questÃo agrÁria e a luta pela terra: maranhão · questÃo agrÁria e a luta pela terra: um olhar...

12
QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves 1 Aylana Cristina Rabelo Silva 2 RESUMO: Nesta abordagem, atentamos para os processos de acirramento da questão agrária no Brasil e Maranhão, bem como a necessidade de instâncias organizativas que travam suas lutas em prol da minimização das consequências desse acirramento. Evidenciamos a gênese e formas organizativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, enquanto expressivo movimento social e político na contemporaneidade. O processo de construção realizou-se por meio de levantamento e revisão de literatura, considerando a importância das reflexões que almejem a relação em tela, a fim de opulentar o debate e a produção teórica. Palavras-chave: Questão agrária. Luta pela terra. MST ABSTRACT: In This approach, we pay attention to the processes of aggravation of the agrarian issue in Brazil and Maranhão, as well as the need for organizing bodies that fight their struggles in order to minimize the consequences of this worsening. We Evidenced The Genesis and organizational forms of the Landless Rural Workers Movement-MST, as a significant social and political movement in contemporaneity. The construction process was carried out by means of a literature survey and review, considering the importance of the reflections that aim at the screen relationship, in order to opule the debate and theoretical production. Keywords: Agrarian issue. Fight for the land. MST 1 INTRODUÇÃO A presente proposta intitulada “Questão agrária e a luta pela terra: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão”elege como objeto de estudo as particularidades da questão 1 Assistente social (Universidade Federal do Maranhão UFMA). Pós- Graduanda Lato Sensu. Programa de Residência Multiprofissional em Saúde. Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares - EMSERH. E-mail: [email protected]. 2 Assistente social (Universidade Federal do Maranhão UFMA). Pós- Graduanda Stricto Sensu. Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Sociespacial e Regional. Universidade Estadual do Maranhão UEMA. E- mail: [email protected].

Upload: others

Post on 19-Jun-2020

17 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão

Arleane Débora dos Santos Gonçalves1

Aylana Cristina Rabelo Silva2

RESUMO: Nesta abordagem, atentamos para os processos de acirramento da questão agrária no Brasil e Maranhão, bem como a necessidade de instâncias organizativas que travam suas lutas em prol da minimização das consequências desse acirramento. Evidenciamos a gênese e formas organizativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, enquanto expressivo movimento social e político na contemporaneidade. O processo de construção realizou-se por meio de levantamento e revisão de literatura, considerando a importância das reflexões que almejem a relação em tela, a fim de opulentar o debate e a produção teórica. Palavras-chave: Questão agrária. Luta pela terra. MST

ABSTRACT: In This approach, we pay attention to the processes of aggravation of the agrarian issue in Brazil and Maranhão, as well as the need for organizing bodies that fight their struggles in order to minimize the consequences of this worsening. We Evidenced The Genesis and organizational forms of the Landless Rural Workers Movement-MST, as a significant social and political movement in contemporaneity. The construction process was carried out by means of a literature survey and review, considering the importance of the reflections that aim at the screen relationship, in order to opule the debate and theoretical production. Keywords: Agrarian issue. Fight for the land. MST

1 INTRODUÇÃO

A presente proposta intitulada “Questão agrária e a luta pela terra: um olhar sobre a

gênese do MST no Maranhão”elege como objeto de estudo as particularidades da questão

1Assistente social (Universidade Federal do Maranhão – UFMA). Pós- Graduanda Lato Sensu. Programa de Residência Multiprofissional em Saúde. Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares - EMSERH. E-mail: [email protected]. 2Assistente social (Universidade Federal do Maranhão – UFMA). Pós- Graduanda Stricto Sensu. Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Sociespacial e Regional. Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. E-mail: [email protected].

Page 2: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

agrária no cenário nacional e maranhense, assim como as estratégias de luta e resistência

que objetivaram o acesso e permanência na terra, com ênfase para a gênese e formas de

organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

O processo de construção deste trabalho realizou-se por meio de levantamento

e revisão de literatura através de livros, artigos e dissertações, como importante fase da

averiguação, com objetivo de explorar e refletir os imprescindíveis subsídios teóricos,

tornando-se mecanismo essencial a esta elaboração. Como base teórico-metodológica

utilizamos o materialismo histórico dialético, por considerar o movimento contraditório da

dinâmica social, inclusive como fruto de uma construção histórico-social, que possui como

“mola propulsora” a dialética.

Ao nos aproximarmos do estudo da questão agrária no Maranhão podemos

perceber dilemas históricos como a demasiada concentração fundiária e avanço do

agronegócio. Além dos conflitos violentos que marcam a história, seja com a grilagem que

tão bem caracteriza as décadas de 1960 e 1970, seja na atualidade com os investimentos

do capital estrangeiro e o discurso ideológico do “desenvolvimento.

Contudo, podemos perceber que há diversas formas de resistência a esse sistema,

afinal são muitos os esforços de denúncia e de fazer com que a sociedade como um todo

visualize as expressões da questão social3 oriundas da concentração fundiária. Entre as

instituições que possuem tais esforços está o MST, que se caracteriza enquanto um

movimento que além de possuir um rol de ações voltadas para o compromisso com a classe

trabalhadora rural, possui como horizonte uma transformação do modo de produção

hegemônico.

Desse modo, o trabalho contém, além desta introdução, os seguintes pontos: A

dinâmica da questão agrária no Maranhão: Algumas considerações e a luta pela terra: um

olhar sobre a gênese do MST no Maranhão

2 A dinâmica da questão agrária no Maranhão: algumas considerações

Neste item abordamos aspectos sobre a questão agrária, entendendo-a como uma

categoria histórica, apontando alguns elementos que a caracterizam na realidade brasileira

e, particularmente maranhense.

3 [...] considerada em suas expressões no contexto da sociedade capitalista, como produto das contradições engendradas historicamente pelas relações capital versus trabalho, que se expressam no conjunto dos problemas sociais, econômicos e políticos e nas formas de intervenção do Estado e da sociedade civil sobre os mesmos.

Page 3: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

Sendo a realidade agrária um universo de inúmeras questões, passíveis de

análises e interpretações multifacetadas, optamos por destacar alguns elementos que

permitam a compreensão da relação dos impactos sociais no âmbito do campo, através de

fenômenos como a “industrialização” da agricultura, as relações de produção no campo e a

concentração fundiária, tudo isso base para entender as relações sociais estabelecidas no

campo.

Sob este ângulo o entendimento da questão agrária deve ser considerado

indissociável da categoria agricultura, ao levarmos em consideração que “O caráter político-

econômico adquirido pela categoria agricultura deu-lhe uma dimensão mais ampla, fazendo-

a assumir a forma de questão agrária [...]” (AZAR, 2009, p. 2). No que concerne à referida

categoria observamos que esta não pode ser compreendida apenas como um evento único

existente no plano objetivo, “[...] o termo agricultura não esclarece em si o teor histórico e

político nele embutido, nem revela um fenômeno desprovido de conflitos [...]” (AZAR, 2009,

p. 2). E, um dos conflitos efetivos é a oposição existente entre os dois padrões da sua

produção, a força de trabalho familiar camponesa e o empresariado.

A força de trabalho familiar camponesa4 caracteriza-se pelo “[...] trabalho com mão

de obra familiar em pequenas áreas de terra, com cultivos diversificados para subsistência,

atendendo com o seu excedente o mercado interno [...]” (Id.Ibid) Ou seja, podemos

considerar o camponês como aquele que retira tudo da terra para sua subsistência, com

uma integração parcial ao mercado.

Oposta à produção camponesa tem-se a agricultura empresarial, que pode ser

entendida como consequência da difusão massiva do capital no campo, onde a expansão

da produção capitalista se concretiza a partir do processo de industrialização da agricultura.

As principais características dessa forma de produção agrícola são os monocultivos,

grandes extensões de terra (latifúndio) e uma produção voltada para a comercialização-

exportação, e, ainda, o emprego de tecnologias que reduzem a força de trabalho.

Características estas que remontam aos primórdios da história do Brasil, aos

embriões da constituição da questão agrária, logo quando os lusitanos fracionaram as

nossas terras e organizaram uma produção para exportação. Por conseguinte, as bases da

formação da estrutura fundiária nos reportam ao processo de formação dessa sociedade,

quando predominava os latifúndios, a utilização da força de trabalho escrava, o uso de

grandes extensões de terra e a produção de monocultivos para o mercado externo.

4 Compreendemos como unidade produtiva camponesa o núcleo dedicado a uma produção agrícola e artesanal autônoma que, apoiado essencialmente na força e na divisão familiar do trabalho, orienta sua produção, por um lado, à satisfação das necessidades familiares de subsistência e, por outro, mercantiliza parte da produção a fim de obter recursos monetários necessários para a compra de produtos e serviços que não produz; ao pagamento de impostos etc. (MAESTRI, 2005, p. 219).

Page 4: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

Nesse contexto houve a decretação da Lei 601, datada de 1850, também chamada

de Lei de Terras, consequência do aumento populacional e surgimento dos posseiros, e que

constituiu numa medida que viria mercantilizar a terra, “[...] a Lei de Terras significou o

casamento do capital com a propriedade da terra. Com isso foi transformada em uma

mercadoria à qual somente os ricos poderiam ter acesso”. (MORISSAWA, 2001, p. 71)

Os reportados mecanismos contribuíram de forma contundente para os dilemas

enfrentados ao longo da história com relação à utilização e concentração fundiária. Dilemas

estes que incluem a disparidade entre as classes sociais, oriunda das relações antagônicas

e interesses diversos existentes na luta pelo acesso e condições de sobrevivência na terra,

por isso entende-se que a “[...] questão agrária está na base do processo constituinte da

questão social no Brasil [...]” (DELGADO, 2010, p. 32).

Logo, sob esse prisma compreendemos a questão agrária enquanto uma categoria

histórica, que engloba as desigualdades existentes entre as camadas sociais, que “[...]tem

se manifestado como resultante das relações sociais entre portugueses e indígenas,

senhores de engenho e escravos, latifundiários e trabalhadores camponeses, etc.”

(DELGADO, 2010, p. 33)

Como explicitamos a história do Brasil inicia-se entremeada pela questão agrária,

porém só bem mais tarde que esta ocupará um lugar de destaque em meio a uma discussão

nacional, especificamente no contexto entre os anos de 1940 e 1960, quando acreditava-se

que a estrutura agrária representava um obstáculo para o desenvolvimento do país.

No período posterior, entre os anos de 1964 e 1985, período da ditadura civil e

militar, no Brasil foram implementadas medidas dos militares com vistas a “camuflar” os

embates originários do campo. Salienta-se a lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964,

decretada pelo então presidente Marechal Castelo Branco, a cognominada Estatuto da

Terra, considerada “1ª lei de Reforma Agrária do Brasil” (MORISSAWA, 2001, p. 99).

No caso do Maranhão, exatamente nesta conjuntura, inúmeras famílias sofreram

com a ação de grileiros Esta unidade federativa rica em produção de arroz, começou a

registrar incontáveis conflitos, que tornaram o estado o primeiro em número de hostilidades

existentes por questões fundiárias. (MORISSAWA, 2001).

Vale destacar que grileiros são os sujeitos que falsificam documentos a fim de

tomar posse de terras, sendo que estas podem ser de terceiros ou devolutas. Por tais ações

pode-se dizer que o grileiro é um sujeito que se constitui como central no acirramento da

questão agrária, devido as suas articulações que culminam na expropriação de inúmeros

camponeses de suas terras. Nesses termos Asselin (2009, p. 43) destaca que, “O grileiro é

Page 5: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

um alquimista. Envelhece papéis, ressuscita selos do império, inventa guias de impostos,

promove genealogias [...] embaça juízes, suborna escrivães”.

Logo após, em 1969 foi criada a Lei nº 2979 datada de julho de 1969, também

conhecida por “Lei Sarney de Terras”, o que favoreceu ainda mais a concentração fundiária,

pois se constituía de medidas que fomentavam a implantação e disseminação das empresas

agropecuárias. No caso, podemos registrar com a constituição desta lei, o papel do Estado

em assegurar os direitos dos latifundiários. A respeito dessa lei Pedrosa (s/d, p. 18) contribui

ao explanar que: Nos anos 50 e 60, o Maranhão detinha cerca de 90.000 km² de terras devolutas. Somente na região pré-amazônica era 100.000 km² de terras sem ocupação. Tais terras deveriam ser utilizadas como ‘válvulas de escape’ para os conflitos das regiões de colonização antiga. Também deveriam funcionar como um polo de atração de grupos empresariais com a missão de promover a modernização no campo maranhense. O instrumental jurídico para as transferências das áreas era a Lei Sarney de Terras de 17 de julho de 1969 (Lei 2.979).

Nessa trama os subsídios outorgados pelo governo aos grandes projetos

agropecuários incentivaram a grilagem visto que a fixação do capital produtivo nas grandes

fazendas sempre foi precedida pela grilagem das imensas áreas de ocupação camponesa,

com a devida conveniência de cartórios (ARCANGELI, 1987). Sobre as particularidades

desse cenário Arcangeli (1987, p. 156) ressalta que: A valorização das terras do Estado, em decorrência da generalização do monopólio privado deste meio de produção, representa um entrave adicional para o desenvolvimento da economia camponesa, uma vez que o pequeno produtor descapitalizado não tem acesso, como comprador; ao mercado fundiário. Pior que isso, quando ele não é expropriado pela violência, (o pequeno produtor) entra nesse mercado como vendedor, permitindo que o direito adquirido, ao longo dos anos, sobre a terra em que trabalha, seja ofertado e negociado no mercado imobiliário, pelos especuladores profissionais de terra.

Com isso, na realidade maranhense seguiram-se os incentivos ao desenvolvimento

industrial, o que continuava a fomentar os latifúndios. Nos anos que se seguiram,

especificamente 1980 e 1990, agravou-se o alastramento dos grandes projetos no âmbito

rural e a intensificação da inserção do capital estrangeiro no estado. E, apesar das

particularidades estaduais, percebe-se que a questão agrária no Maranhão configura-se de

forma bastante similar à nacional, em outras palavras, com demasiada concentração de

terras, porém, com suas particularidades históricas, sociais, econômicas e políticas. Tais

particularidades o colocam em destaque no cenário nacional no que se refere à

desigualdade na distribuição de terras.

Além da irresoluta concentração fundiária, outra conformação da questão agrária no

Brasil é o processo de globalização do capital na agricultura, que pode ser caracterizado

pelo atendimento das exigências do capital no campo. Em um movimento gradativo, o

Page 6: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

capital se estabeleceu no campo a partir de várias frentes, uma delas, a tecnológica, que

possui na revolução verde um expoente e um marco histórico.

Assim, com a globalização aumenta e se diversifica exorbitantemente os modos de

subordinação e precarização dos trabalhadores camponeses, bem como expropriação e

expulsão destes de suas terras, e ainda a produção não de alimentos, mas a transformação

da produção agrícola em produção de mercadorias. O conjunto dessas transformações

introduzidas na agricultura será denominado de agronegócio, sistema este que é definido

por Teubal (2008, p. 38) como: [...] um modelo cujo modo de funcionamento global, com predomínio do capital financeiro, orienta-se, em grande parte, rumo a uma especialização crescente em determinadas commodities orientadas para o mercado externo e com uma tendência á concentração em grandes unidades de exploração.

Sob a égide do agronegócio, a produção comercial ou empresarial intensifica a produção de commodities5. Em termos nacionais, assumem destaque neste tipo de

produção, produtos como a cana-de-açúcar, milho, soja, laranja, café, alumínio, minério de

ferro e o petróleo, dentre tantos outros. No Maranhão, os monocultivos da soja e do

eucalipto estão entre os grandes interesses do agronegócio. Miranda (2010, p.82) falando

acerca da ampliação da produção do agronegócio, no âmbito do estado do Maranhão,

destaca que:

No Sul do estado, a expansão da soja; no Oeste maranhense, as empresas de ferro- gusa e monocultura do eucalipto; no Baixo Paranaíba, as empresas de papel e celulose e, atualmente, também a soja, que têm como consequência mais imediata o controle sobre a mão de obra desqualificada do pequeno trabalhador rural.

A soja enquanto um condutor do agronegócio na realidade maranhense inclui-se na

lista dos principais produtos exportados pelo estado, perdendo apenas para a mineração e o

ferro gusa, conforme assinalou Carneiro (2008, 80-81)

[...] a expansão das áreas de produção da monocultura da soja alcançou um patamar importante entre os principais produtos exportados pelo estado do Maranhão, tem ficado atrás apenas de três commodities minerais, que são: ferro-gusa, minério de ferro e alumínio. As exportações da soja in natura têm respondido em média por 14% do valor anual das exportações estaduais nos últimos nove anos. [...] o valor das exportações da soja no Maranhão quase duplicou, pois saiu de US$ 65, 4 milhões, em 1999, para a cifra de US$ 235, 16 milhões, em 2007.

5Commodities podem ser definidas como gêneros alimentícios que são mercantilizados a nível mundial. Seus valores são deliberados a nível global, ou seja, pelo mercado internacional. São mercadorias produzidas por diferentes produtores, mas que possuem características invariáveis.

Page 7: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

As referidas características conferem ao Maranhão destaque nos índices de

conflitos fundiários, observando que entre os anos 1979 e 1981, o referido estado

respondeu por 22,5% dos casos nacionais de conflitos pela terra, segundo a Comissão

Pastoral da Terra – CPT (CARNEIRO, 2013). Entre 2001 – 2015 de todos os estados

brasileiros, o Maranhão é o que apresenta o maior número de conflitos por terra, em termos

percentuais, os números correspondem a 16% dos conflitos registrados no país, os dados

revelam cerca de 107 conflitos por ano no Maranhão, segundo a CPT. (SODRÉ, 2017)

Com isso, a propagação do agronegócio determinou para os movimentos sociais no

campo a necessidade de ações defensivas que marcaram as lutas sociais dos anos

1970/1980, com a composição de movimentos de defesa da terra (CARNEIRO, 2013).

Dentre estes movimentos sociais6, destacamos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra - MST, cuja composição se dá pela necessidade de uma instância que possa discutir e

organizar as mobilizações em prol da garantia do direito à terra, para além disto busca-se

uma sociedade em que além do acesso, tenha-se também assegurados às condições

necessárias de sobrevivência através da produção e reprodução na terra.

Diante dos traços expostos a respeito do universo agrário brasileiro e maranhense

prosseguimos para a necessária reflexão das tendências nas formas de resistência dos

camponeses, com destaque de como a luta pela terra acompanha a história nacional e local,

a fim de que possamos compreender as particularidades da sua organização política na

contemporaneidade, com um enfoque na gênese do MST.

2.1 A luta pela terra: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão

No cenário maranhense desponta diversas associações de trabalhadores rurais,

especificamente no início de 1957 foram criadas, e devidamente registradas em cartório, as

Associações de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, também denominadas de União dos

Trabalhadores Agrícolas em Rosário, Santa Rita, Bacabal, Pedreiras e em outros

municípios. (MIRANDA, 2003, p. 109). Manuel da Conceição, em “Essa terra é nossa”

(1980) destaca entre outras a Associação de Bacabal, designada União dos Lavradores e

Trabalhadores Agrícola de Bacabal, que se caracteriza pela extensão de suas ações, se

ampliando por 24 agências onde agregava em seu quadro mais de 2.500 (dois mil e

quinhentos) lavradores. 6Quando falamos de movimento social, importante demarcar que estamos considerando as especificidades de organizações sociais que atuam nesta sociedade ampla, e não o movimento da sociedade, a dinâmica social em geral.

Page 8: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

Logo após, durante o regime militar, a Confederação Nacional dos trabalhadores na

Agricultura - CONTAG instalou uma Delegacia Regional no Maranhão. Nesse momento a já

mencionada Delegacia objetivava a organização dos trabalhadores rurais o que contribuiu

para a fundação de muitos sindicatos no estado, e em 1972 especificamente, houve a

formação da Federação Estadual dos Trabalhadores do Vale do Pindaré.

Em 1979 emerge o Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra7, no dia 07 de

setembro, quando 110 famílias ocuparam a gleba Macali no Município de Ronda Alta, no Rio

Grande do Sul. Nos anos 80, as experiências com as ocupações de terra nos estados do

Sul, em São Paulo e Mato Grosso do Sul agruparam os trabalhadores que principiaram o

decurso de formação do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra. (MIRANDA, 2003

p. 71)

Sobre o processo de constituição do MST no cenário nacional Stédile e Mançano

(2012, p. 17) destacam que:

[...] a gênese do MST foi determinada por vários fatores. O principal deles foi o aspecto socioeconômico das transformações que a agricultura brasileira sofreu na década de 1970. Nessa década, houve um processo de desenvolvimento [...] foi o período mais rápido e mais intenso da mecanização da lavoura brasileira. No Sul do país, considerado o berço do MST, o fenômeno da introdução da soja agilizou a mecanização da agricultura, seja no Rio Grande do Sul, com uma lavoura casada com o trigo, que já tinha uma certa tradição, seja no Paraná, com uma alternativa ao café.

O MST se institucionalizou no Maranhão no contexto em que agravou-se a entrada

do capital estrangeiro e os grandes projetos no âmbito rural. Momento em que

neoliberalismo8 no Brasil ganha vigor com o governo de Fernando Collor de Melo (1990-

1992), que investiu na repressão, pois “Para a questão agrária a política de Collor foi

‘porrete neles’, os sem-terra [...]”. (MORISSAWA, 2001, p. 109). Pertinente à gênese do

MST no Maranhão Delgado (2010, p.22) destaca que:

O MST se constituiu a partir da Amazônia Legal maranhense em meados de 1980 no âmbito do processo de organização do MST em todo país. Constitui-se no enfretamento à expansão do latifúndio e expropriação dos trabalhadores camponeses no estado. Desde então, este movimento se consolidou no estado e tem lutado pela construção de novas relações sociais no campo, tendo como perspectiva a transformação social.

Em 1988, o MST iniciou o processo de acampamento na região de Imperatriz,

especificamente na fazenda Gameleira, nesse âmbito estendeu sua atuação para

7A constituição do movimento está relacionada com outras instituições, de forma especial com a Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra – CPT. 8Perry Anderson (1995) concebe o neoliberalismo como uma reação teórica e política ao Keynesianismo e ao Welfare State, promovida pelos liberais no final dos anos 1970 e 1980, expandindo-se na década de 1990 por todo o mundo.

Page 9: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

Buruticupu, na fazenda Terra Bela. Sobre repercussões deste último acampamento

Morissawa (2001, p. 190) expõe que: [...] Paralelamente, com o apoio do PT, DA CUT e da CPT, buscavam negociar a desapropriação da área. O caso foi bastante divulgado e atraiu outras famílias, que chegaram a somar 200 no acampamento. Em dezembro, o Incra começou a demarcação de uma área para assentar 380 famílias. Essas duas ocupações consolidaram o MST maranhense.

Ampliando sua atuação para o norte Maranhense, o MST ocupou a Fazenda

Diamante Negro, localizada em Vitória do Mearim. Sobre as circunstâncias desses

processos de luta e resistência enfatizamos que de julho a setembro de 1991, foram

conferidas 10 liminares de despejo. (MORISSAWA, 2001) E o cenário maranhense era de

violência e arbitrariedade, expressas nas prisões de lavradores e assassinatos de

lideranças.

Sobre esse contexto Morissawa (2001, p. 190) relataque os sem-terra foram

recompensados em 1992 quando: [...] Em 1992, conseguiram: a desapropriação e o mandato de imissão de posse da Fazenda Gameleira, ocupada havia quase 3 anos; a construção de 50 km de estrada para os acampamentos Gameleira, Juçara e Criminosa, agentes de saúde e dois professores para cada assentamento, medicamentos, regulamentação das escolas, dois monitores para alfabetização e mudas de caju; a vistoria das fazendas Tatajuba e Bela Vista.

Sobre os princípios organizativos do referido movimento realçamos a direção

coletiva, que consiste em não centralizar a dirigência. Outro princípio organizativo é a

divisão de tarefas, que propicia o crescimento da organização e a absorção das

competências pessoais. Além do estudo, da educação de forma ampla, refletida entre outros

elementos, na preocupação com a formação do seu próprio quadro técnico. (STÉDILE;

MANÇANO, 2012)

Dessa forma, a organização do movimento é composta, por alguns setores, que

são vitais no seu processo de atuação. Dentre estes, destacamos: a) Frente de massa:

responsável no processo de conquista da terra, por desenvolver as estratégias de

enfrentamento, manifestações, negociações, entre outros; b) Setor de formação: incumbido

pela formação militante, com objetivo de ponderar o sistema vigente e suas nuances, bem

como o processo de construção da consciência de classe; c) Setor de educação: as escolas

para crianças, jovens e adultos desde o princípio foi interesse do movimento; d) Setor de

produção: fruto da percepção de que “[...] a luta não termina na conquista da terra; ela

continua na organização simultânea da cooperação agrícola e das ocupações

(MORISSAWA, p. 206); e) Instâncias de representação: congresso nacional, encontro

nacional, coordenação nacional, direção nacional, encontros estaduais, coordenações

Page 10: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

estaduais, direções estaduais, coordenações regionais, coordenações de assentamentos e

acampamentos e grupos de base.

Acerca das principais formas e mecanismos estratégicos de luta e resistência

podemos elencar: a) Ocupação: o critério relevante é a definição do local. Segundo

MORISSAWA (p. 199) “[...] os sem-terra entenderam que a ocupação é sua forma de luta

mais importante. De modo geral, é a partir de sua efetivação que as demais formas de luta

são utilizadas”; b)Acampamento permanente: quando a justiça sentencia o despejo,

ordinariamente com reintegração de posse, os sem-terra retiram-sedo local e se instalam

em área próxima; c) Marcha pelas rodovias: possui como escopo acionar a atenção da

população para as reivindicações dos sem-terra; d) Jejuns e greves de fome: são utilizados

nas situações em que o grupo perdura na frente de alguma instituição ou órgão público; e)

ocupação de prédios públicos: o prédio alvo da ocupação é aquele responsável por

responder as demandas das reivindicações específicas; f) Vigílias: são manifestações que

compreendem um lapso temporal menor, no entanto, de modo contínuo, mantendo-se dia e

noite; g) Manifestações nas grandes cidades: são realizadas manifestações e passeatas nas

grandes cidades, no intuito de evidenciar para a população suas demandas.

O MST construiu ao longo da sua atuação distintos símbolos que possuem como

objetivo representar o seu ideário, a título de exemplo, o hino e a bandeira. Elementos estes

utilizados nas manifestações, bem como nas demais formas de luta e resistência. Os

referidos aspectos constituem a mística, que segundo Stédile e Mançano (2012, p. 132)

significa: [...] a mística é uma prática que o movimento desenvolve. De certa forma, é seu alimento ideológico, de esperança, de solidariedade. A mística, para o MST, é um ritual. Ela tem um caráter histórico, de esperança, de celebração permanente. [...] a mística só tem sentido se faz parte da tua vida. Queremos que esse sentimento aflore em direção a um ideal, que não seja apenas um obrigação.

Destarte, o MST apresenta uma história de inúmeras campanhas, jornadas de

lutas, marchas e gritos, sendo considerado um dos maiores e mais significativos movimento

de representação dos trabalhadores (as) camponeses. Assim, para além de uma

representação, prima pelos direitos historicamente conquistados da classe “que vive do

trabalho” no âmbito rural, e como horizonte uma transformação do modo em que a

sociedade está organizada. Evidenciando que “as lutas pela terra e pela reforma agrária

são, antes de tudo, a luta contra o capital e sua estratégia de apropriação do território”.

(MIRANDA, 2003, p. 74)

Page 11: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

3 CONCLUSÃO

Isto exposto, podemos inferir que, é nesta esfera de embates na busca pelo

direito à terra e por direitos humanos em sua complexidade, que o MST se insere, a partir de

estratégias de luta no contexto em que há um processo de acirramento da questão agrária.

E, por sua vez, assinalando o campo enquanto um espaço de conflitos de classes. Nesse

enredo temos a importância do MST para as lutas sociais dos trabalhadores do campo, visto

que emerge como notável movimento social e político do Brasil na contemporaneidade,

engendrando a renovação da luta dos trabalhadores camponeses.

A partir da ótica das estratégias, articulações de luta e forma de organização do

MST imersas numa correlação de forças, consideramos que o cenário explana a

necessidade de resistência, onde há carências que são alvos de lutas históricas, num

processo de intensa insistência,considerando que a pobreza e a exploração não podem ser

compreendidas como oriundas de ordens naturais, mas dos modos de produção, e por

consequência das divergências nas articulações de forças existentes ao longo da dinâmica

histórico-social.

Desse modo, destacamos o caráter inacabado deste trabalho, e das inquietações

sobre os elementos levantados, a fim de possibilitar problematizações para debates e

sistematizações futuras acerca da complexidade vigente entre as categorias manifestadas.

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-neoliberalismo: As políticas sociais e o Estado Democrático. SADER, Emir; GENTILI, Pablo (org.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ARCANGELI, A. O mito da terra: uma análise da colonização da pré Amazônia maranhense. Ciências Sociais. São Luís, EDUFMA, 1987. ASSELIN, V. Grilagem. Corrupção e violência em terras de Carajás. Imperatriz: Ética, 2009.

AZAR, Z. S. Questão Agrária no Brasil: aspectos histórico-conceituais. São Luís: JOINPP, 2009. CARNEIRO, M. Sampaio. A expansão e os impactos da soja no Maranhão. In SCHLESINGER, Sergio; NUNES, S. Presotto (org). A Agricultura Familiar da soja na região Sul e o monocultivo no Maranhão: duas faces do cultivo da soja no Brasil. Rio de Janeiro: FASE, 2008.

Page 12: QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: Maranhão · QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão Arleane Débora dos Santos Gonçalves1 Aylana

CARNEIRO, M. S. Terra, Trabalho e Poder: conflitos e lutas sociais no Maranhão contemporâneo. São Paulo: Annablume, 2013. CONCEIÇÃO, Manuel da. Essa terra é nossa. Petrópolis: Vozes. 1980 DELGADO, Laurinete Rodrigues da Silva. A relação Serviço Social e Questão Agrária na contemporaneidade: inserção e prática de Assistentes Sociais no MST e na FETAEMA no Maranhão- São Luís, 2010. GIRARDI, E. P; MANÇANO, B. A luta pela terra e a política de assentamentos rurais no Brasil: A Reforma agrária conservadora. São Paulo, Nº 08, PP. 73-98. 2008. MARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 1986. MAESTRI. M. A aldeia ausente: índios, caboclos, cativos, moradores e imigrantes na formação da classe camponesa brasileira. inA questão agrária no Brasil: o debate na esquerda – 1960-1980/ João Pedro Stedile (org.). 1, ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005. MESQUITA, B.A. ET AL. Formação socioeconômica do estado do maranhão. In Formação Socioeconômica da Amazônia. (org) CASTRO, Edna Ramos de; CAMPOS Índio; Organizadores – Belém: NAEA, 2015. MIRANDA, A. A. B. de. De arrendatários a proprietários: Formas de sociabilidade nos assentamentos Rurais. São Luís: Edufma, 2010. MIRANDA. Aurora Amélia Brito. O PROCESSO DE LUTA DOS TRABALHADORES RURAIS PELA REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO DO MARANHÃO - O caso do MST. Dissertação do programa de pós-graduação em políticas públicas. Uiversidade Federal do Maranhão. São Luís/Ma. 2003 MORISSAWA, Mitsue. A História da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. PEDROSA, LuisAntonio Câmara. A questão agrária no Maranhão. São Luís, s/d. STÉDILE, P. MANÇANO, B. Brava Gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 2.ed. São Paulo: Expressão Popular. 2012 SODRÉ, R.B. O Maranhão agrário: dinâmicas e conflitos territoriais. Dissertação programa de pós-graduação em geografia. Universidade Estadual do Maranhão. São Luís. Ma. 2017 TEUBAL, Miguel. O Campesinato frente à expansão dos agronegócios na América Latina. In PAULINO, Eliane Tomiasi; FABRINI, João Edmilson (org) Campesinato e territórios em disputa. 1. Ed. – São Paulo: Expressão Popular: UNESP, 2008.