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Questionamentos em Mediação de Conflitos1

Corinna Schabbel, Ph.D.

2015

“Cuidado com os pensamentos, eles se transformam em palavras,

Cuidado com as palavras, elas se transformam em ação,

Cuidado com as ações, elas se transformam em hábitos,

Cuidado com as atitudes, elas moldam o caráter,

Cuidado com o caráter, ele controla seu destino. ”

(Autor desconhecido, apud Gómes, 2007)

A LINGUAGEM E O DESENVOLVIMENTO HUMANO

As confissões de Santo Augustinho podem ser consideradas como o nascedouro da psicologia

do desenvolvimento. Ao longo do século XX seu crescimento foi modesto em um primeiro momento,

para, aos poucos desenvolver-se, a partir da psicologia experimental, no estudo de mentes de crianças

e, posteriormente, as emoções, principalmente os medos condicionados.

Somente no final da década de 20, os estudos sobre o desenvolvimento da criança receberam

especial atenção de médicos interessados em qual sequencia os bebes desenvolvem seus movimentos.

Algumas teorias dessa época influenciaram o pensamento construtivista atual, como a teoria

maturacional de Gesell (1928), a teoria da Gestalt de Koffka (1924) e as teorias cognitivas de Piaget

(1983). O trabalho de Kurt Lewin, considerou a influência de fatores sociais e ambientais no processo

de desenvolvimento do comportamento infantil enquanto que Jerome Bruner(1966) integrou os

conceitos cognitivos de Piaget com a teoria do aprendizado entendendo que a linguagem, além da

função de comunicação, tem um papel ordenador do meio ambiente que é indispensável para o

entendimento dos significados do mundo exterior.

Modelos de processamento de informação tem cada vez mais salientado as diferenças individuais,

mais do que padrões normativos na psicologia do desenvolvimento.

Behavioristas explicam o comportamento linguístico como construções baseadas em cadeias de

estímulo-resposta e linguagem de reforço. Chomsky (1965), criticando a posição behaviorista,

argumentou que a aquisição da linguagem requer conhecimento inato, e o que faz uma pessoa ser

1 Este artigo é parte do livro Metodologia Narrativa Aplicada à Mediação de Conflitos (in prelo)

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competente em falar uma determinada língua é um conjunto de regras chamado gramática, em níveis

fonológicos, semânticos e sintáticos.

As teorias da competência (linguística) e as teorias da execução (psicologia) pretendem explicar

o processo mental envolvido na produção e compreensão da linguagem. O desenvolvimento cognitivo

e a evolução são posições que afirmam ser a mente um sistema de computação de órgãos, designados

por seleção natural para resolver problemas encontrados por nossos ancestrais evolucionários. Portanto,

as ideias essenciais são que a mente manipula símbolos ou representações mentais, tem uma arquitetura

modular, e é moldada por seleção natural.

Outro ponto importante no desenvolvimento do argumento para capacidade linguística inata é

a pobreza do argumento de input. Crianças vivendo em ambientes pobres de informação têm uma

estrutura deficiente de linguagem, com pobres ou limitados modelos de interação.

As palavras e a linguagem desempenham um papel importante tanto na história da evolução

humana como nos processos de comunicação. A hipótese de Sapir-Whorf sobre a relatividade

linguística onde a linguagem fornece os conceitos usados no pensamento construindo uma

Weltanschauung (visão de mundo) formando a base para a aquisição de conhecimento. Pessoas de

diferentes origens culturais pensam de forma diferente, devido à natureza, estrutura e função da

linguagem praticada em sua cultura de origem. Mesmo quando migram e se adaptam às culturas que os

acolhem, há traços da cultura de origem que não se alteram. As maneiras de interpretar o mundo -

inclusive como um evento é interpretado – podem ser diferentes porque a linguagem moldou as

primeiras estruturas de compreensão do mundo e seus significados.

Apesar de algumas características do processo pelo qual alguém aprende uma língua sejam

universais (Piaget, 1975; Chomsky,1975) a cultura também influencia o aprendizado da linguagem

(Wittgenstein,1945,1949; Maturana & Varella,1987). Depois de entender como a linguagem é

adquirida, quais processos são universais, e quais são específicos de uma cultura em particular, o

construtivismo aborda em que medida a linguagem influencia o pensamento e o comportamento. Regras

determinam como a linguagem é usada e entendida, num dado contexto social. Regras regulam nossa

vida social, o uso de significados particulares determina ações específicas em determinado contexto.

Assim, a identidade social de cada pessoa é uma estrutura inconstante que se baseia nas interações com

seu meio ambiente. Assim, a linguagem e a comunicação têm importância fundamental para entender

como as pessoas constroem sua vida social e a influência que a vida social exerce no desenvolvimento

da estrutura cognitiva de alguém. Para compreender o fluxo da comunicação, é importante entender a

linguagem como uma atividade complexa que, segundo Maturana, vem permeada de um colorido

emocional que faz sentido para quem se expressa em determinado contexto. Para facilitar o

entendimento e também, pelo status de comportamento dado à linguagem, Maturana cunhou o termo

linguajar para abarcar toda a complexidade do fenômeno da linguagem entre pessoas.

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Aprender uma linguagem, assim como aprender um jogo, consiste em aprender e partilhar

certas atitudes em relação às coisas à nossa volta, um sentido de importância, um senso de coerência

para tornar a comunicação possível. Um certo grau de regularidade no uso destes conceitos e

concordância em seu uso faz parte de uma linguagem comum. As regras da linguagem estabelecem

certas práticas linguísticas relacionadas com formas de vida. A essência da linguagem humana é dar

significados ou explicações para um mundo. A ação da linguagem é composta de duas partes: a parte

inorgânica, ou o uso dos sinais, e uma parte orgânica que consiste na compreensão destes sinais, nomeá-

los, interpretá-los, através do pensamento (Wittgenstein, 2005).

Em algum nível, as pessoas dependem umas das outras. Dependemos dos outros para satisfazer

nossas necessidades, e um dilema crucial aparece quando percebemos que um resultado positivo

depende da presença de outros. O valor do “nós” é desconhecido durante o período da adolescência,

quando o “nós” implica nas opiniões e sugestões dos pais. O “nós” é rejeitado se uma voz autoritária

está presente em nossa interação com professores, policiais, assistentes sociais, entre outros.

Adolescentes brigam para mostrar o quanto são autoconfiantes e capazes, porque a ideia de objetivos

interdependentes não é compatível com a visão de mundo deles. Eles agem usando respostas pré-

reflexivas conhecidas como “comportamento recatado”, e o mesmo é verdadeiro para as posições do

tipo “ ou tudo ou nada” (Crittenden, 2011).

Agressão pode estar relacionada com competição, agressividade pode referir-se à

competitividade. Lorenz ( 1952) declarou que os seres humanos são programados para se envolver nesta

forma de concorrência. Como pais, damos ênfase a uma variedade de mecanismos sociais tais como

jogos, esportes, estratificação social, e afirmações do tipo “ vencer é importante”, que reforçam

o espírito de competitividade nos filhos. No entanto, se a competição vai além do estar saudável (para

estimulação intelectual e crescimento), além de ser divertido (para lazer/recreação), a relação bem

orquestrada entre organismo/ambiente transforma-se em um verdadeiro campo de batalhas e disputas.

Estou interessada em como expressamos nossos sentimentos e pensamentos em conversas ou

discussões, já que o uso das habilidades de linguagem denota um senso de comportamento que pode ser

competitivo, interdependência e incompatibilidade, ou passivo e indiferente cuja conotação existe em

experiências presentes e passadas.

O eu-cognitivo, baseado na linguagem social-comportamental-cognitiva, toma decisões, opta

por significados, busca estratégias por avaliações, e sequências temporais que descrevem nossas

competências, habilidades, preferências e valores. O eu-somático é o lar/a casa dos sentimentos e

atitudes/ações. O eu-relacional está no campo do que mantém e conecta os outros dois. Num quadro

de desenvolvimento, o objetivo do meu argumento preocupa-se com o entendimento do aprendizado

da linguagem além do desdobramento da própria voz como parte integral de si mesmo.

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Críticas e acusações podem salientar/promover conflitos entre pessoas. Discussões podem se

desdobrar em guerras de grande escala que aumentam a dinâmica do poder dos relacionamentos,

fechando as linhas da real comunicação.

Conflitos estão presentes em todas as relações humanas e em todas as sociedades. Tem sido o

objetivo da terapia familiar resolver essas disputas entre cônjuges, irmãos, crianças, e encontrar solução

para problemas entre pais e filhos, através da mediação familiar. Pessoas envolvidas numa disputa

dispõem de uma variedade de meios a seu dispor para responder ou resolver seus conflitos. O papel das

estratégias de resolução de disputas é o de minimizar o sofrimento, controlar o desnecessário dispêndio

de recursos, e satisfazer os interesses das partes envolvidas.

Geralmente, um conflito tem uma questão principal e várias questões menores ou tácitas. Cobb

( 1997) usou a metáfora do cometa para explicar os assuntos que compõem um conflito: o corpo do

cometa seria a questão central, e a cauda seriam todos os temas sutis também envolvidos na manutenção

daquele conflito. Na vida doméstica, assuntos como limpeza da casa ou do quarto, lavar a louça, o uso

do carro, costumam ser motivo de grandes discussões entre pais e filhos. No entanto, eles envolvem

questões mais sutis e complexas, como atribuição de poder e controle que competitivamente buscam

conduzir resultados do tipo “ ganha-perde” dando origem a conflitos porque construções pessoais estão

envolvidas, tais como percepções, sentimentos, valores e crenças.

Na arena corporativa, disputas objetivas podem tornar-se pessoais, porque as pessoas

envolvidas constroem objetivos que estão relacionados a necessidades e motivações psicológicas e

sociológicas e pessoais não-atendidas. Emoções, valores, pontos de vista estão ligados a experiências

de vida que moldam a perspectiva da pessoa e determinam suas habilidades de resolução de problemas.

A dimensão da disputa está relacionada com o resultado que cada uma dos envolvidos espera alcançar.

As interações linguísticas estabelecidas entre uma pessoa e os outros forjam a crescente

complexidade da gramática por ela aprendida, disposta em torno de uma ou mais categorias de jogos

de linguagem, que serão discutidos em outro momento.

A ATUAÇÃO DO MEDIADOR

O mediador ao se deparar com as narrativas normalizadoras que, mesmo desorganizada ou

desordenada, tem por objetivo manter um padrão compartilhado de comunicação para que o sistema se

mantenha irá, através das técnicas de intervenção, criar espaço para outras narrativas menos marcadas

pelo conflito para que as pessoas possam retomar a narrativa dominante e, consequentemente, encontrar

a solução para o conflito.

1. Externalização do conflito: trata-se do exercício de separar as pessoas do problema que estão

enfrentando. Técnica utilizada: coisificação ou personificação do conflito com o objetivo de separá-lo

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linguisticamente e verbalizá-lo. Essa técnica permite que a pessoa se descreva a partir de OUTRA

perspectiva e não mais a perspectiva do conflito. O foco nas potencialidades permite a criação de

histórias alternativas que incorporem aspectos antes negados e submersos na vivência do conflito.

2. Relatos extraordinários: uma vez que o conflito foi separado das pessoas, o desenvolvimento

de histórias alternativas torna-se possível. Os relatos extraordinários surgem a partir de um processo de

entrevista realizado a partir de dois conjuntos de perguntas. O primeiro tem o objetivo de descrever a

trajetória do conflito e a influência deste neste momento da vida enquanto que o segundo estimula a

reflexão.. É um estímulo para separar a pessoa do problema. O relato extraordinário é procurado no

passado, presente ou futuro.

3. Criatividade: criatividade do mediador e suas habilidades para empoderar pessoas e articular o

caos e soluções facilitam a identificação de um acontecimento extraordinário que, ao ser bem articulado

pelo mediador, cria explicações, novas descrições e possibilidades de outras narrativas enfraquecendo

os efeitos do conflito. Sendo mutuamente aceitas, as novas versões produzem uma sensação de

liberdade para ação e as pessoas se sentirão capazes de assumir sua responsabilidade na construção de

uma solução. Mais do que isso, terão informações suficientes para desarticular a narrativa

normalizadora do conflito.

4. Reincorporação: a partir das novas narrativas os mediados irão encontrar a solução para o

conflito, seja ela total ou parcial. A solução irá implicar uma modificação na posição de cada um diante

da vida e do conflito. O processo de mediação produziu conhecimentos legítimos que irão provocar

mudanças. A mudança, os novos significados serão incorporados à narrativa de cada um e,

consequentemente trarão novas formas de ação. A este processo dá-se o nome de reincorporação.

5. Questionamentos: Existem conjuntos de perguntas para que o mediador possa coletar as

narrativas dos mediados e provocar a externalização do conflito e sua solução. Um do conjunto busca

descrever a influência do conflito sobre a vida das pessoas; outro, o quanto cada um influencia a

manutenção do conflito e um terceiro, leva à reflexão.

A ARTE DE FAZER PERGUNTAS EM MEDIAÇÃO

Fazer perguntas significa provocar pessoas para facilitar a abertura de informações que

facilitem o entendimento da dinâmica do conflito, as dificuldades que ele provoca em suas vidas e

relacionamentos, ou ainda, seu posicionamento diante da possibilidade de mudança.

O principal objetivo do ato de fazer perguntas durante a mediação está ligado à necessidade

de se criar um ambiente de conversa onde tanto o mediador quanto os mediados estão aprendendo a

lidar com determinado problema ou situação que os aflige.

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O questionamento utilizado na mediação e, principalmente, na abordagem narrativa, tem sua

origem na abordagem sistêmica da Terapia Familiar, ou seja, trata-se de uma forma de intervenção

facilitadora para conhecer o contexto e promover ações transformadoras.

As perguntas constituem um arcabouço técnico para se chegar às intervenções mencionadas

anteriormente. O sucesso ou fracasso de sua aplicação depende, em certo grau, do tom emocional ou

linguajar utilizado pelo mediador. Ao formular uma pergunta, o mediador baseia-se em pressupostos

teóricos e intenções, mas o que faz a diferença nas respostas é a postura do mediador, sua maturidade

pessoal e profissional.

Elas se dividem em:

6. Perguntas lineares: são perguntas cuja intenção é investigar onde o mediador irá atuar “como

se” estivesse no papel de um investigador tentando desvendar o mistério. Por exemplo: Quem fez? Onde

aconteceu? Como foi? Quando…? Por quê? São importantes, porém, com vida útil limitada à

investigação preliminar ou durante as conversas de mediação quando surgir um novo relato.

7. Perguntas circulares: são perguntas que partem do pressuposto que a situação-problema ou

conflito tem uma causalidade circular, ou seja, os fatores causais estão inter-relacionados. As perguntas

são formuladas para identificar essas interligações para entender as ações, percepções, sentimentos,

ideias, crenças e contextos a respeito do conflito que está sendo investigado. As perguntas circulares

investigam as diferenças entre coisas e pessoas e as circunstâncias temporais, além dos efeitos que o

conflito vem causando nos comportamentos.

8. Perguntas estratégicas: são perguntas que tem por objetivo corrigir, instruir, orientar. São

momentos em que o mediador atua como instrutor e são baseadas em hipóteses. Também podem ser

utilizadas para confrontar os mediados, medida muitas vezes necessária quando mediador percebe que

os mediados começaram a “encerar” o problema ao invés de caminhar para a solução.

9. Perguntas reflexivas: há momentos em que o mediador, com o intuito de desenvolver um espaço

de colaboração, irá provocar a reflexão nos mediados. Para tal as perguntas reflexivas criam um

ambiente favorável para a percepção da co-presença, além da disponibilidade de ouvir o outro e ouvir

a si mesmo, já que posição reflexiva é fomentada pelo diálogo interno. As perguntas reflexivas podem

ser utilizadas para: orientar para o futuro, colocar os mediados na perspectiva do observador, criar

comparações, testar hipóteses, clarificar e distinguir.

10. Questionamento Socrático: O método socrático de questionamento é formado por duas etapas:

a primeira tem por objetivo desconstruir o ponto de vista dos mediados a respeito do conflito ou do

problema. O foco está no levantamento de informações contraditórias ou complementares, além das

lacunas entre as versões de um e de outro. Na segunda etapa (maiêutica) o objetivo é provocar a reflexão

visando novos significados. As perguntas socráticas, são úteis nos momentos de "paralisia" do

processo, onde a falta de novos conteúdos dificulta a continuidade dos trabalhos.

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O intuito das intervenções e técnicas em mediação está centrado na compreensão por parte do

mediador e dos mediados daquilo que existe nas descrições e narrativas que se desenvolvem durante a

conversação e o reconhecimento de que os conflitos existem e se mantêm por serem parte integrante

dessa rede de conversação. Segundo Goolishian(1988), quem conversa, descreve, narra e produz

divergências o faz por estar envolvido em ações comunicativas chamadas conflito. Para trabalhos em

mediação, é preciso que faça sentido para todos os envolvidos, inclusive para o mediador. Cabe ao

mediador ficar atento para que as posições de respeito mútuo prevaleçam… que todos participem da

conversa permitindo o surgimento de novas narrativas que irão desfazer o sistema do conflito. O

processo de entendimento e mudança ocorre na conversação (redescrições e reincorporações).

Sob esta ótica, a mediação é um ato de contar histórias: a história do conflito narrada por cada

participante, incluindo as intervenções do mediador é de estrutura dinâmica durante todo o processo de

mediação. Seu ponto de partida é a narrativa do conflito e seu ponto de chegada é o acordo ou a

transformação do conflito. Ela é tanto conteúdo quanto recipiente de um discurso, de uma pragmática,

de sentimentos, de um drama vivido e compartilhado. Seu enredo é lógico, possui vínculos causais entre

os narradores, suas ações e as consequências das mesmas. É importante que o mediador acredite que

pessoas possam ser contadoras de histórias e estas histórias são constituídas de temas, papéis e tramas

que funcionam como um todo para criar um sistema de significados girando ao redor das pessoas e

eventos.

Na mediação, as narrativas são contestadas, desenvolvidas, revisadas e transformadas

interativamente à medida que os mediados elaboram pequenas porções de sua versão do conflito bem

como coparticipam na elaboração das diferentes versões. As narrativas que envolvem conflitos tendem

e envolver os mediados nos papéis de vitimas e protagonistas, que contrastam com a outra parte no

papel de algoz e antagonista. Para a metáfora de contar histórias é importante que o mediador tenha

em mente a necessidade de desestabilizar as teorias de responsabilidade(verdades normalizadoras) que

servem tanto para legitimar o ponto de vista de um dos mediados e deslegitimar o ponto de vista do

outro.

Enquanto perdurar o padrão totalizante desenvolvido pelos mediados, prevalecerá a

interpretação fechada da história do conflito dificultando a abertura de novas possibilidades e

interpretações. A metáfora da visão ampliada (Bateson, 1972) é de grande valia para criar essa abertura

para levar à gênesis de novas possibilidades e ressignificações importantes para a

solução/transformação do conflito (Cobb, 1994).

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SINOPSE DE UM PROCESSO DE MEDIAÇÃO

Ao iniciar um processo de mediação é importante que o mediador esteja ciente das dificuldades

que poderão surgir ao buscar “o que de fato aconteceu” para orientar os mediados a encontrarem uma

forma mais equilibrada de ver o problema. Haverá resistência de ambas as partes que poderá ser

minimizada quando o mediador valida explicitamente as versões trazidas, sem o exercício da crítica

(que pode ser interpretada a partir de perguntas feitas) para, em seguida, buscar os pontos onde as

histórias se tangenciam ou se encontram. Os pontos de tangência e de encontro são favoráveis à

ressignificação e incorporação de novos significados à versão da história trazida no início do processo.

A intenção do modelo circular narrativo está na reformulação de papéis e intenções;

desconstrução da lógica do conflito; construção de cenários alternativos e transformação do conflito em

oportunidade/aprendizado. O acordo é consequência de um trabalho preliminar.

Sessão Procedimentos

Pública (criar ambiente seguro, clima favorável e

regras)

Explicitação das regras da mediação e do

mediador Limites da confidencialidade Responsabilidade dos mediados, seus advogados

(se houver) e do mediador Conversa sobre expectativas e o que as pessoas

esperam da mediação Análise inicial do conflito. Primeira versão

narrativa

Pública (desenredamento narrativo)

A partir da escuta ativa, técnica de re-enquadre e

questionamento, construir a narrativa do

problema identificando papéis negativos, temas

preponderantes e repetições, roteiro padrão,

contexto. Construir um clima emocional

favorável e confiança dos mediados. Narrativa

caótica. Privada (explorar interesses e necessidades

individuais Cenários futuros

Em sessões individuais com cada um dos

mediados, criar ambiente para ressignificação e

explicitar estereótipos, preconceitos, etc. Criar

uma nova definição do problema a ser

compartilhada depois. Construir cenários futuros

para facilitar a ressignificação narrativa conjunta. Pública com ou sem caucus3 (analisar as

possibilidades, reconstrução)

Explorar conjuntamente as possibilidades

levantadas na sessão privada para reconstruir a

narrativa do conflito trazido na primeira sessão.

Explorar temas compartilhados, explorar as

posições positivas, os interesses comuns em um

cenário futuro. Revisitar o passado para entender

a dinâmica atual do conflito. Narrativa caórdica. Pública (organizar as opções de benefício

mútuo Mediador tem um papel relevante neste

momento, pois irá resumir: as descrições

negativas surgidas nas outras sessões, resumir as

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preocupações com o futuro, identificar as

possibilidade de benefício mútuo e sinalizar as

ressignificações positivas. Elaboração conjunta

da narrativa revisitada. Opções de solução. Nova

ordem. Encerramento (elaboração do acordo ou

compromisso) Discutir as opções de solução para viabilizar o

compromisso. Construir cenários futuros

confirmatórios de que o acordo é favorável para

os mediados. Revisar novos papéis, significados

e encerramento (conotação positiva).

O PERFIL DO MEDIADOR

As habilidades e técnicas necessárias para o desempenho da mediação podem ser aprendidas e

desenvolvidas. As característica pessoais que fazem o bom mediador são geralmente muito difíceis de

aprender ou desenvolver, pois estão ligadas a traços de personalidade e ao sistema de crenças/mapas

mentais, história de vida e experiências acumuladas. Os mediadores, principalmente aqueles que atuam

em comunidades, escolas e com famílias devem ter facilidade em transitar e enculturar o mais amplo

espectro da sociedade.

Não existe uma profissão específica que facilite o aprendizado da mediação e sim pessoas

interessadas no bem estar social, na redução das desigualdades, na qualidade de vida, na pacificação da

sociedade e na ética. Também não existe um diário de bordo específico para desenvolver as habilidades

e competências e se tornar um bom mediador.O que existe é motivação, vontade de aceitar o desafio e

transformar características pessoais em competências, alinhamento da ética da mediação, de sua

formação de base com sua ética pessoal, além de um claro entendimento que, ao aplicar as técnicas do

modelo circular narrativo, irá trabalhar no caos, pois sua tarefa primordial é aumentar a diferença para

chegar à nova ordem, ou seja, a narrativa revisitada, que emerge do caos. Lembrando mais uma vez

Lévy-Strauss, os mitos se constituem em oposições binárias ou contrastes, se hoje pensamos no crú,

amanhã será a vez do cozido.

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