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Quem Sou Eu?

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Bibliografia:

Ramana Maharshi e o Caminho do Autoconhecimento Arthur Osborne

Os ensinamentos de Ramana Maharshi em suas próprias palavras Arthur Osborne

Assim falava Ramana

O Evangelho de Maharshi

PPS elaborado por:

Osmir Clemente MST Loja Liberdade

Recomendo que adquiram os livros completos, neste trabalho apresento apenas pequeno resumo dos livros acima indicados. Leiam os livros completos, vale a pena cada página lida.

www.teosofia-liberdade.org.br

[email protected]

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Não acredite em algo simplesmente porque ouviu.

Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito.

Não acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos.

Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade.

Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração.

Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite

Exortação do Buda

Não acredite em algo simplesmente porque ouviu.

Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito.

Não acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos.

Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade.

Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração.

análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite-o e viva-o.

Siddharta Gautama Buda

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Não acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos.

Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade.

Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração.

análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que

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Alguns conceitos ensinados por Ramana

Deve-se agir sem acreditar-se que se é o agente. As ações continuam apesar de sua falta de ego. A pessoa veio à existência com um propósito. O propósito irá ser cumprido da mesma maneira quer você considere-se um agente ou não.

Quando há um trabalho a se feito por você, você não pode se esconder, nem pode continuar a fazer uma coisa que não é mais requerida pela existência. Ou seja, quando sua cota foi cumprida. Resumindo, o trabalho será feito e você deve aceitar sua parte. Sua parte deve ser feita como um ator que representa seu papel num drama, livre de amor ou ódio.

O que não deve acontecer, não acontecerá, não importa o quanto você deseje. O que deve acontecer, acontecerá, não importa tudo o que você faça para evitar.

A consciência do corpo é o “Eu” errado. Desista desta consciência corpo. Isto é feito através da busca da fonte do “Eu”. O corpo não diz “Eu sou”. É você quem diz “Eu sou o corpo”. Descubra quem é este “Eu”. Procurando a sua fonte, ele irá desaparecer.

Seja o que você é. Não existe nada para ser manifestado. Tudo o que é necessário é a perda do ego.

A verdade de si mesmo é a única que vale a pena ser buscada e conhecida.

Realização não é nada a ser adquirido. Ela está sempre aí, mas obstruída por uma tela de pensamentos. Todos os seus esforços devem ser dirigidos para a superação desta tela, e então a realização é revelada.

Realização é simplesmente a perda do ego. Destrua o ego pela procura da sua identidade. Uma vez que o ego não é nenhuma entidade, ele automaticamente desaparecerá, e a realidade irá brilhar por si mesma. Este é o método direto, enquanto todos os outros se concretizam somente através da retenção do ego

Sri Ramana Maharshi

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Dias de Grande Paz – Mouni Sadhu

MEDITAÇÃO VICHARA

O método, de acordo com seus ensinamentos (Ramana Maharshi), é o seguinte:

Mergulhamos na meditação com a impressão clara em nossa mente de que o Eu Real não pode ser nenhuma coisa transitória, tal como o corpo, as emoções e a mente.

Quando isso estiver firmemente estabelecido, se nenhuma dúvida existir na consciência, tentaremos então preencher todos os momentos possíveis com a pergunta:

"Quem sou eu?"

Quando algum outro pensamento penetrar na mente, nós o abateremos com a Vichara (Quem sou eu?). Substituindo-se cada pensamento que se aproxima pela mágica Vichara, os períodos de quietude absoluta da mente vão-se tornando mais longos.

A princípio, será apenas por alguns segundos. Com a prática constante virão instantes de paz imperturbável. É muito importante compreender e lembrar o que mais influi para o alcance dessa paz na mente.

Em qualquer lugar onde eu me encontrasse, Vichara estava comigo, na rua, nos trens e bondes, e sempre que minha mente não estivesse empenhada em alguma atividade necessária.

A parte importante não era repetir Vichara, mentalmente, e sim saturar cada pergunta de um desejo intenso (sem palavras) de conhecer "Quem sou eu?".

E os resultados eram: Paz da mente e o poder de utilizá-la à vontade como uma força separada do indivíduo "Eu".

O aspecto espiritual de Vichara é claro. Ao praticá-la estareis buscando vossa legítima herança, tendo como alvo a verdadeira fonte da vida.

À medida que a Vichara prossegue, experimentareis a sensação de estardes separados de vossa forma física visível. Andando, falando e desempenhando diferentes atividades, começareis a sentir que estais além e acima da forma, que atua.

É uma maravilhosa sensação de liberdade e de beatitude. Não existem mais dúvidas nem temores. Esses momentos, no início, são raros, é verdade, mas com a continuação tornam-se cada vez mais frequentes. Esses são os primeiros raios da luz do vosso Eu verdadeiro, que é a própria felicidade

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Ramana Maharshi e o Caminho do

Autoconhecimento

Arthur Osborne

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Os primeiros anos

Ramana Maharishi nasceu em 30 de dezembro de 1879 em Tiruchuzhi no sul da Índia, no dia em que os devotos hindus celebram o “Arudra Darshan”, que é a ocasião em que Shiva manifestou-se como Nataraja, isto é na dança cósmica da criação e desintegração do universo.

No festival, o ídolo de Shiva voltou para o templo no preciso instante em que a criança Venkataraman, na qual Shiva se manifestaria como Sri Ramana veio ao mundo.

A criança cresceu normal e sadia, o único fator incomum a respeito de Venkataraman era o seu sono profundo, inabalável, e sua assombrosa força física. O garoto não manifestava nenhum interesse em espiritualidade ou religião.

Em diversas ocasiões era sonâmbulo, e por mais que tentassem acordá-lo, não o conseguiam. Como ele era muito forte, seus companheiros aproveitavam estas ocasiões para surrá-lo, já que não se defendia. É possível que estes fatos prenunciassem o seu despertar espiritual.

O pai de Ramana, Sundaram Avyar, faleceu, quando Ramana tinha doze anos, e sua família foi dissolvida. As crianças foram morar com um tio paterno na cidade de Madura.

O Despertar

Auto-realização ou Sahaja Samadhi é aquele estado em que a mais pura e abençoada compreensão é constante e ininterrupta, sem que se impeça, contudo, as percepções e atividades normais da vida. É algo muito raro.

No caso de Ramana, ela ocorreu muito rapidamente, sem procura, sem luta sem preparação consciente. Ramana próprio a descreveu:

Eu estava sentado sozinho em uma sala e repentinamente eu fui tomado por um violento medo de morrer. Eu apenas senti “Vou morrer” e comecei a pensar o que fazer a respeito disso.

O choque do medo da morte fez minha mente voltar-se para o interior, e eu disse a mim mesmo: Agora a morte chegou, o que isso significa? O que está morrendo? O corpo morre.

Eu deitei com os meus membros esticados e duros como se estivesse morto, e imitei um cadáver para tornar a inquirição mais realista. Prendi a respiração e mantive os lábios firmemente fechados.

Então, disse a mim mesmo, este corpo está morto. Ele vai ser carregado para o crematório e lá será reduzido a cinzas.

Mas com a morte deste corpo eu morro? Este corpo é o Eu? Ele está silencioso e inerte, mas eu sinto a força total de minha existência, e até mesmo a voz de “Eu” dentro de mim, separada do corpo. Então eu sou o espírito que transcende o corpo.

O corpo morre, mas o Espírito que o transcende não pode ser tocado pela morte. Isso significa que eu sou o Espírito imortal.

Não se tratava de pensamentos obscuros, foi uma verdade viva que brilhou através de mim e que percebi diretamente, quase sem o processo do pensamento.

O medo da morte desapareceu de vez, e a absorção no Ser continuou ininterrupta desde então.

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Anteriormente àquela crise eu não tinha uma percepção clara do meu “Eu”, e não me sentia atraído conscientemente por ele.

Neste momento sua individualidade se dissolveu no Eu Real, e aquele jovem indiano que nada tinha de promissor transformou-se em um dos maiores Sábios que a Índia já conheceu.

Aquele cujo interesse se centraliza no ego, sendo um ser a parte, tem um pavor da morte que ameaça a dissolução do ego, ao passo que na minha experiência, o medo da morte desaparece completamente, com a compreensão de que o “Eu” se funde com o Si universal e imortal, que é o Espírito.

É possível ao homem ser possuído por duas entidades, dois “Sis”? Para entender é preciso que o homem se analise a si mesmo, porque temos o hábito de pensar como pensam os outros, jamais encaramos o “Eu” de maneira correta.

O homem se identifica com o corpo e o cérebro. Por isso siga com a investigação “Quem sou eu?”

O primeiro e principal de todos os pensamentos é o pensamento “Eu”. Somente após o nascimento deste pensamento é que emergem todos os outros.

Se você seguir o fio do “Eu” até a sua origem, descobrirá que além de ser o primeiro pensamento a aparecer é o último a desaparecer. Façam esta experiência. É possível caminhar para dentro até que o último pensamento, “Eu”, desapareça gradualmente.

Só assim poderá atingir a compreensão de que é imortal e se tornará verdadeiramente sábio, quando tiver despertado para o seu verdadeiro Si, que é a natureza real de todos os homens.

O sentido do “Eu” pertence à pessoa, ao corpo e seu cérebro. Quando o homem descobre seu verdadeiro Si, algo mais se ergue das profundezas do seu Ser e se apossa dele. Esta coisa está além da mente, é infinita, divina, eterna.

Quando isso acontecer, o homem na realidade não se perdeu, ao contrário, se encontrou.

Antes de encontrar o Si, a dúvida e a incerteza serão seus companheiros. Que adianta saber de tudo, ser um erudito, quando não se sabe ainda quem é?

O fato de que Ramana completou em meia hora a Sadhana de uma vida ou de muitas vidas, não altera o fato de que se tratou de um esforço por meio de uma investigação do Eu, tal como depois ele veio a ensinar.

Ramana advertiu seus seguidores de que não se consegue a perfeição de modo rápido, mas sim através de muita luta, mas disse também que este é o único meio infalível para compreender o Ser incondicionado e absoluto.

Ramana disse que no momento em que o Eu tenta conhecer-se a Si mesmo, começa ele a participar cada vez menos do corpo no qual está imerso, e cada vez mais da consciência do Si.

Depois desta experiência, coisas anteriormente valorizadas por Venkataraman perderam seus atrativos, os objetos convencionais tornaram-se irreais, mas aquilo que até então era ignorado passou a exercer um estranho fascínio.

Ele nada disse a ninguém, mas era inevitável que sua família notasse uma mudança muito grande em seu comportamento.

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O ego anterior, que se ressentia e retaliava, tinha desaparecido. Deixei de sair com os amigos para brincar, preferindo a solidão. Outra mudança foi que eu já não tinha preferência ou antipatia com relação à comida.

A alma havia desistido de seu domínio sobre o corpo quando renunciei a ideia de “eu sou o corpo”. Venkataraman passou a visitar frequentemente um templo, onde sempre que ficava frente à imagem de Shiva ou Nataraja, onde profundas emoções aconteciam.

Aquilo era o jogo de Deus com a alma. Eu me quedava diante de Ishvara, o Governante do universo, e rezava para que sua misericórdia descesse sobre mim para que minha devoção aumentasse.

Na maioria das vezes eu não chegava a rezar, mas permitia em silêncio que o profundo interior fluísse e penetrasse no profundo ulterior. As lágrimas que assinalavam esse derramar da alma não significava qualquer prazer ou dor especial.

Eu não era pessimista, nada sabia da vida e não tinha aprendido ser ela cheia de sofrimentos. Não me movia nenhum desejo de evitar a reencarnação ou procurar a libertação ou mesmo obter a salvação.

Ramana já possuía uma consciência constante e ininterrupta do Si e disse explicitamente que já não havia Sadhana, nem esforço espiritual depois disto.

Já não havia luta no sentido de penetrar no Si, pois o ego, cuja oposição ocasiona a luta, tinha sido dissolvido, e já não havia com quem lutar. Sua alma seguia em busca de um novo ancoradouro.

A Jornada

Frequentemente Ramana negligenciava os exercícios escolares para se dedicar a meditação. Ele era severamente recriminado por isso. Finalmente ele decidiu partir imediatamente da casa dos tios, renunciando a tudo.

Muitos entendem meditação como pensamento e reflexão. Quando Ramana referia à meditação, ele queria dizer Samadhi, que significa contemplação isenta de pensamentos, ou imersão no Espírito.

Ramana também usava o termo meditação como o esforço para atingir o Samadhi através da auto-investigação.

Ao sair de casa, Ramana deixou uma carta: Parti em procura do meu Pai, em obediência às suas ordens. Fui-me em virtuosa empreitada, por isso ninguém lamente, nem desperdice dinheiro à minha procura.

Sua alma, liberta da prisão corporal, continuava em busca de uma ancoragem permanente no Si, com o qual percebera sua unicidade.

Venkataraman já tinha compreendido que não havia ego, e não assinou seu nome na carta. Ele nunca mais voltou a escrever uma carta, e nunca mais assinou seu nome, embora por duas vezes ainda tenha escrito seu antigo nome. Certa vez lhe pediram um autógrafo e ele escreveu o símbolo do OM.

Ramana dirigiu-se para Tiruvannamalai, próximo a montanha de Arunachala. Três dias depois de ter deixado seu lar, ele chegou ao destino.

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Pseudo-Tapas

Ali rasparam-lhe a cabeça. Ramana jogou fora as poucas moedas que tinha. Nunca mais ele pegou em dinheiro. Atirou fora também um pacote de doces. Porque dar doces a este corpo, ele questionava.

Ramana jogou fora seu colar sagrado, pois aquele que renuncia ao mundo renuncia não apenas ao lar e à propriedade, mas também à casta e ao status civil. Ele passou a usar somente uma tanga para completar os atos de renúncia.

Ele ficou num local quase ao relento, e lá permaneceu na Bem -aventurança do Ser. Já não tinha qualquer necessidade do mundo. Voltou-se para dentro de Si mesmo, ignorando por completo o mundo exterior.

Ramana ficava horas sentado como uma estátua. Algumas crianças jogavam pedras nele. A providência fez que um Sadhu tomasse o encargo de proteger o jovem santo, que era conhecido como Swami Brahmana.

Os animais atiraram-se sobre ele até que suas coxas ficaram cobertas de chagas. As marcas ficaram até o fim dos seus dias.

Ramana ficava em Samadhi por tanto tempo, que às vezes o Sadhu tinha que lhe enfiar alimentos em sua boca. Ele engolia tudo indiferente ao sabor.

Muitos vieram espiar o jovem Swami, ou prostrar-se diante dele. Já nesta época o primeiro devoto tornou-se muito ligado a ele.

O corpo do Swami foi inteiramente negligenciado. Ele sequer tomava banho. Devotos lhe ofereciam alimentos, mas tudo que ele aceitava era uma tigela de comida uma vez ao dia.

Na realidade, o corpo do Swami tinha enfraquecido até o extremo limite da sua resistência. Ele sempre estava avesso a aceitar ajuda.

Este período durou mais de dois anos. Nos últimos seis meses, Ramana passou a estudar muitas obras em Tamil, trazidas por discípulos. Como tinha uma memória prodigiosa, ele passou a acumular a vasta erudição que mais tarde veio a possuir.

Para ele era fácil, pois tais obras apenas corroboravam o que ele sabia por intuição. Ele aprendeu mais tarde, além do Tamil, o Sânscrito, o Telugo e o malaiala.

O Problema da Volta

Muito tempo depois de sair de casa, finalmente seus parentes descobriram onde ele estava, e tentaram de todas as formas levá-lo de volta a Madura. Foi inútil, nem os pedidos de sua mãe ele ouviu.

Sua mãe permaneceu com ele durante muito tempo. Ramana sequer lhe dava atenção. Ele tinha feito um voto de silêncio. O máximo que fez foi escrever um bilhete em linguagem altamente impessoal:

O ordenador controla os destinos das almas segundo o seu Prarabdhakarma. Tudo que não está destinado a acontecer não acontecerá, tente-se como quiser. Tudo que está destinado a acontecer acontecerá, faça-se o que for para impedi-lo. Isto é certo. O melhor caminho, portanto é ficar calado.

Em sua essência, trata-se do mesmo que Cristo disse à sua mãe: “Mulher, que tenho eu contigo? Não sabes que me cumpre cuidar dos assuntos de meu Pai?”

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Ramana sempre foi intransigente ao ensinar que aquilo que tem de acontecer acontece, e tudo o que acontece se deve ao Prarabdha, um balancete do destino, regido por uma rigorosa lei de causa e efeito.

Ele recusou-se sempre a meter-se em debates acerca de livre arbítrio e predestinação. Ele costumava dizer: Descubram quem é predestinado e quem tem livre arbítrio.

Todas as ações que o corpo realizará já estão decididas quando este corpo começa a existir, a única liberdade que se tem é a de se identificar ou não com o corpo.

Quando se desempenha um papel numa peça ou num file, todo o papel é escrito com antecedência e a gente o cumpre com fidelidade, quer seja o César que é apunhalado ou o Brutus que apunhala, não sendo afetado, pois você sabe não ser tal pessoa.

Aquele que compreende a sua identidade com o Eu imortal desempenha seu papel no palco humano sem medo nem ansiedade, sem esperança nem arrependimento, não se deixando afetar pelo papel desempenhado.

Contudo, a opinião aparentemente antagônica de que o homem constrói seu próprio destino não é menos verdadeira, uma vez que tudo acontece sob a lei de causa e efeito, e cada pensamento, palavra ou ação produz repercussão.

Uma vez que os seres colhem os frutos de suas ações, segundo as leis de Deus, a responsabilidade é deles, não de Deus. Ramana constantemente salientava a necessidade de se esforçar.

Ramana dizia que se você fortalecer sua mente, a paz será constante, sua duração é proporcional à fortaleza mental adquirida através da prática.

Qualquer obstáculo que apareça, por exemplo, que nos impeçam a meditação, a isso se chama destino. Isto ocorre somente para a mente extrovertida e não para a introvertida. O simples ato de pensar em tais obstáculos é o maior dos empecilhos.

É inútil dar murro em ponta de faca, rebelar-se contra um destino que não pode ser contrariado, mas isso não significa que não se deve nunca fazer qualquer esforço, uma vez que desconhecemos nosso destino.

Pode acontecer de estarmos destinado a um papel em que o esforço seja necessário, neste caso sua própria natureza levá-lo-á a se esforçar.

A mãe de Venkataraman voltou para sua casa em Madura, e o Swami continuou como antes, mas não inteiramente. Gradualmente o ascetismo foi diminuindo, alimentando-se diariamente e voltando a falar algumas vezes.

A palavra Tapas abrange um significado deveras complexo. Ela implica em concentração levando à austeridade, normalmente como penitência por fraquezas passadas, e ainda extirpar de vez qualquer desejo de reincidir, refrear a energia que sai e procura um veículo na mente e nos sentidos.

Tapas significa normalmente lutar pela realização através da penitência e da austeridade. Do ponto de vista de Ramana não havia sequer austeridade, pois tinha deixado completamente de identificar-se com o corpo envolvido em ascetismos. Ele estava constantemente em profundo Samadhi.

Sua aparente austeridade não era uma busca da Realização, mas um resultado dessa Realização. Ramana dizia que já não havia Sadhana depois do despertar espiritual.

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A completa absorção no Si, com o esquecimento do mundo manifesto, denomina-se Nirvikalpa Samadhi, é um estado de bem aventurado transe, mas não é permanente.

Pode-se comparar a um balde de água baixada dentro de uma cisterna. Existe água no balde (a mente), que se mistura à da cisterna, mas a corda e o balde (o ego) continua a existir, podendo sair novamente da cisterna.

O estado mais elevado, completo e final, á a Sahaja Samadhi. Trata-se de uma consciência pura e ininterrupta, transcendendo o plano mental e físico, conservando no entanto total percepção do mundo manifesto e pleno uso das faculdades mentais e físicas.

Pode-se comparar às águas de um rio misturadas com as do oceano. Nesse estado o ego com todas as suas limitações é dissolvido para sempre no Si. Trata-se de liberdade absoluta, consciência pura, não mais limitada ao corpo ou à individualidade.

No caso de um Jnani (iluminado) a existência do ego é apenas aparente. O jnani goza de toda a sua experiência transcendental, a despeito do parente ego, mantendo sempre sua atenção sobre a Fonte. Este tipo de ego é inofensivo.

O Arunachala

O monte Arunachala é um dos mais antigos e sagrados da Índia. Ramana declarou que se trata do coração da Terra, do centro espiritual do mundo. Shankaracharya o chamava de Monte Meru. É a sacra e secreta sede do coração de Shiva.

Diz uma história que Shiva se manifestou na forma de Arunachala e disse: Assim como a lua recebe do sol a sua luz, assim também os demais locais sagrados receberão sua santidade do Arunachala. Este é o único lugar em que assumi esta forma em benefício dos que desejam adorar-me e obter a iluminação.

Somente dois anos após a chegada a Tiruvannamalai é que Ramana passou a viver no monte, até então ele viveu em alguns templos.

Durante seus primeiros anos na montanha Ramana continuou a guardar silêncio. Ele já tinha um grupo de devotos, e surgiu um Ashram. Esquilos e macacos achegavam-se a ele e comiam em suas mãos.

Seus verdadeiros ensinamentos eram transmitidos através do silêncio, na tradição de Dakshinamurthi. Essa forma silenciosa de ensinar era uma influência espiritual direta que a mente absorvia.

Uma devota praticava a concentração entre as sobrancelhas (na ponta do nariz) e via muitas luzes. Ramana desaconselhou a prática e disse: Essas luzes não são o seu objetivo real. Planeje compreender o Si, nada menos do que isso.

Ramana raramente proibia alguma coisa. A compreensão daquilo que era apropriado e daquilo que não era tinha que vir de dentro, e não de qualquer autoridade externa.

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A Não-Resistência

Não resistais ao mal. Isso somente é possível para os que se submeteram à Vontade Divina, e aceitam o que vier como justo e necessário, ainda que para os padrões mundanos possa parecer uma calamidade.

Ramana disse que você agradece a Deus pelas coisas boas que lhe acontecem, mas não lhe agradece as coisas que lhe parecem más, aí é que você faz mal. A submissão a Deus, ao Guru, ao Si é tudo quanto se requer, de modo que a própria pessoa permaneça como um impassível espectador.

A renúncia verdadeira

Muitos devotos perguntaram a Ramana se deveriam renunciar a vida ao mundo, pois achavam que a vida familiar era inferior à vida dos renunciados. Ramana sempre desaconselhava esta medida, ele explicava que a renúncia não é uma retirada, mas uma ampliação do amor.

Renúncia não significa um despojar-se exterior das roupas e um abandono do lar. A verdadeira renúncia é a renúncia dos desejos, paixões e vínculos.

Aquele que verdadeiramente renuncia funde-se na realidade com o mundo e estende o seu amor de modo a abraçar todo o mundo. Quem renuncia sem estar maduro para tanto, cria apenas novos vínculos.

Grandes almas que abandonaram a vida do mundo fizeram-no não por aversão à vida em família, mas em razão do seu amor imenso e extensivo a todos, homens e criaturas.

Quando sentires amor igual por todos, com certeza não sentirás o desejo de abandonar isso ou aquilo, irás simplesmente afastar-te da vida mundana, do mesmo modo que um fruto maduro se desprende de uma árvore. Sentirás que o mundo inteiro é seu lar.

As verdades espirituais são adaptadas às condições de cada época. No mundo moderno há muitos para quem a renúncia ou mesmo a plena observação de ortodoxia é impossível. A verdadeira renúncia está na mente, não é absolutamente a renúncia física.

Quer continues no lar ou renuncies a ele e ir para a selva, tua mente é aquilo que irá te atormentar. O ego é a fonte do pensamento. Ele cria o corpo e o mundo e faz-te pensar que você é um chefe de família. De pouco adianta a mudança de ambiente.

O obstáculo único é a mente e é preciso superá-lo, seja em casa, num mosteiro ou na floresta. Portanto, para que mudar de ambiente? Teus esforços podem começar a ser feitos agora mesmo, em qualquer ambiente.

Ramana explicou também que não é o trabalho que se constitui em obstáculo para a Sadhana, mas tão somente a atitude mental com que é feito, e que é possível prosseguir em nossas atividades normais, porém sem vinculações.

O sentimento “eu trabalho” é o obstáculo, pergunta-te a ti mesmo quem trabalha. Lembra-te de quem és. Então o trabalho não te escravizará. É possível executar todas as atividades da vida com isenção e apreço exclusivo pelo Si real.

Seja como um ator. Ele se traja, representa, e até mesmo sente o papel que está desempenhando, mas sabe não ser o personagem e sim uma pessoa diferente na vida real.

Porque haveria a consciência do corpo ou o sentimento de “eu sou o corpo” perturbar-nos quando sabemos ao certo que não somos o corpo, mas o Si?

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Não é preciso renunciar à vida ativa. Se você meditar uma ou duas horas por dia, poderá dar seguimento normal aos deveres.

Com o passar do tempo, você constatará que sua atitude relativamente às pessoas, fatos e objetos irá gradualmente se modificando. Suas ações tenderão a acompanhar suas meditações.

Um homem deve deixar de lado o egoísmo pessoal que o vincula ao mundo. Abandonar o falso si é a verdadeira renúncia.

Se todas as pessoas executassem o seu trabalho simplesmente por se tratar do seu trabalho, sem vaidade ou egoísmo, toda a exploração cessaria. Um médico age de forma mais eficiente quando não está emocionalmente envolvido.

Mesmo com todas estas explicações, alguns devotos retrucavam que o próprio Ramana havia deixado o lar, o que ele respondia que todo homem age segundo seu Prarabdha (destino).

A Mãe de Ramana

A mãe de Ramana recebeu um treinamento muito duro. Frequentemente Ramana a ignorava, e dizia “todas as mulheres são minhas mães, não apenas você”. Isso é o mesmo quando Cristo disse a sua mãe e irmãos “Todo aquele que faz a vontade do meu Pai Celeste é meu irmão, irmã e mãe.

A mãe de Ramana chorava muito por isso. Mas com o tempo, o sentimento de superioridade por ser a mãe do Swami desapareceu, o sentimento do ego enfraqueceu e ela se entregou ao serviço dos devotos.

A comida do Ashram era exclusivamente vegetariana, alguns brâmanes consideravam alguns vegetais como não sattvicos (impuros). Ramana caçoava deles dizendo “cuidado com essa cebola”, ela é um grande obstáculo à liberação.

Mas Ramana não era avesso à ortodoxia, ele só combatia os excessos. Ele sempre salientava a importância da alimentação sattvica.

A prática do vegetarianismo é para evitar tirar a vida de outros seres, e também porque os alimentos não sattvicos (carnes e alguns vegetais) tendem a aumentar as paixões animais e impede os esforços espirituais.

A mãe de Ramana se deu conta de que seu filho era uma encarnação divina em duas ocasiões. Uma vez, estando diante dele, o filho desapareceu dando lugar a um lingam (colunas) de luz pura. Outra vez ele apareceu engrinaldado e rodeado de serpentes, conforma a representação convencional de Shiva.

A finalidade dessas visões era fazê-la compreender que a forma de seu filho por ela conhecida e amada era tão ilusória como qualquer outra que ele pudesse assumir.

Em 1920 a saúde da mãe começou a falhar. Durante a doença Ramana cuidou dela com constância. Em silêncio e meditação a compreensão da mulher amadureceu.

Em 19 de maio de 1922, não houve como prolongar a sua vida, apenas como apaziguar a mente de modo que a morte fosse como a absorção no Si. Após sua morte Ramana ergueu-se bastante alegre e disse, agora podemos comer, venham não há poluição.

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Uma morte hindu envolve poluição ritualística e exige ritos purificadores, mas ali não se tratava de morte e sim reabsorção. Não havia alma desencarnada, mas sim uma perfeita união com o Si, e por isso não era necessária quaisquer ritos purificadores.

Posteriormente, Ramana disse, ela não morreu, foi absorvida. A alma foi despojada de sua sutil vestimenta antes de atingir o seu destino final, a Paz Suprema da Libertação da qual não se volta à ignorância.

Embora muito forte a ajuda dada por Ramana, foi a santidade da mãe dele, sua renúncia ao orgulho que lhe permitiram a absorção. Ramana depois disse, sim, no caso dela foi um sucesso, numa tentativa anterior com outro devoto, houvera um fracasso, embora houvera a garantia de um bom renascimento.

Ramana lembrava sempre que apenas o corpo morre, e apenas a ilusão do “eu sou o corpo” faz a morte parecer uma tragédia.

Desde que Jnana e Mukti não diferem em função do sexo, o corpo de uma mulher santa também dispensa cremação. O corpo da mãe foi enterrado no sopé do monte Arunachala.

Advaita

Aos 16 anos Ramana percebeu sua identidade com o Absoluto. Ele não sabia ainda que existia uma essência ou Ser Impessoal subjacente a tudo, e nem que Deus e eu éramos idênticos a ela. Mais tarde, lendo livros sagrados, aprendi tudo isso, e percebi que ensinava tudo intuitivamente.

A abordagem religiosa através do amor e adoração de um Deus Pessoal existe, assim como existe a abordagem através do serviço.

No entanto, o reconhecimento do Ser Puro como o Si de cada um e o Si do universo e de todos os Seres é a verdade suprema e última, transcendendo todas as outras abordagens.

Esta é a doutrina Advaita, porém ela não nega a verdade em cada plano de manifestação. O Advaita foi ensinado por antigos Rishis e especialmente por Shankaracharya. É a abordagem mais simples e ao mesmo tempo a mais profunda, sendo a verdade última.

Advaita significa não dualidade, que existe apenas o Absoluto. Todo o Cosmos existe dentro do Absoluto e não tem realidade intrínseca, apenas manifesta o Absoluto.

Isto significa que o Absoluto é o Si do Cosmos e de todos os seres. Assim sendo, ao procurar-se o Si através da constante investigação “Quem sou eu?” torna-se possível ao homem compreender sua identidade com o Ser Universal. Ramana ensinava o mais puro Advaita.

A doutrina do Si único não nos priva de um Deus pessoal, pois enquanto perdurar a realidade do ego que reza, durará a realidade do Deus para quem se reza. Enquanto o homem aceitar seu ego como uma realidade, o mundo externo e Deus também serão realidades para ele.

Este é o nível de uma religião dualista (dvaita) e um Deus pessoal. É verdadeiro, porém não é a Verdade última. Ramana disse:

Shankaracharya foi criticado por sua filosofia de Maya (ilusão), mas ele foi mal compreendido. Ele fez três assertivas “Brahman é Real”, “O universo é irreal”, “Brahman é o universo”. Shankara não se deteve na segunda assertiva.

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A terceira explica as duas primeiras, significa que quando o universo é percebido à parte de Brahman, tal percepção é falsa e ilusória. Em suma, os fenômenos são reais quando percebidos como o Si e ilusórios quando vistos à parte do Si.

Assim como Buda, Ramana recusava-se com frequencia a satisfazer determinadas curiosidades. Ele costumava dizer “Porque desejas saber o que será depois da morte antes de saber o que é agora?” Descubra primeiro Aquilo que é.

Um homem é agora e para sempre o Si imortal por detrás desta e de outras vidas, mas dizer isso não basta, é preciso lutar para compreendê-lo. Por que deseja saber a respeito de Deus antes de saber de si próprio? Descubra primeiro aquilo que és.

Ramana não instruía seus discípulos a pensar na solução dos problemas, mas sim a eliminar o pensamento. Acabar com o pensamento não é imbecilidade.

Um homem é idêntico ao Si, que é Ser puro, pura consciência, pura Bem aventurança, mas a mente cria a ilusão de uma individualidade em separado.

Durante o sono profundo a mente se aquieta e o homem se torna uno com o Si, mas de uma forma inconsciente (no aspecto mente). No Samadhi o homem se torna uno com o Si, de uma forma plenamente consciente (inclusive na mente), não no escuro, mas à luz plena.

Se a interferência da mente é suprimida, a consciência do Si pode, pela graça do Guru, despertar no coração, preparando o caminho da abençoada Identidade, de um estado que não é torpor ou ignorância, mas fulgor. Sabedoria, puro ser.

Muitos repugnam a ideia da destruição da mente ou da individualidade separada, achando-a aterrorizante. Contudo isso acontece diariamente durante o sono, e não temos medo de dormir, consideramos o sono agradável, ainda que no sono a mente só seja aquietada de uma forma ignorante.

A verdade é que a individualidade não se perde, mas se amplia ao infinito. A eliminação dos pensamentos é como o propósito de concentrar na consciência mais profunda que há por detrás e além do pensamento. Longe de enfraquecer a mente, ela a fortalece, pois ensina a concentração.

A mente débil e sem controle é constantemente distraída por pensamentos irrelevantes e perturbada por preocupações inúteis. A mente forte o suficiente para concentrar-se, seja no que for, pode voltar sua concentração no sentido da eliminação dos pensamentos na busca do Si.

Quando a busca é consumada, as faculdades da mente não se perdem. A mente do Jnani é como a luz da lua ao meio dia, ela é iluminada, mas esta luz não é necessária frente à luz do sol que a ilumina, tem um brilho imensamente maior.

Perguntas e respostas de alguns dos primeiros devotos

Embora nunca variasse a doutrina ensinada por Ramana, a forma de ensinar mudava em função do caráter e da compreensão daquele que perguntava.

P: Quem sou eu? E como poderei obter a salvação? R: Através de uma profunda e incessante investigação “Quem sou eu?”, conhecerás a ti mesmo e consequentemente conseguirás a salvação.

O verdadeiro Si não é o corpo, nem os cinco sentidos, nem qualquer dos órgãos de ação, nem o prana, nem a mente, nem mesmo o estado de profunda sonolência em que não se tem consciência das coisas.

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Após chegar a cada um destes itens e dizer “isto eu não sou”, aquilo que restar é o Eu, e isso é consciência.

A natureza dessa consciência é Sat-Sit-Ananda (Ser, consciência, bem aventurança) em que não existe o mais leve indício do pensamento-Eu. Chama-se também Mouna (silêncio) ou Atma (Si). Deus ego e mundo são na realidade Shivaswarupa (a forma de Shiva) ou Atmaswarupa (a forma do Espírito).

Quando as coisas vistas desaparecem, a verdadeira natureza daquele que vê, ou sujeito, aparece. Os objetos externos desaparecem, quando a mente que é a causa de todos os pensamentos desaparece.

A mente é apenas pensamentos. É uma forma de energia e manifesta-se como o mundo. Quando a mente mergulha no Si, então o Si é compreendido.

A mente só irá desaparecer através da investigação “Quem sou eu?”. Embora tal investigação também seja uma operação mental, ela destrói todas as operações mentais, incluindo-se a si mesma.

Faça aquilo que fizer, faça-o sem egoísmo, isto é, sem o sentimento de “estou fazendo isso”. A veradeira Bhakti (devoção) é a rendição do ego ao Eu.

Não há outro método adequado senão a auto-investigação. Por outros meios, depois de algum tempo, a mente ressurgirá, reassumindo sua antiga atividade.

Quanto mais a gente se recolhe dentro do Si, as vasanas (tendências) murcham até desaparecerem.

Se a mente for constantemente orientada no sentido do Si, pela investigação, ela será eventualmente dissolvida e transformada no Si. Ao sentires alguma dúvida não busque elucidá-la, antes disso procura saber quem é aquela pessoa a quem a dúvida ocorre.

A investigação deve ser feita enquanto houver em sua mente o mais leve traço capaz de provocar pensamentos. Cada vez que um pensamento surgir, esmaga-o com esta investigação. Esmagar todos os pensamentos no nascedouro chama-se vairagya (desapego).

Vichara será necessária até que o Si seja totalmente compreendido. O que se requer é uma contínua e ininterrupta lembrança do Eu.

Deus não tem propósitos. Ele não está preso a qualquer ação. Tome como exemplo o sol que se ergue sem desejo, propósito ou esforço.

O sol não se deixa afetar por estas atividades, pois atua segundo sua própria natureza, de acordo com leis fixas, e não passa de uma testemunha. Assim também acontece com Deus.

Deus não tem qualquer desejo ou propósito em seus atos de criação, manutenção, destruição, retirada e salvação a que os seres estão sujeitos.

À medida que os seres colhem os frutos de suas ações em obediência às Suas leis, a responsabilidade é deles e não de Deus. Deus não está preso a quaisquer ações.

Um avatar é apenas uma manifestação de um aspecto de Deus, ao passo que um Jnani é Deus propriamente dito.

Será melhor que deixe tudo a cargo do Senhor. Ele arcará com tudo, e você ficará livre de todos os encargos. Ele fará a sua parte.

P: Mestre, poderei eu ajudar o mundo? R: Ajuda-te a ti mesmo e estarás ajudando o mundo. Estás no mundo, és o mundo. Não és diferente do mundo, nem é o mundo diferente de ti.

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Um Mestre é alguém que meditou apenas em Deus, atirou toda a sua personalidade no mar de Deus, afogou-a e esqueceu-a ali, até tornar-se apenas o instrumento de Deus.

Quando sua boca se abre fala palavras de Deus sem esforço nem planejamento prévio, e quando age, Deus flui através Dele realizando milagres.

A ideia de que um Mestre seja alguém que desenvolveu poderes sobre forças e sentidos ocultos é absolutamente falsa. Mestres não dão atenção aos poderes ocultos, pois não necessita deles na vida cotidiana.

Não fixe sua atenção sobre coisas mutáveis da vida, morte e fenômenos. Fixe somente naquilo que vê essas coisas, aquilo que é responsável por tudo. Tente manter a mente fixada Naquilo que vê.

Que o seu pensamento durante a meditação não repouse sobre o ato de ver, nem sobre aquilo que é visto, mas somente sobre Aquilo que vê.

Não há qualquer recompensa pelo êxito. Como disse Krishna, Tendes direito de trabalhar, mas não colher os frutos.

Se você compreender que pensas apenas em virtude da única Vida, e que a mente é uma parte do todo que é Deus, então saberás que sua mente não tem existência como entidade separada, e a única coisa remanescente é o Ser.

Um Mestre pode usar a mente, o corpo e o intelecto sem cair na ilusão de que tem uma consciência em separado. Inútil é especular ou tentar uma compreensão mental ou intelectual. Todo separatismo é ilusório.

A religião, seja cristianismo, budismo, hinduísmo, teosofia, ou qualquer tipo de “ismo” ou “Sofia”, pode nos levar somente àquele ponto em que todas as religiões se encontram, nunca além. É preciso deixar de chamar as coisas de coisas, e chamá-las de Deus.

O verdadeiro conhecimento vem de dentro e não de fora. Ele é “Ser” e não “Saber”. Compreensão nada mais é do que ver Deus literalmente. Nosso maior erro é pensar em Deus agindo simbólica e alegoricamente, e não de forma prática e literal.

O homem luta pela liberdade a cada pecado que comete. Esta luta pela liberdade é a primeira ação instintiva de Deus na mente humana. Mas o homem só conquista a liberdade ao perceber que nunca esteve preso.

Ramana e os Animais

O hinduísmo diz que depois da morte, aquele que não dissolveu a ilusão de uma individualidade separada, passa a um estado de céu ou inferno em função do bom ou mau karma, e que depois desse período, volta à Terra tendo um nascimento elevado ou rasteiro também segundo seu karma, a fim de cumprir seu Prarabdha ou destino de uma vida.

Durante sua vida ele acumula novo karma que é acrescentado ao seu sanjitha-karma, ou resíduo do seu karma já acumulado que não é prarabdha.

Assevera-se que é possível fazer progresso e cumprir todo o karma ao longo de uma vida humana; no entanto, Ramana indicou que também é possível que os animais estejam cumprindo o seu karma.

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Ramana disse: - Não sabemos que almas poderão estar ocupando estes corpos, e para concluir que parte do seu karma incompleto, estarão procurando a nossa companhia. Shankaracharya também afirmou que os animais podem chegar à liberação.

Ramana mostrava a mesma consideração para com os animais que o destino punha em contato com ele e para com as pessoas. E os animais não se sentiam menos atraídos por ele do que as pessoas. Os pássaros e esquilos costumavam construir seus ninhos em torno dele.

Ramana jamais se referia a um animal usando o pronome neutro, mas empregava sempre "ele" ou "ela". Já deram comida aos rapazes? Se referindo aos cães do Ashram.

Na hora das refeições os cães eram os primeiros a serem servidos, a seguir os mendigos que por ventura ali estivessem e por fim os devotos. Os esquilos costumavam saltar a janela e vir até o seu sofá e ele tinha sempre uma reserva de amendoins para eles.

Os animais sentiam-lhe a Graça. Os animais sentiam a total ausência de medo e raiva de Ramana. . Não permitia que se matassem cobras onde residia, viemos até os seus domínios e não temos o direito de perturbá-las. Elas não nos incomodam.

Certa vez Ramana disse a um devoto que trouxe seu cão: Vê que alegria ele demonstra? É uma alma elevada que tomou esta forma canina.

Quando cães do Ashram morriam, Ramana providenciava um enterro condigno para o corpo, sendo uma lápide colocada sobre o túmulo.

Grande foi a sua intimidade com os macacos. Ele os observava atentamente, com o amor e a compreensão que um Jnani tem por todos os seres. Ramana costumava dizer que os macacos reconheciam-no como um membro da sua comunidade e aceitavam-no como árbitro em suas disputas.

O mais apreciado de todos os devotos animais de Ramana foi a vaca Lakshmi. A vaca teve certo número de bezerros, três pelo menos no dia do aniversário de Ramana.

Quando Lakshimi caiu doente, Ramana olhou-a nos olhos e descansou a mão na sua cabeça, como que a dar-lhe iniciação. Ele estava contente porque o coração de Lakshmi estava isento de toda vasana (tendência latente) e totalmente focalizado em Ramana.

Lakshmi manteve-se consciente até o fim; seus olhos estavam calmos. Foi enterrada no Ashram com todos os ritos funerários. Uma pedra quadrada foi colocada sobre o seu túmulo. Sobre a lápide havia um epitáfio escrito por Ramana declarando que ela conseguira Mukti (Liberação).

Sri Ramanashram

Identificar-se com o corpo é uma ignorância primordial, que é a causa principal de todos os problemas. Até que essa ignorância seja liquidada, até saberes que és natureza sem forma, será mero pedantismo discutir acerca de Deus, e querer saber se Ele é com forma ou sem forma.

Um erudito questionou Ramana quanto ao caminho a ser tomado, Ele respondeu “Tome o caminho pelo qual veio”. O único caminho é a volta às Origens, o retorno ao lugar de onde você veio.

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A Vida com Sri Bhagavan

É tradição hindu que homens e mulheres sentem-se separados e Ramana aprova a medida, pois o magnetismo entre os sexos pode perturbar o magnetismo espiritual. Os homens sentavam-se à esquerda e as mulheres à direita de Sri Bhagavan.

As refeições eram normalmente arroz, legumes e condimentos. Comer para os hindus é uma ocupação total, sem qualquer falatório. Após serviam também leite, frutas e doces.

Ramana quase nunca falava de doutrina, a não ser para responder alguma pergunta, e não o faz em tom pontifical, mas de forma coloquial com espírito e risos.

Um teosofista indagou se Ramana aprova a procura dos Mestres invisíveis a ele, ele respondeu: Se são invisíveis como pode vê-los. Retrucaram, em consciência. Em consciência não há outros disse Ramana.

Quando dizemos que o Ser é Um, atribuímos plena realidade ao mundo e também plena realidade a Deus. Se dissermos que há dois ou três, damos apenas meia realidade ou um terço a realidade do mundo ou a Deus.

O verdadeiro aniversário de uma pessoa é quando ela entra Naquilo que transcende o nascimento e a morte.

Pelo menos no dia do aniversário deve-se lamentar a nossa entrada neste mundo (samsara). Glorificar e celebrar o aniversário é o mesmo que regozijar-se com um cadáver e enfeitá-lo. Procurar o próprio Si e amalgamar-se nele é sabedoria.

Upadesa de Ramana (ensinamentos espirituais)

Ramana era acessível a todos, a orientação dada a cada discípulo era direta e adaptada ao seu caráter. Uma vez interpelado por Yogananda acerca de instrução espiritual disse que depende do temperamento e da maturidade espiritual do indivíduo, não pode haver instrução em massa.

A realização só é possível através da Graça de um Guru. O termo Guru pode ser usado em três sentidos:

Uma pessoa que mesmo sem dotes espirituais tenha sido investida (como um padre) do direito de dar iniciação e Upadesa (instrução). Com frequência é um cargo hereditário.

Um Guru pode ser alguém que além do que foi dito acima, tenha alguns dotes espirituais e possa dirigir seus discípulos através de uma upadesa mais potente, até o ponto em que ele próprio chegou.

No sentido mais elevado, Guru é aquele que compreende a Unicidade com o Espírito que é o Si de tudo que existe. Este é o Sat-Guru.

Ramana disse: Deus, Guru e Si são a mesma coisa. O Guru é aquele que em todas as ocasiões mora nas profundezas do Si. Ele jamais vê diferenças entre si e os outros. Jamais pensa ou diz que é um iluminado. Sua firmeza ou autodomínio jamais pode ser abalado.

Submissão a tal Guru não é submissão a alguém estranho à própria pessoa, mas ao Si manifesto exteriormente a fim de ajudara pessoa a descobrir o Si interior. O Mestre está no interior, a meditação destina-se a suprimir a ideia errônea de que Ele está apenas no exterior.

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Mas enquanto pensares que és separado ou és o corpo, o Mestre exterior será necessário e aparecerá como que com um corpo (vide exemplo de Jung). Quando a enganosa identificação da pessoa com o corpo cessa, descobre-se que o Mestre não é outro senão o Si.

Em todo aquele que é um Guru, não resta nenhum ego para afirmar a identidade. Ele também não diz que tem discípulos.

Embora o Jnani seja Uno com o Absoluto, seus traços característicos continuam a existir exteriormente como um veículo da sua manifestação, ele não deixa de possuir características humanas.

O Guru ou Jnani não vê diferença entre si e os demais. Para ele todos são Jnanis. Como pode então um Jnani ter discípulos? Mas aquele que não é liberado vê tudo como múltiplo, portanto para ele a relação Guru-discípulo é uma realidade.

Existem três formas de iniciação: pelo tato, pelo olhar e pelo silêncio. O método de Ramana era pelo silêncio.

A iniciação pelo olhar ou pelo silêncio tornou-se muito rara nos dias atuais. É o método de Dakshinamurthi, e é a forma de iniciação adequada ao caminho da Vichara ou autoinvestigação que Ramana ensinava.

A iniciação pelo olhar era uma coisa muito real. Ramana voltava-se para o devoto com os olhos fixos nele, com furiosa concentração, interrompendo totalmente o processo de raciocínio. Às vezes, a iniciação era dada até em sonho.

Quanto à Graça, Ramana ilustrava que embora o sol esteja brilhando, é preciso fazer o esforço de voltar-se em sua direção para que se possa vê-lo. Aquele que conquista a Graça do Guru, sem dúvida alguma será salvo e jamais será esquecido.

Um devoto que não sentia progresso disse “temo que se continuar assim irei para o inferno”. Ramana replicou: “Se fores, irei atrás e te trarei de volta”.

A realização é o resultado da Graça do Guru, mais do que os ensinamentos, conferências, meditações, etc. Estas são apenas secundárias, mas a Graça é a causa primeira e essencial.

O Guru não precisa necessariamente ter forma humana. Qualquer forma do mundo pode ser seu Guru. Um Guru é absolutamente necessário.

Guru é Deus ou o Si. Primeiro um homem reza a Deus para conseguir seus desejos. Depois para essa prática e reza apenas a Deus. Então Deus lhe aparece sob uma forma qualquer, humana ou não, a fim de guiá-lo como um Guru em resposta às suas orações.

Duas coisas têm de ser feitas, primeiro encontre o Guru fora de você mesmo, depois encontre o Guru interior.

Ser Guru é dar iniciação e upadesa. Não há upadesa sem o ato primeiro da iniciação, e a iniciação não tem sentido a menos que seguida de upadesa.

Ramana também dizia que a trilha da devoção é a mesma que a da submissão, já que todos os encargos recaem sobre o Guru. Ele disse a um devoto: Submete-te a mim e eu abaterei sua mente. Para outro, disse: Apenas fique quieto, Bhagavan fará o resto.

Ele repetia sempre: Há duas maneiras, ou pergunta-te a ti mesmo “Quem sou eu?” ou entrega-te ao teu Guru. Todavia, render-se, manter a mente quieta e estar plenamente receptivo à Graça do Guru não é fácil, requer esforços constantes.

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Muitos faziam uso de práticas devocionais ou de outra natureza como auxiliares, Ramana endossava tais práticas, embora raramente as prescrevesse. O mais poderoso meio auxiliar era o poder de Sat Sangh, que é a associação com alguém que compreendeu Sat ou Ser.

Se permaneceres em companhia de um Jnani, este te dará o pano já tecido, sendo que em outros métodos recebe-se o fio e se é obrigado a tecer o tecido.

O método que Ramana sempre preconizava era a Vichara, a pergunta “Quem sou eu?” Ele dizia que é o único meio infalível, o único meio direto para compreender o Ser incondicionado e absoluto que realmente somos.

Outras tentativas de destruir o ego ou mente através de sadhanas que não sejam a Vichara é como o ladrão transformando-se em policial para apanhar-se a si próprio.

Apenas a Auto-investigação pode revelar a verdade de que nem o ego nem a mente existem realmente. Tendo compreendido o Si, nada mais resta para ser sabido, pois Ele é a perfeita bem-aventurança e é o Tudo.

A finalidade da Auto-investigação é focalizar toda a mente em sua origem, fazê-la voltar-se para dentro de si mesma. Não é o caso de um Eu em procura de outro Eu.

Sente-se meditando e pergunte “Quem sou eu?” Focalizando ao mesmo tempo a atenção no Coração, não o órgão físico à esquerda do peito, mas o coração espiritual que fica à direita do peito.

O Coração espiritual não é um dos chakras, é o centro e a fonte do ego-si e a morada do Si, e o lugar de união. O local do coração espiritual é confirmado na língua malalaia sobre Ayurveda (medicina espiritual).

Trataremos mais do coração espiritual quando falarmos do livro “O evangelho de Maharshi”. Como exemplo, sempre que nos referirmos a nós mesmos, geralmente apontamos o dedo para o lado direito do peito, é intuitivo.

A prática da Vichara é concentrar-se no coração à direita e perguntar “Quem sou eu?” Quando surgirem pensamentos durante a meditação deve-se evitar dar-lhes continuidade, mas observá-los e indagar “O que é este pensamento?” De onde veio? E a quem? A mim...(seu nome) e de novo “Quem sou eu?”

Assim, todo pensamento desaparece quando esmiuçado e reduzido ao pensamento básico do eu. Esta prática faz o que a psicanálise pretende fazer, filtra a sujeira do subconsciente, a traz à luz e a destrói.

Sim, todos os tios de pensamento surgem durante a meditação. O que está escondido é trazido para fora. É a única forma de serem destruídos.

Todos os pensamentos são inconsistentes com a Realização. O correto é excluir os pensamentos de si mesmo e todos os demais pensamentos. Pensamento é uma coisa e Realização é coisa bem diferente.

Não há resposta para a pergunta Quem sou eu, pois se trata da dissolução do pensamento do eu, que é pai de todos os outros pensamentos. Não se deve dar respostas à investigação tais como “eu sou Shiva” (Sivoham). A resposta verdadeira virá por si, nenhuma resposta dada pelo ego pode ser certa.

Vichara deve ser constante, até que se torne contínuo, não apenas durante a meditação, mas estando na base de tudo quanto se diz e faz. Até mesmo quando temos este sucesso, pois o ego tentará estabelecer uma trégua com a corrente de consciência.

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Uma vez tolerada tal trégua, o poder do ego começará a crescer gradualmente, e tentará restabelecer sua supremacia. Deve-se levar a investigação até o fim, independente de poderes, visões, percepções que possam vir a ocorrer.

Na verdade, visões e poderes podem se transformar em motivos de recreação, aprisionando a mente tão eficazmente como o apego ao poder físico ou ao prazer. O desejo de tais coisas é mais lesivo do que a sua própria posse.

Manter-se firme na Realidade, que é eterna, é o verdadeiro Siddhi. O oculto é um obstáculo ao espiritual. Os poderes, e mais ainda o desejo de poderes entravam o aspirante.

Não devemos aceitar poderes taumatúrgicos nem mesmo quando nos são oferecidos, pois eles são como cordas para prender um animal. A suprema liberação não está nos poderes, ela só é encontrada na consciência infinita.

Vichara deve ser uma técnica de vida. Sadhana resume-se num ataque ao ego, e nenhum êxtase ou meditação pode conduzi-lo ao sucesso enquanto o ego permanecer entrincheirado na esperança e no medo, ambição e ressentimento, em qualquer espécie de paixão ou desejo.

O ego é sutil e tenaz e se refugiará até mesmo nas próprias ações destinadas a destruí-lo, vangloriando-se de se humilhar, ou gozando ao entregar-se à austeridade.

A auto investigação diária, perguntar-se de quem é aquele a quem os pensamentos ocorre, é um poderoso plano de campanha. Especialmente quando se trata de pensamentos emocionais, tem tremenda potência e atinge as raízes das paixões.

Alguém foi magoado e se ressente disso...Quem foi magoado ou está ressentido? Quem está satisfeito, raivoso, ou triunfante?

Quando caímos no devaneio, ou vislumbramos triunfos, o ego se estufa, assim como se esvazia com a meditação. Quando ele se estufa, requer-se força e vigilância e redobrar a prática de Vichara.

Nas atividades da vida, Ramana também preconizava submissão e obediência à Vontade Divina, lado a lado com a Vichara. Todas as recomendações que dava convergem para o ponto de enfraquecer o auto-interesse e derrubar a ilusão do eu sou o autor.

O resultado da atividade de uma pessoa está nas mãos de Deus, a única responsabilidade que cabe à pessoa é a pureza e o desinteresse com que obra.

Por que se preocupar com o futuro? Nem mesmo conhecemos adequadamente o presente. Cuide do presente que o futuro cuidará de si. Há alguém que governa o mundo, e cabe a Ele tomar conta do mundo.

Aquele que deu a vida ao mundo sabe também cuidar da sua criatura. Ele suporta o fardo do mundo, não você. Assim como você é, assim é o mundo. Sem compreender-se a si mesmo que adianta tentar compreender o mundo?

As pessoas costumam esbanjar suas energias com tais assuntos. Primeiro descubra a Verdade interior a si (o ego), então poderá compreender a verdade do mundo. O verdadeiro Si não é uma parte do mundo, mas o Criador do mundo.

Jnana marga e Karma marga estão agora fundidos num só caminho, formando um caminho novo adequado às condições de nossa época, um caminho que deve ser trilhado no silêncio, tanto na vida cotidiana como numa gruta ou ashram.

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Obviamente este novo caminho também inclui Bhakti, pois gera amor puro, amor pelo Eu o Guru interior, amos por Deus. O eterno, ininterrupto e natural estado de residência no Eu é Jnana. Para residir no Eu é preciso amar o Eu.

Uma vez que Deus é na verdade o Eu, o amor do Eu é o amor de Deus, e isso é Bhakti. `Portanto, Jnani e Bhakti é a mesma coisa. Jana não exclui Bhakti, e Bhakti não exclui Jnana.

A submissão ao Guru exterior leva ao Guru interior que a Vichara procura descobrir. A Vichara leva à quietude e submissão. Os métodos indiretos da sadhana buscam antes fortalecer e consolidar a mente.

Sem dúvida, a mente tem de ser fortalecida e purificada antes de entregar-se, mas com o uso da Vichara, isso acontece automáticamente. Porém o método da Vichara é para as almas maduras.

As almas ainda não maduras devem seguir outros métodos que levam ao fortalecimento e purificação da mente. Os outros métodos incluem observâncias religiosas, meditação, invocação, mantras, controle da respiração, etc. Estes outros métodos podem também ser usados ao mesmo tempo da Vichara.

Todos os outros métodos acabam, por fim, conduzindo à Vichara. Pratiquem Vichara juntamente com a concentração no coração.

A Graça do Guru é com um oceano. Se alguém vem com uma xícara, não leva senão uma medida. É inútil queixar-se da avareza do oceano. Quanto maior o vaso tanto mais poderá carregar. Tudo depende da pessoa.

Nesta era especialmente negra (Kali Yuga), é difícil encontrar um Guru. Ramana tomou forma na terra como o Sad-Guru, o divino guia, e proclamou um sadhana acessível a todos.

Os ensinamentos de Ramana são a essência de todas as religiões, proclamando abertamente aquilo que está oculto. O Advaita é o postulado central do taoísmo e do budismo, a doutrina do Guru interior é a doutrina do “Cristo em você”.

Os Devotos

A auto-investigação é chamada de Jnana marga, a trilha do conhecimento, mas o que se visa é a compreensão do coração, não o conhecimento teórico que pode ser um ajutório mas pode ser também um estorvo.

Ramana desaconselhava excentricidade no vestir ou nos modos, bem como qualquer demonstração de êxtase. Ele não provocava grandes transformações nos devotos, pois tais transformações podem ser uma estrutura sem fundações e ruir a qualquer instante.

É o Guru e não o discípulo quem vê o progresso feito, cabe ao discípulo seguir com perseverança em seu trabalho, mesmo que a estrutura que esteja sendo erguida não lhe seja visível.

Ramana não recomendava qualquer exagero como a mouna (silêncio), salientando que a fala é uma válvula de segurança, e que é melhor controlá-la do que renunciar a ela.

A verdadeira mouna está no coração e é possível permanecer calado em meio a falação, da mesma forma que é possível estar solitário em meio à multidão.

Ramana ensinava as pessoas passarem do prazer e da dor, da esperança e da ansiedade, que são causados pelas circunstâncias, à felicidade interior que é a nossa verdadeira natureza.

Se vierem as aflições não procure suprimi-las, pergunte “a quem sobreveio esta aflição?”... “Quem sou eu?”.

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Raramente Ramana servia-se de poderes sobrenaturais. Certa vez, uma criança foi picada por uma cobra, e já estava azul e ofegante. Ramana passou a mão sobre a criança e disse “você está bem”. E a criança ficou bem.

Mahasamadhi

A partir de 1947 a saúde da Ramana foi motivo de alarme. O reumatismo lhe aleijara as pernas e atacara as costas e ombros. Havia uma grande impressão de debilidade. Ele não tina ainda setenta anos, mas aparentava muito mais. Mesmo assim, ele não tinha o menor vestígio de preocupações.

Para Ramana a vida não era nenhum tesouro que merecesse ser economizado, era-lhe indiferente quanto tempo iria durar.

Aquele que toma sobre si os pecados do mundo, aquele que alivia o karma dos devotos...foi apenas à sua custa que Shiva bebendo o veneno, pôde salvar o mundo da destruição. Ó Shiva, Senhor da vida, Vós também carregais o fardo da vida temporal de Vossos devotos.

Há muitos indícios que Ramana, mesmo fisicamente arcava com tal fardo.

Em princípios de 1949 apareceu um nódulo no cotovelo esquerdo que foi diagnosticado como maligno. Ele fez tratamento com radioterapia, mas o tumor voltou. Os médicos sugeriram a amputação do braço, mas há a tradição de que o corpo de um Jnani não pode ser mutilado.

Ramana negou-se a aceitar a amputação, e disse “O corpo em si já é uma doença”, deixe-se que chegue a um fim natural. Para Ramana a morte não era motivo de alarme.

Terá Ramana realmente sofrido? Ele disse: confundem este corpo com Bhagavan e atribuem-lhe sofrimentos. Que pena! Onde está a dor se não existe mente? No entanto ele exibia reações físicas normais e sensibilidade a calor e frio.

Ramana disse a outro devoto: Se a mão de um Jnani fosse cortada, e estando sua mente em estado de graça, ele não sentiria dor tão intensamente quanto outras pessoas. Não se trata que o corpo de um Jnani não sofra lesões, mas de que este não se identifica com o corpo.

Os médicos que tratavam Ramana ficaram estupefatos ante a indiferença dele com a dor. A questão do sofrimento e do karma existe apenas do ponto de vista da dualidade, do ponto de vista do Advaita, de Ramana, sofrimento e karma não tem qualquer realidade.

O tumor crescia e de vez em quando Ramana admitia “Há dor”, mas nunca dizia “Estou com dor”. Ramana foi submetido a mais uma cirurgia e radioterapia. Ele estava exausto, mas não havia sinais de sofrimento em seu rosto.

Houve ainda mais uma cirurgia. A ferida nunca mais cicatrizou. Os médicos diziam que a dor devia ser horrível. Às vezes ouviam-no gemer durante o sono.

O Jnani não fica ansioso por livrar-se do seu corpo, ele é indiferente à existência ou não existência do corpo, quase não se percebendo dele.

Um devoto implorou para que Ramana tivesse um único pensamento de sarar. Ele replicou; “Quem poderia ter um pensamento desses!” A personalidade que poderia opor-se à marcha do destino já não existia nele.

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“Dizem que estou morrendo, mas não vou embora, para onde poderia ir?”. No dia 13 de abril um médico tentou ministrar-lhe um remédio, ele disse: Não é necessário, tudo estará bem dentro de dois dias. Daqui por diante já não importa o tempo.

Seu corpo foi enterrado com honras divinas. Foi colocado um lingam de pedra negra polida, o símbolo de Shiva acima do túmulo.

Presença contínua

Houve santos que prometeram voltar à Terra para de novo orientar seus devotos em novas vidas, Mas Ramana era um Jnani completo, em quem não havia nem mesmo vestígio de um ego que fizesse prever um renascimento. Sua promessa foi “Não irei embora, estou aqui”.

Para o Jnani não há mudanças, não há tempo, não há diferenças entre passado e futuro, não há partida, apenas o eterno “Agora”. Aquele que ganhou a graça do Guru será salvo e jamais será esquecido.

Não é uma nova religião que Ramana trouxe à Terra, mas uma nova esperança, para aqueles que compreendem e aspiram nesta era espiritualmente negra. Para todos quantos procuram, Sri Bhagavan continua aqui.

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Os Ensinamentos de Ramana Maharshi em

suas próprias palavras

Arthur Osborne

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A Teoria Básica

Os leitores de índole mais filosófica podem achar estranho que o primeiro capítulo desta obra seja intitulado ‘A Teoria Básica’. Pode lhes parecer que a obra toda deveria ser dedicada à teoria.

Na verdade, Ramana Maharshi estava muito mais envolvido com o trabalho prático de treinar os aspirantes do que com a exposição da teoria. A teoria tinha a sua importância apenas como base para a prática.

Dizem que o Buda ignorava perguntas sobre Deus, e por isso ele era chamado de agnóstico. Na verdade o Buda apenas se ocupava em guiar o buscador para realizar a Bem-Aventurança aqui e agora, ignorando discussões filosóficas sobre Deus e outros assuntos metafísicos.

O estudo da ciência, psicologia, fisiologia, etc. muito pouco ajuda a alcançar a Libertação do Ser ou a compreender intuitivamente a unidade da Realidade.

Um pouco de conhecimento teórico é necessário para o Yoga, e este pode ser encontrado em livros, mas a aplicação prática é o que é indispensável. Exemplo e a instrução pessoal são as maiores ajudas.

Quanto à compreensão intuitiva, a pessoa pode esforçadamente se convencer da verdade a ser compreendida pela intuição, da sua função e natureza, mas a intuição real é mais um sentimento, e requer um contato concreto e pessoal.

O mero aprendizado de livros não é de grande utilidade. Depois da Realização todas as cargas intelectuais viram fardos a serem jogados fora.

Preocupação com teoria, doutrina e filosofia pode ser danoso, na medida em que distrai a pessoa do esforço espiritual, que é o que realmente importa, oferecendo uma alternativa mais fácil, meramente mental.

Os pouco instruídos se libertam mais facilmente do que aqueles cujo ego não se abrandou apesar de toda a sua cultura. Os chamados homens sem cultura estão livres do domínio implacável do demônio da auto-fascinação.

Em última análise, até mesmo as escrituras são inúteis. As escrituras servem para indicar a existência do Poder Maior, ou Eu Real, e apontar o caminho rumo a Isto. Este é seu propósito essencial, e fora disso elas são inúteis.

Às vezes Ramana expunha a filosofia em toda a sua complexidade, mas fazia isso apenas como uma concessão à fraqueza daqueles que estavam viciados ao pensamento.

O labirinto complexo da filosofia das várias escolas tem como propósito apenas clarificar os assuntos e revelar a Verdade, mas na verdade, o que faz é criar confusão quando nenhuma deveria existir.

Para entender qualquer coisa deve haver um eu. O Eu é evidente, então por que não permanecer como o Eu? O que o não-eu precisa explicar?

Ramana diz: Eu fui realmente feliz por nunca ter me interessado por filosofia. Se eu tivesse me envolvido com ela provavelmente não teria chegado a lugar algum; mas as minhas tendências mentais inatas me levaram diretamente a indagar “Quem sou eu?” Que bom!

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O Mundo – Real ou Ilusório

No entanto, algum ensinamento teórico é necessário para formar a base do trabalho espiritual concreto. Com Ramana este ensinamento foi o da não-dualidade, em sintonia com os ensinamentos do grande sábio hindu Shankaracharya.

O ensinamento de Bhagavan é uma expressão da sua própria experiência e realização. Os outros o vêem como correspondente ao ensinamento de Sri Shankara.

Shankara que diz que este mundo é ilusório. Ele diz também disse que esse mundo é Brahman. O que Ramana desaprovava era imaginar que o Eu Real é limitado pelos nomes e formas que constituem o mundo.

Brahman é como uma tela de cinema, e o mundo é como as imagens que aparecem nela. Você só vê a imagem enquanto há uma tela. Mas quando o próprio observador se torna a tela apenas o Eu Real permanece.

Ramana diz que Shankara foi criticado por sua filosofia de Maya porque não foi compreendido. Shankara fez três declarações: 1) Brahman é real; 2) o universo é irreal; 3) Brahman é o universo. Ele não parou na segunda.

A terceira declaração explica as duas primeiras – ela significa que a percepção do universo como separado de Brahman é falsa e ilusória. Equivale a dizer que os fenômenos são reais quando experienciados como sendo o Eu Real, e são ilusórios quando vistos separados Dele.

Na verdade, apenas o Brahman é o mundo, o “eu”, e Deus. Tudo o que existe é apenas uma manifestação do Eu Supremo.

A Realidade é sempre real. Ela não tem nomes nem formas, mas é o que os sustenta. Ela é a base de todas as limitações, sendo em si mesma ilimitada. Ela não é confinada a nada. Ela é a base de tudo o que é irreal, sendo em si Real. É aquilo que é. Ela é como é.

A ilusão é em si ilusória. Ela deve ser vista por alguém que encontra-se fora dela, mas como pode um observador assim estar sujeito a ela? Então, como ele pode falar de graus de ilusão?

Você vê várias cenas passando na tela de cinema: o fogo parece queimar os prédios, a água parece naufragar navios, mas a tela sobre a qual as imagens são projetadas não é queimada pelo fogo nem molhada pela água. Por quê?

Porque as imagens são irreais e a tela é real. Semelhantemente, inúmeras imagens são refletidas num espelho sem que este seja afetado por elas.

Igualmente, o mundo é um fenômeno sobre o substrato da Realidade única que não é por ele afetado de maneira alguma. A Realidade é apenas uma.

Falar-se de ilusão é apenas devido ao ponto de vista. Mude o seu ponto de vista para o do Conhecimento absoluto e você perceberá que o universo nada mais é do que Brahman.

Estando agora imerso no mundo você vê este mundo como real; transcenda-o e ele desaparecerá, restando apenas o Real.

O mundo é percebido como uma realidade aparentemente objetiva quando a mente se exterioriza, abandonando assim a sua identidade com o Eu Real.

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Quando o mundo é assim percebido a natureza do Eu Real permanece velada; também, quando o Eu Real é realizado o mundo cessa de ser percebido como uma realidade objetiva.

A ilusão é aquilo que faz as pessoas tomarem por inexistente e irreal aquilo que está sempre presente e a tudo permeando, aquele Eu que é perfeito e auto-luminoso, e que é de fato o centro do Ser de cada pessoa.

A ilusão é aquilo que faz os seres tomarem por real e existente por si aquilo que é inexistente e irreal, isto é, a trilogia mundo-ego-Deus.

O mundo é mesmo real, mas não como uma realidade independente e auto-subsistente, assim como o homem que você vê no sonho é real como figura onírica, mas não como homem.

Os Vedantins não dizem que o mundo é irreal. Isso é um equívoco. Se assim pensassem, qual seria o significado de texto Vedântico: “Tudo isto é Brahman”?

Eles apenas querem dizer que o mundo é irreal como tal, mas real como sendo o Eu. Mas se você perceber o mundo como não-Eu, ele é irreal.

Tudo o que existe, quer você chame de ilusão (Maya), Brincadeira Divina (Lila) ou Energia (Shakti), deve existir dentro do Eu Real, e não fora dele.

Ramana diz: “O Vedanta diz que o cosmos surge simultaneamente com aquele que o vê, sem expor nenhum processo detalhado de criação. É semelhante a um sonho, no qual aquele que experimenta o sonho surge simultaneamente ao sonho que ele experimenta.

Entretanto, algumas pessoas se apegam tão firmemente ao conhecimento objetivo que elas não ficam satisfeitas ouvindo isso. Elas querem saber como a criação súbita pode ser possível, e argumentam que um efeito deve ser precedido por uma causa.

Na verdade elas desejam uma explicação do mundo que vêem a sua volta. Então as escrituras tentam satisfazer sua curiosidade expondo teorias.

A Natureza do Homem

Independente do que o homem pensa a respeito da realidade do mundo ou da existência de Deus, ele sabe por certo que ele existe. E é com o propósito de entender e aperfeiçoar a si mesmo, que ele estuda e busca a instrução espiritual.

O indivíduo que identifica a sua própria existência com a existência da vida no corpo físico, e o toma como “eu”, é chamado de ego. O Eu Real, que é pura Consciência, não tem sentimento de ego ligado ao corpo.

Nem pode o corpo físico, que é por si só inerte, ter esse sentimento de ego. Entre os dois – ou seja, entre o Eu ou pura Consciência e o corpo físico inerte – surge misteriosamente a sensação de ego, ou noção de “eu”, este híbrido que não é nenhum dos dois e que floresce como ser individual.

Este ego ou ser individual é a raiz de tudo o que é fútil e desagradável na vida. Por isso ele deve ser destruído por qualquer meio possível; então permanece apenas o brilho d’Aquilo que sempre é. Isso é a Libertação, Iluminação ou Auto-Realização.

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Uma vez que você conheça o Eu Real dentro do qual todas as ideias existem, você pode compreender a verdade de que existe uma Realidade, uma Verdade Suprema que é o Eu Real de todo o mundo que você agora percebe, o Real, o Supremo, o Eu eterno, distinto do ego ou ser individual, que é impermanente.

A auto-inquirição “Quem sou eu?” é uma técnica diferente da meditação “Eu sou Shiva” ou “eu sou Ele”. Eu prefiro enfatizar o autoconhecimento, porque você primeiro está preocupado consigo mesmo antes de querer saber do mundo ou seu Senhor.

A meditação “Eu sou Ele” ou “Eu sou Brahman” é mais ou menos mental, mas a busca pelo Eu de que eu falo é um método direto, e de fato superior a ela.

Na medida em que você começa a busca pelo eu e vai se aprofundando, o Eu Real está lá esperando para lhe receber; então, o que quer que seja feito é feito por algo além, e você, como ser individual, não é responsável por isso.

Neste processo são automaticamente abandonadas todas as dúvidas e discussões, assim como um homem que dorme esquece todas as suas preocupações por hora.

Vários caminhos são ensinados. No entanto, qualquer que seja o desenvolvimento prévio da pessoa, a prática ardente da auto-inquirição o acelera.

A mente tem dificuldade de entender espiritualidade. A mente quer uma teoria para se satisfazer. Na verdade, entretanto, o homem que ardentemente busca a Deus ou ao seu Eu verdadeiro não precisa de nenhuma teoria.

Todos são o Eu Real e são, de fato, infinitos. No entanto, cada um confunde o seu corpo com o Eu Real. Para se conhecer qualquer coisa precisa-se de uma iluminação, e esta só pode ser da natureza da Luz, no entanto, ela ilumina tanto a luz física quanto a escuridão física.

Ou seja, esta Luz está além da luz e escuridão aparentes. Ela em si não é nenhuma das duas, mas é chamada de Luz porque ilumina ambas. Ela é infinita e é Consciência. A Consciência é o Eu de que todos estão conscientes.

Ninguém nunca está afastado do Eu Real, todos já são de fato Auto-Realizados; o que acontece é que as pessoas não sabem disso e buscam realizar o Eu Real.

A Realização consiste apenas em se libertar da falsa noção de que não somos realizados. Não é nada novo a ser adquirido. Ela deve já existir, caso contrário ela não seria eterna, e apenas vale a pena se esforçar por aquilo que é eterno.

Uma vez que a falsa visão “eu sou o corpo” ou “eu não sou realizado” for removida apenas a Consciência Suprema ou Eu Real permanece, e é isso o que as pessoas chamam de “Realização” no seu estado atual de conhecimento. Mas a verdade é que a Realização é eterna e já existe aqui e agora.

A Consciência é conhecimento puro. A mente surge dela e é constituída de pensamentos. A essência da mente é apenas atenção ou consciência. Entretanto, quando o ego nubla a mente, esta adota as funções de raciocínio, pensamento e percepção.

A mente universal, não sendo limitada pelo ego, não tem nada exterior a si, e portanto ela é apenas consciência. É isso o que a Bíblia quer dizer com “EU SOU O QUE EU SOU”.

A mente que é dominada pelo ego tem sua força drenada e por isso é muito fraca para resistir a pensamentos perturbadores. A mente sem ego é feliz, como nós percebemos no sono profundo, sem sonhos. Portanto, claramente se percebe que perturbação e felicidade são apenas estados da mente.

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Quando você diz que procura o “eu” e não vê nada, você diz isso porque você está acostumado a identificar o seu eu com o seu corpo e a sua visão com os seus olhos.

O que existe para ser visto? E por quem? E como? Existe apenas uma Consciência e esta, quando se identifica com o corpo, projeta a si mesma através dos olhos e vê os objetos a sua volta.

O indivíduo está limitado ao estado de vigília; ele espera ver algo diferente e aceita a autoridade dos seus sentidos. Ele não vai aceitar que aquele que vê, os objetos vistos, e o ato de ver são todos manifestações da mesma Consciência – o “Eu-Eu”.

A prática da meditação ajuda a superar a ilusão de que o Eu Real é alguma coisa objetiva para ser vista. Na verdade não há nada para ver.

Como você se reconhece agora? Você precisa por um espelho na sua frente para reconhecer a si mesmo? A consciência em si é o “eu”. Realize-a e isto é a verdade.

Quando eu investigo a origem dos pensamentos há a percepção do “eu”, mas isso não me satisfaz. Exatamente. Isso acontece porque essa percepção de “eu” está associada a uma forma, talvez a forma do corpo físico.

Mas nada deveria ser associado ao Eu puro. O Eu Real é a Realidade pura em cuja luz brilha o corpo, o ego, e tudo mais. Quando todos os pensamentos são aquietados sobra apenas a pura Consciência.

Na realidade o ego não existe. Se existisse, você teria que admitir a co-existência de dois “eus” em você. Portanto, também não existe ignorância. Se você investigar dentro do Eu, a ignorância, que já é não-existente, vai ser vista como tal, e então você dirá que ela sumiu.

A ausência de pensamentos não significa um vazio. Alguém deve estar consciente desse vazio. Conhecimento e ignorância são duais e pertencem apenas à mente – o Eu Real está além de ambos. Ele é pura Luz. Não é necessário que um eu veja o outro.

Não existem dois eus. O que não é o Eu é apenas não-Eu, e não pode ver o Eu. O Eu Real não possui visão ou audição, mas está além deles brilhando sozinho como pura Consciência.

Ramana sempre apontou a existência contínua do homem mesmo durante o sono sem sonhos como uma prova de que ele existe independente do ego e do sentimento de ter um corpo. Ele também se referia ao estado de sono profundo como um estado sem corpo e sem ego.

O homem no estado de vigília diz que ele não sabia de nada no estado de sono profundo. Quando acorda ele vê objetos e sabe que ele existe, mas no sono profundo não havia objetos e nem o observador.

No entanto, a mesma pessoa que fala agora existia também no sono profundo. Qual é a diferença entre esses dois estados?

Agora existem os objetos e a atividade dos sentidos, enquanto que no sono profundo não havia. Surgiu uma nova entidade: o ego.

O ego age através dos sentidos, percebe objetos, se confunde com o corpo, e afirma ser o Eu. Na realidade, aquilo que era no sono profundo continua a ser agora. O Eu Real é imutável. É o ego que surgiu entre os dois. Aquilo que surge e desaparece é o ego; aquilo que permanece imutável é o Eu Real.

A vigília, o sonho e o sono são apenas fases da mente. Eles não são o Eu Real. O Eu Real é a testemunha desses três estados. A sua verdadeira natureza continua existindo enquanto você dorme.

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O sono que se alterna com o estar desperto não é o verdadeiro sono; o estar desperto que se alterna com o sono não é o verdadeiro estar desperto. Você está desperto agora? Não.

O que você precisa fazer é acordar para o seu estado verdadeiro. Você não deveria nem cair no falso sono e nem ficar falsamente acordado.

Apesar de o Eu Real estar presente no sono também, ele não é percebido neste estado. Ele não pode ser conhecido no sono imediatamente. Deve-se primeiro realizá-lo no estado de vigília, pois ele é a nossa verdadeira natureza por trás dos três estados.

O esforço deve ser feito no estado de vigília e o Eu Real deve ser realizado aqui e agora. Então ele será percebido como o Eu contínuo e intocado pela alternância vigília-sonho-sono.

Com efeito, um dos nomes do verdadeiro estado de um ser realizado é o “Quarto Estado”’ (Turiya), que existe eternamente e está além dos três estados de vigília, sonho e sono.

Ele é comparado ao estado de sono profundo, pois é sem forma e não dual; no entanto está longe de ser o mesmo. No Quarto Estado o ego é absorvido pela Consciência, enquanto que no sono ele fica imerso na inconsciência.

Morte e Renascimento

Em nenhum outro ponto Ramana mostrou mais claramente que a teoria deve ser adaptada ao nível da compreensão do buscador do que quando ele respondia perguntas sobre a morte e renascimento.

Para aqueles que eram capazes de compreender a teoria não dualista em sua forma pura ele apenas explicava que esta pergunta não surge, pois como o ego não tem uma existência real agora, também não o terá após a morte.

P: As ações de uma pessoa nesta vida afetam os seus nascimentos futuros? R.: Você nasceu? Por que você se preocupa com nascimentos futuros? A verdade é que não existe nascimento e nem morte. Que aquele que nasceu pense sobre a morte e outros consolos para ela.

P.: A doutrina Hindu da reencarnação é correta? R.: Não é possível dar uma resposta definitiva. No Bhagavad Gita, por exemplo, até a presente encarnação é negada.

P.: A nossa personalidade não é sem começo? R.: Primeiro descubra se ela existe e depois faça a pergunta. Tanto os dualistas quanto os não dualistas concordam que a Auto-Realização é necessária.

Primeiro atinja-a e depois faça outras perguntas. Dualismo ou não-dualismo – isso não pode ser resolvido por meio de teorias apenas. Se o Eu Real for realizado, esta pergunta não surgirá.

Tudo o que nasce deve morrer; tudo o que é adquirido será perdido. Você nasceu? Não, você existe eternamente. O Eu Real nunca pode ser perdido. Ramana, desencorajava a preocupação com esses temas metafísicos, já que eles apenas distraem a pessoa do esforço de realizar o Eu Real aqui e agora.

Para que perguntar sobre o que acontece após a morte? Para que perguntar se você nasceu ou não, se você colhe os frutos de seu karma passado ou não? Você não terá essas perguntas daqui a pouco quando estiver dormindo. Por quê?

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Por acaso você agora é uma pessoa diferente do que era enquanto dormia? Não, você não é. Descubra porque essas perguntas não surgem quando você está dormindo.

No Bhagavad Gita Sri Krishna primeiro diz a Arjuna que ninguém nunca nasceu e depois que “você e eu já passamos por inúmeras encarnações. Qual dessas declarações é verdadeira? O ensinamento varia de acordo com a compreensão do ouvinte.

Quando Arjuna disse que não iria lutar contra e matar seus parentes para conquistar o reinado, Sri Krishna disse: “Não é que estes, você ou eu, não éramos antes, não somos agora, nem seremos depois. Ninguém nasceu, ninguém morre e não será assim daqui para a frente.”

Essas declarações parecem contraditórias, mas cada uma é verdadeira de acordo com o ponto de vista do ouvinte. Cristo também disse “Antes de Abraão ser, eu sou.”

Assim como nos sonhos você acorda depois de várias experiências novas, também depois da morte um novo corpo é encontrado.

Assim como os rios perdem a sua individualidade quando desaguam no oceano, e mesmo assim as águas evaporam e descem como chuva de volta para o rio e depois para o oceano, os indivíduos também perdem a sua individualidade quando vão dormir, mas retornam novamente de acordo com as suas tendências inatas prévias. Similarmente, na morte o ser também não é perdido.

Veja como uma árvore cresce novamente depois de seus galhos serem cortados. Enquanto a fonte da vida não é destruída, ela continua crescendo. Da mesma forma, no momento da morte as tendências latentes retornam ao coração, mas não são destruídas. É assim que os seres renascem.

No entanto, de um ponto de vista mais elevado ele responderia: Em verdade não existe nem semente nem árvore – existe apenas Ser. Ocasionalmente ele explicava o processo mais detalhadamente, mas sempre com a ressalva de que na verdade só existe o Eu imutável.

P.: Quanto tempo dura o intervalo entre a morte e o renascimento? R.: Pode ser longo ou curto, mas o Homem Realizado não passa por isso; ele é absorvido diretamente pelo Ser Infinito.

Alguns dizem que, após a morte, aqueles que tomam o caminho da luz não mais renascem, enquanto que aqueles que tomam o caminho da escuridão renascem depois de ter colhido os frutos do seu karma em seus corpos sutis.

Se os méritos e deméritos de um homem são iguais ele renasce imediatamente na Terra; se os seus méritos superam seus deméritos ele primeiro vai ao céu em seu corpo sutil, já se seus deméritos superam seus méritos ele vai primeiro ao inferno.

Mas em ambos os casos ele renasce posteriormente na Terra. Tudo isso é descrito nas escrituras, mas na verdade não existe nem nascimento nem morte; cada um simplesmente permanece como realmente é. Apenas isso é a Verdade.

Deus em sua misericórdia não revela este conhecimento às pessoas. Caso estas soubessem que haviam sido virtuosas no passado ficariam orgulhosas, ou então ficariam desanimadas por seus deméritos. Ambos são ruins. Basta conhecer o Eu Real.

Uma pessoa competente, que talvez já tenha se qualificado em encarnações passadas, compreende a verdade e fica em paz após ouvi-la apenas uma vez, enquanto outras que não são tão qualificadas têm que passar por vários estágios antes de alcançar o samadhi.

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Isso quer dizer que uma encarnação pode ser encarada como um dia de peregrinação rumo à Auto-Realização. Quão perto ou longe se está do objetivo final depende do esforço feito em dias passados; quanto vai se avançar depende do esforço feito hoje.

O sono é o estado intermediário entre dois estados de vigília, da mesma maneira que a morte é o estado intermediário entre dois nascimentos. Ambos são impermanentes.

Após a morte, o espírito não é descorporificado, apenas toma um corpo diferente. Se ele não estiver no corpo grosseiro estará em um corpo sutil, como no sono e no sonho acordado.

O Eu Real é contínuo e não é afetado por nada. O ego que reencarna pertence ao plano inferior, o do pensamento. Ele é transcendido pela Auto-Realização.

Perguntaram a Ramana se era possível conhecer o estado póstumo de um indivíduo, ele disse: é possível, mas para que tentar? Esses fatos são tão irreais quanto a pessoa que os vê.

P.: O nascimento de uma pessoa e sua vida e morte são reais para nós. R.: Sim, como você erroneamente se identifica com o corpo você pensa o outro como sendo um corpo também. Mas nem você nem ele são um corpo.

O nascimento do pensamento “eu” é o nascimento da pessoa, e a sua morte é a morte da pessoa. Depois de surgir o pensamento “eu”, a errônea identificação com o corpo também surge.

Assim como você pensa que o seu corpo nasceu, cresceu e vai morrer, você também pensa que o corpo do outro nasceu, cresceu e morreu. Você pensava sobre o seu filho antes dele nascer? O pensamento veio depois dele nascer, e continua após sua morte. Ele só é o seu filho na medida em que você pensa nele.

Para onde ele foi? Para a fonte de onde ele surgiu. Enquanto você continuar existindo ele continua também. Mas se você deixar de se identificar com o corpo e realizar o Eu Real essa confusão desaparecerá.

Você é eterno, e verá que os outros também o são. Enquanto isso não for realizado haverá sempre a tristeza e o desgosto, fruto dos falsos valores que são produzidos pelo conhecimento errôneo e pela identificação errônea.

O que importa para vocês quem morre ou o que é perdido? Morram vocês mesmos e se percam, tornando-se assim, com a extinção do ego, um com o Eu de todas as coisas.

As religiões dão importância ao estado mental em que a pessoa morre, e a seus últimos pensamentos antes da morte. Mas Ramana alertava as pessoas que é preciso estar bem preparado antes, caso contrário tendências mentais indesejáveis podem surgir de maneira incontrolável.

No Bhagavad Gita é dito que o último pensamento de uma pessoa no momento da morte determina o seu próximo nascimento. Mas é necessário experimentar a Realidade agora, nesta vida, a fim de poder experimentá-la no momento da morte.

Reflita se este momento é de qualquer maneira diferente do último momento na morte, e tente estar no estado desejado.

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Coração e Mente

Ramana ensinou que o Coração, e não a mente, é o verdadeiro centro da Consciência. Mas por “Coração” ele não quis dizer o órgão físico no lado esquerdo do peito, mas o coração espiritual no lado direito, e por “Consciência” ele não quis dizer pensamento, mas sim a pura Consciência ou o sentimento de ser.

Ele descobriu por experiência própria ser este o centro da consciência espiritual, e, posteriormente, viu sua experiência confirmada em algumas escrituras antigas. Quando Ramana instruía seus devotos a se concentrarem no Coração era para este coração espiritual, no lado direito do peito, que ele estava apontando.

Contudo, ele também falava do Coração como equivalente do Eu Real, e lembrava-os de que na verdade ele não está em absoluto situado no corpo, mas que transcende o espaço.

Esta é a minha experiência e eu não exijo nenhuma autoridade para ela; mesmo assim você pode encontrar uma confirmação dela em um livro Malayali sobre Ayurveda e também no Sita Upanishad.

Ele também mencionava o texto do Eclesiastes: “O coração do sábio fica na mão direita e o do tolo na mão esquerda”.

P.: Por que nós temos um lugar como o coração para nos concentrar durante a meditação? R.: Porque você busca a Consciência verdadeira. Onde você pode encontrá-la? Você pode alcançá-la fora de você mesmo? Você deve encontrá-la interiormente, e por isso você é direcionado para o interior. O Coração é o centro da Consciência ou a Consciência em si.

Eu lhe peço para observar onde o “eu” surge no seu corpo, mas não é muito certo dizer que o “eu” surge e retorna ao lado direito do peito. “Coração” é outro nome para a Realidade, e esta não está nem dentro e nem fora de seu corpo.

Por “coração” eu não quero dizer nenhum órgão fisiológico ou plexo ou nervos ou qualquer coisa do gênero; porém, enquanto o homem se identifica com o corpo ou pensa que é o corpo ele é aconselhado a observar aonde no corpo o pensamento “eu” surge e desaparece.

Só pode ser no lado direito do peito pois qualquer homem, de qualquer raça ou religião aponta para o lado direito do peito para referir-se a si mesmo quando ele diz “eu”. Isso é assim em qualquer parte do mundo, então esse deve ser o local.

Observando intensamente o surgimento do pensamento “eu” quando se acorda, e o seu retorno no momento de se pegar no sono, pode-se ver que isso acontece no coração no lado direito do peito.

É uma prática tântrica concentrar-se em um dos chakras ou centros espirituais do corpo, em geral sobre o ponto entre as sobrancelhas. O coração no lado direito do peito não é um destes chakras; no entanto Ramana explica brevemente que a concentração sobre o centro do coração é mais eficaz do que a concentração sobre qualquer chakra, mas menos eficaz do que a auto-inquirição pura.

A coisa mais importante é a investigação do “eu”, e não a concentração no coração. Não existe “interior” e “exterior” – ambas as palavras significam a mesma coisa ou nada em absoluto. Entretanto, também existe a prática da concentração no centro-coração, que é uma forma de exercício espiritual.

Apenas quem se concentra no centro-coração pode permanecer consciente quando a mente cessa sua atividade e fica imóvel, sem pensamentos.

Aqueles que se concentram em qualquer outro centro não conseguem manter a consciência vazia de pensamentos, mas apenas deduzir que a mente estava imóvel depois de ela ter voltado à atividade.

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Isso não significa que o pensamento é impossível durante o estado de consciência “Eu-Eu”, como é prova o próprio Ramana, que vivia constantemente neste estado. Para o ignorante o pensamento é como uma nuvem densa bloqueando-lhe a luz do sol.

Quando o topo da nuvem se abre, deixando assim a luz passar, nós podemos usar o pensamento sem ser iludido por ele.

Ramana às vezes comparava a mente de um Homem Realizado à lua no céu durante o dia, ela está lá, mas a sua luz é desnecessária, pois pode-se enxergar sem ela graças à luz direta do sol.

Sofrimento

As perguntas sobre o sofrimento eram mais pessoais do que universais, já que era a experiência da dor que levava as pessoas a buscar consolo nele. O consolo vinha através de sua influência silenciosa, mas mesmo assim ele também respondia perguntas teóricas.

A resposta habitual era propor ao buscador que ele descobrisse quem é que sofre, assim como ele convidava àqueles assolados por dúvidas a descobrirem quem é que duvida, pois o Eu Real está além do sofrimento e além da dúvida (logo eles descobririam que quem sofre e duvida é apenas o ego).

Ocasionalmente ele apontava que o que quer que faça a pessoa se sentir insatisfeita com a sua vida de ignorância e a faça buscar o Eu Real é benéfico, e que em geral isso acontece através do sofrimento.

A Bem-Aventurança do Eu Real sempre foi sua, e você a encontrará se buscá-la seriamente. A causa da sua infelicidade não está nas circunstâncias exteriores; ela está em você, é o ego. Você impõe limitações a si mesmo e depois luta em vão para transcendê-las.

Toda infelicidade e miséria vêm do ego. Ele é a origem de todos os seus problemas. Qual é a utilidade de atribuir a causa da infelicidade aos acontecimentos da vida quando a causa está realmente dentro de você?

Que felicidade você pode obter das coisas exteriores a você mesmo? Quando você a obtém, quanto tempo ela dura? Se você negar o ego e ignorá-lo, você estará livre. Se você o aceitar, ele irá lhe impor limitações e levá-lo a lutar em vão para superá-las.

Ser o Eu que você realmente é, é o único meio de realizar a Bem-Aventurança que é sempre sua.

O treinamento da mente ajuda a pessoa a suportar as dores e privações com coragem; mas a perda do próprio filho é a maior das dores. A tristeza só existe enquanto a pessoa pensa que possui uma forma definida, mas se a forma é transcendida a pessoa conhece o Eu Único como eterno.

Não existe nascimento nem morte. Apenas o corpo nasce, e o corpo é uma criação do ego. No entanto, o ego não é comumente percebido sem o corpo, e por isso você o identifica com o corpo. O que importa é o pensamento.

Que o homem sensato reflita sobre se ele percebia seu corpo durante o sono profundo ou não. Por que, então, ele o percebe no estado de vigília? Apesar de o corpo não ser percebido durante o sono, podemos nós dizer que o Eu Real não existia lá?

Qual era o seu estado durante o sono profundo e qual é o seu estado agora quando desperto? Qual é a diferença? O despertar é quando o ego surge. Simultaneamente os pensamentos aparecem. Descubra quem tem os pensamentos. De onde eles vieram? Eles devem surgir do eu consciente.

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Perceber isso, mesmo que vagamente, ajuda a enfraquecer o ego. Então a realização da Existência Única Infinita se torna possível.

Se um homem pensa que ele nasceu ele inevitavelmente sentirá medo da morte. Deixe que ele descubra se ele alguma vez nasceu ou se existe nascimento para o Eu Real.

Ele assim descobrirá que o Eu Real existe sempre e que o corpo, que é o que nasce, transforma-se em pensamento, e que o surgimento do pensamento é a raiz de todo o mal. Descubra de onde vêm os pensamentos, e então você permanecerá no mais íntimo e onipresente Eu, livre do conceito de nascimento e do medo da morte.

Se alguém que amamos morre isso causa sofrimento àquele que continua vivo. A maneira de se livrar do sofrimento é não continuar vivendo. Mate o sofredor – assim quem está lá para sofrer? O ego deve morrer, é o único jeito.

Você não está consciente do mundo e seus sofrimentos enquanto dorme, mas está agora quando acordado. Continue no estado no qual essas coisas não o afetavam.

Quando você não está consciente do mundo, isto é, quando você permanece como o Eu Real no estado de sono profundo, os seus sofrimentos não o afetam.

Portanto, volte-se para o interior e busque o Eu Real – com isso haverá um fim para o mundo e suas misérias.

O mundo não existe fora de você. Como você se identifica erroneamente com o corpo você vê o mundo como exterior a si mesmo, e então os seus sofrimentos aparecem; mas o mundo e seus sofrimentos não são reais. Busque a realidade e livre-se desse sentimento irreal.

Se você estiver livre do sofrimento não haverá sofrimento em parte alguma. O problema agora é que você vê o mundo como exterior a você mesmo e pensa que há sofrimento nele. Mas tanto o mundo quanto o sofrimento estão dentro de você. Se você se voltar ao interior não haverá mais sofrimento.

Enquanto você se considera o corpo você vê o mundo como exterior a você. É para você que essa imperfeição aparece. Deus é perfeição e sua obra também é perfeição, mas você a vê como imperfeita devido à sua identificação errônea com o corpo ou ego.

P.: Então por que o Eu Real se manifestou na forma desse mundo miserável? R.: Para que assim você possa buscá-lo. Os seus olhos não podem ver a si mesmos, mas se você segurar um espelho na sua frente eles poderão se ver. A criação é o espelho. Primeiro veja a si mesmo e depois veja o mundo como manifestação do Eu Real.

Você não é orientado a fechar os olhos para o mundo, mas apenas para ver a si mesmo primeiro e depois ao mundo todo como o Eu Real. Se você se considera um corpo o mundo parece ser exterior, mas se você vive como o Eu Real o mundo aparece como Brahman manifesto.

P.: Estou com dor de dente – isso é apenas um pensamento? R.: Sim.

P.: Então por que eu não consigo simplesmente pensar que meu dente está normal e assim me curar? R.: Não se sente a dor de dente quando se está absorto em outros pensamentos ou quando se está dormindo.

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P.: Mas ela ainda sim continua. R.: A convicção humana de que o mundo é real é tão forte que é difícil se libertar dela. Mas o mundo não é mais real do que o sujeito que o vê.

P.: Por que existe o sofrimento? R.: Se não existisse sofrimento como iria surgir o desejo pela felicidade? E se esse desejo não surgisse como poderia surgir a busca pelo Eu Real?

P.: Então todo o sofrimento é bom? R.: Sim. O que é a felicidade? Por acaso é possuir boa saúde, beleza e ter refeições regulares? Mesmo um Imperador tem inúmeros sofrimentos, ainda que ele tenha tudo isso. Todo sofrimento é devido à falsa noção “eu sou o corpo”. Libertar-se dessa falsa noção é chamado de Conhecimento (Jnana).

Pecado

O pecado ou o mal de qualquer tipo são o resultado de um egoísmo que não é controlado pela reflexão sobre os efeitos danosos que tais atos produzem nos outros e em nós mesmos.

As religiões buscam se proteger deles através de códigos morais e disciplinares, que têm por objetivo manter o ego dentro de certos limites e impedi-lo de ir para locais indesejados.

No entanto, um caminho espiritual que é tão radical e tão direto a ponto de negar a própria existência do ego não precisa se preocupar especificamente com os vários excessos deste. O ego como um todo deve ser renunciado.

Por mais pecadora que uma pessoa possa ser, se ela parar de se lamentar: “Ai de mim que sou um pecador! Como posso eu alcançar a libertação?” e, abandonando até mesmo o pensamento de que é pecadora, se dedicar zelosamente à auto-inquirição, ela com certeza se realizará o Eu (Atman).

Similarmente, para uma disciplina que tem por objetivo a completa transcendência do pensamento em favor da realização de um Eu supra-racional, a censura específica aos pensamentos negativos é desnecessária. Qualquer pensamento é uma distração.

Cultivar pensamentos positivos é útil na medida em que ajudam a manter longe os pensamentos negativos, mas eles próprios devem desaparecer antes da Realização.

Como a qualidade da pureza (sattva) é a verdadeira natureza da mente, a mente clara como um céu sem nuvens é a característica da expansão da consciência.

Sendo movida pela qualidade da atividade (rajas) a mente se torna inquieta e, influenciada pela qualidade de obscuridade (tamas) ela se manifesta como o mundo físico.

Quando a mente fica assim, por um lado inquieta e por outro surgindo como matéria sólida, o Real não é discernido.

A Realização da Verdade é impossível para a mente que tornou-se grosseira pela obscuridade (tamas) e inquieta pela atividade (rajas).Isso porque a verdade é muito sutil e serena.

A mente só se livra das suas impurezas cumprindo sem desejos seus deveres por muitas vidas, encontrando um bom Mestre, aprendendo com ele, e praticando sem cessar a meditação no Supremo.

Quando alguém reclamava que era muito fraco para resistir às tendências inferiores, Ramana simplesmente lhe dizia para se esforçar mais, ou simplesmente para confiar em Deus.

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P.: Eu sou um pecador e não desempenho nenhum dever religioso. Eu terei um renascimento doloroso por causa disto? R.: Por que você diz que é um pecador? A fé em Deus é suficiente para salvá-lo do renascimento. Jogue todo o seu fardo sobre Ele. A ilusão do nascimento e morte é mantida por Vós. Então confie em Deus e ele lhe salvará.

Prazer e dor são apenas aspectos da mente. A nossa natureza essencial é felicidade, mas nós esquecemos o Eu Real e imaginamos que o corpo ou a mente são este Eu. É essa identificação errônea que dá origem ao sofrimento.

O que fazer? Esta tendência está profundamente arraigada e cresceu forte por ter sido alimentada durante muitos nascimentos.

Ela deverá desaparecer antes da natureza essencial, que é Felicidade, poder ser realizada. O domínio do ego pode ser transcendido , não criando novas vasanas (tendências latentes).

Bem e mal são termos relativos. Deve existir um sujeito para que o bem e o mal sejam conhecidos. Esse sujeito é o ego, que termina no Eu Real. Ou, se preferir, você pode dizer que a fonte do ego é Deus. Essa definição talvez seja mais compreensível para você.

Deus

Superficialmente pode parecer que as declarações de Ramana Maharshi sobre Deus eram inconsistentes, já que em alguns momentos ele aconselhava a fé e a completa submissão a Deus, e em outros dizia que Deus era irreal. Mas na verdade não há contradição.

Aqueles que compreendiam o conceito do Eu não-dual podiam ver que este era seu verdadeiro Eu, o Eu de Deus e o Eu do mundo também, enquanto que aqueles que se apegavam à aparente realidade do seu ego só conseguiam entender o Eu Real como sendo o Deus que os criou.

Ele explicava de acordo com as necessidades de quem perguntava. Neste ponto, assim como em tantos outros, ele apontava a inutilidade de toda discussão. Seguir qualquer um desses dois caminhos era bom; teorizar sobre eles não.

Todas as religiões pressupõem três elementos fundamentais: o mundo, a alma, e Deus; mas é apenas a Realidade Una que se manifesta como esses três.

Só se pode dizer: “Os três são realmente três” enquanto existir o ego. Portanto, permanecer dentro do seu próprio Ser, após o ego morrer, é o estado perfeito.

“O mundo é real”, “Não, ele é apenas uma aparição ilusória”, “O mundo é consciente”, “Não é”, “O mundo é felicidade”, “Não é”, - qual é a utilidade dessas discussões?

O estado em que, tendo abandonado o ponto de vista objetivo, a pessoa conhece o seu Eu e assim transcende todas as noções de unidade ou dualidade, de si mesmo e do ego, é amado por todos.

Se a pessoa tem forma, o mundo e Deus também parecerão ter forma, mas se a pessoa é sem forma, quem está lá para ver essas formas, e como? A natureza dos objetos vistos pode ser diferente da do olho que os vê? O Eu Real é o verdadeiro Olho, e este Olho é Consciência infinita.

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Brahman não pode ser visto ou conhecido. Ele está além da relação tríplice do observador-visão-objeto visto ou conhecedor-conhecimento-objeto conhecido. Essa Realidade permanece sempre como é. O mundo ou a ignorância só existe devido à nossa ilusão.

Na verdade nem o conhecimento nem a ignorância são reais – a Realidade é o que está além deles, além de todos os pares de opostos. Ela não é nem luz nem escuridão, mas transcende ambas, embora às vezes nós falemos dessa Realidade como sendo Luz e a ignorância como sendo sua sombra.

Você se acredita um indivíduo. Acredita que] fora de você há o universo e que além do universo está Deus. Então há a idéia de separatividade. Esta idéia deve desaparecer, pois Deus não é separado de você nem do cosmos.

O Gita diz: “eu sou o Eu situado no coração de todos os seres; eu sou o início, o meio e o fim de todos os seres.”

Assim, Deus não apenas vive no coração de todos: Ele é o sustentáculo de todas as coisas. Ele é a fonte, a morada e o final de todas as coisas. Tudo vem Dele, fica Nele, e volta a Ele. Portanto Ele não é separado.

A verdade é que Brahman é tudo e é indivisível. Ele é sempre realizado. Mas o homem não sabe disso, e isso é tudo o que ele precisa saber. “Conhecimento” quer dizer superar os obstáculos que obstruem a revelação da Verdade Eterna de que o Eu e Brahman são idênticos.

Os obstáculos como um todo formam a sua idéia de ser um indivíduo separado. Portanto, a atual busca resultará na revelação da verdade de que o Eu não é separado de Brahman.

P.: Mas Deus é perfeito e eu sou imperfeito. Então, como eu posso conhecer Deus completamente? R.: Deus não diz isso. É você que o faz. Depois de descobrir quem você é, você saberá o que Deus é.

P.: Você descobriu quem você é, então, por favor, diga-me se Deus é diferente de você ou não. R.: Isso é um assunto experimental: cada um deve experimentar por si mesmo.

P.: Deus é infinito e eu sou finito. Eu tenho uma personalidade, e esta nunca pode se unir a Ele, não é verdade? R.: O infinito e a perfeição não admitem repartições. Se um ser finito está separado do Infinito então a perfeição do Infinito fica desfigurada. Assim, a sua afirmação é uma contradição.

O livre arbítrio é o presente surgindo para uma faculdade limitada de visão e vontade. Este mesmo ego, quando olha para suas atividades passadas, percebe que elas se desenvolveram segundo certas “leis” ou regras – sendo o seu próprio livre arbítrio um dos elos dessa corrente causal.

Então o ego percebe que a Onipotência e Onisciência Divinas agiram através do seu aparente livre arbítrio. Então a pessoa chega à conclusão de que o ego é guiado pelas aparências. As leis naturais são manifestações da vontade de Deus e foram por Ele estabelecidas.

P.: Deus é pessoal? R.: Sim, Ele é sempre a primeira pessoa, o Eu, sempre diante dos seus olhos. Mas como você dá prioridade às coisas mundanas, Deus parece ter recuado para segundo plano. Se você desistir de tudo e buscar apenas Ele, Ele permanecerá como o Eu Real.

P.: A Realização segundo o Advaita, é a união absoluta com o Divino, enquanto que o Dvaita diz que não há união. Qual dessas deve ser considerada a perspectiva correta? R.: Para quê especular sobre o que vai acontecer no futuro? Todos concordam que o eu existe. Não

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importando à qual escola de pensamento pertença o buscador sincero, que ele primeiro descubra o que é esse “eu”.

Aí então será o momento de saber o que é o estado final e se o “eu” será absorvido pelo Ser Supremo ou se ficará separado dele. É melhor manter uma mente aberta e não antecipar a conclusão.

Conhecimento do estado final não é útil para guiar o aspirante, porque você estaria seguindo um princípio errado. Você alcançará uma conclusão por meio do intelecto, sendo que este brilha apenas pela luz que vem do Eu Real.

Não é presunçoso por parte do intelecto julgar Aquilo que é a fonte da sua própria pequena luz? Como pode o intelecto, que nunca poderá alcançar o Eu Real, ser competente para analisar e ainda decidir a natureza do estado final de Realização?

É como tentar medir a luz do sol tendo como parâmetro a luz produzida por uma vela. A cera irá derreter muito antes da vela chegar mesmo que perto do sol. Ao invés de entregar-se à mera especulação, devote-se aqui e agora a buscar a Verdade que está sempre dentro de você.

P.: Por que as escrituras mencionam tantos deuses? R.: O corpo é apenas um, mas quantas funções diferentes não são realizadas por ele! A fonte de todas essas funções é apenas uma. O mesmo se dá com os vários deuses.

P.: Os deuses, Ishvara e Vishnu, e seus céus, Kailas e Vaikuntha, são reais? R.: Tão reais quanto você no seu corpo. Eles de fato existem. Estão em você. São apenas ideias suas.

P.: Deus está sujeito à dissolução cósmica ao final de um ciclo universal? R.: Como Ele poderia estar? Quando um homem realiza o Eu Real ele transcende a dissolução cósmica e é libertado; que dizer então de Ishvara (Deus criador), que é infinitamente mais sábio e capaz que o homem?

P.: Os deuses e demônios também existem? R.: Sim.

P.: Como devemos conceber a Suprema Consciência Divina? R.: Como aquilo que é.

P.: Nos livros sagrados usa-se muitos termos: Atman, Paramatman, Para, etc. Qual é a graduação entre eles? R.: Eles significam a mesma coisa para aqueles que usaram essas palavras, mas são entendidos diferentemente pelas pessoas, de acordo com seu nível de desenvolvimento.

P.: Mas para que usar tantas palavras para o mesmo significado? R.: Depende das circunstâncias. Todas querem significar o Eu Real. Para significa não relativo, ou além de relativo, ou seja, o Absoluto.

Por que se preocupar com Deus? Nós não sabemos se Deus existe mas sabemos que existimos, então primeiro concentre-se em si mesmo. Descubra quem você é. Não há nenhum agnosticismo nisso, já que Ramana, assim como o Buda, falava a partir do Conhecimento perfeito.

Ele apenas se colocava no lugar de quem fazia a pergunta e o aconselhava a se concentrar mais no que ele sabia do que no que ele meramente acreditava.

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Alguns dizem que Deus existe e que deve-se meditar sobre Ele e venerá-lo até que o indivíduo seja completamente absorvido em Deus. Outros dizem que o Ser Supremo e o indivíduo sempre permanecem separados e nunca se fundem.

Mas não vamos nos preocupar agora com o que acontece no final. Todos concordam que o indivíduo existe agora. Então que o homem o descubra, que ele descubra seu Eu. Depois ele poderá descobrir se o eu é absorvido no Supremo, se fica separado Dele, ou se é parte Dele.

Não antecipemos a conclusão. Mantenha uma mente aberta, mergulhe no seu interior e encontre o Eu Real. Assim você definitivamente começará a ver a verdade, então por que tentar decidir antes se a união é absoluta ou qualificada, ou se [não há união] a dualidade persiste? Não há porque fazer isto.

A sua decisão seria feita pelo intelecto e pela lógica, mas o intelecto deriva sua luz do Eu Real (Poder Maior), então como pode a sua luz refletida e parcial contemplar a Luz original em sua totalidade? Já que o intelecto não pode chegar ao Eu Real, como poderia ele determinar Sua natureza?

Apenas o Eu Superior é Real. Todo resto é irreal. A mente e o intelecto não existem separados de você. A Bíblia diz: “Permaneça imóvel e saiba que Eu sou Deus”. A quietude ou imobilidade é tudo o que é necessário para realizar que “Eu sou” é Deus.

O que é a meditação? É a suspensão dos pensamentos. Você é perturbado por seus pensamentos, que surgem um atrás do outro. Segure um só pensamento para que os outros sejam excluídos. A prática contínua dá a força mental necessária para meditar.

A meditação difere de acordo com o nível de desenvolvimento do buscador. Se a pessoa está preparada ela pode diretamente agarrar aquele que pensa, e então o pensador será naturalmente absorvido de volta à Fonte de onde surgiu, que é a Consciência Pura.

Se a pessoa não consegue diretamente agarrar o pensador, ele deve meditar sobre Deus e, com o tempo ela se tornará pura o bastante para agarrar o “eu” que pensa e mergulhar no Ser absoluto. No caso de ser escolhido o caminho da devoção, Ramana exigia a entrega absoluta.

Conheça a si mesmo antes de buscar conhecer a natureza de Deus e do mundo. Deus está dentro de você. A sua mente que divaga e seus caminhos desvirtuados é o que impede de conhecer a Si mesmo e a Deus.

O Deus interior remove os obstáculos se você alimentar a aspiração por Ele. A entrega em si é uma poderosa oração.

Se você acredita que Deus, vai fazer todas as coisas que você quer que Ele faça, então entregue-se a Ele. Caso contrário, deixe Deus em paz e conheça quem é você.

Entregar-se completamente significa que você deve aceitar a vontade de Deus, e não reclamar do que não lhe agrada. As coisas podem se revelar diferentes do que pareciam. O sofrimento e a aflição muitas vezes levam a pessoa a ter fé em Deus. Tudo o que você precisa é apenas confiar em Deus.

Você quer carregar o fardo do mundo. De quem é a culpa se o passageiro carrega suas malas no colo para sua própria inconveniência ao invés de acomodá-las no trem, que no final das contas é quem as carrega?

A entrega incondicional não admite nem mesmo a ânsia de alcançar a Realização rapidamente. Renda-se a Ele e aceite a Sua vontade quer Ele apareça ou desapareça. Aguarde Sua Vontade.

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Se você espera que Ele aja como você quer, isso é ordem e não entrega. Você não pode pedir que Ele lhe obedeça e ainda assim pensar que se entregou.

Deus sabe o que é melhor para você, e como e quando fazê-lo. Deixe tudo inteiramente com Ele. O fardo é Dele e você não deve mais se preocupar. Todas as suas preocupações e incumbências são na verdade Dele. Isso é entregar-se.

As pessoas rezam a Deus e no final da oração dizem: “Seja feita a Vossa vontade”. Se a vontade Dele vai ser feita, então por que eles oram? É verdade que a vontade Divina triunfa em todos os momentos e circunstâncias.

Os indivíduos não podem agir por si. Reconheça o poder da vontade Divina e permaneça em silêncio. Deus cuida de todos. Ele criou todos. Você é apenas um entre bilhões. Ele cuida de tantos – será que Ele se esquecerá de você? Mesmo o senso comum concorda que se deve aceitar a vontade Divina.

Não é necessário dizer a Ele o que você precisa. Ele conhece muito bem suas verdadeiras necessidades, e cuidará de atendê-las.

Em outras ocasiões, Ramana confirmava a eficácia das orações. Como em outros assuntos, ele apresentava o ponto de vista que melhor ajudaria o desenvolvimento espiritual daquele buscador em particular.

P.: As nossas preces são atendidas? R.: Sim, elas são atendidas. Nenhum pensamento é emitido em vão. Cada pensamento produzirá o seu efeito em um ponto ou em outro. A força do pensamento nunca será em vão.

Isso aponta para uma concepção muito mais ampla do que a idéia de um Deus antropomórfico que responde pessoalmente às nossas preces. Entender isso implica assumir responsabilidade por nossos pensamentos tanto quanto assumimos por nossas ações.

Cristo também disse que olhar para uma mulher com olhos de luxúria é um pecado tanto quanto cometer adultério com ela.

A alma (jiva), submetida à atividade tríplice da criação, preservação e destruição – que ocorre pela mera presença do Poder Maior – age de acordo com os seus karmas, retornando ao descanso depois de suas atividades.

Mas, Deus em Si mesmo não possui nenhuma intenção; nenhuma ação ou evento toca nem mesmo a franja do Seu Ser. Esse estado de distanciamento imaculado pode ser comparado àquele do sol, que não é afetado pelas atividades da vida.

Religiões

O ensinamento de Ramana não se opunha ao de nenhuma religião. Se filósofos e teólogos desejassem discutir assuntos metafísicos com o Maharshi ele se recusava e, ao invés disso, buscava levá-los à prática espiritual.

O conhecimento real desses assuntos só virá com a Iluminação, sendo de pouca utilidade todo o saber teórico a respeito disso.

A religião envolve dois modos de atividade, que podemos chamar de horizontal e vertical. Horizontalmente ela harmoniza e controla a vida do indivíduo e da sociedade de acordo com a fé e a moralidade, dando assim oportunidade e incentivo de levar uma boa vida rumo a uma boa morte.

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No seu aspecto vertical ela apresenta caminhos espirituais para aqueles que buscam atingir um estado mais elevado, ou realizar a verdade última durante esta vida terrena.

Horizontalmente as religiões são mutuamente excludentes, mas não realmente contraditórias, mas Ramana estava mais preocupado com seu aspecto vertical, os caminhos rumo à libertação, e portanto o seu ensinamento não colidia com nenhuma religião.

Ele guiava os que seguiam o caminho mais direto e central, que é a busca pelo Eu que ele ensinava; e, para este caminho, qualquer religião pode servir de base.

Ramana aprovava todas as religiões, e se alguém que não seguisse nenhuma religião formal fosse seguir seus ensinamentos, ele não pedia que eles escolhessem uma religião.

P.: É útil se banhar no Ganges? R.: O Ganges está dentro de você. Banhe-se neste Ganges; ele não vai fazer você tremer de frio.

P.: Nós deveríamos ler o Bhagavad Gita? R.: Sempre.

P.: Podemos ler a Bíblia também? R.: A Bíblia e o Gita são o mesmo.

P.: A Bíblia ensina que o homem nasce por meio do pecado. R.: O homem é pecado. Não existe o sentimento de ser um ser humano durante o sono profundo. O pensamento-corpo faz nascer a idéia do pecado. O nascimento do pensamento em si é o pecado.

P.: A Bíblia diz que a alma humana pode ser perdida. R.: O que é perdido é o pensamento-eu, que é o ego. O Eu Real é “Eu sou o que Eu sou”, e não pode ser perdido.

A doutrina da Trindade é explicada da seguinte forma: Deus o Pai é equivalente a Ishvara, Deus o filho é equivalente ao Guru, e Deus o Espírito Santo a Atman (o Eu Real). Deus aparece ao seu devoto sob a forma de Guru (Filho de Deus) e lhe aponta a imanência do Espírito Santo.

Deus é o Espírito; o Espírito está imanente em toda parte; e o Eu Real, que é o mesmo que Deus, deve ser realizado.

Ramana criticava o estar satisfeito com viver nos céus, sejam hindus ou outros, já que mesmo lá a forma continua e o Eu Único permanece oculto.

P.: Podemos ver Deus em uma forma concreta? R.: Sim. Deus está na mente. Uma forma concreta pode ser vista, mas isso ainda acontece na mente do devoto. A forma e aparência sob a qual Deus se manifesta são determinados pela mente do devoto. Mas isso não é a experiência última, pois há um sentimento de dualidade nela. É como um sonho ou visão.

P.: Qual é a melhor de todas as religiões? Qual é o seu método? R.: Todos os métodos e religiões são a mesma coisa.

P.: Mas diferentes métodos são ensinados para se alcançar a libertação. R.: Por que você quer ser libertado? Por que não continuar como você é agora?

P.: Eu quero me livrar do sofrimento. Dizem que a libertação é isso. R.: Isso é o que todas as religiões ensinam.

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P.: Mas qual é o método? R.: Volte para o lugar de onde você veio.

P.: De onde eu vim? R.: É exatamente isso que você precisa descobrir. Essas perguntas surgiam enquanto você dormia profundamente? Não, mas mesmo assim você existia durante o sono. Você não era a mesma pessoa?

P.: A experiência do estado mais elevado é a mesma para todos ou há diferença? R.: O estado mais elevado é o mesmo e a experiência também.

P.: Mas eu vejo diferenças nas interpretações dadas a essa verdade suprema. R.: As interpretações são feitas pela mente. As mentes são diferentes, e por isso as interpretações também diferem.

P.: Diferentes professores estabeleceram diferentes escolas e proclamaram diferentes verdades, assim confundindo as pessoas. Por que isso? R.: Todos ensinaram a mesma verdade, mas de pontos de vista diferentes. Essas diferenças são necessárias para satisfazer as necessidades de diferentes mentes em diferentes contextos, mas todos esses pontos de vista revelam a mesma verdade.

P.: Mas eles recomendavam caminhos diferentes. Qual eu devo seguir? R.: Você fala de “caminhos” como se você estivesse em um lugar e o Eu Real em outro, e que você devesse ir até lá atingi-lo. Mas na verdade o Eu Real está aqui e agora e você é e sempre foi Ele.

P.: Por que as religiões falam de deuses, céu, inferno, etc? R.: Apenas para as pessoas perceberem que essas coisas estão em par de igualdade com esse nosso mundo, e que apenas o Eu Superior é real. As religiões se expressam de acordo com o ponto de vista do buscador.

As pessoas não compreendem a verdade simples e crua – a verdade da sua experiência diária, sempre presente e eterna; a verdade do Eu Real! Existe alguém que não está consciente do Eu?

No entanto, as pessoas nem querem ouvir a respeito disso, mas estão ansiosas para saber o que há além – o céu e o inferno, a reencarnação, etc.

Como as pessoas amam o que é misterioso e não a verdade nua e crua, as religiões alimentam essas tendências, tudo para no fim levar as pessoas de volta ao Eu. Além disso, por mais que você viaje você deverá retornar ao Eu Real no final; então por que já não permanecer nele aqui e agora?

Todas as escrituras têm por objetivo apenas fazer com que o homem retroceda sob seus passos de volta à sua fonte original. Ele não precisa ganhar nada novo. Ele só precisa abandonar suas idéias falsas e inúteis.

Ao invés de fazer isso, entretanto, ele busca alcançar alguma coisa estranha e misteriosa, porque acredita que a sua felicidade está em algum outro lugar.

Todas as escrituras proclamam sem exceção que para se alcançar a libertação a mente deve ser transcendida. E, uma vez que a pessoa saiba que seu objetivo último é o controle da mente, é fútil fazer um estudo interminável delas.

O que é necessário para esse controle da mente é investigar dentro de si através da auto-interrogação “Quem sou eu?”. Como poderia essa investigação na busca pelo Eu ser feita através do estudo das escrituras?

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Você deve realizar o Eu Real através do seu próprio Olho da Sabedoria. Àquilo a que o “Eu” se refere está dentro dos cinco revestimentos, enquanto que as escrituras estão fora deles.

Por isso, é fútil buscar encontrar por meio das escrituras o Eu Real, que é realizado através da rejeição desses cinco revestimentos.

A Libertação consiste apenas em investigar “quem sou eu que estou preso?” e conhecer a sua própria natureza. A auto-inquirição (atma-vichara) é manter a mente constantemente interiorizada e fixada no Eu, enquanto que a meditação (dhyana) consiste em contemplar fervorosamente “eu sou o Absoluto (Brahman)”, que é Ser-Consciência-Beatitude (Sat-Chit-Ananda).

Chegará um momento em que você deverá esquecer tudo o que aprendeu. O Homem Realizado é Aquele a que se referem todos os atributos enumerados nas escrituras. Para ele, portanto, esses textos sagrados são completamente inúteis.

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Da Teoria à Prática

Shankara diz que nós somos todos livres e que retornaremos a Deus, de onde viemos, como as faíscas retornam para o fogo. Se isso é assim, por que nós deveríamos evitar cometer más ações?

Para o Eu Real não há prisão e você retornará à sua Fonte mais cedo ou mais tarde. Mas enquanto isso, se você cometer más ações você terá que enfrentar as suas consequências. Você não pode escapar disso.

O Ordenador controla o destino das almas de acordo com o seu prarabdha karma . O que quer que esteja destinado a não acontecer não irá acontecer, por mais que você se esforce. O que quer que esteja destinado a acontecer irá acontecer, não importando o que você faça para evitá-lo.

Todas as atividades que o corpo deve passar foram determinadas no momento em que ele veio á existência. Não cabe a você aceitá-las ou rejeitá-las. A única liberdade que você tem é voltar-se para dentro e aí renunciar às atividades.

Apenas os eventos mais importantes da vida humana estão predeterminados, ou os atos triviais tais como tomar um copo d'água também estão?

Tudo é predeterminado. O livre arbítrio existe junto com a individualidade. Enquanto houver individualidade haverá livre arbítrio. As escrituras todas se baseiam nesse ponto e aconselham direcionar o livre arbítrio na direção certa.

D.: Então qual é a responsabilidade e qual é o livre arbítrio do homem? B.: Por que este corpo surgiu? Ele foi feito para passar pelas várias experiências que foram determinadas para a pessoa nesta vida. Quanto à liberdade, o homem é sempre livre para não se identificar com o corpo e para não se deixar afetar pelos prazeres e dores daí resultantes.

A questão do livre arbítrio ou predestinação não surge do ponto de vista da não-dualidade. E como se um grupo de pessoas que nunca tivesse ouvido falar do rádio se reunisse em tomo de um, discutindo se o homem dentro da caixinha é obrigado a cantar o que lhe transmitem ou se ele pode mudar as letras.

A resposta é que não há homem dentro da caixinha, e portanto essa pergunta não surge. Similarmente, a resposta à pergunta se o ego tem livre arbítrio ou não é que não existe ego, portanto a pergunta é irrelevante.

De acordo com o ensinamento de Bhagavan a individualidade possui apenas uma existência ilusória. Enquanto a pessoa imaginar que tem uma individualidade ela também imaginará que esta possui livre arbítrio. Os dois coexistem.

O problema da predestinação e do livre arbítrio sempre atormentou os filósofos e teólogos, e sempre continuará a fazê-lo, pois ele é insolúvel no plano da dualidade, ou seja, no plano da suposição de que existe um ser que é o Criador e todos os outros seres, separados Daquele, que são as criaturas.

Se estas têm livre arbítrio então Ele não é onipotente e onisciente - Ele não sabe o que vai acontecer, pois isso depende do que eles decidem; e Ele não pode controlar todos os acontecimentos, pois elas têm o poder de mudar seu curso.

Por outro lado, se Ele é onisciente e onipotente Ele já sabe todo o que vai acontecer e controla tudo, portanto as criaturas não têm nenhum poder de escolha, ou seja, nenhum livre arbítrio.

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Mas no nível de advaita ou não-dualidade o problema desaparece. Na verdade o ego não tem livre arbítrio, pois não há ego; mas a nível de realidade aparente o ego consiste de livre arbítrio - é a ilusão do livre arbítrio que cria a ilusão de existir um ego.

Descubra quem tem livre arbítrio ou predestinação e permaneça nesta fonte. Então, ambos são transcendidos. Esse é o único propósito de se discutir essas questões. Para quem surgem estas questões? Descubra isso e fique em paz.

O único caminho do karma, bhakti , yoga e jnana é investigar quem é que tem karma, vibhakti (falta de devoção), viyoga (separação) e ajnana (ignorância).

Através dessa investigação o ego é descoberto como inexistente, e esses defeitos são inexistentes. A Verdade é então revelada: nós somos e sempre fomos o Eu Real livre dessas qualidades negativas.

Enquanto o homem se considerar o agente ele também colherá os frutos de suas ações; mas assim que ele realiza o Eu através da investigação "Quem age?", seu sentimento de ser o agente desaparece, e o karma triplo se extingue. Esse é o estado de libertação eterna.

Todos nós somos na verdade Sat-chit-ananda (Existência- Consciência-Beatitude), mas as pessoas imaginam que estão presas e por isso experimentam todo esse sofrimento.

A pessoa passa por inúmeras austeridades e disciplinas apenas para tomar-se aquilo que já é. Todo esforço tem como único propósito libertar a pessoa da falsa impressão de que ela está limitada e presa ao sofrimento de samsara.

D.: Existe predestinação? E se o que está destinado a acontecer irá acontecer de qualquer maneira, há alguma utilidade em orar ou nos esforçarmos? B.: Só há duas maneiras de conquistar o destino ou ser independente dele. Uma é investigar quem está submetido a esse destino e descobrir que é apenas o ego que está preso a ele e não o Eu Real, e que o ego é não-existente.

A outra forma é matar o ego através da entrega absoluta a Deus, e deixando que Deus faça o que quiser com você. A verdadeira entrega é amar a Deus pelo próprio amor, e não a fim de ganhar alguma outra coisa, nem mesmo a salvação.

Em outras palavras, para conquistar o destino é preciso apagar o ego completamente, quer você faça isso por meio da auto-inquirição (atma-vichara) ou por meio do caminho da devoção.

O esforço é necessário. Na vida real todos percebem isso. O homem faz o esforço físico de colocar a comida na boca e mastigar; ele não diz: Qual é a utilidade de comer se eu estiver predestinado a morrer de fome? Por que aplicaríamos uma lógica diferente ao esforço espiritual?

D.: Poderia o Bhagavan explicar qual é a melhor maneira de praticar meditação e qual forma o objeto da meditação deveria ter? B.: A consciência sem esforço e sem escolhas é a nossa verdadeira natureza. Mas a pessoa não consegue alcançá-lo sem o esforço da prática deliberada da meditação, pois todas as vasanas (tendências mentais latentes) enraizadas a levam em direção aos objetos dos sentidos.

Todas essas vasanas devem ser abandonadas e a mente deve ser interiorizada e ficar em silêncio, mas isso requer esforço. Mesmo se você encontrar alguém que alcançou espontaneamente esse estado supremo de quietude pode ter certeza que é porque todo o esforço já foi feito em vidas passadas.

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Assim, a consciência natural e não discriminativa só é alcançada depois do esforço da meditação. A forma da meditação vai depender do que lhe atrai mais. Veja o que lhe ajuda a afastar todos os outros pensamentos e adote isso para sua meditação.

A Bem-Aventurança é o resultado da quietude, mas por mais que você diga à sua mente essa verdade, ela não ficará quieta. É a mente que diz para a mente ficar quieta a fim de atingir essa Felicidade, mas ela não o faz.

Sempre nos perdemos no mundo de Maya (ilusão) e dos objetos dos sentidos. É por isso que é necessário o esforço consciente e deliberado para se alcançar esse estado de quietude natural.

Até o estado natural supremo ser alcançado, é impossível ao homem não fazer esforço. A sua própria natureza o compele ao esforço.

D.: Eu deveria então tentar não fazer esforço algum? B.: Agora é impossível para você não se esforçar; quando você for mais fundo, o esforço é que será impossível.

Se você consegue apenas permanecer quieto sem se envolver em nenhuma outra atividade, isso é ótimo. Mas se isso não for possível, qual é a utilidade de permanecer inativo apenas em relação à busca pela Realização?

Enquanto você for obrigado a ser ativo não desista do esforço de Realizar o Eu verdadeiro.

A meditação é uma luta, assim que você começa a meditar outros pensamentos o invadem, ganham força, e tentam esmagar o pensamento ou objeto único que você tenta manter. Com a prática repetida, a capacidade da mente de manter-se nesse pensamento único aumenta gradualmente.

Quando o pensamento ou objeto único for forte o suficiente os outros pensamentos serão expulsos. Essa é a batalha constante da meditação. Enquanto houver ego o esforço é necessário. Quando o ego cessa as ações se tornam espontâneas.

Ninguém tem sucesso sem esforço. O controle da mente não é seu direito de nascença, os poucos que dominam a mente alcançaram isso graças ao seu esforço perseverante.

D.: Por que eu deveria tentar alcançar a Realização? B.: Em um sonho você nem suspeita que está sonhando, e por isso você não tem nenhuma obrigação de se esforçar para sair dele. Mas nesta vida você tem alguma intuição de que ela é uma espécie de sonho, e essa intuição lhe traz o dever de fazer um esforço para acordar.

Mas quem vai querer que você realize o Eu Real se você não o quiser? Se você prefere estar nesse sonho continue assim como você é. Lembre-se de que mesmo esse esforço espiritual é parte da ilusão de que você é um ser individual.

A nossa vida acordado é também um sonho, semelhante ao que temos enquanto dormimos. Mas em nossos sonhos nós não fazemos nenhum esforço consciente para nos livrarmos dele e acordar, pois o sonho chega a um fim naturalmente e então acordamos.

Por que o estado de vigília, que não passa de sonho, não chega a um fim por si só sem nenhum esforço da nossa parte, nos deixando assim no verdadeiro despertar ou Realização?

Você pensar que deve fazer um esforço para se libertar desse sonho da vigília, e os esforços que você faz para alcançar a Realização, são tudo partes do sonho.

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Quando você alcançar a Realização você verá que não havia nem o sonho do sono nem o estado de vigília, mas apenas você mesmo e seu verdadeiro estado em todos os momentos.

D.: É verdade que apenas aqueles que são escolhidos pata a Auto-Realização a alcançam? B.: Isso apenas significa que nós não podemos atingir a realização do Eu pelo poder de nossa própria mente se não tivermos a ajuda da graça de Deus. A graça não vem arbitrariamente, mas vem de acordo com o merecimento pelos esforços feitos nesta vida ou em vidas passadas.

A Graça é necessária para remover a ignorância, mas a Graça está sempre presente. A Graça é o Eu verdadeiro. Ela não é algo novo a ser obtido. Tudo o que é preciso é conhecer sua existência.

O sol está lá, brilhando, e você está cercado pela luz solar; mesmo assim, se você quiser conhecer o sol você deve voltar os olhos na sua direção e olhar para ele. Da mesma forma, a Graça só é encontrada por meio do esforço, embora ela esteja sempre aqui e agora.

Entregue-se de uma vez por todas e acabe com o desejo. Enquanto houver a noção de que você é o agente, o desejo vai continuar, e assim o ego também.

A prisão é o sentimento de ser o agente, e não as ações em si. Permaneça quieto e saiba que “Eu sou Deus". A quietude é a entrega total, sem nenhum vestígio de individualidade. Então a quietude prevalecerá e não haverá agitação na mente.

A agitação mental é a causa do desejo, do sentimento de ser o agente, e da personalidade. Se ela é aquietada há o silêncio. Nesse sentido, conhecer significa ser.

Se a mente imatura não sente a graça de Deus isso não significa que esta não está presente, pois isso implicaria que às vezes Deus não é gracioso. Cristo disse: "Cada um receberá de acordo com a sua fé".

Para a realização do Ser, a ajuda do Atman é necessária, pois foi o próprio Atman que se ocultou sob o véu de Maya. Quando o sol nasce apenas algumas flores desabrocham, mas não todas. Isso é culpa do sol? As flores não podem desabrochar por si mesmas; elas precisam da luz do sol para isso.

D.: Se Atman velou a si próprio não deveria ele mesmo remover esse véu? B.: Ele o fará. Mas perguntem-se, quem está reclamando do véu? Se é o Atman que reclama do véu então ele o removerá. Voltar-se a Deus e desejar sua graça já é em si resultado da sua Graça.

Se um homem ignorante não está consciente do Atman que ilumina a si próprio, isso é o resultado da sua própria ignorância. O Senhor Supremo é graça eterna. Por isso na verdade não existe nenhum ato pessoal de "dar" a Graça.

Dúvidas sempre surgem, mas não é possível esclarecer todas as dúvidas. Ao invés disso, descubra para quem as dúvidas surgem. Vá à fonte do "eu" que duvida e fique lá. Então as dúvidas param de surgir. É assim que as dúvidas devem ser afastadas.

A graça não é algo fora de você. Na verdade, o seu desejo por obter graça é um resultado da graça que já está trabalhando em você. Por "graça" entende-se tanto a graça de Deus quanto a graça do Guru.

Sua prática já é um resultado dessa graça. Os frutos da graça surgem naturalmente através da prática.

A Graça do Guru está sempre ai. Você imagina que ela está em algum lugar lá no alto do céu e que deve descer, mas na verdade ela está dentro de você, no seu coração, e no momento em que você mergulha a mente na sua Fonte, a Graça surge como que jorrando de uma fonte no seu interior.

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— Capítulo Três —

A VIDA NO MUNDO

Uma vez que alguém decida começar a praticar os ensinamentos de Bhagavan, uma pergunta que pode surgir é como isso irá afetar a sua vida no mundo. O Hinduísmo não necessariamente prescreve uma renúncia física como condição para uma vida espiritual ativa.

Pelo contrário, a condição da família é honrada e o caminho da ação correta é visto como legítimo, um homem só deveria se entregar à vida sem lar de um renunciante depois de ter cumprido os seus deveres como chefe de família.

Se você se tornar um sannyasin (renunciante) você será perseguido pelo pensamento de que é um sannyasin. Sua mente irá persegui-lo quer você viva em casa quer renuncie ao mundo para viver numa floresta.

O ego é a fonte do pensamento; ele cria o corpo e o mundo, e faz você acreditar que é uma pessoa do mundo. Se você renunciar, o ego simplesmente substitui a ideia "sou uma pessoa mundana" pela ideia "sou um renunciante".

Os obstáculos mentais estarão lá à sua espera, eles até aumentam bastante em novos ambientes. Mudar de ambiente não ajuda. O único obstáculo é a mente, e essa precisa ser superada, em casa ou na floresta. Os seus esforços podem ser feitos agora mesmo, qualquer que seja o ambiente.

D.: É possível desfrutar o samadhi mesmo enquanto estamos ocupados com o trabalho mundano? B.: O sentimento "eu trabalho" é o obstáculo. Pergunte-se: "Quem trabalha?". Lembre-se quem é você. Então o trabalho não irá aprisioná-lo; ele prosseguirá automaticamente. Não faça nenhum esforço nem para trabalhar nem para renunciar ao trabalho; o seu esforço é que é a prisão.

O que está destinado a acontecer irá acontecer. Se você está destinado a trabalhar não poderá evitar o trabalho; você será forçado a se envolver com ele.

Se você está destinado a não trabalhar, não conseguirá encontrar trabalho. Portanto, deixe isso nas mãos do Poder Maior. Não é escolha sua se você renuncia ou não.

D.: Acredito que a castidade é necessária para o sucesso na auto-inquirição, estou certo? B.: Primeiro descubra quem é o marido e quem é a esposa. Então essa pergunta não vai surgir.

Brahmacharya significa "viver em Brahman" e não propriamente "celibato" como é geralmente entendido. Um verdadeiro Brahmachari é alguém que vive em Brahman e encontra a felicidade em Brahman, que é idêntico ao Eu Real. Então por que deveria ele procurar outras fontes de felicidade?

O celibato é somente uma ajuda entre outras. Um homem casado também pode alcançar a compreensão do Eu Real É uma questão de aptidão mental. Casado ou não o homem pode realizar o Eu Real, pois este está aqui e agora.

"Sannyasa" significa renunciar à sua individualidade, e não raspar a cabeça e vestir um manto ocre. Uma pessoa pode ser alguém do mundo, mas se ela não tiver nenhum pensamento a respeito disso e abandonar as noções "eu sou um chefe de família", então na verdade ela é um sannyasin.

Da mesma forma, mesmo que alguém se vista como um renunciante e viva como tal, se ele tiver a noção "sou um renunciante" então não o é. Pensar sobre a própria renúncia frustra a sua finalidade.

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Os seus deveres ou ocupações na vida não devem atrapalhar o seu esforço espiritual. No trabalho você está desapegado: você apenas cumpre o seu dever e não se importa com o que vai acontecer, não está preocupado com o ganho ou perda do seu chefe ou empregador.

Já os seus deveres com a família são desempenhados com apego, você está sempre preocupado se as suas ações vão trazer benefício a você e sua família. Mas é possível desempenhar todas as atividades da vida com desapego e ver apenas o Eu Superior como real.

É errado pensar que se você permanecer fixado no Eu Real as obrigações da vida não serão bem desempenhadas. É como um ator no palco, ele se veste do personagem, age como ele e até sente que é parte da peça, mas na verdade sabe que na vida real não é o personagem.

Por que deveria o sentimento "eu sou o corpo" lhe perturbar, uma vez que você saiba que na verdade você não é o corpo, mas sim o Eu Real? Nada que o corpo faça deveria afastá-lo da permanência como Eu real.

É possível a um sábio chefe de família cumprir seus deveres sem nenhum apego, considerando a si mesmo apenas como um mero instrumento para isso. Uma atividade assim não é um obstáculo ao Caminho da Sabedoria (Jnana).

Apenas aos olhos dos outros parece que o chefe de família iluminado está envolvido com suas tarefas domésticas, interiormente ele está imóvel e nada faz. As suas atividades exteriores não o impedem de viver a paz perfeita da solidão.

D.: Eu deveria me afastar do trabalho e me dedicar ao estudo do Vedanta? B.: Se os objetos tivessem uma existência independente, então seria possível você se afastar deles. Mas a existência deles depende de você, do seu pensamento. Então onde você pode ir para fugir deles?

Quanto a estudar o Vedanta, você pode continuar lendo quantos livros quiser sobre o assunto - os livros só podem lhe dizer para realizar o Eu Real que está dentro de você. O Eu Real não pode ser encontrado nos livros. Você precisa encontrá-lo por você mesmo, em você mesmo.

D.: É útil fazer um voto de silêncio? B.: A entrega é o silêncio interior, e entregar-se significa viver sem um sentido de ego.

A solidão está na mente do homem. Um homem pode estar em meio a uma multidão e se manter uma perfeita serenidade mental. Uma pessoa assim está sempre em solidão.

Outra pode viver em uma floresta, mas mesmo assim ser incapaz de controlar sua mente, não se pode dizer que ele vive em solidão.

A solidão é uma atitude da mente. Um homem apegado às coisas da vida não está sozinho nunca, não importa onde ele esteja, enquanto que um homem desapegado vive sempre na solidão.

Quando a mente se interioriza, ela permanece ativa de uma forma diferente, e então a pessoa não está ansiosa por falar. A finalidade do voto de silêncio é limitar as atividades mentais provocadas pela fala, mas se a mente é controlada diretamente isso se torna desnecessário e o silêncio passa a ser natural.

Não é possível abandonar as atividades se a mente não estiver madura para isso. A ação feita abnegadamente purifica a mente e a ajuda a concentrar-se na meditação.

D.: Mas e se eu fosse apenas meditar e não fazer mais nada? B.: Tente e veja. As suas tendências mentais inerentes não lhe deixarão em paz. A meditação só acontece passo a passo, com o enfraquecimento gradual das tendências por meio da graça do Guru.

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Você deve ficar onde você está agora. Mas onde está você? Você está na casa ou a casa está em você? Existe alguma casa separada de você? Se você se estabilizar na sua própria morada você verá que todas as coisas desaparecerão em você e perguntas como essas se tornarão desnecessárias.

O mundo está apenas na mente. Ele não declara: "Eu sou o mundo!". Se o fizesse, ele deveria ser algo permanente e sempre presente, mesmo no seu sono. Como o mundo não está presente durante o sono, ele é impermanente. Sendo impermanente, não é real.

Apenas o Eu é permanente. Renúncia é a não-identificação do Eu com o não-Eu. Quando a ignorância desaparece, o não-Eu cessa de existir. Essa é a verdadeira renúncia.

D.: Então por que você deixou sua casa quando era jovem? B.: Esse era meu prarabdha-karma (destino desta vida). A trajetória de vida de cada pessoa é determinada pelo seu prarabdha. Meu prarabdha é desta maneira; o seu, de outra.

D.: Por que o mundo está envolto em ignorância? B.: Cuide de si mesmo e deixe que o mundo cuide dele mesmo. O que é o seu eu? Se você é o corpo então também existe um mundo físico, mas se você é o Espírito então apenas o Espírito existe.

D.: O que o Bhagavan acha da reforma social? B.: A auto-reforma automaticamente reforma a sociedade. Cuide de sua reforma interior e a reforma social irá cuidar de si mesma.

Tudo o que é necessário, então, é se submeter completamente à vontade de Deus e cumprir seus deveres, representando com total confiança seu papel no palco da vida. Isso é tudo o que se espera da pessoa, ela não é responsável pelos resultados das suas ações, só Deus é.

B.: Agora eu lhe farei uma pergunta: quando um homem entra no trem onde ele coloca sua bagagem? D.: No bagageiro.

B.: Ele não a carrega na sua cabeça ou no colo, não é? D.: Seria tolice fazer isso.

B.: No entanto, é mil vezes mais tolo querer carregar o seu próprio fardo uma vez que se tenha iniciado a busca espiritual, quer seja pelo caminho do conhecimento (jnana) quer pelo da devoção (bhakti).

É tolice dizer que você carrega e sustenta todos os cuidados, fardos e responsabilidades da vida. O Senhor do universo carrega todo o fardo – você apenas imagina fazê-lo. Você pode seguramente entregar todos os seus fardos e problemas a Ele.

Então o que quer que você precise fazer acontecerá no momento certo, e você será apenas um instrumento para isso. Não imagine que você não possa agir a não ser que tenha o desejo de fazê-lo. Não é o desejo que lhe dá a força necessária (para agir), a força é a de Deus.

D.: O Bhagavan faria a gentileza de dar a sua opinião a respeito do futuro do mundo, já que estamos vivendo em tempos de crise? B.: Por que se preocupar com o futuro? Você nem conhece o presente direito. Cuide do presente e o futuro cuidará de si próprio.

Existe um Ser que governa o mundo e é Sua tarefa cuidar dele. Aquele que deu vida ao mundo também sabe como cuidar dele. Ele carrega o fardo do mundo, e não você.

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Como você é, assim é o mundo. Qual é a utilidade de tentar entender o mundo sem entender a si mesmo? Os buscadores da Verdade não precisam se preocupar com isso. As pessoas desperdiçam sua energia com essas perguntas desnecessárias.

Primeiro descubra a Verdade por trás de você, e então você estará em uma posição melhor para entender a Verdade por trás do mundo do qual você é uma parte.

Isso não significa que o ensinamento de Ramana Maharshi incentivava a frieza ou indiferença ao sofrimento humano. Aqueles que sofriam deveriam ser ajudados, mas ajudados num espírito de humildade.

O que ele desencorajado era o sentimento de auto-importância inerente ao esforço de tentar fazer o papel da Providência.

Do ponto de vista de Jnana ou Realidade, o sofrimento é um sonho, assim como o mundo inteiro, do qual esse sofrimento é uma parte ínfima, também o é. No sonho que você tem enquanto dorme você sente fome e vê os outros sofrendo de fome.

Você se alimenta e, movido por compaixão, alimenta os outros que também passam fome. Enquanto o sonho durava, todo esse sofrimento era tão real quanto é o sofrimento que você vê no mundo agora. Foi só depois de acordar que você descobriu que esse sofrimento era irreal.

Você pode ter comido bastante antes de dormir, mas mesmo assim você sonhou que estava trabalhando o dia inteiro sob o sol ardente e que estava cansado e com sono. Então você acorda e descobre que seu estômago estava cheio e que você não saiu da cama.

Mas isso não significa que enquanto você está no sonho você pode agir como se o sofrimento que sentisse não fosse real. A fome no sonho deve ser satisfeita pela comida do sonho. As outras pessoas famintas que você encontra no sonho devem ser alimentadas com comida do sonho.

Você nunca pode misturar os dois estados, o sonhar e o estar desperto.

Da mesma forma, até que você alcance o estado de Realização, e assim desperte desse mundo fenomênico ilusório, você deve aliviar o sofrimento alheio sempre que entrar em contato com ele.

Mas mesmo assim você deve agir sem ego, isto é, sem o sentimento de que é você quem está agindo e ajudando.

Em vez disso você deve sentir: "Eu sou o instrumento de Deus". Você também não deve ser vaidoso e pensar: "Eu estou ajudando um homem que está numa situação pior que eu. Ele precisa de ajuda e eu posso ajudá-lo. Eu sou superior e ele é inferior".

Você deve ajudá-lo como um meio de venerar a existência de Deus nele. Todo serviço feito assim é um serviço prestado ao Eu Real, e não a ninguém em particular. Você não está ajudando ninguém além de si mesmo.

Em geral o Bhagavan desencorajava a atividade política dentre aqueles que se dedicavam à busca. O seu dever é Ser, e não ser isso ou aquilo. "Eu sou o que sou" resume toda a Verdade. E o método é a quietude.

Mahatma Gandhi se rendeu ao Poder Divino e trabalhou sem nenhum interesse pessoal. Ele não se preocupa com os resultados de suas ações, mas aceita-os como eles vêm. Essa deve ser a atitude de todos aqueles que trabalham.

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D.: Dizem que há vários santos no Tibete que vivem solitariamente e mesmo assim ajudam muito o mundo. Como pode isso? B.: Isso é perfeitamente possível. A Realização do Eu é a maior ajuda que pode ser dada à humanidade. Por isso é que se diz que os santos ajudam, mesmo que eles vivam sozinhos em florestas.

Mas deve ser lembrado que a solidão não está apenas nas florestas: mesmo em meio à grande atividade mundana a pessoa pode estar interiormente em silêncio.

D.: Não é necessário que os santos se misturem com os outros? B.: O Eu Real é a única Realidade; o mundo e o resto não são reais. O Ser Realizado não vê o mundo como algo diferente de si mesmo.

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— Capítulo Quatro —

O GURU

D.: O Bhagavan disse que sem a graça do Guru o Eu não pode ser realizado. Qual é o significado disso? B.: Do ponto de vista do caminho do conhecimento (jnana marga), o Guru é o estado supremo do Eu Real. Ele é diferente do "eu" ego que você acredita ser.

O ego é o ser individual, e ele não é o mesmo que o Eu Real, que é Deus. Quando o ego se aproxima de Deus com devoção sincera, Deus graciosamente toma um nome e uma forma e atrai o devoto para Si. Por isso se diz que o Guru nada mais é do que Deus. Ele é uma corporificação da Graça Divina.

No caso de algumas grandes almas, não é preciso a figura do Guru,Deus se revela como a Luz da Luz interior.

Um Guru não precisa necessariamente ter uma forma física. Dattatreya disse que teve vinte e quatro Gurus - os cinco elementos, etc. Isso quer dizer que qualquer forma no mundo era seu Guru. O Guru é absolutamente necessário.

Primeiro o homem reza a Deus para ter seus desejos satisfeitos. Mas chega um dia em que ele não busca mais a satisfação desses desejos, mas ora para encontrar Deus. Então, Deus aparece ao devoto como Guru, seja em forma humana ou em outra forma, para assim guiá-lo à Realização.

Em alguns casos raros o Guru não precisa necessariamente tomar uma forma humana.

Deus, Guru, e Eu Real são a mesma coisa. No senso comum do mundo um Guru é alguém que foi investido do poder de iniciar discípulos e lhes prescrever uma disciplina espiritual.

A autoridade deste Guru e a validade de sua iniciação e ensinamento dependeriam mais de sua investidura legítima como sendo sucessor de uma linhagem de Gurus, do que das suas próprias "conquistas espirituais".

D.: Há algum benefício em recitar mantras escolhidos ao acaso, sem ter sido iniciado neles? B.: Não. A pessoa deve ter sido iniciada neles e autorizada a usá-los.

Normalmente quando Bhagavan dizia "Guru" ele queria dizer algo muito maior do que isso. Ele se referia ao Sad-Guru, ou Gurudeva, e isso, no significado mais elevado, nada mais é do que alguém que compreendeu sua identidade com o Eu Real.

O Guru é alguém que permanece constantemente imerso nas profundezas do Eu Real. Ele nunca vê nenhuma diferença entre os outros e si mesmo, e está livre até mesmo da ideia de que ele é o Iluminado ou o liberto.

Upadesa significa literalmente "devolver um objeto para o seu lugar apropriado". A mente do discípulo, que se tornou diferenciada da sua fonte original de Puro Ser, se afasta dela e busca constantemente os objetos de gratificação dos sentidos.

Upadesa é o trabalho do Guru de restabelecer a mente em seu estado original, e evitar que ela se afaste do Puro Ser de identidade absoluta com o Eu Real ou, em outras palavras, do Ser do Guru.

Upadesa pode ser entendida como "trazer para perto um objeto distante", consiste em o Guru mostrar ao discípulo que o que este considerava distante e diferente de si mesmo é na verdade imediato e idêntico a ele.

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O Ser do Guru é idêntico ao Ser do discípulo. No entanto, apenas muito raramente uma pessoa pode realizar seu verdadeiro Ser sem a graça do Guru. O Guru não é exatamente um indivíduo de carne e osso.

Você não precisa fazer nada. Apenas permaneça como você é no seu estado verdadeiro. Essa é a verdade sobre o Guru.

O verdadeiro Guru, está no coração da pessoa e também se manifesta exteriormente. Enquanto que o Guru exterior empurra para dentro a mente da pessoa, o Guru interior a puxa do lado de dentro.

O Guru é o Eu verdadeiro. Chega um momento em que o homem fica insatisfeito com a sua vida e, descontente com o que possui, ora a Deus buscando a satisfação de seus desejos.

Aos poucos sua mente vai se purificando, até que ele deseja conhecer a Deus, mais para obter Sua graça do que para satisfazer seus desejos mundanos.

Com isso a graça de Deus começa a se manifestar. Deus então assume a forma de um Guru e aparece ao devoto, ensina-lhe a Verdade e purifica-lhe a mente por meio de sua presença. Assim a mente do devoto se fortalece, sendo então capaz de voltar-se para o interior.

Pela prática da meditação ela se torna ainda mais pura, até que ela permaneça calma sem o menor movimento. Essa calma é o Eu Real.

O Guru é tanto "externo" quanto "interno". Do "lado de fora" ele dá um "empurrãozinho" para que a mente se interiorize; do "interior" ele puxa a mente em direção ao Eu Real e ajuda a aquietá-la.

O mestre está no interior. O propósito da meditação é remover a ideia equivocada de que o mestre é apenas exterior. Se ele fosse um ser estranho pelo qual você espera, ele também estaria fadado a desaparecer. De que adianta um ser transitório como esse?

Enquanto você se acreditar separado, ou considerar-se um corpo, o Mestre "exterior" também será necessário, e Ele aparentará ter um corpo. Quando você deixar de se identificar com o corpo você descobrirá que o Mestre nada mais é do que o Eu Real.

O Guru não o toma pela mão e sussurra em seu ouvido. Talvez você imagine que o Guru é como você. Como você pensa que possui um corpo você também o vê como um corpo, e espera que ele faça algo tangível para você.

Deus, que é imanente, na sua Graça tem compaixão do devoto amoroso, e então se manifesta a ele de acordo com o seu grau de desenvolvimento.

Mas o Guru, que é Deus, ou o Eu Real personificado, trabalha no interior, ajudando o homem a perceber suas faltas e guiando-o no caminho correto, até que este realize o Eu Real dentro de si.

O devoto só precisa viver de acordo com as palavras do Mestre e trabalhar no seu interior. O Mestre está tanto "dentro" quanto "fora"; portanto, O Mestre lhe dá um "empurrão" de fora e um "puxão" de dentro, a fim de que você possa fixar-se no Centro.

Com o tempo você perceberá que a Felicidade só surge quando você deixa de existir. A fim de alcançar esse estado você deve entregar-se. Então o mestre perceberá que você está em um estado propício para receber o ensinamento, e assim Ele irá guiá-lo.

Enquanto você busca a Auto-Realização o Guru é necessário. Tome o Guru como sendo seu verdadeiro Eu, e você como sendo o eu individual (ego).

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Enquanto a dualidade persiste em você o Guru é necessário. Como você se identifica com o corpo você pensa que o Guru também é o corpo. Nem você nem o Guru são o corpo. Você é o Eu Real, o Guru também.

Um Guru completo e perfeito não chama a si mesmo de "Guru", e nem chama ninguém de "meus discípulos", já que isso seria uma afirmação de relacionamento, e assim, de dualidade.

Embora ele instrua os seus discípulos, ele não se considera seu Guru, pois compreende que "Guru" e "discípulo" são meras convenções nascidas de maya (ilusão).

Bhagavan iniciava seus discípulos por meio do silêncio, ou em sonhos quando distante deles, ou através do olhar quando estes estavam na sua presença física. Todavia, ele não os chamava de "discípulos" e nem dava a iniciação formal, o que postularia a dualidade.

Dakshinamurti apenas sentava-se em silêncio. Os discípulos apareciam na sua frente e ele mantinha o silêncio. O silêncio é o ensinamento mais poderoso.

O Guru é silencioso e com isso a paz prevalece em todos. O seu silêncio é mais vasto e mais eloquente que todas as escrituras juntas. A fé completa no Guru é necessária mas, como explicado no capítulo anterior, o esforço também o é.

Às vezes Ramana explicava que a relação Guru-discípulo era necessária do ponto de vista do discípulo, já que este via as coisas a partir do ponto de vista da dualidade. Assim, o discípulo podia dizer que seu Guru era tal, apesar de o Guru não afirmar que este era seu discípulo.

O Guru ou Jnani (Iluminado) não vê nenhuma diferença entre si mesmo e os outros. Para ele todos são Jnanis, todos são um com ele mesmo, então como ele pode dizer que tal e tal pessoa é seu discípulo?

Mas o homem não liberto vê tudo como múltiplo, vê todas as coisas como diferentes de si mesmo, então para ele a relação Guru-discípulo é uma realidade.

A forma mais elevada de graça é o silêncio. O silêncio é o maior ensinamento também. Todas as outras formas de instrução espiritual derivam do silêncio, sendo assim secundários. O silêncio é o ensinamento original. Através do silêncio do Guru a mente do buscador purifica a si mesma.

Assim como um homem que está muito bêbado nem se dá conta se está vestido ou nu, o Jnani quase não tem consciência do seu corpo, e para ele não faz nenhuma diferença se o corpo permanece vivo ou cai morto na terra.

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— Capítulo Cinco —

AUTO-INQUIRIÇÃO

A auto-inquirição (atma vichara) não é um método novo. Nos tempos antigos este era um caminho reservado aos poucos que heroicamente se retiravam do mundo e viviam na solidão, dedicando seu tempo unicamente à meditação.

Nos tempos modernos esse método se tornou cada vez mais raro. O que Ramana Maharshi fez foi restabelecê-lo de uma forma nova, combinado com o caminho da ação (karma marga), de tal forma que ele pudesse ser usado nas condições do mundo moderno.

Como não requer nenhuma ritualística ou forma exterior, ele é o método ideal para as necessidades da contemporaneidade.

Para a aquietação da mente não há nenhum outro meio mais eficaz do que a auto-inquirição. Através dos outros métodos a mente apenas parecerá ter se aquietado, mas ela surgirá novamente.

Este é o método direto. Todos os outros métodos só podem ser praticados retendo-se o ego, e neles surgem muitas dúvidas, enquanto que a pergunta última é apenas atacada no final. Mas neste método, a pergunta última é a única pergunta e ela é levantada desde o começo.

A auto-inquirição o leva diretamente à Auto-Realização, pois remove os obstáculos que fazem você acreditar que o Eu Real ainda não foi alcançado.

A diferença entre a meditação e a auto-inquirição é que a meditação requer um objeto sobre o qual se foca a atenção, enquanto que na auto-inquirição há apenas o sujeito e nenhum objeto.

Todos os outros métodos (sadhanas), com exceção da auto-inquirição, pressupõem a retenção da mente como um instrumento de prática do caminho, e sem a mente não podem ser praticados.

Com isso o ego pode assumir formas mais sutis e elevadas nos diferentes estágios da prática, sem ser ele mesmo destruído. A tentativa de destruir o ego ou a mente por outros métodos que não atma vichara é como o ladrão que se torna policial para pegar o ladrão que é ele mesmo.

Apenas atma vichara pode revelar a verdade de que nem o ego nem a mente realmente existem, assim possibilitando a realização do Ser puro e indiferenciado do Eu Real ou Absoluto.

Pedir que a mente destrua a mente é como fazer do ladrão o policial: ele irá com você e vai parecer que ele prendeu o ladrão, mas nada será feito.

Então o que você precisa fazer é olhar para dentro e ver de onde a mente surge. Uma vez que você vê a Fonte da mente, ela desaparecerá.

Na prática, a mente só pode ser extinta com a ajuda da mente. Mas a diferença é que ao invés de começar dizendo que a mente existe e que eu quero destruí-la, você começa buscando sua fonte, e quando você encontra a Fonte você vê que a mente não existe.

Pode-se dizer que a mente cessa de existir ou que ela se transforma no Eu Real, o significado é o mesmo.

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Não significa que a pessoa se torna inerte e fria como uma pedra, mas que a Pura Consciência do Eu Real não está mais confinada aos estreitos limites de uma mente individualizada, e que a pessoa não mais vê através de uma lente obscura (o ego), mas com clareza.

Através da investigação firme e contínua da natureza da mente, a mente é transformada no Eu Real. A mente sempre depende de algo grosseiro para sua existência; ela nunca subsiste por si mesma. E a mente que também é chamada de corpo sutil, ego (ahamkara) e alma (jiva).

A mente é aquilo que surge no corpo físico como sendo o "eu". Se alguém investigar onde esse pensamento”eu” surge no corpo, descobrirá que é no Coração.

O Coração é a fonte e o suporte da mente. Ou então, se alguém repetir interiormente para si mesmo "eu-eu" de forma contínua e com a mente toda focada no Coração, chegará à mesma Fonte.

O primeiro pensamento a surgir na mente é o pensamento-eu. Todos os outros inumeráveis pensamentos surgem apenas depois do pensamento-eu e têm nele sua origem.

Apenas depois do pronome de primeira pessoa, "eu", surgir, é que os pronomes de segunda e terceira pessoa, "tu" e "ele", ocorrem para a mente; estes não subsistem sem aquele.

Como todos os outros pensamentos só podem surgir depois do aparecimento do pensamento”eu”, e como a mente nada mais é do que um conglomerado de pensamentos, é apenas através da inquirição "Quem sou eu?" que a mente será extinta.

Além disso, o pensamento”eu” implícito na investigação "Quem sou eu?" destruirá todos os outros pensamentos e, como a vareta usada para avivar a lareira, no final ele mesmo será consumido.

A auto-inquirição ensinada por Ramana Maharshi é algo bem diferente da introspecção aconselhada pelos psicólogos. Na verdade, atma vichara não é um processo mental, em absoluto.

A "introspecção" é estudar os conteúdos e a composição da mente, enquanto que a auto-inquirição é um esforço de investigar a origem da mente a fim de chegar ao Eu Real, que é sua fonte.

Libertação é perguntar: "Quem sou eu que estou preso?" e assim conhecer sua verdadeira natureza. Auto-inquirição é apenas manter a mente sempre voltada para dentro e assim permanecer constantemente no Eu Real.

Assim como aquele que deseja livrar-se do lixo não precisa analisar seu conteúdo, também aquele que deseja conhecer o Eu Real não precisa classificar e enumerar os tattvas que o encobrem, mas apenas os rejeitar por completo. Ele deve considerar o mundo e a si mesmo como um mero sonho.

Assim também a auto-inquirição se diferencia da psicanálise e de qualquer tipo de tratamento psiquiátrico. Tais tratamentos tem como objetivo a produção de um ser humano normal, integrado e saudável, mas eles não levam a pessoa a transcender o estado de ego individual.

Uma coisa que a auto-inquirição nos seus estágios iniciais tem em comum com o tratamento da psicanálise, é que ela traz à tona, das profundezas de nossa mente, pensamentos e impurezas ocultos.

Todos os tipos de pensamentos surgem na meditação. Isso é assim mesmo, tudo o que estava oculto em você é trazido à tona. Se não for assim, como esses pensamentos poderão ser dissolvidos?

Os pensamentos surgem espontaneamente apenas para serem extintos no momento certo. Com isso a mente vai se fortalecendo.

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Tudo o que está dentro de você vai tentar sair. O único jeito é deter a mente constantemente e fixá-la no Eu Real sempre que ela se desviar, sem desanimar.

D.: O Bhagavan disse que assim que se comece a investigação, os outros pensamentos devem ser rejeitados. Que fazer?. B.: Você deve ficar rejeitando pensamentos. Se você agarrar o pensamento “eu” (ego), e mantiver-se interessado apenas nesse único pensamento, então os outros pensamentos serão rejeitados e desaparecerão automaticamente.

A investigação "Quem sou eu?" significa tentar encontrar a fonte do ego ou pensamento “eu”. Então você não deve ocupar a mente com outros pensamentos, tais como "Eu não sou o corpo", etc. Buscar a fonte do "eu" é um meio de se livrar dos outros pensamentos.

Você não deve deixar nenhum espaço para outros pensamentos, mas apenas manter toda a mente fixada na fonte do pensamento "eu".

Toda vez que um pensamento lhe distrair dessa "auto-atenção", você deve se perguntar: "Para quem surgiu este pensamento?"; e, descobrindo que foi "para mim", deve retornar ao pensamento "eu" perguntando: "Quem sou eu e de onde eu venho?

Faça a pergunta a você mesmo. O corpo e suas funções não são o "eu". Indo mais a fundo, a mente e suas funções também não são o "eu". O próximo passo o leva à pergunta: De onde surgem esses pensamentos?

Os pensamentos operam na mente, mas quem está consciente deles? Com isso a existência, surgimento e operação dos pensamentos se tornam claros ao indivíduo. Esta análise leva à conclusão de que a individualidade ("eu") é aquilo que está consciente da existência dos pensamentos e da sua sequência.

Essa individualidade é o ego ou o "eu". O intelecto é apenas um dos revestimentos do "eu", mas não é o próprio "eu". Investigando ainda mais, surgem as perguntas: "O que é este “eu”? De onde ele vem?

"Eu" não estava consciente durante o sono. Assim que o "eu" surge o sono se transforma em sonho ou vigília. Mas agora o estado de sonho não me interessa. Quem sou eu agora, no estado de vigília?

Se o "eu" surgiu no momento em que o sono acabou, então o "eu" estava coberto de ignorância (durante o sono). Tal "eu" ignorante não pode ser o Eu a que as Escrituras e os Sábios se referem.

O verdadeiro "Eu" está além até mesmo do sono; este Eu deve estar aqui e agora, e deve ser o que eu era na realidade durante o sono e o sonho também, não sendo afetado por esses estados.

O "Eu" (verdadeiro) deve ser, portanto, o substrato não qualificado por detrás dos três estados (vigília, sonho e sono).

D.: Eu começo me perguntando "Quem sou eu?", e elimino o corpo como não-eu, a respiração como não-eu e a mente como não eu, mas não consigo ir além disso. B.: Bem, é só até aí que a mente pode ir. O seu processo é apenas mental.

Veja bem, o "eu" que elimina todo o resto como "não-eu" não pode eliminar a si mesmo. Para poder dizer "eu não sou isto, eu sou Aquilo" deve existir um "eu" que o diz. Esse "eu" é apenas o ego, ou pensamento-eu.

Depois desse pensamento”eu” surgir, todos os outros pensamentos surgem; assim, o pensamento”eu” é o pensamento raiz. Se a raiz é cortada fora todo o resto cai também.

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Portanto busque a raiz, o "eu". Pergunte a si mesma "Quem sou eu?" e descubra a fonte do "eu". Então todos esses problemas desaparecerão e restará apenas o puro Eu Real.

D.: Você está dizendo que o "eu" agora é o falso "eu". Como eliminar esse falso "eu"? B.: Você não precisa eliminar nenhum falso "eu". Como pode o "eu" eliminar a si mesmo? Tudo o que você precisa fazer é encontrar a Fonte do "eu", e permanecer lá. O seu esforço só pode levá-la até este ponto.

A partir daí o Transcendental vai tomar conta de si mesmo. Você não pode fazer mais nada então. Nenhum esforço pode chegar até Ele.

D.: Se "eu" existo sempre, aqui e agora, por que não sinto isso? B.: Quem diz que você não sente? O Eu real ou o eu falso? Investigue e você descobrirá que é o falso eu que o diz. Este falso eu é o obstáculo que deve ser removido para que o verdadeiro Eu possa deixar de estar oculto.

O sentimento "eu não realizei" é o obstáculo à Realização. Na verdade já há a Realização. Não há nada mais a ser realizado.

Se houvesse, a realização seria algo novo que não existia antes, mas que acontecerá em algum momento no futuro; mas tudo o que surge também desaparece.

Se a Realização fosse algo assim não seria eterna e, sendo transitória, não valeria a pena ser buscada. Portanto, o que nós buscamos não é algo que vai começar a existir, mas sim aquilo que existe eternamente, mas que está velado por nossas obstruções mentais.

Tudo o que precisamos fazer é remover a obstrução. O Eterno só não é reconhecido como tal devido à ignorância; logo, a ignorância é o obstáculo. Livre-se dela e tudo estará bem. A ignorância nada mais é do que o pensamento "eu", descubra sua fonte e ele desaparecerá.

O pensamento-"eu" é como um fantasma que, apesar de ser impalpável, surge simultaneamente com o corpo, vive e desaparece junto com ele. A consciência "eu sou o corpo/este é meu corpo" é o falso eu. Abandone-o.

Você pode fazer isso buscando a fonte do sentimento "eu". O corpo não diz "eu sou". É você que diz "eu sou o corpo". Descubra o que é este "eu"; busque sua fonte e ele desaparecerá.

A Bem-Aventurança é equivalente ao Ser-Consciência. Tudo o que se diz sobre o Ser eterno aplica-se à Felicidade eterna também. A sua verdadeira natureza é a Felicidade. A ignorância está apenas temporariamente ocultando a Felicidade.

D.: Nós não deveríamos buscar descobrir a realidade última do mundo, do indivíduo e de Deus? B.: Esses todos são conceitos do "eu". Eles só surgem depois do pensamento "eu". Por acaso você pensava sobre eles durante seu sono profundo? Não; no entanto, você existia durante o sono, e é o mesmo "eu" que existe e fala agora.

Por acaso o mundo declara "eu sou o mundo"? O corpo declara "eu sou o corpo"? É você que diz: "este é o mundo", "este é o corpo", e assim por diante. Então esses são apenas conceitos seus. Descubra o que você é, e isto será o fim de todas as dúvidas.

D.: O que acontece com o corpo após a Realização? Ele continua existindo ou não? Nós vemos os seres iluminados desempenhando ações, assim como as outras pessoas. B.: Não se preocupe com isso agora. Você pode perguntar isso depois de iluminar-se, se ainda houver necessidade.

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Quanto aos seres iluminados, deixem que eles cuidem de si mesmos. Por que se preocupar acerca de seu estado? Na verdade, após a Realização, nem o corpo nem nada mais parecerá ser diferente do Eu Real.

D.: Se nós sempre somos Ser-Consciência-Beatitude (Sat-chit-ananda) por que Deus dificulta as coisas para nós? Por que Ele nos criou?

B.: Por acaso Deus vem e lhe diz que Ele o colocou em dificuldades? É você, o falso "eu", quem diz isso. Se este "eu" desaparecer não haverá mais ninguém para dizer que Deus criou isso ou aquilo. Aquilo que é nem mesmo diz "eu sou"; por acaso surge alguma dúvida "eu não sou?"

Quando a mente investiga a sua própria natureza incessantemente será descoberto que não existe nada como "mente". Este é o caminho direto aberto a todos.

A mente é apenas um conglomerado de pensamentos. De todos os pensamentos o pensamento "eu" é a raiz. Busque interiormente a fonte da qual surge esse pensamento "eu", então o eu (o ego) desaparecerá. Essa é a busca da Sabedoria; isso é a auto-inquirição.

O estado de não-surgimento do "eu" é o estado de ser AQUILO. Como se pode atingir a extinção do "eu", com a qual o ego não mais surge, senão buscando a fonte da onde o "eu" surge? Sem alcançar isso, como é possível permanecer no estado verdadeiro, onde se e AQUILO?

Assim como um homem mergulha para pegar um objeto que caiu na água, também o buscador deve mergulhar dentro de si mesmo com uma mente aguçada e unifocada, controlando a respiração e a fala, e descobrir o local de onde o "eu" surge.

O método direto de alcançar a Auto-Realização é mergulhar no Coração em busca da fonte do "eu". A meditação "eu não sou isso; eu sou Aquilo" pode ser uma ajuda para a auto-inquirição, mas não é a auto-inquirição em si.

Se você investigar dentro de sua própria mente "Quem sou eu?", o eu individual ficará confuso e cairá por terra no momento em que você chegar ao Coração, e imediatamente a Realidade se manifesta espontaneamente como "Eu-Eu".

As noções de prisão e libertação são meras modificações mentais. Elas não têm realidade independente, e por isso não podem funcionar por si só. Se a pessoa investigar: "Para quem existe a prisão e libertação?", será descoberto que é "Para mim", isto é, para a própria pessoa.

Se então ela investigar "Quem sou eu?" sinceramente, descobrirá que não existe o "eu" e "meu". Aquilo que "sobra", uma vez que o "eu" desaparece, é realizado de forma vivida e direta como o Eu que ilumina a si mesmo e que é como é.

Essa Realização viva, que é a Verdade Suprema, vem naturalmente, sem nada de especial sobre ela, a todos aqueles que, permanecendo assim como são, mergulham interiormente sem permitir que a mente se exteriorize nem por um momento, e nem desperdiçam seu tempo em conversas vãs.

Para aquele que alcançou a Realização não há nem prisão nem libertação.

O Eu Real é Pura Consciência. Porém, a pessoa se identifica com o corpo que é insensível. O corpo não diz "eu sou o corpo". O Eu ilimitado também não o faz. Um "eu" imaginário surge entre a Pura Consciência e o corpo inerte e se imagina limitado ao corpo.

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Busque esse eu e ele desaparecerá como um fantasma. Este fantasma é o ego, a mente, ou a individualidade. O objetivo de todas as escrituras é a eliminação deste fantasma. O estado presente é uma mera ilusão; a dissolução do ego é a única meta real.

Deve-se cessar de identificar a consciência a um "eu" individual, a fim de poder perceber que esta consciência é idêntica ao Eu Real e que deste se origina. Ramana insistia que não existem dois "eus" para que um possa buscar e conhecer o outro.

Qualquer que seja a forma que sua investigação tome, no final você deve retornar ao Eu único, ao Ser. Todas essas distinções feitas entre "você" e "eu", "mestre" e "discípulo", são apenas sinais de ignorância. Apenas o Eu supremo é, pensar diferentemente é iludir-se.

D.: Devo ficar repetindo a pergunta a mim mesmo interminavelmente, como um mantra? B.: Certamente a auto-inquirição é mais do que a mera repetição de mantras. Se a auto-inquirição "Quem sou eu?" fosse um mero processo mental, aí então ela não teria muito valor. O propósito da auto-inquirição é focar toda a mente na sua fonte.

Não é, portanto, o caso de um "eu" buscando outro "eu". Muito menos é ela uma fórmula vazia, já que envolve uma intensa atividade de toda a mente para manter-se estabelecida em pura Auto-Consciência.

A auto-inquirição é o método infalível, o único método direto de realizar o Ser absoluto e incondicionado que você em realidade é.

D.: Você me diz para encontrar a Fonte do "eu", mas como? Qual é a fonte de onde eu vim? B.: Você veio da mesma Fonte em que estava durante o sono. A diferença é que durante o sono você estava absorto no Eu Real inconscientemente, e é por isso que você deve fazer a auto-inquirição enquanto acordado, para mergulhar no Eu Real conscientemente.

D.: Eu devo me concentrar no pensamento "Quem sou eu?" B.: Você deve se concentrar interiormente e ver de onde surge o pensamento-"eu". Ao invés de voltar-se para fora, volte-se para dentro e veja onde surge o pensamento-"eu".

D.: E o Bhagavan diz que se eu vir isso realizarei o Eu Superior? B.: Não existe o "realizar o Eu Superior". Como é possível realizar, ou "tornar real", aquilo que já é real? As pessoas "realizam", ou encaram como real, o que é irreal, e tudo o que precisam é desistir de fazer isso.

Quando você fizer isso você permanecerá como realmente é e sempre foi, e o Real será Real. Todas as religiões e suas práticas surgiram apenas para ajudar as pessoas a desistirem de ver o irreal como real.

D.: Os Upanishads dizem: Aquele que conhece Brahman toma-se Brahman. B.: Não se trata de "tornar-se", mas sim de Ser.

Não há meta a ser alcançada. Não há nenhum objetivo a ser atingido. Você é o Eu Real. Você existe sempre. Nada mais pode ser afirmado sobre o Eu além de que ele É. Ver Deus ou o Eu Real é apenas ser o Eu Real, que é você mesmo. Ver é Ser.

Você, já sendo o Eu Real, quer saber como alcançar o Eu Real. Tudo o que você precisa fazer é abandonar a sua identificação com esse corpo e abandonar todos os pensamentos de coisas externas, isto é, de coisas que não são o Eu Real.

Por mais que a mente se exteriorize em direção aos objetos dos sentidos, detenha-a e fixe-a no Eu. Esse é todo esforço que se requer de sua parte.

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A prática intensa e incessante é indispensável até o momento em que a pessoa permanece sem o mínimo esforço no estado original da mente, no qual está livre do pensamento; em outras palavras, até o "eu", "meu", "mim" serem completamente erradicados e destruídos.

Assim como a remoção das nuvens revela o céu azul que já estava lá, assim também a remoção da ignorância apenas revela o Real que por ela parecia estar oculto.

O Eu Real sempre é. Não há como conhecê-lo. Não se trata de um novo conhecimento a ser adquirido. O que é novo, ou seja, que já não è aqui e agora, não pode ser permanente. O Eu Real sempre é, mas o Conhecimento (jnana) dele está obstruído, e a obstrução chama-se ignorância (ajnana).

Remova a ignorância e o Conhecimento resplandece. Na verdade esta ignorância e este conhecimento não pertencem ao Eu Real, eles são apenas sobreposições a serem afastadas. E por isso que se diz que o Eu Real está além do conhecimento e da ignorância.

Essa concentração no Eu Real pressupõe um grande controle sobre a mente, e muitos reclamam que isso não é fácil.

Todos buscam apenas aquilo que lhes trará felicidade. A sua mente divaga em direção aos objetos exteriores porque você acredita que encontrará felicidade neles; mas descubra de onde a felicidade realmente vem, mesmo a felicidade que você acredita originar-se dos objetos dos sentidos.

Então você perceberá que toda felicidade vem apenas do Eu e, com isso, será capaz de permanecer no Eu.

As dúvidas só terão um fim quando o "duvidador" e sua Fonte forem descobertos. É inútil buscar remover uma dúvida após a outra. Se uma dúvida for esclarecida outra surgirá em seu lugar, e não haverá fim para isso.

Mas se você buscar a fonte do "duvidador" e assim descobrir que aquele que duvida é em si mesmo inexistente, então todas as dúvidas cairão por terra.

Concentração não é pensar sobre algo. Pelo contrário, é excluir todos os pensamentos, já que todos os pensamentos obstruem a experiência do verdadeiro ser da pessoa. Todo esforço tem por objetivo apenas remover o véu da ignorância.

Concentrar a mente apenas no Eu Real resultará em Felicidade ou Bem-Aventurança. Voltar os pensamentos para o interior, restringindo-os e evitando que eles se desviem para fora é chamado desapego.

A Auto-Consciência pura e imutável do Coração é o Conhecimento que, através da destruição do ego, dá a Libertação.

D.: Bhagavan ensina que o coração é o centro do Eu Real? B.: Sim, é o centro supremo do Eu. Você não precisa desconfiar disso. O Eu Real está lá no coração por detrás do ego (eu falso).

D.: O Bhagavan me faria o favor de dizer onde ele fica no corpo? B.: Ainda que eu lhe diga que fica aqui (aponta para o lado direito do peito) você não pode conhecê-lo com sua mente e nem representá-lo com sua imaginação.

O único caminho direto de realizá-lo é parar de imaginar e apenas tentar ser você mesmo. Então automaticamente você sentirá que o centro é aí. É o centro que é mencionado nas escrituras como "cavidade do coração".

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O coração está lá, sempre aberto para você se você quiser entrar; embora você não perceba, ele está sempre servindo de base a seus movimentos.

Talvez seja mais correto dizer que o Eu Real é o Coração. Realmente, o Eu é o centro e ele está sempre consciente de Si mesmo como sendo o Coração ou Auto-Consciência.

D.: Quando Bhagavan afirma que o Coração é o centro supremo do Espírito ou Eu Real, isso significa que ele não é um dos chakras?

B.: Os chakras são centros no sistema nervoso. Eles representam vários níveis, cada um tendo seu poder ou conhecimento, indo até o sahasrara situado no cérebro, que é o assento do Supremo Shakti (poder).

Mas o Eu Real, que é a base de todo o movimento de Shakti, não está nos chakras, mas sim no centro coração.

Na verdade não existe nenhuma manifestação de Shakti além do Eu Real. O Eu se transformou em todos esses shaktis. Quando o Yogui alcança o samadhi é de fato o Eu Real no Coração que o sustenta neste estado, quer ele esteja consciente disso ou não.

Assim como essa concentração no Coração estabelece um ponto de contato com o yoga, Bhagavan também apontava a afinidade da auto-inquirição com bhakti, o caminho da devoção, e dizia que ambos levam ao mesmo fim.

A devoção perfeita é a entrega completa do ego a Deus ou Guru, que é visto como sendo o próprio ser do devoto, enquanto que a auto-inquirição leva à dissolução do ego.

D.: Se o "eu" é uma ilusão, quem é que afasta este "eu"? B.: O "Eu" afasta a ilusão do "eu" e mesmo assim continua sendo "Eu" - tal é o paradoxo da Auto-Realização. Mas os seres Realizados não vêem nenhum paradoxo nisto.

O adorador se dirige a Deus e reza para ser absorvido Nele, ele se entrega com fé. O que sobra depois disso? No lugar do "eu" pretérito a auto-entrega deixa como resíduo Deus, e Nele o "eu" é perdido. Esta é a mais alta forma de devoção e entrega, e o ápice do desapego.

Você pode renunciar esta ou aquela das "minhas" posses; mas se, em lugar disso, você renunciar o "eu" e "meu", tudo é renunciado de uma vez só, e a própria semente da posse é destruída.

Com isso corta-se o mal pela raiz. Mas a força do desapego deve ser grande para que isso seja possível. A ânsia de fazer isso deve ser igual à ânsia de alguém que está sendo afogado e tem que subir à superfície para respirar.

Os pensamentos que distraem são um obstáculo, o sono também é. As pessoas que começam a trilhar um caminho espiritual podem se sentir atacadas por uma onda de sonolência sempre que comecem a meditar. Essa é simplesmente mais uma forma de resistência do ego, e assim deve ser superada.

O que é necessário é manter-se sempre fixo no Eu Real. Os obstáculos a isso são as distrações causadas pelas coisas do mundo e também o sono. O sono é sempre descrito nos livros como sendo o primeiro obstáculo ao samadhi.

O Gita diz que a pessoa não precisa renunciar completamente o sono, apenas discipliná-lo. Mas outro método é simplesmente não se preocupar com o sono.

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Quando quer que o sono venha e você não pode evitá-lo, simplesmente mantenha-se fixo no Eu Real, ou na sua meditação, em cada momento da sua vida desperta, e retorne à meditação no momento em que você acordar.

Isso será suficiente, mesmo durante o sono a mesma corrente de consciência estará trabalhando. Isso é claro; é como um homem que vai dormir com algum pensamento muito forte em mente e que quando acorda ainda está com o mesmo pensamento. Quem faz isso com a meditação, mesmo seu sono é samadhi.

Muitas vezes o Maharshi falava do sono como um exemplo do estado sem ego. Isso não significa que Ramana estava encorajando o sono físico. O sono é apenas uma contraparte obscura e inconsciente do verdadeiro estado sem ego, que é pura Consciência.

D.: Quando eu chego a um estado mental sem pensamentos na minha prática eu experimento um certo prazer, mas às vezes também há um vago sentimento de medo que não consigo descrever claramente.

B.: Você nunca deve ficar satisfeito com qualquer experiência que tenha. Quer você sinta prazer ou medo, pergunte-se quem sente isso e prossiga seus esforços até que prazer e medo sejam ambos transcendidos e que a dualidade cesse, permanecendo assim apenas a Realidade.

Não há nada de errado em experimentar essas coisas, desde que você não pare por aí. Por exemplo, quando o pensamento chega ao fim a mente experimenta o prazer de laya (dissolução), mas você nunca deve ficar satisfeito com isso e descansar, mas sim se esforçar até que toda dualidade cesse.

D.:Quando eu medito eu alcanço um estágio onde há um vazio, um vácuo. Como eu devo prosseguir a partir daí? B.: Não se importe se há visões, sons, vazio, ou qualquer outra coisa. Você está presente nessas experiências ou não?

Você deve ter estado lá para poder dizer que experimentou um vazio. Permanecer fixo neste "você" do início ao fim é a busca.

É a mente que vê objetos e tem experiências que se depara com o vazio quando pára de ver e experimentar, mas essa mente não é você. Você é a iluminação constante que dá vida tanto à experiência quanto ao vazio.

Você é a testemunha dos três corpos - físico, sutil e causal -, dos três tempos - passado, presente, futuro - e também desse vazio.

Nós estamos tão acostumados com a noção de que tudo que vemos em nossa volta é permanente e de que nós somos este corpo que, quando tudo isso cessa, imaginamos que nós mesmos deixamos de existir, e assim sentimos medo.

Todas as qualidades divinas estão contidas no Conhecimento espiritual (jnana), e todas as qualidades demoníacas estão contidas na ignorância (ajnana). Quando o Conhecimento vem a ignorância desaparece, e assim todas as virtudes surgem automaticamente.

Se um homem é Realizado ele não pode mentir, cometer algum pecado ou fazer algo de errado. Sem dúvida está escrito em alguns livros que a pessoa deve se esforçar para desenvolver uma virtude após a outra, assim se preparando para a Iluminação.

Mas para aqueles que seguem jnana marga (o caminho do Conhecimento) a auto-inquirição é suficiente para desenvolver todas as qualidades divinas - eles não precisam se preocupar em fazer mais nada.

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A meditação "eu sou Ele" ou "eu sou Brahman" é mais ou menos um processo mental, enquanto que a busca pelo Eu de que eu falo é um método direto, e de fato superior a essas meditações.

Assim que você toma a busca e começa a se aprofundar, o Eu Real está lá esperando para lhe receber, e então tudo o que acontece é feito por algo além, e você não contribui para isso. Neste processo todas as dúvidas são postas de lado.

Ao longo deste capítulo a auto-inquirição foi abordada como um exercício espiritual ou "meditação" que deve ser praticada em certos momentos. De fato começa assim e, enquanto o esforço for necessário, esses períodos de prática intensiva continuam sendo úteis.

Mas isso não é suficiente: a autoconsciência que começa a ser experimentada durante essas "meditações" deve ser cultivada durante os outros momentos do dia também, até que ela comece a surgir espontaneamente e a trabalhar como pano de fundo das nossas atividades.

Um Guru muitas vezes mantém em segredo a técnica da prática espiritual, revelando-a apenas àqueles que ele julga preparados e que inicia pessoalmente. No entanto, nada disso se aplica à auto-inquirição ensinada por Ramana Maharshi.

É a própria compreensão ou falta de compreensão da pessoa que lhe abre ou fecha as portas desse método.

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— Capítulo Seis —

OUTROS MÉTODOS

O melhor método depende do temperamento da pessoa. Cada pessoa nasce com seus samskaras (características ou tendências mentais) inerentes, que trazem das vidas passadas. O método que é mais fácil para um pode ser mais difícil para o outro. Não existe uma regra geral, aplicável a todos.

Existem vários métodos. Você pode praticar a auto-inquirição "Quem sou eu?"; ou, se isso não lhe atrair, pode meditar "eu sou Brahman” ou em algum outro tema; ou também você pode se concentrar em uma recitação (mantra) ou invocação.

O objetivo em qualquer um deles é tomar a mente unifocada, ou seja, concentrá-la completamente em um só pensamento e assim excluir todos os outros. Se fizermos isso o pensamento objeto da concentração também desaparecerá no final, e assim a mente será extinta em sua Fonte.

No entanto, apesar do Bhagavan aprovar outros caminhos àqueles que não podiam seguir a auto-inquirição ele disse:

Todos os outros métodos servem de introdução à auto-inquirição. Se algum de seus devotos achasse que algum outro caminho menos direto lhe servisse melhor, Bhagavan orientava-o neste até que pudesse gradualmente trazê-lo à auto-inquirição.

Bhagavan disse: "Cada um deve seguir seu próprio caminho, caminho este que pode servir apenas para ele. Não adianta querer convertê-lo à força para outro caminho. O Guru vai acompanhar o discípulo no seu próprio caminho, e então irá gradualmente conduzi-lo ao caminho supremo no momento adequado.

Os outros métodos não são necessariamente incompatíveis com a auto-inquirição; alguns deles podem muito bem até combinar-se com ela.

SAT SANG

A maior de todas as ajudas à Auto-Realização é a presença de um Ser Realizado. A isso se dá o nome de Sat Sang, que literalmente pode ser traduzido como "associação com o Ser".

Mesmo aqui Bhagavan às vezes explicava que o verdadeiro "Ser" é o Eu Real, e que nenhum encontro físico é necessário para constituir Sat Sang. Entretanto, ele frequentemente falava longamente a respeito dos benefícios dessa proximidade física.

A associação com Sábios que realizaram a Verdade remove todos os apegos materiais; em estes apegos sendo removidos, os apegos da mente também são destruídos.

Aqueles cujos apegos da mente são assim destruídos tomam-se um com Aquilo que é Imutável. Acalente a associação com tais Sábios.

CONTROLE DA RESPIRAÇÃO

Controle da Respiração pode ter vários significados. Pode ser a retenção da respiração, a regulação da respiração de acordo com certo ritmo, ou a mera observação atenta da respiração.

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Ramana Maharshi autorizava o uso do controle da respiração, mas normalmente não especificava a forma que ele deveria ter. O Maharshi, apesar de competente para autorizar qualquer prática, não ensinava nem prescrevia as formas mais técnicas de controle da respiração.

Quando ele especificava que tipo de controle da respiração deveria ser praticado ele geralmente recomendava apenas observar a respiração, que é a forma menos perigosa de praticar.

Observar atentamente a respiração também é uma forma de controle da respiração. Reter a respiração é mais violento e pode ser danoso se o praticante não tem um Guru apropriado para guiá-lo em cada fase da prática; mas apenas observar a respiração é mais fácil e não envolve nenhum risco.

A fonte do pensamento é também a fonte da respiração e da energia vital (prana); portanto se um deles é efetivamente controlado o outro automaticamente também o é.

A mente, a respiração e as forças vitais têm todos a mesma fonte. A mente é constituída apenas de uma multidão de pensamentos; e o pensamento-"eu" é o primeiro pensamento da mente, e é em si mesmo o ego.

Mas a respiração também se origina do mesmo lugar de onde o ego surge. Portanto, quando a mente se aquieta, a respiração e a força vital também se aquietam; e, inversamente, quando estas se aquietam, a mente também se aquieta.

O controle da respiração é apenas uma ajuda para mergulhar no interior. Mas a pessoa também pode mergulhar no interior através do controle da mente. A mente sendo controlada, a respiração é controlada automaticamente.

Não é preciso praticar o controle da respiração, o controle da mente já é o suficiente. O controle da respiração só é aconselhado àqueles que não conseguem controlar sua mente diretamente. Para a aquietação da mente não existem meios mais efetivos e adequados do que a auto-inquirição.

Mesmo que a mente seja apaziguada por outros meios, esse efeito é passageiro; ela ressurgirá novamente. Por exemplo, a mente é acalmada por meio de controle da respiração, mas tal quietude dura apenas enquanto o controle da respiração e das forças vitais é mantido.

O controle da respiração é uma ajuda para se controlar a mente, e ele é aconselhado àqueles que sentem que não conseguem controlá-la sem o auxílio desta ferramenta. Para aqueles que conseguem controlar e concentrar a sua mente isso é desnecessário.

O controle da respiração pode ser usado no início, até que a pessoa seja capaz de controlar sua mente, e então ele deve ser abandonado.

Outra razão para se tomar cuidado com o uso do controle da respiração (pranayama) é que ele pode resultar em experiências sutis que podem distrair o buscador do objetivo verdadeiro.

O Bhagavan sempre alertava contra o interesse e o desejo por poderes sobrenaturais e experiências maravilhosas; ele às vezes ligava esse aviso especificamente ao uso do controle da respiração.

Controlar a respiração também ajuda. Mas não se deve parar por aí. Após alcançar o controle da mente dessa forma, a pessoa não deveria se acomodar, nem ficar satisfeita com nenhuma experiência que possa resultar nesse estado, mas sim deve conduzir a mente controlada à pergunta "Quem sou eu?”.

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ASANAS

Era comum que os devotos de Bhagavan sentassem de pernas cruzadas diante dele; mas nenhuma asana mais elaborada era praticada.

D.: Inúmeras asanas são ensinadas. Qual delas é a melhor? B.: A unidirecionalidade da mente é a melhor postura.

HATHA YOGA

Os hatha Yoguis alegam que o corpo deve ser mantido forte e saudável, para que assim a inquirição possa ser realizada sem obstáculos. Eles também dizem que a vida deve ser prolongada para que a inquirição tenha sucesso.

D.: Mas dizem que o Hatta yoga ajuda muito. B.: Sim. Mesmo os grandes pandits bem versados no Vedanta continuam a praticá-la, pois, de outra forma, sua mente não se aquietará. Então você pode dizer que é útil para aqueles que não conseguem aquietar a mente por outros meios.

OLHAR FIXAMENTE A LUZ

D.: Por que não deveríamos adotar outros meios, tal como a técnica de olhar fixamente para uma luz? B.: Olhar fixamente para uma luz atordoa a mente e causa catalepsia da vontade por alguns momentos, mas não produz nenhum benefício permanente.

CONCENTRAÇÃO EM SONS

Há aqueles que se concentram em ouvir sons, não sons físicos, mas sim sons de planos mais sutis. O Maharshi não desaprovava essa técnica, mas aconselhava seus praticantes a agarrar o "eu" e descobrir quem ouve o som.

A concentração obtida é em si boa, mas ela não leva muito longe. A inquirição também é necessária.

Assim como uma criança é calmamente conduzida ao sono pela canção de ninar, assim também nada acalma a pessoa até o estado de samadhi. Nada leva o devoto à morada do Pai de maneira agradável.

Nada auxilia a concentração, mas assim que esta for obtida, a prática não deve se tornar um fim em si mesma. Nada não é o objetivo, o sujeito deve ser agarrado firmemente. Senão o resultado será um mero vazio.

Nada Upasana (meditação em sons) é bom; melhor ainda se associada à auto-inquirição.

Concentração no coração e no centro entre as sobrancelhas

Concentrar-se no ponto entre as sobrancelhas (ajna chacra) é uma prática do voga. Bhagavan reconhecia sua eficácia, especialmente quando combinada com mantras, mas aconselhava que a concentração sobre o coração, no lado direito do peito, é mais segura e mais eficaz.

Não esqueça o observador. O objeto visto é fixado entre as sobrancelhas, mas aquele que vê é esquecido. Se você se lembrar sempre do observador, estará tudo bem.

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Um visitante disse: nos ensinam a concentrar-nos sobre o ponto na testa entre as sobrancelhas. Isso está certo?

Qual é a utilidade de fixar a atenção entre as sobrancelhas? O objetivo é ajudar a mente a se concentrar. É um método poderoso de controlar a mente e evitar sua dispersão. A mente é forçosamente dirigida para um só canal, e isso ajuda a concentração.

Mas o método da realização é a investigação "Quem sou eu?". O problema atual existe para a mente, e só pode ser removido pela mente.

O Coração é a fonte da Consciência. A investigação do "eu" e sua natureza exerce irresistível fascínio sobre todas as mentes sagazes.

Chame-o como quiser - Deus, Eu, Coração, assento da Consciência - é tudo a mesma coisa. O ponto a ser compreendido é este: o Coração é o âmago do ser de cada um, o centro sem o qual nada existe.

Sim, segundo o testemunho dos sábios o coração é o centro da experiência espiritual. O centro espiritual - Coração - é completamente diferente do órgão muscular que bombeia sangue, conhecido pelo mesmo nome.

O centro espiritual Coração não é um órgão do corpo. Tudo o que você pode afirmar a respeito do Coração é que ele é o âmago do seu Ser, Aquilo a que você na verdade é idêntico, quer esteja desperto, dormindo ou sonhando, quer envolvido em atividades ou imerso em samadhi.

Na verdade a pura Consciência é indivisível; ela não possui "partes". Ela não tem forma nem condições, nem "dentro" nem "fora". Para ela não há esquerda e direita. A Pura Consciência - que é o Coração - a tudo inclui, e nada existe fora ou separado dela. Essa é a verdade última.

Na experiência da Pura Consciência sem a percepção do corpo o Sábio está além do tempo e do espaço, e assim não surge nenhuma questão sobre a posição do Coração. Como o corpo físico não pode subsistir separado da Consciência, a consciência corpórea deve ser sustentada pela pura Consciência.

Se a determinação da posição do coração dependesse, mesmo no caso de homens não realizados, de alguma conjectura, então certamente não seria algo que valesse a pena considerar. Não, você não depende de nenhuma conjectura ou adivinhação, mas apenas de sua intuição infalível.

D.: Bhagavan está dizendo que eu tenho um conhecimento intuitivo do Coração? B.: Não, não do Coração em si, mas sim da posição deste em relação à sua identidade.

D.: (Apontando para si mesmo) O Bhagavan está se referindo a mim mesmo? B.: Sim, Essa é a intuição! Como você se referiu a si mesmo com um gesto neste momento? Você não colocou o dedo no lado direito do peito? É exatamente ai o local do centro-Coração.

Quando um garoto afirma, "Fui eu que fiz a soma corretamente", ele aponta para a cabeça que acertou a conta? Não, ele aponta seu dedo naturalmente para o lado direito do peito, assim expressando inocentemente a profunda verdade de que a fonte do sentimento "eu" nele encontra-se ali.

É uma intuição infalível que o faz referir-se a si mesmo, ao Coração que é o Eu Real, dessa maneira. O ato é inteiramente involuntário e universal, isto é, é o mesmo para todos os indivíduos. Que prova mais segura que essa você espera obter quanto à posição do Coração no corpo físico?

D.: Pode o ponto entre as sobrancelhas ser o assento do Eu Real? B.: O Eu Real é a fonte última da Consciência e que ele subsiste igualmente durante os três estados da mente. Mas veja o que acontece quando uma pessoa em meditação é tomada pelo sono:

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Sua cabeça começa a balançar ou pender para frente. Isso não poderia acontecer se o Eu Real estivesse situado entre as sobrancelhas, pois isso implicaria que o Eu às vezes abandona o seu assento, o que é absurdo.

O sadhaka (buscador) pode ter sua experiência em qualquer centro ou chakra sobre o qual concentre sua mente, sem que isso signifique que aquele centro é o assento do Eu.

O resultado da prática de qualquer tipo de dhyana (meditação) é que o objeto no qual o aspirante fixa sua atenção cessa de existir de forma distinta e separada dele mesmo, o sujeito. O sujeito e o objeto se tornam o Eu Real, e isso é o Coração.

A prática de se concentrar no centro entre as sobrancelhas é um dos métodos de treinamento, e com ele os pensamentos são efetivamente controlados temporariamente.

O motivo disso é que todo pensamento é uma atividade exterior da mente; e o pensamento primeiramente segue a visão, física e mental.

É importante que essa prática de fixar a atenção no ponto entre as sobrancelhas seja acompanhada de recitação de mantras.

Isso porque depois do olho da mente o mais importante é o ouvido da mente (ou seja, a "fala interior", mental), que pode ajudar a controlá-la - e assim fortalecê-la - ou distraí-la - e assim dissipar sua energia.

O SAHASRARA

Os caminhos tântricos ensinam o desdobramento gradual da kundalini. À medida que ela sobe pela coluna ela desperta uma série de chakras, e cada um deles confere certos poderes e percepções, ate culminar no Sahasrara, situado no cérebro ou no topo da cabeça.

Quando perguntado a respeito, Bhagavan respondia que, qualquer que seja a experiência obtida, o assento final do Eu Real, e por tanto da Realização, é o Coração.

D.: Por que Bhagavan não nos orienta a praticar a concentração em algum chakra em particular?

B.: Os Yoga Sastras dizem que o Sahashara, ou cérebro, é o assento do Eu. O Purusha Sukta declara o Coração como sendo seu assento. A fim de afastar qualquer possível dúvida do aspirante, eu lhe digo para pegar o rastro ou a pista do sentimento "eu" e segui-la até sua Fonte.

Qualquer que seja o meio adotado, o objetivo final é a Realização da Fonte do sentimento "eu sou", que é o ponto de partida de toda sua experiência. Se você praticar a auto-inquirição você alcançará o Coração, que é o Eu Real.

A concentração no Sahasrara sem dúvida resultará em êxtase ou samadhi. No entanto, as vasanas não são com isso destruídas. Assim o Yogui deverá sair do samadhi, pois a libertação completa ainda não foi alcançada.

Ele ainda deve se esforçar para erradicar as vasanas para que com isso as tendências latentes que ainda lhe são inerentes não mais perturbem a paz de seu samadhi. Então ele desce do Sahasrara até o coração através do canal jivanadi, que é uma continuação do sushumna.

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O sushumna começa no plexo solar, sobe através da medula espinhal até o cérebro, e de lá ele faz uma volta e termina no coração. Quando o Yogui alcança o coração o samadhi se torna permanente. Vemos, assim, que o coração é o centro final.

SILÊNCIO

Em geral, o Maharshi não aprovava os votos de silêncio. Se a mente for controlada as palavras inúteis serão naturalmente evitadas; mas a renúncia da fala por si só não aquietará a mente. O efeito não pode produzir a causa.

D.: Não é útil fazer um voto de silêncio? B.: Um voto é apenas um voto. Ele pode ajudar a meditação até certo ponto; mas qual é a utilidade de meramente manter a boca fechada se você permite à sua mente mover-se desenfreadamente?

Por outro lado, se a mente está envolvida na meditação qual a necessidade da fala? Nada é tão bom quanto a própria meditação. Qual é a utilidade de um voto de silêncio se a pessoa está absorta na atividade mental?

ALIMENTAÇÃO

Apesar de geralmente dar pouca importância às ajudas físicas para a meditação, Ramana Maharshi insistia nas vantagens de se manter uma alimentação puramente sattvica, ou seja, de não comer carnes nem alimentos estimuladores (como cebola, alho, pimenta, etc).

A regulação da alimentação, restringindo-a a alimentos sattivicos tomados com moderação, é a melhor das regras de conduta, e é o que mais ajuda o desenvolvimento das qualidades sattvicas (puras) da mente. E uma mente sattvica ajuda na prática da auto-inquirição.

Todos nós somos capazes de adotar uma alimentação simples e nutritiva e, com constante e intenso esforço, erradicar o ego - a fonte de toda miséria -, abandonando toda a atividade mental nascida do ego.

Fisicamente, o sistema digestivo e demais órgãos devem estar livres de irritação. Para isso a alimentação deve ser regulada em qualidade e quantidade. Deve-se ingerir alimentos não estimulantes, evitando a pimenta, a cebola, o alho, o vinho, o ópio, o excesso de sal, etc.

Evite a constipação e o entorpecimento, e todos os alimentos que os induzem. Mentalmente, tenha interesse em apenas uma coisa e fixe sua mente nisso. Deixe esse interesse absorvê-lo completamente excluindo todo o resto. Isso é desapego (vairagya) e concentração.

D.: Que tipo de comida é sattvica? B.: Pão, frutas, vegetais, leite e derivados, etc. O tipo de comida influencia a mente. A mente se alimenta a partir da comida ingerida.

D.: Algumas pessoas comem peixe. Isso é permitido? Bhagavan não respondeu essa pergunta. Ele sempre evitava criticar os outros, e essa pergunta convidava-o a fazê-lo ou a se contradizer.

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O hábito é apenas uma adequação ao ambiente. O que importa é a mente. A verdade é que a mente foi treinada para achar certos alimentos bons e apetitosos.

A mesma nutrição e energia pode ser obtida na alimentação vegetariana e na não vegetariana, é apenas a mente que deseja um certo tipo de comida, com o qual está acostumada e que acha saborosa.

D.: Essas restrições são aplicáveis ao ser realizado também? B.: Não. Ele está estabilizado, e não é afetado pela comida que ingere.

D.: Pode o jejum ajudar no caminho rumo à Realização? B.: Sim, mas é apenas uma ajuda temporária. A verdadeira ajuda é o jejum mental. O jejum não é um fim em si mesmo; o desenvolvimento espiritual deve ser concomitante.

O jejum total também enfraquece a mente e lhe deixa sem a força necessária para a busca espiritual. Portanto, o melhor é comer moderadamente e prosseguir a busca.

CELIBATO

É normal na índia que todos aqueles que não renunciam o mundo para se tornarem sadhus se casem. Bhagavan sempre insistia que o verdadeiro brahmacharya é viver constante em Brahman. Ele não encorajava a adoção formal do manto amarelo-laranja (o sannyasa exterior).

Ele nem prescrevia nem desencorajava a castidade; ocasionalmente ele demonstrava interesse em nascimentos e casamentos entre seus devotos, bem como por aqueles que espontaneamente renunciavam o desejo sexual.

DEVOÇÃO

O bhakti marga, o caminho do amor e da devoção é normalmente considerado a antítese da auto-inquirição, já que é um caminho baseado na presunção da dualidade adorador-adorado, amante-amado, pai-filho, enquanto que a auto-inquirição pressupõe a não-dualidade.

Por isso os teóricos podem acabar presumindo que se um desses está baseado na verdade o outro deve estar baseado no erro, e, assim, expondo um caminho eles frequentemente condenam o outro.

Bhagavan não apenas reconhecia a validade desses dois caminhos como também guiava seus seguidores nos dois. Ele dizia: existem dois caminhos: ou investigue “Quem sou eu?' ou se entregue." Muitos de seus seguidores tomaram esta segunda via.

Se a pessoa se entregar completamente, não sobrará ninguém para fazer perguntas ou para ser levado em consideração. Ou os pensamentos são eliminados agarrando-se o pensamento raiz, o "eu", ou a pessoa se entrega incondicionalmente ao Poder Maior.

Esses dois são os únicos caminhos rumo à Realização.

A auto-inquirição, buscando a fonte do ego, descobre-o inexistente - e assim, "elimina-o"; já a devoção o abandona por meio da entrega. Assim, ambos levam ao estado livre de ego, que é tudo o que se busca.

Há apenas duas maneiras de conquistar o destino (karma) ou ser independente dele. Uma é investigar quem está submetido a esse destino, e assim descobrir que é apenas o ego que está preso a ele, e não o Eu Real, e que o ego é não-existente.

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A outra forma é matar o ego através da entrega absoluta a Deus, compreendendo sua própria impotência, dizendo constantemente: "Não eu, mas Vós, Oh meu Senhor!", assim renunciando todo sentimento de "eu" e "meu", e deixando que Deus faça o que quiser com você.

Enquanto o devoto desejar isso ou aquilo de Deus, a entrega não será completa. A verdadeira entrega é amar a Deus pelo próprio amor, e não a fim de ganhar alguma coisa, nem mesmo a salvação. Em outras palavras, para conquistar o destino é necessário apagar o ego completamente.

A centelha do conhecimento espiritual (Jnana) consumirá toda a criação como se fosse um castelo de palha. Como todos os inumeráveis mundos são construídos sobre as bases fracas e irreais do ego, eles todos se desintegram completamente quando a bomba atômica de Jnana cai sobre eles.

Tudo o que se fala sobre a entrega é como roubar açúcar de uma imagem de açúcar de Ganesha e depois oferecê-lo ao mesmo Ganesha. Você diz que oferece seu corpo e alma e todas as suas posses a Deus - mas eles são seus para você poder oferecer?

No máximo você pode dizer: "Eu erroneamente imaginei até agora que essas coisas, que na verdade são Vossas, eram minhas. Agora percebo que elas pertencem a Vós, e não mais agirei como se minhas fossem".

Ramana com frequência explicava que a verdadeira devoção é a devoção ao Eu Real, e portanto ela se equivale à auto-inquirição.

Basta que você se entregue. A entrega é abandonar-se à Fonte do seu ser. Não se iluda pensando que essa Fonte é algum Deus fora de você. A Fonte está dentro. Entregue-se a ela. Isso significa que você deve buscar a Fonte e mergulhar nela.

Se você mergulhar no Eu Real, não restará nenhuma individualidade, você se tornará a própria Fonte. E então o que é a entrega? Quem se entregaria, e para quem? Isso é devoção, auto-inquirição, e sabedoria.

A entrega não é fácil. Toda vez que você tenta entregar-se o ego tenta impedi-lo, e assim você deve afastá-lo. Matar o ego não é fácil. A entrega completa só pode ser alcançada quando o próprio Deus, por meio de Sua Graça, puxa a mente do devoto para o interior.

A entrega completa implica que você não tenha nenhum desejo próprio, que apenas a vontade de Deus é a sua vontade, que você não tem vontade própria.

Para atingir a entrega há dois caminhos. Um é buscar a fonte do "eu" e mergulhar nessa Fonte; o outro é sentir "eu sou impotente sozinho; apenas Deus é todo-poderoso, e a única maneira de estar seguro é me atirando completamente Nele", assim desenvolvendo gradualmente a convicção de que apenas Deus existe, e de que o ego é irrelevante.

Ambos os métodos levam ao mesmo objetivo. A entrega completa é apenas outro nome para Jnana ou Libertação. Entretanto, a pessoa pode começar com uma entrega parcial, e gradualmente ir se entregando mais e mais completamente.

Os dualistas podem argumentar que o caminho devocional aprovado por Bhagavan não é o que eles tinham em mente, já que o caminho deles pressupõe uma dualidade permanente entre Deus e o devoto.

Em tais casos o Bhagavan propunha que eles primeiro alcançassem a entrega total a um Deus "separado" do qual eles falavam, e depois verificassem se ainda lhes resta qualquer dúvida.

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O estado que nós chamamos de Realização é o estado de simplesmente ser o que se é, sem saber de nada nem tornar-se nada.

Se a pessoa alcançou a Iluminação, então ela é AQUILO que é a única coisa que existe e a única coisa que sempre existiu. Ela não pode descrever esse estado. Ela pode apenas ser AQUILO.

Nós falamos livremente de "Auto-Realização", por falta de um termo mais apropriado, mas como alguém pode realizar, ou seja, "tornar real", aquilo que é a única coisa Real? O que nós estamos fazendo é "realizando", ou tomando como real, aquilo que é irreal.

Esse hábito deve ser abandonado. Todo o esforço espiritual, prescrito por todos os sistemas, é orientado apenas para esse fim. Quando nós desistirmos de considerar o irreal como real, apenas a Realidade permanecerá e nós seremos AQUILO.

Quem critica o fato de ele ter um Deus separado? Enquanto ele precisa disso para sua devoção, está bem. Através da devoção ele se desenvolve até o ponto em que começa a sentir que apenas Deus existe, e que ele mesmo não conta.

Ele chega num nível em que diz: "Não eu, mas Vós; não a minha vontade, mas a Vossa". Quando esse nível, que no caminho de Bhakti é chamado de entrega completa, for alcançado, o devoto percebe que a anulação do ego é a conquista do Eu Real.

Nós não precisamos discutir se há duas entidades eternas ou apenas uma. Mesmo de acordo com os dualistas e com bhakti marga a entrega total é necessária. Faça isso primeiro e depois veja por si mesmo se existe apenas o Eu único ou se há dois ou mais.

D.: Pode um Jnani reter seu corpo após alcançar a Auto-Realização? B.: O que você acha que é o Jnani? Ele é o corpo ou é outra coisa além dele? Se ele está além do corpo, como poderia ser afetado por ele?

Os livros falam de diferentes tipos de Libertação: videhamukti (sem o corpo) jivanmukti (com o corpo). Pode haver diferentes níveis no caminho, mas não existem níveis de Libertação.

D.: O amor postula a dualidade. Como pode o Eu Real ser objeto de amor? B.: O amor não é diferente do Eu Real. O amor por um objeto é um amor inferior e impermanente, enquanto que o Eu Real é Amor. Deus é Amor.

Para aqueles cujo temperamento e estado de desenvolvimento exigiam, o Maharshi aprovava a adoração ritualística, que é um elemento que geralmente acompanha o caminho da devoção.

D.: Os sacerdotes prescrevem vários rituais e formas de adoração. Tais adorações ritualísticas são necessárias? B.: Sim, elas também são necessárias. O que é necessário na primeira série não é necessário na faculdade.

Mas mesmo o universitário precisa usar o alfabeto que aprendeu na primeira série. Ele conhece toda a sua utilidade e significado.

Ramana não aprovava o desejo de ter visões ou experiências místicas. Na verdade, ele não aprovava nenhum desejo, nem mesmo o desejo de alcançar rapidamente a Realização.

Todas as coisas têm seu ser em Shiva, por causa de Shiva. Portanto investigue: Quem sou eu?" Mergulhe profundamente no interior e permaneça como Eu Real. Isso é Shiva como SER. Não espere ter mais visões Dele.

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Qual a diferença entre os objetos que você vê e Shiva? Ele é tanto o sujeito como o objeto. Você não pode existir sem Shiva. Shiva é sempre realizado, aqui e agora. Se você pensa que não O realizou você está errado. Este é o obstáculo à Realização. Abandone esse pensamento e a Realização está aí.

D.: Sim, mas como posso fazer isso o mais rápido possível? B.: Isso já é outro obstáculo à Realização. Pode haver um ser individual sem Shiva? Mesmo agora Ele é você. Não há o problema do tempo. Se existisse algum momento de não-realização, então a questão da realização poderia surgir.

Mas você não pode ser sem Ele. Ele já é realizado, eternamente realizado, e nunca não-realizado. Entregue-se a Ele e sujeite-se à Sua vontade, quer Ele apareça ou desapareça; aguarde Seu capricho. Se você espera que Ele aja como você quer, isso é ordem e não entrega.

Você não pode pedir que Ele lhe obedeça e ainda assim pensar que se entregou. Ele sabe o que é melhor para você, e como e quando fazê-lo. Deixe tudo inteiramente com Ele. O fardo é Dele.

Você não deve mais se preocupar. Todas as suas preocupações são na verdade Dele. Isso é entrega. Isso é bhakti.

Conhecer a Deus é amar a Deus, portanto os caminhos de jnana (conhecimento) e bhakti (devoção) são equivalentes.

JAPA

Japa, ou seja, a prática de usar mantras e invocações do Nome de Deus é uma das técnicas mais populares de treinamento espiritual. Ela tem uma afinidade particular com o caminho bhakti da devoção e amor.

O Maharshi aprovava esse método, desde que a pessoa que o pratique tivesse sido devidamente autorizada a fazê-lo por um guru qualificado. O próprio Bhagavan ocasionalmente autorizava o uso de mantras, mas apenas muito raramente.

O objetivo é afastar todos os outros pensamentos exceto o pensamento OM, ou Ram, ou Deus. Todos os mantras e invocações ajudam a fazer isso.

Quanto mais devoção for posta nessa prática, mais eficiente é a invocação ou a repetição do mantra.

D.: Quando eu invoco o Nome Divino por uma hora ou mais, eu caio em um estado semelhante ao sono. B.: "Semelhante ao sono", está correto. É o estado natural. Como você agora se identifica com o ego, você olha para o estado natural como se fosse algo que interrompesse seu trabalho ou prática.

Então você deve ter essa experiência repetida até que você perceba que esse estado é seu estado natural.

Então você verá que a invocação é algo exterior, mas mesmo assim ela continuará interiormente de forma automática.

D.: Como eu devo praticar a invocação? B.: Não se deve meramente repetir o nome de Deus mecânica e superficialmente, sem nenhum sentimento de devoção.

Quando alguém usa o nome de Deus, ele deveria chamá-lo com fervor e entrega incondicional. Apenas depois de tal entrega é que o nome de Deus permanecerá sempre com você.

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Quando Japa é combinado com dhyana que, na falta de um termo melhor, é traduzida como "meditação". Por esse motivo, a invocação silenciosa é, por ser mais voltada ao interior, melhor que a invocação verbal.

Adoração, mantras, e meditação são praticados respectivamente com o corpo, fala, e mente, e estão nessa ordem ascendente de valores.

Você pode olhar esse universo como uma manifestação de Deus, e qualquer adoração que for feita nele é tão boa quanto a adoração de Deus.

A repetição em voz alta do Seu nome é melhor que o louvor. Melhor ainda é o sussurro tênue. Mas o melhor é a repetição com a mente - e isso é meditação, acima referida.

Melhor do que esses pensamentos intermitentes é o fluxo contínuo e estável, como o fluxo do óleo ou de um rio perene.

KARMA MARGA

Ramana Maharshi desencorajava tanto o engajamento em atividades desnecessárias como a renúncia completa à atividade, prescrevendo apenas a realização das atividades rotineiras necessárias da vida de maneira desapegada, simultaneamente à prática da auto-inquirição ou devoção.

D.: Como pode o domínio do ego ser afrouxado? B.: Não se acrescentando novas vasanas (tendências mentais) a ele.

D.: Como a atividade pode ajudar? Ela não apenas torna mais pesado o fardo que carregamos e que buscamos remover? B.: Ações feitas sem a noção de ego purificam a mente e ajudam-na a concentrar-se na meditação.

D.: Mas e se eu fosse apenas meditar constantemente sem nenhuma atividade? B.: Tente e veja. Suas tendências mentais inatas não lhe deixarão em paz. A meditação (dhyana) vem apenas gradualmente, através do enfraquecimento das vasanas por meio da Graça do Guru.

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— Capítulo Sete —

A META

A Auto-Realização é a meta final e é em si mesma o propósito.

Por que você pergunta sobre a Auto-Realização? Por que você não está satisfeito com seu estado atual? E evidente que você não está satisfeito com ele, e essa insatisfação chegará ao fim quando você realizar o Eu.

A natureza da Realidade é: (a) Existência sem inicio ou fim, eterna. (b) Existência em toda parte, sem limites, infinita. (c) Existência por detrás de todas as forças, mudanças, matéria e espírito. Os muitos mudam e passam, mas o Um sempre permanece. (d) O Um substitui as tríades tais como conhecedor-conhecimento-conhecido. As tríades são apenas aparências que surgem no tempo e no espaço, enquanto que a Realidade é o que está além e atrás delas. As tríades são como miragens sobre a Realidade. Elas resultam da ilusão.

O "Eu" abandona a ilusão do "eu" e ainda assim permanece "Eu". Tal é o paradoxo da Auto-Realização. Os seres realizados não há contradição nisso.

"Auto-Realização" é realizar a Realidade, realizar aquilo que é. Mas a Realidade permanece sempre a mesma, eterna e imutável, quer a realizemos ou não.

Bhagavan desaprovava indagações sobre o significado e a natureza da Realização, pois seu propósito era ajudar o aspirante a alcançá-la, e não satisfazer sua curiosidade mental.

Normalmente ele lembrava às pessoas que o que era necessário era um esforço para alcançar o Auto-Conhecimento; e, quando este for alcançado, as dúvidas e confusões não mais surgirão.

Algumas pessoas que vêm aqui, ao invés de perguntarem sobre si mesmas, fazem inúmeras perguntas. Suas perguntas são infindáveis. Por que se preocupar com essas coisas? Por acaso a Libertação consiste em saber as respostas para essas perguntas?

Então eu lhes respondo: "Não se preocupe com a Libertação. Primeiro descubra se há aprisionamento. Investigue a você mesmo primeiro".

Às vezes ele apontava que mesmo falar de Auto-Realização é uma ilusão - uma saída ilusória de uma prisão ilusória.

Uma coisa que obstrui o entendimento, em especial dos teólogos, é o contraste entre a Auto-Realização e a santidade. Existiram santos em todas as religiões. Eles são bastante diferentes entre si.

Alguns possuíam poderes sobrenaturais, outros viviam embriagados na beatitude divina, outros ainda se entregaram ao serviço amoroso à humanidade, mas todos tinham uma característica em comum: uma pureza além da do homem comum. Pode-se dizer que seu estado é divino mesmo morando na terra.

No entanto, a Auto-Realização não está nisso tudo. Tudo isso existe num estado de dualidade, no qual Deus ou Atman (Eu Real) é o "outro", no qual a prece é necessária e a revelação, possível.

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Rigorosamente falando, esses santos estão tão longe da Auto-Realização quanto o homem comum, pois não existe uma escala matemática entre o Absoluto e o condicionado (relativo), entre o Infinito e o limitado. Um milhão não está mais perto do Infinito do que mil.

Da mesma forma, em sentido relativo pode-se dizer que o santo está mais perto da Realização que o homem comum, assim como é mais fácil para um homem comum alcançar a Realização do que para um cachorro, em que pese ambos estarem igualmente presos à ilusão de existir como um ser individual.

Há níveis de realização entre os santos, assim como há uma hierarquia dos céus; e tanto estes como aqueles correspondem aos graus de iniciação nos caminhos espirituais indiretos.

Bhagavan não falava sobre esses níveis espontaneamente, já que seu propósito não era elevar seus seguidores de nível a nível na realidade aparente, mas sim dirigi-los rumo à Realidade una, eterna, e universal.

D.: Nós vamos a svarga (céu) como resultado das nossas boas ações aqui? B.: O céu é tão real quanto sua vida presente. Mas se nós perguntarmos "Quem sou eu?" e descobrirmos o Eu Real, qual a necessidade de pensar sobre o céu? Onde está o Eu Supremo ou o céu senão em você?

Comparado com o Eu Real, nem esse mundo nem nenhuma esfera espiritual superior é inerentemente real, assim como, comparado ao infinito, um número grande não significa mais que um pequeno.

Um santo pode atingir um nível muito elevado sem nem mesmo conceber a Realidade última da Unidade, ou tendo apenas tido breves vislumbres extasiantes dela. Mas isso não importa; o poder da sua pureza e aspiração irá finalmente levá-lo adiante, nesta vida ou depois.

Para aquele que visualiza a Meta final e se esforça em sua direção não há níveis, ou ele é realizado ou não é. Sobre isso Bhagavan falava explicitamente, pois este era o caminho que ele prescrevia.

Não há níveis na Realização ou Mukti Não existem estágios de Libertação.

A Realidade não tem níveis; há apenas níveis de experiência para o indivíduo, e não de Realidade. Se algo que não estava lá antes pode ser ganho, então isso também pode ser perdido; mas o Absoluto é eterno, aqui e agora.

No entanto, apesar de não haver estágios de Auto-Realização, existe o que pode ser chamado de "insights" ou vislumbres da Realidade, que ainda não estão estabilizados e nem são permanentes.

Às vezes esses insights acontecem para pessoas que, nesta vida, nunca tiveram nenhuma prática espiritual. Na medida em que a obscuridade do ego do aspirante é enfraquecida pela abnegação, ele se torna mais sujeito a tê-los.

Pode um homem se tornar um ministro de estado simplesmente porque viu um? Ele só pode se tornar um caso se esforce para isso e se prepare para a posição.

Similarmente, pode o ego, que está aprisionado como mente, tornar-se o Eu Divino simplesmente por ter tido uma vez o insight de que ele é o Eu? Seria isso possível sem a destruição da mente?

A Realização leva tempo para se estabilizar. O Eu Real certamente está dentro da experiência direta de todos, mas não da forma como eles imaginam. As vasanas (tendências) velam o Eu Real, que normalmente estaria manifesto.

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Devido à flutuação das vasanas, a Realização demora a se estabilizar. A Realização intermitente não é suficiente para acabar com o ciclo de renascimentos, e ela não pode se tornar permanente enquanto houver vasanas.

Na presença de um grande mestre as vasanas deixam de ser ativas e a mente se torna quieta, de forma que o samadhi resulta. Assim, na presença do mestre o discípulo ganha conhecimento verdadeiro e uma experiência correta.

Mas para isso ser estabilizado é necessário um esforço adicional. Então o discípulo saberá que isso é seu verdadeiro Ser, e assim será libertado mesmo enquanto no corpo.

Alguns críticos argumentavam que a busca pela Auto-Realização é arrogante e pretensiosa. Se, em lugar de teorizar, eles tomassem a prática de erradicar as vasanas, que são as raízes do ego, eles logo compreenderiam.

Na verdade, a busca pela Auto-Realização está além da arrogância e da humildade, além de todos os pares de opostos; ela simplesmente é o que é. Ela não envolve meramente tornar o ego mais humilde, mas dissolvê-lo por completo.

Você é o Eu Real mesmo agora, mas você confunde a sua consciência atual, ou ego, com a Consciência Absoluta, ou Eu Real. Essa falsa identificação existe devido à ignorância, e a ignorância desaparece junto com o ego. Matar o ego é a única coisa a ser feita.

A Realização já existe, não é necessário tentar alcançá-la. Ela não é nada externo ou novo a ser alcançado. Ela é sempre e em toda parte - aqui e agora também.

Todos os erros e defeitos estão centrados no ego. Quando o ego desaparece a Realização resulta naturalmente.

Tendo falado do santo e do filósofo místico, também deve ser mencionado o ocultista, isto é, a pessoa que busca a Realização pelos poderes sobrenaturais que ela possa trazer. Bhagavan sempre desencorajava isso.

A Realização pode trazer poderes consigo, já que o maior inclui o menor, mas o desejo por poderes irá obstruir o caminho rumo à Realização. Se o objetivo é dar ao ego novos poderes, como pode ao mesmo tempo ajudar na sua destruição? Quem busca isso não compreendeu o significado da Realização.

Quer sejam poderes superiores ou inferiores, quer provenientes da mente ou do que vocês chamam de supermente, eles apenas existem em relação ao "eu" que os possui. Primeiro descubra o que é esse "eu".

Aquele que se estabeleceu no Eu não deve nunca se desviar desse estado de atenção unifocada ao Eu, ou puro Ser, que ele realmente é.

Se ele se desviar ou se afastar desse estado, vários tipos de visões criadas pela mente poderão ser vistas; mas o praticante não deve se deixar levar por essas visões.

Não confunda nenhuma dessas coisas com a Realidade. Quando o próprio princípio mental pelo qual essas visões e experiências são vistas e conhecidas é falso ou ilusório, como podem os objetos assim conhecidos, e ainda as visões tidas, serem reais?

Há algumas pessoas tolas que, não percebendo que elas mesmas são movidas pelo Poder Divino, buscam alcançar todos os poderes sobrenaturais da ação.

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Já que a paz mental é permanente na Libertação, como podem aqueles que entregam sua mente aos poderes (siddhis) - que só podem ser alcançados através da atividade mental - mergulhar na Bem-Aventurança da Libertação, que acaba com toda a agitação mental?

D.: Um yogue pode conhecer suas vidas passadas? B.: Você conhece sua vida atual tão bem para que deseje conhecer a passada? Descubra o presente, e todo o resto seguirá. Mesmo com esse seu conhecimento limitado você sofre muito; para que se sobrecarregar com mais conhecimento ainda? Não seria sofrer mais?

A força espiritual da Realização é superior ao uso de todos os poderes ocultos juntos. Visto que não há ego no Sábio, não existem "outros" para ele. Qual é o maior benefício que pode lhe ser dado? É a felicidade, e a felicidade surge da paz.

A paz só pode reinar quando não há perturbação, e a perturbação existe por causa dos pensamentos que surgem na mente.

Quando a mente está ausente, há paz perfeita. A menos que a pessoa tenha aniquilado a mente, ela não pode ter paz e ser feliz.

E se a própria pessoa não for feliz ela não poderá dar felicidade aos "outros". Como, entretanto, não há "outros" para o Sábio, que não possui mente, o simples fato de ser Realizado já é em si suficiente para fazer os "outros" felizes também.

Primeiro alcance o estado divino, e depois faça as outras perguntas.

Nenhum poder oculto (siddhi) pode estender-se até a Auto-Realização, muito menos ir além dela. As pessoas que não estão contentes com a ideia de alcançar jnana desejam obter poderes ocultos.

Em busca dos poderes, elas seguem por vias secundárias ao invés de andarem pela estrada principal, e assim se arriscam a perderem-se no caminho. A fim de guiá-las corretamente e mantê-las na via principal, lhes é dito que os poderes vêm junto com a Realização (Jnana).

Na verdade, a Realização abarca tudo, e o Iluminado não desperdiça nem um único pensamento nos poderes. Que primeiro as pessoas alcancem Jnana, e depois elas podem buscar poderes se ainda os desejarem.

Os poderes (siddhis) podem aparecer antes ou depois da Realização, ou podem nem vir, de acordo com a natureza da pessoa, mas eles não devem ser estimados nem buscados. A presença ou a ausência de visões e outras experiências místicas não deve ser causa de desânimo no caminho.

A Auto-Realização é a coisa mais simples e natural, na verdade a única coisa simples e natural, simplesmente o estado de ser o que se é. No entanto, é um estado muito raro, desconhecido aos santos e apenas rapidamente vislumbrado pelos místicos.

Dentre mil talvez haja um que busque a perfeição espiritual. Dentre mil que buscam a perfeição espiritual, talvez haja um que Me conhece como Eu-sou (Bhagavad-Gita, VII-3).

Infelizmente na nossa época muitos falsamente pretendem ter alcançado esse estado.

Existem três aspectos de Deus, de acordo com a abordagem da Realização. São eles: Sat (Ser), Chit (Consciência), Ananda (Bem-Aventurança, Beatitude).

O aspecto do Ser é enfatizado pelos jnanis, que repousam na Essência do Ser após sua busca incessante, e que tem sua individualidade dissolvida no Supremo.

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O aspecto da Consciência é abordado pelos yoguis, que se esforçam em controlar sua respiração a fim de estabilizar a mente, e que vêem a Glória (Consciência do Ser) de Deus como a Luz irradiando-se em todas as direções.

O aspecto da Beatitude é abordado pelos devotos (bhaktas), que se inebriam com o néctar do amor Divino e perdem a si mesmos na experiência da Beatitude. Desinclinados a deixar esse estado, eles permanecem para sempre imersos em Deus.

Os quatro margas (caminhos) - Kama, Bhakti, Yoga, e Jnana – não são mutuamente excludentes. Eles são descritos separadamente apenas para transmitir a ideia de que cada um representa um aspecto de Deus, para que assim o aspirante se sinta atraído por um dos aspectos de acordo com seu temperamento.

A experiência da Realização é chamada samadhi. Muitos acreditam que o samadhi implica em um transe, mas isso não é necessariamente assim. Também é possível estar em estado de samadhi mesmo retendo todas as faculdades humanas.

Na verdade, um Sábio Auto-Realizado como o Maharshi mora permanentemente nesse estado. Nem mesmo os vislumbres da Realização mencionados anteriormente necessariamente implicam em transe.

Ramana explicou o que é o samadhi.

1. Manter-se na Realidade é samadhi. 2. Manter-se em samadhi por meio do esforço é savikalpa samadhi 3. Mergulhar na Realidade e permanecer alheio ao mundo exterior é nirvikalpa samadhi. 4. Mergulhar na ignorância e permanecer alheio ao mundo exterior é o sono. 5. Permanecer no estado natural original e puro sem esforço é sahaja nirvikalpa samadhi.

Sono Kevala Sahaja

1. Mente viva 1. Mente viva 1. Mente morta

2. Imerso no esquecimento 2. Imerso na luz 2. Dissolvido no Eu Real

3. Como um balde deixado na água do poço, mas ainda com a corda pendurada.

3. Como um rio desaguado no oceano e com sua identidade perdida

4. É retirado da água quando puxado pelo outro lado da corda

4. Um rio não volta do oceano para ser rio novamente.

Enquanto nós temos vasanas que estamos tentando abandonar, ou seja, enquanto ainda somos imperfeitos e precisamos fazer esforços conscientes para manter a mente unifocada ou livre de pensamentos, o estado sem pensamentos que nós com isso alcançamos é nirvikalpa samadhi.

Quando pelo poder da prática, permanecemos sempre neste estado, e não ficamos mais entrando e saindo do samadhi, esse é o estado sahaja (natural). No sahaja o sujeito vê apenas o Eu Real, e vê o mundo como uma forma assumida pelo Eu Real.

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D.: Pode um homem que alcançou a Realização andar, agir e falar? B.: Por que não? Você acha que a Realização significa ser inerte como uma pedra, ou se tomar um nada? Não apenas os Sábios Realizados são muito ativos como também o Deus Pessoal (Ishvara) o é, já que Ele governa o mundo e dirige suas atividades.

Samadhi no yoga o termo é usado para indicar certo tipo de transe, e há vários tipos de samadhi. Mas o samadhi do qual lhe falo é diferente; é sahaja samadhi. Nesse estado você permanece calmo e sereno durante a atividade.

Você percebe que é movido pelo Eu Real dentro de você, e permanece não afetado por qualquer coisa que você faça, diga, ou pense. Você não tem mais preocupações, ansiedades ou cuidados, pois você percebe que nada pertence a você como ego, e que tudo é feito por algo com o qual você está em união consciente.

Depois da Realização a pessoa pode continuar levando uma vida de atividade mundana ou não; não faz nenhuma diferença para seu estado.

Eles podem se retirar da vida em sociedade ou não. Alguns, mesmo após a Realização, continuam trabalhando no comércio ou então reinam uma nação.

Outros se retiram a locais solitários e se abstém de toda atividade além da mínima necessária para manter a vida no corpo. Não se pode fazer uma regra geral a respeito.

No Sutra do Diamante o Buda explica que na verdade não existem outros com os quais devemos ser compassivos. O Senhor Buda continua: "Não pense que o Tathagatha considera no seu interior: “Eu vou libertar os seres humanos”.

Porque na realidade não existem seres sencientes a serem libertados pelo Tathagatha. Se houvesse algum ser senciente a ser libertado pelo Tathagatha, isso significaria que o Tathagatha estaria acalentando em sua mente concepções arbitrárias de fenômenos tais como seu “eu”, o “eu” dos outros, os seres sencientes, e o eu universal.

Mesmo quando o Tathagatha refere-se a si mesmo, ele não está apegado a nenhum desses pensamentos arbitrários. Apenas os seres humanos terrestres pensam do “eu” como sendo uma posse pessoal.

Mesmo a expressão “seres terrestres”, como usada pelo Tathagatha, não significa que tais seres existam. É apenas uma figura de linguagem.

As pessoas muitas vezes pensam que um Iluminado deveria andar de lá para cá pregando sua mensagem. Elas perguntam como alguém pode permanecer na quietude da Realização quando há tanta miséria à sua volta. Mas o que é o Realizado? Ele vê alguma miséria fora de si mesmo?

Do ponto de vista do Iluminado, a opinião dessas pessoas se resume a isso: um homem tem um sonho, no qual vê inúmeras pessoas. Então, ao despertar ele pergunta, "Aquelas outras pessoas do sonho também já despertaram?" É ridículo.

Ou então, alguns bons homens dizem: "Não importa nem mesmo se eu não alcançar a Realização. Que eu seja a última pessoa no mundo a alcançá-la, para que eu possa ajudar os outros a se Iluminarem antes de mim mesmo!" Isso é como o sonhador dizer: "Que essas pessoas no sonho acordem antes de mim!".

Paradoxalmente, o Sábio é intensamente ativo, apesar de parecer inativo. Uma máxima de Lao-Tsé, diz: "Por meio de sua não-ação, o Sábio a tudo governa". Sri Bhagavan comentou: "Não-ação é atividade incessante." O Sábio é marcado pela atividade eterna e incessante.

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Sua imobilidade é como a imobilidade aparente de um pião: o pião está se movendo rápido demais para o olhar perceber, então ele parece estar imóvel. Entretanto, ele está girando. Assim também é a aparente inatividade do Sábio.

O Ser Realizado não é limitado ao karma. Seu corpo é preso ao destino, mas como ele não se identifica com o corpo, o karma deste não pode limitá-lo.

Sendo um com o Eu Eterno, dentro do qual este corpo, sua vida, e este mundo surgem como uma aparência ilusória - ele não pode ser limitado por nada.

Você tem a impressão de que é o corpo, então você também pensa que o Iluminado tem um corpo. Ele diz que tem corpo? Para você Ele pode parecer que tem um corpo, e que faz coisas com ele, assim como as outras pessoas fazem.

Enquanto você se identificar com o corpo, tudo isso será difícil de entender. É por isso que às vezes se diz que o corpo do Iluminado continua existindo até que seu destino (prarabdha karma) se esgote, e que uma vez que isso ocorre o corpo é abandonado.

A verdade é que o Iluminado transcendeu todos os três tipos de karma, e não está limitado nem pelo corpo nem pelo destino deste.

Tanto o homem Realizado quanto o não Realizado tem sensações, sentem prazer e dor. A diferença é que o não realizado se identifica com o corpo que tem sensações, enquanto que o Iluminado sabe que tudo isso é o Eu Real, que tudo é Brahman. Se há dor deixe-a ser; ela também faz parte do Eu, e o Eu é perfeito.

O pecado é uma ação do ego, ou ser individual, agindo em seus próprios interesses e contra a harmonia universal ou Vontade de Deus. Mas quando não há ego, quando há apenas o Eu Universal, quem vai agir contra quem?

O homem não realizado, apesar de na verdade não ser o originador de suas ações, imagina sê-lo, e por tanto pensa que o Iluminado também se sente assim, já que seu corpo é ativo. Mas este conhece a verdade e não é enganado.

O estado do Iluminado não pode ser compreendido pela pessoa não-realizada, e por isso a questão das ações de um Iluminado surge apenas aquele que não é iluminado.

Todas as qualidades boas ou divinas estão incluídas em Jnana, e todas as qualidades más ou demoníacas estão incluídas em ajnana. Quando jnana vem ajnana vai embora, então todas as qualidades divinas vêm automaticamente. Se um homem é um Jnani ele não pode mentir nem cometer qualquer pecado.

A afirmação de que não há ego ou de que a mente está morta às vezes gera incompreensões. O que se quer dizer é que a mente ou ego, enquanto criador ou originador aparente de planos, ideias e ações, está morto. A compreensão permanece, junto à Consciência pura e radiante.

Para o iluminado, os pensamentos podem continuar, assim como as outras atividades. Eles não perturbam a Consciência Suprema.

A mente pura na verdade é a Consciência Absoluta. O objeto a ser testemunhado e a testemunha finalmente se fundem e apenas a Consciência Absoluta permanece. Não é um estado de vazio ou de ignorância, mas sim o Eu Supremo.

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A lua brilha refletindo a luz do sol. Quando o sol se põe, a luz da lua é útil para fazer os objetos visíveis. Quando o sol nasce ninguém mais precisa da lua, apesar de seu disco ainda ser visível no céu. Assim também é a relação entre a mente e o Coração.

A mente é útil devido à sua luz refletida, que é usada para ver os objetos. Quando voltada ao interior, a mente mergulha na fonte da Luz que brilha por si mesma, tornando-se assim desnecessária como a luz da lua em pleno dia.

Às vezes as pessoas demonstravam medo ao pensar sobre abandonar o ego, mas Bhagavan lembrava que elas fazem isso toda vez que vão dormir.

As pessoas temem que quando o ego ou a mente for destruído o resultado será um mero vazio, e não a felicidade.

O que na verdade acontece é que o pensador, o objeto do pensamento e o próprio pensamento, mergulham todos na Fonte única, que é em si mesma Consciência (chit) e Felicidade (ananda), assim, esse estado não é inerte e nem é um vazio.

Eu não compreendo porque as pessoas deveriam ter medo de um estado no qual todos os pensamentos cessam e a mente é morta. Elas experimentam isso diariamente no sono. Durante o sono profundo não há mente nem pensamento. Mesmo assim, quando a pessoa acorda ela diz, "Dormi bem".

Além disso, no sono profundo elas entregam o ego para cair em um mero vazio, enquanto que a Realização é o mergulho na pura Consciência, que é a Bem-Aventurança suprema.

Você pode ter a mais alta felicidade imaginável. Todas as outras formas de felicidade, que você menciona como "prazer", "alegria", "felicidade", "bem-estar", são apenas reflexos de Ananda (Bem-Aventurança) que, na sua verdadeira natureza, você é.

O samadhi transcende a mente e a linguagem, e não pode ser descrito. O estado de sono profundo já não pode ser descrito; muito menos o de samadhi. Consciência e inconsciência são fases da mente, mas o Samadhi está além da mente.

Quando o Iluminado vê o mundo, ele vê o Eu Real que é o substrato de tudo que é visto. Quer o não iluminado veja o mundo ou não, ele não conhece o seu verdadeiro ser, o Eu Real.

Tome o exemplo do filme na tela de cinema. O que está lá na sua frente antes do filme começar? Apenas a tela. Nesta tela você vê todo o espetáculo, e suas cenas parecem reais. Mas se você tentar tocá-las, no que você toca? A tela na qual as imagens projetadas pareciam tão reais!

Quando o filme acaba e as imagens desaparecem, o que sobra? Novamente a tela. Assim é com o Eu Real - apenas Ele existe; as imagens vão e vêm. Se você agarrar-se ao Eu Real, o surgimento das imagens não irá enganá-lo. Também não vai mais importar se as imagens aparecem ou desaparecem.

Uma vez que o sahaja samadhi, permanente e imperturbável, seja alcançado, esse estado é Mukti, ou libertação.

Não há estágios na Realização ou Mukti. Então não pode existir um estágio de Libertação com o corpo e outro quando o corpo for abandonado.

O Iluminado sabe que ele é o Eu Real e que nada, nem seu corpo nem nada mais, existe a não ser o Eu. Para alguém assim, que diferença faria a presença ou a ausência do corpo?

Às vezes a Realização é chamada Turiya, o "Quarto Estado", pois ela é a Realidade que subjaz e dá suporte aos três estados de vigília, sonho, e sono profundo.

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Não há diferença entre o estado de vigília e o sonho. Ambos são produtos da mente. Como a vigília dura mais tempo nós imaginamos que ela é o nosso estado real; mas, na verdade, o nosso estado real é o que é às vezes chamado de Quarto Estado, que é sempre como é, e permanece intocado pela vigília, sonho, e sono.

Como nós chamamos estes três de "estados", nós chamamos aquele de estado também; entretanto, ele é apenas o estado natural do Eu Real. Dizer que é um "quarto" estado implicaria ser algo relativo, enquanto que na verdade ele é transcendental.

A nossa verdadeira natureza é Libertação, mas nós imaginamos que estamos presos e fazemos um grande esforço para nos libertar, apesar de sermos sempre livres. Mas isso só é compreendido quando nós chegamos àquele estado.

Então nós ficaremos surpresos ao descobrir que nós estávamos lutando freneticamente para atingir algo que nós sempre fomos e somos. Uma ilustração esclarecerá esse ponto:

Um homem vai dormir nesta sala. Ele sonha que está fazendo uma viagem pelo mundo, atravessando montanhas e vales, e após vários anos, fatigado com essas viagens tão árduas, retorna a este país, chega até Tiruvannamalai, entra no Ashram e caminha até esta sala.

Então naquele momento ele acorda e percebe que não tinha saído dali o tempo todo, e que tudo fora um sonho. Ele não voltou a esta sala depois de grandes esforços, ele esteve aqui o tempo todo. É exatamente assim.

Se você perguntar por que, estando realmente livres, imaginamos que estamos presos, eu respondo, "Por que, estando aqui na sala, você imaginou que viajava o mundo, atravessando montanhas e vales, mares e desertos?" Tudo é o jogo da mente ou maya.

A dualidade de sujeito e objeto, e a tríade de observador, observação, observado, só podem existir se sustentadas pelo Um. Se a pessoa se voltar ao interior em busca dessa Realidade Una, elas desaparecem. Aqueles que vêem isso são aqueles que vêem a Sabedoria. Eles nunca estão em dúvida.

O Divino dá luz à mente e brilha dentro desta. Exceto voltando-se a mente ao interior e fixando-a no Divino, não há nenhum outro meio de conhecê-Lo através da mente.

Para aquele que está imerso na beatitude do Eu Real, nascida da extinção do ego, o que resta a ser alcançado? Ele não está consciente de nada a não ser do Eu Real. Como pode o seu Estado, que é sem mente, ser compreendido pela mente?

Apesar de as escrituras proclamarem "Você é Aquilo", é apenas um sinal de fraqueza mental meditar "Eu sou Aquilo, e não isto", porque você é eternamente Aquilo. O que precisa ser feito é investigar o que se realmente é, e permanecer Aquilo.

É ridículo dizer tanto "Eu não realizei o Eu Real" como "Eu realizei o Eu Real". Por acaso existem dois "eus", para que um seja objeto da realização do outro? E uma verdade dentro da experiência de cada um que há apenas um Eu.

É devido à ilusão nascida da ignorância que as pessoas falham em reconhecer e permanecer Naquilo que é sempre e para todos a Realidade inerente habitando como Eu Real em seu centro natural, o Coração.

Ao invés disso, elas discutem se Ela existe ou não existe, se tem forma ou não tem forma, se é dual ou não dual.

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Buscar e permanecer na Realidade é a única Conquista. Todas as outras conquistas (siddhis) são como as que são obtidas nos sonhos. Podem aqueles que estão estabelecidos na Realidade e livres de maya serem iludidos por elas?

Enquanto o homem se considerar o agente ele também colherá os frutos de suas ações; mas assim que ele realiza o Eu através da investigação "Quem age?", seu sentimento de ser o agente desaparece, e o karma triplo se extingue. Esse é o estado de Libertação eterna.

Apenas enquanto o sujeito se considera limitado é que os pensamentos "prisão" e "libertação" continuam. Quando a pessoa investiga interiormente "Quem sou eu que estou preso?", o Eu eternamente livre e auto-luminoso será realizado. Quando o sentimento de prisão chega ao fim, pode o pensamento de Libertação persistir?