questÃo social e polÍtica no brasil

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    A questo Social e Polticano Brasil

    Em 20 de maro de 1919

    Senhores:Conheceis, porventura, o Jeca Tatu, dos Urups, de Monteiro Lo-

    bato, o admirvel escritor paulista? Tivestes, algum dia, ocasio de ver surgir,debaixo desse pincel de uma arte rara, na sua rudeza, aquele tipo de uma raaque, entre as formadoras da nossa nacionalidade, se perpetua, a vegetar deccoras, incapaz de evoluo e impenetrvel ao progresso?

    JECA TATU

    Solta Pedro I o grito do Ipiranga; e o caboclo em ccaras. Vem,com o 13 de Maio, a libertao dos escravos; e o caboclo, de ccaras. Derri-ba o 15 de Novembro um trono, erguendo uma repblica; e o caboclo deacocorado. No cenrio da revolta, entre Floriano, Custdio e Gumercindo,se joga a sorte do pas, esmagado quatro anos por Incitatus; e o caboclo,

    ainda com os joelhos boca. A cada um desses baques, a cada um des-ses estrondos, soergue o torso, espia, coa a cabea, magina, mas vol-ve modorra, e no d pelo resto.

    De p, no gente. A no ser assentado sobre os calcanha-res, no desemperra a lngua, nem h de dizer coisa com coisa. Asua biboca de sap faz rir aos bichos de toca. Por cama, uma esteiraespipada.

    pgina anterior

    http://p_a4.pdf/
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    Roupa, a do corpo. Mantimentos, os que junta aos cantos dasrdida arribana. O luxo do toucinho, pendente de um gancho, cume-

    eira. parede, o pica-pau, o polvarinho de chifre, o rabo de tatu, e empra-raio, as palmas bentas. Se a cabana racha, est de janelinhas aber-tas para o resto da vida. Quando o colmo do teto, aludo pelo tempo,escorre para dentro a chuva, no se veda o rombo; basta aparar-lhe agua num gamelo. Desaprumando-se os barrotes da casa, um santo demascate, grudado parede, lhe vale de contraforte, embora, quandoronca a trovoada, no deixe o dono de se julgar mais um em seguro no

    oco de uma rvore vizinha.O mato vem beirar com o terreirinho nu da palhoa. Nem

    flores, nem frutas, nem legumes. Da terra, s a mandioca, o milho e acana, porque no exige cultura, nem colheita. A mandioca,sem-vergonha, no teme formiga. A cana d a rapadura, d a garapa,e aucara, de um rolete espremido a pulso, a cuia do caf.

    Para Jeca Tatu, o ato mais importante da sua vida votar no

    Governo. Vota. No sabe em quem, mas vota. Jeca por dentro riva-liza com Jeca por fora. O mobilirio cerebral vale o do casebre. Notem o sentimento da ptria, nem, sequer, a noo do pas. De guerra,defesa nacional ou governo, tudo quanto sabe se reduz ao pavor do re-crutamento. Mas, para todas as doenas, dispe de meizinhas prodigio-sas como as idias dos nossos estadistas. No h bronquite que resistaao cuspir do doente na boca do peixe, solto, em seguida, gua abaixo.

    Para brotoeja, cozimento de beio de pote. Dor de peito? O porrete jasmim-de-cachorro. Parto difcil? Engula a cachopa trs caroos defeijo mouro e vista pelo avesso a camisa do marido.

    Um fatalismo cego o acorrenta inrcia. Nem um laivo de ima-ginao ou mais longnquo rudimento darte, na sua imbecilidade. Mazorrae soturna, apenas rouqueja lgubres toadas. Triste como o curiango, nemsequer assobia. No meio da natureza brasileira, das suas catadupas de vida,

    sons e colorido, o sombrio urup de pau podre, a modorrar silenciosono recesso das grotas. No fala, no canta, no ri, no ama, no vive.No sei bem, senhores, se, no tracejar deste quadro, teve o autor

    s em mente debuxar o piraquara do Paraba e a degenerescncia inata dasua raa. Mas a impresso do leitor que, neste smbolo de preguia e fata-lismo, de sonolncia e impreviso, de esterilidade e de tristeza, de subser-vincia e hebetamento, o gnio do artista, refletindo alguma cousa do seu

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    meio, nos pincelou, consciente, ou inconscientemente, a sntese da concep-o, que tm, da nossa nacionalidade, os homens que a exploram.

    A VISO DOS MANDA-CHUVAS

    Se os manda-chuvas deste serto mal roado, que se chamaBrasil, o considerassem habitado, realmente, de uma raa de homens, evi-dentemente no teriam a petulncia de o governar por meio de farsanterias,como a com que acabam de arrostar a opinio nacional e a opinio in-ternacional, atirando cara da primeira o ato de mais violento desprezo, que

    nunca se ousou contra um povo de mediana conscincia e qualquer virilida-de.

    Para animar esses gozadores inveterados nas covardias doegosmo a esse rasgo de intrepidez contra os sentimentos de uma naointeira, justamente quando esses sentimentos se esto patenteando comtoda esta intensidade, havendo de supor que o vezo de se encontrarem

    com um pas de resignao ilimitada e eterna indiferena os acostumoua verem nos seus conterrneos a caboclada lerdaa e tardonha da famliado heri dos Urups, a raa despatriada e lorpa, que vegeta, como os la-gartos, ao sol, madraaria e lombeira dos campos descultivados.

    O que eles vem, sucedendo idade embrionria do colono,dobrado ao jugo dos capites-mores; o que eles vem, seguindo-se po-ca tenebrosa do africano vergalhado pelo relho dos negreiros, o perodo

    banzeiro do autctone, cedido pela catequese dos missionrios cateque-se dos politiqueiros, lanzudo ainda na transio mal-amanhada, e sus-ceptvel, pelo seu baixo hibridismo, das bestializaes mais imprevistas.

    Eis o que eles enxergam, o que eles tm por averiguado, o queos seus atos do por lquido, no povo brasileiro: uma ral semi-animal esemi-humana de escravos de nascena, concebidos e gerados para a

    obedincia, como o muar para a albarda, como o suno para o chiqueiro,como o gorila para a corrente; uma raa cujo crebro ainda se no sabese de banana, ou de mamo para se empapar de tudo que lhe embu-tam; uma raa cujo corao ainda no se estudou se de cortia, ou deborracha, para no guardar mossa de nada, que o contunda; uma raa,cujo sangue seja de snie, ou de lodo, para no sair jamais da estagnaodo charco, ou do esfacelo da gangrena; uma raa, cuja ndole no parti-

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    cipe, sequer, por alguns instintos nobres ou teis, dos graus superioresda animalidade.

    De outra sorte no poderia suceder que, precisamente quan-do se trata do ato mais vital de uma nao, a escolha da cabea do seugoverno, seja essa nao a que se elimine, para exercer as suas vezes olendeao dos seus parasitas. De outro modo no se conceberia que, jus-tamente quando os mais obdurados e truculentos despotimos do mun-do rolam pelo cho, arrastando na queda os mais velhos tronos e as di-nastias mais poderosas, aqui, trs ou quatro moires de lenho podre ato cerne, se ponham rosto a rosto com todas as expresses do sentimen-to pblico, e as levem de vencida. De outra maneira no se explicariaque, exatamente quando se anunciava aos quatro ventos um movimentode regenerao dos costumes polticos, empenhados em corresponder grandeza das dificuldades com a grandeza dos exemplos, tudo se resol-vesse na comdia mais ignbil, de que nunca foi testemunha a nossaHistria. No, senhores, de outro jeito no se explicaria que, quando to-das as naes andam competncia, no campo da honra, em dar, qual aqual mais, em modelos ao universo atento, os seus maiores homens, assuas maiores aes e as suas maiores qualidades, a poltica brasileira ele-gesse este momento, para assombrar o mundo com a sua inveja, a suatacanharia, a sua corrupo e a sua cegueira; para juntar, aos olhos doestrangeiro, em uma s cena, como representao da nossa mentalidadee da nossa moralidade, um concurso de indivduos, vcios e oprbios,que obrigariam a corar o mais desgraado e o menos sensvel retalho dahumanidade.

    O BRASIL NO ISSO

    Mas, senhores, se isso o que eles vem, ser isto, realmente,o que ns somos? No seria o povo brasileiro mais do que esse espci-

    men do caboclo mal desasnado, que no se sabe ter de p, nem mesmose senta, conjunto de todos os estigmas de calaaria e da estupidez, cujovoto se compre com um rolete de fumo, uma andaina de sarjo e umavez daguardente? No valer realmente mais o povo brasileiro do queos conventilhos de advogados administrativos, as quadrilhas de correto-res polticos e vendilhes parlamentares, por cujas mos corre, baratea-da, a representao da sua soberania? Devero, com efeito, as outras na-

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    es, a cujo grande conselho comparecemos, medir o nosso valor pelodessa troa de escaladores do poder, que o julgam ter conquistado, com

    a submisso de todos, porque, em um lance de roleta viciada, empalma-ram a sorte e varreram a mesa?

    No. No se engane o estrangeiro. No nos enganemos nsmesmos. No! O Brasil no isso. No! O Brasil no o scio de clube,de jogo e de pndega dos vivedores, que se apoderaram da sua fortuna, eo querem tratar como a libertinagem trata as companheiras momentneasda sua luxria. No! O Brasil no esse ajuntamento coletcio de criaturastaradas, sobre que possa correr, sem a menor impresso, o sopro das aspi-raes, que nesta hora agitam a humanidade toda. No! O Brasil no essa nacionalidade fria, deliqescente, cadaverizada, que receba na testa,sem estremecer, o carimbo de uma camarilha, como a messalina recebeno brao a tatuagem do amante, ou o calceta, no dorso, a flor-de-lis doverdugo. No! O Brasil no aceita a cova, que lhe esto cavando os cava-dores do Tesouro, a cova onde o acabariam de roer at aos ossos os ta-tus-canastras da politicalha. Nada, nada disso o Brasil.

    O QUE O BRASIL

    O Brasil no isso. isto. O Brasil, senhores, sois vs. OBrasil esta assemblia. O Brasil este comcio imenso de almas li-vres. No so os comensais do errio. No so as ratazanas do Tesoi-

    ro. No so os mercadores do Parlamento. No so as sanguessugasda riqueza pblica. No so os falsificadores de eleies. No so oscompradores de jornais. No so os corruptores do sistema republi-cano. No so os oligarcas estaduais. No so os ministros de tarra-xa. No so os presidentes de palha. No so os publicistas de alu-guer. No so os estadistas de impostura. No so os diplomatas demarca estrangeira. So as clulas ativas da vida nacional. a multido

    que no adula, no teme, no corre, no recua, no deserta, no sevende. No a massa inconsciente, que oscila da servido desor-dem, mas a coeso orgnica das unidades pensantes, o oceano dasconscincias, a mole das vagas humanas, onde a Providncia acumulareservas inesgotveis de calor, de fora e de luz para a renovao dasnossas energias. o povo, em um desses movimentos seus, em quese descobre toda a sua majestade.

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    AS VERDADEIRAS MAJESTADES

    s majestades da fora nunca me inclinei. Mas sirvo s do di-

    reito. Sirvo ao merecimento. Sirvo razo. Sirvo lei. Sirvo minha p-tria. So essas as que eu reconheo neste mundo, e uma delas a comque em vs me encontro neste momento.

    No porque sejais o nmero. No porque sejais a torrente. Noporque sejais a catarata. No porque sejais o poder incoercvel. Mas porquesois a barreira do poder. Mas porque sois o reservatrio da vida. Mas porquesois a caudal saneadaora. Mas porque sois a soma das atividades, que consti-tuem o trabalho, a unio dos que no se nutrem do cabedal alheio, o mundolimpo, claro e so dos que no tm que esconder o de que vivem.

    Operrios brasileiros, que viestes hoje a mim, que me honraiscom o desejo de me ouvir, que me estais dando a vossa ateno, a im-portncia do elemento que representais cresce a olhos vistos, dia a dia,mas no principalmente por irdes crescendo em numerosidade, no por

    engrossardes em vulto, no por aumentardes em materialidade, bruta;sim porque vos elevais em inteligncia; sim porque melhorais em mora-lidade; sim porque vos desenvolveis no sentimento de vs mesmos, dovosso valor no meio dos outros fatores sociais, das vossas necessidadesna cultura desse valor. Os homens no se governam pela inconscinciado peso, mas pelo peso da conscincia.

    QUANTIDADE E QUALIDADE

    Quereis ver, de um relance, a distncia entre a inconscinciado peso e o peso da conscincia? Comparai, nesta guerra ainda mal apa-gada, nesta guerra cujo rescaldo chameja ainda, comparai a essa Blgicade oito milhes de almas com aquela Rssia de cento e oitenta milhesde homens; e vede como saram as duas do embate com os gigantes dafora. Apesar de mal organizada, uma era um colosso militar. No min-

    guavam os milhes dos seus exrcitos os mais bravos soldados haviamquebrado as molas morais ao seu governo, sua sociedade, ao seu povo;e o monstro armado, cuja imensidade se levantava como a de um Goliathnas esplanadas da luta, ruiu, juncando hoje o solo dos seus destroos,combatentes uns com os outros, sob o domnio da misria, da fome, daanarquia, meneados por dois agentes estrangeiros, ao passo que a Blgica,arcando com a invaso at ao ltimo instante, exausta quase at derradei-

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    ra gota do seu sangue, hspeda em uma capital emprestada, atravessa in-vencvel a sua via dolorosa, e ressurge do seu Calvrio, laureada, gloriosa,

    divina, com a sua nacionalidade intacta, o seu prestgio multiplicado, asrazes do seu futuro borbotantes de seiva. Tanto vai, senhores, do sergrande pela quantidade a ser grande pela qualidade.

    Considerai qual das condies haveis de escolher, operriosbrasileiros. Uma acaba desagregada pelas circunstncias da sua inferiori-dade. A outra, sustentada pela excelncia do seu carter, resiste a todas

    as provas, e de cada uma se desembaraa avantajada.ADULAOE AMIZADE

    Todas as grandezas, senhores, todas as grandezas so aduladas.A vossa tem tambm os seus cortesos; e nenhum deles se deve mais arre-cear pois , de todas, a mais nova inexperiente, a mais desacautelada, e, pelogeneroso dos seus impulsos, a mais susceptvel de cair nos laos da tenta-

    o, quando ela embebe a linguagem na cor dos sentimentos nobres. Emmim, bem sabeis que no ides ter um cortejador; mas, se vos mereo justi-a, deveis estar certos de que podeis contar com um amigo.

    O TRABALHO

    H na vossa grandeza um condo, para atrair os que se norendem a outras: que a grandeza do trabalho. O trabalho no o casti-

    go: a santificao das criaturas. Tudo o que nasce do trabalho, bom.Tudo o que se amontoa pelo trabalho, justo. Tudo o que assenta no tra-balho, til. Por isso, a riqueza, por isso, o capital, que emanam do traba-lho, so, como ele, providenciais; como ele, necessrios, benfazejos comoele. Mas j que do capital e da riqueza manancial o trabalho, ao trabalhocabe a primazia incontestvel sobre a riqueza e o capital.

    Lincoln no era um demagogo, no era um revolucionrio,no era um agitador popular. Era o presidente da grande repblica nor-te-americana durante a mais tremenda crise da sua histria; e o con-senso geral da posteridade o sagra, hoje, como o maior gnio de estadis-ta que a tem governado. Pois Lincoln, senhores, no duvidava reivindi-car, em uma das suas mensagens ao Congresso Nacional, em dezembrode 1861, a preeminncia do trabalho aos outros fatores sociais.

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    O trabalho dizia ele precede ao capital, e deste no depen-de. O capital no seno um fruto do trabalho, e no chegaria nun-

    ca a existir, se primeiro no existisse o trabalho. O trabalho , pois,superior ao capital, e merece considerao muito mais elevada.

    TRABALHOE ESCRAVIDO

    Exprimindo este sentir, muito mais generalizado atualmente noseio dos Estados Unidos que h sessenta anos, quando o grande homemde Estado o anunciava de to alto, Lincoln falava como quem aprendera a

    conhecer o trabalho, arcando com o seu maior inimigo, a propriedade ser-vil. Foi a, foi nessa rude escola, foi com essa experincia dolorosa, quetambm aprendemos a estim-lo e am-lo os abolicionistas brasileiros.

    Quando o corao me comeou a vibrar dos sentimentos, queme tm enchido a vida, o trabalho arfava acorrentado rocha da escravi-do, onde lhe dilacerava as entranhas o abutre da cobia desumana. No dia

    em que o raio de Deus fundiu aquelas cadeias, bem sentimos ns outros,os que havamos buscado colaborar na obra da Providncia, adiantando-lhea data, que de sobre o granito, onde se acabavam de partir os grilhes daraa cativa, se erguia um poder novo, um poder entre ns desconhecido, opoder, ainda inconsciente, do trabalho regenerado.

    Dentre os que tnhamos levantado o pico ou o camartelo

    contra o penedo, a que se chumbava a instituio maldita, cada qual es-treitava ao peito as lembranas do seu contingente para a campanha emque entrara. O meu fora modesto. Mas abrangera tudo o que eu podia.Com ela me estreei na tribuna popular acadmico ainda, encetando-acom a primeira conferncia abolicionista que se ousou em So Paulo.Depois, a minha pena, a minha palavra deram a essa causa o melhor domeu ser, e dessa causa receberam o melhor das suas inspiraes. Tive a

    honra de ser o autor do projeto Dantas, de escrever, em sua sustentao,o parecer das comisses reunidas, de ser, na Cmara dos Deputados, o seurgo e bandeira, de me ver derrotado por amor dele nas eleies subse-qentes, de combater a Lei Saraiva, de reivindicar para a conscincia daNao brasileira o mrito do ato da redeno, de incorrer nas ameaasda clebre guarda negra, de no faltar nunca, nos momentos mais arris-cados, com uma devoo, que nunca se desmentiu, e que no quis nem

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    teve jamais, a troco de todos os servios, outro interesse, ou paga, seno perigos, dios e vinganas.

    A RAA LIBERTADA

    Estava liberto o primitivo operariado brasileiro, aquele aquem se devia a criao da nossa primeira riqueza nacional. Terminava omartrio, em que os obreiros dessa construo haviam deixado, no s osuor do seu rosto e os dias da sua vida, mas todos os direitos da sua hu-manidade, contados e pagos em oprbrios, torturas e agonias.

    Mas que fizeram dos restos da raa resgatada os que lhe haviamsugado a existncia em sculos da mais mproba opresso? Nessas rui-narias havia ainda elementos humanos. De envolta com as geraes exa-ustas, que o tmulo esperava, estavam as geraes vlidas, umas em ple-na virilidade, outras vencendo a adolescncia, outras abrolhando, nas-centes ainda, no meio das runas da sua ascendncia exterminada. Quemovimento de caridade tiveram por esses destroos humanos os rbi-

    tros do bem e do mal nesta terra? A responsabilidade no da monar-quia, que expirou ao outro dia da abolio. A responsabilidade no podeser tambm do Governo Provisrio, que em s quatorze meses teve deliquidar um regmen e erigir outro. Mas ao governo revolucionrio suce-deram vinte e nove anos de repblica organizada, com oito quadriniospresidenciais de onipotncia, quase todos em calmaria podre. Que contadaro a Deus esses governos, senhores, de tudo o que ambicionaram,

    poderosos para tudo o que quiseram, livres em tudo o de que cogitaram, que contas daro a Deus da sorte dessas geraes, que a revoluo de13 de maio deixou esparsas, abandonadas grosseria originria, em quea criara e abrutara o cativeiro?

    Era uma raa que a legalidade nacional estragara. Cumpria sleis nacionais acudir-lhe na degradao, em que tendia a ser consumida,e se extinguir, se lhe no valessem. Valeram-lhe? No. Deixaram-na estiolar

    nas senzalas, de onde se ausentara o interesse dos senhores pela sua an-tiga mercadoria, pelo seu gado humano de outrora. Executada assim, aabolio era uma ironia atroz. Dar liberdade ao negro, desinteressan-do-se, como se desinteressaram absolutamente da sua sorte, no vinha aser mais do que alforriar os senhores. O escravo continuava a s-lo dosvcios, em que o mergulhavam. Substituiu-se o chicote pela cachaa, o

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    parlamento, se viu reduzida a bradar pelas leis, que se imolam, e contraos abusos, que se consumam.

    AS RESPONSABILIDADES

    Eis os homens, senhores, que se atrevem a chamar-me a con-tas dos meus sentimentos em relao ao operariado, ao operariado atual,ao que tomou dos ombros da escravido a carga do trabalho emancipa-do. Para com o outro, para com o que vos precedeu no lavor penoso dosolo e da indstria, no tiveram o menor movimento de simpatia huma-

    na. Assistiram sua perdio total, ao seu sacrifcio absoluto, eles que ti-nham nas mos os instrumentos do poder ilimitado; e, responsveis detamanha insensibilidade s amarguras das vtimas do trabalho servil,hoje se arvoram em padroeiros do trabalho livre. Como! Padroeiros dotrabalho livre, eles! E contra quem? Contra mim, que convosco preten-dem mexericar, babujando-me com o aleive de no sei que rancores classe operria, de no sei que antagonismo aos seus direitos, de no sei

    que incompatibilidade com a sua causa. Dantes era o delator o que haviade provar a sua delao. Hoje o delatado o que deve provar a sua ino-cncia. Privilgios da mentira, que, soberana inconcussa destes reinos,no h prerrogativas que lhe bastem, para impor aos seus vassalos a hu-milhao brutal da sua vassalagem.

    Com que, senhores, sou ento eu o que me hei de considerarobrigado a exculpar-me da increpao, que os meus caluniadores nodocumentaram? Eu, o velho abolicionista? Eu, o advogado gratuito e de-sinteresseiro dos escravos? Eu, que me devo levantar, cabea baixa, bar-ra do tribunal, para demonstrar que, amigo, ontem, do trabalhador cativo,no aborreo, hoje, o trabalhador livre? Pois os meus servios redenodo primeiro no estaro a evidenciando, acima de todas as dvidas, a mi-nha natural inclinao pela sorte do segundo?

    OS ABOLICIONISTAS E OSOPERRIOS

    Quando um homem se vota a defender os humildes contra ospotentados, por outro motivo no se concebe que anteponha os fracosaos fortes, a no ser para servir justia. Com os grandes e fortes est olucro; com os fracos e humildes, o perigo. Como optar o risco, em lugarda vantagem, seno por antepor o direito iniqidade?

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    No caso do cativeiro, ainda mais se assinala, na preferncia dodesvalido ao poderoso, o desinteressado amor dos nossos semelhantes.

    A a natureza e a fortuna despiram o miservel de todos os atrativos. Anatureza lhe tisnou a pele, enegreceu-lhe a tez, e lhe engrossou as fei-es. A fortuna o desnobreceu, o aviltou, desumanou-o grosseiramente,alarvajou-lhe os costumes, condenou-o esqualidez, mergulhou-o nalassido, na preguia, no abrutamento. De criaturas racionais assim des-naturadas, s o mais arraigado sentimento de fraternidade humana ou amais extrema paixo da caridade nos poderiam habituar ao contacto.

    Mas ns nos sentimos nobilitados com ele; porque esse contacto nosensinava a amar a justia.

    No era fcil am-la, quando o seu amor nos inimistava como poderio da organizao, que tinha no elemento servil o seu alimento ea garantia da sua vida. A escravido era o alfa e o mega da sociedade,que ela nutria, o alicerce, e, juntamente, a cumeeira do estado, que nelase incorporara. O escravo, pelo contrrio, era, entre os companheiros do

    homem, o nfimo dos seres animados. Entre a humanidade e a animali-dade, vegetava sem os foros de uma, nem as vantagens da outra, menosbem tratado que as alimrias de estimao, ou as crias de raa.

    Ns, porm, nunca hesitamos em renhir com os interessesdaquela potestade, a fim de restabelecer as vtimas dessa cobia insaci-vel nos direitos sagrados, que lhe ela extorquia. No nos detinha a opu-lncia dos senhores. No nos atemorizava a perseguio dos governos.

    No nos repugnava a misria dos nossos vilipendiados clientes. E, entreesses opostos extremos de grandeza e desgraa, de onipotncia e sujei-o, nunca houve um abolicionista que se vendesse ao dinheiro, quetrasse o direito, que desertasse o seu posto. Pudessem o mesmo de sidizer os republicanos!

    Como poderia, logo, haver um abolicionista de ento, que noseja hoje um amigo do operrio? A causa deste menos rdua; porquan

    -to os interesses capitalsticos da sociedade, atualmente, no se ressentemda intolerncia, que empedernia a propriedade servil, nem organizaoda indstria assistem os apangios hediondos, que barbarizavam a orga-nizao do cativeiro.

    O capital de agora mais inteligente, e no tem direitos con-tra a humanidade. Nem o obreiro o animal de carga ou tiro, desclassi-

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    ficado inteiramente da espcie humana pela morte poltica e pela mortecivil, que sepultavam em vida o escravo. Ao passo que a este mal lhe as-

    sistia jus preservao da vida material, o operrio tem todos os direitosde cidado, todos os direitos individuais, todos os direitos civis, e, dota-do, como os demais brasileiros, de todas as garantias constitucionais,no se queixa seno de que s relaes peculiares do trabalho com o ca-pital no corresponda um sistema de leis mais eqitativas, a cuja sombrao capital no tenha meios para abusar do trabalho.

    ABOLICIONISMOE REFORMA SOCIAL

    Evidentemente, senhores, as duas situaes distam imensouma da outra. Entre a posio do trabalhador e a do escravo no hnada substancialmente comum. Mas uma relao de analogia as subordi-nam mesma ordem moral de idias. Ambas interessam ao trabalho: aprimeira, nas liberdades elementares do homem e do cidado, e a segun-da, na independncia econmica do trabalhador. O abolicionismo resti-

    tuiu o escravo condio humana. A reforma social, na sua expressomoderada, conciliatria, crist, completaria, no operrio livre, a emanci-pao do trabalho, realizada, outrora, em seus traos primordiais, nooperrio servil. Entre um e outro caso, portanto, no vai mais do queuma transio natural, a que os sobreviventes da luta abolicionista nodevero negar o seu concurso.

    Abolicionista de todos os tempos, zeloso do meu ttulo de

    servios a essa causa bendita, por obrigado me tenho eu, na lgica dasminhas convices, na coerncia dos meus atos, a considerar-me inscri-to entre os patronos da causa operria, naquilo em que ela constitui, re-almente, um corpo de reivindicaes necessrias dignidade humana dotrabalhador e ordem humana da sociedade.

    SOCIALISMO

    Teria eu dito alguma vez qualquer cousa divergente desta pro-posio? Estarei, acaso, em contradio com ela, por haver declaradoque no era socialista? Mas, senhores, socialista o adepto do socialis-mo, e o socialismo uma teoria, um sistema, um partido. No socialis-mo, pois, como em todas as crenas de partido, em todos os sistemas,em todas as teorias, a um fundo verdadeiro, com acessrios falsos, ou

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    um fundo errneo, com acidentes justos. Os teoristas, os sistemticos,os partidistas no discriminam entre o grau de verdade e a liga de erro,

    que a inquina, ou entre a base de erro e a superfcie de verdade, que orecobre, e, amalgamando tudo em uma s doutrina inteiria, estiram averdade, por exagerao, at os limites de erro ou impem o erro comoconseqncia inseparvel do assentimento verdade.

    Eis por que motivos, senhores, grave desacerto me parece re-duzir a boa causa operria a uma dependncia essencial da sistematiza-

    o socialista. Da o no alistar-me eu no socialismo, professando, en-tretanto, ao mesmo tempo, como tenho professado, a mais sincera ade-so ao movimento operrio nos seus propsitos razoveis, nas aspira-es irrecusveis, que encerra, em muitos dos seus artigos, o seu progra-ma de ao.

    A concepo individualista dos direitos humanos tem evolvi-do rapidamente, com os tremendos sucessos deste sculo, para uma

    transformao incomensurvel nas noes jurdicas do individualismo,restringidas agora por uma extenso, cada vez maior, dos diretos sociais.J se no v na sociedade um mero agregado, uma justaposio de unida-des individuais, acasteladas cada qual no seu direito intratvel, mas umaentidade naturalmente orgnica, em que a esfera do indivduo tem por li-mites inevitveis, de todos os lados, a coletividade. O direito vai cedendo moral, o indivduo associao, o egosmo solidariedade humana.

    Estou, senhores, com a democracia social. Mas a minha de-mocracia social a que preconizava a cardeal Mercier, falando aos ope-rrios de Malines,

    essa democracia ampla, serena, leal, e, em uma palavra, crist:a democracia que quer assentar a felicidade da classe obreira, nonas runas das outras classes, mas na reparao dos agravos, que ela,at agora, tem curtido.

    Aplaudo, no socialismo, o que ele tem de so, de benvolo, deconfraternal, de pacificador, sem querer o socialismo devastador, que,na linguagem do egrgio prelado belga,

    amimando o que menos nobre no corao do homem, rebaixaa questo social a uma luta de apetites e intenta dar-lhe por soluoo que no poder deixar de exacerb-la: o antagonismo das classes.

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    A meu ver,

    quando trabalha em distribuir com mais equanimidade a ri-

    queza pblica, em obstar a que se concentrem nas mos de poucossomas to enormes de capitais, que, praticamente, acabam por setornar inutilizveis, e, inversamente, quando se ocupa em desenvol-ver o bem-estar dos deserdados da fortuna, o socialismo tem razo .

    Mas no tem menos razo, quando, ao mesmo passo que trata deimprimir distribuio da riqueza normas menos cruis, lana os alicercesdesse direito operrio, onde a liberdade absoluta dos contratos se atenua,

    quando necessrio seja, para amparar a fraqueza dos necessitados contra aganncia dos opulentos, estabelecendo restries s exigncias do capital, esubmetendo a regras gerais de eqidade as estipulaes do trabalho.

    Estas consideraes tero aqui, hoje mesmo, a explanaodevida, quando vos eu minudenciar a minha maneira de sentir acerca decada um dos pontos, em relao aos quais, entre ns, se tm articulado

    as reclamaes operrias. Mas bastaria o que j levo dito, para liquidar asfalsidades, que me denunciaram vossa malquerena como um espritoobcecado justia das vossas reivindicaes.

    NEFELIBATAS

    Quereis, entretanto, ver que o que so os meus acusadores?Assombrai-vos em o apreciar no discurso do senador rio-grandense, que

    tomou a si, na baixa comdia da Conveno, a tarefa de reduzir a p aminha entrevista com o Correio do Povo, de Porto Alegre, sobre a revisoconstitucional. Nessa orao, em que o esprito reacionrio corre pare-lhas com a insensibilidade vida contempornea, nos declara perempto-riamente o situacionismo borgista que o estado no pode intervir comas suas leis nas discrdias entre o capital e o trabalho, e que a Liga dasNaes constitui uma hiptese muito longnqua.

    No quero ventilar agora as opinies do venerando nefelibata.S um habitante das nuvens, estrouvinhado ao acordar na Terra, poderia,neste momento, relegar para o domnio das hipteses remotas a Liga dasNaes, com a misso de negociar a qual o Brasil tem, agora mesmo, naEuropa, uma embaixada. S um esprito extraviado nos domnios astraispoderia contrapor-se agora evoluo geral do mundo, arrastado em tor-

    Pensamento e Ao 381

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    rente para as concesses ao socialismo, negando, com esses ares categri-cos, lei, o arbtrio de intervir nas controvrsias entre obreiros e patres.

    J COMEAM...

    Estou j muito velho, para sustentar concluses magnas sobrea existncia do sol e da lua, do dia e da noite. Quando me saem ao en-contro com certos arrojos em tom de coarctadas, lembra-me o caso, quemuitas vezes ouvi contar, do Marqus de Abrantes em um baile de rapa-zes. Quando o acatado conselheiro de Sua Majestade assomou ao topo

    da escada, no palcio onde corria a funo, os moos, em vez de seapressurarem a lhe agradecer a honra da presena, tiveram a indiscriode se lhe dirigir como a um convidado ordinrio, perguntando-lhe peloconvite Seu carto, Sr. Marqus? Ah! respondeu ele j come-am com asneiras? Ento vou-me embora. Os estudantes caram naconta da tolice, desmancharam-se em escusa, e acabou, sem mais nada,o incidente.

    CONTRADIES

    Mas, senhores, o que se me antolha, na verdade, estupendo, eno se poder deixar correr sem advertncia, que, dentre a mesmagente, cujas exigncias me requerem uma conciliao com o socialismo,para granjear o voto operrio, surja, entonada e retumbante, na consa-grao da candidatura, oposta minha, o desengano mais radical s es-

    peranas das classes trabalhadoras em uma legislao, que nos d, quan-to s relaes do trabalho com o capital, alguma coisa das notveis con-quistas a tal respeito j sancionadas entre os mais bem organizados pa-ses do mundo.

    Vede como entre esse gentio da nossa politicalha se pratica alisura, como esses discpulos de Comte vivem s claras, como nessa esco-la da austeridade se cultiva esta virtude. Com os sufrgios do operariado

    no podia eu sonhar, porque ainda lhe no dera arras de correligionrionas idias de renovao da sociedade; porque no jurara bandeira no so-cialismo; porque no comia praa de soldado nas suas legies. Todos es-ses sufrgios, porm, se devem concentrar no candidato da Convenodos Sete, justamente porque essa candidatura nasce ao grito de intransi-gncia dos seus autores contra as pretenses do operariado interfern-cia da lei nas relaes dele com o capital.

    382 Rui Barbosa

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    Onde j se viu tranquiberniar igual com a prpria conscinciae a conscincia alheia? A ortodoxia rio-grandense no quer negcio co-

    migo; porque eu sou revisionista, e ela no transige com a reviso. Masadota o candidato da Conveno do Carnaval, cujo revisionismo, to de-clarado quanto o meu, no tem, sequer, para sossego dos an-ti-revisionistas, a vantagem de estar rigorosamente definido e circunscri-to, individuadamente, a certos pontos. O puritanismo rio-grandense notolera conversas com a indicao do meu nome, por ser de notoriedadeque eu simpatizo com a regulamentao do artigo 6, norma consti-

    tucional da interveno nos estados, e no admitir o governo do RioGrande que ningum lhe meta o bedelho em casa. Mas apadrinha o can-didato da Conveno de fevereiro, embora este, no seu discurso de 23de maio de 1893 Cmara dos Deputados, haja abertamente pregado ainterveno federal naquele estado. A imaculadidade rio-grandense arre-nega da hiptese da presidncia Rui Barbosa, em razo de haver este su-jeito, um dia, argido a Constituio rio-grandense de contrria Cons-tituio nacional. Mas essa mesma virgindade sem mcula antes, durantee depois do parto, essa mesma poltica da conceio imaculada, essaClotilde intemerata no hesita em assumir a iniciativa da candidaturaEpitcio Pessoa, sem lhe importar que um dos fastos mais insignes des-te ilustre repblico seja a sua declarao tonitruante, nas filpicas da suaestria contra o florianismo e o castilhismo, de que o Rio Grande do

    Sul no tem Constituio.No tem Constituio o Rio Grande do Sul? Quem o brada o candidato do Monroe, e, no obstante, o Rio Grande do Sul quemlhe levanta a candidatura, recusando a minha, porque eu no acho cons-titucional a Constituio rio-grandense.

    Maior , destarte, o meu crime, dando por inconstitucional aConstituio do Rio Grande, que o do meu opositor em sustentar que

    essa Constituio nem sequer existe.

    Risum teneatis, amici? Senhores meus, no arrebentais de risoao espetculo desses santos, desses altares e desses levitas? Ou entraistambm na pilhria, comeando a sentir, como eu, pruridos reverenciaispara com essas ortodoxias, essas religiosidades, esses pontfices do cate-cismo conservador?

    Pensamento e Ao 383

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    ENTRA-SE A CONTAS

    Mas, senhores, j que me constrangem a trazer a este audit-

    rio a questo social, de cujo melindre intimamente escarnecem esses ex-ploradores e zombadores de tudo, aceito o repto, e entremos a contas.

    Venham com as suas os homens, que h trinta anos, se as-senhorearam da repblica, e nela, vai por trinta anos, parasiteiam tripa forra. Que fizeram eles, nesses seis lustros, nesse tero de sculo,pela causa do trabalho nesta terra, eles, os nicos em cujas mos est,para tudo, a faca e o queijo, a faca rija no corte e o queijo inesgotvelno miolo?

    CASAS DEOPERRIOS

    O primeiro movimento, que nesse terreno, vimos delinear-se,foi o da habitao do operrio. Foi logo nos primeiros anos do regmen,vrias leis municipais tentam estimular a bem da idia o interesse priva-do. Em 1894 assina essa municipalidade, para a construo de casas ade-quadas condio do operariado, um contrato com o engenheiro civilAgostinho dos Reis, zeloso amigo dessa classe, a cujo desenvolvimentose tem consagrado com carinho. Mas bem prestes se reconhece a urgn-cia de novas medidas legislativas, sem as quais estava condenado o co-metimento a malograr-se. Nomeia-se uma comisso, e o seu projeto,submetido, por mensagem do Presidente ao Congresso Nacional em1904, leva bons sete anos, para se converter na lei de 20 de janeiro de1911, a que o governo Hermes, em todo o curso do seu memorandoquadrinio, no acedeu em dar regulamento, e que, ainda hoje, est porser regulamentada.

    O grande marechal no queria ver a soluo do problemaoperar-se naturalmente no domnio da legalidade. O seu elemento era oarbtrio, e o caso estava pedindo um arbtrio digno da sua agigantada fi-

    gura. Era um fogo de vistas, que devia custar cerca de quinze mil contos Nao. O pai dos operrios deu-se-lhes a ver na sua glria de bichaschinesas, semeando vivendas baratas para as classes populares. Os trezesou quinze mil contos arderam fulgurosamente. Mas, quando acabaramde estourar, no fogo preso, os ltimos petardos, os operrios, engoda-dos, at ento, com as sedutoras promessas, pouco mais viram da casariaesperada, que os castelinhos de vento nas roscas da fumaa, o dinheiro

    384 Rui Barbosa

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    pblico em cinza, e os vestgios de um famoso desastre, coroado porum suicdio.

    Eis a, pois, senhores, como se acha atendido, entre ns, pelacincia republiqueira, pelo tino dos administradores indgenas, esse re-clamo da humanidade, que, poucos anos h, na Sociedade Francesa de Ha-bitaes Baratas, o Sr. Ribot, o economista, o financeiro, o homem deEstado, traduzia nestas palavras lapidares:

    mister que a nossa sociedade mostre haver compreendido o

    seu dever para com todos esses homens, que so, politicamente,nossos iguais, mas que, hoje socialmente, no o so, e padecemcomo mau agasalho onde habitam. No os devemos deixar na pro-miscuidade ignominiosa dessas pocilgas, com que se desonram cer-tos bairros das nossas cidades. Muito pedimos aos nossos concida-dos. At o sacrifcio da vida lhes podemos requerer, quando cum-pra. Mas temos, a seu respeito, deveres, o primeiro dos quais noos deixarmos vegetar em condies indignas de uma sociedade es-tribada no respeito aos diretos e na fraternidade humana.

    O estrangeiro, que, com expresses to carregadas, l se in-digna contra o atraso dessa aspirao civilizadora em terras como as deFrana, no poderia suspeitar, nem de longe, o que vai por esta metr-pole, engalanada, para deslumbramento dos forasteiros, com as maravi-lhas de uma natureza incomparvel; por esta metrpole cortada e orla-da, a capricho, de avenidas ideais, de jardins encantados, mas abandona-

    da, quanto s necessidades mais graves da existncia dos inditosos, a ex-tremos de misria e dureza, que arrancariam lgrimas s pedras.

    At agora o abrigo das classes proletrias , habitualmente, acasa de cmodos, ou a triste arapuca de retalhos de zinco, latas de querose-ne e caixas de sabo. Na casa de cmodos se atestam criaturas humanascomo sacos em tulhas, em uma promiscuidade inconcebvel, que lembraos quadros do trfico negreiro: os pores coalhados de homens, mulhe-res e crianas, como de fardos mortos, em uma tortura de mil torturas,que gela a imaginao transida e horripilada. Os covis de sarrafos e folhas-de-flandres se agacham e penduram vacilantes, encosta dos morrossuspeitos, como canis de rafeiros maltratados, onde entes humanos se doa si mesmos a iluso de estarem ao abrigo das intempries, das sevandijas,dos bichos daninhos, que por toda a parte os varejam e infestam.

    Pensamento e Ao 385

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    Para no cuidardes que vos esteja inventando quadros ima-ginrios, ouvi o depoimento do Dr. Alfredo Leal de S Pereira, em

    uma comunicao dada luz no Jornal do Comrcio, aos 30 de janeirode 1919:

    So habitaes sem ar e sem luz, onde adultos e crianas vi-vem na mais srdida promiscuidade; onde os mais pudicos, quandoobedecem s leis de perpetuao da espcie, abrigam-se por trs deuma cortina rota, quase transparente; onde, noite, em um ambientefechado, respira o triplo das pessoas que o mesmo poderia compor-tar; onde os gneros alimentcios, pendentes das paredes, contribu-em para perfumar o ambiente malcheiroso; onde os fogareiros, decarvo ou querosene, enegrecendo os muros, asfixiam e enjoam;onde o tuberculoso, escarrando por toda a parte, mimoseia os seusprximos com presentes gregos; onde crianas imundas e enfezadasbrincam em corredores sombrios; onde, em bacias de folha, se lavaa roupa dentro do prprio quarto e pe-se a secar s janelas, quan-do as h.

    Imaginareis porventura, que, de ento a esta parte, melhoras-sem, de qualquer modo, as coisas? Pois escutai o que, ainda em 3 do mspassado, estampavaA Noite, debaixo do ttulo Matadouros de gente:

    Que dizer das paredes de tais quartos de improviso, que solimitados por divises de madeira tosca, de pano e, at, de folhas dezinco! Que dizer de morada em pores e stos baixssimos, semluz, nem ar! Que dizer de aproveitamento de vos por baixo de es-cadas, despensas, reas, copas e, at, gabinetes de latrina, para de

    tudo fazer dormitrios!

    Atendei ainda, meus amigos. o nosso popular vespertino,que prossegue:

    No que toca a banheiros, simplesmente inacreditvel o que vi-mos, por exemplo, na estalagem cuja fotografia publicamos, estalagem,que tem 69 cmodos, com 247 pessoas e um s banheiro. Mas h me-lhor: so as habitaes sem banheiro, como uma estalagem de 15 casas,

    onde moram 49 pessoas, e outra de 39 casas, com 193 pessoas.

    Vede mais, senhores, at onde vo esses incrveis requintes de horror.

    a mesma folha quem testemunha:

    Foi encontrada uma casa, onde a gua de beber era retirada deum tubo, que vinha recurvar-se por sobre o vaso da latrina, em cujointerior era preciso introduzir a vasilha, para apanhar a gua.

    386 Rui Barbosa

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    O TRABALHODOS MENORES

    Outro projeto de alta inspirao moral assinalou os primeiros

    atos deste regmen, ainda sob o Governo Provisrio. Foi o decreto, queele expediu, em 23 de janeiro de 1891, estabelecendo providncias pararegularizar o trabalho dos menores, empregados nas fbricas da capital.Essa lei, onde se fixava, a respeito dos operrios menores, o mnimo daidade, e se limitavam as horas de trabalho, explicava a deliberao doMarechal Deodoro e seus ministros, com o desgnio, exarado no seu in-trito, de impedir que, em prejuzo prprio e da prosperidade futura daptria, sejam sacrificadas milhares de crianas.

    Pois bem, senhores: esse ato legislativo no se regulamentouat hoje. Quer dizer que se deixou de todo em todo sem execuo,como se nunca houvera existido. Destarte, pois, durante no menos detrinta anos, um aps outro, se continuaram a imolar os milhares de cri-anas, cujas vidas o grande corao do Marechal Deodoro e o patriotis-

    mo do herico soldado brasileiro queriam salvar. Terrvel hecatombenua de inocentes cuja responsabilidade se averba toda ao dbito danossa politicalha, da sua crua indiferena e da sua glida insensibilidade.

    HORAS DE TRABALHO

    Vinte e dois anos depois surgia o Projeto n 4-A, de 1912, oprimeiro que, entre ns, se ocupou em limitar as horas de trabalho, e pro-

    videnciar sobre os operrios inutilizados no servio. Mas essa tentativa,depois de invernar cinco anos nas pastas da Cmara dos Deputados, de-sapareceu, afinal, em 1917, em um substitutivo, mais tarde abandonado.

    Eis a histria legislativa do movimento de reforma social, ato ano passado, at a lei sobre os acidentes de trabalho, em que daqui apouco me deterei alguns instantes.

    A SORTEDOOPERRIO

    Nada se construiu. Nada se adiantou, nada se fez. A sorte dooperrio continua indefesa, desde que a lei, no pressuposto de umaigualdade imaginria entre ele e o patro e de uma liberdade no menosimaginria nas relaes contratuais, no estabeleceu, para este caso deminoridade social, as providncias tutelares, que uma tal condio exige.

    Pensamento e Ao 387

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    As fbricas devoram a vida humana desde os sete anos de ida-de. Sobre as mulheres pesam, de ordinrio, trabalhos to rduos quanto

    os dos homens; no percebem seno salrios reduzidos e, muitas vezes,de escassez mnima. Equiparam-se aos adultos, para o trabalho, os me-nores de quatorze e doze anos. Mas, quando se trata de salrio, cessa aequiparao. Em emergncias de necessidade todo esse pessoal concor-re aos seres. O horrio, geralmente, nivela sexos e idades, entre os ex-tremos habituais de nove a dez horas quotidianas de canseira.

    HIGIENE

    Quanto s condies de higiene, em que essa populao, aver-gada carga da vida, se entrega faina diria, no posso avaliar se temmelhorado consideravelmente do que era h anos, quando um dos nos-sos mdicos de higiene, o Dr. Ferrari, o descrevia perante a Academiade Medicina, em um discurso que saiu a pblico no Correio da Manh,com o ttulo A regulamentao do trabalho nas fbricas.

    O Dr. Domingos Marques de Oliveira, em uma confernciade que aquele seu colega transcreve trechos notveis, e que o oradorpronunciara na prpria fbrica do Bangu, declarava que todos os tsicos,de que havia tratado naquela localidade, onde ele clinicava, havia seisanos, eram teceles, e atribua a dilatao desse mal, em grande parte, lanadeira de chupar, singular utenslio usado nos teares (no sei se ainda

    agora), e de que o operrio se serve com a boca, sugando. Esse instru-mento perigoso, a esse tempo j condenado na Europa, obrigava os te-cedores e tecedeiras a esforos persistentes de aspirao, havendo ope-rrios que deviam exercer a suco cada um em trezentas lanadeiras; e,passando, sucessivamente, de boca em boca, transmitia, pela comunicaobucal, o contgio da tuberculose, de que era, segundo o testemunho dessesdois facultativos, o mais poderoso auxiliar e o maior propagador.

    Esses autorizadssimos depoimentos caracterizam ainda, comos traos mais desagradveis, a desordem sanitria daquelas casas: ar vi-ciado, pela ausncia de aparelhos que o renovem; m ventilao; gua deruim qualidade, sem reservatrios onde se d a beber; freqentes lesesde viso, causadas pela insuficincia da luz e pela insistncia de lidarcom os mesmos matizes na tecedura; descaridade com as crianas, so-

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    brecarregadas, muitas vezes, de labores excedentes da sua capacidade, enem ao menos cultivadas com o indispensvel ensino profissional.

    AS MESOPERRIAS

    S entre as tribos selvagens, onde a parturiente deixa o varona rede com o recm-nascido, enquanto vai ao rio e ao campo labutarnos deveres caseiros, s a o mistrio da gestao humana e as suas exi-gncias naturais no encontram, na crise da sua soluo to contingente,a reverncia do homem, a sua solicitude, o redobrar dos seus cuidados.

    Em toda a parte se cercam de atenes meticulosas a gravideze o parto. Entre os povos civilizados a mulher que est para dar e a queacaba de dar luz so sagradas aos olhos do homem. Este sentimentonobre, porm, ainda no calou bastante nos costumes da nossa inds-tria. O caso j no domstico. J o no podemos disfarar entre asnossas vergonhas de famlia; porque uma grande voz estranha, uma des-sas vozes que ecoam no mundo, o denunciou nas reminiscncias da sua

    visita ao Brasil.Clemenceau entre outros fatos, que muito o contristaram

    entre ns, diz ele, singulariza o de ver mulheres em adiantado estado degravidez trabalhando horas inteiras de p. No se h mister de sermdico, acrescenta o grande francs, para se sentir o sofrimento des-sas operrias.

    Ainda bem, senhores, que a conscincia dos nossos industriaisj se vai elevando bastantemente; e do seio deles que, com uma autori-dade insuspeita, com uma das maiores autoridades, se ouvia, h poucomais de uma ano, em 10 de setembro de 1917, pelas colunas do Jornal doComrcio, a confisso do sentimento, j existente entre os nossos maisadiantados industriais, de ser necessrio conceder gravidao e ao par-to dois meses sucessivos de folga no trabalho. O industrial que assina

    esta declarao o Sr. Jorge Street. Eu vos convido, operrios, a aplau-dirdes este nome.

    A TUBERCULOSE EMOFICINAS DOESTADO

    No se calcula, senhores, a soma de vidas humanas, imoladas,ou salvas, que representa a observncia, ou inobservncia desses manda-mentos elementares da humanidade no regmen das idades e dos sexos,

    Pensamento e Ao 389

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    Primeiramente, o regulamento no extraiu da lei tudo o quepodia extrair. Como a lei, no artigo 3, circunscreveu aos casos do em-

    prego de motores inanimados os estabelecimentos industriais e traba-lhos agrcolas, cujos operrios tm direito restituio do dano que so-frerem, a explanao regulamentar excluiu os operrios das pedreiras eos mineiros. J o Sr. Costa Pinto, secretrio do Centro Industrial, de-monstrou que a regulamentao est errada. Estas duas lacunas, que ele,com razo de sobra, censura de gravssimas, no podem correr porconta do legislador, em cujo texto cabem, sem nenhum esforo de aco-

    modao, tanto os mineiros, como os cavouqueiros.Assim, os que moirejam em canteiras, como os que labutam

    em minas, quer os especializados nos misteres de perfurao e conser-vao dos poos e galerias, quer os dados extrao dos minerais, todoslidam com o auxlio de motores inanimados. Tais so as tranvias, osexplosivos, as bombas, os ventiladores, os ascensores e outros mecanis-mos imprescindveis ao desenvolvimento da humana atividade, seja no

    minerar, seja no escavar das pedreiras.To mal-aventurados somos ns, que, ainda quando uma elu-

    cubrao oficial de to bons instintos, como esta, e to bem encaminha-da na seleo dos seus colaboradores, se desvia da trilha usual das in-competncias e negligncias, nem por isso a obra deixa de vir, j do nas-cedouro, torta, ou mutilada.

    Mas no s o desdobramento regulamentar que se acha in-completo e omisso. A lei mesma, cobre estar incursa em omisses capi-tais, no corresponde ao que anuncia, no se desempenha do que pro-mete: aos prprios operrios contemplados no mbito das suas disposi-es no assegura a reparao dos acidentes do trabalho.

    A EXCLUSO DOTRABALHOAGRCOLA

    A omisso, de que me queixo, senhores, brada aos cus. A leino considerou seno o trabalho industrial. Como explicar singularidadeto extravagante, qual a de, num pas essencialmente agrcola e criador,se esquecerem do trabalho da criao e do da lavoura, os dois nicos ra-mos de trabalho atualmente nacionais, os dois ss, em absoluto, nacio-nais, os dois, onde assenta a nossa riqueza toda, a nossa existncia mes-ma, e sem os quais a nossa prpria indstria no poderia subsistir?

    Pensamento e Ao 391

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    Nenhum gnero de labor demanda, entre ns, to sria aten-o dos poderes do estado, como esse dos campos. H, na sua vastido

    imensurvel, verdadeiros desertos morais, de todo em todo nvios, sel-vas de terror e crueza, quase impenetrveis e, at hoje, absolutamentevirgens da luz da civilizao.

    Nos recessos desses sertes, no s nas paragens mais recndi-tas, mas ainda muito aqum, a por onde j passam, de longe a longe, ras-tros de curiosidade, ou abre inesperadas clareiras o acaso de excursesperdidas, o trabalho vive a morrer, muitas vezes, num regmen anlogo ao

    do cativeiro. O peo, o vaqueiro, o lenhador, o obreiro agrcola, o colonoso, vezes, instrumentos servis de um patronado cruel e irresponsvel.

    Tambm entre ns muita coisa existe, por a alm, dessa peo-nagem mexicana, que celebrizou o Iucat, a terra das agveas, onde omecanismo de crdito e dbito entre senhores territoriais e servos agr-colas eterniza a escravido branca, num regmen que aboliu o seu nome,para no ser inquietado na sua perpetuidade. Aqui tambm as contasdos operrios rurais nos armazns de venda, mantidos nas estncias efazendas, espremem os trabalhadores do campo na entrosagem de umadependncia, que, se no nem o cativeiro, nem a servido da gleba,tem, pelo menos, desta e daquele as mais dolorosas caractersticas morais,as mais sensveis derrogaes da condio humana.

    Esquecendo-se do trabalho rural, a lei recm-regulamentadaapresenta um verdadeiro saco de carvo, toda uma regio abandonada e es

    -cura no estrelado horizonte das suas esperanas. Os acidentes do traba-lho no sucedem menos amide no agrcola do que no industrial. So,pelo contrrio, talvez, ainda mais amiudados na lavoura do que na in-dstria.

    Considerai no desbravamento das florestas, nessas derruba-das, em que o derrubador maneja, muita vez, no seu machado a prpria

    morte, em que a rvore tantas vezes esmaga o mateiro. Lembrai-vos damortandade pelo veneno das cobras, a surpresa do rptil ao calcanharnu, s mos indefesas, ao colo descoberto. Pensai na malria, reinantenessas paragens incultas, alagadas, paludosas, onde o desbravador, o ca-ador, o lavrador se vo arrostar com os pntanos, os brejais, as lamasda terra decomposta. E vede se podeis estar l convosco tudo o que deacidentes do trabalho se deixa sem resguardo, sem compensao, sem

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    alvio de qualidade alguma, porque o legislador, enleado no gozo das ci-dades, absorto na vida urbana, deslembrando-se de que o Brasil princi-

    palmente o campo, o serto, a fazenda, a pradaria, a mata, a serra, ogado, o plantio, a colheita, o amanho dos produtos agrcolas, excluiudos benefcios da lei sobre acidentes do trabalho o operariado rural.

    SEGURO OPERRIO

    Mas j vos disse que no tudo. Nem isso o pior. O piorest em que, embalando o operariado industrial na esperana de lhe ha-

    ver granjeado a indenizao dos acidentes do seu trabalho, a festejada leino lhe d, na maioria dos casos, seno a sombra dessa garantia.

    O projeto Prudente de Morais impunha aos patres segura-rem os operrios em companhias de idoneidade averiguada. A lei, que orejeitou, e substituiu, em tal no toca. O regulamento, que mais no po-dia fazer, mal se ocupa do seguro facultativo. Ora, para o seguro faculta-tivo, no se precisava de auxlio da legislao: era matria de contrato; e,

    demais, admitir o seguro permissivamente vinha a dar no mesmo, quedeixar o seguro em letra morta. O operrio no tem meios de cons-tranger, nos seus ajustes, o patro clusula do seguro. Como nosmais dos outros captulos, em que o interesse do trabalho aparenta co-lidir com o interesse do capital, a dvida, aqui, s se resolve, seriamen-te, com a substituio do princpio contratual pela tutela legislativa.

    Refugado o projeto do eminente deputado paulista, com ele

    se enjeitaram as duas condies essenciais realidade cabal da indeniza-o dos acidentes do trabalho: o seguro, ou o depsito, no Tesouro Na-cional, pelo estabelecimento, industrial, ou companhia, de uma somacalculada na razo do nmero dos seus trabalhadores.

    A garantia dos bens da sociedade ou empresa, a cujo servioestiver a vtima do acidente, no lhe afiana, no maior nmero de casos,o embolso da indenizao. Alm das fbricas, vastas categorias h degrandes indstrias (e estas vm a ser, talvez, as que mais larga superfcieabarcam, no campo industrial) nas quais os bens das associaes, ou fir-mas, de cujo pessoal for membro o operrio, no lhe asseguram a satis-fao do dano, a que houver sido condenado o responsvel.

    Entre essas categorias, indicarei as construes civis e as es-tradas de ferro. O direito de preferncia excepcional, outorgado pela lei

    Pensamento e Ao 393

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    ao operrio, sobre a produo da fbrica, onde ocorreu o acidente, novale nas hipteses de obras dessa natureza ao obreiro prejudicado. As

    construes civis, habitualmente, se fazem por conta de terceiro. Ora, ao empreiteiro que o operrio serve. Sobre o empreiteiro, pois, que re-cai a responsabilidade. O trabalhador lesado, logo, no tem diante de sinenhuma garantia real, o crdito pessoal do construtor , destarte, o seunico elemento de segurana. Nas construes de estradas ocorre, quasesempre, a mesma situao. So empreitadas, que se executam, ordinaria-mente, por conta da administrao pblica, ou de associaes, redu-

    zindo-se os seus contratos com os empreiteiros obrigao de lhes retri-burem a obra construda e entregue.

    Mas, ainda quando se trate de estabelecimentos industriais,muitos haver que nem com o seu material, nem com a sua produoofeream, aos trabalhadores, ou suas famlias, a garantia de haverema indenizao obtida por sentena. Demos, por exemplo, uma fbrica

    de explosivos, ou um estabelecimento destinado s manipulaes,que se exercem, sobre matrias inflamveis. Uma oficina na dessaspode voar, de um momento para outro, numa exploso, ou arder ataos seus ltimos restos, em um desses incndios, cuja violncia e ra-pidez so irresistveis. Um incndio ou uma exploso destas impor-tam na extino das sociedades, ou na runa total do patrimnio doscapitalistas, a quem pertenciam os bens destrudos, se os seus donos

    os no houverem acautelado com o seguro; e, sendo assim, qual amatria executvel, sobre que iria cair a execuo do operrio vence-dor na ao judicial?

    Em todos esses casos, portanto, operrios brasileiros, estareisinteiramente logrados. Alm do que, senhores, ainda nos casos em que aindenizao estiver perfeitamente assegurada pela existncia de haveres,sobre os quais possa recair a ao do exeqente, por mais sumrio que

    seja o curso do processo, nunca a liquidao do crdito das vtimas doacidente se consumar com tanta presteza como, no caso do segurooperrio, o seu embolso ao segurado.

    Seguro, ou cauo, pois, senhores. No h outro alvitre, paradar realidade indenizao dos acidentes no trabalho, para que esse be-nefcio no seja a partilha de uns e o desespero de outros.

    394 Rui Barbosa

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    PARCIALIDADE LEGISLATIVA

    Evidentemente, senhores, se na elaborao desta lei se hou-

    vesse guardado a devida imparcialidade; se o legislador tivesse dado ou-vidos justia de uma e outra parte; se o Congresso Nacional encarassecom os mesmos bons olhos os legtimos interesses dos patres e os in-teresses legtimos dos trabalhadores a recente lei, construda comoobra de boa-f e reconciliao sincera entre as duas classes, poderia du-rar, debaixo das bnos de todos, com a majestade sria de um monu-mento do tino poltico dos nossos homens.

    No o quiseram assim, e isso tanto menos desculpavelmente,quanto no faltou, na representao nacional, quem acendesse, no o ar-chote de luz avermelhada e fuliginosa, com que se ateiam as paixes,mas o farol da lealdade e da clareza, com que se alumia o caminho darazo. A razo no exigia muito, senhores, e por vrias razes.

    Muito no exigia, primeiro, porque, se bem viesse o seguro

    obrigatrio a exigir da indstria o sacrifcio de alguns dos seus lucros,no se poderia sustentar que essa exigncia importasse em excesso, numpas onde a indstria vive, em boa parte, artificialmente, de protecionismo,que tanto custa s classes populares; e no seria sem razo que, em bemdestas, se abatesse queloutras certa parcela dessas vantagens anormais.

    No exigia muito, em segundo lugar, porque o seguro cumu-lativo, facilitado hoje pelas grandes companhias seguradoras, com taxas

    relativamente mdicas, em se tratando, como nestes casos, de operaesem massa, adoaria muito ao capital o peso dessa contribuio para obem-estar dos auxiliares indispensveis da sua prosperidade.

    Em terceiro lugar, ainda no exigiria demais, porquanto, emrelaes como so as do operariado com o patronado, nas quais se in-troduzem e reinam tantos preconceitos, tantas desconfianas, tantosatritos, as concesses dos ricos aos pobres, dos poderosos aos humildes,por mais que aproveitem aos pobres e humildes, sempre redundam em be-nefcios de ainda maior utilidade aos poderosos e ricos, pela influncia sedati-va com que, de uma a outra parte, harmonizam os interesses em contacto.

    , naturalmente, a essa ao conciliativa e refrigeradora dasconcesses oportunas que aludia o Dr. Jorge Street, quando, poucosdias h, se enunciava deste modo:

    Pensamento e Ao 395

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    Os operrios tm direitos, que o patro deve reconhecer sem

    luta, harmonizando os interesses recprocos; o que sempre poss-

    vel, quando o patronado se pe diretamente em contacto com osseus operrios e compreende a evoluo geral."

    No Brasil, porm, nunca se faz coisa boa seno de m vonta-de, tarde e mal. Se h interesses em coliso, aos dos desvalidos no seatende, seno quando os fracos, atinando com o segredo da sua fora,perdem o medo do poder, para confiar na prpria.

    LEI MANCA

    Eis por que, senhores, a lei da indenizao dos acidentes notrabalho, em vez de ser o que seu ttulo daria a esperar, nos saiu manca,ilusria e contraproducente. Contraproducente lhe chamo; pois que,longe de vir como um amplexo cordial entre as duas classes, estabeleceum ponto de partida irresistvel a novas reivindicaes, que o seu come-o de concesso autoriza e o incompleto dessa concesso irrita.

    APELO

    Mas, senhores, apelemos, em nome de tudo, para os maioresinteressados, para os que tm a superioridade na cultura, no poder e nafortuna: para o Governo, para o capital, para a intelectualidade brasilei-ra. A questo social no uma daquelas, com que se brinque impune-mente. No h nenhuma, em que se haja de entrar mais a pleno, comtoda a alma, com todo o corao, com toda a lealdade. A Abolio re-vestia gravidade mais imponente; porque a eliminao da humanidade,que o cativeiro envolvia, era visvel e comovia as entranhas mais duras.A reorganizao do trabalho no assume essa grandiosidade religiosa,nem se distingue por essa luminosa simplicidade. Mas de uma grande-za profunda, misteriosa, insinuativa, a que todas as energias do pensa-mento se vem atradas, e debaixo de cuja expresso complicada se sen-te palpitar robustamente a justia.

    At onde, at onde ela se nos revele, e se nos imponha, aindaningum o sabe. Nem nas curtas raias de um colquio destes que mecumpriria deline-lo, ou avent-lo.

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    PONTOS CULMINANTES

    Apenas tocarei por maior (deixando o que por menor a quem

    no cabe) os pontos, onde me parecem culminar, j maduras, ou matu-rescentes, as oportunidades justas desta causa.

    Tocarei apenas, digo, e no catedraticamente, como quem es-tabelece um dogma, d lies, ou resolve teoremas, seno, assim, comoquem, de boa-f, abre o seio ao desejo de acertar e, apontando o queacredita racionvel, conveniente, necessrio, tem, ao mesmo tempo, osentimento dos riscos do terreno onde pisa. Incedimus per ignes. Caminha-mos sobre lavas.

    AINDA O SEGURO

    Assim, senhores, a minha primeira convico, j vo-lo disse, que a lei de indenizaes dos acidentes no trabalho deixou no ventre ma-terno o seu rgo vital, e veio a lume j morta de nascena, desde que,no admitindo nem o seguro, nem o depsito, nega ao direito reconhe-cido a garantia certa da sua execuo.

    A primeira das vossas reivindicaes, pois, que se no poderiaindeferir, estar no seguro obrigatrio a todas as indstrias como condi-o imprescindvel seriedade prtica da indenizao prometida. Sem aobrigao do seguro, ou cauo, no h, verdadeiramente, reparao as-segurada aos acidentes no trabalho.

    TRABALHO E SEXO

    A segunda exigncia da Justia, imediata a essa, a igualda-de dos sexos perante o trabalho. A desigualdade entre os dois sexos era,sobretudo, num dogma poltico. Mas da poltica j ele desapareceu, coma revoluo que introduziu de uma vez no eleitorado britnico seis mi-lhes de eleitoras que, nos demais pases onde a civilizao pe a suavanguarda, tem elevado a mulher aos cargos administrativos, s funesdiplomticas, s cadeiras parlamentares e, at, aos ministrios, como emalguns estados da Unio Americana, h muito, j se costuma.

    Nem suponhais que seja de agora esta minha maneira de ver.No bato, senhores, moeda falsa; no tenho opinies de ocasio. As ten-dncias da minha natureza, o amor de minha me, a companhia de minhaesposa, a admirao da mulher na sua influncia sobre o destino de

    Pensamento e Ao 397

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    todos os que a compreendem, bem cedo me convenceram de que as teoriasdo nosso sexo acerca do outro esto no mesmo caso da histria narra-

    da pelo fabulista, do leo pintado pelo homem. A mulher pintada pelohomem a mulher desfigurada pela nossa ingratido.

    Quando cabeas como a de Stuart Mill assim pensam, no seh de envergonhar um crebro ordinrio como o meu de pensar talqualmente; e, se estas no fossem, h muito, as minhas idias, no teriasido eu quem assumiu, no silncio das nossas leis, a iniciativa de aconse-lhar ao ilustre Sr. Nilo Peanha, quando ministro das Relaes Exterio

    -res, a inovao de admitir uma senhora brasileira a concurso para umdos cargos da sua Secretaria.

    No tocante, porm, ao elemento feminino do operariado, adesigualdade de uma insubsistncia ainda mais palmar. A guerraatual evidenciou que a operria rivaliza o operrio nas indstrias,como as de produtos blicos, e nos servios, como os de conduo

    de veculos, em que os privilgios da masculinidade se haviam pormais inquestionveis.Mas, como quer que seja, toda a vez que a indstria emprega,

    indistintamente, parelhamente, identicamente, nos mesmos trabalhos ohomem e a mulher, sujeitando os dois mesma tarefa, ao mesmo hor-rio, ao mesmo regmen, no h por onde coonestar a crassa absurdezade, no tocante ao salrio, se colocar a mulher abaixo do homem. Nada

    tem que ver o sexo. A igual trabalho, salrio igual.

    TRABALHO E IDADES

    Onde se impe a diferena, quanto s idades, para se exclu-rem do trabalho, industrial ou agrcola, as que o no comportam, e seobstar explorao dos operrios menores por meio de retribuies mes-

    quinhamente leoninas. A lei deve taxar o mnimo idade operria, assimcomo ao salrio dos menores, e o mximo s suas horas de servio. Nistoponho o terceiro artigo das aspiraes da justia.

    DURAO DOTRABALHO

    O quarto diz respeito limitao das horas do trabalho. Seteanos h que um projeto, submetido Cmara dos Deputados, alvitrava

    398 Rui Barbosa

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    como regra legal o dia de oito horas. Noutro projeto que, h trs meses,apresentava ao Senado o Senador Frontin, era esse o limite mximo do

    servio admissvel entre os operrios da Unio. Revela que o princpio seestenda ao operariado em geral, como se queria no projeto de 1912. A li-mitao das horas de trabalho interessa s condies fisiolgicas de con-servao de classes inteiras, cuja higiene, robustez e vida entendem com apreservao geral da coletividade, com a defesa nacional, com a existnciada nacionalidade brasileira. No ser lcito, pois, que o deixemos ao do-mnio da contratualidade, que redundaria na preponderncia incon-

    trastvel da parte mais forte sobre a mais desvalida.O TRABALHONOTURNO

    Em quinto lugar, se nos depara a urgncia de remediar aosabusos do trabalho noturno, com providncias, que o vedem, ou redu-zam aos casos de necessidade inevitvel, mas sempre debaixo de umaregulamentao restritiva e de uma inspeo real.

    TRABALHOEMDOMICLIO

    Segue-se, em sexto lugar, a preciso de se atender com sriasmedidas a uma das chagas doridas e calmantes da vida industrial: o tra-balho em domiclio, o trabalho em casa. Seqestrado comunho dosseus companheiros, s vantagens da solidariedade que mediante aquelase estabelece, o operrio insulado entre as suas quatro paredes um tris-

    te explorado, cuja remunerao baixa a mesquinharias lastimveis, e quedefinha, na condio do mais triste servial, condenado monotoniaeterna da tarefa, miseravelmente paga.

    O trabalho em domiclio constitui, para o operrio a ele conde-nado sem recurso, uma espcie de priso celular, onde se lhe mirra a sa-de, a inteligncia, a capacidade profissional, e a vida se lhe amofina semesperana, num crcere silencioso de portas abertas para uma ilusria li-

    berdade. As precaues indicadas, ou adotadas contra este mal, chegamat proibio absoluta desse regmen de trabalho. A esta soluo me pa-rece que devemos tender. Enganosa creio que seria qualquer outra.

    GRAVIDEZ E PARTO

    Outra matria temos ainda, em que se no poder confiarcom segurana a deciso ao arbtrio dos interessados: a da proteo da

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    operria no ms antecedente e no ms subseqente ao parto. Aqui senos antolha uma dessas convenincias, se no necessidades, em que a

    coletividade social h de intervir, porque interessam, tanto quanto aosdiretamente interessados, sociedade toda.

    Dentre centenas de milhares de almas que compem o opera-riado, crescendo, constantemente, sobe a dezenas de milhares o nmerodas mulheres; bem se pode calcular o desenvolvimento, com que no seuseio se multiplica a maternidade. Consideradas em relao a somas toaltas, quanto a das criaturas que a ela chega, em uma classe to vasta, as

    exigncias dessa poca de crise na evoluo da criatura humana envol-vem o destino da raa, cuja sorte est, primeiro que tudo, no regao dasmes. Abrig-las das demasias do trabalho, eximi-las, mesmo, inteira-mente a ele no termo da gravitao e no perodo ps-puerperal, ser, daparte do estado, acautelar-se contra o decaimento da espcie, prevenir adegenerao do tipo nacional, manter as qualidades saudveis do povo.

    ARMAZNS DEVENDA AOS OPERRIOS

    Considerado, assim, o stimo ponto, assentemos o oitavo, dosque se me afiguram predominantes no rol prtico dos artigos de inge-rncia da lei, nas relaes do trabalho com o capital. Aludo aos arma-zns de venda, estabelecidos com a cor de benefcio aos trabalhadores,mas que, na realidade, no so mais do que aparelhos de escravizaodeles aos capitais, a cuja indstria servem. As relaes de credor a deve-

    dor e devedor a credor, travadas por esse meio entre operrios e pa-tres, acabam numa sujeio que nunca mais se resolve, num sistema deusura perprtua e lenta, numa espoliao irremissvel, em que se vo to-das as economias do trabalho e, com elas, toda a dignidade, toda a ener-gia, toda a seiva moral dos trabalhadores.

    Seria, provavelmente, inexeqvel o intento de arrancar pelaraiz, em torro como o nosso, esse praguedo absolutamente daninho. mal como o da tiririca, ou o da sava, contra os quais se baldam o ferroou o fogo, e nem por isso o ferro ou o fogo descansam. Mas, nas cida-des, pelo menos, no ser impossvel que uma combinao de medidaslegais bem estudadas nos acerque da sua extino total.

    Basta, senhores. No me seria dado ir alm. Quis dar-vos ape-nas algumas impresses do rumo, que a minha influncia, provavel-

    400 Rui Barbosa

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    mente, seguiria, se eu, nesta matria, tivesse ou viesse a ter responsa-bilidades.

    REFORMA SOCIALE REVISO CONSTITUCIONAL

    Mas aqui esbarramos no obstculo, que aventei, quando con-versava com a redao do Correio do Povo:no embarao que a muitas des-sas medidas ope o nosso Direito Constitucional e, na urgncia, portan-to, com que se impe a reviso constitucional, para chegarmos a essasmedidas.

    Mal me pronunciara eu desta maneira, quando, boca que taldisseste, logo me saiu a desafio um cavaleiro andante dos pampas, di-zendo-me de cambulhada coisas, que esto a marrar umas com as ou-tras. Porque o ilustre paladino da intangibilidade constitucional, ora mebrada ser um erro supor-se que a nossa Constituio seja incompatvelcom as medidas reclamadas pela questo social do Brasil, ora, logo deesfuziada, no perodo subseqente, atira minha ignorncia alvar com anovidade sapientssima de que os contratos entre patres e operrios,sendo instrumentos bilaterais(o grifo dele), no exigem legislao es-pecial, para serem cumpridos.

    Isto dito, bate, seguidamente, com essas duas proposiesuma contra a outra, acabando por dizer que o estado, por suas leis, nopoder intervir nesta questo, seno como garantia da ordem.

    De sorte que, no fim de contas, ningum ser capaz de saberse esta palmatria dos meus erros se agasta de que eu pretenda alterar aConstituio, para anular instrumentos de contratos bilaterais, ou de queeu esteja querendo meter o estado em seara alheia, quando o levo a in-tervir por meio de leis na questo social.

    O constitucionalista da Conveno das Surpresas no nos deu

    a ver por que que o Estado no se pode ingerir na questo social. Mas,admitida sem exame, em honra do seu autor, a sentena idemonstrada,bem claro que o homem se entala entre as duas portas de um dilemafatal. Porquanto ou se trataria de manter a observncia dos contratosentre patres e operrios, e ento no seria eu to asno, que, para tal, ad-vogasse a reforma da Constituio; ou o que se quereria era atender smedidas, reclamadas pela questo social, e, neste caso, o meu contradi-

    Pensamento e Ao 401

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    tor mesmo reconhece que tais medidas se no podero adotar, sem quea Constituio venha a ser alterada.

    Reconhece, como? Evidentemente: porquanto, no intuito demostrar a erronia de se acreditar que a Constituio no seja compatvelcom as medidas reclamadas pela questo social, o seu argumento que,para a execuo de instrumentos bilaterais, celebrados entre operrios epatres, no se h mister de legislao especial.

    J se v que no era um duelo o que eu tinha pela frente: eraum jogo de cabra-cega; e com isso no h que perder tempo.

    No h, por este mundo alm, quem embrulhe a questo so-cial como observncia dos contratos livremente celebrados entre o capi-tal e o trabalho. A mera observncia desses contratos matria de puroDireito Civil. Isso se sabe porta do Frum.

    Mas no ser preciso, tambm, ter lido Comte, para discernirque, quando se fala em medidas reclamadas pela questo social, o em que

    se cogita no em cumprir tais contratos, mas em dar, fora desses contra-tos, acima deles, sem embargo deles, por interveno da lei, garantias, direitos,remdios, que, contratualmente, o trabalho no conseguiria do capital.

    Essas so as leis com que a ortodoxia rio-grandense ali sus-tenta que o estado no pode intervir nesta questo. Portanto, se des-sas leis intervencionistas que se cogita, dessas leis, para as quais, segun-do o meu contraditor, o estado no tem competncia (isto, justamente,

    por lha no dar a Constituio), bvio que ser necessrio alterar aConstituio, para dar ao estado essa competncia, da qual, at agora, aConstituio o no considera em posse.

    Assim o meu alvoroado embargante, vindo-me ao encontro,como se faz com terra a desmontar, da primeira lanada, o adversrio,outra coisa no fez, seno me dar razo de todo na minha tese essencial,na nica de que eu podia fazer conta: na tese de que ser mister rever a

    nossa Constituio, para habilitar o Poder Legislativo a tomar as medi-das, que a questo social lhe reclama.

    A ORTODOXIA RIO-GRANDENSE

    Nem de outro modo pensaram jamais os ortodoxosrio-grandenses. Assim se pronunciaram eles, rejeitando o projeto Figuei-redo Rocha, projeto que limitava as horas de trabalho. A maioria da co-

    402 Rui Barbosa

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    misso, sendo partes nela os Srs. Carlos Maximiliano e Gumercindo Ri-bas, condenou o projeto como contrrio Constituio, j por violar a

    liberdade industrial, que ela consagra no art. 72, n 24, j por invadir opoder de polcia, reservado, segundo a jurisprudncia americana, comopela nossa, aos governos dos estados.

    Em ambos estes pontos, estou de acordo com a ortodoxiario-grandense. No alterada a Constituio, no poderia o CongressoNacional legislar as mais importantes das medidas sociais, que h poucodiscuti. No em que estamos de rixa aberta em no quererem eles, e ad-vogar eu, a reviso constitucional, para chegarmos a essas medidas. Elesestimam o obstculo constitucional, para no as dar. Eu, para as dar,pretendo remover o obstculo constitucional.

    As decises americanas, que tm anulado por inconstituciona-lidade leis estaduais e federais desta natureza, todas se estribam na liber-dade constitucional de contratar e no direito de propriedade. O direito

    de contratar, rezam elas, , no s um direito de liberdade, mas um direito depropriedade. E, como esses direitos se acham protegidos, assim pelasConstituies estaduais, como pela Constituio federal, as leis restriti-vas do trabalho, estando em conflito com esses direitos, em conflito hode estar com essas Constituies. Por isto, anuladas tm sido ali muitasvezes.

    Tal foi a sorte: em 1895, da lei que restringia as horas de tra-balho das mulheres, no Illinois; em 1884, da lei que cerceava o trabalhoem domiclio, no Estado de Nova Iorque; neste mesmo estado, tam-bm, da lei que vedava o trabalho noturno das mulheres; da lei, que, noColorado, estabeleceu o dia de oito horas para o trabalho nas minas efundies; da lei, que, ainda em Nova Iorque, limitou as horas de traba-lho nas padarias; da lei que, na Califrnia, em 1895, proibia o trabalho

    dos barbeiros aos domingos; das leis que o mesmo dispunham no Missri,no Illinois e em Washington; da lei que, no Illinois, adscrevia os proprie-trios de minas a ter banheiros, no topo das suas galerias, para os seusmineiros; da lei federal, o Employers Liability Act, que, em 1906, organi-zou, consoante os princpios modernos, a responsabilidade do capitalnos acidentes do trabalho; da lei, tambm da Unio, que, pouco depois, ins-tituiu o arbitramento obrigatrio nas contendas entre operrios e patres.

    Pensamento e Ao 403

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    Em suma, senhores, segundo a Repartio do Trabalho, noseu boletim de novembro de 1910, haviam sido averbadas, pelos tribu-

    nais americanos, de inconstitucionalidade, e, em conseqncia, declara-das nulas no menos de cento e cinqenta leis e regulamentos (cento e cin-qenta, senhores!) por intervirem nos contratos de trabalho, no regmendos operrios, na situao das mulheres e crianas, na importncia e pa-gamento dos salrios, nas horas de trabalho, e protegerem com outrasmedidas, assim os trabalhadores, como suas associaes.

    No Estado de Utah, admitido Unio de 1896, o seu Supre-

    mo Tribunal, sustentado, em recurso, pela Suprema Corte dos estadosUnidos, manteve, em 1898, uma lei estadual, que reduzia a oito as horasde trabalho para os mineiros e fundidores. Mas isso porque uma dispo-sio especial, na Constituio desse estado, art. 16, seo 6, determina-va que o corpo legislativo providenciaria sobre a sade e segurana dosobreiros nas fbricas, fundies e minas.

    Na Constituio do Colorado no existia clusula semelhante;e por este motivo, o seu Supremo Tribunal declarou nula, em razo deinconstitucionalidade, uma lei, onde os legisladores desse estado copia-vam a de Utah.

    Em Nova Iorque, para obviar insistncia com que os tribu-nais do estado recusavam execuo, por vcio de inconstitucionalidade,s leis com as quais se restringiam as horas e condies do trabalho, se

    acabou por alterar, no ano de 1905, a Constituio, outorgando-se de-claradamente ao Poder Legislativo, naquele sentido, as atribuies que selhe negavam.

    Por derradeiro, senhores (e adverti bem neste ponto), a Co-misso Industrial dos Estados Unidos recomenda a todos os estados aconvenincia de trasladarem para as suas Constituies o texto constitu-cional de Utah, que investe explicitamente o legislador nas relaes do

    capital com o trabalho, para atalhar a reiterao das sentenas anulatriasnos tribunais de Justia.

    O PODER DE POLCIA

    Verdade seja que vrias disposies legislativas tm sido alisustentadas como constitucionais; mas isso porque, sendo todas elasinspiradas na considerao de abrigarem o operrio dos excessos do tra-

    404 Rui Barbosa

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    balho e da usura na sua remunerao, eram leis de polcia; isso porque,como tais, cabiam nos poderes de polcia, cometidos pela Constituio

    nacional aos estados; isso porque, decretadas, como eram, por estes, es-tava nos limites da sua competncia constitucional.

    Mas, quanto aos poderes de polcia a nossa Constituio amesma. Esses poderes tocam, aqui tambm, competncia estadual.Se, portanto, nos apoiarmos nesses julgados americanos, divergentesdos outros, ser, para chegarmos mesma concluso, isto , con-cluso de que, podendo apenas os estados legislar sobre tal assunto,

    as leis que a respeito dele votasse o Congresso Nacional seriam in-constitucionais e nulas.

    OSOPERRIOS E A REVISO CONSTITUCIONAL

    Chego, pois, destarte, ao corolrio terminal da minha argu-mentao; e este corolrio bem vedes que s poder ser um. Se osoperrios brasileiros so pelo regmen de interveno da lei nas rela-es do capital com o trabalho, no podero deixar de ser pela revisoconstitucional.

    A REVISO, IDIA CONSERVADORA

    A reviso no se apresenta agora como um programa de rea-o e desagregao entre os brasileiros, seno, pelo contrrio, como aestrada para a unio e conciliao nacional.

    A nao inteira est descontente do seu regmen constitucio-nal: no s dos abusos da sua execuo, mas, tambm, dos erros e lacu-nas do seu mecanismo, que deixam sem corretivo abusos tais. Os pacifi-cadores, portanto, somos os que, acudindo ao descontentamento geralda nao, nos cingimos ao que ela nos indica, abraando, como remdio sua insalubridade poltica, a reforma constitucional.

    CASO FILOLGICO

    Mas quem so os que, no Brasil reguingam e escoiceiam contra areviso constitucional? Atentai no dicionrio, senhores, e vereis que noofendo a ningum. No h razo nenhuma, para que andemos lobrigandono coice uma prenda reservada aos irracionais. O coice tanto vem a ser ogolpe, que a besta d com o p, como o que o homem d com o calcanhar.

    Pensamento e Ao 405

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    No falo no pontap, de que os lexiclogos do o couce como sinnimo,porque, segundo eles, vocbulo do estilo familiar.

    Creio, pois, que, no estilo grandioso (o adequado poltica), emvez do pontap, vai mais justa o coice; e assim usaram, na lngua ptria, osgrandes e pequenos escritores, desde Ferno Lopes, a que Alexandre Her-culano chamava o nosso Homero, nas suas descries de casos do pao r-gio, at Academia dos Singulares de Lisboa, onde vemos gente da mais l-dima raiz pensante jogando murros, coicese punhaladas. Fique, pois, o es-coicear, que mais altloquo e mais rijo.

    No quero rebaixar o assunto, nem pintar o quadro sem a suadevida animao, dizendo que a reviso constitucional tem levado pon-taps. Estudemos melhor o nosso vernculo, para no depreciar, semquerer, aos nossos inimigos, tratando-os mano a mano, com indevidasfamiliaridades. No coisa to leve o que temos apanhado (moralmen-te), nas ilhargas e costelas, os revisionistas. As nossas pisaduras acusam

    contundncias desabridas. So calcanhares, e no cascos, o que ns sen-timos nas maaduras.

    DEUS PARA SI, DIABO PARA OSOUTROS

    Mas, senhores (insisto na pergunta), quem bate assim to ferona reviso constitucional? Sero devotos, que tenham a Constituio emredoma, ou sacrrio, com crios bentos aos lados? Nada!! So incrus da

    mais refinada marca, para os quais a Constituio uma espcie de vasi-lha comum ao aparato das cerimnias e ao recato das intimidades, vasi-lha tolerante de tudo, aonde tudo se embute, onde tudo se mete, e don-de tudo se tira. Por que mexermos na Constituio, se da Constituio,como de um chapu mgico de prestigiador, podemos extrair o que qui-sermos, ovos, fitas, omeletas, relgios, pombas, ou serpentes?

    H neste pas um estado, onde o Sr. Epitcio Pessoa declarou terra e cus que no existe Constituio, porque a Constituio, defato, ali existente nega a Constituio federal, e a Constituio federalnega a Constituio ali existente. Basta dizer absolutamente que, nesseparto radical do comtismo, o chefe do estado absorve quase todo o Po-der Legislativo, e deste resta apenas um resduo atrofiado, intil, uma es-pcie de apndice vermiforme, na existncia de uma assemblia, a quem

    406 Rui Barbosa

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    incumbe somente amanhar e engolir as propostas oramentrias do che-fe do estado.

    Evidentemente, pois, essa Constituio est de todo em todofora da Constituio federal, e de todo o ponto em rixa aberta com ela.Pois bem, senhores: justamente nesse estado, que se no admite a me-nor mudana na Constituio federal. So os autores da Constituiodaquele Estado os mais fanticos antagonistas da reviso constitucional.A reviso constitucional, fizeram-na eles, destarte, para o seu uso, para asua faco, para Governo do seu estado. Ali no querem saber da Cons-

    tituio federal, seno at onde lhes sirva ela de barreira protetora aoseu monstro positivista contra a interveno republicana. Fora dali, po-rm, ningum bula na Constituio da Unio. Toda a castilhada lhe estde guarda. Deus para si, Diabo para os outros.

    A reviso constitucional um privilgio, para exercer o qualno pedirem eles licena de ningum; e depois, como privilgio delesss, no do a mais ningum licena de tocar em reviso constitucional.

    Eis, senhores, eis como o anti-revisionismo retalha e desfra-terniza a Nao, que o revisionismo tende a confraternizar e unir.

    O CAPITALE O TRABALHO

    Semelhantemente, meus amigos, as reformas sociais, que vosaconselho, no so as que se embebem no esprito da luta entre as vriascamadas sociais. Nomes h, que atuam como espantalhos. O de capita-lismo um desses. No acrediteis que todos os males do sistema econ-mico predominante no mundo venham de que os meios de produoestejam com os detentores de capitais. Os operrios no melhorariam,se, em vez de obedecer aos capitalistas, obedecessem aos funcionriosdo estado socializado.

    No se pode negar hoje o estado de guerra econmica inevi-

    tvel entre as naes. Dado ele, no havendo nao capaz de se bastar asi mesma, a sorte dos operrios est ligada da indstria, que os utiliza;os trabalhadores, em cada indstria, so solidrios com os patres, e, emcada pas, os patres formam, com os operrios, um agregado naturalinteirio, coeso, indissolvel.

    A colaborao mtua das classes vem a ser, portanto, uma ne-cessidade invencvel. No maior o antagonismo do capital com o traba-

    Pensamento e Ao 407

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    lho que o das naes umas com as outras; e, se entendemos que o bemda humanidade exige a reduo do antagonismo entre as naes, no ati-

    no por que ser que no devamos trabalhar, igualmente, com toda a nos-sa conscincia, pela atenuao do antagonismo entre o trabalho e o capi-tal.

    O progresso industrial e comercial depende, essencialmente,do capital. Onde no existe a grande indstria, no existe a grande or-ganizao, a grande fbrica, o grande sindicato.

    Assim, o que mais releva, senhores, que patres e trabalhadoresse aproximem uns dos outros; que, congraando-se entre si, tornem cadavez menos necessria a interferncia legislativa nas relaes entre as duas clas-ses; que o arbitramento se converta em meio de resolver automaticamenteas suas desavenas; que ensaiemos a associao do capital com o trabalho,to desenvolvida, vai por um quarto de sculo, na Gr-Bretanha, onde, hseis anos, j o praticavam cento e quarenta casas inglesas, nas quais os oper-rios, em nmero de cento e seis mil, eram acionistas, com os patres, explo-rando, com estes, um capital de trezentos e trinta milhes de libras.

    No h nada mais desejvel do que a cooperao entre asclasses, que empregam, e as que se empregam. Os patres no se devemesquecer de que o seu interesse prende, trava, entrosa com o interessesocial, nem perder jamais de vista que no se pode tratar o trabalhocomo cousa inanimada.

    Os mais altos interesses da indstria so de tanta consideraopara os trabalhadores quanto para os patres. Trabalho e capital no soentidades estranhas uma outra, que lucrem, de qualquer modo, em sehostilizar mutuamente. Assim como do trabalho depende o capital, assim,e na mesma proporo, do capital depende o trabalho. So as ametadesque, recip