quem era renato cardoso

7
Quem Era Renato Cardoso? José Manuel Veiga é escritor e ensaísta. Atenção: As opiniões expressas pelos colunistas não representam a posição da FORCV. Elas apenas traduzem o ponto de vista dos mesmos. Na realidade, a FORCV está aberta a publicar artigos de opiniões de diferentes colunistas com o intuíto de apresentar diversos pontos de vistas aos nossos leitores. Por isso, convidamos pessoas interessadas a enviar artigos de opiniões para [email protected]. Obrigado(a). Renato Cardoso é figura Central do Livro “Marcas Lamentáveis da Luta Pela Democracia em Cabo Verde”, da autoria do Dr. José Manuel Veiga a ser apresentado às 18:00H do dia 31 de Agosto, na Biblioteca Nacional. Renato de Silos Cardoso era natural do Mindelo, onde nasceu em 1 de Dezembro de 1951. Um menino de S. Vicente, como tantos outros que nascem no aconchego de um lar humilde - mas, como o outro menino na manjedoura, banhado pelas bênçãos de um Céu por vezes atento e generoso. Ele era um eleito do Céu. Renato de Silos Cardoso fez os estudos secundários no Liceu Gil Eanes, em S. Vicente. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, fez estudos de Direito Internacional na Academia de Direito Internacional de Haia - Holanda e de Administração no National Training Laboratories nos Estados Unidos da América. A influência religiosa de cariz protestante, pouco detectável na aparência do pensamento e comportamento de Renato Cardoso, foi porém muito profunda. Renato Cardoso era um conhecedor profundo da Bíblia, do pensamento religioso do protestantismo, na sua vertente nazarena, em cuja comunidade conviveu e praticou na sua juventude. É da influência religiosa e não da ideologia socialista / marxista que resulta o seu posicionamento como político de uma verdadeira esquerda progressista e democrática. Aliás, facto notório na comunicação de Renato Cardoso, como

Upload: helder-jorge

Post on 26-Sep-2015

214 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

poeta caboverdiano

TRANSCRIPT

Quem Era Renato Cardoso?

Jos Manuel Veiga escritor e ensasta.

Ateno:As opinies expressas pelos colunistas no representam a posio da FORCV. Elas apenas traduzem o ponto de vista dos mesmos. Na realidade, a FORCV est aberta a publicar artigos de opinies de diferentes colunistas com o intuto de apresentar diversos pontos de vistas aos nossos leitores. Por isso, convidamos pessoas interessadas a enviar artigos de opinies [email protected]. Obrigado(a).

Renato Cardosofigura Central do Livro Marcas Lamentveis da Luta Pela Democracia em Cabo Verde, da autoria do Dr. Jos Manuel Veiga a ser apresentado s 18:00H do dia 31 de Agosto, na Biblioteca Nacional.

Renato de Silos Cardoso era natural do Mindelo, onde nasceu em 1 de Dezembro de 1951.Um menino de S. Vicente, como tantos outros que nascem no aconchego de um lar humilde - mas, como o outro menino na manjedoura, banhado pelas bnos de um Cu por vezes atento e generoso. Ele era um eleito do Cu.Renato de Silos Cardoso fez os estudos secundrios no Liceu Gil Eanes, em S. Vicente.Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, fez estudos de Direito Internacional na Academia de Direito Internacional de Haia - Holanda e de Administrao no National Training Laboratories nos Estados Unidos da Amrica.A influncia religiosa de cariz protestante, pouco detectvel na aparncia do pensamento e comportamento de Renato Cardoso, foi porm muito profunda. Renato Cardoso era um conhecedor profundo da Bblia, do pensamento religioso do protestantismo, na sua vertente nazarena, em cuja comunidade conviveu e praticou na sua juventude. da influncia religiosa e no da ideologia socialista / marxista que resulta o seu posicionamento como poltico de uma verdadeira esquerda progressista e democrtica.Alis, facto notrio na comunicao de Renato Cardoso, como poltico, a quase que completa ausncia de fraseologia de esquerda marxizante e revolucionria da poca em que viveu. Por isso, distinguiu-se na comunidade estudantil cabo-verdiana afecta ao PAIGC e nos grupos esquerdistas portugueses, como idelogo de vulto e sui generis, pela sua defesa de uma poltica de esquerda mas democrtica.A este propsito convm lembrar que o lxico socialista/marxista revolucionrio no fez parte notria da sua exposio escrita ou oral no debate" poltico.Esta sua predisposio para 'resistir' influncia ideolgica da esquerda marxizante, que ele considerava como retrgrada, fez com que sentisse um certo desconforto pela presso que sofria na comunidade estudantil da esquerda totalitria, em Portugal.As vrias e por vezes violentas discusses que teve nos crculos estudantis, acerca de vrios aspectos da cultura cabo-verdiana, consideradas "reaccionrias" pela liderana dos estudantes cabo-verdianos da esquerda revolucionria/socialista/marxista/totalitria, criaram entre ele e vrios desses estudantes relaes de tenso que persistiram no 'perodo' ps-independncia; e em Cabo Verde recorda-se particularmente a sua posio quase que isolada de luta contra os que, por um revolucionarismo doentio, atribuam um "carcter reaccionrio" morna e a certos autores da literatura cabo-verdiana, o que ele considerava como um ataque injustificvel prpria identidade cabo-verdiana.Esta sua demarcao ideolgica da esquerda marxista (por definio, totalitria!) teve influncias na sua carreira poltica: primeiro, como j o afirmmos antes, no teve posio de destaque na estrutura clandestina do PAIGC em Portugal, dominada pela esquerda marxista, apesar do seu destacvel posicionamento como nacionalista, e mais ainda, da sua disponibilidade para aco e da sua grande capacidade de argumentao.Esta situao de "contraste" entre a sua capacidade e posicionamento na estrutura poltica ficou bem evidenciada quando, apesar de ser um militante poltico de base, foi escolhido pela estrutura "partidria" para apoiar a delegao do PAIGC s negociaes de independncia em Portugal, em 1974, tanto como consultor tcnico e como assessor poltico da delegao.Mais tarde depois da independncia, o contraste persistiu. Apesar da sua brilhante actuao como Director Geral dos Assuntos Polticos e Econmicos do M.N.E. e do destaque como leader poltico da importante seco da Praia do PAIGC, o nome de Renato Cardoso no entrou na lista de possveis candidatos Comisso Nacional do PAIGC. Para essa situao contribuiu, para alm da falta de "motivao" ideolgica da parte dos seus camaradas de Portugal para apoi-lo, as tenses e contradies que no entanto emergiram no seio do PAIGC, entre o grupo de Lisboa e a direco vinda da "luta" do PAIGC, na Guin. Para todos os efeitos Renato Cardoso era identificado com o grupo de Lisboa apesar de suas ligaes com esse grupo terem sido fundamentalmente de natureza pessoal. Convm aqui fazer uma pausa para situar o posicionamento de Renato Cardoso no contexto da luta ideolgica interna entre a "direco da luta" vinda da Guin e o grupo de Lisboa, vulgarmente associado questo do trotskismo em Cabo Verde. Renato Cardoso no foi um comunista e muito menos trotskista. No entanto, j naquela altura era um poltico de viso moderna e nessa perspectiva altamente crtico das tendncias de consolidao do que considerava prticas retrgradas do sistema de partido nico: ascendncia do partido sobre o Estado, que no seu entender facilitava a ascenso de medocres; primazia aos quadros polticos e subalternizao da capacidade tcnica; paternalismo em relao sociedade, gesto poltico-burocrtica da cultura, etc.Essas crticas eram tambm as crticas do grupo de Lisboa.Os elementos de Lisboa fundamentalmente, levantavam a questo da poltica externa que, qualificavam de pr-imperialista ou, ou no mnimo, no suficientemente revolucionria e a questo da necessidade de mobilizao naquilo que eles chamavam luta de classes e a natureza ideolgica do PAIGC. J essas questes no fizeram parte da base crtica da posio de Renato Cardoso em relao ao PAIGC. Da que ele se posicionava como "crtico de dentro" da reforma, e no preconizava a mudana dita revolucionria esquerda como propunha o grupo de Lisboa. A questo da liberdade de imprensa e sobretudo a do pluralismo poltico multipartidrio neste perodo (1975- 1979) no eram ainda colocados. O grupo trotskista defendia, sim, o direito de tendncia no seio do partido.A sua diferena ideolgica com o grupo de Lisboa no o "salvou" da conexo trotskista na viso da liderana do partido. Foi duramente criticado nas reunies que se seguiram ruptura no seio do PAIGC, em 1979, e acabou por ser afastado na prtica, das estruturas do PAIGC. No entanto, convm frisar que as campanhas para sua depurao foram conduzidas principalmente pelas estruturas intermedirias e de base, particularmente inflamadas por alguns "quadros polticos do MNE, que identificavam a sua capacidade tcnica e inteligncia como ameaa sria sua carreira no MNE e qui no PAIGC. A nvel de cpula do partido, particularmente do ento Primeiro-ministro, o seu valor como quadro j era notado e apreciado. assim que se compreende as vrias contribuies analticas a que era chamado a dar comisso de organizao e ideologia do PAIGC, margem das estruturas formais do partido. O seu regresso de Portugal, depois de concludos os estudos, vem marcar, uma nova fase na sua carreira poltica. Decididamente maduro, tcnica e politicamente, continua a posicionar-se como homem de uma esquerda moderna, preocupado com questes sociais mas abertamente defensor da abertura poltica no seu lodo multipartidrio. No entanto, neste perodo emerge um outro trao da sua personalidade poltica: um conhecedor e entusiasta das tcnicas do exerccio do poder e de liderana, isto , um partidrio da concepo da poltica como jogo. Desde sua passagem pelo Gabinete do ento Primeiro-ministro, dois homens excepcionalmente inteligentes se encontram e se fazem amigos, com embates por vezes, descobrindo um chefe do Governo preocupado com a modernizao do Estado de Cabo Verde e nesta perspectiva colabora com ele enquanto Secretrio de Estado da Administrao Pblica. Renato Cardoso entendia que a modernizao do aparelho do Estado, a sua gesto devia passar necessariamente pela reforma poltica imediata e consequente, isto pela instituio do multipartidarismo poltico. Neste ponto sempre houve hesitaes, que provinham, no fundo, das prprias contradies existentes no seio do PAICV na altura, no qual ainda no tinha conseguido vingar a tese de abertura poltica. O receio de novo pesava no seio dos militantes do PAICV, desde a base at ao topo, com nuances diferenciada, os interesses individuais eram muito escusos, e, por essas e outras razes, o debate no interior da mquina poltica do PAICV, foi sendo esbatido e protelado, vindo a acontecer, sensivelmente, cinco meses depois do assassinato de Renato Cardoso.Vice-presidente da comisso preparatria das eleies para a Independncia, em 1975; Director-Geral da Administrao Interna; Director-Geral dos Assuntos Polticos, Econmicos e Culturais do MNE; conselheiro do Primeiro-Ministro; Secretrio de Estado da Administrao Pblica data da sua morte.Acumulou os cargos de presidente da Comisso Nacional de Estudos sobre o Direito do Mar; vice-presidente da Comisso Nacional para a CEDEAO; presidente do Grupo de Trabalho da Administrao Pblica para o II PND (Plano de Desenvolvimento Nacional); membro da Comisso de Reforma Administrativa; presidente do Conselho Cientfico e Pedaggico do Centro Nacional de Formao e Aperfeioamento em Administrao, onde tambm foi professor.Como diplomata, foi chefe da representao cabo-verdiana Assembleia-geral da ONU, em 1975; tendo participado na mesma em anos posteriores; participou em vrias conferncias, a nvel ministerial dos No-Alinhados e desempenhou diversas funes diplomticas a nvel bilateral. Respondia, profissionalmente, como Diplomata-ministro plenipotencirio.Solicitado, com frequncia, a proferir conferncias sobre relaes internacionais e administrao, em vrios pases estrangeiros. Publicou "Cabo Verde - Opo por Uma Poltica de Paz". Impulsionador activo da Reforma Administrativa, que considerava uma premissa necessria a um desenvolvimento equilibrado do pas.Foi homem da Msica. Comps canes de luta e de denncia. Tocava guitarra e despertava simpatia pela simplicidade do seu modo de estar (consigo e com os outros).Licenciado em Direito pela Universidade Clssica de Lisboa (onde foi monitor da cadeira de Finanas Pblicas), profissionalmente tinha o estatuto de Diplomata-ministro plenipotencirio.Secretrio de Estado da Administrao Pblica desde 1986, de 1982 a 85 foi conselheiro do Primeiro-Ministro e coordenador do Servio de Assessoria do Primeiro-Ministro. De 75 a 82 foi director-geral dos Assuntos Polticos, Econmicos e Culturais do Ministrio dos Negcios Estrangeiros; em 1975 desempenhou as funes de director-geral de Administrao Interna, assim como as de Vice-presidente da Comisso Eleitoral que organizou as eleies para a Independncia de Cabo Verde.Desempenhou os cargos de presidente da Comisso Nacional de Estudos sobre o Direito do Mar, Vice-presidente da Comisso Nacional para a CEDEAO (Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental), presidente do Grupo de Trabalho da Administrao Pblica para o IIPND. Foi membro da Comisso da Reforma Administrativa (1983-86), presidente do Conselho Cientfico e Pedaggico do Centro Nacional de Formao e Aperfeioamento em Administrao, professor do Centro de Aperfeioamento em Administrao.Como diplomata, Renato Cardoso foi chefe da representao cabo-verdiana Assembleia-geral de ONU, em 1975; participou na Assembleia-geral da ONU de 1976,77, 1980 e 81; interveio em vrias conferncias a nvel ministerial dos No-Alinhados e at ao presente desempenhou diversas aces diplomticas a nvel bilateral.Para alm do livro de ensaios de natureza poltica " CABO VERDE, UMA OPO DE PAZ", editado pelo Instituto Cabo-verdiano do livro e do Disco.O Dr. Renato Cardoso deixou vrias composies e, com Osvaldo Osrio, subscreveu "Relance sobre a msica e a poesia no processo cultural e revolucionrio cabo-verdiano".Eis por que homenageamos Renato Cardoso; o Homem, o Profissional. O poltico talvez, mas isso outra histria. Que ser contada um dia. o derradeiro intento para nos convencermos de vez de que Renato Cardoso j no existe. Porque a sua morte, at hoje to difcil de desvendar (?), sobretudo, difcil de aceitar.