforaocentroondeavaliaçõeseramfeitasevereditoseramdadossobreoqueestavaacontecendo.Nessaépoca,NielsBohrnão estava mais dando contribuições detalhadas a avanços técnicos. Ainda assim, ele permaneciaprofundamente interessado em questões interpretativas e foi a única pessoa para quem – por suaintegridadeeseudiscernimento–osJovensTurcos,queestavamdefatoescrevendoosartigospioneiros,enviavamsuasdescobertas.Copenhaguefoiacortedorei-filósofo,paraquemasofertasintelectuaisdanovageraçãodamecânicaquânticaeramtrazidasparaavaliaçãoereconhecimento.

Alémdeseupapeldefiguradepai,Bohrfezobservaçõesperspicazessobreanovateoriaquântica.Issoassumiu a forma de sua noção de complementaridade. A teoria quântica oferecia uma série demodosalternativosdepensamento.Haviaasrepresentaçõesalternativasdoprocessoquepoderiamserbaseadasnamediçãode todasasposiçõesoude todososmomenta; adualidadeentrepensarnasentidadesemtermos de ondas ou em termos de partículas. Bohr enfatizava que os dois membros desses pares dealternativas deveriam ser considerados com igual seriedade e poderiam, portanto, ser tratados semcontradiçãoporquecadaumcomplementavaooutro,emvezdeentraremconflito.Issoaconteciaporqueelescorrespondiamadiferentes–emutuamenteincompatíveis–arranjosexperimentaisquenãopodiamserusadosaomesmotempo.Ouseprojetavaumexperimentodeonda(fendasduplas),emquesefaziaumaperguntaondulatóriaque receberiauma respostaondulatória (umpadrãode interferência); ou secriavaumexperimentodepartícula(detectarporqualfendaoelétronpassou)e,nessecaso,aperguntacorpuscularrecebiaumarespostacorpuscular(duasáreasdeimpactoemfrenteàsduasfendas).

Éevidentequeacomplementaridadeeraumaideiaútil,emboradeformaalgumaresolvessetodososproblemas de interpretação, como será mostrado no próximo capítulo. À medida que Bohr ficoumaisvelho, tornou-se cada vez mais preocupado com questões filosóficas. Sem dúvida, ele era um grandefísico,mas parece-me que era nitidamentemenos talentoso nessa ocupação tardia. Seus pensamentoseram extensos e nebulosos, e muitos livros foram depois escritos na tentativa de analisá-los, comconclusõesqueatribuíamaBohrumavariedadedeposiçõesfilosóficasmutuamenteincompatíveis.Talvezelenão tivesse ficadosurpresocom isso,poisgostavadedizerquehaviacomplementaridadeentresercapazdedizeralgoclaramenteeofatodeissoseralgoprofundoedignodenota.Écertoquearelevânciadacomplementaridadeparaateoriaquântica(ondesurgeaquestãoapartirdaexperiência,edispomosdeumarcabouçoteóricogeralqueatornainteligível)nãogaranteumalicençaparaafácilexportaçãodanoçãoparaoutrasdisciplinas,comosepudesseserinvocadapara“justificar”qualquercorrespondênciaparadoxalquealguémimaginasse.Pode-sedizerqueBohrchegouperigosamentepróximoaissoquandosugeriuqueacomplementaridadepoderialançarluzsobreaantigaquestãododeterminismoedolivre-arbítrioemrelaçãoànaturezahumana.Vamosadiarumareflexãofilosóficaadicionalparaocapítulofinal.

LógicaquânticaPode-seesperarqueateoriaquânticamodifique,demodocontundente,asnossasconcepçõesacerca

dostermosfísicosdeposiçãoemomentum.Édetodomaissurpreendentequetambémtenhaafetadoamaneiracomopensamossobreestaspequenaspalavraslógicas:“e”e“ou”.

A lógica clássica, conforme concebida por Aristóteles e por qualquer outra pessoa, baseia-se na leidistributivadalógica.SeeulhedisserqueBilltemcabeloruivoequeeleestáemcasaounobar,vocêesperaráencontrarumBillruivoemcasaouumBillruivonobar.Pareceserumaconclusãoinofensiva,queformalmentedependeda leiaristotélicadoterceiroexcluído:nãohámeio-termoentre“emcasa”e“nãoemcasa”.Nadécadade1930,aspessoascomeçaramaperceberqueascoisaseramdiferentesnomundo quântico. Um elétron pode não estar apenas “aqui” e “não aqui”, mas também em qualquernúmerodeoutros estadosque são sobreposiçõesde “aqui” e “nãoaqui”. Isso constitui ummeio-termonuncasonhadoporAristóteles.Aconsequênciaéqueexisteumaformaespecialde lógica,chamadadelógicaquântica,cujosdetalhesforamelaboradosporGarretBirkhoffeJohnvonNeumann.Elatambéméconhecidaporlógicadetrêsvaloresporque,alémde“verdadeiro”e“falso”,aindapossibilitaarespostaprobabilística“talvez”,umaideiacomaqualosfilósofosflertaramdemodoindependente.

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CAPÍTULO3PERPLEXIDADESOBSCURAS

Naépocaemqueateoriaquânticamodernafoidescoberta,osproblemasfísicosqueocupavamopalcoprincipallidavamcomocomportamentodeátomosederadiação.Esseperíododedescobertainicialfoiseguido, no final da década de 1920 e início da década de 1930, por um longo e exaltado período depesquisa,conformeasnovasideiaseramaplicadasaumaamplavariedadedeoutrosfenômenosfísicos.Por exemplo, veremos um pouco mais adiante que a teoria quântica deu um novo e significativoentendimentodecomosecomportavamoselétronsdentrodesólidoscristalinos.UmavezouviPaulDiracfalar sobre esse período de rápido desenvolvimento dizendo que era uma época “em que homens desegundacategoriafaziamtrabalhodeprimeiracategoria”.Nabocadequasetodomundo,essaspalavrasteriam sido um comentário humilhante de natureza nãomuito agradável. Contudo, não era assim comDirac.Durante todaa sua vida, elemanteveummodo simples eprosaicode falar, emquedizia oquepensava com objetividade sem enfeites. Suas palavras simplesmente pretendiam transmitir algo dariquezadoentendimentoquefluíadaquelasideiasbásicasiniciais.Essa aplicação exitosa das ideias quânticas continuou sem interrupções. Agora usamos a teoria de

forma igualmente eficiente para discutir o comportamento de quarks e glúons, uma realizaçãoimpressionante quando lembramos que esses constituintes de matéria nuclear são, no mínimo, 100milhõesdevezesmenoresdoqueosátomosqueinteressavamaospioneirosnadécadade1920.Osfísicossabem fazer os cálculos e constatam que as respostas continuam a ser corretas com exatidãosurpreendente.Porexemplo,aeletrodinâmicaquântica(ateoriadainteraçãodeelétronscomfótons)geraresultados

queestãoemconformidadecomexperimentoscomumaprecisãocorrespondenteaumerromenordoquealarguradeumfiodecabeloemrelaçãoàdistânciaentreLosAngeleseNovaYork!Consideradanessestermos,ahistóriaquânticaéumtremendocontodesucesso,talvezamaiorhistória

desucessonahistóriadaciência física.Aindaassim,continuasendoumparadoxoprofundo.Apesardacapacidade dos físicos de fazer os cálculos, eles ainda não entendem a teoria. Sérios problemas deinterpretaçãopermanecemsemsolução,sendomotivodecontínuacontrovérsia.Essasquestõeslitigiosasreferem-se a duas perplexidades em especial: a significância do caráter probabilístico da teoria e anaturezadoprocessodemensuração.

ProbabilidadesAs probabilidades também ocorrem na física clássica, cuja origem está na ignorância de alguns

detalhes sobre o que está acontecendo. O exemplo paradigmático é uma moeda atirada para cima.Ninguémduvida que amecânica newtoniana determine como ela deve cair depois de jogada – não hádebatesobreaintervençãodiretadeFortuna,adeusadasorte–,masomovimentoésensíveldemaisaodetalheprecisoeminúsculodecomoamoedafoijogada(nãoestamoscientesdessesdetalhes)paraqueconsigamospreverexatamentequalseráoresultado.Porém,sabemosque,seamoedaforimparcial,aschances são iguais: 1/2 para cara e 1/2 para coroa. Da mesma forma, para um dado de verdade, aprobabilidade de dar qualquer número é de 1/6. Se alguém perguntar sobre a probabilidade de sair onúmeroumoudois,simplesmentesomamosasprobabilidadesseparadas,oqueresultaem1/3.Essaregrada adição se mantém porque os processos de lançar o dado que levam a um ou dois são distintos eindependentes entre si. Como não têm nenhuma influência um sobre o outro, basta adicionar aspossibilidadesresultantes.Tudoparecebastanteobjetivo.Aindaassim,ascoisasnomundoquânticosãodiferentes.Primeiro, considerequal seriaoequivalenteclássicodoexperimentoquânticocomelétronse fendas

duplas. Uma analogia do cotidiano seria arremessar bolas de tênis em uma cerca com dois buracos.Haveráumadeterminadaprobabilidadedeumabolapassarporumburacoeoutraprobabilidadedequeelapassepelooutroburaco.Seestamosinteressadosnapossibilidadedequeabolacaianooutroladoda

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cerca, visto que precisa passar por um ou outro buraco, simplesmente somamos essas duasprobabilidades (assim como fizemos para os dois lados do dado). No caso quântico, as coisas sãodiferentesemfunçãodoprincípiodasobreposição,quepermitequeoelétronpasseporambasasfendas.Oqueclassicamenteerampossibilidadesmutuamentedistintasestãoentrelaçadasnamecânicaquântica.Por consequência, as leis para combinar probabilidades são diferentes na teoria quântica. Se for

preciso somar uma série de possibilidades intermediárias não observadas, são as amplitudes deprobabilidade que devem ser adicionadas, e não as próprias probabilidades.No experimento da fendadupla,devemosadicionaraamplitudepara(passandoporA)àamplitudepara(passandoporB).Lembreque as probabilidades são calculadas a partir de amplitudes por um tipo de processo de elevação aoquadrado.Oefeitodeadicionarantesdeelevaraoquadradoéproduziroqueummatemáticochamariade“termoscruzados”.Pode-sesentirosabordessaideiaconsiderandoasimplesequaçãoaritmética

(2+3)2=22+32+12

Aquele12“extra”éotermocruzado.Talvez issopareçaumpoucomisterioso.Anoçãobásicaéaseguinte:nomundocotidiano,paratera

probabilidade de um resultado final, simplesmente adicionamos as probabilidades de possibilidadesintermediárias independentes.Nomundo quântico, a combinação de possibilidades intermediárias quenão são diretamente observadas acontece do modo mais sutil e sofisticado. É por isso que o cálculoquântico envolve termos cruzados.Umavezque as amplitudesdeprobabilidade são, de fato, númeroscomplexos, esses termos cruzados incluem efeitos de fase, de sorte que pode haver interferênciaconstrutivaoudestrutiva,comoocorrenoexperimentodafendadupla.Resumindoaquestãoempoucaspalavras,asprobabilidadesclássicascorrespondemàignorânciaese

combinamporadiçãosimples.Asprobabilidadesquânticassecombinamdeumamaneiraaparentementemaisevasivaeincapazdeserrepresentadaporimagens.Surge,então,aseguintequestão:apesardisso,seriapossívelcompreenderasprobabilidadesquânticascomotendo,também,suaorigemnaignorânciadofísicoemrelaçãoatodososdetalhesdoqueestáacontecendo,demodoqueasprobabilidadesbásicassubjacentes–correspondentesaconhecimentoinacessível,mascompletamentedetalhadosobrequaleraasituação–aindafizessemsentidonaformaclássica?Por trás dessa indagação encontra-se um desejo ansioso da parte de alguns em restaurar o

determinismonafísica,mesmoquesejaparacomprovarumtipoveladodedeterminismo.Considere,porexemplo,odecaimentodeumnúcleoradioativo(umquesejainstávelepropensoasefragmentar).Tudooqueateoriaquânticapodepreveréaprobabilidadedequetaldecaimentoocorra.Porexemplo,elapodedizerquedeterminadonúcleotemumaprobabilidadede½dedecaimentonapróximahora,masnãopodepreverseessenúcleoespecíficoirá,defato,decairduranteaquelahora.Aindaassim,talvezessenúcleotenha um pequeno relógio interno que especifique precisamente quando ele decairá, mas que nãopodemos ler. Se esse fosse o caso, e se outros núcleos domesmo tipo tivessem seus próprios relógiosinternos cujas diferentes configurações fizessem eles decaírem em horários distintos, então o queatribuímoscomoprobabilidadessurgiriaunicamentedanossaignorância,danossaincapacidadedeobteracessoàsconfiguraçõesdaquelesrelógiosinternosescondidos.Emboraosdecaimentospossampareceraleatórios, eles seriam inteiramente determinados por esses detalhes desconhecidos. Na realidadesuprema, a probabilidade quântica não seria diferente da probabilidade clássica. Interpretações damecânicaquânticadessetiposãochamadasdeteoriadasvariáveisocultas.Seráquesão,de fato,umapossibilidade?Océlebrematemático JohnvonNeumannacreditava terdemonstradoqueaspropriedades incomuns

dasprobabilidadesquânticasimplicavamquenuncapoderiamserinterpretadascomoaconsequênciadeignorânciadevariáveisocultas.Naverdade,haviaumerroemseuargumentoque levouanosparaserdetectado.Veremosmaistardequeépossívelhaverumainterpretaçãodeterministadateoriaquânticaemqueasprobabilidadessurgemdaignorânciadosdetalhes.Noentanto,veremostambémqueateoriaqueobtémêxitodessaformatemoutraspropriedadesqueafizeramparecersematrativosparaamaioriadosfísicos.

Descoerência

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Umaspectodosproblemasqueestamosconsiderandonestecapítulopodeserexpressoperguntando-secomo é possível que os constituintes quânticos domundo físico, como quarks, glúons e elétrons, cujocomportamento é nebuloso e intermitente, possam dar origem aomundomacroscópico da experiênciacotidiana,queparecetãoclaroeconfiável.Umpassoimportanteparaobteralgumacompreensãodessatransiçãofoifeitoatravésdeumdesenvolvimentoqueocorreunosúltimos25anos.Osfísicosacabarampercebendo que, em muitos casos, é importante levar em consideração – mais seriamente do que ofizeramantes–oambientenoqualosprocessosquânticosestãodefatoacontecendo.O raciocínio convencional havia considerado que o ambiente era vazio, à exceção das entidades

quânticas cujas interações eram o assunto de reflexão explícita. Na realidade, essa idealização nemsemprefuncionae,quandonãofunciona,importantesconsequênciaspodemdecorrerdessefato.Oquefoinegligenciado era a presença quase onipresente da radiação. Experimentos acontecem em um marrepletodefótons,algunsvindosdoSoleoutrosvindosdauniversalradiaçãocósmicadefundoqueéumecoprolongadodotempoemqueouniversotinhameiomilhãodeanosehaviarecémsetornadofrioobastanteparaqueamatériaearadiaçãoseseparassemdesuapréviamisturauniversal.Ocorre que a consequência dessa radiação de fundo praticamente onipresente é afetar as fases das

amplitudesdeprobabilidaderelevantes.Levaremconsideraçãoessachamada“randomizaçãode fases”pode,emcertoscasos,teroefeitodeeliminarquasecompletamenteostermoscruzadosnoscálculosdeprobabilidadequântica. (Grossomodo, amédiaédeaproximadamente tantos sinaisdemaisquantodemenos, dando um resultado próximo a zero.) Tudo isso pode ocorrer com uma rapidez bastantesurpreendente.Talfenômenoéchamadode“descoerência”.A descoerência foi saudada por alguns como a pista para entender como os fenômenos quânticos

microscópicoseosfenômenosclássicosmacroscópicosestãorelacionadosentresi.Infelizmente,trata-sede apenas umameia-verdade. Ela pode servir para fazer algumas probabilidades quânticas pareceremcomoprobabilidadesclássicas,masnãoastornaiguais.Aindapermaneceaperplexidadecentraldoqueéchamadode“problemadamedição”.

OproblemadamediçãoNafísicaclássica,amediçãonãoéproblemática.Elaésimplesmenteaobservaçãodoqueacontece.De

antemão,podemosconseguirnãomaisdoqueatribuirumaprobabilidadede½dequeamoedadêcara;porém,seéissooquevemos,éunicamenteporqueéoque,defato,aconteceu.A medição na teoria quântica convencional é diferente porque o princípio da superposição admite

possibilidades alternativas – e às vezes mutuamente excludentes – até o último momento, quandosubitamenteumadelas emerge comoa realidadepercebidanessa ocasião.Vimosqueumamaneiradepensar nisso pode ser expressa em termos do colapso do pacote de onda. A probabilidade do elétronestavaestendidaentre“aqui”,“lá”e“emtodo lugar”.Noentanto,quandoo físico fazaeleaperguntaexperimental “onde você está?” e, nessadeterminadaocasião, a resposta “aqui” aparece, então todaaprobabilidadeentraemcolapsoporessarealidadeúnica.Agrandequestãoquepermanecesemrespostaemnossadiscussãoatéentãoé:comoissoocorre?Asmediçõessãoumacadeiadeconsequências relacionadaspelaqualoestadodascoisasnomundo

quânticomicroscópicoproduzumsinalcorrespondenteobservávelnomundocotidianodosinstrumentosdemedição de laboratório. Podemos esclarecer essa questão considerando um experimento um tantoidealizado, mas nada ilusório, que mede o spin do elétron. A propriedade do spin corresponde aocomportamentodoselétronscomosefossemímãsminúsculos.Emrazãodeumefeitoquânticoimpossívelderepresentarpor imagensqueo leitorsimplesmenteteráqueaceitarcegamente,o ímãdoelétronsópodeapontarparadoissentidosopostos,quepodemosconvencionalmentechamarde“paracima”e“parabaixo”.Oexperimentoéconduzidocomumfeixedeelétronsinicialmentedespolarizados,ouseja,oselétrons

estãoemumestadoqueéumasobreposiçãouniformede“paracima”e“parabaixo”.Entãosefazcomqueesseselétronspassemporumcampomagnéticonãohomogêneo.Porcausadoefeitomagnéticodeseuspin,elesserãodefletidosparacimaouparabaixo,deacordocomosentidodospin.Aseguir,elespassamporumdosdoisdetectoresadequadamenteposicionados,DuouDd(contadoresGeiger,talvez),eopesquisadorouviráumcliqueemumdosdetectores, registrandoapassagemdeumelétronnosentido

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para cima ou para baixo. Esse procedimento é chamado de experimento de Stern-Gerlach, emhomenagemaosdoisfísicosalemãesqueconduzirampelaprimeiravezumainvestigaçãodessetipo.(Naverdade, ele foi feito comum feixe atômico,mas foramos elétronsnos átomosque controlaramoqueestavaacontecendo.)Ecomodevemosanalisaroqueestáacontecendo?Seospinestiverparacima,oelétronédefletidoparacima,depoispassaporDu,quefazumcliqueeo

pesquisadorouveDuclicar.Seospinestiverparabaixo,oelétronédefletidoparabaixo,depoispassaporDd,quefazumcliqueeopesquisadorouveissoacontecer.Pode-severoqueestáocorrendonessaanálise.Eleseapresentacomumacadeiadeconsequênciascorrelacionadas:se…,então…,então...Todavia,emumaocasiãorealdemedição,sóumadessascadeiasocorre.Oquefazessedeterminadoacontecimentoocorrernestaocasiãoemespecial?Oquedeterminaque,destavez,arespostaserá“paracima”,enão“parabaixo”?A descoerência não responde essa pergunta para nós. O que ela faz é apertar os elos nas cadeias

separadas, tornando-a mais do tipo clássico, mas não explica por que uma determinada cadeia é apossibilidadepercebidaemumaocasiãoemespecial.Aessênciadoproblemadamediçãoéabuscaparaentender a origemdessa especificidade. Pesquisaremos a variedadede respostas que foram sugeridas,masveremosquenenhumadelaséinteiramentesatisfatóriaoudesprovidadeperplexidade.Aspropostaspodemserclassificadasdeacordocomumasériedetópicos.

6.UmexperimentodeStern-Gerlach.

1.IrrelevânciaAlgunsintérpretestentamusarestratagemasparasolucionaroproblema,alegandoqueéirrelevante.

Umargumentoafavordessaposiçãoéadeclaraçãopositivistadequeaciênciadeveapenascorrelacionarfenômenos e não aspirar a compreendê-los. Se soubermos como fazer cálculos quânticos, e se asrespostassecorrelacionaremdemodoaltamentesatisfatóriocomaexperiênciaempírica,comode fatoocorre,entãoissoétudooquedevemosalmejar.Querermaisdoqueissoésimplesmenteumaganânciainadequadadopontodevista intelectual.Uma formamais refinadadopositivismoé representadapeloque se chama de a abordagem das “histórias consistentes”, que estabelece prescrições para obtersequências de previsões quânticas que sejam prontamente interpretáveis como resultados oriundos dousodeaparelhosclássicosdemedição.Umtipodiferentedeargumento,quetambémseenquadranarubricadeirrelevância,éaalegaçãode

que a física quântica não deveria absolutamente buscar discutir eventos individuais, mas ter comopreocupaçãoprópriaos“agrupamentos”,ouseja,aspropriedadesestatísticasdascoleçõesdeeventos.Seessefosseocaso,umrelatopuramenteprobabilísticoétudooqueteríamosodireitodeesperar.Umterceirotipodeargumentonessacategoriageralafirmaqueafunçãodeondanãotemavercom

estados de sistemas físicos, mas com estados do conhecimento humano de tais sistemas. Se nossoraciocínioéunicamenteepistemológico,então“colapso”nãoéumfenômenoproblemático:anteseueraignorante;agoraeusei.Porém,parecemuitoestranhoquearepresentaçãodoquesealegaestartudonamentedeva,defato,satisfazerumaequaçãocomaparênciafísicacomoaequaçãodeSchrödinger.

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Todosessesargumentosapresentamumacaracterísticaemcomum:elestêmumavisãominimalistadatarefa da física. Em especial, supõem que ela não se preocupa em obter entendimento da naturezadetalhadadedeterminadosprocessosfísicos.Estapodeserumavisãoagradávelparaosquetêmcertotipodedisposiçãofilosófica,maséabominávelparaamentedocientista,cujaambiçãoéobteromaiorgrauatingíveldecompreensãodoqueestáacontecendonomundofísico.Contentar-secommenosseriaconsideradoaltatraição.

2.GrandessistemasOs pais fundadores da mecânica quântica naturalmente estavam conscientes dos problemas que a

mediçãoapresentavaparaateoria.NielsBohr,emparticular,ficoumuitopreocupadocomessaquestão.ArespostaqueelepropôsveioaserconhecidacomoainterpretaçãodeCopenhague.Aideiaprincipaleradequeumafunçãoexclusivaestavasendoexercidapelosaparelhosclássicosdemedição.Bohrsustentavaqueeraaintervençãodessesgrandesinstrumentosdemediçãoqueproduziamoefeitodeterminante.Mesmo antes de a questão de medição vir à tona, fora necessário ter algummeio de ver como se

poderiarecuperarda teoriaquânticaossucessosconsideráveisdamecânicaclássicaparadescreverosprocessos que ocorrem em uma escala diária. Não faria sentido descrever o microscópico à custa deperderumentendimentodomacroscópico.Esserequisito,chamadodeprincípiodecorrespondência,eraalgocomopoderverque“grandes” sistemas (aescaladegrandezaeradeterminadapelaconstantedePlanck) deveriam comportar-se de modo que pudessem ser aproximados de maneira excelente pelasequaçõesdeNewton.Mais tarde, aspessoasperceberamquea relaçãoentreamecânicaquânticaeamecânica clássica eramuitomais sutil doque essa simples imagem indicava.Posteriormente, veremosque há alguns fenômenos macroscópicos que exibem certas propriedades intrinsecamente quânticas,incluindoatémesmoapossibilidadedeinvestigaçãotecnológica,comonacomputaçãoquântica.Porém,tais fenômenos surgem em circunstâncias um tanto excepcionais, e o fluxo geral do princípio dacorrespondênciaestavanadireçãocerta.Bohrenfatizavaqueumamediçãoenvolviaaentidadequânticaeo instrumentoclássicodemedição,

insistindo que deveríamos pensar no compromissomútuo dos dois como um conjunto único de fatores(que ele chamava de “fenômeno”). Exatamente onde na cadeia de consequências correlacionadas quelevamdeumaextremidadeà outra se localizava aparticularidadedeum resultado específico eraumaquestão que poderia ser evitada, contanto que as duas extremidades da cadeia fossem mantidasinseparavelmenteconectadas.Àprimeiravista,háalgoatraentenessaproposta.Sevocêentraremumlaboratóriodefísica,veráque

eleestárepletodostiposdeinstrumentosdosquaisBohrfalava.Aindaassim,tambémháalgosuspeitonaproposta.Suarepresentaçãotemumtomdualista,comoseapopulaçãodomundofísicofossecompostade duas classes diferentes de seres: entidades quânticas intermitentes e instrumentos clássicos demediçãoparadeterminação.Naverdade,porém,existeumúnicoemonísticomundofísico.Aquelaspartesdeinstrumentosclássicossão,elaspróprias,compostasdeconstituintesquânticos(emúltimainstância,quarks,glúonseelétrons).AinterpretaçãooriginaldeCopenhaguenãoconseguiuresolveroproblemadecomoinstrumentosdedeterminaçãopoderiamemergirdeumsubstratoquânticoindeterminado.Apesar disso, pode ser que Bohr e seus colegas estivessem acenando na direção certa,mesmo que

ainda não o fizessem de modo enérgico o bastante. Hoje, penso que a maioria dos físicos quânticospraticantes endossaria o que se poderia chamar de uma interpretação neo-Copenhague. Nessaperspectiva, a grandeza e a complexidade de instrumentosmacroscópicos é o que, de certa forma, oshabilitam a desempenhar o papel de determinação. Como isso acontece não é entendido de maneiraadequada, mas pelo menos é possível fazer uma correlação com outra propriedade (também nãocompreendidaporcompleto)dossistemasgrandes.Trata-sedesuairreversibilidade.Comumaexceçãoque realmentenão é significativa para a atual discussão, as leis fundamentais da

física são reversíveis. Para ver o que isso significa, suponha, ao contrário de Heisenberg, que fossepossívelfazerumfilmededoiselétronseminteração.Essefilmefariaomesmosentidosefosseexibidopara frente ou para trás. Em outras palavras, no micromundo, não existe seta intrínseca de tempo,distinguindo o futuro do passado. No macromundo, obviamente, as coisas são muito diferentes. Ossistemasesgotam-seeomundocotidianoé irreversível.Umfilmedeumabolaquicandoemqueabola

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sobecadavezmaisaltoestásendoexibidodetrásparafrente.Essesefeitosestãorelacionadosàsegundaleidatermodinâmica,queafirmaque,emumsistemaisolado,aentropia(amedidadadesordem)nuncadiminui. A razão pela qual isso acontece é que há muito mais maneiras de ser desordenado do queordenado,desortequeadesordemganhafacilmente.Simplesmentepensenasuamesadetrabalhocasovocênãointervenhadetemposemtemposparaorganizá-la.Medição é o registro irreversível de um sinal macroscópico do estado das coisas no micromundo.

Portanto,ela incorporaumadireção intrínsecadetempo:antes,nãohaviaresultado;depois,existeum.Assim, há alguma plausibilidade em supor que um entendimento adequado de sistemas grandes ecomplexos que explicassem totalmente sua irreversibilidade também poderia proporcionar uma pistavaliosa quanto à natureza da função que exercem na medição quântica. Contudo, no estado atual deconhecimento,issocontinuasendoumahumildeaspiração,emvezdeumarealizaçãodefato.

3.NovafísicaAlgunsconsideramqueasoluçãodoproblemademediçãoexigiráumraciocíniomaisradicaldoque

apenaspromoveraindamaisprincípiosjáconhecidosdaciência.Ghirardi,RimmereWeberfizeramumasugestãoparticularmenteinteressanteseguindoessaslinhasinovadoras(queveioaserconhecidacomoateoriaGRW).Elespropõemqueexisteumapropriedadeuniversaldecolapsodefunçãodeondaaleatório,masqueataxaemqueissoocorredependedaquantidadedematériapresente.Paraentidadesquânticasindependentes,essataxaéminúsculademaisparaterqualquerefeitoobservável;porém,napresençadequantidadesmacroscópicas dematéria (por exemplo, em um instrumento clássico demedição), ela setornatãorápidaqueépraticamenteinstantânea.Essa é uma sugestão que, em princípio, estaria aberta à investigação por meio de experimentos

sensíveisparadetectaroutrasmanifestaçõesdessapropensãoaocolapso.Noentanto,naausênciadetalconfirmaçãoempírica,amaioriadosfísicosconsideraateoriaGRWadhocdemaisparaserpersuasiva.

4.ConsciênciaNa análise do experimento de Stern-Gerlach, a última ligação na cadeia correlacionada era um

observador humano ouvindo o clique do contador. Toda medição quântica de cujo resultado temosconhecimento teve, como seu último passo, a percepção consciente de alguém acerca do resultado. Aconsciência é a experiência mal compreendida, mas inegável (exceto por determinados filósofos) dainterfaceentreomaterialeomental.Osefeitosdedrogasoudedanocerebralconfirmamqueomaterialpodeatuarsobreomental.Porquenãodeveríamosesperarumpoderrecíprocodomentalagindosobreomaterial? Algo desse tipo parece acontecer quando executamos a intenção proposital de levantar umbraço.Talvez,então,sejaaintervençãodeumobservadorconscientequedetermineoresultadodeumamedição.Àprimeiravista,apropostaéalgoatraente,eváriosfísicosrenomadosendossaramessepontodevista.Apesardisso,elatambémapresentaalgumasdificuldadesbastantegraves.Namaioria das vezes e dos lugares, o universo foi desprovido de consciência. Devemos supor que,

atravésdessasvastasextensõesdeespaçoetempocósmicos,nenhumprocessoquânticoresultouemumaconsequênciadeterminada?Suponhaquealguémprojetasseumexperimentocomputadorizadoemqueoresultadoéimpressoemumafolhadepapel,quedepoiséautomaticamentearmazenadasemquenenhumobservador a veja antes de seismeses. Seria o caso de, apenas nesse tempo subsequente, haver umaimpressãodefinitivanopapel?Essasconclusõesnãosãodetodoimpossíveis,masmuitoscientistasnãoasconsideramnemumpouco

plausíveis. As dificuldades se intensificam ainda mais se considerarmos a triste história do gato deSchrödinger.Oinfelizanimalestápresoemumacaixaquetambémcontémumafonteradioativacomumaprobabilidadede50%dedecairnapróximahora.Seocorrerodecaimento,aradiaçãoemitidaacionaráaliberaçãodegásvenenosoquemataráinstantaneamenteogato.Aaplicaçãodosprincípiosconvencionaisdateoriaquânticaàcaixaeaseusconteúdoslevaàconclusãodeque,aotérminodeumahora,antesqueum observador consciente levante a tampa da caixa, o gato está em uma sobreposição equilibrada de“vivo”e“morto”.Somentedepoisqueacaixaforabertahaveráumcolapsodepossibilidades,resultandonadescobertadeumcadáverdefinitivamenteimóveloudeumfelinodefinitivamentesaltitante.Mascomcertezaoanimalsabeseestávivoounão,semexigirintervençãohumanaparaajudá-loachegaraessa

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conclusão? Talvez devêssemos concluir, portanto, que a consciência do gato é tão eficiente nadeterminação de resultados quânticos quanto a consciência humana. Então, onde vamos parar? Asminhocastambémpodemcolapsarafunçãodeonda?Elaspodemnãoserexatamenteconscientes,mastenderíamosasuporque,dealgumaforma,asminhocastêmapropriedadedefinitivadeestarvivasoumortas. Esses tipos de dificuldades preveniram amaioria dos físicos de acreditar que hipotetizar umafunçãoexclusivaparaaconsciênciaéamaneiradesolucionaroproblemadamedição.

5.MuitosmundosUmapropostaaindamaisaudaciosarejeitatotalmentea ideiadocolapso.Seusproponentesafirmam

queoformalismoquânticodevesertomadocommaiorseriedadedoqueimporsobreele,vindadefora,ahipótese inteiramente ad hoc da mudança descontínua da função de onda. Em vez disso, deve-sereconhecerquetudooquepodeacontecerdefatoacontece.Porque,então,ospesquisadorestêmaimpressãocontrária,constatandoque,emdeterminadaocasião,

o elétron está “aqui” e em nenhum outro lugar? A resposta dada é que essa é a visão estreitamenteparoquialdeumobservadornesteuniverso,masarealidadequânticaémuitomaiordoqueumaimagemtãolimitadasugere.AlémdeexistirummundoemqueogatodeSchrödingervive,hátambémummundoparalelo,masdesconectado,emqueogatodeSchrödingermorre.Ouseja,emtodososatosdemedição,a realidade física divide-se em uma multiplicidade de universos separados, em cada um dos quaispesquisadoresdiferentes(clonados)observamdiferentesresultadospossíveisdamedição.Arealidadeéummultiverso,emvezdeumsimplesuniverso.Comoasmediçõesquânticasestãoacontecendootempotodo,essaéumapropostadeprodigalidade

ontológica impressionante. O pobre William de Occam (cuja “navalha” lógica pretende eliminarpressuposiçõesdesnecessariamenteférteis)deveestarserevirandonotúmulocomumanoçãocomoessada multiplicação de entidades. Uma maneira diferente de conceber essa proliferação imensa além daimaginaçãoélocalizá-lanãocomoocorrendoexternamenteaocosmos,masinternamenteaosestadosdemente/cérebro dos observadores. Tal mudança representa uma troca de uma interpretação de muitosmundosparauma interpretaçãodemuitasmentes,mas issomalserveparamitigaraprodigalidadedaproposta.Aprincípio, osúnicos físicosatraídosporessemodode raciocinareramos cosmologistasquânticos,

quebuscavamaplicar a teoria quântica ao próprio universo.Enquanto ainda estamosperplexos comaformacomoomicroscópicoeomacroscópicoseinter-relacionam,essaextensãonadireçãodocósmicoéuma jogada audaciosa cuja viabilidade não é necessariamente evidente. Porém, se é para ser feita, aabordagemdosmuitosmundospodepareceraúnicaopçãodeuso,pois,quandoocosmosestáenvolvido,não sobra espaço para o apelo científico aos efeitos de grandes sistemas externos ou da consciência.Ultimamente,pareceterhavidoumgraudeinclinaçãocadavezmaiorentreoutrosfísicosnosentidodeadotar a abordagem dos muitos mundos, embora para muitos de nós ela ainda continue sendo ummartelo-pilãoavapormetafísicoutilizadoparaquebrarumanozquânticareconhecidamentedura.

6.DeterminismoEm1954,DavidBohmpublicouumrelatodateoriaquânticaqueeratotalmentedeterminista,masque

resultouexatamentenasmesmasprevisõesfeitaspelamecânicaquânticaconvencional.Nessateoria,asprobabilidades surgem simplesmente da ignorância de certos detalhes. Essa incrível descoberta levouJohnBellareexaminaroargumentodeVonNeumanndequeissoeraimpossíveleexibirapressuposiçãoimperfeitasobreaqualessaconclusãoequivocadaestiverabaseada.Bohmatingiuessefeitoimpressionanteseparandoondaepartícula,queopensamentodeCopenhague

havia unido em complementaridade indissolúvel. Na teoria de Bohm, existem partículas que são tãoclássicas e desprovidas de problemas como até o próprio Isaac Newton gostaria que tivessem sido.Quando suasposições oumomenta sãomedidos, é apenasumaquestãodeobservar oqueocorre semambiguidades. Além das partículas, no entanto, há uma onda completamente separada, cuja forma aqualquer instantecontéminformaçõessobretodooambiente.Essaondanãoédiretamentediscernível,mas tem consequências empíricas, pois influencia o movimento das partículas de umamaneira que éadicionalaosefeitosdas forçasconvencionaisque tambémpodemagirsobreelas.Éessa influênciada

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onda oculta (por vezes referida como a “onda guia” ou a fonte do “potencial quântico”) que afetasensivelmenteaspartículaseconsegueproduzirtantoaaparênciadeefeitosdeinterferênciaquantoasprobabilidades características associadas a eles. Esses efeitos da onda guia são estritamentedeterministas.Emboraasconsequênciassejambastanteprevisíveis,elasdependemmuitosensivelmentedosdetalhes finosdasposições reaisdaspartículas, e é essa sensibilidadea variaçõesminúsculasqueproduzaaparênciadealeatoriedade.Assim,sãoasposiçõesdaspartículasqueagemcomoasvariáveisocultasnateoriabohmiana.ParaentendermelhorateoriadeBohm,éesclarecedorquestionarcomoelalidacomoexperimentoda

fendadupla.Devidoànaturezadaspartículas,passíveisdeseremrepresentadasporumaimagem,nessateoriaoelétrondevedefinitivamentepassarporumadas fendas.Oque,então,haviadeerradocomonossoargumentoanteriordequeissonãopoderiaocorrer?Oquepossibilitacontornaraquelaconclusãoanterior é o efeito da onda oculta. Sem sua existência independente e sua influência, seria de fatoverdadeiroque,seoelétronpassassepelafendaA,afendaBseriairrelevanteepoderiaestarabertaoufechada.MasaondadeBohmcontéminformaçõesinstantâneassobreoambientetotal,eentãosuaformaédiferenteseBestiverfechadacomparadaaquandoBestáaberta.Essadiferençaproduzconsequênciasimportantes para o modo como a onda guia as partículas. Se B estiver fechada, a maioria delas édirecionadaparaopontoopostoA;seBestiveraberta,amaioriadelasédirecionadaparaopontomédiodateladedetecção.Podemossuporqueumaversãodeterminadaerepresentávelporimagensdateoriaquânticaseriamais

atraenteparaos físicos.Na realidade,poucosdeles simpatizaramcomas ideiasbohmianas.A teoria éseguramente instrutiva e engenhosa, mas muitos acreditam ser engenhosa demais. Há nela umaatmosfera demaquinação que faz com que deixe de ser atraente. Por exemplo, a onda oculta precisasatisfazerumaequaçãodeonda.Deondevemessaequação?Arespostasinceraestáforadoaragoraou,maisprecisamente,foradamentedeSchrödinger.Paraobterosresultadoscertos,aequaçãodeondadeBohm deve ser a equação de Schrödinger, mas isso não segue nenhuma lógica interna da teoria e ésimplesmenteumaestratégiaadhocelaboradaparaproduzirrespostasempiricamenteaceitáveis.Tambémhácertasdificuldadestécnicasquetornamateoriamenosdoquetotalmentesatisfatória.Uma

dasmaisdesafiadorasdessasdificuldades temaver comaspropriedadesprobabilísticas.Devoadmitirque,porumaquestãodesimplicidade,atéentãonãoasenuncieideformacorreta.Oqueéexatamenteverdadeiro é que as probabilidades iniciais relacionadas às disposições de partículas coincidem comaquelasquea teoriaquânticaconvencionalprescreveria, entãoessacoincidênciaentreasduas teoriasserámantidaparatodoomovimentosubsequente.Porém,éprecisocomeçardamaneiracerta.Emoutraspalavras, o sucesso empírico da teoria deBohmexige que o universo tenha calhado de iniciar comasprobabilidades (quânticas) corretas inseridas ou, caso isso não tenha acontecido, algum processo deconvergênciarapidamenteoconduziunessadireção.Essapossibilidadenãoé inconcebível (umfísicoachamariade“atenuação”dasprobabilidadesquânticas),masaindanãofoidemonstrada,nemsuaescaladotempofoiestimadademodoconfiável.Oproblemadamediçãocontinuaanoscausaransiedadeàmedidaquecontemplamosadesconcertante

variedadedepropostasapenas–nomelhordoscasos–parcialmentepersuasivasqueforamfeitasparaasua solução.As opçõesutilizadas incluemdescaso (irrelevância); física conhecida (descoerência); físicaesperada (sistemas grandes); nova física desconhecida (GRW); nova física oculta (Bohm); conjecturametafísica (consciência; muitos mundos). Trata-se de uma história intricada que é constrangedora secontadaporumfísico,dadoopapelcentralqueamediçãotemnoraciocíniofísico.Paraserfranco,aindanãotemosumacompreensãointelectualdateoriaquânticatãoplenaquantogostaríamos.Conseguimosfazer os cálculos e, nesse sentido, explicar os fenômenos, mas não entendemos realmente o que estáocorrendo. Para Bohr, amecânica quântica é indeterminada; para Bohm, é determinada. Para Bohr, oprincípio da incerteza de Heisenberg é um princípio ontológico de indeterminação; para Bohm, é umprincípio epistemológico de ignorância. Voltaremos a algumas dessas questões metafísicas einterpretativasnocapítulofinal.Enquantoisso,umaquestãoaindamaisespeculativanosaguarda.

Existemestadospreferidos?NoséculoXIX,matemáticoscomoSirWilliamRowanHamiltondesenvolveramcompreensõesbastante

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gerais da natureza dos sistemas dinâmicos newtonianos. Uma característica dos resultados dessaspesquisasfoiestabelecerquehámuitasmaneirasequivalentespormeiodasquaisadiscussãopodeserformulada.Emgeral,éconvenienteparaospropósitosdoraciocínio físicodarumpapeldepreferênciapararepresentarosprocessosexplicitamentecomoocorrendonoespaço,masissonãoé,absolutamente,uma necessidade essencial. Quando Dirac desenvolveu os princípios gerais da teoria quântica, essaigualdadedemocráticaentrediferentespontosdevistafoimantidananovadinâmicaresultante.Todososobserváveis, e seus autoestados correspondentes, tiveram o mesmo prestígio no que toca à teoriafundamental.Osfísicosexpressamessaconvicçãodizendoquenãoháuma“basepreferida”(umconjuntoespecialdeestados,correspondendoaumconjuntoespecialdeobserváveis,quesejamdesignificânciaúnica).Ocombateaoproblemadamediçãosuscitounamentedealgunsaquestãosobreamanutençãoounão

desseprincípiodenãopreferência.Entreasdiversaspropostaslançadasàmesa,háoatributodequeamaioriadelaspareceatribuiruma funçãoespecialadeterminadosestados, sejacomoestados finaisdecolapso, seja como estados que garantem a ilusão perspectiva de colapso: em uma discussão (neo-)Copenhaguecentradano instrumentodemedição,aposiçãoespacialparecedesempenharumafunçãoespecial quando se fala de ponteiros em balanças ou marcas em placas fotográficas; igualmente, nainterpretação dos muitos mundos, são esses mesmos estados que formam a base da divisão entre osmundos paralelos; na interpretação da consciência, presume-se que sejam os estados cerebraiscorrespondentes a essaspercepçõesque sejamabasepreferidada interface entrematéria emente; aproposta GRW postula o colapso em estados de posição espacial; a teoria de Bohm atribui um papelespecial às posições das partículas, detalhes minúsculos delas sendo as variáveis ocultas efetivas dateoria.Tambéméprecisoobservarqueadescoerênciaéum fenômenoqueocorrenoespaço.Seessasforem, de fato, indicações da necessidade de revisar o pensamento democrático anterior, a mecânicaquânticademonstrariaexerceraindamaisinfluênciarevisóriaaseraplicadanafísica.

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CAPÍTULO4DESENVOLVIMENTOSADICIONAIS

OperíodoagitadodadescobertaquânticaessencialemmeadosdoséculoXXfoiseguidodeumlongoperíodo de desenvolvimento em que as implicações da nova teoria foram investigadas e exploradas.Devemosagoraatentarparaalgumasdasconstataçõesresultantesdetaisdesenvolvimentosadicionais.

TunelamentoRelaçõesdeincertezadotipoHeisenbergnãoseaplicamapenasaposiçõesemomenta.Elastambém

podemseraplicadasaotempoeàenergia.Emboraaenergiaseja,amplamentefalando,umaquantidadeconservadaemteoriaquântica–assimcomooénateoriaclássica–,issosóéverdadeiroatéopontodaincerteza relevante. Em outras palavras, existe a possibilidade na mecânica quântica de “tomaremprestada” alguma energia extra, contanto que seja devolvida com a presteza adequada. Essamodalidade um tanto pitoresca de argumento (que pode ficar mais precisa e mais convincente comcálculos detalhados) permite a ocorrência de algumas coisas demodomecanicamente quântico, o queseriaenergeticamenteproibidonafísicaclássica.Oexemplomaisantigodeumprocessodessetipoaserreconhecidorelacionavaapossibilidadedetunelamentoatravésdeumabarreiradepotencial.

AsituaçãoprototípicaestáesboçadanaFigura7,naquala“colina”quadradarepresentaumaregiãoemque,paraentrar,éprecisoopagamentodeumatarifadeenergia(chamadadeenergiapotencial)igualàalturadacolina.Umapartículaemmovimentocarregarácomelaaenergiadeseumovimento,oqueosfísicoschamamdeenergiacinética.

7.Tunelamento.

Na física clássica, a situação é bem definida.Uma partícula cuja energia cinética émaior do que atarifa de energia potencial conseguirá passar, atravessando a barreira com uma velocidadeadequadamentereduzida(assimcomoumcarrodesaceleraaosubirumacolina),masacelerandodenovonooutroladoconformesuaenergiacinéticatotalérestaurada.Seaenergiacinéticaformenordoqueabarreiradepotencial,apartículanãoconseguepassarpela“colina”edevesimplesmenteserrefletida.

Daperspectivadamecânica quântica, a situação é diferente em funçãoda possibilidadepeculiar detomarenergiaemprestadacontraotempo.Issopodepermitirqueumapartículacujaenergiacinéticasejaclassicamente insuficiente para superar a colina ainda assim atravesse, algumas vezes, a barreira,contantoqueatinjaooutroladodemodorápidoobastanteparadevolveraenergiadentrodolimitedetempo necessário. É como se a partícula tivesse tunelado através da colina. Substituir essa pitorescanarraçãodehistóriasporcálculosprecisos levaàconclusãodequeumapartículacujaenergiacinéticanão esteja abaixo demais da altura da barreira terá certa probabilidade de atravessá-la e certaprobabilidadedeserrefletida.

Existem núcleos radioativos que se comportam como se contivessem determinados constituintes,chamadosdepartículasalfa,quesãoaprisionadosdentrodonúcleoporumabarreiradepotencialgeradapelas forças nucleares. Se apenas essas partículas pudessem atravessar essa barreira, teriam energiasuficienteparaescaparporcompletodooutrolado.Núcleosdessetipoexibem,defato,ofenômenodeumdecaimento alfa, e foi um sucesso inicial da aplicação de ideias quânticas em nível nuclear o uso decálculosdetunelamentoparadarumrelatoquantitativodaspropriedadesdessasemissõesalfa.

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EstatísticaNa física clássica, partículas idênticas (duas do mesmo tipo, como dois elétrons) são, ainda assim,

distinguíveisentresi.Se inicialmenteas rotulamosde1e2,essasmarcasdediscriminação terãoumasignificância permanente à medida que monitorarmos as trajetórias separadas das partículas. Se oselétronsporfimemergiremapósumasériecomplicadadeinterações,aindapodemos,emprincípio,dizerqualé1equalé2.Poroutrolado,nomundoquânticonebulosamenteimpassívelderepresentaçãoporimagens, esse não émais o caso. Como não há trajetórias observáveis de forma contínua, tudo o quepodemos dizer após a interação é que um elétron emergiu aqui e um elétron emergiu lá. Qualquerclassificaçãoescolhidainicialmentenãopodeseracompanhada.Nateoriaquântica,partículas idênticastambémsãopartículasindistinguíveis.

Comoas classificações não têm significância intrínseca, a ordemdeterminada emque aparecememuma função de onda (ψ) deve ser irrelevante. Para partículas idênticas, o estado (1, 2) deve serfisicamente o mesmo que o estado (2,1). Isso não significa que a função de onda fica estritamenteinalteradapelatroca,poisocorrequeosmesmosresultadosfísicosseriamobtidosdeψoude−ψ [11].Essepequenoargumento levaaumagrandeconclusão.Oresultado temavercomoquesechamade“estatística”–ocomportamentodecoletâneasdepartículasidênticas.Segundoamecânicaquântica,háduaspossibilidades (correspondentesaosdois sinaispossíveisdo comportamentodeψ na operação detroca):

aestatísticadeBose sustentaqueψpermanece inalterada frente à operação de troca. Isso equivale adizerqueafunçãodeondaésimétricacomatrocadeduaspartículas.Partículasqueapresentamessapropriedadesãochamadasdebósons;aestatísticadeFermisustentaqueψmudadesinalfrenteàoperaçãodetroca,ouseja,afunçãodeondaéantissimétricanatrocadeduaspartículas.Partículasqueapresentamessapropriedadesãochamadasdeférmions.

As duas opções geram comportamentos distintos da estatística de partículas classicamentedistinguíveis. Acontece que a estatística quântica leva a consequências importantes para umacompreensãoessencialdaspropriedadesdamatériae tambémparaaconstrução tecnológicadenovosdispositivos. (Diz-se que 30% do PIB dos Estados Unidos derivam de indústrias com base quântica:semicondutores,lasersetc.)

Elétrons são férmions. Isso implica que ambosnuncapodem ser encontrados exatamente nomesmoestado. Esse fato resulta da argumentação de que a troca ao mesmo tempo não produziria nenhumamudança (uma vez que os dois estados são omesmo) e tambémumamudança de sinal (por causa daestatística de Fermi). A únicamaneira de sair desse dilema é concluir que a função de onda de duaspartículasé,naverdade,zero.(Outromeiodeenunciaromesmoargumentoédestacarquenãosepodefazerumacombinaçãoantissimétricadeduasentidadesidênticas.)Esseresultadoéchamadodeprincípiode exclusão e oferece a base para entender a tabela periódica química, com suas propriedadesrecorrentesdeelementosrelacionados.Defato,oprincípiodeexclusãoestánabasedapossibilidadedeumaquímicacomplexaobastantepara,emúltimaanálise,sustentarodesenvolvimentodaprópriavida.

Ahistóriaquímicaémaisoumenosassim: emumátomo, existemapenas certosestadosdeenergiadisponíveis para os elétrons e, naturalmente, o princípio de exclusão exigequenão existamais deumelétron ocupando qualquer um deles. O menor estado de energia estável do átomo corresponde aopreenchimento dos estados menos energéticos disponíveis. Esses estados podem ser o que os físicoschamamde“degenerados”,oquesignificaquehádiversosestadosdiferentesequetodostêmamesmaenergia. Um conjunto de estados degenerados constitui um nível de energia. Podemos visualizarmentalmenteomenorestadodeenergiadoátomocomosendocompostopormeiodaadiçãodeelétronsumaumemníveissucessivosdeenergia,atéonúmeronecessáriodeelétronsnoátomo.Umavezquetodososestadosdeumdeterminadoníveldeenergiaestejamcheios,umelétronadicionalteráqueirparaopróximoníveldeenergiamaisaltocontidopeloátomo.Seessenível,porsuavez,forpreenchido,entãoelepassaparaopróximonível,eassimpordiante.Emumátomocommuitoselétrons,osmenoresníveisde energia (também chamados de “camadas”) estarão todos cheios, com quaisquer elétrons de sobraocupandoapróximacamada.Essa “sobra”deelétrons sãoosque ficarammais longedonúcleoe,por

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essemotivo,determinarãoasinteraçõesquímicasentreoátomoeoutrosátomos.Àmedidaquesubimosnaescaladecomplexidadeatômica(percorrendoatabelaperiódica),onúmerodeelétronsdesobra(0,1,2...)variaciclicamente,conformecadacamadaficapreenchida,eéessepadrãoderepetiçãodoselétronsmaisexternosqueproduzasrepetiçõesquímicasdatabelaperiódica.

Em contraste com os elétrons, fótons são bósons. Ocorre que o comportamento dos bósons éexatamenteoopostodocomportamentodos férmions.Oprincípiodeexclusãonãoseaplicaaeles!Osbósons gostam de estar no mesmo estado. Eles são semelhantes aos habitantes do sul da Europa,amontoando-sealegrementenomesmovagãodo trem,enquantoos férmionssãocomooseuropeusdonorte,espalhados isoladamenteportodootrem.Essecompanheirismodosbósonséumfenômenoque,em sua forma mais extrema, leva ao grau de concentração em um único estado que é chamado decondensaçãodeBose.Éessapropriedadequeestáportrásdoaparelhotecnológicodolaser.Opoderdaluzdo laserdeve-seao fatodeelaseroquesechamade“coerente”,ouseja,a luzconsistedemuitosfótonsqueestãotodosexatamentenomesmoestado,umapropriedadeparaaqualaestatísticadeBosedá um forte incentivo. Também há efeitos associados à supercondutividade (o desaparecimento deresistência elétrica em temperaturasmuito baixas) que dependemda condensação de Bose, levando aconsequênciasobserváveis das propriedades quânticas em nívelmacroscópico. (A baixa temperatura énecessáriaparaevitarqueacolisãotérmicadestruaacoerência.)

Elétronse fótons tambémsãopartículascomspin, ou seja, elescarregamumaquantia intrínsecademomentum angular (uma medida de efeitos de rotação) quase como se fossem pequenos piões. Nasunidadesquesãonaturaisnateoriaquântica(definidaspelaconstantedePlanck),oelétrontemspin1/2eofótontemspin1.Essefatoilustraumaregrageral:partículasdespininteiro(0,1...)sãosemprebósons;partículas de spin fracionário (1/2, 3/2,…) são sempre férmions. Do ponto de vista de teoria quânticacomum,esseteoremadaestatísticadospinéapenasumaregrapráticasemexplicação.Porém,WolfgangPauli (que também formulou o princípio da exclusão) descobriu que, quando a teoria quântica e arelatividade especial são combinadas, o teorema emerge como uma consequência necessária dessacombinação.Ajunçãodasduasteoriasgerapercepçõesmaisricasdoquecadaumaécapazdeoferecerdemodoindependente.Otodoacabasendomaisdoqueasomadaspartes.

EstruturadebandasAformadematériasólidamaissimplesdeseimaginaréumcristal,emqueosátomosconstituintessão

ordenados no padrão de uma disposição regular. Um cristal macroscópico, significativo na escala daexperiênciacotidiana,conterátantosátomosquepodesertratado,demodoeficiente,comoinfinitamentegrandedopontodevistamicroscópicodateoriaquântica.Aaplicaçãodeprincípiosdemecânicaquânticaasistemasdesse tiporevelanovaspropriedades, intermediáriasentreasdeátomos individuaiseasdepartículasemmovimentolivre.Vimosque,emumátomo,possíveisenergiasdeelétronvêmemumasériediscreta de níveis distintos. Por outro lado, um elétron emmovimento livre pode ter qualquer energiapositiva, correspondente à energia cinética de seu movimento real. As propriedades energéticas deelétronsemcristaissãoumtipodemeio-termoentreessesdoisextremos.Osvalorespossíveisdeenergiaencontram-sedentrodeumasériedebandas.

8.Estruturadebandas.

Emumabanda,háumavariaçãocontínuadepossibilidades; entrebandas,nenhumníveldeenergiaestá disponível aos elétrons. Em resumo, as propriedades energéticas de elétrons em um cristalcorrespondemaumasériedefaixasdevaloresalternadosentrepermitidoseproibidos.

A existência dessa estrutura de bandas oferece a base para entender as propriedades elétricas de

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sólidoscristalinos.Ascorrenteselétricasresultamdainduçãodomovimentodeelétronsdentrodosólido.Se a banda de energia mais alta de um cristal estiver totalmente cheia, essa mudança no estado doelétron exigirá a excitação de elétrons pela lacuna até a banda acima. A transição demandaria umaentradasignificativadeenergiaporelétronexcitado.Comoissoémuitodifícildeserefetivado,umcristalcom bandas totalmente preenchidas se comportará como um isolante. Será muito difícil induzirmovimento em seus elétrons. Se, porém, um cristal tiver sua banda mais alta apenas parcialmentepreenchida,aexcitaçãoserá fácil,pois somenteseránecessáriaumapequenaentradadeenergiaparamoverumelétronparaumestadodisponíveldeenergiaumpoucomaisalta.Essecristalsecomportarácomoumcondutorelétrico.

ExperimentosdeescolhademoradaMais informações sobre as estranhas implicações do princípio da sobreposição foram dadas pela

discussãodeJohnArchibaldWheelersobreoqueelechamavade“experimentosdeescolhademorada”.Uma disposição possível está ilustrada na Figura 9.Um feixe estreito de luz é dividido em A em doissubfeixes,quesãorefletidospelosespelhosemBeCparajuntá-losnovamenteemD,ondeumpadrãodeinterferência pode formar-se em razão da diferença de fase entre os dois trajetos (as ondas saíramdefase). Podemos considerar um feixe inicial tão fraco que, a qualquermomento, apenas umúnico fótonatravessa o dispositivo. Os efeitos de interferência em D devem ser entendidos como resultantes daautointerferênciaentreosdoisestadossobrepostos: (trajetoàesquerda)e (trajetoàdireita). (Comparecom a discussão do experimento da fenda dupla no Capítulo 2.) A nova característica que WheelerdiscutiusurgeseodispositivoformodificadopelainserçãodeumaparelhoXentreCeD.XéumachavequedeixaumfótonpassarouodesviaparaumdetectorY.Seachaveforajustadaparatransmissão,oexperimentoéomesmoqueoanterior,comumpadrãode interferênciaemD.Seachave forajustadapara deflexão e o detector Y registrar um fóton, então não pode haver padrão de interferência emD,porqueessefótondevecertamentetertomadootrajetoàdireitaparaquefossedesviadoporY.Wheelerdestacou o estranho fato de que o ajuste deX poderia ser escolhido enquanto o fóton está a caminhodepois de A. Até que a configuração da chave seja selecionada, o fóton está, de alguma forma,possibilitandoduasopções:adeseguirostrajetosàesquerdaeàdireitaetambémadeseguirapenasumdeles.Experimentosengenhososforam,defato,conduzidosseguindoessaslinhasderaciocínio.

SomassobrehistóriasRichard Feynman descobriu uma maneira idiossincrática de reformular a teoria quântica. Essa

reformulação gera as mesmas previsões da abordagem convencional, mas oferece um modo pictóricobastantedistintodepensarsobrecomosurgemessesresultados.

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9.Umexperimentodeescolhademorada.

Afísicaclássicanosapresentatrajetóriasclaras,trajetosúnicosdemovimentoconectandoopontodepartidaAaopontofinalB.Demodoconvencional,ocálculoéfeitopelasoluçãodascélebresequaçõesdamecânicanewtoniana.NoséculoXVIII,descobriu-sequeotrajetorealpoderiaserprescritodeumaformadiferente,masequivalente,aodescrevê-locomoatrajetórialigandoAaBquedeuovalormínimoparaumadeterminadagrandezadinâmicaassociadaatrajetosdiferentes.Essagrandezaéchamadade“ação”,enãoprecisamosabordarsuadefiniçãoaqui.Oprincípiodamínimaação(comonaturalmentepassouaserchamado)assemelha-seàpropriedadedosraiosdeluz,ouseja,elestomamotrajetodetempomínimoentredoispontos. (Senãohouver refração, esse trajetoéuma linha reta,masemummeio refrator, oprincípiodotempomínimolevaàconhecidacurvaturadosraios,talcomoquandoumlápisdentrodeumcopod’águapareceestardobrado.)

Devido à nebulosa impossibilidade de representar os processos quânticos em imagens, as partículasquânticas não têm trajetórias definitivas. Feynman sugeriu que, em vez disso, devemos imaginar umapartículaquânticasemovendodeAparaBportodosostrajetospossíveis,emlinharetaoucurva,rápidaou lentamente.Dessepontodevista, a funçãodeondado raciocínio convencional surgiuda adiçãodecontribuiçõesdetodasessaspossibilidades,dandoorigemàdescriçãode“somassobrehistórias”.

Osdetalhesdecomoostermosnessaimensasomadevemserformadossãotécnicosdemaisparaseremdiscutidosaqui.Acontribuiçãodedeterminado trajetoestá relacionadaàaçãoassociadaaesse trajetodivididapelaconstantedePlanck.(Asdimensõesfísicasdeaçãoedehsãoasmesmas,entãosuarazãoéumnúmero puro, independentemente das unidades em que escolhemosmedir as grandezas físicas.) Aformarealassumidaporessascontribuiçõesdediferentestrajetoséaquelanaqualostrajetosvizinhostendem a se anular, em função de rápidas flutuações nos sinais (mais precisamente, fases) de suas

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contribuições.Seosistemaconsideradoédotipocujaaçãoégrandeemrelaçãoah,somenteotrajetodemínimaaçãocontribuirábastante(poisépróximodessetrajetoqueasflutuaçõessãomenorese,portanto,oefeitodeanulaçõeséminimizado).Essaobservaçãoofereceumamaneirasimplesdeentenderporquegrandessistemascomportam-sedemodoclássico,seguindotrajetosdemínimaação.

Aformulaçãoprecisaecalculáveldessasideiasnãoénadafácil.Pode-seprontamenteimaginarqueaamplitudedevariaçãorepresentadapelamultiplicidadedetrajetospossíveisnãoéumsimplesagregadosobre o qual somar. Apesar disso, a abordagem de somas sobre histórias teve duas consequênciasimportantes.UmadelaséterlevadoFeynmanadescobrirumatécnicadecálculomuitomaismanejável,agora universalmente chamada de “integrais de Feynman”, que é a mais útil abordagem aos cálculosquânticos disponibilizada a físicos nos últimos cinquenta anos. Ela gera uma imagem física emque asinteraçõessedevemàtrocadeenergiaemomentumcarregadospeloquesechamampartículasvirtuais.O adjetivo “virtual” é usado porque essas “partículas” intermediárias, que não podem aparecer nosestadosinicialefinaldoprocesso,nãosãoforçadasatermassasfísicas,mas,emvezdisso,somassobretodososvaloresdemassapossíveis.

Aoutravantagemdaabordagemdesomassobrehistóriaséqueexistemalgunssistemasquânticosumtantosutisecomplicadosparaosquaiselaofereceumamaneiramaisclaradeformularoproblemadoqueaqueladadapelaabordagemmaisconvencional.

MaissobredescoerênciaOs efeitos ambientais da radiação onipresente que produz descoerência têm um significado que vai

alémde sua relevânciaparcial aoproblemadamedição.Um importantedesenvolvimento recente foi apercepção de que eles também dizem respeito a como se deve pensar na mecânica quântica doschamadossistemascaóticos.

As imprevisibilidades intrínsecasqueestãopresentesnanaturezanão surgemapenasdosprocessosquânticos.Foiumagrandesurpresaparaamaioriadosfísicosquando,emtornodequarentaanosatrás,despontou a compreensão de que,mesmo na física newtoniana, hámuitos sistemas cuja sensibilidadeextremaaosefeitosdedistúrbiosmuitopequenostornaseucomportamentofuturoalémdenossopoderdeprevisãoexata.Essessistemascaóticos(comosãochamados)logopassamasersensíveisadetalhesaonível da incerteza de Heisenberg ou abaixo dela. Ainda assim, seu tratamento de uma perspectivaquântica–umassuntochamadodecaologiaquântica–éproblemático.

A razãopara aperplexidade é a seguinte: os sistemas caóticos têmumcomportamento cujo carátergeométricocorrespondeaosfamososfractais(dosquaisoconjuntodeMandelbrot,temadecentenasdepôsteres psicodélicos, é o melhor exemplo conhecido). Os fractais são o que se chamam de“autossemelhantes”,ouseja,elesseparecembasicamenteosmesmosemqualquerescalaemqueforemexaminados(dentesdeserracompostosdedentesdeserra...,portodoocaminho).Portanto,osfractaisnão têm escala natural. Os sistemas quânticos, por outro lado, têm uma escala natural, definida pelaconstante de Planck. Logo, a teoria do caos e a teoria quântica não se encaixam suavemente uma naoutra.

Aincompatibilidaderesultantelevaàchamada“supressãoquânticadocaos”:ossistemascaóticostêmseucomportamentomodificadoquandosetratadedependerdedetalhesnonívelquântico.Isso,porsuavez,levaaoutroproblemaparaosfísicos,surgindoemsuaformamaisagudadaconsideraçãoda16aluadeSaturno,chamadadeHipérion.Essepedaçoderochaemformadebatata,emtornodotamanhodeNovaYork,estádandovoltasdemodocaótico.SeaplicarmosnoçõesdesupressãoquânticaàHipérion,espera-se que o resultado seja incrivelmente eficiente, apesar do considerável tamanho da lua. Naverdade,combasenessecálculo,omovimentocaóticosópoderiadurar,nomáximo,porvoltade37anos.Na realidade, astrônomos vêm observandoHipérion por bemmenos tempo do que isso,mas ninguémesperaquesuaestranharotaçãocesseempoucotempo.Àprimeiravista,estamosenfrentandoumsérioproblema. Porém, a solução surge quando se leva a descoerência em consideração. A tendência dadescoerênciaemmoverascoisasemumadireçãoaparentementemaisclássicatemoefeito,porsuavez,de suprimir a supressão quântica do caos. Podemos esperar com confiança que Hipérion continuemovendo-seemdesordempormaisumlongotempo.

Outro efeito de um tipo bastante semelhante devido à descoerência é o efeito Zenão quântico. Um

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núcleo radioativo em função do decaimento será forçado de volta ao seu estado inicial pelas“miniobservações” que resultam de sua interação com os fótons ambientais. Esse contínuo retorno àestacazerotemoefeitodeinibirodecaimento,umfenômenojáobservadoemexperimentos.Esseefeitolevaonomedeumantigofilósofogrego,Zenão,cujareflexãosobreaobservaçãodeumaflechaestandoagoraemumpontofixoopersuadiudequeaflechanãopoderiaestarrealmentesemovendo.

Esses fenômenos evidenciaram que a relação entre teoria quântica e seu limite clássico é sutil,envolvendooentrelaçamentodeefeitosquenãopodemsercaracterizadostãosomenteporumadivisãosimplistaem“grandes”e“pequenos”.

TeoriaquânticarelativistaNossadiscussãodoteoremadaestatísticadospinjádemonstrouqueacombinaçãodateoriaquântica

com a relatividade especial produz uma teoria unificada de conteúdo enriquecido. A primeira equaçãoexitosaqueconseguiuformularacombinaçãodasduasdemodoconsistentefoiaequaçãorelativistadoelétron,descobertaporPaulDiracem1928 [12].Seusdetalhesmatemáticos são técnicosdemaisparaserem apresentados em um livro como este, mas devemos destacar duas importantes e imprevistasconsequênciasqueseseguiramaessedesenvolvimento.

Diracproduziusuaequaçãoapenascomasnecessidadesdateoriaquânticaedainvariânciarelativistaemmente.Portanto,deve tersidoumagratificantesurpresaquandoeledescobriuqueasprevisõesdaequação das propriedades eletromagnéticas do elétron eram tais que se verificou que as interaçõesmagnéticasdoelétroneramduasvezesmaisintensasdoqueseteriaingenuamenteesperadocombasenoraciocíniodequeoelétronéumpiãoemminiaturaecomcargaelétrica.Jásesabiaempiricamenteque era isso que acontecia, mas ninguém havia conseguido entender o motivo desse comportamentoaparentementeanômalo.

Asegunda–eaindamaissignificativa–consequênciaresultoudabrilhantetransformaçãoqueDiracfez de ameaça de derrota em vitória triunfal. Como estava, a equação tinha um defeito grosseiro. Elapermitiaestadospositivosdeenergiadotiponecessárioparacorresponderaocomportamentodeelétronsreais,mastambémpermitiaestadosnegativosdeenergia,osquaisnãofaziamsentidoemtermosfísicos.Ainda assim, não poderiam ser simplesmente descartados, pois os princípios de mecânica quânticainevitavelmente permitiriam a desastrosa consequência de transições a eles dos estados positivos deenergia fisicamente aceitáveis. (Isso seria um desastre físico porque as transições para tais estadospoderiam produzir quantidades ilimitadas de energia positiva de equilíbrio, resultando em um tipo demáquina descontrolada de movimento perpétuo.) Por um bom tempo, este foi um enigma altamenteembaraçoso.DiracentãopercebeuqueaestatísticadeelétronsdeFermipoderiapermitirumasaídadodilema.Comgrandeaudácia,elesupôsquetodososestadosdeenergianegativajáestavamocupados.Oprincípio da exclusão bloquearia a possibilidade de qualquer transição para eles a partir dos estadospositivosde energia.Oqueaspessoashaviamconsideradoespaço vazio (o vácuo)estava,naverdade,repletodesse“mar”deelétronsdeenergianegativa!

Parece uma imagem um tanto estranha e posteriormente, de fato, foi possível formular a teoria demodo que preservasse os resultados desejáveis de maneira menos pitoresca, mas também menosesquisita. Enquanto isso, o trabalho com o conceito do mar de energia negativa levou Dirac a umadescobertadegrandeimportância.Sefossefornecidaenergiasuficiente,porexemplo,porumfótoncommuita energia, seria possível ejetar um elétron com energia negativa domar, transformando-o em umelétron com energia positiva do tipo comum.O que, então, se deveria fazer com o “buraco” que esseprocesso deixara para trás nomar negativo? Como a ausência de energia negativa é omesmo que apresença de energia positiva (dois sinais de menos resulta em um sinal de mais), então o buraco secomportariacomoumapartículacomenergiapositiva.Contudo,aausênciadecarganegativaéomesmoque a presença de carga positiva, por isso essa “partícula-buraco” estaria com carga positiva, emcontrasteaoelétroncomcarganegativa.

Nadécadade1930,opensamentode físicosdepartículaselementareserabastanteconservadoremcomparaçãoàliberdadeespeculativaqueviriamaistarde.Elesnãogostavamnemumpoucodaideiadesugerir a existência de algum tipo de partícula novo e, até então, desconhecido. Portanto, supunha-seinicialmentequeessapartículapositivasobreaqualDiracfalarapoderiaserobemconhecidoprótoncom

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cargapositiva.Porém,logopercebeu-sequeoburacoprecisavateramesmamassadoelétron,enquantooprótontemmassamuitomaior.Assim,aúnicainterpretaçãoaceitáveldisponívellevavaàprevisãoumtanto relutante de uma partícula totalmente nova – em pouco tempo batizada de pósitron – demassaeletrônica,mascomcargapositiva.Suaexistêncialogofoiconfirmadapormeiodeexperimentos,quandoospósitronsforamdetectadosemraioscósmicos.(Naverdade,jáhaviaexemplosmuitoantes,porémnãoforamreconhecidoscomotal.Ospesquisadorestêmdificuldadeemveroquenãoestãoprocurando.)

Acabou se percebendo que essa união de elétron e pósitron era um exemplo específico decomportamentoabundantenanatureza.Existe tantoamatéria (comooselétrons)quantoaantimatériacomcargaoposta (comoospósitrons).Oprefixo “anti” é apropriadoporqueumelétroneumpósitronpodemanular-se, desaparecendo emuma explosão de energia. (Nomodo antiquado de falar, o elétronpreencheoburaconomareaenergialiberadaéirradiada.Inversamente,comovimos,umfótondealtaenergiapode impulsionarumelétronparaforadomar,deixandoumburacoparatrásecriando,assim,umparelétron-pósitron.)

A fértil história da equação deDirac, que levou a uma explicação das propriedadesmagnéticas e àdescobertadaantimatéria,temasquenãoexerceramnenhumafunçãonamotivaçãooriginaldaequação,é um impressionante exemplo do valor ao longo prazo que pode ser exibido por uma ideia científicarealmente fundamental. É essa fertilidade notável que convence os físicos de que realmente estão“prestesadescobriralgo”eque,aocontráriodassugestõesdealgunsfilósofosesociólogosdaciência,nãoestãoapenasconcordandotacitamenteemanalisarascoisasdedeterminadamaneira.Emvezdisso,estãofazendodescobertassobrecomoomundofísicorealmenteé.

TeoriaquânticadecamposOutradescobertaessencial foi feitaporDiracquandoaplicouosprincípiosdemecânicaquântica ao

campo eletromagnético, em vez de aplicá-los às partículas. Esse desenvolvimento gerou o primeiroexemploconhecidodeumateoriaquânticadecampos.Emretrospectiva,daressepassonãoétãodifícilemtermostécnicos.Aprincipaldiferençaentreumapartículaeumcampoéqueaquelatemapenasumnúmero finito de graus de liberdade (maneiras independentes em que seu estado pode alterar-se), aopasso que um campo tem um número infinito de graus de liberdade. Existem técnicas matemáticasbastanteconhecidasparalidarcomessadiferença.

A teoria quântica de campos é de considerável interesse e nos oferece uma das formas maisesclarecedorasdepensarsobreadualidadeonda-partícula.Umcampoéumaentidadedispersanoespaçoe no tempo. Ele é, portanto, uma entidade que tem uma natureza intrinsecamente ondulatória. Aaplicação da teoria quântica ao campo resulta em suas grandezas físicas (como energia emomentum)estandopresentes empacotes discretos e contáveis (quanta). Todavia, essa capacidade de contagemésimplesmenteoqueassociamosaocomportamentocorpuscular.Logo,noestudodeumcampoquântico,estamos investigando e compreendendo uma entidade que exibe explicitamente propriedadesondulatóriasecorpuscularesdamaneiramaisclarapossível.Émaisoumenoscomosesurpreendercomofatodequeummamíferopossapôrumovoquedáorigemaumornitorrincodebicoparecidocomodeumpato.Umexemplorealésempreinstrutivoaomáximo.Ocorreque,nateoriaquânticadecampos,osestados que demonstram propriedades ondulatórias (em termos técnicos, que têm fases definidas) sãoaqueles que contêmumnúmero indefinido de partículas. Essa última propriedade é uma possibilidadenaturaldevidoaoprincípiodasobreposiçãodateoriaquântica,quepermiteacombinaçãodeestadoscomdiferentes números de partículas neles. Seria uma opção impossível na teoria clássica, em que só éprecisoolhareverparacontaronúmerodepartículasrealmentepresentes.

O vácuo, na teoria quântica de campos, tem propriedades incomuns que são especialmenteimportantes. O vácuo é, obviamente, o menor estado de energia, em que não haverá excitações quecorrespondamapartículas.Aindaassim,emboranãoexistanadalánessesentido,nateoriaquânticadecampos não significa que não esteja acontecendo nada. A razão para isso é a seguinte: uma técnicamatemática padrão, chamada de análise de Fourier, nos permite considerar um campo como sendoequivalente a uma coleção infinita de osciladores harmônicos. Cada oscilador tem uma frequênciaespecíficaassociadaaele,eoosciladorsecomportadinamicamente,comosefosseumpêndulodaqueladeterminada frequência. O vácuo no campo é o estado em que todos esses “pêndulos” estão em seus

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menoresestadosdeenergia.Paraumpênduloclássico,issoocorrequandoopesoestáemrepousoenaparteinferior.Essaéverdadeiramenteumasituaçãoemquenadaestáacontecendo.Porém,amecânicaquântica não possibilita um grau tão perfeito de tranquilidade.Heisenberg não admitirá que o “peso”tenhaumaposiçãodefinida (naparte inferior)eummomentumdefinido (emrepouso).Emvezdisso,opêndulo quântico deve estar em levemovimento,mesmo em seumenor estado de energia (próximo àparte inferior e quase em repouso,masnão totalmente).A vibraçãoquântica resultante é chamadademovimento de ponto zero. A aplicação dessas ideias –muitas vezes ao longo da disposição infinita deosciladores,queéumcampoquântico–supõequeseuvácuosejaumacolmeiadeatividade.Asflutuaçõesocorrem continuamente e, no decorrer disso, “partículas” transitórias aparecem e desaparecem. Umvácuoquânticoémaiscomoumplenumdoquecomooespaçovazio.

Quando os físicos começaram a aplicar a teoria quântica de campos a situações que envolveminteraçõesentreoscampos,enfrentaramalgumasdificuldades.Onúmeroinfinitodegrausdeliberdadetendiaaproduzirrespostasinfinitasparaoquedeveriamtersidograndezasfísicasfinitas.Umcaminhoimportantepeloqualissoocorriaerapormeiodainteraçãocomovácuoemconstanteflutuação.Porfim,encontrou-se uma forma de produzir sentido a partir da falta de sentido. Certos tipos de teorias decampos(chamadasdeteoriasrenormalizáveis)produzemapenastiposlimitadosdeinfinitos,tãosomenteassociados àsmassas de partículas e às intensidades de suas interações. A simples eliminação dessestermos infinitos e sua substituição pelos valores finitosmedidos das grandezas físicas relevantes é umprocedimentoquedefineresultadossignificativos,mesmoqueoprocedimentonãosejaexatamentepuro.Também serve para fornecer expressões finitas que estejam em completa concordância com oexperimento.Amaioriadosfísicosestácontentecomessesucessopragmático.Noentanto,Diracnuncase sentiu assim. Ele desaprovava completamente engodos questionáveis com grandezas formalmenteinfinitas.

Hoje, todas as teorias de partículas elementares (como a teoria do quark de matéria) são teoriasquânticasdecampos.Aspartículassãoconsideradasexcitaçõesenergéticasdocamposubjacente.(Umateoriadecamposapropriada tambémofereceamedidacertade lidarcomasdificuldadesdo“mar”deelétronscomenergianegativa.)

ComputaçãoquânticaRecentemente, tem havido considerável interesse na possibilidade de explorar o princípio da

sobreposiçãocomoummeiodeobtermaiorpodercomputacional.Acomputaçãoconvencionalbaseia-senacombinaçãodeoperaçõesbinárias,expressasformalmenteem

combinações lógicasdezeroseuns, realizáveisemtermosdehardwareporchavesquesão ligadasoudesligadas. Em um dispositivo clássico, é evidente, essas últimas possibilidades são mutuamenteexclusivas. Uma chave está definitivamente ligada ou definitivamente desligada. No mundo quântico,porém,achavepoderiaestaremumestadoqueéumasobreposiçãodessasduaspossibilidadesclássicas.Uma sequência de tais sobreposições corresponderia a um tipo totalmente novo de processamento emparalelo.Acapacidadedemantertantasbolascomputacionaisnoaraomesmotempopode,emprincípio,representarumaumentodepoderdecomputaçãoqueaadiçãodeelementosextrasmultiplicariademodoexponencial se comparado ao aumento linear em circunstâncias convencionais. Muitas tarefascomputacionais, como as decodificações ou a fatoração de números muito grandes, inviáveis nasmáquinasatuais,entãosetornariampossíveis.

Aspossibilidadessãoempolgantes.(Seusproponentesexibemapreçoemfalarsobreelasemtermosdemuitos mundos, como se o processamento fosse acontecer em universos paralelos, mas parece querealmenteéapenasoprincípiodasobreposiçãoemsiqueservedebaseparaaviabilidadedacomputaçãoquântica.) Contudo, a implantação na prática será uma empreitada nitidamente complexa, ainda commuitos problemas a serem resolvidos. Vários deles concentram-se na preservação estável dos estadossobrepostos. O fenômeno da descoerência mostra como pode ser problemático isolar um computadorquântico da interferência ambiental deletéria. A computação quântica está recebendo séria atençãotecnológicaeempreendedora,mas, comoprocedimentoefetivo, continuasendoumbrilhonosolhosdeseusproponentes.

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CAPÍTULO5CONECTIVIDADE

Einstein, por meio de sua explicação do efeito fotoelétrico, foi um dos avôs da teoria quântica.Entretanto, passou a detestar sua neta. Como a grande maioria dos físicos, estava profundamenteconvencidodarealidadedomundo físicoeacreditavanaverdadeiraconfiabilidadedaexplicaçãoqueaciênciadavadesuanatureza.Maseleveioacrerqueessarealidadesópoderiasergarantidapelotipodeobjetividade ingênua que o raciocínio newtoniano presumira. Por consequência, Einstein abominava anebulosadesordemqueaortodoxiadeCopenhagueatribuíaànaturezadomundoquântico.

Seuprimeiroataquecontraateoriaquânticamodernaassumiuaformadeumasériedeexperimentosmentais altamente engenhosos, sendo que cada um deles objetivava contornar, de algumamaneira, aslimitaçõesdoprincípiodaincertezadeHeisenberg.OadversáriodeEinsteinnessacompetiçãoeraNielsBohr,quecadavezobtinhaêxitoemdemonstrarqueumaaplicaçãocompletadasideiasquânticasatodososaspectosdoexperimentopropostoresultavanasobrevivênciaincólumedoprincípiodaincerteza.Porfim,Einsteinadmitiusuaderrotanessabatalha.

Apóslambersuasferidasporumtempo,Einsteinestavadevolta,escolhendoumnovoterrenoparaocombate.Comdoiscolaboradoresmaisjovens,BorisPodolskyeNathanRosen,eledemonstrouquehaviaalgumasimplicaçõesdelongoalcancemuitoespecíficas,atéentãodespercebidas,paraocomportamentodamecânicaquânticadeduaspartículasaparentementebemseparadas.Asquestõessãoexplicadascommaior facilidadeem termosdeumdesenvolvimentoposteriordoque – considerandoosnomesde seusdescobridores–podemoschamardepensamentoEPR.Oargumentodeve-seaDavidBohme,emborasejaumpoucocomplexo,valeapenaanalisá-lo.

Suponha que duas partículas tenham spins s1 e s2 e saiba-se que o spin total é zero. Isso implica,naturalmente,ques2é–s1.O spin é umvetor (ou seja, temmagnitude, direção e sentido – pensenelecomosefosseumaseta),eseguimosaconvençãomatemáticausandonegritoparagrandezasvetoriais.Umvetordespin,portanto,temtrêscomponentesmedidosaolongodetrêsdireçõesespaciaisescolhidas:x,yez.Semedíssemosocomponentexdes1eobtivéssemoss’1xcomoresposta,entãoocomponentexdes2deveriaser–s’1x.Se,poroutrolado,tivéssemosmedidoocomponenteydes1,obtendoarespostas’1y,saberíamos que o componente y de s2 teria sido –s’1y. No entanto, amecânica quântica não permite amediçãosimultâneadoscomponentesxeydospin,poisháumarelaçãodeincertezaentreeles.Einsteinargumentouque,emboraissopossaserverdadeirosegundoopensamentoquânticoortodoxo,oquequerquetenhaacontecidocomapartícula1nãopoderiaterefeitoimediatosobreadistantepartícula2.NopensamentoEPR,aseparaçãoespacialde1e2implicaaindependênciadoqueaconteceem1edoqueaconteceem2.Seessefosseocaso,esepudéssemosescolhermedirocomponentexouydospinem1eobterdeterminadoconhecimentodoscomponentesxouy,respectivamente,dospinem2,entãoEinsteinalegavaqueapartícula2devia,naverdade,teressesvaloresdefinidosparaseuscomponentesdespin,realizando,defato,asmediçõesounão.Issoeraalgoqueateoriaquânticaconvencionalnegava,porquearelaçãodeincertezaentreoscomponentesxeydospinaplicava-setantoàpartícula2quantoàpartícula1.

AconclusãoqueEinsteinderivoudesseargumentomoderadamentecomplicadoédequedeveriahaveralgoincompletonateoriaquânticaconvencional.Estanãoexplicavaoqueeleacreditavaseremvaloresdefinidosdoscomponentesdospin.Quase todosos seuscolegas físicos interpretamascoisasdemododiferente. Em sua visão, nems1nems2 têm componentes definidos do spin até que umamedição sejarealmentefeita.Logo,adeterminaçãodocomponentexde1forçaocomponentede2aassumirovaloroposto.Issoequivaleadizerqueamediçãoem1tambémforçaumcolapsodafunçãodeondaem2novaloropostodocomponentexdospin.Sefosseocomponenteyasermedidoem1,entãoocolapsoem2teriasidonocomponenteyopostodospin.Essesdoisestados2(componentexconhecido;componenteyconhecido) são absolutamente distintos entre si. Assim, a visão damaioria leva à conclusão de que amedição em 1 produz mudança instantânea em 2, uma mudança que depende exatamente do que é

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medidoem1.Ouseja,háalgumaconectividadenãolocalcontraintuitivaentre1e2;açãoem1produzconsequências imediatas para 2, e as consequências são diferentes para ações diferentes em 1. Issocostuma ser chamado de efeito EPR. A terminologia é de certo modo irônica, uma vez que o próprioEinstein se recusava a acreditar em tal conexão de longo alcance, considerando-a uma influência“fantasmagórica”demaisparaseraceitávelporumfísico.Assimpermaneceuaquestãoporumtempo.

OpróximopassofoidadoporJohnBell.Eleanalisouquaispropriedadesosistema1-2teriasefosseumsistemagenuinamenteseparado(conformeEinsteinhaviasuposto),compropriedadesem1dependendoapenasdoqueocorrialocalmenteem1epropriedadesem2dependendoapenasdoqueaconteciaem2emnível local.Belldemonstrouque,seessaestrita localidadefosseverdadeira,haveriacertasrelaçõesentre as grandezasmensuráveis (elas são agora chamadas de desigualdades de Bell) que a mecânicaquânticapreviuqueseriamvioladasemdeterminadascircunstâncias.Issorepresentavaumsignificativopassoàfrente,movendooargumentodoreinodosexperimentosmentaisparaodomínioempiricamenteacessível do que poderia ser de fato investigado no laboratório. Os experimentos não eram fáceis derealizar, mas por fim, no início da década de 1980, Alain Aspect e seus colaboradores conseguiramconduzirumainvestigaçãoorquestradacomhabilidadeparaconfirmarasprevisõesdateoriaquânticaenegarapossibilidadedeumateoriapuramentelocaldotipoqueEinsteinhaviadefendido.Haviaficadoclaroqueexisteumgrauirredutíveldenãolocalidadepresentenomundofísico.Asentidadesquânticasque interagiram entre si permanecemmutuamente entrelaçadas, pormais longe que possam, por fim,separar-seespacialmente.Parecequeanaturezalutacontraumreducionismoimplacável.Nemomundosubatômicopodesertratadodemaneirapuramenteatomística.

AimplicaçãodoefeitoEPRdarelacionalidadeprofundamentearraigadanaestruturafundamentaldomundofísicoéumadescobertasobreaqualopensamentofísicoeareflexãometafísicaaindaprecisamchegaraumacordoparaelucidar totalmente todasassuasconsequências.Comopartedesseprocessocontínuo de assimilação, é necessário ser o mais transparente possível sobre qual é a natureza doentrelaçamentoimplicadapeloEPR.Deve-sereconhecerqueestáenvolvidoumverdadeirocasodeaçãoadistância,enãomeramentealgumganhodeconhecimentoadicional.Usandoumalinguagemacadêmica,oefeitoEPRéontológico,enãoapenasepistemológico.Oacréscimodeconhecimentoadistâncianãoéproblemáticoousurpreendente.Suponhaqueumaurnacontenhaduasbolas:umabranca,aoutrapreta.Eu e você colocamos nossas mãos e retiramos uma das bolas com o punho cerrado. A seguir, vocêcaminhaumquilômetropelaestrada,abreamãoeverificaquetemabolabranca.Imediatamentesabeque eu devo ter a preta. O único detalhe que muda nesse episódio é o seu estado de conhecimento.Sempretiveabolapreta,vocêsempreficoucomabranca,masagoraficoucientedisso.NoefeitoEPR,aocontrário,oqueaconteceem1mudaoqueocorreem2.Écomose,casovocêdescobrisseterumabolavermelhanamão,eudeveriaterumabolaazulnaminha;porém,sevocêencontrasseumabolaverde,euteria que estar com uma bola amarela e, antes de você olhar, nenhum de nós tivesse bolas de coresdeterminadas.

Um leitor atento pode questionar toda essa conversa sobre mudança instantânea. A relatividadeespecialnãoproíbequealgoem1tenhaqualquerefeitoem2atéquehajatempoparaatransmissãodeuma influência que se move, no máximo, à velocidade da luz? Não exatamente. O que a relatividaderealmente proíbe é a transmissão instantânea de informação, aquela de um tipo que permitiria asincronizaçãoimediatadeumrelógioem2comumrelógioem1.OcorrequeotipodeentrelaçamentodoEPRnãopermiteotransportedemensagensdessetipo.Omotivoparaissoéquesuaconectividadenãolocalassumeaformadecorrelaçõesentreoqueestáacontecendoem1eoqueestáacontecendoem2,enenhumamensagempodeserlidaforadessascorrelaçõessemconhecimentodoqueestáocorrendonasduasextremidades.Écomoseumcantorem1estivessecantandoumasequênciaaleatóriadenotaseumcantor em 2 também estivesse cantando uma sequência aleatória de notas, e somente se alguémconseguisse ouvi-los aomesmo tempo é que perceberia que os dois cantores estão em algum tipo deharmoniaentreeles.Apercepçãodeque issoocorreassimnosprevinedeadotaro tipodeargumento“quânticodamoda”,oqualerroneamenteafirmaqueoEPR“prova”apossibilidadedatelepatia.

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CAPÍTULO6LIÇÕESESIGNIFICADOS

Aimagemdeprocessofísicoapresentadaanóspelateoriaquânticaéradicalmentediferentedaqueaexperiência diária nos levaria a esperar. Sua peculiaridade é tal que chega a suscitar, com algumaintensidade,aquestãodeseresta,defato,comoanaturezasubatômica“realmenteé”ouseamecânicaquântica não passa de uma maneira conveniente, porém estranha, de falar que nos permite fazer oscálculos.Podemosobterrespostasqueconvergemassustadoramentecomosresultadosobtidospelousoemlaboratóriodeaparelhosclássicosdemedição,mastalveznãodevamosrealmenteacreditarnateoria.A questão suscitada é basicamente de ordem filosófica e vai além do que pode ser determinadounicamente pelo uso dos próprios recursos desassistidos da ciência.Na verdade, esse questionamentoquânticoéapenasumexemploespecífico–mesmoquedesafiadordemodo incomum–do fundamentaldebatefilosóficoentreosrealistaseospositivistas.

PositivismoerealismoOspositivistasconsideramopapeldaciênciacomosendodereconciliaçãodedadosobservacionais.Se

épossívelfazerprevisõesqueexplicam,demodoprecisoeharmonioso,ocomportamentodosaparelhosdemedição,atarefaestáfeita.Questõesontológicas(oquerealmenteexistelá?)sãoumluxoirrelevanteeémelhorquesejamdescartadas.Omundodospositivistasépovoadodeleiturasdecontadoresemarcasemplacasfotográficas.

Essepontodevistatemumalongahistória.OCardealBellarmineinsistiuqueGalileuconsiderasseosistema Copérnico como um meio conveniente de “salvar as aparências”, uma boa maneira de fazercálculosparadeterminarondeosplanetasapareceriamnocéu.GalileunãodeveriapensarqueaTerradefato girava em torno do sol – ao contrário, deveria considerar que Copérnico usou tal pressuposiçãoapenascomoumdispositivoútildecálculo.EssaofertaparapreservaroprestígionãoteveapeloalgumjuntoaGalileu,nemsugestõessemelhantesforamfavoravelmenterecebidaspeloscientistasemgeral.Seaciênciasódeveseocuparemcorrelacionardados,enãoemnosdizercomoomundofísicorealmenteé,ficadifíciladmitirqueaempreitadavaletodootempo,otrabalhoeotalentogastosparaexecutá-la.Seusfeitospareceriamescassosdemaisparajustificartalgraudeenvolvimento.Alémdisso,aexplicaçãomaisnaturaldacapacidadequeumateoriatemdesalvarasaparênciascomcertezaseriaqueelaapresentaalgumacorrespondênciacomomodocomoascoisassão.

Ainda assim,Niels Bohr geralmente aparentava estar falando sobre a teoria quântica de uma óticapositivista.Umavez,eleescreveuaumamigoque

Omundo quântico não existe. Há apenas uma descrição física quântica abstrata. É errado pensar que a tarefa da física édescobrircomoanaturezaé.Afísicalidacomoquepodemosdizersobreanatureza.

A preocupação de Bohr com o papel de aparelhos clássicos demedição poderia ser vista como umincentivoaessepontodevistadeconotaçãopositivista.Vimosque,emseusúltimosanos,eleficoumuitopreocupado com questões filosóficas, escrevendo extensamente sobre elas. O material resultante teminterpretaçãoárdua.OdomdeBohremassuntos filosóficosestavamuitoaquémde seuextraordináriotalentocomofísico.Alémdisso,eleacreditava–eexemplificava–quehádoistiposdeverdade:umtipotrivial, que pode ser articulado de modo claro, e um tipo profundo, sobre o qual só se pode falarnebulosamente.Comcerteza,o conjuntode seusescritos temsido interpretadodevárias formaspelosestudiosos.Algunssentiramquehavia,defato,umtipoderealismoqualificadoaoqualBohreraadepto.

Paraosrealistas,opapeldaciênciaédescobrircomoomundofísicorealmenteé.Essaéumatarefaquenuncaserátotalmentecumprida.Novosregimesfísicos(encontradosemenergiasaindamaiores,porexemplo)sempreestarãoaguardandoinvestigaçãoepodemvirademonstrarcaracterísticasinesperadasem seu comportamento. Uma avaliação honesta das realizações da física pode, no máximo, alegarverossimilhança(umarepresentaçãoprecisadeumavariedadeampla,mascircunscrita,defenômenos),enão verdade absoluta (uma representação total da realidade física). Os físicos são os cartógrafos do

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mundo físico, buscando teorias que sejam adequadas em uma escala escolhida, porém incapazes dedescrevertodososaspectosdoqueestáacontecendo.Umavisãofilosóficadessetipovêasconquistasdaciênciafísicacomoafirmecompreensãodeumarealidadereal.Omundodosrealistasestápovoadodeelétronsefótons,quarkseglúons.

Umtipodemeio-termoentrepositivismoerealismoéoferecidopelopragmatismo,aposiçãofilosóficaquereconheceofatotecnológicodequeafísicanospermiterealizarascoisas,masquenãovaitãolongequanto a posição realista de pensar que sabemos como omundo realmente é.Umpragmático poderiadizerquedevemos levaraciênciaa sério,masnãoapontodeacreditarnela.Aindaassim,de longeaexplicação mais óbvia do sucesso tecnológico da ciência é seguramente por estar baseada noentendimentoverossimilhantedamaneiracomoamatériarealmentesecomporta.

Umasériededefesasdorealismocientíficopodeserorganizada.Uma,jáobservada,équeeleofereceuma compreensãonatural dos sucessos preditivos da física e de sua fecundidade a longoprazo, assimcomo do trabalho confiável dos muitos dispositivos tecnológicos construídos à luz de sua imagem domundofísico.Orealismotambémexplicaporqueoempenhocientíficoévistocomoalgodigno,atraindoadevoçãovitalíciademuitaspessoasdebastantetalento,poiséumaatividadequegeraconhecimentorealdecomoascoisassão.Orealismocorrespondeàconvicçãodecientistasdequeexperimentamacriaçãodedescobertasedequenãosãosómaneirasmelhoresdefazeroscálculos,ousimplesmenteumacordotácito entre eles próprios de ver as coisas dessa forma. Essa convicção de descoberta origina-seintensamente da frequente experiência da recalcitrância exibida pela natureza diante da expectativaprévia do cientista. O físico pode abordar fenômenos com determinadas ideias emmente apenas paradescobrirqueelassãonegadaspelomodorealcomqueseverificaocomportamentodomundofísico.Anatureza força a reconsideração sobrenós, e issogeralmentemotiva a eventual descoberta do carátertotalmente inesperado do que está acontecendo. O surgimento da teoria quântica é, sem dúvida, umexemplonotáveldorevisionismoimpostopelarealidadefísicasobreopensamentodocientista.

Se a teoria quântica está, de fato, dizendo-nos como o mundo subatômico realmente é, então suarealidade é algo muito diferente da objetividade ingênua com a qual podemos abordar o mundo dosobjetos cotidianos. Essa foi a questão que Einstein considerou tão difícil de aceitar. Ele acreditavaapaixonadamente na realidade do mundo físico, mas rejeitava a teoria quântica convencional porquesupunha,demodoequivocado,queapenasoobjetivopoderiaseroreal.

A realidade quântica é nebulosa e intermitente por natureza. O filósofo e físico francês Bernardd’Espagnatfaloudesuanaturezacomosendo“velada”.OpensadormaisverdadeiramentefilosóficodosfundadoresdateoriaquânticafoiWernerHeisenberg.EleacreditavaqueseriavaliosotomaremprestadodeAristótelesoconceitodepotentiaeumavezescreveuque

Emexperimentossobreeventosatômicos,precisamoslidarcomcoisasquesãofatos,comfenômenosquesãotãoreaisquantoqualquer fenômeno na vida diária.Mas os átomos ou partículas elementares não são tão reais; eles formamummundo depotencialidadesoupossibilidades,emvezdecoisasoufatos.

Umelétronnãopossui,otempotodo,umaposiçãodefinitivaouummomentumdefinitivo;emvezdisso,ele possui a potencialidade de exibir um ou outro se uma medição transformar a potencialidade emrealidade.EudiscordariadoraciocíniodeHeisenbergdequeesse fato tornaumelétron“nãotãoreal”quanto uma mesa ou uma cadeira. O elétron simplesmente goza de um tipo distinto de realidade,apropriadoàsuanatureza.Seformosconhecerascoisascomoelassão,deveremosestarpreparadosparaconhecê-lascomorealmentesão,emseusprópriostermos,porassimdizer.

Por que quase todos os físicos querem insistir na realidade, adequadamente compreendida, doselétrons? Acredito que seja porque a pressuposição de que existem elétrons, com todas as sutispropriedadesquânticasqueosacompanham,torna inteligíveisgrandesfaixasdeexperiênciafísicaque,docontrário,pareceriamnebulosas.Elaexplicaaspropriedadesdeconduçãodosmetais,aspropriedadesquímicas dos átomos, nossa capacidade de construir microscópios de elétrons e muito mais. É ainteligibilidade (e não a objetividade) que é a pista para a realidade – uma convicção que,incidentalmente,estáemconformidadecomumatradiçãometafísicaderivadadopensamentodeTomásdeAquino.

A realidade velada que caracteriza a essência da natureza dos elétrons é representada em nossopensamento pelas funções de onda associadas a eles.Quando um físico pensa no que um elétron está

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“fazendo”,éafunçãodeondaapropriadaqueestásendoconsiderada.Éevidentequeafunçãodeondanãoéumaentidadetãoacessívelquantoapresençaobjetivadeumaboladebilhar,maselatambémnãofuncionanopensamentoquânticodeummodoquenosdeixeconfortáveiscomanoçãopositivistadequeéunicamenteumdispositivoparafazercálculos.Afunçãoumtantofantasmagóricadeondapareceumveículoapropriadoparaseraportadoradapotencialidadeveladadarealidadequântica.

RacionalidadeSeoestudodefísicaquânticatemalgoaensinar,équeomundoestárepletodesurpresas.Ninguém

teria suposto de antemão que poderia haver entidades que, algumas vezes, se comportassem como sefossemondase,emoutras,comosefossempartículas.Essacompreensãofoiforçadasobreacomunidadefísica pela necessidade intransigente de experiência empírica verdadeira. ComoBohr disse uma vez, omundonãoéapenasmaisestranhodoquepensamos;eleémaisestranhodoquepoderíamosimaginar.Observamos anteriormente que inclusive a lógica precisa ser modificada quando aplicada ao mundoquântico.

Umsloganparaafísicaquânticapoderiamuitobemser:“Abaixoatiraniaindevidadosensocomum”.Esse comovente lema transmite uma mensagem de maior relevância do que para o domínio quânticoapenas. Ele nos lembra de que nossos poderes de previsão racional são bastante míopes. A questãoinstintivaqueumcientistadeveformularsobreumaexplicaçãopropostadealgumaspectodarealidade,sejanaciência,sejaalémdela,nãoé“issoérazoável?”,comosesentíssemosquesabemosdeantemãoqueformaarazãodeveráassumir.Emvezdisso,aperguntaadequadaé:“Oquefazvocêpensarqueissodeveria ser assim?”. Esta é uma questão muito mais aberta, sem afastar a possibilidade de surpresaradical,masinsistindoquedevehaverumsuportedeevidênciasparaoqueestásendoafirmado.

Seateoriaquânticanosincentivaamanterflexívelnossaconcepçãodoqueérazoável,elatambémnosincentiva a reconhecer que não existe epistemologia universal, nenhuma maneira soberana pela qualpodemos esperar obter todo o conhecimento. Embora possamos conhecer o mundo cotidiano em suarealidadenewtoniana,sópoderemosconheceromundoquânticoseestivermospreparadosparaaceitá-loemsuaincertezaheisenbergiana.Ainsistênciaemumarepresentaçãoingenuamenteobjetivadoselétronslevaapenasaofracasso.Háumtipodecírculoepistemológico:comosabemosqueumaentidadedeveseconformarànaturezadessaentidade,anaturezadaentidadeéreveladapormeiodoquesabemossobreela.Nãohácomoescapardessadelicadacircularidade.Oexemplodateoriaquânticaincentivaacrençadequeocírculopodeserbenigno,enãovicioso.

CritériosmetafísicosTeorias físicas exitosas devem, com o tempo, conseguir exibir sua capacidade de ajuste aos fatos

experimentais.Oobjetivofinaldesalvarasaparênciaséumempreendimentonecessário,emborapossahaveralgunsperíodosintermediáriosdedificuldadenocaminhoqueconduzaessefim(talcomoquandoDiracaprincípiosedeparoucomaaparentementedesastrosaprevisãoemtermosempíricosdosestadosnegativosdeenergiadoelétron).Deespecialpersuasãoseráapropriedadedefertilidadesustentada,àmedidaqueumateoriasemostrarcapazdepreverouoferecerumacompreensãodefenômenosnovoseinesperados(aexplicaçãodeDiracdaspropriedadesmagnéticasdoselétronsesuaprevisãodopósitron).

Ainda assim, esses sucessos empíricos não são, por si próprios, critérios suficientes para que acomunidade científica endosse uma teoria. A escolha entre uma interpretação indeterminista da teoriaquânticaeumainterpretaçãodeterministanãopodeserfeitacombasenessesfundamentos.Bohmsalvaasaparências,assimcomoBohr.Aquestãoentreelesprecisaserresolvidaporoutrosmotivos.Ocorrequeadecisãodependedejulgamentometafísico,enãoapenasdemediçõesfísicas.

Os critérios metafísicos que a comunidade científica leva muito a sério na avaliação do peso a sercolocadoemumateoriaincluem:

1.EscopoAteoriadevetornarinteligívelamaiorvariaçãopossíveldefenômenos.NocasodeBohreBohm,esse

critério não leva a uma solução da questão entre eles em função da equivalência empírica dos doisconjuntos de resultados (embora se deva observar que o pensamento bohmiano precisa concluir suarepresentaçãocommelhoresargumentosparasubstanciarsuacrençadequeasprobabilidades iniciais

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sãodadascorretamenteporumcálculodefunçãodeonda).

2.EconomiaQuantomaisconcisaeparcimoniosaforumateoria,maisatraenteelaparecerá.AteoriadeBohmtem

pontuaçãomenoraquiporcausadesuapressuposiçãodaondaoculta,alémdaspartículasobserváveis.Essamultiplicaçãodeentidadescertamenteévistapormuitosfísicoscomoumacaracterísticaatraentedateoria.

3.ElegânciaEssa é uma noção à qual se pode adicionar a propriedade de naturalidade, que resulta da falta de

artifíciosindevidos.Énessepontoqueamaioriadosfísicosencontraaprincipaldificuldadecomasideiasbohmianas. Em especial, a apropriação adhoc, porém necessária, da equação de Schrödinger como aequaçãoparaaondabohmianatemumaroportunistanadaatraente.

Essescritériosnãoestãoforadaprópriafísica,mastambémsãodotipoquetornamsuaavaliaçãoumaquestãode julgamentopessoal.Queeles sejamsatisfeitosnãoéumaquestãoquepode ser reduzidaàobediência deumprotocolo formalizado.Não é um julgamento cuja avaliaçãopode ser delegada a umcomputador.OvereditodamaiorpartedacomunidadedafísicaquânticaemfavordeBohrecontraBohméumexemplo paradigmático do que o filósofo da ciência,Michael Polanyi, teria chamadode papel do“conhecimento pessoal” na ciência. Polanyi, que fora um químico renomado antes de se voltar para afilosofia,enfatizavaque,emboraoobjetodeestudodaciênciasejaomundofísicoimpessoal,aatividadedepraticarciênciaéinevitavelmenteumaatividadedepessoas.Issosedáporqueenvolvemuitosatosdejulgamentoqueexigemoexercíciodehabilidadestácitasquesópodemseradquiridasporpessoasquepassaram por uma longa aprendizagem na comunidade de cientistas em busca da verdade. Essesjulgamentosnãosereferemapenasàaplicaçãodotipodecritériosmetafísicosqueestivemosdiscutindo.Em um nívelmais cotidiano, eles incluem habilidades como a capacidade do pesquisador de avaliar eeliminarefeitosartificiais “desegundoplano”quepoderiam,aocontrário,contaminaros resultadosdeum experimento. Não existe um manual que diga ao pesquisador como fazer isso. Trata-se de algoaprendidocomaexperiência.EmumafrasequePolanyirepetiacomfrequência,nóstodos“sabemosmaisdoquepodemosdizer”,oquesemanifestanashabilidadestácitasdeandardebicicleta,noconhecimentodevinhosounoprojetoeexecuçãodeexperimentosfísicosexitosos.

HolismoVimosnoCapítulo5queoefeitoEPRmostraqueháumanãolocalidadeintrínsecapresentenomundo

quântico.Tambémvimosqueo fenômenodadescoerência simplificouosefeitos incrivelmentepotentesqueoambientegeralpodeexercitarsobreasentidadesquânticas.Emboraafísicaquânticasejaafísicadascoisasmuitopequenas, elanãoendossauma representaçãoda realidadepuramenteatomística,de“quinquilharias”.

Afísicanãodeterminaametafísica(avisãodemundomaisampla),mascertamentealimita,maisoumenos como a fundação de uma casa limita, mas não determina completamente o edifício que seráconstruídosobreela.Opensamentofilosóficonemsemprelevouemconsideraçãodemodoadequadoasimplicaçõesdesses aspectosholísticos da teoria quântica.Nãopodehaver dúvidadeque incentivamaaceitação da necessidade de obter uma representação do mundo natural que tenha sucesso emreconhecer que seus blocos de construção são, de fato, partículas elementares, mas também que suacombinaçãodáorigemaumarealidademaisintegradadoqueumasimplesimagemconstituintesozinhapoderiasugerir.

OpapeldoobservadorUm clichê que é repetido com frequência é que a teoria quântica é “criada pelo observador”. Um

raciocíniomais cuidadosoqualificará e reduzirá consideravelmente essa alegação.Oquepode serditodependeráessencialmentedequalinterpretaçãodoprocessodemediçãoseráescolhida.Essaéaquestãocentralporque,entreasmedições,aequaçãodeSchrödingerprescrevequeumsistemaquânticoevoluideformaperfeitamentecontínuaedeterminada.Tambéméimportantelembrarqueadefiniçãogeraldemedição é o registro macroscópico irreversível do sinal de um estado microscópico das coisas. Esse

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acontecimentopodeenvolverumobservador,mas,viaderegra,issonãoénecessário.Apenasa interpretaçãodaconsciênciaatribuiumpapelúnicoaosatosdeumobservadorconsciente.

Todasasoutras interpretaçõesocupam-seexclusivamentedosaspectosdoprocesso físico, semapeloàpresençadeumapessoa.Mesmonainterpretaçãodaconsciência,opapeldoobservadorestáconfinadoafazer a escolha consciente do que serámedido e, a seguir, trazer à tona, demodo inconsciente, qualresultado realmente acabou sendo revelado. A realidade só pode ser transformada nos limites dapotencialidadequânticajápresente.

Navisãoneo-Copenhague,o investigadorescolheoaparelhoaserusadoeoquedevesermedido,eentãooresultadoédecididodentrodesseaparelhoporprocessosfísicosmacroscópicos.Se,aocontrário,éanovafísicadaGRWqueestásendoaplicada,éoprocessoaleatórioqueproduzoresultadoreal.Seateoriabohmianaestivercorreta,opapeldoobservadorconsistirásimplesmentenafunçãoclássicadeveroquejáé,inequivocamente,asituação.Nainterpretaçãodosmuitosmundos,éoobservadorquesofreaaçãodarealidadefísica,sendoclonadoparaapareceremtodososuniversosparalelos,emcujoenormeportfóliotodososresultadospossíveissãorealizadosemalgumlugar.

Nenhum fator comum une essas diferentes representações possíveis do papel do observador. Nomáximo,pareceriaapropriadofalarapenasda“realidadeinfluenciadapeloobservador”eevitarfalarda“realidadecriadapeloobservador”.Oquejánãoera,emalgumsentido,potencialidadepresentenuncapoderiasertrazidoàexistência.

Emassociaçãoaesseassunto,devemostambémquestionaraafirmativa,geralmentefeitaemconjuntocom paralelos alegados ao conceito damaya no pensamento oriental, de que omundo quântico é um“mundo dissolvente” de insubstancialidade. Esse é um tipo de meia-verdade. Existe a característicaquântica“velada”quejádiscutimos,juntoàfunçãoamplamentereconhecidaqueapotencialidadeexercena compreensão quântica. Ainda assim, também há aspectos persistentes do mundo quântico queprecisam igualmente ser levados em consideração. Grandezas físicas como energia e momentum sãoconservadasnateoriaquântica,talcomoocorrenafísicaclássica.Lembretambémqueumdostriunfosiniciais damecânica quântica foi explicar a estabilidade dos átomos. O princípio da exclusão quânticareforçaaestrutura fixada tabelaperiódica.De formaalgumaomundoquântico inteirodissolve-seemevanescência.

ModaquânticaPareceapropriadoencerrarestecapítulocomumavisodesaúde intelectual.Éevidentequea teoria

quântica é estranha e surpreendente,mas não é tão esquisita a ponto de permitir que “vale tudo”. Éevidente que ninguém argumentaria com tamanha crueza, mas existe um tipo de discurso que podeperigosamenteseaproximardaadoçãodessaatitudecaricata.Pode-sechamarissode“modaquântica”.Querosugerirquesemantenhaasobriedadeaosefazerumapeloàpercepçãoquântica.

Vimos que o efeito EPR não oferece uma explicação da telepatia, pois seu grau de emaranhamentomútuonão facilitariaa transferênciade informações.Épossívelqueosprocessosquânticosnocérebrotenham alguma conexão com a existência da mente consciente humana, mas a incerteza subatômicaaleatóriaé,defato,muitodistintadoexercíciodolivre-arbítriodeumagente.Adualidadeonda-partículaé um fenômeno bastante surpreendente e instrutivo, cujo caráter aparentemente paradoxal foisolucionadoparanóspormeiodasobservaçõesdateoriaquânticadecampos.Porém,elanãonosconcedeumalicençaparacederaodesejodeadotarqualquerpardenoçõesdeaparênciacontraditóriaquenosvierà imaginação.Comoumadrogapotente,ateoriaquânticaémaravilhosaquandoaplicadademodocorreto,masdesastrosaquandoabusadaemal-aplicada.

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LEITURASCOMPLEMENTARES

Há um grande número de livros referentes à teoria quântica. A lista a seguir é uma breve seleçãopessoalquepodeserútilaoleitorqueestejaembuscademaioresinformações.

Livrosqueusammaismatemáticadoqueeste,masqueaindatêmumalinguagemascessível:HEY,T.;WALTERSP.Thequantumuniverse.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1987.POLKINGHORNE,J.C.Thequantumworld.Penguin,1990.RAE,M.Quantumphysics:illusionorreality?Cambridge:CambridgeUniversityPress,1986.

Um livro que usa matemática em nível profissional e que se ocupa muito mais de questõesinterpretativasdoqueécomumemlivros-texto:ISHAM,C.J.Lecturesonquantumtheory:mathematicalandstructuralfoundations.ImperialCollegePress,

1995.

Aexposiçãoclássicaporumdosfundadoresdotema:DIRAC,P.A.M.Theprinciplesofquantummechanics.4.ed.Oxford:OxfordUniversityPress,1958.

Umadiscussãofilosoficamentesofisticadadequestõesinterpretativas:D’ESPAGNAT, B. Reality and the physicist: knowledge, duration and the quantum world. Cambridge:

CambridgeUniversityPress,1989.

Umaintroduçãomaisgeralaquestõesdafilosofiadaciência:NEWTON-SMITH,W.H.Therationalityofscience.RoutledgeandKeganPaul,1981.

Porém,Newton-SmithdesprezaopensamentodeMichaelPolanyi,oquepodeserencontradoem:POLANYI,M.Personalknowledge.RoutledgeandKeganPaul,1958.

Livrosderelevânciaespecialàversãobohmianadateoriaquântica:BOHM,D.;HILEY,B.Theundivideduniverse.Routledge,1993.CUSHING, J. T. Quantum mechanics: historical contingency and the Copenhagen hegemony. Chicago:

UniversityofChicagoPress,1994.

Escritosreflexivosporduasfigurasfundadoras:BOHR,N.Atomicphysicsandhumanknowledge.Wiley,1958.HEISENBERG,W.Physicsandphilosophy:therevolutioninmodernscience.Allen&Unwin,1958.

Biografiadefísicosquânticoseminentes:CASSIDY,D.C.Uncertainty:thelifeandscienceofWernerHeisenberg.W.H.Freeman,1992.GLEICK,J.Genius:thelifeandscienceofRichardFeynman.Pantheon,1992.KRAGH,H.S.Dirac:ascientificbiography.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1990.MOORE,W.Schrödinger:lifeandthought.Cambridge:CambridgeUniversityPress,1989.PAIS,A.“Subtle is theLord...”: the scienceand life ofAlbertEinstein.Oxford:OxfordUniversityPress,

1982._______.NielsBohr’stimesinphysics,philosophyandpolity.Oxford:OxfordUniversityPress,1991.

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GLOSSÁRIO

Demodogeral,esteglossáriolimita-seadefinirtermosquesãorecorrentesnestetextoouquesãodeespecial significância para uma compreensão básica da teoria quântica. Outros termos que ocorremapenasumavezouqueapresentamimportânciamenosessencialsãodefinidosnoprópriotextoepodemseracessadospeloíndiceremissivo.

bósons:partículascujasfunçõesdeondacomváriaspartículassãosimétricas.caologiaquântica:assuntoaindanãocompreendidototalmentesobreamecânicaquânticadossistemas

caóticos.colapso do pacote de onda: mudança descontínua na função de onda ocasionada por um ato de

medição.complementaridade: o fato, bastante enfatizado por Niels Bohr, de que há maneiras distintas e

mutuamenteexclusivaspelasquaisumsistemaquânticopodeserconsiderado.constantedePlanck:novaconstantefísicafundamentalquedeterminaaescaladateoriaquântica.descoerência: efeito ambiental sobre sistemas quânticos que é capaz de induzir rapidamente o

comportamentoquaseclássico.desigualdadesdeBell:condiçõesquedeveriamsersatisfeitasemumateoriaqueeraestritamentelocal

emsuanatureza,semcorrelaçõesnãolocais.dualidadeonda-partícula:propriedadequânticasegundoaqualasentidadessecomportam,algumas

vezes,deformacorpusculare,emoutras,deformaondulatória.efeitoEPR:consequênciacontraintuitivadequeduasentidadesquânticasquetenhaminteragidoentresi

retêmumpoderdeinfluênciamútuapormaiorquesejaadistânciaqueassepara.epistemologia:discussãofilosóficaacercadasignificânciadoquepodemosconhecer.equação de Schrödinger: equação fundamental da teoria quântica que determina como a função de

ondavariacomotempo.estatística:comportamentodesistemascompostosdepartículasidênticas.fenômenos de interferência: efeitos que surgem da combinação de ondas, que podem resultar em

reforço(ondasemfase)ouanulação(ondasforadefase).férmions:partículascujasfunçõesdeondacomváriaspartículassãoantissimétricas.físicaclássica:teoriafísicadeterministaepassíveldeserrepresentadaporimagens,dotipoqueIsaac

Newtondescobriu.físicaestatística:tratamentodocomportamentofísicodesistemascomplexoscombaseemseusestados

maisprováveis.fórmula de Balmer: fórmula simples para as frequências de linhas proeminentes no espectro do

hidrogênio.funçãodeonda:representaçãomatemáticamaisútildeumestadonateoriaquântica.Éumasoluçãoda

equaçãodeSchrödinger.grausdeliberdade:asdiferentesmaneirasindependentespelasquaisumsistemadinâmicopodemudar

nodecorrerdeseumovimento.interpretaçãodeCopenhague: família de interpretações da teoria quântica derivadas de Niels Bohr

quedestacamaindeterminaçãoeopapeldeaparelhosclássicosnamedição.interpretaçãodosmuitosmundos:interpretaçãodateoriaquânticasegundoaqualtodososresultados

possíveisdemediçãosãorealmenterealizadosemmundosparalelosdistintos.momentumangular:grandezadinâmicaqueéamedidadomovimentorotatório.nãocomutação:propriedadedequeaordemdamultiplicaçãoimporta,deformaqueABnãoéomesmo

queBA.observáveis:grandezasquepodemsermedidasdemodoexperimental.ontologia:discussãofilosóficasobreanaturezadoser.positivismo:posição filosóficadequeaciênciadeveocupar-seunicamentecomacorrelaçãodiretade

fenômenosobservados.

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pragmatismo:posição filosóficadequeaciência,naverdade, temavercomacapacidade técnicaderealizarascoisas.

princípiodaincerteza:fatodeque,nateoriaquântica,osobserváveispodemseragrupadosempares(comoposiçãoemomentum,tempoeenergia),demodoqueosdoismembrosdoparnãopodemsermedidossimultaneamentecomprecisãoexata.AescaladolimitedeexatidãosimultâneaédeterminadapelaconstantedePlanck.

princípiodeexclusão:condiçãodequedoisférmions(comodoiselétrons)nãopodemestarnomesmoestado.

problemadamedição: controversa questão na interpretação da teoria quântica referente a como sedeveentenderaobtençãodeumresultadodefinitivoemcadaocasiãodemedição.

quarkseglúons:candidatosatuaisparaosconstituintesbásicosdamatérianuclear.radiação:energiacarregadapelocampoeletromagnético.realismo:posiçãofilosóficadequeaciênciaexplicacomoomundofísicorealmenteé.sobreposição:princípio fundamentaldateoriaquânticaquepermiteaadiçãodeestadosque,na física

clássica,seriamimiscíveis.spin:omomentumangularintrínsecoàspartículaselementares.teoria do caos: física de sistemas cuja extrema sensibilidade a detalhes de circunstância torna seu

comportamentofuturointrinsecamenteimprevisível.teoriabohmiana:interpretaçãodeterministadateoriaquânticapropostaporDavidBohm.teoriaquânticadecampos:aplicaçãodateoriaquânticaacampos,comoocampoeletromagnéticoouo

campoassociadoaoselétrons.variáveis ocultas: quantidades não observáveis que ajudam a fixar o que acontece de fato em uma

interpretaçãodeterministadateoriaquântica.

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APÊNDICEMATEMÁTICO

Exponho de modo conciso alguns detalhes matemáticos que esclarecerão, para os que desejaremaproveitá-los,váriospontosquesurgemnotextoprincipal,quenãoseaprofundanaquestãomatemática.(Háumareferênciaaos itensno texto, indicadapelosnúmerosdesuasseções.)Asexigênciasqueesteapêndice faz dos leitores variam da capacidade de manejar equações algébricas ao conhecimentoelementardanotaçãodocálculo.

1.AfórmuladeBalmerÉmaisútilapresentá-laemsuaformalevementemodificada,conformeescritaporRydberg.Sevnéa

frequênciadaenésimalinhanoespectrovisíveldohidrogênio(nassumindoosvaloresinteiros,3,4,...),então

vn=cR1_1,

ondecéavelocidadedaluzeRéumaconstantechamadadeRydberg.Talexpressãodafórmula,comoadiferençadosdois termos,acabou revelando-seuma jogadaperspicaz (vejao item3).Outras sériesdelinhaespectralemqueoprimeirotermoé1/12,1/32etc.,foramidentificadasposteriormente.

2.OefeitofotoelétricoSegundoPlanck, a radiação eletromagnética oscilandov vezes por segundo é emitida emquantade

energiahv, ondeh é a constante de Planck e tem ominúsculo valor de 6,63.10−34 joule-segundo. (Sesubstituirmosvpelafrequênciaangularω=2πν,afórmulatorna-seħω,ondeħ=h/2π,tambémchamadodeconstantedePlanckepronunciado“agácortado”.)Einsteinsupôsqueessesquantatinhamexistênciapermanente.Searadiaçãocaíssesobreummetal,

umdoselétronsnometalpoderiaabsorverumquantum,adquirindocomissosuaenergia.Seaenergianecessária para o elétron escapar dometal fosseW, então essa fuga ocorreria se hν>W, mas seriaimpossívelsehν<W.Portanto,haviaumafrequência(νo=W/h)abaixodaqualnenhumelétronpoderiaser emitido, pormais intenso que o feixe de radiação incidente pudesse ser. Acima dessa frequência,algunselétronsseriamemitidos,mesmoqueofeixefossebastantefraco.Umateoriaondulatóriapuradaradiaçãoresultariaemumcomportamentototalmentediferente,uma

vezqueseriaesperadoqueaenergiatransmitidaaoselétronsdependessedaintensidadedofeixe,masnãodesuafrequência.Aspropriedadesobservadasapartirdaemissãofotoelétricaestãoemconformidadecomasprevisões

daimagemcorpuscular,enãocomaimagemondulatória.

3.OátomodeBohrBohrsupôsqueoátomodehidrogênioconsistedeumelétrondecarga-eemassamsedeslocandoem

umcírculoaoredordeumprótondecargae.Asuamassaégrandeobastante(1.836vezesamassadoelétron)paraqueoefeitodeseumovimentosejadesprezado.Seoraiodocírculoéreavelocidadedoelétronév,entãooequilíbrioentreatraçãoeletrostáticaeaceleraçãocentrífugaresultaemAenergiadoelétronéasomadesuaenergiacinéticaeaenergiapotencialeletrostática

que,usando(3.1),podeserrepresentadacomoBohrimpôsumanovacondiçãoquântica,exigindoqueomomentumangulardoelétrontivessedeser

ummúltiplointeirodaconstantedePlanckħ,

mvr=nħ(n=1,2,...).

Assim,asenergiaspossíveiscorrespondentessãoSeaenergia liberadaquandoumelétronsemovedoestadon paraoestado2 foremitidacomoum

únicofóton,afrequênciadessefótonseráEssaéexatamenteafórmuladeBalmer(1.1).AlémdeBohrexplicaressafórmula,elepossibilitouquea

constanteRdeRydbergfossecalculadaemtermosdeoutrasconstantesfísicasconhecidas,umnúmeroqueestavadeacordocomovalor conhecidodemodoexperimental.AdescobertadeBohr

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representouumtriunfonotávelparaanovamaneiraquânticadepensar.(No cálculo adequado do átomo de hidrogênio com a mecânica quântica, usando-se a equação de

Schrödinger(vejaoitem6),osníveisdeenergiadiscretasurgemdeumaformaumtantodistinta,tendoalgumaanalogiacomasfrequênciasharmônicasdeumacordaaberta,eonúmeronémaisindiretamenterelacionadoaomomentumangular.)

4.OperadoresnãocomutativosAsmatrizesqueHeisenbergempregouemgeralnãocomutamentresi,masporfimverificou-sequea

teoria quântica exigia umageneralização adicional emque os operadores diferenciais não comutativosfossemincorporadosnoformalismo.EsseéodesenvolvimentoquelevouosfísicosausaramatemáticadoespaçodeHilbert.Nocasogeral,asfórmulasdamecânicaquânticapodemserobtidasapartirdaquelasdafísicaclássica,

fazendo-seasseguintessubstituiçõesparaposiçãoxemomentump:Devidoàaparênciadooperadordiferencial∂/∂xem(4.1),asvariáveisxepnãocomutamentresi,em

contrastecomapropriedadedecomutaçãoquetrivialmenteseaplicaaosnúmerosqueafísicaclássicaatribui a posições e momenta. Quando ∂/∂x está à esquerda, ele diferencia o x à direita, bem comoqualqueroutraentidadeàdireita,deformaquepodemosescreverDefinindoocolchetecomutador[p,x]=p.x−x.p,podemosreescreverissocomo[p,x]=−iħ.

Essarelaçãoéconhecidacomocondiçãodequantização.Umleitoratentoperceberáqueoutrasoluçãode(4.3)seriadadaporDirac deu ênfase especial ao fato de que há muitos modos equivalentes de formular a mecânica

quântica.

5.OndasdeDeBroglieAfórmuladePlanck

E=hν

torna a energia proporcional ao número de vibrações por unidade de intervalo de tempo. A teoria darelatividade engloba espaço e tempo, momentum e energia como combinações quádruplas naturais.Portanto,o jovemDeBrogliepropôsque,na teoriaquântica, omomentumdeveria serproporcional aonúmerodevibraçõesporunidadedeintervalodeespaço.Issonoslevaàfórmulaondeλéocomprimentodeonda.Asequações(5.1)e(5.2) juntasoferecemumamaneiraderelacionarpropriedadescorpusculares(Eep)epropriedadesondulatórias(veλ).Adependênciaespacialdeumaformadeondadecomprimentodeondaλédadapor

ei2πx/λ

Acombinaçãode(4.1)e(5.3)recupera(5.2).

6.AequaçãodeSchrödinger

Aenergiadeumapartículaéa somadesuaenergiacinética (½mv2=½p2/m,ondepémv) e suaenergiapotencial (que,emgeral,podemosrepresentarcomofunçãodex,V(x)).Arelaçãodemecânicaquânticaentreenergiaetempoqueéanálogaa(4.1)éAdiferençadesinaisentre(6.1)e(4.1)deve-seaofatodequeadependênciadotempodeumaforma

deondamovendo-separaadireitaecorrespondendoàdependênciaespacial(5.3)ée−i2πνt,

demodoqueosinaldemaisem(6.1)énecessáriopararesultaremE=hν.Usando (4.1)e (6.1)para transformarE=½mv2+Vemumaequaçãodiferencialparaa funçãode

ondadamecânicaquânticaψ,temosemumadimensãoespacialenoespaçotridimensionaldovetorx=(x,y,z),ondeEssasexpressõessãoaequaçãodeSchrödinger,escritapelaprimeiravezporelecombaseemuma

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linhadeargumentaçãoumtantodiferente.Ooperadorentrecolchetesnasequações(6.3)échamadodehamiltoniano.Observequeasequações(6.3)sãoequaçõeslinearesemψ,oqueequivaleadizerque,seψ1eψ2são

duassoluções,entãoλ1ψ1+λ2ψ2,

tambéméparaqualquerpardenúmerosλ1eλ2.Max Born enfatizou que a função de onda tem a interpretação de representar uma onda de

probabilidade. A probabilidade de encontrar uma partícula no ponto x é proporcional ao quadrado domódulodafunçãodeondacorrespondente(complexa).

7.EspaçoslinearesApropriedadedelinearidadenofinaldoitem6éumacaracterísticaessencialdateoriaquânticaea

base para o princípio da sobreposição. Dirac generalizou essas ideias com base em funções de onda,formulandoateoriaemtermosdeespaçosvetoriaisabstratos.Umconjuntodevetores|αi⟩formaumespaçovetorialsequalquercombinaçãodelesλ1|α1⟩+λ2|α2⟩+...,

tambémpertenceraoespaço,ondeλisãonúmerosarbitrários(complexos).Diracchamouessesvetoresde“kets”.ElessãoasgeneralizaçõesdasfunçõesdeondaψdeSchrödinger.Tambémexisteumespaçodualde“bras”,antilinearmenterelacionadosaosketsondeosλ*isãoosconjugadoscomplexosdosλi.(Obras⟨α|obviamentecorrespondeàsfunçõesdeondacomplexasconjugadas,ψ*.)Umprodutoescalarpodeserformadoentreumbraeumket(resultandoemum“bra(c)ket”–Diracapreciavaessejogodepalavras,jáque“bracket”eminglêssignificacolchete).Issocorresponde,em termosde funçãodeonda,à integral ʃψ*1ψ2dx.Elaédenotadapor ⟨α1 |α2 ⟩e tem apropriedadeque

⟨α1|α2⟩=⟨α2|α1⟩*.

Segue-sede(7.3)que⟨α|α⟩éumnúmeroreale,naverdade,nateoriaquânticaimpõe-seacondiçãodequeelesejapositivo(devecorrespondera|ψ|2).Arelaçãoentreumestadofísicoeumketéoquesechamaderepresentaçãoderaios,oquesignifica

que|α⟩eλ|α⟩representamomesmoestadofísicoparaqualquernúmerocomplexoλnãozero.

8.AutovetoreseautovaloresOsoperadoresemespaçosvetoriaissãodefinidosporseuefeitodetransformarketsemoutroskets:O|α⟩=|α′⟩.

Nateoriaquântica,osoperadoresindicamomodocomoasgrandezasobserváveissãorepresentadasno formalismo (compare com os operadores (4.1) que atuam sobre uma função de onda). Expressõessignificativassãoosnúmerosquesurgemcomo“sanduíches”bra-operador-ket(chamadosde“elementosmatriciais”;elessãorelacionadosaamplitudesdeprobabilidade):

⟨β|O|α⟩.

Oconjugadohermitianodeumoperador,O†,édefinidopelarelaçãoentreelementosmatriciais:⟨β|O|α⟩=⟨α|O†|β⟩*.

Umasignificânciaespecialseanexaaosoperadoresquetêmseupróprioconjugadohermitiano:O†=O.

Eles são chamados de hermitianos, e somente esses operadores representam entidades fisicamenteobserváveis.Como os resultados de observações reais são sempre números reais, para que esse esquema tenha

sentidofísico,éprecisohaverumamaneiradeassociarnúmeroseoperadores,oqueseconsegueusandoas ideias de autovetores e autovalores. Se um operador O transforma um ket |α ⟩ em um múltiplonuméricodesimesmo,O|α⟩=λ|α⟩,

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então sediz que |α⟩é um autovetor deO com autovalorλ. Pode-se demonstrar que os autovaloresdeoperadoreshermitianossãosemprenúmerosreais.A interpretação física correspondente a esses fatos matemáticos é que os autovalores reais de um

observávelsãoosresultadospossíveisquepodemserobtidospelamediçãodesseobservável,enquantoosautovetores associados correspondem aos estados físicos em que aquele determinado resultado seráobtido com certeza (probabilidade um). Somente dois observáveis cujos operadores correspondentescomutamserãosimultaneamentemensuráveis.

9.AsrelaçõesdeincertezaA discussão do microscópio de raios gama demonstrou que a medição quântica força sobre o

observadorumacordoentreboaresoluçãoespacial(comprimentodeondacurto)epoucodistúrbio(baixafrequência). A inserção desse equilíbrio em termos quantitativos leva às relações de incerteza deHeisenberg, em que se verifica que a incerteza na posição, Δx, e a incerteza no momentum, Δp, nãopodemterumprodutoΔx.ΔpcujamagnitudesejamenordoqueaordemdaconstantedePlanckħ.

10.SchrödingereHeisenbergSeHéohamiltoniano(operadordeenergia),aleituradaequaçãodeSchrödingeréSeH não depende explicitamente do tempo, como em geral é o caso, (10.1) pode ser solucionado

formalmenteescrevendo|α,t⟩=e−iHt/ħ|α,0⟩.

Todasasconsequênciasfísicasdateoriaderivamdaspropriedadesdoselementosmatriciaisdaforma⟨α|O|β⟩.Arepresentaçãoexplícitadadependênciadotempo(10.2)resultaem

⟨α,0|eiHt/h.O.e−iHt/h|β,0⟩.

Associandoostermosdeumamaneiradiferente,temos⟨α,0|.eiHt/ħOe−iHt/ħ.|β,0⟩

ondeagoraadependênciado tempo foi empurrada,por assimdizer, paraumoperadordependentedotempoO(t)=eiHt/ħOe−iHt/ħ

(10.5)pode,então,sertratadocomoasoluçãodaequaçãodiferencialEsse modo de pensar sobre a teoria quântica, em que a dependência do tempo é associada às

observáveis do operador, e não aos estados, é exatamente como Heisenberg originalmente abordou oassunto.Assim,adiscussãodemonstrouaequivalênciadasabordagensdosdoismaioresfundadoresdateoriaquântica,apesardaaparência inicialdequeeles tenhamtratadoaquestãodemaneirabastantedistinta.

11.EstatísticaSe1e2sãopartículasidênticaseindistinguíveis,então|1,2⟩e|2,1⟩devemcorresponderaomesmo

estadofísico.Devidoànaturezaderepresentaçãoderaiosdoformalismo(vejaoitem7),issoimplicaque|2,1⟩=λ|1,2⟩

ondeλéonúmero.Porém,atrocade1e2duasvezesnãoequivaleamudançaalgumae,porisso,deverestaurarexatamenteosituaçãooriginal.Portanto,deveserverdadequeλ2=1,

dandoasduaspossibilidades,λ=+1(estatísticadeBose)ouλ=−1(estatísticadeFermi).

12.AequaçãodeDiracNaplacamemorial emhomenagemaPaulDirac, naAbadia deWestminster, está inscrita a seguinte

equação:iγ∂ψ=mψ.

Trata-se de sua célebre equação de ondas relativistas para o elétron, escrita em uma notação deespaço-tempoquadridimensionale(usandoasunidadesfísicasnaturaisàteoriaquânticaquedeterminam

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ħ=1).Osγssãomatrizesdequatroporquatroeψéoquesechamadeespinordequatrocomponentes(2estados(spin)vezes2(elétron/pósitron)).Esteéopontomáximoemquepodemoslevaroassuntoemumlivrointrodutóriodessetipo;porém,sejanopapel,sejanapáginaouempedranaAbadia,oespectadordeve teraoportunidadedeprestarhomenagemaoqueéumadasmaisbelaseprofundasequaçõesdafísica.

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JohnPolkinghorneéfísicoeteólogo.LecionoufísicamatemáticaemCambridgede1968a1979.Em1997,foiordenadocavaleirodaOrdemdoImpérioBritânico.ÉautordeTheQuantumWorld(1986),TheFaithofaPhysicist(1994)eScienceandTheology(1998),entreoutros.

Textodeacordocomanovaortografia.

Títulooriginal:QuantumTheory

PrimeiraediçãonaColeçãoL&PMPocket:dezembrode2011

Tradução:IuriAbreu

Capa:IvanPinheiroMachado.Foto:AGE/OtherImages

Preparação:ElisângelaRosadosSantos

Revisão:VivianeBorbaBarbosa

Cip-Brasil.CatalogaçãonaFonte

SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ

P832t

Polkinghorne,J.C.,1930-

Teoriaquântica/JohnPolkinghorne;traduçãodeIuriAbreu.–PortoAlegre,RS:L&PM,2016.

(ColeçãoL&PMPOCKETEncyclopaedia;v.985)

Traduçãode:QuantumTheory

Apêndice

Incluibibliografiaeíndice

ISBN978.85.254.3695-5

1.Teoriaquântica.2.Físicaquântica.I.Título.II.Série.

11-6681.CDD:530.12

CDU:530.145

©JohnPolkinghorne,2002

Teoriaquânticafoioriginalmentepublicadoeminglêsem2009.

EstatraduçãoépublicadaconformeacordocomaOxfordUniversityPress.

TodososdireitosdestaediçãoreservadosaL&PMEditores

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RuaComendadorCoruja,314,loja9–Floresta–90220-180

PortoAlegre–RS–Brasil/Fone:51.3225-5777–Fax:51.3221.5380

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TableofContentsAgradecimentosPrefácioCapítulo1:RachadurasclássicasCapítulo2:OnascerdaluzCapítulo3:PerplexidadesobscurasCapítulo4:DesenvolvimentosadicionaisCapítulo5:ConectividadeCapítulo6:LiçõesesignificadosLeiturascomplementaresGlossárioApêndicematemático