questÃo social contemporÂnea

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QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE Jonas Augusto da Silva Freitas- [email protected] Resumo: O presente artigo se destina à discussão sobre a categoria questão social e a contemporaneidade. Foi elaborado como reflexão a atualidade do tema, mesmo que ante a uma diversidade de compreensões e aprofundamentos. Similarmente a esta diversidade, entre órbita discursiva e a leitura que estes autores fazem da temática “questão social” em suas análises, trazemos para esse debate o acumulo teórico e arcabouço prático que o Serviço Social tem realizado. Palavras- Chaves: Capitalismo, questão social, Serviço Social. Abstract: This article intends to discuss the matter of social issues on its contemporary category. Designed as a reflection of the current theme, this article intends to compare a diversity of understandings and insights on its main objective. Similarly to this diversity of “social issues”, orbiting between the discursive and reading process on these authors, the theme "social question" in brought on their analyzes. We bring the debate to the theoretical and practical accumulation framework that Social Work is inserted. Key words: capitalism, social issues, Social work. Introdução: O Serviço Social, enquanto profissão intimamente ligada ao debate sobre a questão social tem o debate

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Page 1: QUESTÃO SOCIAL CONTEMPORÂNEA

QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADEJonas Augusto da Silva Freitas- [email protected]

Resumo: O presente artigo se destina à discussão sobre a categoria questão social e a contemporaneidade. Foi elaborado como reflexão a atualidade do tema, mesmo que ante a uma diversidade de compreensões e aprofundamentos. Similarmente a esta diversidade, entre órbita discursiva e a leitura que estes autores fazem da temática “questão social” em suas análises, trazemos para esse debate o acumulo teórico e arcabouço prático que o Serviço Social tem realizado.

Palavras- Chaves: Capitalismo, questão social, Serviço Social.

Abstract: This article intends to discuss the matter of social issues on its contemporary category. Designed as a reflection of the current theme, this article intends to compare a diversity of understandings and insights on its main objective. Similarly to this diversity of “social issues”, orbiting between the discursive and reading process on these authors, the theme "social question" in brought on their analyzes. We bring the debate to the theoretical and practical accumulation framework that Social Work is inserted.

Key words: capitalism, social issues, Social work.

Introdução:

O Serviço Social, enquanto profissão intimamente ligada ao debate sobre a

questão social tem o debate “praticamente consensual” sobre este fundamento da ação

profissional de forma incontornável (NETTO, 2001). A grande discussão envolve as

dimensões interventivas e reflexivas da categoria. Dialeticamente os dados sobre o

pensado se confrontam com a realidade prática. Assim, Assistentes sociais “de campo”

e os ligados mais diretamente a formação acadêmica e a pesquisa se indagam sobre a

atualidade, a profundidade e o alcance da questão social nos dias atuais.

Com o fim da ditadura nacional, restauração da democracia e consolidação da

renovação profissional, se observa um momento profundo de debate e disputa em torno

da significância mais que semântica do termo. As mais diversas produções são

publicadas e defendidas como extratos de uma compreensão que se diferencia dentro da

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atribuição e abrangência teórico-política da questão social no cenário contemporâneo de

debate.

Inicialmente, o termo questão social remonta a meados do século XIX, onde até

a metade desse período foi divulgada por “críticos da sociedade e filantropos situados

nos mais variados espaços do espectro político”, o que segundo Netto, está relacionado

diretamente a primeira onda industrializante Européia. O fenômeno a que se refere é o

pauperismo, e se caracteriza pela depreciação socioeconômica a que a massa absoluta

de trabalhadores se constituía com inicio do capitalismo industrial.

A massiva constituição de trabalhadores depauperados foi amplamente noticiada

então, como um fenômeno novo, o que sem precedente histórico anterior, se tornou uma

generalização concreta do capitalismo industrial. A partir daí, as sociedades começam a

se confrontar com o enigma que relaciona ao próprio desenvolvimento de suas forças de

produção e reprodução sócio-econômicas ante as desigualdades polarizadas entre ricos e

pobres. A questão social, no entanto, não é fruto da desigualdade entre camadas sociais,

que pode ser noticiada anteriormente. A fruição e apropriação dos bens sociais estava

em uma rota “radicalmente nova”, e a pobreza se generalizava como nunca antes

(NETTO, 2001).

No debate sobre a questão social temos contribuições globalizadas, das mais

variadas matizes e fundos ideológicos. Lado a lado estão trabalhos que realizam uma

análise correlativa do aumento da pobreza ante a solidificação de uma dinâmica de

exploração entre burguesia e proletariado (ENGELS, 2010) e outros que vêem a

“regulação natural” (via campo econômico), como forma de “auto-regulação” entre

capital e trabalho.

Dessa forma, o fruto maior do questionamento atual nas ações do Estado tem

sido alvo de debates acalorados sobre quais respostas deveriam ser elaboradas para

esses desafios sobre a correlação entre, o setor produtivo e o papel do financiamento das

ações sociais Estatais.

O mundo pós-revolução de 1848 encerra o ciclo “indefinido” de definição da

questão social ante o seu nexo entre a economia e a sociedade, o que serviu para limitar

a compreensão sobre a relação entre desenvolvimento capitalista e própria

pauperização. Ao se alinhar ao pensamento conservador, a conceituação quis, dentro da

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perspectiva conservadora, naturalizar a estrutura histórica de dominação como algo que

objetiva também a moralização ativa do debate em complementaridade política-prática

o que, não sem medida, tem relação com a produção intelectual.

Escolas sociológicas, como a de Durkheim, têm então a “contribuição” de

fornecer o “suporte acadêmico” aos desdobramento inerentes ao capitalismo;

interpretados como “características inelimináveis de toda e qualquer ordem social, que

pode no máximo ser objetivo de uma intervenção política limitada” objetivando uma

sutil reforma, capaz de amenizar e reduzir a questão social (NETTO, 2001).

A reforma proposta ancorada em uma reforma moral do Homem e da

sociedade tem importância fundamental, como veremos a seguir, no debate posterior a

questão, pois trás o âmbito conservador da proposta:

[...] o enfrentamento das suas manifestações deve ser função de um programa de reformas que preserve, antes de tudo e mais, a propriedade privada dos meios de produção [...] o cuidado com as manifestações da “questão social” é expressadamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida; trata-se de combater as manifestações da “questão social” sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. Tem-se aqui, obviamente, um reformismo para conservar. NETTO, 2001, pg.44

Mas o ponto importante desse momento sócio-histórico é que o caráter

antagônico das classes sociais não passou despercebido, e após um breve momento de

utopismo enquanto ideário político organizativo, a classe trabalhadora começa a

perceber que sem um movimento revolucionário não seria possível suprimir o

pauperismo sem suprimir a sociedade burguesa. As vanguardas ascendem assim o

processo de luta e consciência política como necessidade transformadora da realidade.

Desenvolvimento:

Dentro do atual debate a cerca da questão social, temos uma enorme polêmica

acerca da atualidade dessa nomenclatura. Se por um lado a miséria, como tradução de

todas as desigualdades no mundo (CASTEL, 2010) continua vigente e facilmente

reconhecida, a posição sustentada por intelectuais da teoria crítica defendem ainda a

concepção de que esta miséria é fruto da apropriação privada da riqueza socialmente

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produzida. Existem também os pensadores que trazem a questão para o âmbito de

questionar a crise da sociedade salarial e até mesmo os que reivindicam uma

“atualização” ou renomeação do termo para que outras leituras da sociedade sejam

possibilitadas.

Longe de haver algum consenso simples, a questão levantada por autores como

Rosanvallon contemporaneamente é que temos uma alteração no quadro de pobreza, e

na relação de exploração em si. A análise aqui, é que busca embasar com mais

coerência o que representa a questão social dentro de uma totalidade cada vez mais

complexificada e globalizada, necessita a todos pontos de vista conhecer e debater.

Assim, a possibilidade de nomear de “nova questão social” (ROSANVALLON, 1998),

precisa ser atualizada.

A questão social para Rosanvallon seria uma espécie de disfunção em que as

sociedades industriais emergentes, do fim do século XIX, começaram a vivenciar a

partir do não sucesso em correlacionar sua abundancia produtiva e crescimento

socioeconômico com a divisão dos frutos desse desenvolvimento entre as classes

sociais.

Para o autor, a partir das vitórias obtidas nas lutas sociais, o proletariado pode

experimentar uma transformação emblemática em suas condições (ROSANVALLON,

1998), pois amparado pelo desenvolvimento de um Estado Providencia, o medo e a

insegurança social pareciam ter os dias contados.

Em meio a este momento histórico, é preciso justificar que se tratam dos anos

que ficaram conhecidos como “gloriosos”, pois faz menção as três décadas que

sucederam a última grande guerra mundial, onde os Estados Nacionais investiram muito

na recuperação e desenvolvimento de uma maneira a minimizar as fontes de “riscos”,

tais como o déficit de crescimento o desemprego e a pobreza. Os assim chamados

‘riscos da existência’ pareciam muito bem definidos e a pobreza era identificada de uma

forma uniforme.

O questionamento que nos traz o autor é que a partir da década que marca os

anos de 1980, “novas formas de pobreza” e um incomodo aumento da taxa de

desemprego começaram a minar a suposta segurança social que existia, de uma maneira

generalizada, no Estado Providência. Certamente, a forma como se encarava a realidade

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na década que ficou conhecida como a “década perdida” não poderia ser similar ao que

vivenciou a geração que testemunhou o período “entre guerras”.

O que parece bem estabelecido para Rosanvallon é que existem novos indícios

de fenômenos da exclusão que não se enquadram nas antigas categorias da exploração

homem x homem, e assim, seria preciso estudar as manifestações de uma “nova questão

social” para entender-la e assim, resolvê-la. Enquanto conseqüência direta dessa questão

que teria se atualizado, o autor faz como certo que os Estados não teriam acompanhado

essa mudança, o que estaria resultando em um momento onde se presenciava uma

“inadaptação dos antigos métodos de gestão social” (ROSANVALLON, 1998).

Dessa forma, a discrepância entre a arrecadação financeira e os gastos estatais

traduzidos em função da “solidariedade” securitária estaria precisando ser re-atualizada

pela própria atualização e concepção a que os direitos sociais estariam também se

passando. O movimento do autor é explorar conceitualmente. Este abalo, a que se refere

o autor, estaria ligado a problemas onde o ‘Estado Providência’ estaria envolvido em

crises de ordem financeira, ideológica e filosófica.

A crise financeira estaria relacionada ao aumento das despesas sociais

(notadamente de saúde) que crescem com mais intensidade que o fluxo de receitas,

criando assim um déficit de financiamento. Como uma não tem fôlego para acompanhar

o ritmo da outra, e a Europa passando um momento de crescimento econômico

reduzido, esse “hiato” entre receita e despesa, teria obrigado o Estado a aumentar a

carga tributária, provocando assim uma crise ideológica; pois a suspeita de que a

questão seria de competência “administrativa” estaria aumentando.

A burocratização e a “instrumentalização” excessivamente opaca desse Estado

sobre o trato com os problemas sociais estariam no cerne de impostos que aumentam

quando a população de uma maneira geral não vê resultado desse aumento no trato com

a insegurança social; o Estado passa então a sofrer questionamentos sobre sua

legitimidade e eficiência de ação.

Essencialmente, o problema é enxergado aqui como uma dúvida sobre a eficácia

‘redistributiva’ do aparelho Estatal, que gerida e organizada pelo Estado providencia,

não estaria sabendo diferenciar seus gastos, ou mesmo controlar o investimento que é

feito, por conta do fracasso da concepção tradicional de direitos sociais que estaria

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sobrecarregando o custeio desse Estado, via uniformização da questão social de uma

maneira ineficiente. Rosanvallon não se nega a pensar um Estado que desempenhe

papel positivo na gestão da organização da “solidariedade”, para ele, no entanto, é

fundamental reproblematizar a questão social.

A concepção tradicional dos direitos sociais seria então inoperante para lidar

com a “exclusão”, porque faz do Estado uma “máquina compensatória”, onde os

direitos sociais estariam presentes na possibilidade de concorrência entre beneficiários

que dependem dessa ação a longo prazo (desemprego por exemplo), enquanto para

Rosanvallon, este deveria lidar com compensações passageiras(doença por exemplo).

Assim, o Estado entraria em letargia, por não lidar adequadamente com a

exclusão do mercado de trabalho. E ao tentar fazer-lo, repassa maiores descontos para

os demais para “indenizar” o montante “excluído”, o que reduziria ainda mais a oferta

de emprego, pelo seu custo de manutenção.

O que se evidencia é que cada conjunto social organizado responde de acordo

com suas possibilidades materiais e históricas às fortes e inexoráveis pressões dentro da

dicotomia capital x trabalho. Assim, cada país pode apresentar particularidades na

apreensão da categoria questão social. De acordo com seu histórico de lutas e

movimentos sociais e nível e de desenvolvimento produtivo. Ou seja, cada país

responde a dicotomia capital trabalho de acordo com seu montante social, econômico e

político.

Para alguns países que vivenciaram os “anos gloriosos” a nomenclatura

“proteção social” envolve muito mais que uma sistematização de respostas à crise

gerada e instituídas via pressão social como defesas mais sólidas contra o mercado,

falamos aqui de como o aprofundamento do debate sobre como a concepção de Questão

Social influi nas respostas produzidas em cada território dentro da política de “proteção

social”.

Segundo ROSAVALLON, uma das questões centrais a serem debatidas é que quando o Estado assume o financiamento direto e a missão de “proteger” o trabalhador, estaria prejudicando não só o equilíbrio fiscal entre receita e despesa; mas criando um problema de ordem cultural e sociológica (1998, p.8), pois segundo este autor, a necessidade em se dar suporte ao progresso social e assim superar as tensões que se

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exprimem a esse respeito estariam vinculadas a própria superação do contrato social entre Estado e sociedade.

Assim, ROSAVALLON supõe que quando o Estado assume o único canal de

suporte como agente de ‘solidariedade social’, este se impõe a limitação “óbvia” de não

garantir a qualidade dos serviços públicos prestados, nem é capaz de manter o fluxo das

prestações que oferece, pois “não se pode conter a progressão das cotizações e dos

impostos ao mesmo tempo” (1998, pg.8).

A busca por um desenvolvimento social, progressivo e credível aos desafios

futuros e presentes perpassa a produção de muitos autores, assim, se Rosavallon almeja

como objetivo a sua proposta “traçar as grandes linhas de um novo método do progresso

social, complementar ao ‘Estado Providencia’... permitindo que sirva de base a uma

nova etapa do desenvolvimento social” (1998, pg.9), isso acontece porque o sistema de

proteção e desenvolvimento social Europeu a que este e Castel vivenciaram, estava

perdendo suporte social por apresentar um desgaste que o estaria ‘degradando’ a partir

dos anos de 1970 (CASTEL 2010, p.237).

Dentro de uma série de respostas que vem sendo levantadas para lidar com esse

“desgaste” do Estado de proteção social, a terminologia “exclusão social” vem se

impondo pouco a pouco como uma definição para todas as modalidades de misérias do

mundo, e desde fins de 1992 e 1993 autores como Castel, notam que “Pelo menos na

França” existe uma mutação da questão social em uma versão travestida pela temática

“exclusão social”.

A exclusão parece disputar com a questão social o termo que de desígnio para o

pauperismo, no entanto, a diferença principal é que para Castel, “ excluir” significa

uma ruptura de laços sociais, sendo este um processo sucessivo onde quebra de laços

sociais chegam ao seu resultado final. Exclusão social seria, portanto, um movimento

que exclui, de trajetórias ao longo de um eixo, qualquer possibilidade de inserção.

Esse debate que tenta transformar, o termo “questão social” para “exclusão

social”, foi possível pelo caráter de inspiração liberal dessa categorização, onde a oferta

de oportunidades para a garantia de uma ‘vida segura’ são atribuídas não mais

simplesmente aos Estados nacionais, como co-responsáveis pela proteção social aos

indivíduos e suas famílias, a teoria levantada é que através de instrumentos de manejo

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fornecidos pela via mercadológica, existiria a possibilidade de que segmentos mais

pobres poderiam ser incorporados no sistema, o Estado não teria a obrigação em se

responsabilizar por todo o sistema de proteção social, ficando disponível para trabalhar

de forma focalizada aqueles que não teriam condições financeiras de arcar com seu

próprio custeio.

Nesse universo analítico, a pobreza passa a ser vista como fracasso individual no ingresso aos mecanismos de mercado, cabendo ao Estado compensar as falhas do mercado e a fornecer redes de proteção social aos pobres vulneráveis para lidar com o risco. (IAMAMOTO, 2010, p.9)

CASTEL (2010) evidencia que a exclusão é um processo socialmente

constituído, assim em acordo com o autor, “não se nasce excluído, a não ser que se trate

de um caso muito particular”. Para este, a descrição mais conveniente para um excluído

seria a de “pessoas que sempre estiveram à margem da sociedade, nunca entraram nos

circuitos habituais do trabalho e da sociabilidade ordinária, vivem entre si e se

reproduzem de geração em geração”; no entanto, a maior parte dos casos se trata do uso

da nomenclatura para casos em que se nota uma “degradação relacionada a um

posicionamento anterior”, assim, uma vulnerabilidade, causada por uma vida marcada

pela existência dependente de uma forma de trabalho precário, que estaria se espraiando

para os demais aspectos sociais.

Assim, CASTEL faz da categoria trabalho, algo central a sua análise, pois

mesmo aqueles ditos em situação de risco poderia a partir de uma posição de trabalho

estável “parecer perfeitamente integrado” (2010. pg.23), o que se fratura quando uma

dispensa a essa modalidade essencial da atividade humana se desfaz.

Metaforicamente, admitir o termo “exclusão” é como, se possível fosse dividir, a

vida humana em zonas diferenciadas das relações sociais, que sem contato algum e de

acordo mais ou menos assegurado, inscreva o ser humano a uma rede de sociabilidade

determinada.

Só que pressupor estas zonas periféricas como exclusividade para os excluídos,

caracterizadas pelo isolamento social, e não pela negação ao trabalho, corrobora no que

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Castel diz ser impossível, pois não se pode traçar uma separação nítida entre essas

zonas. Pois sujeitos integrados (com acesso a trabalho) também tem se tornado

vulneráveis, devido ao aumento da precarização das relações de trabalho. As

vulnerabilidades então, tendem a oscilar cotidianamente dentro do que se convenciona

como “exclusão”.

A ponderação que autor faz é que esses efeitos são processos que atravessam o

conjunto da sociedade, e que não são originados na suposta periferia dessas zonas

imaginárias, mas sim no centro da vida social. Que é a produção material e social da

vida humana na terra pelo trabalho.

Para refletir sobre os riscos do termo, o autor chama a atenção para a forma

como a exclusão funciona como uma armadilha, “tanto para a reflexão como para a

ação” (pg.24), pois se por um lado economiza na necessidade de interrogar as dinâmicas

mais sociais mais globais, responsáveis pelo desequilíbrio; gerando assim um impasse

sobre os processos gerados, no sentido de “setorializar” analiticamente o que poderia ser

percebido como fruto atual da sociedade como um todo.

Para a ação o efeito nefasto é fixar a armadilha de desenvolver um discurso

duplo, que ao tempo que celebra os méritos da competição individualista, típica de uma

sociedade meritocrática, por outro depõe como necessário tratar dos “excluídos” com

“mansidão”, ou seja, um discurso dicotômico, que celebra o mercado e sua

competitividade a mesma medida em que salvaguarda os excluídos, retirando assim o

efeito de responsabilidade daqueles que sucumbiram ante a “seleção social”, que resulta

do funcionamento impiedoso do próprio sistema de pressões do clima social de disputa.

Para CASTEL a sociologia entra em cena precisamente para analisar os termos e

os fatores que precedem a “exclusão”, como uma possibilidade de estudos dos riscos de

uma “fratura social” que seria justamente uma interrogação ao conjunto de situações

limites que estabeleceriam uma dissolução dos laços de solidariedade social e

desagregariam a as proteções sociais “num continuum de posições que interrogam a

coesão do conjunto da sociedade” (2010, pg.24),

Discutindo sob estes termos, a “ruptura social”, seria a própria inscrição do

“excluídos” na relação social permeada pelas desigualdades sociais e controlada nos

termos da busca por maior coesão social. Entretanto, os termos escolhidos pelo autor

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seriam o de tratar os que se encontram em situação e risco como “desfiliados”, cuja

trajetória é marcada por uma série de rupturas em relação ao equilíbrio anterior.

Disso dependeria a tarefa de controlar a relação lógica entre economia e a coesão

social, a fim de que se evitasse a situação de ruptura que representa a “exclusão”

propriamente dita, como representaria a “anomia”, conceito Durkheimiano que

influenciou muito dos estudos e fundamentações de CASTEL.

As formulações e o risco de ruptura social irreparável, da um enfoque que se por

um lado reconhece múltiplos riscos a que estão expostos todos os indivíduos e sua

famílias, por outro lado encara estrategicamente essa formulação de conter os riscos

presentes através de um manejo administrativo de riscos, atenuando esse enfrentamento

no calculo improvável de manutenção do futuro, que é incontrolável, porém certamente

alvo de pauperização dos trabalhadores por meio da mais valia.

A estabilidade macro-econômica e a sua manutenção depende da criação de mercados financeiros sólidos e da adoção de medidas políticas orientadas para o estabelecimento de medidas preventivas aos riscos que dentro sociabilidade capitalista não podem ser eliminados.

Reestruturação financeira do capital e Questão Social:

A esfera estrita das finanças, por si mesma, nada cria (IAMAMOTO, 2008.

p.109), mas, no entanto, essa esfera da vida econômica, baseada na venda de ações

empresariais e de papeis do estado é por si só uma descrição para a realidade

mundializada e financeirizada que o mundo vive hoje em dia.

Os investidores financeiros institucionais, por meio das operações realizadas no mercado financeiro tornam-se, na sombra, proprietários acionários das empresas transnacionais e passam a atuar independentes delas. (IAMAMOTO, 2010. p.108)

A partir das operações realizadas no mercado financeiro, o fato de que os

investimentos passam a sofrer interferências da ótica de investimentos de uma maneira a

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representar a ação de seus investidores é uma relação que ultrapassa a simples extensões

econômicas; pois infere que a partir de então, esses investimentos criam socialmente as

condições de novas capacidades de extração da mais valia, que embasados na

repatriação de recursos e na redefinição das formas de emprego assalariado, modificam

o perfil do mercado de trabalho e da gestão dessa força produtiva.

Esse processo de financeirização indica que a reestruturação da economia

mundial tenciona as aplicações financeiras a um discurso de “economia de cassino”,

aonde se criou a ilusão, o fetiche, de que essa financeirização da economia seria capaz

de se frutificar em uma massa de rendimentos que se daria em um âmbito independente

da produção direta das necessidades materiais humanas.

O capital transnacional apresenta as finanças, do mercado internacional, como

uma potencia que se pretende “autônoma” diante das sociedades nacionais; no entanto o

funcionamento e a operação dessa “subserviência” onde os “mercados“ atuam mediante

respaldo efetivo dos Estados nacionais, e a partir das orientações de organismos

internacionais, temos que os interesses paradoxais entre o Estados nação e capital

financeiro são unificados no suporte teórico neoliberal.

Os Estados nacionais recebem e reproduzem as orientações de organismos

internacionais e se tornam porta-vozes do grande capital financeiro e das grandes

potenciais internacionais, a partir da conformação de um quadro jurídico e político

instrumentalizado por tratados assumidos por esses Estados nacionais.

Nesse novo estagio do desenvolvimento do capital redefinem-se as soberanias nacionais, com a presença de corporações transnacionais e organizações multilaterais- O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a organização Mundial do Comércio, a “santíssima trindade do capital em geral”- principais porta-vozes das classes dominantes em escala mundial. (IAMAMOTO, 2010. p.110)

O cenário exposto traz uma tendência à homogeneização do mercado mundial;

quanto a “ordem produtiva” financeirizada, ainda que essa “unificação” se dê para

cumprir as condições materiais da sociedade capitalista assentada sobre a atividade de

grupos industriais, agrícola, do setor energético e de prestação de serviços, globalizada.

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Os reflexos de quanto essa dominação ideológica e dos objetos de consumo,

homogeneizadas imprimem aos circuitos do capital, intensificados via tecnologia e

multimídia, estão, no entanto embasados na heterogeneidade e na dinâmica de

desenvolvimento desigual e das economias nacionais. E dessa diferença ‘naturalizada’

entre os estágios produtivos temos que se opera uma transferência de riquezas entre

classes sociais e países. Um imperialismo financeirizado que pode alterar leis nacionais,

flexibilizando a proteção social dos trabalhadores a fim de que a disputa pela instalação

de novos empregos se dê de forma flexibilizada quanto as condições e relações de

trabalho.

O trabalho é reorganizado para servir de chamariz a maior atração possível de

investimentos transnacionais, e desse ecletismo organizativo, combinam se formas

especificamente capitalistas modernas, ao mesmo tempo em que temos o revigoramento

de condições arcaicas de trabalho doméstico, artesanal, e familiar; bem como o

surgimento de novas modalidades conjugadas de economia, as chamadas economias

“subterrâneas”, em que se aproveitam modalidades produtivas precarizadas quanto a

produção, e o “trabalhador de rua” para sua distribuição. Fruto do efeito do desemprego

estrutural, essa flexibilização intensifica a competição internacional, bem como a inter-

regional, e estimula novos padrões produtivos e de consumo.

Assim, da desigualdade entre a possibilidade produtiva das empresas, dos ramos

de produção industrial e de diferentes nações, que se encontram em disputa permanente

por “investimentos produtivos”, temos um deslocamento espacial dos capitais, em uma

mobilidade geográfica só possível pelo próprio avanço tecnológico e do acesso à

informação.

A aplicação desses dividendos, fruto dos investimentos transnacionais, que via

rendimentos monetários compram títulos da dívida pública, fundos de investimento, de

pensão, carteiras de títulos (mutual funds) fazem do capital financeiro o credor do

Estado e seu “financiador” compra dos títulos divida publica. Com isso, passam a

influenciar a política econômica de tributação do Estado, bem como outras ações que

interferem diretamente na ação das políticas sociais.

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O que se pretende insinuar é que a mundialização financeira sob suas distintas vias de efetivação unifica, dentro de um mesmo movimento, processos de [...] “reforma” do Estado, tidos como exclusiva arena política; a reestruturação produtiva, referente às atividades econômicas empresariais e à esfera do trabalho; a questão social, reduzida aos chamados processos de exclusão e integração social, geralmente circunscritos a dilemas da eficácia da gestão social, à ideologia neoliberal e concepções pós-modernas, atinentes a esfera da cultura. (IAMAMOTO, 2010. p.114)

A questão fundamental para essa avaliação de que essa reforma do Estado, é que

essa “operação consorciada”, entre o Estado capitalista e o mercado financeiro favorece

na partilha da riqueza extraída da mais-valia a oligarquia financeira rentista, ou seja,

especuladores financeiros de toda ordem.

Para o ‘modelo reformado’ de Estado, o ajuste fiscal é uma orientação ortodoxa

quanto a aplicação de gastos utilizados na “satisfação das necessidades das grandes

maiorias, visto que o fundo público é canalizado para alimentar o mercado financeiro”

(IMAMAMOTO, 2010), o que tem deixado os Estados Nacionais paralisado ante a ação

dos mercados. E nesse ponto a satisfação das grandes maiorias já não pode mais ser

reconhecida.

A orientação geral é abrir as economias nacionais dos países, priorizando as

exportações, como um modelo universal de crescimento apoiado na industrialização

acelerada e inchaço de centros urbanos, que ante a redução salarial possível pela

mobilidade de instalação do capital, tem rebaixado o nível salarial ao mesmo tempo em

que rebaixa a capacidade de investimentos em programas sociais, exarcebando por fim

as desigualdades e o aumento da pobreza.

O Estado, a partir de sua legitimidade para reprimir e utilizar a força coercitiva

necessária, trata de garantir a produção e a manutenção do status quo burguês, pois este

representa a hegemonia desta classe social. Dentro das possibilidades políticas do

Estado sob efeito da mundialização, a busca é por manter a primazia do controle

equilíbrio das forças sociais nacionalmente, mesmo que a partir da submissão ao capital

estrangeiro. O que não constrange de forma alguma a burguesia brasileira, até porque o

capital não reconhece mais fronteiras nessa era de tecnologia da informação.

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A mundialização não suprime as funções do Estado, mas continua reproduzindo os interesses institucionalizados entre as classes e grupos sociais, mas modifica as condições de seu exercício, na medida em que aprofunda o fracionamento social e territorial. (IAMAMOTO, 2010. p.121)

A economia internacional, que transfere riquezas entre classes sociais e entre

países, supõe uma produção moderna das condições materiais da vida, mas o que se

explicita no cenário internacional é que o sentido da modernização se dá no âmbito da

produção e não reflete melhoras para o conjunto das forças produtivas, “a modernidade

das forças produtivas do trabalho social convive com padrões retrógrados nas relações

no trabalho, radicalizando a questão social” (IAMAMOTO, 2010). O desenvolvimento

desigual reflete a utilização que se expressa entre o desenvolvimento econômico e

produtivo e o desenvolvimento social, desiguais pela reprodução ampliada da riqueza e

das desigualdades sociais, que só crescem ante a concentração e centralização do

capital.

Ora, o capital, ao invés de voltar-se para o setor produtivo, é canalizado para o setor financeiro, favorecendo um crescimento especulativo da economia. IAMAMOTO, 2010, pg.141

A lógica financeira do regime de acumulação tende a provocar crises porque as

projeções do mundo não se dão via crescimento infinito. O cerne do crescimento

capitalista depaupera a classe trabalhadora e comete a falha que gera sua própria crise.

A questão central, a apropriação privada dos frutos gerados pelas forças produtivas

sociais, é parte do descompasso que acoberta a desigualdade e sua reprodução no meio

social. Assim, o fenômeno de acumulação e concentração de renda só pode aumentar a

pobreza, gerando um “apartheid social” de desigualdades sociais ampliadas

(IAMAMOTO, 2010, pg.142).

Desigualdades sociais e particularidades Brasileiras frente à questão social.

As desigualdades se localizam na historia brasileira ante as atribuições

transformadoras da revolução burguesa, que articulou a noção de “progresso” a um

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marco positivista da realidade, atribuindo as transformações, um ritmo lento, gradual,

que não apenas garantiu a “ordem”, mas que trouxe o “novo como um desdobramento

do velho”.

Práticas como a escravidão por dívida, relações de trabalho clandestinas e a

regressão de direitos sociais e trabalhistas mediante profunda precarização da força do

trabalho são apenas alguns dos aspectos da “modernização conservadora” que articulou

as soluções políticas que presidiram a vida nacional na sua transição entre a democracia

dos oligarcas à democracia do grande capital. E que ainda tem orientado os pilares e

feições das desigualdades em sua feição antidemocrática, no sentido de que tem

efetivado suas deliberações de cima para baixo, excluindo dos pleitos históricos as

classes subalternas, ainda historicamente destituídas de cidadania social e política.

Evidentemente, a manutenção da ordem requer uma manutenção da hegemonia

da classe dominante e essa modernização fez com que gradualmente a principal

característica da nossa herança colonial se mantivesse, a estrutura agrária brasileira,

rural e urbana. A propriedade territorial assume a feição de “empresa racional

capitalista”, no entanto se utilizando “com as vantagens da apropriação de renda

fundiária” (IAMAMOTO, 2010). Em meio a essa dominação territorial, cresce a massa

de assalariados rurais e urbanos, e também a necessidade de um mercado interno mais

solidificado.

O que se nota em relação ao processo de modernização capitalista nacional é que

ao transformar a grande propriedade em empresa capitalista agrária, somada a

solidificação do mercado interno, temos a conversão do país para uma realidade mais

urbana e de estrutura social complexa pela via do acordo entre oligarcas e capital

estrangeiro. As transformações que deram início a questão social então tem a ver

justamente com o conjunto de mudanças sociais e econômicas que possibilitaram a

instalação do capitalismo em terras nacionais. Foram então firmados acordos entre as

classes dominantes e suas frações para que a intervenção do Estado se garantisse

economicamente dominante graças à repressão e exclusão popular, via repressão

policial.

O questionamento retorna então ao enigma do começo deste trabalho, pois a

crise que tenciona as forças sociais, geradora da própria questão social, é fruto não de

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uma falta de regulamentação, ou de uma relação salarial mais “justa”, é uma questão de

crise estrutural, da sociabilidade capitalista, a redução dessa leitura em uma necessidade

de desenvolvimento de novos meios produtivos por si só não explica o conjunto de

contradições que se inserem no âmbito da organização e do processo de trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTEL, Robert, A desigualdade e a questão social, SP, Educ, 1997.______________, As metamorfoses da questão social : uma crônica do salário, Petrópolis, Vozes, 1999.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Boitempo, 2010.

IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Novo Ecletismo na Política Social Brasileira: entre o “risco social” e a luta por direitos. 2010. ______________, Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2010.

NETTO, José Paula. Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo, Cortez, 2001.

ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: repensando o Estado Providência.Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998.______________, A crise do Estado-Providência. Brasília: Editora UnB, 1997.