quatro_4

24
Trânsito ruim exige plano de mobilidade para capital Segundo especialistas, obras viárias não resolvem problema Foto: Corbis.com 16>> QUATRO Universidade Federal de Santa Catarina Curso de Jornalismo Jornal Laboratório da disciplina Redação IV Distribuição gratuita Supervisão: Rogério Christofoletti Florianópolis, novembro de 2009 Turismo religioso é responsável por boa parte dos deslocamentos realizados dentro do país e mo- vimenta a economia das regiões onde se encontram santuários e templos. No Brasil, muitos são os destinos dos fiéis, com des- taque para Aparecida, onde está o Santuário de Nossa Senhora Aparecida; Juazeiro do Norte, terra de Padre Cícero, e Nova Trento, onde está localizado o Santuário Santa Paulina. Quase 2 milhões de pessoas viajam pela fé Tecnologia Internet monitorada fica entre com- bate aos cibercrimes e a invasão de privacidade dos dados. Técnicos e sistemas acompanham o tráfego de informações e preservam a seguran- ça das redes. Monitoramento desa- grada alguns usuários. Policiamento da web preserva e viola direitos 6>> Comportamento Pessoas que experimentam uma saída do corpo entendem melhor a vida. O fenômeno não tem relação com nenhuma religião, mas a maio- ria das histórias descreve momentos de paz intensa, e o resultado é positi- vo. O fenômeno intriga a medicina, que estuda a atividade cerebral para tentar explicá-lo. A técnica de desligar a alma do corpo físico 16>> Política e Economia Posto do Correio Aéreo Nacional seleciona quem deseja viajar até ci- dades destino durante missões. Mi- litares têm preferência de embarque, e todos os interessados devem estar de malas prontas, já que são avisa- dos horas antes do voo. FAB cadastra passageiros para caronas aéreas 11>> Meio Ambiente Dois emissários submarinos devem lançar no oceano os dejetos produ- zidos pela população. As obras em andamento são apontadas pela com- panhia de saneamento como a me- lhor saída. Proposta é contestada por ambientalistas. Casan tem projeto polêmico para esgoto da Ilha 3>> 17>> Saúde Programa do governo do estado ain- da não conseguiu normalizar o flu- xo entre doadores e pacientes. Para o coordenador da SC Transplantes, Joel de Andrade, para o Fila Zero funcionar, é preciso organizar mode- los de gestão do projeto. De janeiro a setembro deste ano, foram feitos, em Santa Catarina, 614 transplantes de órgãos e tecidos, a maioria em Blumenau. No estado, são quinze hospitais e ambulatórios credencia- dos para a captação, distribuição e transplante. Fila Zero não reduz espera por córneas 21>> Cultura Difícil de sair, difícil de chegar. Caos urbano é resultado de dois veículos para cada três habitantes, proporção semelhante a de grandes centros, como São Paulo. Investimento no transporte público seria solução. Centrais>> Erich Casagrande Peri Carvalho

Upload: christofoletti

Post on 13-Jun-2015

2.792 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Edição 4 do jornal-laboratório QUATRO.

TRANSCRIPT

Page 1: QUATRO_4

Trânsito ruim exige plano de mobilidade para capitalSegundo especialistas, obras viárias não resolvem problema

Foto

: Cor

bis.co

m

16>>

QUATRO Universidade Federal de Santa CatarinaCurso de Jornalismo

Jornal Laboratório da disciplina Redação IVDistribuição gratuita

Supervisão: Rogério Christofoletti

Florianópolis, novembro de 2009

Turismo religioso é responsável por boa parte dos deslocamentos realizados dentro do país e mo-vimenta a economia das regiões onde se encontram santuários e templos. No Brasil, muitos são os destinos dos fiéis, com des-taque para Aparecida, onde está o Santuário de Nossa Senhora Aparecida; Juazeiro do Norte, terra de Padre Cícero, e Nova Trento, onde está localizado o Santuário Santa Paulina.

Quase 2 milhões de pessoas viajam pela fé

Tecnologia

Internet monitorada fica entre com-bate aos cibercrimes e a invasão de privacidade dos dados. Técnicos e sistemas acompanham o tráfego de informações e preservam a seguran-ça das redes. Monitoramento desa-grada alguns usuários.

Policiamento da web preserva e viola direitos

6>>

Comportamento

Pessoas que experimentam uma saída do corpo entendem melhor a vida. O fenômeno não tem relação com nenhuma religião, mas a maio-ria das histórias descreve momentos de paz intensa, e o resultado é positi-vo. O fenômeno intriga a medicina, que estuda a atividade cerebral para tentar explicá-lo.

A técnica de desligar a alma do corpo físico

16>>

Política e Economia

Posto do Correio Aéreo Nacional seleciona quem deseja viajar até ci-dades destino durante missões. Mi-litares têm preferência de embarque, e todos os interessados devem estar de malas prontas, já que são avisa-dos horas antes do voo.

FAB cadastra passageiros para caronas aéreas

11>>

Meio Ambiente

Dois emissários submarinos devem lançar no oceano os dejetos produ-zidos pela população. As obras em andamento são apontadas pela com-panhia de saneamento como a me-lhor saída. Proposta é contestada por ambientalistas.

Casan tem projeto polêmico para esgoto da Ilha

3>>

17>>

Saúde

Programa do governo do estado ain-da não conseguiu normalizar o flu-xo entre doadores e pacientes. Para o coordenador da SC Transplantes, Joel de Andrade, para o Fila Zero funcionar, é preciso organizar mode-los de gestão do projeto. De janeiro a setembro deste ano, foram feitos, em Santa Catarina, 614 transplantes de órgãos e tecidos, a maioria em Blumenau. No estado, são quinze hospitais e ambulatórios credencia-dos para a captação, distribuição e transplante.

Fila Zero não reduz espera por córneas

21>>

Cultura

Difícil de sair, difícil de chegar.Caos urbano é resultado de dois veículos para cada três habitantes, proporção semelhante a de grandes centros, como São Paulo. Investimento no transporte público seria solução. Centrais>>

Eric

h C

asag

rand

e

Per

i Car

valh

o

Page 2: QUATRO_4

DA REDAÇÃOQuatro2 Florianópolis, novembro de 2009

O jornalismo é uma atividade essen- cialmente coletiva. Por isso, uma das condições para

se fazer um bom jornal é contar com uma equipe afinada, dedicada e competente. Esta edição do QUATRO só foi possível graças à soma dessas qualidades. O time de jovens jornalistas discutiu, brigou e encontrou soluções para os muitos desafios que se apresentaram. Repórteres e editores avançaram nas madrugadas trabalhando em seus textos, enquanto que diagramadores, tratadores de imagem, ilustradores e revisores ignoraram sábados e domingos para fechar suas páginas. A qualidade do produto, bem, essa pode ser conferida ao longo de toda a edição.

Das pautas à impressão, foram cinco semanas de envolvimento da enxuta equipe. Apenas quinze alunos do quarto período de Jornalismo se ocuparam de todas as etapas de elaboração do jornal. Não é pouca coisa se lembrarmos que essa era a primeira vez que assumiam integralmente um desafio desse porte.

No fechamento, a pressão foi maior porque o professor não deu moleza. Os alunos se queixaram, suaram, mas venceram. Sinal de que responderam bem. Daqui a pouco, as lembranças serão menos traumáticas. Os jovens jornalistas vão olhar pra trás e se recordar com orgulho de sua primeira edição.

Como fizemos esta ediçãoRogério Christofoletti

Transitar é o nosso verbo

O QUATRO che-ga mais uma vez aos seus leitores com novidades. O jornal-labora-

tório semestral alcança a sua quarta edição e se consolida como uma iniciativa do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina.

A consolidação não se dá apenas porque vem sendo produzido ininterruptamente desde o início de 2008, mas porque o jornal foi bem recebido por seu público e se converteu numa proveitosa experiência pedagógica da disciplina de Redação IV. Desde o seu surgimento, o QUATRO teve equipes diferentes, professores responsáveis distintos, mas um mesmo compromisso: servir à experimentação no jornalismo, lançando mão de reportagens com temáticas originais e textos bem escritos.

A consolidação do jornal se dá ainda pela institucionalização de alguns procedimentos internos. Neste semestre, os jovens jorna-listas não só assumiram a produ-ção da edição, mas também discutiram e decidiram um conjunto de d o c u m e n t o s de suporte à publicação. A partir de ago-ra, o QUATRO tem linha edi-torial bem definida, manual de redação, guia de diagramação e plano de distribuição. Esses do-cumentos são resultados da inteli-gência e sensibilidade dos alunos, e ajudam a formatar um Projeto Editorial para o QUATRO.

As próximas equipes do jornal devem seguir as linhas estabele-cidas, fazendo ajustes conjuntu-rais quando necessários. Mas a definição do que o jornal cobre, como se posiciona, que formato assume, e como chega aos seus leitores é uma etapa que extra-pola o purismo ou a burocracia. Esses documentos sinalizam uma maturidade precoce para a publicação. Boa notícia não só para quem faz o QUATRO, mas para quem o lê. Por falar em notí-

cia, um dos principais problemas das grandes cidades é o trânsito. Ruas entupidas de veículos, trans-porte coletivo ineficiente, barulho, poluição, falta de planejamento e inchaço populacional. Os proble-mas no trânsito afetam a todos, pois todas as pessoas se deslo-cam de uma maneira ou outra. O ser humano não para. Viaja, emigra, transita, erra. Ir e vir é um dos direitos mais conheci-dos, e a problemática do trânsito é um tema que rende muito para o jornalismo. Pensando nisso, a equipe do QUATRO escolheu o “trânsito” como ponto de partida desta edição. Na verdade, radica-lizamos o conceito, estendendo o entendimento para além do tráfe-go urbano. Assim, repórteres e editores produziram pautas que cercassem os muitos sentidos de “trânsito”: direção, movimento, deslocamento, viagens, trajetó-rias.

Nossa reportagem conferiu os caminhos percorridos pelo esgoto, pelo lixo reciclado e pelo sangue após a doação; entrevistou perso-nagens que vivem nas ruas e que

perambulam em busca de atendi-mento médico; conferiu como se dá o tráfego de dados na in-ternet, como fun-cionam os GPSs, como aconte-cem as viagens astrais. A equipe

do QUATRO descobriu como se pode pegar caronas aéreas, quais os caminhos que um proje-to percorre antes de se tornar lei. Nossos repórteres contam ainda as aventuras de uma banda de rock na estrada, mostram os per-calços de cadeirantes nas ruas brasileiras, e os problemas viá-rios que tornam Florianópolis a segunda pior cidade em mobili-dade no mundo.

Nas páginas a seguir, os leito-res têm acesso às reportagens e a trechos dos bastidores de cada matéria, que estão na íntegra em nosso blog (http://blogdo4.wordpress.com). Tudo para que você se mexa, se movimente, faça do trânsito que apresenta-mos aqui a sua melhor viagem.

Pautas com vários sentidos de trânsito: direção, movimento, viagens, caminhos

Equipe do Quatro suando a camisa para cumprir dead line, diagramadores e editores em destaque

Ano II – Nº 4 – Novembro/2009 Jornal-laboratório da disciplina Redação IV Curso de Jornalismo - UFSC Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade Florianópolis – SC CEP: 88040-900 Telefone: (48) 3721-9215

Revisão: Berenice dos Santos, Claudia Xavier e Daniela Bidone. Diagramação: Alex Sobral, Diego Cardoso, João Schmitz, Nayara D’Alama, Rosielle Machado e Suélen Ramos.Fotografia, Infográficos e Ilustrações: Alex Sobral, Diego Cardoso, Erich Casagrande, Ketryn Suzanny Alves e Tomás Petersen.Circulação: Claudia Mebs, Diego Vieira e João Schmitz.Fotolito e Impressão: Diário CatarinenseTiragem: 1.500 exemplares

4Expediente

Blog: http://blogdo4.wordpress.com

Editor-chefe e professor responsável: Rogério Christofoletti, Mtb 25041 (SP)Monitora: Marina Ferraz

Editores: Berenice dos Santos, Daniela Bidone, João Schmitz, Nayara D’Alama e Rosielle Machado.

Repórteres: Alex Sobral, Berenice dos Santos, Claudia Mebs, Claudia Xavier, Daniela Bidone, Diego Cardoso, Diego Vieira, Erich Casagrande, João Schmitz, Nayara D’Alama, Roberta Perini, Rosielle Machado, Suélen Ramos, Thiago Verney e Tomás Petersen.

Foto

s: E

rich

Cas

agra

ndeEDITORIAL

E-mail: [email protected]

Page 3: QUATRO_4

MEIO AMBIENTE

Você sabe aonde vai o seu esgoto?Emissários submarinos levam para longe dejetos produzidos nas cidades. Mas solução é contestada

Quatro 3Florianópolis, novembro de 2009

Alex Sobral

Quando prontas, tubulações devem despejar até 330 litros por segundode dejetos no mar

4 A Casan dificultou ao má-ximo a comunicação com a única pessoa que tinha os dados do projeto de

construção do emissário, o geren-te de construções. Bastidores em http://migre.me/bg9s

Em Santa Catarina, apenas 9,95% da população possui tratamento de esgo-to, segundo a Asso-

ciação de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes). A situação é tão grave que o estado apresenta o se-gundo pior índice em cobertura de saneamento do país, à frente ape-nas do Piauí. Em Florianópolis, segundo a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), só 58% da população recebe aten-dimento do sistema de coleta e tra-tamento de esgoto. O restante dos dejetos vai parar nos mananciais e diretamente no mar, sem nenhum tratamento. Para resolver esta si-tuação, a Casan pretende construir dois emissários submarinos, um no norte da Ilha, na praia dos Ingle-ses, e outro na porção sul, entre as praias do Campeche e Joaquina.

Emissários são sistemas de tu-bulações construídos para levar até o fundo do mar o esgoto de-pois de passar por uma estação de tratamento. No Brasil, existem cerca de 20 emissários, dos quais dois estão em Florianópolis. O primeiro, localizado na cabeceira da Ponte Pedro Ivo, foi constru-ído em 1997, tem 600 metros de extensão e despeja 230 litros de esgoto por segundo na Baía Sul. O segundo emissário submarino, inaugurado há dois anos no bair-ro do Saco Grande, tem 800 me-tros de comprimento e descarrega cem litros por segundo de esgoto na Baía Norte. Ambos emissários dão tratamento primário aos de-jetos, que é a retirada apenas dos componentes só-lidos. A proposta de construção des-ses sistemas tem causado polêmica entre associações de moradores e ambientalistas, e já sofreu algu-mas modificações desde agosto des-te ano, quando os planos foram anunciados pelo presidente da Ca-san, Walmor de Luca.

O projeto inicial era construir 12 pequenos emissários submari-nos em toda a Ilha de Santa Catari-na, que teriam tratamento primário e despejariam os dejetos tratados no mar. No sul da Ilha, a propos-ta previa que a Estação de Trata-mento de Esgoto (ETE), que está sendo construída no Campeche, despejasse o resultado do proces-samento no Rio Tavares, que desá-gua na Baía Sul. Essa ideia revol-

tou os moradores, maricultores e lideranças comunitárias, que viam o projeto como prejudicial ao meio ambiente e à produção econômica de mariscos e frutos do mar. Algu-mas comunidades da região, como Ribeirão da Ilha e Pântano do Sul, que preservam os típicos costumes

açorianos, têm suas economias baseadas na pesca e no arte-sanato. Após muita pressão e os re-sultados de es-tudos ambien-tais feitos pela Universidade

do Vale do Itajaí (Univali), o pro-jeto foi alterado. Pesquisas reve-laram que o mar tem maior poder de autodepuração que as baías, e com um número menor de emis-sários o controle ambiental teria mais eficiência, com maior fisca-lização sobre a disposição final do esgoto. Além de um custo menor. Agora, serão construídos apenas dois emissários submarinos, cada um deles ligados a um sistema de esgoto.

Conforme os planos, o primei-ro sistema começará em Santo

Antonio de Lisboa, passará pelos bairros João Paulo, Saco Grande, Centro, Ribeirão da Ilha e levará o material bruto até a Estação de Tra-tamento de Esgoto do Campeche, às margens da rodovia SC 405. Antes de ser despejado pelo emissário a 4 quilômetros e meio da praia, o es-goto receberá tratamento secundá-rio, que extrairá maior quantidade de coliformes fecais da água através de um reator anaeróbico, seguido de um filtro biológico e desinfecção por ultravioleta. Com esse novo tratamento, o custo total aumentou para R$40,7 milhões, recursos vin-dos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Em julho deste ano, mais sur-presas na obra do Campeche. A procuradora da República, Ana Lúcia Hartmann, mandou parali-sar a construção alegando que a estação está apenas a 500 metros da Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé, área de preservação permanente. A Casan recorreu à Justiça Federal, que decidiu a seu favor: a construção estaria apenas no entorno da reserva. Hoje, a obra está 30% concluída e a Casan pre-para o Relatório de Impacto Am-biental (Rima) para apresentar à Fundação do Meio Ambiente de

Santa Catarina (FATMA).O emissário de esgoto do

norte da Ilha deve sair de Ju-rerê, passando por Canasviei-ras até o bairro dos Ingleses, onde está a estação de trata-mento, já construída desde março de 2008. Após rece-ber tratamento secundário, o esgoto será lançado então a três quilômetros e meio da praia, através da tubulação. Hoje, os dejetos são despe-jados no que ainda resta do Rio Capivari, e o emissário beneficiará, inicialmente, 90 mil pessoas, evitando que esse esgoto chegue ao rio.

Para que o projeto saia do papel é necessário que a Casan consiga os recursos. Atualmente, só está garantida a verba para a construção do sistema no sul da Ilha, e a es-timativa é de que sejam gastos R$5 milhões. Falta ainda que a FATMA aprove o relatório de impacto ambiental que, no início de novembro, foi apre-sentado pela segunda vez para análise dos técnicos do órgão.

Discute-se também se os emissários são a melhor solu-ção para Florianópolis, já que despejarão até 330 litros de esgoto por segundo no mar. Especialistas temem pelos danos ambientais causados

pelo tratamento dado aos dejetos. “O esgoto já causou problemas em vários lugares do mundo. É cíni-co defender o tratamento primário para um emissário”, afirma o jorna-lista norte-americano, Jeffrey Hoff, que reside na capital e faz parte do Movimento Urbano de Saneamen-to Básico. O presidente da Casan, Walmor de Luca, chegou a defen-der o tratamento primário para o esgoto, mas a Fundação do Meio Ambiente exigiu que fosse feita

também a segunda etapa do pro-cessamento.

O melhor exemplo de trata-mento, segundo Hoff, vem da ci-dade de Los Angeles, nos Estados Unidos, onde o esgoto recebe tra-tamento terciário tão eficiente que, em vez de ir para o mar é jogado diretamente no lençol freático para que volte a ser consumido. Para a biogeoquímica marinha, Alessan-dra Larissa Fonseca, o tratamento primário causa alterações quími-cas, biológicas e físicas onde é despejado, causando a chamada “zona morta”. “Na Baixada San-tista, coletamos amostra da água de mais de 200 quilômetros da costa do estado de São Paulo, e encontramos uma diferença muito grande no número de vida marinha em relação a áreas sem emissário. Algumas espécies são diretamente afetadas pela mudança no habitat, as tainhas já não entram na baía”.

Além do questionamento so-bre os impactos ambientais, há discussão sobre a necessidade do emissário. O jornalista Jeffrey Hoff acha que a Casan está indo na contramão da história ao inves-tir em emissários submarinos. “A Flórida, nos Estados Unidos, apro-vou lei que desativa os emissários, Nova Iorque também. A questão é que temos opções técnicas que não estão sendo usadas”. O gerente de construções da Casan, Fábio Krie-ger, afirma que os emissários fo-ram a única saída. “O lançamento do esgoto na baía seria a outra op-ção, mas na Ilha os efluentes não podem ser lançados nos rios”.

O tratamento que envolve o esgoto de um emissário submarino é longo e quando é despejado no mar já perdeu mais de 90% da sujeira. Na Estação ocorre a primeira etapa: o esgoto passa por grades que retêm garrafas, pedaços de madeira e objetos grandes. Depois, um conjunto de peneiras remove resíduos finos e só pas-sam coisas menores que 1,5 milímetro. Por último, caixas de areia filtram substâncias como óleos e graxas. O material em tratamento ainda recebe aplicações de cloro, que eliminam até 99% dos coliformes fecais, altamente prejudiciais à saúde humana.Através da tubulação do emissário submarino, o esgoto tratado segue por baixo da terra até chegar à praia. Os tubos são fixados no fundo do oceano e se estendem por quilômetros em direção ao alto mar. Alguns emissários são parcialmente aterrados e servem como área de lazer. Os emissários têm comprimentos variados. Na Flórida, por exemplo, ele segue por sete quilômetros mar adentro, enquanto o emissário que fica ao lado da Ponte Pedro Ivo, na Baía Sul, tem apenas 600 metros.

Do banheiro ao mar aberto

Arte

Qua

tro

Extensão: 3,5 KmCusto: IndefinidoPopulação atendida: 90 milSituação: Em março de 2008, foram concluídos a ETE e 4 Km do emissário.Foi entregue em outubro o estudo de impacto ambiental com as alterações exigidas pela FATMA. Está marcada uma audiência pública para 18 de dezembro. Falta licitação, conseguir os recursos de obra e obter aprovação do relatório de impacto ambiental

Extensão: 4,8 KmCusto: R$40,7 milhõesPopulação atendida: 25 milSituação: Embora os recursos para a contrução do sistema já estejam garantidos através do PAC, ainda falta a Casan entregar o relatório de impacto ambiental para ser analisado pelo FATMA. Já começou a construção da ETE do Cam-peche, depois de paralisada em julho por falta de licença ambiental.

Norte da ilha

Sul da ilha

Novos sistemas de esgoto

Page 4: QUATRO_4

A parte legal do jorna-lismo é a apuração. Mas há momentos em que essa

“aventura” parece que não existe. Bastidores em http://migre.me/bgc4

MEIO AMBIENTE

Estrada para preservação ambiental Departamento de Engenharia Civil da UFSC desenvolve soluções para tornar rodovias ecológicas

Quatro4 Florianópolis, novembro de 2009

Tomás M. Petersen

Deve-se pensar sustentavelmentedesde o projeto até a construção das Rodovias Verdes

Desde 1986, toda construção de ro-dovias no Brasil deve ser autoriza-da pelo Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O projeto deve contem-plar estudos e levantamentos que prevejam possíveis danos ambien-tais, e suas respectivas medidas compensatórias. Segundo o De-partamento Nacional de Infraes-trutura de Transportes (DNIT), a malha rodoviária do país tem 1,7 milhão de quilômetros, dos quais aproximadamente 210 mil estão pavimentados.

Para alcançar a condição de Ro-dovia Verde deve-se levar em con-sideração conceitos e tecnologias sustentáveis e de responsabilidade socioambiental desde o projeto até a construção, operação e manuten-ção. Atualmente no Brasil, cinco mil quilômetros de estradas têm essas características aplicadas, co-locando o país no topo das pesqui-sas na área, jun-tamente com os Estados Unidos. Rodovias como a BR-290 (que in-terliga a Grande Porto Alegre ao litoral gaúcho), o sistema Anchieta-Imigrantes, (que leva da capital paulista à Baixada Santista) e a Rodovia do Sol, no Espírito Santo (que liga Vitória a Guarapari) são exemplos de rodovias verdes.

Estradas ecológicas não são aquelas que cruzam florestas, par-ques ou reservas naturais. Pelo contrário, esse tipo de rodovia causa grandes impactos, como desmatamento, abandono de po-pulações nativas e atropelamento de animais silvestres. Os maiores exemplos dessas rodovias no Bra-sil são Transpantaneira, que cruza o Pantanal Mato-grossense em seus 145 quilômetros de extensão, e a Transamazônica, que desma-tou 2.300 quilômetros de floresta em sua passagem. Ambas foram construídas na década de 70, antes da lei que concede a avaliação e fiscalização do projeto ao Ibama.Soluções ecológicas - No Depar-tamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Ca-tarina (UFSC), a equipe comanda-da pelo professor Glicério Trichês estuda formas de desenvolver al-ternativas para a construção de Rodovias Verdes, aplicando desde

o reaproveitamento de resíduos industriais até o uso de nanotec-nologia nas camadas do pavimen-to. “As propostas servem para as obras irem além do que o Ibama solicita, e proporcionar uma rodo-via sustentável em quase todos os seus aspectos”, explica Trichês.

Um dos principais problemas na produção do asfalto é a emis-são de grande quantidade de gás carbônico (CO2) à atmosfera, ge-rada pela alta temperatura usada no derretimento de um dos com-ponentes da camada asfáltica. A liga asfáltica, derivada do petróleo e utilizada para agregar o material britado, é fundida à temperatura de 170 ºC. Até o final deste ano, obras do Governo Federal pretendem produzir 11 mil quilômetros de asfalto, o que gerará 270 mil tone-ladas de CO2. Uma das propostas do professor Trichês é acrescentar o mineral zeólito, que possui água em sua composição, para reduzir a temperatura em 30% e diminuir para 28 mil toneladas a quantidade do gás produzido. Nesta etapa, o resfriamento também causaria a

redução de oito para 5,5 litros de óleo diesel queimados na produção de um metro cú-bico de asfal-to. Ao reduzir a emissão de gases do efeito estufa, recebe-

se um certificado de créditos de carbono, que podem ser nego-ciados no mercado internacional. Cada crédito equivale a uma tone-lada de gás carbônico, que custa atualmente 19 euros.

Outra alternativa sustentável analisada é o uso de cinza de casca de arroz na produção do asfalto. Todos os anos, agricultores da re-gião sul de Santa Catarina produ-zem cerca de 20 mil toneladas do resíduo. A queima é necessária na produção do grão durante o pro-cesso de secagem. O destino final das cinzas causa inúmeros impac-tos ambientais – desde a poluição de lagos até a necessidade de á-reas de aterros e o seu transporte. Ao acrescentar este excedente ao cimento da camada de base do pavimento, consome-se 20% me-nos do concreto, além de torná-lo mais resistente. As cinzas do tipo pesado, provenientes das termelé-tricas, também são aproveitadas, mas economizam menos: 10% a 15% de cimento.

Outra saída para a redução de impactos ambientais nas estradas está bem embaixo do nariz dos

4

Conselho Nacional do Meio Ambiente

Através da Lei 6.938 de 1981, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SINAMA) criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), colegiado representativo de cinco setores: órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil. Sobre obras, o conselho estabelece os critérios de licenciamento e fiscalização do IBAMA:Art. 8º Compete ao CONAMA: I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluídoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA;II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as infor-mações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou ativi-dades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional.III - decidir, como última instância administrativa em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras pe-nalidades impostas pelo IBAMA

motoristas. Na verdade, bem em-baixo do próprio veículo. Depois de rodarem as estradas, os pneus também podem se tornar parte delas. Uma das técnicas desen-volvidas pela equipe do professor Trichês é triturar pneus velhos e transformá-los em pó. Em segui-da, o produto é acrescentado à mistura asfáltica e a torna mais re-sistente à fadiga, efeito de deterio-ração causado pelo constante fluxo de veículos. Em curto prazo, este procedimento deixa a mistura 30% mais cara. Porém, é utilizado me-nos material na produção de estra-das: a espessura do asfalto normal

é de 18 centímetros, enquanto com o asfalto-borracha pode-se fazer uma camada com 12 centímetros. Uma vantagem em longo prazo é o fato de o material feito com pneus ter uma maior durabilidade, tanto que “as construtoras já utilizam esse processo”, explica Trichês.

A camada de revestimento pode agregar outras tecnologias. Ao produzir um pavimento mais poroso, economiza-se material britado, extraído de pedreiras, e reduz-se o ruído do deslocamen-to dos veículos – a maior parte é gerada pelo atrito do pneu com o solo. Esse tipo de textura permite

que o som se dissipe, reduzindo em até cinco decibéis o ruído do tráfego. A superfície porosa tam-bém diminui o acúmulo de água, e consequentemente, pode evitar acidentes por derrapagens em dias de chuva.

Economicamente inviável no Brasil, a aplicação de nanopar-tículas de óxido de titânio na su-perfície das rodovias pode ajudar a reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Bastante aplicada no Japão, em pavimentação de calçadas e pinturas de paredes, es-sas partículas têm a capacidade de reter gases nitrosos. Com a chuva, esses elementos químicos (que não são poluentes) são “lavados” da superfície e escoados pelo solo, renovando a capacidade de reten-ção das nanopartículas. O desafio da equipe de Trichês é aplicar a tecnologia no asfalto de forma efi-ciente e barata.

O principal desafio é converter a sustentabilidade ambiental em valores econômicos. O professor Trichês vê no Brasil uma das li-deranças mundiais em rodovias ecológicas e acredita que elas são totalmente viáveis, mas que o pro-blema é que não se sabe em quanto implicam os usos destas alternati-vas: “A construção nos permite agregar produtos que reduzem os impactos ambientais, a questão é atribuir gastos a essas técnicas”.

Tecnologia aplicada à pavimentação:

Mistura Asfáltica:

Base:

Sub-base:

Camada final: Composta de terra, argila, pedras e material de aterro. Recebe terraplanagem

Cimento de qualidade menor, pois essa camada não recebe muito impacto

Por receber muito impacto, precisa ser resistente. Aqui, o cimento pode ser enriquecido com as cinzas da casca de arroz

Composta basicamente de material britado e resíduo de petróleo derretido

Um barril de petróleo tem 159 litros. Desta

quantidade, de 10% a 15% corresponde ao resíduo

utilizado para fazer o ligante da camada de

asfalto. Ao acrescentar borracha triturada de pneus velhos, a mistura fica mais

resistente à fadiga

O asfalto feito com borracha suporta

140kg/m³, enquanto o normal suporta

80kg/m³

A 100km/h, o pneu emite 70% do ruído de um carro, contra 12% do motor, escapamento e transmissão

Arte

Qua

tro

Page 5: QUATRO_4

Estrada para preservação ambiental Departamento de Engenharia Civil da UFSC desenvolve soluções para tornar rodovias ecológicas

MEIO AMBIENTE

Destino certo para o lixo reciclávelSeleção dos materiais coletados em Florianópolis gera renda para famílias e abastece a indústria

Quatro 5Florianópolis, novembro de 2009

João Schmitz

Foto

s: J

oão

Sch

mitz

Aos 16 anos, A.W.N. já é dono de uma casa, obtida com o dinheiro da coleta

4Nos meus dois anos de jorna-lismo, essa foi a minha primeira experiência de reportagem com um bom perso-nagem.

Bastidores em http://migre.me/bgcA

Cerca de 4% do lixo produzido na capital é destinado à coleta seletiva, segundo a Companhia de Me-

lhoramentos da Capital (Comcap). Parece pouco, mas isso representa mais de 500 toneladas de material reciclável por mês. Esta quantida-de gera renda para quem trabalha com a triagem do lixo e abastece a indústria da região com matéria-prima ecologicamente correta.

Há menos de um ano, houve mudança na rota desse tipo de lixo na cidade. Antes, os membros da Associação dos Coletores de Ma-teriais Recicláveis (ACMR) fa-ziam a coleta informal do material pelas ruas do centro e levavam o que recolhiam para um local im-provisado embaixo da Ponte Pedro Ivo Campos ou para o aterro da Baía Sul. Lá, cada coletor separa-va, pesava e vendia seu lixo. Em fevereiro deste ano, a partir da assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta entre a prefeitura e a associação, o Ministério Público de Santa Catarina determinou a desativação das instalações dos coletores sob a ponte e no aterro, e o centro de triagem foi transfe-rido para o bairro Itacorubi, junto à sede da Comcap.

A partir deste momento, a fisca-lização feita pela prefeitura passou a recolher carrinhos de catadores que insistissem em realizar o tra-balho informal. Assim, restou àqueles que de-pendem do lixo a opção de tra-balhar nas novas instalações da associação. An-tes da assinatura do termo, havia 108 coletores ca-dastrados. Depois disso, o número baixou para 60. Porém, o impedi-mento do trabalho pelas ruas fez com que essa quantidade voltasse a crescer gradativamente: hoje, nove meses depois, já são 80 as-sociados à ACMR.

Com a assinatura do Termo de Conduta, a prefeitura cedeu o gal-pão e a Comcap ficou responsável pela coleta do lixo, que atende atu-almente a 80% da população da cidade. Todo o material é levado, então, ao Centro de Triagem Sele-tiva, onde os associados à ACMR realizam a separação dos resíduos por tipo (papel branco, papelão, plástico, vidro, etc). À Comcap coube, também, o transporte dos trabalhadores até o Itacorubi. São pessoas que trabalham sozinhas ou

em família, montando sua própria jornada, de segunda à sexta-feira. A renda depende diretamente da quantidade e do tipo de lixo que cada um separa. Ganhando “limpo” - O adoles-cente A.W.N., de apenas 16 anos, trabalha com lixo reciclável desde os 12, quando ajudava sua mãe a coletar o material pelas ruas do centro da cidade. Até o início deste ano, ele trabalhava ao lado da mãe e de dois irmãos, com seu próprio carrinho e local de triagem, no aterro da Baía Sul. O jovem largou os estudos ainda na quinta série, há dois anos. Filho de pai vigia e de mãe coletora de lixo, o ado-lescente se orgulha de ganhar seu dinheiro “no limpo” ao trabalhar honestamente, enquanto seus co-legas do Morro do Mocotó, favela do centro de Florianópolis, “ga-nham no sujo”, disse, referindo-se ao crime e às drogas.

Sua maior queixa é que a renda da família diminuiu com a deci-são da prefeitura. Enquanto traba-lhavam por sua conta, coletando recicláveis pelas ruas do centro, eles mantinham uma média de R$1 mil por semana, que chega-va a R$1.400 em determinados meses. Tudo que recebiam era di-vidido em quatro partes iguais, e cada um recebia cerca de R$250. Hoje, no centro de triagem, cada um recebe uma média semanal de apenas R$175, ao separar mais de 300 quilos de material reciclável por dia.

Apesar de bastante jovem, A.W.N. já mora sozinho em sua própria casa, na comunidade onde cresceu, graças ao di-nheiro que ga-nha com o lixo. Sua mãe tam-bém comprou um apartamento

por R$25 mil no Morro do Moco-tó, com a renda do trabalho como coletora. Porém, a maior inspira-ção do garoto é a irmã: com sua parte do rateio da coleta, ela inves-tiu em sua formação e concluiu o curso técnico em enfermagem. Hoje, ainda com o dinheiro do lixo, ela continua os estudos de especia-lização à noite e sustenta a filha, de apenas dois anos. O irmão sonha em seguir seus passos e “ainda re-ceber um diploma”. Fechando o ciclo - Entre os prin-cipais materiais que passam pelo Centro de Triagem estão o pape-lão, o plástico e o papel branco, com recolhimento mensal de 90, 50 e 46 toneladas, respectivamen-te. Outros materiais, como ferro, alumínio, fios de cobre e papel

misto completam o total de 500 toneladas por mês. Entre todos, o papel branco tem o maior valor de mercado, vendido a R$0,38 o qui-lo, enquanto a mesma quantidade de papelão custa R$0,18.

Devido à falta de infraestrutu-ra, a ACMR depende de empre-sas intermediárias, que compram o lixo selecionado e revendem para a indústria. A associação está inscrita num programa da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para a aquisição de um equipamento para prensar o lixo. De acordo com o presidente da ACMR, Wolmir Santos, com a prensa, seria possível vender dire-to para o setor industrial e, assim, proporcionar uma maior renda para

todos os associados, já que o preço pago é maior.

A principal cliente da ACMR é a Almei-da Serviços Ambien-tais, empresa com sede em São José, que compra papel branco e papelão em quantidade corres-pondente a cerca de 50% de toda a pro-dução dos coletores. Segundo o diretor da empresa Milton de Almeida, o envolvi-mento com a ACMR é uma parceria que apoia o projeto e va-loriza a questão so-cial, já que envolve trabalhadores que sustentam suas famí-lias com o dinhei-

ro que recebem na triagem. O material provindo do Itacorubi é equivalente a 10% de todo o lixo reciclável que passa pela empresa.

Almeida explica que a sepa-ração da ACMR ainda é de baixa qualidade, sendo necessária uma segunda triagem assim que o ma-terial chega a seus galpões, para depois ser prensado e estar pronto e seguir para a indústria. Em sua opinião, é necessário muito mais que a compra de uma máquina para que a associação possa ven-der diretamente para a indústria. É preciso a qualificação da mão de obra e um compromisso com a qualidade, exigida pelo setor.

Em empresas intermediárias,

como a Almeida Serviços Am-bientais, o material selecionado é prensado encaminhado para a indústria, que o utiliza como ma-téria-prima para a fabricação de novos produtos. No caso do papel branco, a principal compradora é a Estrela Indústria de Papel, com sede em Palmas (PR). Lá, o pa-pel recolhido nos lares de Floria-nópolis é transformado em papel toalha e papel higiênico e retorna aos consumidores.

Além de economizar recursos públicos com transporte e ater-ramento dos resíduos sólidos, a reciclagem de materiais “propor-ciona ganhos incalculáveis para o ambiente e favorece a geração de renda entre as famílias que fazem a triagem”, acrescenta o presidente da Comcap, Ronaldo Freire.

A rota do lixo reciclável em Florianópolis não passa só por ca-minhões e máquinas, mas por tra-balhadores que tiram seu sustento de forma digna e ainda contri-buem para a preservação do meio ambiente, ao prolongar a vida útil de produtos industriais. Trabalha-dores humildes, grandes empre-sas e a sociedade, em si, ganham dinheiro e uma melhor qualidade de vida através da reciclagem.

Papel ainda passa por segunda separação

Após serem proibidos pela prefeitura de recolher lixo nas ruas, 80 coletores se associaram à ACMR

Page 6: QUATRO_4

TECNOLOGIA

Privacidade ou segurança pública? Lei obriga lan houses a cadastrar usuário e reacende discussão sobre fiscalização de dados na internet

Quatro6 Florianópolis, novembro de 2009

Diego Cardoso

Parceria entregoverno e redessociais ajuda no combate àpedofilia online

Q uem acredita que a rede mundial de computadores é um território comple t amen-

te livre está enganado. Caminhar no ciberespaço deixa uma série de pistas sobre a pessoa por trás do computador. São informações deixadas muitas vezes em locais supostamente confidenciais. Que-brar o sigilo virtual abre a brecha para questionar o que é pessoal e inacessível no mundo online. O monitoramento da internet hoje não se restringe apenas a ques-tões jurídicas: esbarra na duali-dade entre direito à privacidade e à segurança pública.

Uma das principais justificati-vas para a fiscalização da internet brasileira é evitar a divulgação de materiais com conteúdo rela-cionado à pedofilia. No dia 22 de outubro de 2009, uma lei visando combater esse tipo de crime foi sancionada pelo governador ca-tarinense em exercício, Leonel Pavan: a partir de agora, todas as lan houses e locais que comercia-lizam acesso à internet no estado deverão ter câmeras de vigilância. Além disso, essas empresas deve-rão cadastrar todos os usuários, registrando endereço, telefone, número do RG, horários do iní-cio e do final da navegação e o IP (uma sequência numérica que identifica o equipamento na rede) do computador utilizado, man-tendo essas informações por dois anos. Quem descumpre essa lei recebe multa de R$2 mil e pode ter seu estabelecimento fechado em caso de reincidências.

A aprovação da lei na Assem-bleia Legislativa do Estado foi im-pulsionada por uma investigação feita pela Diretoria Estadual de In-vestigações Crimi-nais (DEIC), onde uma rede de pedo-filia foi descoberta em oito estados brasileiros, inclu-sive Santa Catari-na. O delegado da DEIC-SC, Renato Hendges, diz que o uso da internet nesses casos é algo recente e que as lan houses são muito utiliza-das pelos pedófilos. “Eles dispo-nibilizam esse material fora do país. Quanto mais novas forem as crianças, mais valem essas ima-gens e elas valem muito”, afirma Hendges. É o anonimato de quem divulga essas fotos e vídeos que

será derrubado através da lei. Policiais da internet - Em Santa Catarina, os casos de delitos onli-ne são cobertos pelas polícias Ci-vil ou Militar, já que o estado não tem uma delegacia específica. O Brasil possui sete instituições de segurança pública especializadas em crimes cometidos virtualmen-te. No Distrito Federal, a Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia (DICAT) é um órgão de apoio às Delegacias de Polí-cia Civil da região. O delegado e diretor, Sílvio Cerqueira, conta que os casos mais frequentes de cibercrimes são injúria e difama-ção via redes sociais, ameaças, estelionato e pedofilia. “Sempre há trabalho relacionado à porno-grafia infantil. Em relação à pira-taria, não é tão comum já que, para agirmos, é necessária uma solici-tação do titular do direito autoral do material.”

Ao auxiliar em um caso, os profissionais do DICAT buscam rastros que o suspeito deixou na internet. Em alguns casos, é ne-cessário solicitar informações ao provedor ou à empresa detentora do serviço. No caso de e-mail e redes sociais, são checados alguns dados do investigado: nome de usuário, endereço IP e horário de acesso. Em alguns casos, os pro-vedores exigem uma ordem judi-cial para a liberação dos dados do usuário, algo que pode atrasar as investigações, já que cada solici-tação pode levar até quatro meses para chegar ao DICAT. “Alguns colaboram bastante, já que envol-ve risco à pessoa ou à criança, no caso da pornografia infantil”. O delegado compara o acesso a essas informações “a solicitar o registro de uma portaria de prédio numa investigação, para descobrir a identidade e a localização de uma pessoa”.Entre a lei e o abuso - A ques-

tão do moni-toramento dos dados na in-ternet esbarra em mais uma polêmica: a ética. Para o professor do Departamento de Direito da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC) especializado em Direito e Infor-mática, Aires José Rover, o registro de informações em lan houses, por exemplo, não chega a ser abusivo, pois se trata de dados administrati-vos, desde que seja feito pelas vias oficiais.

Obter uma informação pessoal

na rede pode não ser tão simples como uma consulta a um porteiro. Afinal, como se questiona Rover, “Será que um investigador pega-ria só isso? Não temos como sa-ber que dados alguém realmente conseguiu obter dessa forma”. Ele ainda afirma que “a investiga-ção faz parte de um direito mais coletivo, mas não pode se dar de forma abusiva”. Como alternati-va para essa situação, o profes-sor cita as parcerias entre o Mi-nistério Público e algumas redes sociais onde os próprios usuários ajudam a relatar casos de crimes como pedofilia online.

Os embates entre direito à pri-vacidade e interesse público fazem parte de um eterno cabo de guerra. É o que diz Guilherme Coutinho Silva, advogado e assessor jurídi-co do Departamento de Inovação Tecnológica da UFSC. Para ele, questões polêmicas não podem servir de pretexto para ações in-trusivas. “O combate à pedofilia na internet é importante, mas não pode servir de cavalo de tróia vi-sando uma legislação de controle

do usuário. Afinal, a pedofilia já existia antes da internet.”

As legislações atuais, tanto nacionais quanto internacionais, são extremamente restritivas. Elas partem do pressuposto do controle do usuário, e não das empresas, causando o distanciamento do consumidor. O próprio desco-nhecimento tecnológico é um problema. Coutinho exemplifica com uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que condenou uma empresa de tecno-logia pelo desenvolvimento do programa de P2P K-Lite Nitro - tecnologia de transferência de arquivos utilizada em programas como eMule, Kazaa, Soulseek, entre outros. A desenvolvedo-ra do software está proibida de disponibilizá-lo até que sejam ins-talados filtros que impeçam o usu-ário de baixar conteúdo protegido pela propriedade intelectual.

Uma das possíveis soluções para esse impasse seria a inver-são do que há atualmente: mediar o controle do usuário e das pró-prias empresas, não pensando so-

mente nos servidores. “O direito regula condutas, e isso vale tam-bém para a rede. Porém, está na hora de pensarmos na liberdade na rede com algumas restrições, e não em restrições com algumas poucas liberdades.”Rapidez vigiada - A velocidade da internet da UFSC é extrema-mente sedutora para downloads, legais ou não. O acesso é feito através da rede do Ponto de Pre-sença da Rede Nacional de Ensi-no e Pesquisa em Santa Catarina (PoP-SC), que provém uma cone-xão de 2GB para mais 41 institui-ções. Dessa banda, a Universidade consome diariamente cerca de 200 megabits por segundo. Para se ter uma ideia, com essa velocidade é possível baixar um filme (apro-ximadamente 700 MB) em cerca de 30 segundos. De acordo com o técnico de rede da UFSC, Cláu-dio de Marafigo, só o campus da Trindade possui cerca de 25 mil quilômetros de fibras óticas para a distribuição da conexão.

A UFSC e Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) não mo-nitoram os conteúdos baixados pelos usuários na sua rede. As empresas detentoras dos direitos autorais ou suas representantes chegam a esses usuários de várias maneiras. A principal delas é atra-vés das próprias redes P2P. Essas conexões permitem saber de onde é o usuário e qual arquivo está bai-xando. Ao detectar um endereço de IP que faça parte do domínio da UFSC, a RNP é contatada.

O coordenador técnico da PoP-SC, Guilherme Eliseu Rhoden, explica que são enviadas via email de duas a três notificações de do-wnload ilegal todos os dias, da central da RNP para a sucursal ca-tarinense. A origem é determinada através do meio em que foi baixa-do o conteúdo: na rede com cabos, é possível apenas identificar o computador; já na sem fio, pode-se chegar ao nome do usuário. Nos dois casos, o acesso à rede é imediatamente cortado, sendo res-tabelecido após um período, geral-mente até o final do ano, ou com solicitação do usuário por meio do Núcleo de Processamento de Da-dos (NPD). Alguns desses dados, como o endereço IP e o motivo do bloqueio, estão disponíveis no site http://rede.npd.ufsc.br.

O monitoramento é uma questão políti-ca, jurídica e ética. Abordar esses temas sem se perder nas

informações não foi nada fácil. Bastidores em http://migre.me/bfSO

4

Guilherme Rhoden recebe até 3 e-mails diários sobre downloads

Guilherme de Marafigo trabalha há 20 anos nas redes da UFSC

Foto

s: E

rich

Cas

agra

nde

Page 7: QUATRO_4

Privacidade ou segurança pública? Lei obriga lan houses a cadastrar usuário e reacende discussão sobre fiscalização de dados na internet

Quando escolhi fazer uma reportagem so-bre home office, não imaginei que seria tão difícil encontrar fon-tes para falar sobre o assunto.

Bastidores em http://migre.me/bfVc

TECNOLOGIA

Brasileiros aderem ao home officeSó no país, são 10 milhões de profissionais que fazem trabalho remoto ou em escritórios domésticos

Quatro 7Florianópolis, novembro de 2009

Suélen Ramos

4

A arquiteta cario-ca Norma Suely dos Santos atende muitos clientes por telefone e e-mail.

Faz seus projetos num escritório doméstico, montado em um cômo-do da sua casa, numa ruazinha do bairro Córrego Grande, em Floria-nópolis. Fabiano Machado tem a mesma profissão de Norma e tam-bém trabalha em sua casa, em São José. Além de utilizar o telefone para se comunicar com clientes e fornecedores, mantém o computa-dor conectado à internet o tempo todo. Machado manda e responde, em média, 15 e-mails por dia e tem um website para fazer contatos e divulgar seu trabalho.

Esses profissionais estão entre os 10 milhões de brasileiros que fazem trabalho remoto ou em es-critórios domésticos, contratados por uma empresa ou informalmen-te, segundo a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades, (SOBRATT). O avanço da tecno-logia possibilitou aos trabalhado-res terem em casa bons compu-tadores com acesso à internet e telefonias fixa e móvel de qualida-de, para utilizá-los como qualquer empresa faz. Um levantamento da Worldat Work, de 2008, mos-tra que 33 milhões de americanos trabalharam de casa ou outro lugar

que não a empresa, ao menos uma vez no mês. Um crescimento de 43% do teletrabalho nos Estados Unidos, se comparado a 2003.

A pesquisa feita pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e Comunicação (CE-TIC.br) mostra que em 2005, ape-nas 12% da população brasileira tinham acesso à internet em casa, sendo que 39% das conexões eram discadas. A última pesquisa, lança-da em maio deste ano, demonstra que 28% dos domicílios brasilei-ros têm um computador, 20% com acesso à internet, sendo que 58% das conexões é banda larga.

“O computa-dor fica conec-tado o dia todo e utilizo para enviar e receber propostas, estu-dar projetos, pes-quisar fornece-dores, consultar processos junto à prefeitura e enviar trabalhos para impressão.”, explica Machado, arquiteto há sete anos, três deles trabalhando em casa. Sobre a pá-gina que mantém na internet, diz que “como tenho um home office, o website cumpre a função de ser como minha vitrine, para ser visto por quem está procurando pelos meus serviços. Já fechei bons ne-gócios graças a essa divulgação”.

Nos EUA, cerca de seis mi-lhões de pessoas trabalham em

casa e, destas, metade são autô-nomas, segundo a pesquisa “Un-dress for Succes – The Naked Truth about Working”, feita por Kate Lister e Tom Harnish. Eles revelam também que se todos os americanos tivessem home office economizariam mais de US$500 bilhões e as empresas poderiam lucrar US$260 milhões a mais por ano, caso contratassem funcioná-rios que não precisassem se des-locar até a empresa. A economia gerada seria pelo menor gasto com energia e aumento da produtivida-de dos funcionários.

Em Fortaleza (CE), Hander-son Frota traba-lha em casa há três anos como desenvolvedor de sistemas. Sua profissão é diretamente li-gada à tecnolo-gia e, por isso, trouxe para seu

escritório máquinas modernas, conectadas à uma internet rápida, que são suas principais ferramen-tas de trabalho. Handerson já foi funcionário de uma empresa de Tecnologia de Informação e con-seguiu convencer seus superiores que seria mais produtivo em casa. “O projeto em que eu estava en-volvido na época não exigia que eu estivesse na empresa e conven-ci meus gerentes que iria trabalhar muito melhor em casa, concentra-

do e confortável”. Ele gostou da experiência, montou sua própria empresa, a Triadworks, e conti-nua com seu escritório doméstico. “Tenho tudo o que preciso em meu lugar de trabalho: um excelente equipamento com dois monitores, linha telefônica exclusiva e inter-net banda larga”.

A advogada Rosa Ribas Mari-nho só sai de seu escritório, que fica em sua casa, no bairro Agro-nômica, para ir às audiências. Ela já se acostumou a trabalhar assim: usa MSN, e-mail e telefone para falar com os clientes e utiliza o “peticionamento eletrônico” para encaminhar petições ao Tribunal de Justiça. “A grande maioria dos clientes tem bom manejo com a in-ternet. Então, conversamos muito por esse meio. Sou adepta da tec-nologia e o fato de digitar a petição e postar diretamente para a comar-ca, sem sair da cadeira, também é extremamente confortável e eficaz. Seria possível ter um home office sem o aparato tecnológico, mas, com certeza, não seria tão fácil”.

Rosa é advogada há 24 anos e desde 2002 trabalha em casa, as-sim como os dois filhos – um ad-vogado e uma juíza – e o marido, também colega de profissão. Ela diz que manter um escritório fun-cionando pesa consideravelmen-te no bolso e também no humor. “Não tinha sequer tempo para a família e amigos. Às vezes, tinha que estender o horário de trabalho para me livrar dos engarrafamen-

tos”. Um texto publicado na revis-ta Wired cita a pesquisa feita pela Pennsylvania State University, que concluiu que o homeofficer – trabalhador de casa – tem melhor desempenho e satisfação no traba-lho, menos conflitos com a família e menor estresse. O texto também fala que uma das vantagens do fim dos escritórios nas empresas é a economia com a ausência de custo do transporte dos funcionários, de casa para o trabalho.

Andressa Braun trabalha para a Abril Digital como jornalista free-lance, produzindo conteúdo para celular, de seu apartamento, em Florianópolis. Ela mantém con-tato com a empresa por e-mail e manda os pequenos textos aos ce-lulares dos assinantes, através de um sistema de envio de mensa-gens, via internet. “Quando mo-rava em São Paulo, ia até a Abril pelo menos uma vez ao mês. Ago-ra, todas as revisões, considera-ções e prazos, enviam-me por e-mail. Ganho por produção: faço, em média, 450 SMS por mês e eles pagam R$2,50 por cada um. É uma forma interessante das grandes empresas terem bons profissionais, sem gasto de manu-tenção de escritórios, transporte e sem direitos trabalhistas”.

Segundo Andressa, a maioria das publicações da Abril trabalha dessa forma, com profissionais sem vínculo empregatício, mas fixos. “Eles têm uma brecha para trabalhar assim, se chama Contra-to de Cessão de Direitos Autorais (CCDA). Todos os meses, envio uma autorização por e-mail para a Abril, liberando o uso do material que produzo”.

A preocupação com o meio am-biente pode reforçar o discurso a favor de que o trabalhador fique em casa. Hoje circulam em Floria-nópolis, entre carros, camionetes, ônibus e motocicletas, cerca de 230 mil veículos. Além do engar-rafamento nos horários de pico, os motoristas contribuem, na ida e volta do trabalho, com a emissão de poluentes no ar. Em Fortaleza, cidade do desenvolvedor de siste-mas Handerson Frota, há cerca de 530 mil veículos circulando. Em São Paulo, são mais de 6 milhões nas ruas.

Uma nova opçãopara empresasevitarem gastos com manutenção e transportes

Desde 1992, a arquiteta Norma Suely dos Santos atende clientes por e-mail e telefone no escritório montado em sua própria casa

Sué

len

Ram

os

Page 8: QUATRO_4

O conteúdo dos liv-ros agora pode ser acessado por meio de um aparelho que permite a leitura

de versões digitais das histórias existentes no papel. Os leitores de e-books transportam as páginas de livros, jornais e revistas para dentro do aparelho através do simples aper-tar de um botão ou por uma tela sen-sível ao toque, caso do mais famoso e-reader da atualidade, o Kindle.

Com a notícia de que as vendas para o Brasil e mais 99 países começaram no mês pas-sado, o produto, que foi o mais comprado no site da empresa americana Amazon em 2008, deixou os brasileiros curiosos para saber como funciona o americano Kindle. O modelo internacional do leitor, assim como as versões DX e Kindle 2, possui uma rede sem fio capaz de conectar o aparelho à internet e comprar os livros pelo site da Amazon, mesmo daqui do país. No Brasil, o acesso à web será feito através de uma rede 3G, a mesma rede de telefonia celular.

Implantada em 2004, a tecnolo-gia 3G ainda é recente e apenas al-gumas regiões garantem a rede para os usuários. Dos 60 principais pon-tos que a disponibilizam no Brasil, a maioria se en-contra nas cidades metropolitanas do litoral. Em Santa Catarina, mora-dores das cidades de Blumenau, Joinville e Florianópolis, até de São Carlos, com 10 mil habitantes, podem utilizar a rede 3G para comprar os livros. Quem mora em alguma ci-dade que não possui a conexão pode comprar os livros de outra maneira. É só baixar o conteúdo através de um computador e depois passá-lo para o e-reader com um cabo USB, que acompanha o aparelho. É o que faz Lucas Pestana, mestrando em biologia vegetal pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, onde mora, a rede 3G está disponível, mas explica que não consegui me conectar à internet do Brasil, e nem cheguei a usar os serviços da Amazon por meio do Kindle. Custos embutidos - A internet sem fio não é paga, mas os livros, sim. A Amazon conta com mais de 360 mil títulos disponíveis para compra. Mas o número diminui quando o usuário não é americano. Comparado com os outros 99 país-

es, o Brasil é o lugar com o máxi-mo de opções fora dos Estados Unidos, com 290 mil obras. Locais como a Jérsia, ilha no Canal da Mancha e o Zimbabwe possuem o menor acervo: 170 mil títulos.

Os preços para baixar os con-teúdos literários no exterior vão de U$5,99 a U$13,99. No Brasil, 100 mil deles custam menos de U$6. Os demais, U$12. Isso significa que O Símbolo Perdido, novo liv-ro de Dan Brown pode ser adquirido por aproximadamente R$20,50 con-tra R$39,90 nas lojas. Caso a compra seja feita pela rede sem fio, o custo de U$1,99 é embutido no preço final do produto. E não importa se a pessoa já tenha comprado o livro anterior-mente e só queria fazer o download de novo, porque a Amazon cobra o serviço de solicitação para baixar o livro, quando o usuário está fora dos Estados Unidos.

Muitos não esperaram a em-presa americana anunciar a venda do aparelho internacional para garantir o seu. Pestana recebeu seu Kindle DX em setembro deste ano. O modelo é diferente do com-ercializado internacionalmente, principalmente porque não pos-sui a wirelles, que possibilita que a compra seja realizada direta-mente do aparelho. As vantagens do modelo, porém, superam essa desvantagem. A tela do leitor tem 9,7

polegadas – contra as 6 polegadas do novo Kindle - e a capacidade de armazenar 3.500 livros, mais do que o dobro do Internacional . Enquanto o mode-lo internacional custa U$585,

valor calculado com impostos de im-portação e frete, o DX é vendido nos Estados Unidos a U$489.

Outra vantagem do modelo DX é a leitura de arquivos em PDF, for-

mato que não é reconhecido pelo Internacional. Assim, o usuário do e-reader próprio para o exterior terá que converter o arquivo para AZW. A Amazon faz essa con-versão, basta enviá-lo para um en-dereço eletrônico que cada Kindle possui e, de graça, formatos como HTML, PDF, JPEG são transfor-mados em AZW e encaminhados para o e-mail. Depois disso, o cabo USB faz a transação do com-putador para o Kindle. A tela do aparelho usa uma tecnologia cha-mada e-ink ou “tinta eletrônica”. Idêntica ao papel, ela não emite brilho e não cansa a visão. “De fato, é muito mais confortável ler na tela do Kindle. A agressão visu-al das telas de computador tradi-cionais praticamente inexiste”, concorda o mestrando.

Para ter essas facilidades, o investimento foi de R$3.500. E o preço só não aumenta a cada mês porque Pestana não compra os livros, mas baixa seus arquivos em diversos sites da internet. A aquisição do aparelho foi feita através do site Mercado Livre. O

anúncio de produtos eletrônicos importados do país norte-america-no começou em 2000, nove anos antes de incluir na lista de ven-das os leitores de e-books. Hoje, além dos modelos Kindle 2 e DX, o vendedor mineiro Guilherme Cruz também importa os aparel-hos das marcas Sony, Irex, Cybook e Freehand. A média de unidades vendidas chega a 20 por mês.O prazer do papel - Por mais que Pestana carregue seus cem liv-ros para todo lugar a um peso de quinhentos gramas, ele confessa que ainda compra muitas obras de papel. Mesma opinião de Daiane de Oliveira, auxiliar administra-tiva em Joinville. Pelo menos uma ou duas vezes por mês compra um livro de romance ou ficção. Para Daiane, que costuma levar as obras em viagens sem se inco-modar com o peso que causam, os leitores de e-books não substituem o prazer de se ler um livro de pa-pel. “Enquanto leio, cada página virada dá a sensação de mistério e curiosidade que não consigo sentir baixando a barra de rolagem no

monitor. Olhar os livros na estante e me dar conta de quantas histórias já acom-panhei e me fizeram sentir as emoções que os personagens sentiam. Não acred-ito que seja regra, só que para mim a leitura no papel é in-substituível”.

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) divulgou, em fe-vereiro deste ano, que 55% da popu-lação costuma ler livros, um total de 95,6 milhões de pes-soas. Tendo em vista o mercado promis-

sor, a empresa brasileira Braview apresentou em junho o leitor de e-books, ainda sem nome. Com uma resolução de 800x600 pixels, o e-reader lê arquivos em PDF e funciona como mp3, porém não possui a função de marcar páginas e fazer anotações, recursos ofer-ecidos pelo Kindle. Daiane pode continuar desinteressada pela tecnologia que ganha espaço no Brasil, mas o preço do e-reader brasileiro, calculado em R$340, é uma alternativa para muitos curio-sos que ainda não estão dispostos a pagar pelo produto mais vendido da Amazon.

Leitores de e-books chegam ao BrasilApesar de causar muitas dúvidas, aparelhos como o Kindle conquistam cada vez mais os usuários

TECNOLOGIAQuatro8 Florianópolis, novembro de 2009

4 Achar pessoas que comentem sobre os leito-res de ebooks não foi di-fícil. Encontrar alguém que já possuísse um é

outra história. Em fóruns, comuni-dades, em conversa com pessoas que gostam de tecnologia, os e-reader são tema central de discussões.

Bastidores em http://migre.me/bDsf

Primeiro e-readerbrasileiro devecustar R$340contra U$585do americano

Opções de e-readers para caber no bolsoEmpresas apostam na concorrência com Kindle de seis polegadas

Tela em escalas de cinza, sensível ao toque

Formatos aceitos: PDF, DOC, MP3 e de imagensMemória flash: 512 MB, com bateria para ler 7.500 páginas

Lançado em agostoPreço: U$ 299

Sony PRS-600Tela colorida, sensível ao toque

Formatos aceitos: PDF, MP3 e de imagensMemória flash: 2 GB, com bateria para permanecer ligado por 10 dias

Previsão para este mêsPreço: U$ 259

Nook, da Barnes & Noble

Botão de controle para ativar as funções

Formatos aceitos: HTML, PDF, MP3 e de imagensMemória flash: 64MB e 512 MB, com bateria para ler 8.000 páginas

Lançado em 2007Preço: U$ 350

Cybook Gen3, da Bookeen

Claudia Mebs NunesA

rte Q

uatro

Ket

ryn

Suz

anny

Alv

es

Page 9: QUATRO_4

e demarcar áreas enormes com precisão de milímetros”.

O mercado brasileiro para GPSs está em constante expansão. Atualmente, já é possível utilizar o Sistema de Posicionamento Glo-bal em quase todas as capitais do país (somente a região norte ain-da não é mapeada) e a tendência é que cada vez mais cidades sejam auditadas por diversas marcas e modelos.

tros países é muito mais eficaz que o nacional. O estudante Vinicius Rosa trabalhou durante um ano nos Estados Unidos e aproveitou para viajar pelo país em seu tempo livre. “Os GPSs de lá funcionam muito bem. Eu conseguia chegar a todos os lugares que eu queria, até mesmo os mais distantes e escon-didos”, relata Vinicius.Apesar das facilidades adquiridas com estes aparelhos, um simples erro de digitação pode compro-meter o sucesso de uma viagem. Recentemente, um casal de sue-cos errou o caminho em 650 Km ao tentar chegar à ilha de Capri, na Itália. Ao trocar a ordem das letras,os turistas chegaram à cida-de de Carpi no norte do país. O uso do aparelho por turistas no Brasil também pode ser perigoso já que nenhum aparelho disponível em território nacional é capaz de des-

viar de certos bair-ros. O turista não pode evitar áreas perigosas ou fa-velas. O máximo que um aparelho pode fazer é evi-tar determinada rua, mas isso não garante a seguran-ça do motorista e dos passageiros.

No Rio de Janeiro, por exemplo, um erro no trajeto pode fazer com que o turista se perca em uma das favelas da cidade.

Tão comuns quanto os GPSs em automóveis, estes dispositivos em celulares têm se tornado cada vez mais populares. Hoje, grande parte dos novos modelos já possui o sistema, mas ele só funciona in-dependente da conexão com a in-ternet se o usuário tiver todos os mapas que serão utilizados arma-zenados na memória do aparelho celular. Caso contrário, o usuário fica dependente da disponibilidade de sinal na região em que se en-contra.GPSs também são utilizados por aventureiros - Para aqueles que costumam fazer trilhas na mata a pé ou de bicicleta, o GPS funcio-na como uma prévia do trajeto que será percorrido.

Através de mapas disponíveis na internet pode-se escolher o ca-minho mais rápido, o menor, ou aquele de menor dificuldade. Os mochileiros não precisam mais carregar enormes mapas de papel e podem calcular as distâncias percorridas e a altitude de manei-

Pude observar que é impossível se per-der quando se tem uma rota previa-mente demarcada

no aparelho, mas manter a lancha na trilha exata requer experiên-cia. Bastidores em: http://migre.me/bxXh

GPSs estão mais baratos e dispõem de novos recursos

TECNOLOGIA Quatro 9Florianópolis, novembro de 2009

Equipamentos evoluíram, mas ainda apresentam problemas

Com novos recur- sos e maior con-fiabili-dade, os GPSs são cada vez mais uti-lizados no Brasil.

Mas apesar de seu crescente uso, o mapeamento do país ainda é pou-co eficiente. Um enorme número de mapas é disponibilizado pelos GPSs, mas o que realmente impor-ta é a quantidade de mapas audita-dos, ou seja, que tiveram suas ruas conferidas. Em todo país, apenas 269 cidades receberam essa verifi-cação, de acordo com uma pesqui-sa realizada pela Associação Bra-sileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste).

GPS é a sigla em inglês para Sistema de Posicionamento Glo-bal. Essa tecnologia de na- ve-gação conta com 24 satélites que realizam uma volta completa em torno da Terra a cada 12 horas. De-senvolvido no final da década de 70 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos para fins mi-litares, o GPS foi disponibilizado para uso civil na década seguinte, mas só começou a se popularizar no início dos anos 90. Hoje, fun-ciona como um guia interativo que indica rotas e explica como chegar ao destino final.

O uso dos GPSs foi regu- la-mentado no Brasil em agosto de 2007 quando o Conselho Nacio-nal de Trânsito aprovou a reso-lução nº 242 que permitiu o uso destes equipamentos. A liberação, po-rém, tem uma ressalva: as in-dicações das rotas não podem ser apenas mostradas nos mapas, elas precisam ser “faladas” aos mo-toristas para que eles não se dis-traiam enquanto dirigem. De lá pra cá, os modelos disponíveis se modernizaram e passaram a acu-mular funções. Hoje, existem no mercado aparelhos que integram MP3 Players, câmeras digitais e Bluetooth ao localizador.

A Pro Teste, testou os oito apa-relhos de GPS mais presentes no mercado brasileiro e descobriu que todos são fáceis de usar, po-rém mesmo os mapas auditados deixam a desejar porque não mos-tram muitos locais de interesse, como pontos turísticos, delegacias e hospitais. Os principais critérios que nortearam a análise foram versatilidade, portabilidade, na-vegação, informações no display, informações de voz e segurança

Roberta Perinino trânsito. O teste comparativo revelou que o melhor aparelho é também o mais barato e chega a custar até 1.250 reais a menos que o aparelho mais caro do mercado. O Apontador G8 foi considerado versátil e, além disso, possui ro-tas alternativas e boa recepção de sinal. O preço varia de R$579 a R$649. Os GPSs são de fato úteis no dia a dia das pessoas? - Muitos taxis-tas preferem contar apenas com seus conhecimentos de rotas e ca-minhos alternativos. É o caso de Roberto Vieira, taxista há 26 anos. Ele sempre trabalhou no mesmo ponto, no mercado público de Flo-rianópolis, e não tem dificuldades de encontrar os locais para pegar e deixar seus passageiros. “Nunca usei um GPS e nem sei como ele funciona. Aqui em Florianópolis não preciso de um equipamento desses e acho que, mesmo em outra cidade, eu teria menos dificulda-des pe-dindo in-forma- ções para as pessoas na rua do que com um GPS”, acredita o taxista.

Luiz Antônio Bernardes, tam-bém taxista, possui um GPS em seu carro. Apesar de não utilizá-lo frequentemente, já que trabalha no centro de Florianópolis e conhe-ce bem a re-gião, ele reconhece as vantagens de ter um carro com o equipamento. “Quando fui para São Paulo, o GPS facilitou muito a minha vida. Apesar de conhecer a cidade, eu não sabia que caminhos eram mais rápidos e o uso do equi-pamento fez com que economizas-se bastante tempo”, diz. Aqueles que utilizam regularmente o GPS garantem que dirigir por lugares desconhecidos é mais fácil com o aparelho.

Carlos Alberto Borghizan é vendedor e fez uma pequena via-gem de Florianópolis até Blume-nau em agosto. Ele não conhecia o local, mas como a cidade foi auditada pelo aparelho utilizado por ele, foi fácil chegar ao hotel no qual se hospedou e em todos os pontos turísticos visitados. “Se me perguntarem por onde eu passei, não vou saber dizer exatamente, eu simplesmente segui as coorde-nadas ditadas pelo GPS”, conta o vendedor.

O mapeamento de rotas de ou-

As indicações das rotas devem ser faladas para não distraírem os motoristas

ra simples e rápida. Entretanto, o aparelho não substitui a bússo-la já que consome bateria, o que pode ser um problema em trilhas longas. O ideal é manter o GPS desligado e ligá-lo ocasionalmen-te para conferir o caminho per-corrido e verificar a bússola. Um GPS portátil pode ser encontrado no mercado com preços a partir de 339,00 reais.

Uma área que foi diretamente beneficiada pela sua populariza-ção foi a topografia. Se antes os topógrafos perdiam horas cal- culando o caminho percorrido e a localização, hoje tudo ficou muito mais simples e rápido. Pedro Pau-lo dos Passos é topógrafo há 30 anos e afirma que o GPS facilita o trabalho em grandes áreas. “Com ele conseguimos economizar até 60% do tempo de medição normal

4

Arte

Qua

tro

Um pouco de orientação na história

5 mil anos a.C.: Caçadores se orien-tam pelas estrelas para encontrar suas presas.

2,5 mil a.C.: Os babilônios elaboram os primeiros mapas. Ao lado, frag-mento de um mapa-mundi babilônio.

Século XV: Portugueses percebem uma ligeira diferença entre norte ge-ográfico e norte magnético. Isso per-mitiria correção de rotas.

Séculos XV e XVI: Os navegadores portugueses inventam o sextante, instrumento que permitia calcular a altura de estrelas em relação ao hori-zonte, permitindo localização mais exata. Os mapas também são melho-rados nesta época

1917: Franceses inventam o sonar. que só seria usado depois da Primeira Guerra Mundial.

1941: Em plena Segunda Guerra Mundial, surge um instrumento para detectar aviões inimigos: o radar.

2005: A Google cria o Google Earth, ferramenta online que permite visualizar fotos de satélite do planeta todo.

1957: Russos colo-cam em órbita o primeiro satélite artificial, o Sput-nik.

1973: Surge o Sis-tema de Posiciona-mento Global, o GPS.

Page 10: QUATRO_4

menos pelas comissões de Consti-tuição e Justiça e de Cidadania, de Defesa do Consumidor e de Edu-cação e Cultura.

A maioria dos processos já pode ser aprovada diretamente nas comissões, sem passar por votação em plenário. Mas a qualquer mo-mento um congressista des- con-tente com o resultado das votações obtido nas comissões pode soli-citar que a proposta seja julgada por todos os parlamentares. Ao ser aprovado, o processo é encami-nhado à próxima casa legislativa,

por onde passará outra vez , pelas mesmas etapas. Depois da discus-são no congresso, o projeto de lei chega às mãos do Presidente da República. Ele pode vetar total ou parcialmente o projeto, deixando vigorar somente os dispositivos sancionados por ele. Em caso de veto, o Poder Legislativo pode derrubar a determinação presiden-cial através de votação secreta na Câmara e no Senado.Para alterar a constituição- A Proposta de Emenda e Constitui-ção (PEC) tem o poder de alterar a Lei Máxima do país, por isso é o tipo de regra que mais demora a ser aprovada. Deve ser proposta

Normas são sugeridas, passam por comissões e presidente

Leis percorrem caminho longo até a aprovação final

Diego Vieira

Benefícios para informaisque fogem do desemprego

Márcia Jaquelina é atendente de uma lanchone-te do centro de Florianópolis

no período da manhã e durante as tardes trabalha nas ruas vendendo meias. Mãe de três filhos e des-cendente de camelôs, Márcia en-controu no mercado de trabalho informal uma oportunidade de complementar a renda familiar. Ela não sabe exatamente quanto ganha por mês com a venda de meias, mas garante que o valor é maior que o salário fixo que rece-be. “Em dias bons, no começo do mês, chego a lucrar até R$300”.

A dificuldade para encontrar empregos formais leva todos os anos milhares de pessoas à in-formalidade. Apesar da taxa de desemprego apresentar queda em comparação ao ano passado, ela ainda varia em torno de 8%.

O programa Empreendedor Individual, lançado pelo Governo Federal em julho, visa regularizar a situação dos infor-mais, para que eles possam garantir di-reitos trabalhistas. A for-malização pode ser feita de maneira simples, através da inter-net. Após o preenchimento do cadastro, o trabalhador adqui-re o Cadastro Nacional da Pes-soa Jurídica (CNPJ), inscrição previ-denciária e entra oficialmente no mercado de trabalho formal.

Marlene Martini Palaoro é artis-ta plástica e vende seus qua- dros em feiras de artesanato, em Flo-rianópolis. Ela foi bancária, mas preferiu abandonar seu emprego para se dedicar às artes. Hoje,

Marlene sente falta da estabilidade do trabalho formal. “Gosto do que faço, mas não tenho salário fixo e todos os benefícios de quem tem a carteira assinada.” Para a artista, o programa do Governo pode ser uma boa opção para formalizar seu trabalho. Mas nem todos os autônomos podem ser beneficia-dos pelo programa, que não con-templa áreas como construção, serviços de vigilância e limpeza.

Uma atividade informal co-mum no centro de Florianópolis é a venda de passes de ônibus. De-zenas de pessoas se concentram na praça do mercado público diaria-mente comprando passes daqueles que não os utilizam e revendendo para outras pessoas. O presiden-te da recém criada Associação de Trabalhadores Autônomos de Flo-rianópolis (ATA), Vanderley Elias Duarte, é uma dessas pessoas.

O vendedor conta que a asso-ciação surgiu em maio deste ano com o objetivo de criar um canal entre os trabalhadores informais e os órgãos públicos, garantindo um espaço de trabalho nas ruas. Vanderley Elias Duarte gostaria

de trabalhar com carteira assinada, mas tem dificul-dades em arrumar emprego. Para ele “uma coisa com-pensa a outra. Com a carteira assinada eu ganharia me-nos dinheiro, mas

teria outros benefícios como fé-rias, aposentadoria e 13° salário”. Marisol Paz, consultora de plane-jamento organizacional da ATA, ressalta que o principal objetivo da Associação é conseguir recur-sos para que esses trabalhadores possam adquirir qualificação em-preendedora. “Nós queremos par-ceiros para treinar esses trabalha-dores. Queremos que eles possam montar o próprio negócio”.

Venda de passes é ocupação comum no centro de Florianópolis

Roberta Perini

Mal olhava para mim en-quanto eu fazia minhas per-

guntas, com medo de ter seus produtos levados pelo rapa. Bastidores em: http://migre.me/bxea

4

O trajeto para a apro-vação das leis no Brasil é bastante longo e desconhe-cido pela maioria

da população. Para entrar em vi-gor, a nova norma deve ser suge-rida, transitar pelo senado e pela câmara e depois ser sancionada pelo presidente.

Para iniciar, a lei deve ser su-gerida por uma autoridade com competência constitucional. São elas: Parlamentares, Presidente da República, Supremo Tribunal Fe-deral, Tribunais Superiores (TST, STJ e TSE), Procurador Geral da República e grupos organizados da sociedade. Neste caso, os pro-jetos ficam conhecidos como de Iniciativa Popular e devem contar com o apoio de 1% do eleitorado do país, cerca de um milhão de as-sinaturas, distribuídas em, no mí-nimo, cinco estados.

O próximo passo é dar entrada em uma das casas legislativas (Se-nado ou Câmara). Lá, os projetos são analisados por comissões, que são grupos de parlamentares que discutem assuntos afins.

A principal comissão é a de Constituição e Justiça e de Cidada-nia, por onde passam obrigatoria-mente todos os projetos de lei para que os congressistas verifiquem se há alguma inconstitucionalidade no texto. Depois, segue para as de-mais comissões envolvidas. Uma lei que regule as mensalidades es-colares, por exemplo, passaria ao

por, no mínimo, um terço dos De-putados Federais ou dos Senado-res, pelo Presidente da República ou por mais da metade das Assem-bléias Legislativas dos estados.

Ao contrário das leis comuns, a PEC não pode ser votada de ma-neira conclusiva nas comis-sões e deve passar por votação secreta em dois turnos nas casas legis- lativas. Depois de aprovada no congresso, segue para a sanção presidencial. Para acompanhar o andamento dos projetos, basta acessar o site da Câmara (www.camara.gov.br) e escolher a opção de receber notícias por e-mail. Já no site do Senado (www.senado.gov.br), é possível solicitar a en-trega de um jornal semanal gratui-to, com as informações do que foi discutido e aprovado pela Casa. A fiscalização é um direito da so-ciedade, e também pressiona o le-gislativo a transitar os pedidos de novas leis com mais agilidade.

A idéia de uma ma-téria sobre a formu-lação das leis par-tiu de um curso que realizei no primeiro

semestre deste ano, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Lá, percebi a necessidade de, como estudante de jornalismo, tentar explicar um dos processos mais importantes da democracia, o de como nascem as leis. A principal dificuldade foi tentar incluir um personagem. Bastidores em:http://migre.me/bx8R

4

POLÍTICA & ECONOMIAQuatro10 Florianópolis, novembro de 2009

Propostaé feita pelo Presidente, parlamentares, STF, Tribunais Superiores ou a sociedade

Vai para a casa legislativa(Senado ou Câmara)

É votada pelas comissões e plenário.

Vai para a outra casa para nova votação

Presidente assina ou não

Entenda o processo legislativo

Na última instância, o Presidente pode vetar partes ou toda a proposta. Porém, uma votação secreta na Câmara e no Senado pode derrubar o veto presidencial.

A sanção presidencial

Para mudar a Constituição com uma PEC, o processo é mais lento e rigoroso

Rob

erta

Per

ini

Arte

Qua

tro

Page 11: QUATRO_4

tino escolhido. A Base Aérea do Galeão tem o maior número de missões, portanto é para o Rio de Janeiro que há maior possibilida-de de viajar pelo CAN. Partindo de Florianópolis, é bem possível conseguir voo para Santa Maria e Canoas (RS) e para São Paulo, ca-pital, além do Rio. Mas já partiram voos para Campo Grande (MS), Manaus (AM), Pirassununga (SP), entre outras cidades.

Em 2008, 99 aviões decolaram de Florianópolis, levando ao todo 888 passageiros inscritos pelo CAN. Já neste ano, até o final de

outubro, embarcaram apenas 495. Segundo o sargento Ferreira, a re-dução ocorreu devido ao menor número de missões envolvendo a Base Aérea de Florianópolis em 2009.

Para conseguir viajar em um avião da FAB que está em missão internacional é muito difícil. São poucas missões, a maioria dos avi-ões partem da Base Aérea do Ga-leão no Rio de Janeiro, e o passa-geiro precisa de uma autorização

POLÍTICA & ECONOMIA Quatro 11Florianópolis, novembro de 2009

Militares estão no topo da hierarquia de acordo com as preferências de embarque

fab.

mil.

br

Interessados se cadastram no Correio Aéreo Nacional e viajam em aviões da FAB durante missões

Enquanto conver-sava com o Sargento Ferreira, dois aviões de patrulha da base decolaram, e a von-tade de voar só au-

mentava. Mas não foi desta vez que viajei em um avião da Força Aérea Brasileira, vou esperar por um C-130 Hércules, que deve ser mais emocionante. Bastidores em:http://migre.me/bLuo

4

Passagens aéreas sem pagar nadaErich Casagrande

Se a distância entre o ponto de partida e o de chegada é grande, viajar de avião, ge-ralmente, é a melhor

opção. Rápido, confortável e se-guro, mas caro. Atualmente, uma passagem aérea de Florianópolis a São Paulo pode custar R$700 se comprada para o dia seguinte, e cerca de R$200 com três meses de antecedência ou com valor pro-mocional. Mas a costureira Izildi-nha Morellaco viajou até a capital paulista e não gastou um centavo. Para isso, ela se inscreveu no Cor-reio Aéreo Nacional e quando um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que estava em missão com destino a São Paulo, informou que tinha vagas disponíveis, ela apro-veitou a oportunidade e viajou sem pagar nada. Desde janeiro de 2008, partiram da Base Aérea de Florianópolis 1.383 pessoas com destino a outra base militar do país em um avião da FAB.O segredo é estar disponível -“Faça a inscrição, mas deixe as malas prontas”. Essa é a dica que o sargento Ervander Cesar Ferreira dá para quem deseja de fato viajar pelo Correio Aéreo Nacional (CAN) e economizar 100% do valor da passagem. Ferreira é o militar encarregado pelo Posto CAN da Base Aérea de Florianópolis. O seu trabalho é parecido com o realizado pelos balconistas durante o check-in em companhias aéreas comerciais, a diferença é que não tem passagens para conferir, apenas bagagens e documentos. Ferreira também é responsável por avisar os passageiros quando um avião tem vagas. Foi com ele que Izildinha falou para se inscrever em um voo com destino a São Paulo.

Para viajar assim, ela foi até a Base Aérea de Florianópolis, localizada no bairro da Tapera. O portão norte fica ao lado do aeroporto Hercílio Luz. Na base, Izildinha foi até o Posto CAN com toda a documentação necessária (original e cópia da carteira de identidade e comprovante de residência), e junto com o sargento Ferreira, preencheu a ficha de inscrição.

Além disso, o interessado em viajar pelo CAN deve concordar com a vistoria, sempre que re-querida, de sua bagagem. Nesse momento, também é importante informar em qual período deseja viajar, com disponibilidade qua- se que imediata. Geralmente o passa-

geiro sabe que há vagas horas an-tes do embarque e como o avião está em missão, não espera nin-guém. “Já deixo tudo pronto, tem que sair correndo, às vezes tem só uma hora para estar na Base Aé-rea”, conta Izildinha que já deixou de viajar porque não iria conseguir chegar a tempo para o embarque.Militares têm a preferência - Atualmente, constam 50 nomes na lista de interessados para via-jar pelo CAN de Florianópolis. O último a se inscrever foi o militar aposentado Carlos Couto Filho, que esteve na Força Aérea Brasi-

leira entre 1960 e 1993. “Nem sei mais quantas vezes viajei”, conta Couto. E acrescenta ao sargento Ferreira, “quero ir para o Rio de Janeiro, pode ser qualquer dia”. Já experiente em viajar pelo CAN, Couto já está de malas prontas e provavelmente irá viajar logo.

Mas Couto tem uma vantagem sobre Izildinha. De acordo com as prioridades estabelecidas pelo documento NSCA 4-1, elabora-do pelo Comando da Aeronáutica e pelo Centro do Correio Aéreo Nacional (CECAN), ex-militares têm preferência de embarque. Couto está em sexto na hierarquia de prioridades, antes dele ainda

C-130 Hércules: capacidade para 90 passageiros. Com ele, quase todos os interessados obtêm vaga

estão todos os militares da FAB em exercício e seus dependentes familiares. Depois, seguem outros militares em exercício ou não da Marinha ou Exército e seus depen-dentes familiares. E só então cons-tam os civis, que são os últimos a serem chamados, caracterizados como o 13° grau de prioridade.

Parece difícil para um cidadão comum conseguir vaga em um avião da FAB, mas nem tanto. Na Base de Florianópolis são poucos os inscritos e nem sempre aqueles que são chamados estão de prontidão. Outras vezes, a sorte ajuda e pousa um avião com grande quantidade de vagas, como no dia 21 de fevereiro de 2009, que pousou um EMB-120 Brasília e 22 passageiros viajaram pelo CAN, sendo que 12 eram civis.Para onde o CAN vai - Os avi-ões da FAB estão em constantes missões pelo território nacional e algumas vezes em outros países. Eles levam militares para uma for-matura no Rio de Janeiro, buscam carga em Santa Maria (RS), tra-zem peças de São Paulo. Ferreira conta que o CAN já operou com rotas regulares, “mas agora é ex-clusivamente ligado a missões”. Nenhum avião é deslocado de sua missão para transportar um pas-sageiro. Todo passageiro CAN é carona e deve adequar-se à mis-são já determinada que a aeronave está cumprindo. Ao todo são 17 cidades em território nacional com Base da Força Aérea Brasileira. É possível ir para qualquer uma de-las, desde que tenha um avião em missão partindo do ponto onde o passageiro se inscreveu até o des-

do Estado-Maior da Aeronáutica ou do Gabinete do Comandante da Aeronáutica, sediado no Ministé-rio da Defesa em Brasília. A viagem em aviões da FAB - Izildinha, que é paulistana, mora em Florianópolis há um ano, e já viajou duas vezes em um avião da FAB. A primeira foi de São Paulo para Pirassununga, e a segunda de Florianópolis para São Paulo. Nas duas vezes o avião era um EMB-110 Bandeirante com capacidade de levar até 21 passageiros que ficam sentados ao longo da aero-nave em bancos laterais, junto a fuselagem.

Izildinha conta que as viagens pela FAB são diferentes: “A primeira vez que fui foi tranquilo, apenas meia hora de viagem. A segunda que foi complicada, demoramos duas horas e meia por causa do mau tempo”.

Além do Bandeirante, há outros aviões que transportam passageiros CAN. O Caravan é um dos aviões que a Base Aérea de Florianópolis utiliza para transporte de pessoas. Pequeno, ele balança enquanto voa, mas é muito usado em missões curtas até o Rio de Janeiro ou Santa Maria.

Quanto maior a aeronave, maior a possibilidade de embarque para quem aguarda na lista do CAN. O EMB-120 Brasília tem capacidade para levar 30 passageiros, mas nada comparado ao C-130 Hércules, com 40 metros de envergadura e 39 de comprimento que pode transportar até 90 passageiros. “Quando pousa um avião grande assim quase todo mundo que está na lista viaja” conta Ferreira. “Se não há restrições quanto a missão que o avião está fazendo, quase todas as aeronaves podem levar passageiros CAN”.

Helicópteros e aeronaves de combate (caças) não operam pelo CAN. “Como tem pouca gente na lista, quem está inscrito de fato voa”, conta Ferreira, que também diz sair voo para o Rio de Janeiro todos os meses. Mas ele não consegue definir com que frequência decola um avião com vagas para o CAN, “É difícil dizer, porque passa duas semanas sem nenhum avião e na semana seguinte tem quatro”.

De fato, é difícil dizer quando um avião vem. A solução mesmo é estar sempre de malas prontas para não perder a oportunidade de viajar em um avião da Força Aérea Brasileira e de fazer uma boa economia. “Eu acho ótimo, não gasta nada. De Bandeirantes, você não tem ‘lanchinho’, mas também não paga”, resume Izildinha.

Page 12: QUATRO_4

TRÂNSITO

Um plano de mobilidade urba-na que priorize o transporte público é a solução aponta-da por especialistas para os problemas do trânsito em

Florianópolis, mas a Prefeitura não parece estar preocupada com a ausência de plane-jamento da cidade. Mudanças de itinerários de ônibus e outras alterações no trânsito são realizadas para sanar problemas emer-genciais e são baseadas no plano diretor de 1997. O improviso guia as ações do poder público municipal.

O engenheiro do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), Carlos Eduardo Medeiros, afirma que “um plano de mobilidade é a priorida-de número um para a cidade no momento”. Entretanto, a Prefeitura ainda não tomou as medidas necessárias para o elaborar. Segundo Medeiros, não há verbas para re-alizar uma pesquisa de origem e destinos, importante para determinar onde há mais fluxo de pessoas e carros. “Essa pesquisa custa de R$2 a 3 milhões, mas sem ela não há como elaborar um plano eficaz para a ci-dade”.

A mobilidade urbana é a facilidade que as pessoas têm de se deslocar através de di-versos meios de locomoção, como bicicleta, ônibus, carro e a pé. Um bom planejamento inclui não apenas obras para melhorar o trá-fego de veículos, mas mudanças em itine-rários de ônibus, construção de ciclovias e calçadões para pedestres, medidas de aces-sibilidade para deficientes físicos e até a localização correta de placas. Para elaborar o plano, é necessário fazer um levantamen-to de tudo isso. A pesquisa deve abranger também a localização dos empregos e das áreas residenciais, além da distribuição de densidades urbanas, como a de pessoas no território da cidade.

A última pesquisa abrangente sobre as condições de transporte na cidade foi feita em 1978. O Estudo de Transportes Urbanos da Grande Florianópolis, feito numa par-ceria entre a Secretaria de Transportes e Obras do Estado, a Prefeitura e a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, realizou uma avaliação minuciosa do transporte da capital e de municípios vizinhos, como São José, Biguaçu e Palhoça. Também foi ela-borado um plano global de transportes para toda a região urbana de Florianópolis, com medidas a curto, médio e longo prazo por um período de 15 anos.

A construção da Ponte Pedro Ivo Campos e o aumento do calçadão da Rua Felipe Schmidt, por exemplo, foram sugeri-dos por esse estudo. Mas nem todas as alte-rações indicadas no plano concretizaram-se até 1992, prazo final das mudanças. A Via Expressa Sul começou a ser construída ape-nas em 1994 e a Avenida Beira-mar conti-nental está prevista para ser inaugurada ain-da este ano. Além de obras para melhorar o trânsito de veículos, o estudo indicou como objetivo aumentar a eficiência do transporte

coletivo na Grande Florianópolis e a criação de pistas exclusivas para ônibus.

Hoje, o sistema de transporte coletivo é fonte de polêmicas na capital. A última con-fusão envolvendo o setor aconteceu no dia cinco de novembro, quando motoristas e cobradores paralisaram suas atividades por duas horas em apoio à greve dos trabalha-dores da Zona Azul e para protestar contra a possibilidade de demissão dos cobrado-res e a diminuição de horários dos ônibus. Algumas pessoas, revoltadas com a greve repentina, destruíram catracas e bebedouros do Terminal de Integração do Centro.O problema e a solução - Greves de ôni-bus são rotina em Florianópolis. Em 2009, foram duas grandes paralisações. A primei-ra, em maio, e durou 24 horas. Em julho, a população ficou três dias sem transporte coletivo. A greve só acabou quando foram atendidas as reivindicações de aumento do salário e do vale-transporte de motoristas e cobradores.

Quem depende de ônibus para trabalhar e estudar sofre com as paralisações relâm-pagos e considera o serviço da capital ruim, muito caro e com poucos horários. Outro acontecimento recente que desagradou aos usuários do sistema foi a diminuição dos horários de certas linhas. Mas há também ações positivas para melhorar a eficiência do transporte coletivo. A criação de faixas exclusivas para ônibus em abril deste ano ajudou a diminuir o tempo de viagem. Estas áreas foram criadas na ponte Colombo Salles e na Avenida Jorge Lacerda, na Costeira do Pirajubaé.

Além da inexistência de um plano de mobilidade, outro grande problema de Florianópolis é o excesso de carros, não há como expandir estradas e avenidas para dar conta do aumento de veículos. “Florianópolis está no limite de sua capa-cidade viária”, avalia o engenheiro do IPUF Carlos Eduardo Medeiros. De acordo com tese de doutorado defendida pelo arquite-to Valério Medeiros na Universidade de Brasília (UnB), a cidade tem a menor in-tegração no seu sistema viário entre as 24 cidades brasileiras pesquisadas. Esse resul-

tado é explicado pelo crescimento irregular e dependente das condições geográficas da Ilha. A pesquisa da UnB mostra um levan-tamento de dados sobre o sistema viário de cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes, com o objetivo de determinar a existência de um padrão típico.

De acordo com informações divulgadas na imprensa, a tese de Medeiros constatou que Florianópolis tinha a pior mobilidade urbana do país. Mas segundo o professor da Univali Renato Saboya, o trabalho de dou-torado de Medeiros não pode ser usado para afirmar que a mobilidade urbana da capital é ruim, já que não era essa a intenção do estudo.

A pouca integração entre as vias da ca-pital é apenas um complicador. Como a cidade possui muitas áreas de preservação ambiental, não há possibilidade de expan-são para construção de novas estradas, e a maioria das obras é feita em aterros. Um estudo sobre transporte público, elaborado pelo escritório do arquiteto e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner, concluiu que a tenta-tiva de resolver os problemas viários a partir de grandes obras voltadas para os automó-veis só ajuda a deslocar os engarrafamentos de um lugar para o outro. Não há como ex-pandir o sistema viário eternamente.

A alternativa apontada é uma política que priorize o transporte público. “Enquanto o uso de ônibus não for considerado interes-sante pelos usuários atuais e futuros, o carro continuará ocupando o espaço que ocupa atualmente na cidade. Só com um sistema eficiente e barato é possível pensarmos em uma troca maciça pelo transporte público”, conclui o professor de arquitetura Renato Saboya.

Algumas pessoas já estão conscientes da necessidade dessa mudança, como o enge-nheiro eletricista Fernando de Souza. Para trabalhar, ele vai de bicicleta todos os dias do bairro Trindade até Capoeiras, no con-tinente. Nos dias de chuva, vai de ônibus. “Eu me sinto contribuindo para a cidade”, diz Souza, que usa o carro apenas em situa-ções especiais.

O estudo feito pelo escritório do arquite-to Jaime Lerner também aponta a alta car-ga tributária como um desestímulo ao uso do transporte coletivo. Em países desen-volvidos, a sociedade transfere verbas ao transporte público, ao contrário do Brasil, onde o transporte é que gera recursos ao governo por meio de impostos. Enquanto Florianópolis aguarda soluções planejadas para os problemas de trânsito, está em tra-mitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.687, que cria diretrizes para a po-lítica de mobilidade urbana. O projeto ins-titui que todos os municípios devam ter um plano de mobilidade, além de outras medi-das para incentivar e melhorar o transporte público das cidades brasileiras.

Berenice dos Santos

A gente acredita que a função da prefeitura é facilitar para os motoristas. Mas a Ilha não aguenta mais. Bastidores em: http://migre.me/bR4t

4

Planejamento precisa ser meta na capitalÚltimo estudo sobre mobilidade urbana de Florianópolis é de 1978. Governo alega não ter R$ 2 milhões, custo da pesquisa para elaboração de novos planos

Transporte público tem poucos horários

Engarrafamentos nas pontes que ligam Ilha ao continente chegam a 10 quilômetros durante rush. Ônibus é saída indicada

Centrais

Page 13: QUATRO_4

TRÂNSITO

Todos os dias e há 15 anos, Carlos Alberto Moura transporta passa-geiros em seu táxi

por Florianópolis. Considera o trânsito da capital “horrível”, situação que segundo ele, come-çou seis anos atrás. Essa opinião corresponde à de Márcio Corrêa, motorista de táxi há sete anos e Dilnei Beza, taxista desde 2000: eles avaliam o trânsito da cidade com a mesma palavra.

Isso é praticamente uma unanimidade entre os cidadãos. Existem aqueles que precisam acordar mais cedo para ir de ônibus ao trabalho; há os que se atrasam para seus compromissos devido a obras de recapeamen-to da pista em pleno horário de pico; e há ainda quem não con-siga ir ao aeroporto em dias de jogo. O fato é que o de trânsito de Florianópolis é péssimo.

As pontes, que ligam a Ilha ao continente e vice-versa, pos-suem um movimento de cerca de 130 mil veículos todos os dias e nelas, os congestionamentos po-dem chegar a 10 quilômetros. A rodovia SC-401, que liga o centro às praias, é problemática em dois pontos: indo ao norte da Ilha, depois do viaduto que leva a Jurerê, a pista dupla sofre um afunilamento. No pico da tarde, entre 18h e 19h, formam-se filas. Durante a temporada de verão, isso dura praticamente o dia in-teiro. E mais recentemente, des-de novembro de 2008 quando as chuvas provocaram uma queda de barreira no quilômetro 14 da rodovia, trecho entre Cacupé e Santo Antônio de Lisboa, as obras de reparos também cau-sam transtornos aos motoristas.

No sul da Ilha de Santa Catarina, a situação não é dife-rente. Na SC-405, o Trevo da Seta reúne diariamente motoris-tas dos diversos bairros em dire-ção ao centro, que levam apro-ximadamente uma hora para percorrer apenas cinco quilôme-tros. Chegando ao centro, mais trânsito lento, já que as ruas não comportam os 250.031 ve-ículos segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

A Prefeitura Municipal co-meçou, em setembro, a cons-trução do Elevado do Trevo da Seta, uma reivindicação antiga dos usuários do sistema de trân-sito. “Uma pista com duas faixas flui no sentido Centro/Bairro e

a outra, também com duas fai-xas, Bairro/Centro. A largura do viaduto será de 18,60 metros, suficientes para dar vazão ao fluxo de veículos em horários de pico”, comentou o prefeito Dário Berger durante a assinatu-ra da ordem de serviço. O inves-timento de R$16 milhões será um terço pago pela Prefeitura e o resto pelo Governo do Estado. A obra deve sair em 2010.

Na SC-401, enquanto o “con-serto” do morro deslizado está quase pronto (previsto para ser concluído neste mês), outros trabalhadores já iniciaram a du-plicação do trecho que falta, que deve estar pronta no ano que vem. Mas o curioso é que a lici-tação que prevê a manutenção e alargamento da rodovia foi feita em fevereiro de 1995. O con-trato de quase R$3 milhões já previa isso, além dos constantes recapeamentos que sempre atra-palham a vida dos motoristas.

Tende a piorar - As obras po-dem fazer pouco. É o que con-clui a pesquisa Avaliação do impacto do adensamento do uso de solo em Florianópolis, feita em 2006 em uma parceria en-tre o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), o Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Laboratório de Sistemas de Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A proposta da pesqui-sa é estudar a atual situação do trânsito na cidade e prever três futuros, levando em considera-ção os projetos do IPUF: daqui a 5 anos, daqui a 15 anos, ou quando a capacidade atingir a saturação na sua totalidade, pra-ticamente o apocalipse viário.

A professora da UFSC Lenise Goldner, uma das coordena-doras do projeto, é taxativa em sua conclusão: “É um equívoco falar que erros na infraestrutura prejudicam o trânsito. O erro está na falta de planejamento do sistema viário”. O mapa do trânsito tem uma capacidade (o número de faixas, por exemplo) que comporta um limitado vo-

lume de automóveis. No caso de Florianópolis, não se previu quando a demanda de automó-veis superaria a capacidade, que segundo a professora Lenise, aconteceu a partir do ano 2000. A cidade não acompanhou seu próprio crescimento.

A pesquisa levou em conside-ração projetos de obras do IPUF, em contraposição à construção de empreendimentos futuros, como o Shopping Iguatemi (na época), o Sapiens Parque (norte da Ilha) e o novo aeroporto (no sul). Esses empreendimentos constituem outro ponto impor-tante que se reflete nos proble-mas de trânsito. Para a professo-ra Lenise, o conceito de uso de solo está mal aplicado: os dife-rentes tipos de estabelecimentos (comerciais, residenciais, etc.) são construídos desordenada-mente. Ela deu o exemplo da ci-dade de Barcelona, na Espanha: “Todas as regiões possuem um comércio local próximo, como farmácias, mercados. As pesso-as conseguem fazer tudo a pé”. Na capital catarinense, ocorre o oposto.

A análise dos cenários futu-ros criados pela pesquisa resul-tou em previsões nada anima-doras. A relação capacidade/vo-lume de alguns dos pontos mais movimentados, considerando os planos do IPUF, foi maior que 80% (quanto maior a proporção, mais problemático é o trânsito): o acesso ilha-continente, que te-ria outra ligação; a entrada para a BR-282, que teria faixas adi-cionais; e a SC-401 totalmente duplicada. As obras previstas para a Lagoa da Conceição e para o Campeche, no sul da Ilha, prometem melhorar. Já o centro da cidade não tem mais jeito: se-ria impossível demolir prédios comerciais para alargar as ruas, por exemplo.

O resultado do trabalho per-mitiu à professora Lenise apon-tar o principal vilão da mobi-lidade urbana da cidade. De acordo com dados do Detran, até setembro deste ano, já ha-via mais de 250 mil veículos em Florianópolis. Em 2002, esta quantidade era de 159.423 veí-culos, ou seja, em sete anos hou-ve um aumento de 36% da frota.

Foto

s: E

rich

Cas

agra

nde

Florianópolis, novembro de 2009

Em sete anos, frota de veículos cresceu 36%, entupindo as ruas da cidade

Sistema viário da Ilha já nãosuporta o número de carros

A angulação mudou. Cheguei à conclusão que desmentir mitos é mais interessante do que só explicá-los. Bastidores em:

http://migre.me/bR94

4

Planejamento precisa ser meta na capitalÚltimo estudo sobre mobilidade urbana de Florianópolis é de 1978. Governo alega não ter R$ 2 milhões, custo da pesquisa para elaboração de novos planos

Tomás Petersen

Engarrafamentos nas pontes que ligam Ilha ao continente chegam a 10 quilômetros durante rush. Ônibus é saída indicada

Page 14: QUATRO_4

Simone Medeiros apoia a vontade da filha, Izabela Cristina Medeiros, de aprender a dirigir logo que com-

pletar 18 anos. Izabela defende o porquê de tirar a carteira de mo-torista “tão cedo”: “vou ter au-tonomia para ir à faculdade, festas e trabalho sem precisar dos pais para me levar”. Mas com sua mãe a história foi diferente. Hoje com 48 anos, foi aos 40 que a assistente social entrou em um curso de au-toescola, incentivada por amigas e fa- miliares. O período da vida em que só andava de ônibus, táxi, a pé ou de carro, quando o marido podia levá-la aos lugares, não foi maior porque resolveu superar a insegurança e a dependência do esposo. Desde que recebeu a carteira de motorista, a utilização do carro é frequente, inclusive em viagens para as cidades de Tubarão, Curitiba e Florianópolis, distantes até 300 quilômetros de Joinville, onde mora. Tanto dirige o Clio modelo 2008, que gostaria de ser menos dependente do au-tomóvel. “Pretendo no futuro di-minuir o uso do veículo, levando uma rotina mais tranquila”.

Em meio ao predomínio de pes-soas na faixa dos 20 anos que estão inscritas nas autoescolas, um outro grupo de indivíduos, com mais de 30 anos, chama a atenção pela de-terminação de enfrentar as 45 horas de aulas teóricas e outras 20 de aulas práticas. Mariza Teixeira, gerente da autoescola Geração, conta que as turmas sempre têm pessoas mais velhas, principalmente no período noturno. Em outubro, elas repre-sentavam 15% das vagas em sala de aula. As mulheres que chegam à autoescola depois dos 30, geral-mente nunca pegaram no volante, por isso, o desafio costuma ser maior. “A partir desta faixa etária, as mulheres têm mais dificuldade, porque os homens com mais de 30 anos geralmente, já sabem dirigir, só não possuem a carteira de mo-torista”.Motivos - Os porquês que le-vam as pessoas a tirar a Carteira Nacional de Habilitação são mui-tos. A maioria dos fatores que influenciam para a obtenção da carteira de motorista está ligada à dependência e à vontade de di-minuí-la ou anulá-la por completo. O histórico da sociedade brasilei-ra, em que as mulheres costuma-vam ser donas de casa, começa a ser substituído pela rotina em que ambos os parceiros trabalham fora e, na maioria das vezes, em locais

diferentes. Por isso, os casais sen-tem necessidade de que os dois saibam dirigir e, se possível, que cada um tenha seu carro próprio. O resultado é uma frota de veícu-los cada vez maior no Brasil. Em Santa Catarina, o Detran registrou, de janeiro a setembro deste ano, a circulação de 3.106.241 veícu-los pelo estado, 1.220.098 a mais do que o mesmo período de cinco anos atrás – um crescimento de 39% no número de carros, motos, caminhões, ônibus e mais 21 catego-rias que compõe a frota catarinense.

A dependência da família e de transporte público para se loco-mover pela cidade fez com que Beth Mafra começasse a fazer as aulas da autoescola para tirar a primeira habilitação no início de 2009, com 52 anos. A inscrição para as aulas foi um presente da família e, concluído o curso, supr-iria a necessidade de levar o filho Vinícius ao médico quando fosse preciso, já que o marido trabalha em horário comercial e não pode levá-lo nas consultas.

Entretanto, o medo e o nervo-sismo na hora de dirigir fizeram com que hoje, com a carteira de motorista em mãos, ela utilize pouco o carro. “Tenho muito medo de dirigir sozinha, sempre dirijo acompanhada de meu marido”. Quando Vinícius está doente, o car-ro é utilizado, porque dificilmente Beth pede ajuda para alguém da família. Exceto neste caso - e em passeios ao supermercado, casa de amigos e escola, sempre acompan-hada do marido -, o ônibus continua a resolver seus problemas. Sem medo de dirigir - Casos como o de Beth, em que o medo do trânsito e a insegurança no volante reduzem o uso do veículo, tam-bém adiam a iniciativa de muitas pes-soas no processo de primeira habilitação. Em Florianópolis, Marcia Battiston, especialista em psicologia do trânsito e do trans-porte, e a orientadora Ivana Maria de Souza formam uma equipe es-pecializada em tratamentos com motoristas inse-guros na di- re-ção. O “Dirigir sem Medo!” foi criado há cinco anos e, investin-do principalmen-te na divulgação boca a boca, a procura pelo tratamento aumenta a cada ano.

Estudos realizados pelas pro-fissionais do programa destacam que existem algumas característi-cas comuns às pessoas com medo de dirigir. São detalhistas, competentes

e autocríticas, o que faz com que se-jam ansiosas na direção e cobrem de si mesmas um bom desempenho du-rante a prática. “Geralmente, são as características particulares de cada

um, que inter-ferem na direção do veí- culo e em outras ações também. Não existe, ne- ces-sariamente, um trauma por trás do medo”, ex-plica Márcia.

O perfil dos motoristas que procuram o “Dirigir sem Medo!” é diversificado, com faixas etárias entre 20 e 60 anos, sen-do a maioria aqueles que estão acima dos 30. Em relação ao sexo, as mul-heres são predominantes na procura por tratamento e representam 95% dos casos. O programa é dividido em

duas partes. As primeiras aulas são no consultório, onde são realizadas avaliações prévias e identificações do que pode causar o medo de dirigir. O segundo passo são as aulas práti-cas, que podem ser feitas com o carro de apoio da equipe ou com o au-tomóvel próprio do motorista. Como cada pessoa tem um atendimento específico, a duração do programa varia conforme o progresso de cada motorista. E quando o medo de dirigir não é o problema? - Simone Verzola tem 32 anos e vai começar as aulas práticas da autoescola. A secretária desejava ter a primeira habilitação há algum tempo, mas a falta de um veículo fez com que o plano fosse adiado. Com a aquisição de um Peugeot 206 re-centemente, Simone espera fazer o caminho de casa até o trabalho de carro, quando passar na prova

prática do Detran e ter sua carteira de motorista em mãos.

A disciplina para fazer o curso é diária. “Trabalho até às 19 h, vou para a autoescola, de onde saio às 21 h. Quando chego em casa, ainda cuido do meu filho de oito meses”. Entretanto, Simone e sua irmã, Fernanda Verzola, de 27 anos, têm a oportunidade que seus pais não tiveram. São eles os responsáveis pelo pagamento do curso de motoristas das filhas e pela realização da independên-cia no trânsito, tão desejada pelos motoristas que começam a dirigir com mais de 30 anos.

Nunca é tarde para pegar a estradaHistórias de quem, por necessidade ou prazer, provou a liberdade sobre quatro rodas depois dos 30

COMPORTAMENTO E SOCIEDADEQuatro14 Florianópolis, novembro de 2009

4 Foi interessante con-versar com Beth e re-ceber um “obrigada por me impulsionar

a pegar o carro” Bastidores em: http://migre.me/bDxF

Casais passam a acreditar que seja imprescindível cada um ter seu próprio carro

Claudia Mebs Nunes

Necessidade: aos 52 anos, Beth ganhou de presente o curso da família para levar o filho ao médico

Arq

uivo

pes

soal

Simone, que aprendeu a dirigir aos 40, quer que com a filha Izabela (fundo) seja diferente, aos 18

Cla

udia

Meb

s N

unes

Page 15: QUATRO_4

U m acidente em 2005 mudou a vida do ex-vigilante e manobrista Charles Teixeira, 33 anos. Perdeu uma perna, aposentou-se, mas não deixou de ter força de vonta-

de. O tênis, que era sua distração, hoje é meta profissional. Além diso, Teixeira treina mais dois esportes. Pedala sozinho pela cidade e pas-sa por todos os problemas de mobilidade de um deficiente físico pelas ruas da capital catarinen-se. Após ganhar campeonatos locais e estadu-ais, ele quer chegar mais longe. O QUATRO foi até as quadras de tênis da Universidade Federal de Santa Catarina e conversou com o atleta que dá exemplo de persistência.

Quatro - Há quanto tempo você treina?Charles Teixeira - O tênis faz dois anos. Há

quatro, sofri um acidente e um ano depois, conhe-ci o basquete, o que deu incentivo a outros es-portes, como natação, handebol... O próprio tênis, que é um dos esportes que eu me dedico mais.

4 - Quantas vezes por semana você treina?CT - Treino cinco vezes por semana: de segun-

da a quinta-feira e sábado pela manhã. 4 - Quanto dura o treino por semana?CT – Geralmente, duas horas por dia. No sá-

bado é um pouquinho mais puxado, das nove da manhã ao meio dia. Tenho um Campeonato Inter-nacional de Tênis em São Paulo em vista agora no dia 19. Vamos ver como a gente vai se sair!

4 - É o primeiro campeonato?CT - É o primeiro fora. Houve quatro internos

aqui na UFSC e teve um em Gaspar, que foi o Campeonato Catarinense. Eu levei todos até en-tão! (risos) Estou sem adversários em Santa Ca-tarina.

4 - E quais as expectativas para o próximo campeonato?

CT - Segundo os professores e as pessoas que acompanham meu treinamento, tenho um bom de-senvolvimento na cadeira. Está tudo correndo bem e espero que eu vá bem nesses cam-peonatos.

4 - Que outros esportes você pratica?

CT - Também pratico a vela adaptada uma vez por semana, que é um projeto novo aqui em Floria-nópolis. Em dezembro eu fui parti-cipar do Campeonato Brasileiro de Vela Adaptada em São Paulo. Além disso, estive, em agosto, no Cam-peonato Brasileiro de Handebol no Paraná, fui convidado pelo pessoal de lá pra participar.

4 - E ganhou alguma premiação lá?CT - Em São Paulo, eu fiquei entre os três me-

lhores na fase classificatória e na segunda parte eu fiquei em sexto. O pessoal em São Paulo é mais acostumado, enquanto aqui estamos começando.

4 - Você tem intenção de jogar profissional-mente?

CT - Eu pretendo ser profissional. Já fui ran-queado pela Federação Catarinense de Tênis. A busca de um Campeonato Brasileiro é intensa da minha parte. O problema está nas autoridades que não dão nenhum apoio, até a própria Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (AFLO-DEF) fica um pouco a desejar em relação a isso.

A mídia também não divulga esse tipo de cam-peonato, não traz isso pro conhecimento do público. Só aqui na Universidade e em lugares muito restritos que há esse tipo de modalida-de. A gente sofre um pouco com isso, mas esta-mos batalhando e talvez com esse campeonato de expressão internacional melhore para mim e para os meus companheiros que sempre estão presentes treinando.

4 - Quais as dificuldades na hora do jogo de tênis?

CT - A dificuldade de se alcançar a bola é um pouco mais complicada e o esporte adaptado dá oportunidade para a bola quicar duas vezes, é a única regra que muda. O ângulo da quadra fica um pouco menor em relação ao tênis normal, pois você está mais baixo sentado na cadeira de rodas. Mas as dificuldades têm que ser ultra-passadas e o esporte... o resultado compensa, com certeza.

4 - Você virou atleta depois que sofreu o acidente?

CT - Sim, gostava muito de esporte antes, mas era sempre por lazer. Agora, já é mais para

rendimento mesmo e o intuito é de levar esse campeonato.

4 - Como se tornou deficiente físico?

CT - Sofri um acidente auto-mobilístico, fui atropelado por um carro, estava de moto. Após duas semanas, tive que amputar o mem-bro. Mas aceitei desde o princípio já que não tinha o que fazer, né? Foi muito difícil, sofri muito com

dores, ainda sofro. A locomoção fica bem mais di-fícil, mas nada que a força de vontade não resolva. Não são problemas, são desafios que a gente têm no dia a dia.

4 - Você é de Florianópolis?CT - Sou, sou manezinho.4 - Como você se desloca em Florianópolis?CT - Eu geralmente utilizo o ônibus. Comecei a

andar de bicicleta também, consigo pedalar, é um pouco dificultoso, mas é prazeroso, a locomoção fica mais rápida. Eu já fui atropelado duas vezes depois do acidente. Quem atropela só vai se dar conta quando vê o ciclista no chão. No meu caso até com a prótese, às vezes, eu caio, aí tem que tirar a prótese, a prótese cai. A gente fica com um pouco de medo, um certo receio de andar. Mas

sempre quando é possível, eu tento vir para a Uni-versidade pedalando.

4 - E o ônibus adaptado, funciona bem aqui?CT - Eu acho que para cadeirantes fica um pou-

co a desejar. Como eu tenho uma certa mobilidade e consigo andar com a prótese, até tenho que an-dar de muleta, fica um pouco mais fácil para mim. Mas eu creio que para o cadeirante é bem com-plicado. É difícil porque há falta de respeito de muita gente que no ônibus não dá lugar para o de-ficiente sentar, só vai se dar conta que é amputado depois que está saltando, aí pede desculpas... O manezinho até absorve mais esses problemas dos deficientes, mas o pessoal que vem de fora deixa um pouco de lado isso, pensa muito em si.

Descobrimos que um grupo de deficientes trei-na tênis nas quadras da UFSC. O tema é cer-tamente delicado, e não poderíamos abordar qualquer pessoa de qualquer forma. Foi assim que conhecemos Charles. Bastidores em http://migre.me/bUzs

De amador a multiatleta exemplarCharles Teixeira tem uma perna só e não para. Pratica tênis, vela e anda de bicicleta por Florianópolis

Diego CardosoNayara D’Alama

“A locomoção fica bem mais difícil, mas nada que a força de vontade não resolva”

Teixeira durante treino nas quadras da UFSC, de olho em um campeonato internacional de tênis em São Paulo

Charles treina 5 vezes por semana até 2 horas por dia

4

COMPORTAMENTO E SOCIEDADE Quatro 15Florianópolis, novembro de 2009

Die

go C

ardo

so

Die

go C

ardo

so

Page 16: QUATRO_4

Jornalismo é assim, quando o repór-ter menos espera, encontra alguém que viveu o fato.Bastidores em http://migre.me/bDGO

vidas passadas descobri que fui enforcada em uma árvo-re e entendi a razão da minha angústia e o porquê do meu pavor pela cor verde”. Hoje, Nádia conta que não tem mais a sensação de sufocamento e que adora a cor que antes re-pugnava. Para ela, a regressão é como estar em um cinema assistindo a um filme. “A única diferença é que a protagonista sou eu”, completa.

Segundo o neurologista Paulo César Trevisol Bitten-court, a ciência rotula esta téc-nica como fantasiosa, já que não há explicação científica para tal procedimento. “O meio científico desacredita, mas não é dono da verdade absoluta e, até hoje, mesmo com todos os avanços, muitos fenômenos ainda não foram explicados e alguns dificilmente serão. As pessoas que fazem regressão acreditam na sua veracidade, e isto faz com que para elas isto seja realidade”.

A coordenadora do Projeto Amanhecer defende que não há perigo, mas muitas pessoas temem entrar na regressão e não voltar mais aos dias atuais. Segundo Gilvana, isto não é possível. Não há contra-indica-ções, mas idosos com proble-mas cardíacos devem ser trata-dos com cautela. Para aplicar o procedimento, o psicólogo ou terapeuta deve saber desenvol-ver as técnicas necessárias e é preciso ter realizado cursos de especialização na área.

A regressão não está ligada a nenhuma religião, crença ou credo. Para Glória Mello, fun-cionária do Hospital Universi-tário da UFSC, a única crença que deve haver neste caso é a de que a alma é imortal, tem várias vidas, mas uma única mente. “ O corpo físico é ape-nas um veículo que dá oportu-nidade de proporcionar experi-ências no plano terreno”. Ela já se submeteu à técnica de re-gressão e relata que conseguiu visualizar momentos já viven-ciados em seu passado.

Em todo o Brasil, há insti-tuições especializadas em re-gressão e hipnose que cobram em torno de R$200 a R$300 por sessão. O tempo de cada uma é variável, assim como o número de sessões que uma pessoa precisa para conseguir voltar a vidas passadas.

A sensação é de estar flutuando. “Eu vi uma luz no céu e fui até lá, onde en-contrei meu mentor

espiritual. No tempo real, durou pouco mais de um minuto, mas pareceu mais longo na outra di-mensão”. O relato é da funcioná-ria do Hospital Universitário da UFSC, Glória Mello, que afirma ter vivido o fenômeno chamado de projeção consciente, ou seja, saída do corpo. Assim como Glória, não são raras as histórias de pessoas que garantem conseguir sair do próprio corpo e fazer uma viagem astral, dormindo, conscientes ou em estado de quase morte.

Segundo o professor Klever-son Luiz Rachadel, que trabalha no centro educacional do Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia (IIPC), em Flo-rianópolis, as pessoas também são formadas por um corpo extrafísi-co, chamado de psicosoma. Du-rante a vida, há uma ligação ener-gética entre este e o corpo físico, que é interrompida, por exemplo, durante o sono. “Todas as pessoas saem do corpo enquanto dormem, mas quem é saudável mentalmente e fisicamente pode atingir o fenô-

Retornar a momen-tos do passado como a infância ou a adolescên-cia, ou até mes-

mo relembrar experiências de vidas passadas, é o que prome-te a terapia de regressão, uma técnica utilizada com o intuito de harmonizar traumas, medos, repressões e outros sentimentos que prejudicam o dia a dia de determinada pessoa. Para ser submetido ao procedimento é preciso identificar o foco, aqui-lo que realmente incomoda o indivíduo nos tempos atuais.

Segundo a coordenadora do Projeto Amanhecer do Hospital Universitário da UFSC, Gilvana Fortkamp, inicialmente, é feita uma avaliação com o candidato para verificar se realmente é ne-cessária a regressão. Caso esta avaliação seja positiva, a pes-soa passa por um relaxamento e depois por uma leve hipnose que, de acordo com a coorde-nadora, é a expansão da consci-ência. “É preciso, em primeiro lugar, fazer uma harmonização, limpar as energias, só isto já deixará a pessoa mais relaxada, mais leve”. Gilvana lembra que na primeira sessão, geralmen-te, não se consegue visualizar nenhum acontecimento vivido anteriormente, isto porque o paciente ainda não está aberto ao procedimento.

Durante a regressão, não se perde a consciência. Ao con-trário, o estado consciente é fundamental para o êxito do processo. O terapeuta reen-carnacionista Gilberto Isidro Pinheiro explica que o método tem um objetivo terapêutico e rompe a sintonia com traumas de vidas anteriores. “Em cada encarnação, vivenciamos si-tuações que, por vezes, geram angústias e sofrimentos. Estes sentimentos, caso não tratados, passam de uma encarnação a outra. A pessoa pode ter morri-do afogada em outra vida e nes-ta ter medo de água”. De acordo com o terapeuta, tais problemas podem ser solucionados com a regressão que neutraliza as emoções negativas.

A dona de casa Nádia Car-doso Pires sofria com um pro-blema na garganta, como se estivesse constantemente ago-niada, sufocada. Tomava remé-dios, mas não melhorava. Re-solveu, então, há cerca de três anos, buscar ajuda por meio da regressão. “A sensação é estra-nha, mas ao me visualizar em

meno com a ajuda de técnicas”. Para quem já passou por expe-

riências de quase morte (EQM), também é comum descrever que transitou por lugares sem o cor-po físico. O velejador Lars Gra-el, atropelado por uma lancha em 1998, declara que saiu do corpo nos instantes em que seu coração parou, e diz que a sensação é de leveza, sem dor, algo de difícil ex-plicação. Em 2002, o neurologis-ta suíço Olaf Blanke, do Hospital Universitário de Genebra, perce-beu o fato ao examinar uma pa-ciente epiléptica. No momento em que o médico estimulou eletrica-mente a parte do cérebro chamado de giro angular (extremidade do lobo parietal), ela disse que conse-guia se ver deitada na maca.

O que já se sabe - Neurocien-tistas da Universidade da Pensil-vânia, nos EUA, chegaram ao que pode ser a explicação para as saí-das de corpo ao fazer tomografias em budistas durante a meditação, em 2001. A atividade do lobo pa-rietal, setor cerebral que faz perce-ber onde termina o corpo e começa o mundo, fica muito reduzida nes-sas ocasiões, o que traz a sensação de um “eu” infinito. Junto a isso, o lobo temporal direito trabalha mais, e isso pode causar alucina-ções, além de induzir à religiosi-dade intensa.

Para Rachadel, professor do IIPC, as pessoas que experimen-tam uma saída do corpo entendem melhor a vida: “Fora do corpo, nós entendemos quem somos, e nos questionamos sobre o motivo de estarmos aqui”. O fenômeno não tem relação com nenhuma reli-gião, mas a maioria das histórias descreve momentos de paz intensa, e o resultado é positivo, como para Lars Grael, que confessa valorizar tudo na vida depois da experiência. A projeciologia, ciência que estu-da as ações da consciência fora do corpo físico, explica as experiên-cias fora do corpo, já que entende as pessoas como uma energia que nunca morre, e o corpo apenas como suporte físico. Para a me-dicina, apesar da literatura sobre o assunto ser restrita, é intrigante entender a atividade do cérebro de quem garante conseguir fazer via-gens astrais. Os relatos são muitos e já acontecem há muito tempo, o fato é elucidado aos poucos, e o mundo cada vez mais aparece como algo além do que se pode tocar.

DESLOCAMENTOS

Quando a alma sai do corpo Regressão como tratamento

Estudos e relatos para entender experiência de viagem astral

Quatro16 Florianópolis, novembro de 2009

Daniela Bidone

Claudia Xavier

4Áreas do cérebro ativadas durante as projeções

Giro angular: Extremidade do lobo parietal, que traz a percepção de onde termina o “eu” e começa o mundo. A baixa atividade do giro angular faz a pessoa ter sensação de ser infinita.

Lobo temporal direito: Com a baixa atividade do lobo parietal, o lobo temporal direito fica mais ativado. Isso traz alucinações à pessoa, e pode induzi-la à religiosidade intensa. A sensação é de estar fora do corpo.

4 A matéria foi uma sur-presa. Não sabia que conheceria pessoas tão tranquilas, serenas.

Bastidores em http://migre.me/bDZa

Arte

Qua

tro

Page 17: QUATRO_4

Há dois anos e meio, José Leopoldo Metzner, 62 anos, ficou ferido em um assalto ao posto de gasolina no qual trabalhava em Indaial, Santa

Catarina. Ele caiu e fraturou a coluna, perden-do o movimento das pernas. A primeira vez em que esteve no Santuário de Santa Paulina, em Nova Trento (SC), foi para pedir pela sua recu-peração. Segundo os médicos, seu caso era ir-reversível. Jadina Marioneti Caetano, 19 anos, ficou internada durante duas semanas no muni-cípio de Porto Belo. O diagnóstico da jovem foi uma doença chamada pneumotórax instantâneo, acúmulo anormal de ar que pode atingir o co-ração e levar a morte. Na ocasião, ela pediu a intercessão da Santa Paulina.

Metzner e Jadina são dois dos 1,7 milhão de brasileiros que praticam turismo religioso em todo o Brasil, um movimento que significa quase 2% de todas as viagens realizadas den-tro do país. Esse tipo de viagem também atrai estrangeiros, com 25.000 visitantes do exterior. Segundo o Ministério do Turismo, a atividade movimenta por ano cerca de R$6 bilhões, geran-do negócios, empregos, renda e, principalmente, fortalecendo a economia das cidades e regiões onde estão localizados estes templos e santuários.

Em todo o país, muitos são os locais onde os fiéis podem depositar suas preces e promessas, independente do credo ou religião. As cidades de maior destaque no setor são Juazeiro do Norte, no Ceará, terra de Padre Cícero e Aparecida, e em São Paulo, onde está o Santuário Nacional de Nossa Senhora Conceição Aparecida, que recebe por ano sete milhões de pessoas. Nova Trento também se destaca nacionalmente pelo Santuário Santa Paulina, que recebe cerca de 30 mil pessoas por mês.

O Brasil, com o maior número de católicos do mundo, tem todos os anos diversos eventos ligados à fé, entre procissões, feiras, congres-sos, romarias. Mas a pluralidade brasileira tam-bém abre espaço para manifestações de outras crenças. Uma delas é a Marcha para Jesus que acontece em 200 países e reúne milhares de fi-éis. No Brasil, a Igreja Renascer em Cristo or-ganiza a passeata realizada em São Paulo há 17 anos. “A marcha é o maior evento público do mundo com cerca de cinco milhões de partici-pantes e é onde as pessoas têm a oportunidade de demonstrar seu amor e sua fé a Deus”, afir-mou o bispo da Igreja Renascer em Cristo em Santa Catarina, Sérgio Benites.

Em Florianópolis, a 14ª edição da marcha aconteceu em 19 de setembro e, de acordo com a Guarda Municipal, reuniu cerca de 50 mil pessoas. “A passeata não é feita para trazer mais adeptos à religião, mas sim para dar mais visibilidade à igreja como um todo. O diferencial é que não é um protesto, uma ma-nifestação, mas sim uma demonstração de fé e de amor em que as pessoas vêm somente para louvar e agradecer”, completa o bispo.

Para a católica Jadina, recuperada de sua

lesão nos pulmões, a viagem ao Santuário é recompensada pela paz que o lugar proporcio-na e pela alegria de poder estar ali louvando a Santa Paulina pela prece atendida. “Minha família já era devota da religiosa e sempre que possível visitava o local, mas agora este deslo-camento é mais significativo”. Para Metzner, em sua sexta passagem pelo templo, estar perto da santa é estar no céu. Depois de dois anos e meio em uma cadeira de rodas, ele veio agradecer por poder chegar até o santuário com as suas próprias pernas.Santa brasileira - A irmã de caridade Amábile Lúcia Visintainer, a Madre Paulina, é a pri-meira santa brasileira reconhecida pela Igreja Católica, canonizada no dia 19 de maio de 2002 pelo Papa João Paulo II. Dois milagres foram creditados à freira para a sua santifica-ção. O primeiro, reconhecido em 1989 pelo Vaticano, foi a cura de Eluíza Rosa de Souza, de Imbituba (SC), que no último mês de ges-tação do seu último filho recebeu a notícia de que o feto estava morto. Ela foi submetida a uma cirurgia de curetagem, mas teve uma gra-ve hemorragia que a levou a uma parada cardí-aca. Seu quadro foi considerado pelos médicos irreversível. As Irmãs da Imaculada Conceição que administravam o Hospital São Camilo fize-ram uma promessa à Madre Paulina. Na manhã seguinte, Eluíza estava fora de perigo.

O segundo milagre foi a recuperação de Iza Bruna, em 1992, que nasceu com uma defor-midade no cérebro. De acordo com os médi-cos, a menina não sobreviveria se submetida à cirurgia de reparação. A avó da criança, de Rio Branco (AC), pediu a intercessão de Santa Paulina. Iza sobreviveu e não teve sequelas.

A freira Amábile, que adotou o nome de Paulina do Coração Agonizante de Jesus, nas-ceu na Itália, mas é considera-da a primeira santa brasileira. Em 1875, aos 9 anos de ida-de, veio junto com a família morar no país onde ajudaram a fundar a cidade de Nova Trento, a 80 quilômetros da capital Florianópolis. Foi no município que a religio-sa criou a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição e onde dedicou sua vida à carida-de e ao cuidado aos doentes.

É em Nova Trento que fica localizado o Santuário Santa Paulina, que preserva a história da Madre. Os turistas podem visitar a Casa Paterna, local onde ela morou, o Casebre onde se encontram documentos como a certi-dão de nascimento e a foto da casa que Santa Paulina morava antes de vir ao Brasil.

O templo onde são realizadas as celebra-ções eucarísticas tem capacidade para cerca de 3.500 pessoas e tem como diferencial o formato do telhado, planejado para representar mãos em oração. O Santuário, inaugurado em 2006, é um complexo ecológico em meio à natureza onde po-dem ser encontrados animais, plantas e cachoeiras, além de aproximadamente 30 minilojas, restau-rantes e hotéis que garantem a movimentação da economia da cidade.

Segundo Maria Izolete Stähelin, assistente administrativa do santuário, Madre Paulina tem milhares de devotos por estar mais per-to dos cristãos. “Ela viveu aqui, curou aqui, tudo aconteceu no Brasil. E é uma ótima in-tercessora”, completa.As viagens pela fé - O turismo religioso é o

deslocamento de pessoas impulsionadas pela fé, uma prática bastante comum no Brasil. Há vários tipos de viagens que mudam de nome de acordo com o objetivo do fiel. A romaria, por exemplo, é uma atividade turística feita por uma pessoa ou por um grupo a um destino sa-grado. O termo é uma referência a Roma, sede da Igreja Católica Apostólica Romana, e é usado para classificar as movimentações católicas.

Já a peregrinação é feita com o intuito de pa-gar promessas ou outros votos como sacrifícios e oferendas. Quando a finalidade é a remissão

de alguma culpa ou pecado denomina-se viagem de pe-nitência ou de reparação. As diversas religiões e doutrinas organizam outros eventos fundamentados na fé como as procissões, que são cor-tejos realizados, geralmente em ocasiões festivas, em devoção a um santo ou di-vindade. Em Florianópolis,

a Procissão de Nosso Senhor dos Passos, re-alizada na semana da Páscoa, reúne todos os anos milhares de pessoas no centro da capital.

O que transforma um lugar comum em um destino sagrado são fenômenos sem nenhuma explicação científica como aparições ou al-gum religioso que passa a realizar milagres. Em outras partes do mundo não é diferente. Na Índia, por exemplo, os fiéis se dirigem em massa para se banhar no Ganges, rio sagrado dos hindus. Meca é o principal destino dos muçulmanos, pois o profeta Maomé determi-nou no Alcorão, livro sagrado da religião, que todo islamita deve ir ao menos uma vez na vida à cidade. O Judaísmo tem como roteiro peregrinações ao templo de Jerusalém. No Cristianismo, destacam-se os lugares onde Jesus Cristo nasceu, pregou e morreu. Roma, onde está localizado o Vaticano e onde estão os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, recebe milhões de cristãos todos os anos. O caminho de Santiago de Compostela, que se estende por toda a Península Ibérica até a cidade de Santiago de Compostela, na Espanha, também é um lugar célebre do turismo religioso, pois é onde se en-contra o túmulo do apóstolo Tiago.

Turismo da fé movimenta economia

Esses dias falei para alguém como é incrível o fato do jornalismo nos possibilitar viajar

cada dia a um mundo diferente. Bastidores em: http://migre.me/bDxd

A terra de PadreCícero e o Santuário de Aparecida são os mais visitados

Quase 30 mil fiéis visitam por mês o Santuário Santa Paulina

DESLOCAMENTOS Quatro 17Florianópolis, novembro de 2009

Claudia Xavier

Viagens religiosas de 1,7 milhão de pessoas geram empregos e renda pelo país

4

Per

i Car

valh

o

Page 18: QUATRO_4

PERFILQuatro18 Florianópolis, novembro de 2009

Pelas ruas do Centro de Florianópolis, um homem tenta abordar pedes-tres apressados. Luciano Maciel Machado, conhecido também como Luca Leicam, tenta conscientizar as

pessoas de que “estamos em extinção”. Ele fala rápido, como um narrador de futebol, e a agres-sividade de suas interpelações causam as mais variadas respostas, como um olhar de medo, sorriso sem graça, raiva, dó ou assentimento. O homem crédulo do fim é gaúcho de Porto Alegre (RS), mas vive em Florianópolis desde 1999. Aos 45 anos, veste-se como um jovem, com camiseta larga, calça jeans surrada, boné na cabeça, tênis gasto e uma mochila.

Para Leicam, a civilização está imbeciliza-da, sem capacidade de reação e reflexão; em inércia, e a causa disso é o sistema que altera o ser humano e só lhe dá liberdade de escolher o que comprar. Por trás de seus óculos peque-nos, Leicam observa no calçadão da Rua Felipe Schmidt, no Centro de Florianópolis, quem irá abordar para lhe aplicar mais um Dircurso Viabilizador do Tralalá – DVT, espécie de per-formance cênica com técnicas de vendas e sen-sacionalismo, onde ele apresenta suas ideias e vende o fanzine Tralalá, publicação de contra-

cultura que criou em 1996. Em meio a vendedores, autofalantes, carros e pes-soas grudadas nas vitrines,

é a única voz da epopeia hu-mana, um trovador solitário

sem religião. Muitos o chamam de louco. Mas ele defende-se: “é

tratamento de choque. As pessoas precisam ser chacoalhadas e não de mais alguém para passar a mão na cabeça delas”.

Na edição 21 do fanzine Tralalá, Leicam compara a situação da hu-manidade com a metáfora de uma rã numa panela de água quente. A água esquenta e ela relaxa, e a rã se deixa cozinhar sem resistência. Esse senhor de 45 anos afirma que aque-cimento global, fome, escassez de água, obesidade, guerras e desmata-mento cozinham lentamente a civili-zação.

Leicam anota as reações mais interessantes das pessoas à abor-dagem em seu blog (http://zine-tralala.blogspot.com) e no fan-

zine Tralalá, no que ele cha-ma de pesquisa de campo. Algumas abordagens são hilárias, por exemplo: mu-lher de 50 anos se expressa

após DVT sobre a extinção humana: “Não concordo com o que tu tá falando, mas

sei que pode acontecer”.Ele res-ponde: “Você está tendo uma atitude esquizo-frênica concordando e discordando ao mesmo tempo”. Ela retruca “Não posso aceitar porque pertenço à igreja”, e ele finaliza: “Compreendo. Obrigado por sua espontaneidade”.

O anarquista - Certa vez, após abordar um pedestre, um jovem alemão alto, loiro e forte, Leicam se viu em uma situação desafiadora. O rapaz irado foi para cima dele e de forma vio-lenta gritou para que retirasse aquele papel de “m...” de sua frente. Laicam se encolheu todo, mas preferiu encarar a situação e, piedoso, per-

guntou se ele teria coragem de lhe agredir. Sua aparência raquítica diz pouco. Definitivamente, não é uma imagem que imponha medo, portanto naquela situação preferiu agir com displicên-cia, e não revidar a agressão. O rapaz, então, parou e o olhou como que espantado, em segui-da caminhou para o meio da multidão. Laicam é anárquico e prega a não violência, para ele agressividade só nas palavras, é com essa que ele sempre trabalhou.

Possuidor de uma dialética cativante, pas-sou por vários cursos como história e filosofia, antes de se fixar nas artes cênicas. No começo dos anos 90, quando ingressou na Universidade Federal de Santa Maria, entrou no movimento estudantil e junto com quatro amigos criou o fanzine Coletivo Urbano. Antes, já contribuía para outro fanzine, A Vaka, res-ponsável por uma intensa e engajada vida cultural da ci-dade. Nesse período se tornou anárquico. Ainda na facul-dade começou a trabalhar na Rádio Universidade AM e depois na Medianeira FM. A união de embasamento teórico e a boa forma de expressão, adquirida na facul-dade e no rádio, tornam suas abordagens mais atrativas. Numa conversa rápida com Leicam, se ouve nomes como Wilhelm Reich, Antonin Artaud, Freud e até Nelson Rodrigues.

Ele se declara um romântico idealista, e se sente melhor atuando no calçadão do que na UFSC, pois no calçadão as pessoas são mais vividas. Também já fez parte do Partido dos Trabalhadores (PT), chegou até a espalhar em época de eleições adesivos em todos os postes do bairro onde mora, mas hoje vê em qual-quer governo e instituição a manutenção do domínio de uma classe sobre a outra. Neste contexto, a religião estaria incluída como um instrumento de exploração dos homens, exis-tindo para manter o negócio econômico. Por isso, se declara anarquista. “A humanida-de sempre evoluiu da rebeldia, de questiona-mentos e atitudes ativas”.

Contracultra - É da venda do Tralalá que

ele mantém a família. O nome do fanzine é inspirado no filme Porcile, do diretor italiano Pier Paolo Passolini, um crítico da igreja e da sociedade. No filme, um casal a beira de um chafariz, termina uma conversa falando: “tra-lalá, tralalera”. “É algo infantil, é meio dada-ísta, faz com que voltemos à infância, que é o princípio de tudo”. Os fanzines, abreviação de fanatic magazines, tiveram grande importância no movimento de maio de 1968, mas sua ori-gem vem dos Estados Unidos, geralmente tem baixa tiragem e não dão lucros como os jornais e revistas de bancas.

A produção do Tralalá é feita através de co-lagens, fotos e gravuras que Leicam encontra, organizados de forma atraente e direta, de acor-

do com a edição. Em seguida, o original dá lugar as fotocó-pias que serão dadas em tro-ca de qualquer contribuição. A tiragem do Tralalá 21, de maio de 2009, é de 800 exem-plares, mas já houve edição em que foram feitas mais de 1.100 cópias. Todas foram vendidas. Leicam mantém um preciso registro dos dias

trabalhados, exemplares vendidos e valor arre-cadado. De abril de 2006 até outubro de 2007 foram 7.609 exemplares em 204 dias de trabalho. Quanto ao lucro, ele prefere não divulgar por medo da Receita Federal, mas já chegou a ga-nhar até R$400 em 12 dias.

O jeito incisivo com que Leicam aborda as pessoas é uma performance cênica, onde a linguagem, o corpo e o discurso são usados de modo a chamar a atenção das pessoas para sua questão. “Minha abordagem é muito intensa, por isso canso muito”, explica. A preferência pelo calçadão da Felipe Schmidt, local de maior trânsito de pessoas da cidade, o faz conheci-do de muitos. E também o faz visado, alguns o evitam, pois Leicam é um “péssimo fisiono-mista” e aborda a mesma pessoa mais de uma vez. Mas muitos também o apóiam e contri-buem para sua causa, fazendo com que dia após dia ele esteja novamente nas ruas falando o que muitos não estão dispostos a ouvir.

A voz do apocalipse está nas ruas

4 Luciano, e seu personagem Leicam, representam o nosso lado mais ativo e determinado. Afinal,

quem se propôe nos dias de hoje a sair à rua para defender o que pensa? Bastidores em http://migre.me/bDwY

A civilização está imbecilizada e só tem liberdade para escolher o que comprar

Alex Sobral

Luciano produz o fanzine Tralalá, que já vendeu mais de 1.100 exemplares numa edição

Centro é palcopara performancesde Leicam, que acredita naextinção humana

Ale

x S

obra

l

Colagens em edição do Tralalá

Divulgação

Page 19: QUATRO_4

CULTURA

O provérbio “quem vê cara, não vê co-ração” pode ser uma metáfora para uma matéria em uma man-

cha gráfica de jornal. Bastidores em: http://migre.me/bEox

Literatura para botar o pé na estrada

U ma viagem ao desconhecido desvendada a cada palavra, frase, parágrafo. É assim que a chamada “literatura de viagem” exerce fascínio no público e

excursiona lado a lado com disciplinas como história e antropologia, relatando desde a poética de navegação, observada no clássico Os Lusíadas de Luis Vaz de Camões, ou o autoconhecimento, como em Comer, rezar, amar, livro de Elizabeth Gilbert que já vendeu 4 milhões de exemplares.

Embora tenha antecessores medievais, a “li-teratura de viagem” surgiu de fato na Europa no final do século XV e começo do XVI. A necessidade dos navegadores espanhóis e portugueses de registrarem rotas, condições atmosféricas e outros elementos para facilitar as excursões futuras ajudou a criar o gênero. No Brasil, o primeiro exemplo do tema é a car-ta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal D.Manuel I, em 1500, comunicando o “acha-mento” de novas terras na América do sul.

O estilo “diário de bordo” de Caminha é um dos recursos narrativos mais utilizados para retratar uma jornada. Segundo o professor de pós-graduação em Literatura e pesquisador do gênero na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Stélio Furlan, estas notações

descritivas foram os antecedentes desta litera-tura que, com sucesso, são praticadas até hoje.

O livro Mar sem fim, do navegador Amyr Klink, é um exemplo típico que narra desde o dia em que o aventureiro teve que deixar mu-lher e filhas na cidade de Paraty (RJ) até quan-do concluiu sua primeira volta ao mundo. “Um homem precisa viajar para lugares que não co-nhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos”, registra em seu diário.

O engenheiro-escritor e empreendedor de aventuras Roberto Böell Vaz, radicado em Florianópolis, segue a mesma linha de Klink, mas prefere conhecer humanos “aos pinguins observados pelo navegador”. Vaz já publi-cou dois livros: Na trilha das Américas e Conhecendo o velho mundo, que narra sua tra-vessia na América e Europa dirigindo veículos inusitados, como um barco feito com garrafas plásticas. Esta aventura no litoral catarinense ele contará no próximo livro, já em produção.

Vaz já foi inclusive de Florianópolis a Atlanta, nos EUA, dirigindo um Fusca 1975. Era pra ser uma picape com tração nas quatro rodas, mas o orçamento da expedição caiu de US$150 mil

para US$18 mil. Foram 40 mil quilômetros percorridos pelas três Américas em cinco me-ses de viagem, passando por 15 países diferen-tes, com o objetivo de assistir as Olimpíadas de Atlanta em 1996. Na trilha das Américas conta que o aventureiro suportou temperaturas extre-mas (7° negativos e os sufocantes 40°), que es-capou do furacão Dolly que devastou boa parte do Golfo do México, e que presenciou uma ex-plosão no Centennial Olympic Park de Atlanta que matou duas pessoas e deixou 110 feridas. “Apesar dos percalços, a forma como se deu a viagem me deixou muito próximo das pesso-as normais, pois o que fiz é um objetivo que qualquer um pode sonhar e alcançar”, assegura Roberto Vaz.

Essa proximidade com o leitor traz as “es-critas-viagens” para o imaginário coletivo, até mesmo as ficcionais como a obra-prima On the Road, de Jack Kerouac, cujo título no Brasil é Pé na Estrada. Publicado na década de 1950, o livro com tra-ços autobiográficos mostra a história avessa ao american dream, onde dois jovens, Sal Paradise e Dean Moriaty, atravessam os Estados Unidos de costa a costa em busca de autoconhe-cimento. Foi um retrato do pós-guer-ra norte-americano e gerou tamanha identificação do público que influen-ciou no surgimento da geração beat e em alguns dos movimentos da contracultura.

Segundo o pesquisador Stélio Furlan, des-de a poética da navegação de Camões a José Saramago, sempre haverá um ponto de conver-gência: o relato de um deslocamento em uma escrita em trânsito, tecida ao ritmo do passeio atento. “Todas as formas de sociedade, compre-endendo tribos e clãs, nações e nacionalidades, colônias e impérios trabalham e retrabalham a viagem, seja como modo de descobrir o ‘outro’, seja como modo de descobrir o ‘eu’”.

Thiago Verney

Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada primeiro diário de bordo no país

4

Road movies fazem da jornada uma reflexão

Dois motoqueiros cruzam os Estados Unidos em busca de liberdade. Ao som de Born to be wild, na contagiante inter-pretação de Steppenwolf, Billy

(encarnado pelo ator Dennis Hopper) e Wyatt (Peter Fonda) fazem da estrada um símbolo da juventude americana dos anos 1960. Mais do que viajantes, a dupla do enredo cinematográ-fico de Sem destino tornou-se uma clássica re-ferência ao movimento de contracultura hippie, e é um dos destaques quando se fala de road movie. Mas que gênero é este?

Para o professor e pesquisador de Literatura e Cinema na UFSC Jair Tadeu da Fonseca, road movies têm o deslocamento dos perso-nagens como elemento fundamental da trama. Por isso, já existiam títulos assim antes mes-mo da criação desse rótulo. Basta lembrar, por exemplo, o western de John Ford, No tempo das diligências (1939), que conta a história de uma caravana atravessando o Velho Oeste até ser surpreendida por índios Apaches.

Mesmo recente, o rótulo já tem espaço para diferentes ângulos e abordagens, lem-bra Fonseca. O político Weekend à francesa,

de Jean-Luc Godard (1967), além de ser uma revolução no plano-sequência da época, pois utilizou em uma cena um longo travelling late-ral sem cortes acompanhando um congestiona-mento na autoestrada francesa, foi uma quebra na narrativa tradicional do cinema.

O enredo começa com a viagem de um casal que irá para a casa dos pais da moça. Até aí, tudo bem. Entretanto, no caminho eles se de-param com situações e pessoas cada vez mais surreais, como carros incendiados, cadáveres jogados na estrada, figuras históricas revivi-

das e alguns terroristas canibais. No final, não concluem o passeio conturbado, mas o filme é apontado pela crítica como uma metáfora que remete o fim da civilização como a conhece-mos, devido a hábitos consumistas gerados por uma educação capitalista.

Nesta direção, há o nacional Bang bang (1971), de Andrea Tonacci, e No decorrer do tempo (1976), do alemão Win Wenders, aponta-dos como os favoritos de Fonseca. Atualmente, o brasileiro Walter Salles se destaca no cenário road, com obras como Central do Brasil (1999) e Diários de motocicleta (2004). Agora, o dire-tor está envolvido na adaptação para o cinema do livro On the road, de Jack Kerouac.

Road movies têm como característica um apelo alegórico que atrai o público justamente por essa identificação com o tema: o desloca-mento retratado nas obras reflete a observação da vida de uma forma mais livre em relação ao passado ou futuro. Mesmo cercado de imprevis-tos, esse olhar remete à importância do caminho e não das chegadas ou partidas. O viés pode até ser simples, mas queira ou não, realizar uma lon-ga jornada “sem destino” sempre percorrerá o imaginário coletivo. (T.V.)

O clássico Sem Destino é símbolo da juventude

Gênero que existe desde o século XV produz best-sellers e cativa leitores que buscam aventuras

Livro conta viagem de fusca de Vaz até EUA

Div

ulga

ção

Fláv

io J

osé

Car

doso

Jr.

Quatro 19Florianópolis, novembro de 2009

Page 20: QUATRO_4

Suspeitei que minha audição estava em jogo ao vê-los colo-cando protetores de ouvido enquanto ajei-

tavam os instrumentos. Bastidores em: http://migre.me/bADZ

CULTURA

Cassim e Barbaria, rock pra viagemQuatro20 Florianópolis, novembro de 2009

C om pouco mais de um ano de vida, a banda de Florianópolis Cassim e Barbaria já percorreu 11 mil quilômetros em uma van pelos Estados Unidos e Canadá,

participou de quatro festivais de música norte-americanos e concluiu que empresas aéreas são igualmente estressantes em qualquer lugar do mundo. Ainda não têm 20 toalhas brancas e um camarim com foie grás e Johnny Walker na ge-ladeira, mas carregam a experiência de ter feito a primeira turnê internacional antes mesmo da nacional, o privilégio do contato com bandas do mundo inteiro e o orgulho de quem resume os 14 shows e as 150 horas de viagem com uma expressão bastante sucinta: “foi do caralho”.

A banda já nasceu como um projeto viajan-te. Diferente de outros grupos de Florianópolis que costumam se destacar principalmente na cena musical da própria cidade ou no eixo Rio-São Paulo, Cassim e Barbaria preten-dia, desde o início, levar a bandeira de Santa Catarina mundo afora. Hoje, tem no currículo uma recente viagem ao Canadá para apresenta-ções nos festivais Pop Montreal e Indie Week Canada, onde tocaram em outubro, e shows no Canadian Music Festival e no South by Southwest, em março deste ano. Para 2010, já planejam uma segunda aventura musical pelo lado de lá do Equador, ancorados na experi-ência de ter programado uma turnê inteira por conta própria, sem empresário, produtor ou as-sessoria de imprensa.

O primeiro convite para tocar nos Estados Unidos veio com a banda ainda engatinhando, em novembro do ano passado. Inicialmente pensada como um projeto solo de Cassiano Fagundes, então membro da curitibana Bad Folks, logo ficou claro que os demais músicos não poderiam ser utilizados como meros ins-trumentistas de apoio. “Seria desperdício de talento”, diz Cassiano. Feita a constatação, de-cidiram chamar o baterista Guilherme Zimmer, que já tocava em outras bandas, para se unir a Cassiano, Eduardo “Xuxu”, Heron Stradioto e Márcio Leonardo. “E eu, sabiamente, não acei-tei”, brinca Zimmer, “mas quando me convi-daram para ir com eles para o festival, resolvi reconsiderar. Achei que a banda poderia chegar a algum lugar”. Chegaram, três meses depois, a Nova York, onde iniciaram uma turnê que passou por Toronto, no Canadá, e pelos esta-dos americanos de Massachusetts, Geórgia, Washington, Pensilvânia e Texas, onde parti-ciparam do festival South by Southwest, em Austin.Barbaria na estrada - A preparação para a viagem foi intensa. Além de ensaiar, precisa-vam rearranjar as músicas para deixá-las com uma identidade que refletisse cada um dos in-tegrantes. Às composições de Cassiano, todas em inglês, acrescentaram-se noises improvisa-dos em um sintetizador por Zimmer, que pas-sou também a controlar uma segunda bateria. Após muitas noites no estúdio que utilizam para ensaios e gravações no Rio Tavares, em Florianópolis, Cassim e Barbaria conseguiu se tornar o que é hoje: uma banda com duas ba-terias e influências do rock progressivo alemão dos anos 70, da psicodelia dos anos 60 e de experimentalismos. Mas não por muito tempo. A vontade de inovar, somada à saída do baixis-ta e do baterista, faz com que a banda queira, mais uma vez, se reinventar. No novo álbum, que será gravado em dezembro e janeiro, pre-

tendem utilizar uma maior quantidade de im-provisos que deixem o som cada vez mais ex-perimental.

Quanto a substitutos para os que abandona-ram o barco, já têm em mente o nome do co-lega e guitarrista Gabriel Orlandi e, para cum-prir a agenda até o fim do ano, contam com “Amexa” e “Cachorro” para as apresentações em Cuiabá, Natal, João Pessoa e Goiás. Até lá, ensaiam exaustivamente com os dois suplentes para os shows que, se não saírem totalmente sincronizados, serão pelo menos gastronomi-camente fartos. No final de outubro, às véspe-ras de viajar para o festival Calango, em Cuiabá (MT), já planejavam experimen-tar a típica farofa de bana-na da cidade. Na turnê de março, estavam igualmente empolgados para degustar todas as possibilidades dos restaurantes americanos. “A gente comia o dia inteiro, toda hora e as coisas mais bizarras”, lembra Zimmer, “na verdade é meio que o objetivo da viagem, a banda é só desculpa”, brinca.

Além da expansão de horizontes gastronô-micos, as viagens trouxeram, principalmente, aprendizado. “A gente aqui faz uma ideia mui-to glamourizada de um festival, e não é assim”, diz Xuxu. Para os músicos, o mais difícil não é ser chamado para tocar nestes eventos, mas conseguir se destacar entre as quase duas mil bandas que querem, claro, aparecer. Nesse ponto, o fato de serem brasileiros ajuda, ao mesmo tempo em que aumenta a pressão. “O pessoal acha muito massa o fato de ser uma banda brasileira, mas se você não faz um show maravilhoso as críticas são ‘ah, eu esperava mais da terra dos Mutantes e da Tropicália’”, diz Zimmer.

Diferente do Brasil, um festival norte-americano é mais uma grande convenção da indústria musical do que um evento de entre-tenimento. Por isso, apesar de o maior públi-co internacional da banda até agora ter sido de 200 pessoas em um bar da Filadélfia, o grupo não reclama de não ter atingido número seme-lhante nos festivais que participou. Em eventos no qual toda a cidade é mobilizada para shows que acontecem simultaneamente, a qualquer hora do dia, em qualquer lugar - desde a rua

até casas noturnas, restaurantes e, surpreenden-temente, igrejas - ter 30 pessoas na plateia é motivo de comemoração. Além disso, o escas-so público de alguns shows é compensado pela intensa troca de experiências com outras ban-das e pelo contato com gravadoras, produtores e organizadores desses grandes “carnavais do rock”, como define Cassiano.

A experiência internacional também os ins-pirou a importar para o Brasil formatos dife-renciados de se “consumir música”, seguindo o modelo dos festivais internacionais em que,

junto com apresentações por toda a cidade, acontecem con-ferências e exposições. Outra ideia que pretendem trazer para Florianópolis é a de que nem sempre os shows preci-sam estar vinculados a cerveja e festa. “Não que a gente não curta isso, mas é improdutivo. Aqui, por exemplo, é impossí-vel começar a tocar antes da meia-noite”, critica Zimmer.

Durante a turnê americana, a banda se surpre-endeu por constatar que as apresentações nos bares começavam às 21h. No público, viam pessoas engravatadas que haviam saído do trabalho e, como se fossem ao cinema ou ao teatro, iam escutar música. “Apesar de menor, achamos o público de lá mais interessado que o do Brasil”, diz Xuxu.

Para se dedicar à Cassim e Barbaria e aos projetos de impulsionar a cena musical de Florianópolis, Xuxu e Zimmer já deixaram de lado seus empregos de arquiteto e gerente de tecnologia da informação. Cassiano segue atuando como redator e, junto com os dois colegas, aguarda o fim do ano para fazer aquilo que chamam de fechar para balanço. Os três ainda não sabem exatamente o roteiro das viagens de 2010, mas estudam a possibilidade de incluírem a Argentina - e seu dulce de leche - na programação. Sem planos definidos, só sabem que pretendem continuar a ser uma banda que viaja.

Não simpáticos a empresas aéreas, certamente ainda vão reclamar muitas vezes da taxa de excesso de bagagem que uma banda com guitarras, baixo, equipamento de som, sintetizador, amplificador e não uma, mas duas baterias, é obrigada a pagar nos aeroportos.

Rosielle Machado

Div

ulga

ção

“A gente aqui faz uma ideia muito glamourizada de um festival, e não é bem assim”

Durante primeira turnê, grupo com dois bateristas viajou 11.000 km de van, sem nenhum luxo

Toronto

Nova York

Nova Jersey

Boston

Austin

Athens

Washington DC

Filadélfia

Florianópolis

4

Banda de Florianópolis estreia com 14 shows nos EUA e Canadá e quer mais em 2010

Arte

Qua

tro

Page 21: QUATRO_4

Em fevereiro de 2009, o Governo de Santa Catarina lançou o programa Fila Zero de Córnea, que

previa aumentar o número de doações, credenciando bancos de tecido ocular e criando duas novas equipes de transplantes. Além disso, seriam feitos exames para estabelecer a posição dos pacientes em fila, de acordo com a gravidade de cada caso. Mesmo com 260 transplantes de córneas feitos, de fevereiro a setembro, a fila não diminuiu, pelo contrário, aumentou. Quando o programa foi lançado, 900 pessoas esperavam por córneas e, até setembro deste ano, havia 1.354 pacientes na fila, segundo a Central de Captação, Notificação e Distribuição de Órgãos e Tecidos de Santa Catarina (SC Transplantes).

O coordenador da SC Transplantes, Joel de Andrade, ex-plica que o Fila Zero foi criado no início do ano, mas para ser coloca-do em prática é preciso organizar modelos de gestão do programa, para aumentar a captação e, con-sequentemente, os transplantes. “Além disso, a fila de pacientes que necessitam de córneas tem

mais pessoas do que deve, está inchada. É necessário organizar a fila, revisando quem são esses pa-cientes, pois alguns deles podem até nem estarem vivos”.

Várias reuniões foram fei-tas este ano para decidir como o programa vai funcionar, expli-ca o médico coordenador da SC Transplantes. “Foram incluídos no Fila Zero, para fazerem trans-plantes de córneas, o Hospital Municipal São José, em Joinville, o Hospital Governador Celso Ramos, em Florianópolis, e o Hospital Regional de São José,

que também foi credenciado como banco de olhos, assim como o Hospital Uniclínicas Unimed, em Chapecó”. Nos dias 28 e 29 de ou-tubro deste ano, 31 pessoas foram treinadas para retirada de córneas, para reforçarem os transplantes do tecido.

Desde 2005, com intenso tra-balho nos transplantes de órgãos, a SC Transplantes ganhou visibili-dade no estado e no país, o que, se-gundo Joel de Andrade, foi essen-cial para que tivessem a estrutura que tem hoje e a atenção do go-verno. Agora, com o Fila Zero, a intenção é que Santa Catarina tam-bém seja referência no transplan-te de tecidos, principalmente, as córneas, que têm hoje a maior fila de espera. “As córneas foram es-colhidas para um programa como esse porque a fila está enorme e temos a possibilidade de zerá-la se concentrarmos nosso trabalho nesse projeto. É uma vergonha a situação como está”.

Santa Catarina tem 20 clínicas e hospitais que transplantam ór-gãos e tecidos, todas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e 15 des-tes fazem transplantes de córneas. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), há 378 equipes cadastra-das para transplantarem córneas no país, sendo que 155 foram ativas de janeiro a junho de 2009 e fize-ram 6.526 transplantes do tecido. De janeiro a setembro deste ano, foram feitos, em Santa Catarina, 614 transplantes de órgãos e teci-dos, grande maioria no Hospital Santa Isabel, em Blumenau.

A espera por córneas é a única fila indiana no sistema de trans-plantes, ou seja, os pacientes são atendidos pela ordem de chegada. “O caso das córneas é diferente dos outros órgãos porque não há risco de morte. Só passamos na frente crianças (estas têm priori-

dade para qualquer tipo de trans-plante) e pessoas que correm o ris-co de perder o olho”, explica Joel de Andrade. Já as filas de fígado, pulmão e coração, por exemplo, são divididas em quatro, uma para cada tipo de sangue: A, B, O e AB.

Além dessa divisão, a fila para transplante de fígado é por gravi-dade de caso, já os transplantes de coração e pulmão são feitos de acordo com o peso e o tamanho dos doadores e receptores, ou seja, o biótipo do doador deve ser seme-lhante ao do receptor. Enfermeira da SC Transplantes há 10 anos, Silvana Zanette diz que por mais que o paciente que precisa de uma nova córnea tenha dificuldades de visão, ele consegue esperar na fila sem maiores problemas. “Já os que precisam de transplante de fígado, coração e pulmão, dependendo da gravidade, podem morrer, caso es-perem por muito tempo”.

O coordenador da SC Transplantes diz que o andamen-to da fila também é influencia-do pelas condições dos hospitais credenciados para transplantar. “Muitas vezes, chega a hora do paciente receber o órgão ou tecido, o médico é avisado, mas não há leitos no hospital onde o paciente está cadastrado ou faltam anes-tesistas”, explica. “Esse tipo de problema não pode acontecer, pois

nada adianta termos uma estrutura referência no Brasil na captação e distribuição de órgãos e belas campanhas publicitárias se os hos-pitais não estão em condições de realizar os transplantes”.

O Sistema Nacional de Transplantes controla as filas e fis-caliza as ações das CNCDOs, que são as centrais de captação e dis-tribuição de órgãos de cada estado. Por isso, não é possível que o pa-ciente esteja na fila à espera de um órgão ou tecido em mais de um es-tado. A enfermeira Silvana Zanette explica que a base de dados onde estão cadastrados doadores e re-ceptores de órgãos e tecidos, utili-zada por todas as CNCDOs, é mo-nitorada pelo Sistema Nacional de Transplantes. “Nós inserimos as informações dos doadores no sis-tema e ele faz a busca de possíveis receptores, de acordo com as espe-cificidades de cada transplante. O

sistema é seguro e cada funcioná-rio que tem acesso a esse cadastro tem uma senha particular”. Estatísticas que atrapalham- Assim como qualquer transplante de órgãos, pode haver rejeição do paciente após receber a nova cór-nea, mesmo que todos os exames necessários para a comprovação da qualidade do tecido captado tenham sido feitos. Um desses exames é quanto à existência do vírus de hepatite B ou C. Joel de Andrade exemplifica: se há 60 mil mortes em Santa Catarina por ano, apenas 30 mil delas ocorrerão em lugares com estrutura médica para que sejam notificadas à Central de Transplantes. Destas, apenas 15 mil passarão pelo processo de captação, quando autorizado pelas famílias, devido à contaminação pelo vírus da hepatite. “Só no oes-te de Santa Catarina, em torno de 50 a 70% da população tem o vírus tipo B ou C”.

Os órgãos transplantados de pa-cientes falecidos são captados ape-nas em casos de morte encefálica, já a córnea pode ser aproveitada de qualquer paciente que não tenha sofrido lesões no tecido ocular. Nem todos os órgãos e tecidos são captados porque muitas mortes não são notificadas a tempo à SC Transplantes, e também porque o órgão ou tecido, muitas vezes, não é conservado devidamente até a chegada da equipe de captação. “O morto deve ser mantido em lo-cal com temperatura de no máxi-mo 15 graus e o olho tapado com gaze umedecida”, explica Joel de Andrade. Depois de captadas, as córneas são imersas em um me-dicamento que as conserva por 14 dias até o transplante.

O Fila Zero pretende colocar cada paciente em sua própria ci-dade. “O paciente de Joinville que precisa de córneas não será cadastrado no Hospital Celso Ramos, em Florianópolis, e sim no Hospital Regional São José, que também faz o transplante e fica na sua cidade”, afirma o coor-denador dos transplantes em Santa Catarina. “Mas vamos encaminhar pacientes para os hospitais trans-plantadores de cada cidade só de-pois que zerarmos essa fila, que tem 1.354 pessoas, e isso será fei-to, no máximo até junho de 2010”.

BlumenauBotelho Oftalmoclínica Ltda Clínica de Olho Dr. Roberto Von HertwigClínica Médica Oftalmológica Blumenau SSSociedade Divina Providência Hospital Santa Isabel

Locais credenciados em SC

ChapecóAssociação Hospitalar Lenoir Vargas Ferreira – Hospital Regional de Chapecó

FlorianópolisCentro Integrado de Oftalmologia- CIOFTCentro Oftalmológico de Diagnose e Terapêutica S\C Ltda. – CODTHospital Governador Celso RamosInstituto de Visão Rayes S\C Ltda

JoaçabaHospital Universitário Santa Terezinha

JoinvilleHospital Municipal São José de JoinvilleInstituto de Olhos Sadalla Amin Ghanem S\C Ltda.

VideiraHospital Santa Maria Ltda.

São JoséHospital Regional São José Dr. Homero de Miranda Gomes

Consegui muitas in-formações valiosas sobre o Fila Zero de Córnea e acredito que servirão como aler-ta aos que precisam.

Bastidores em: http://migre.me/bAyt

4

Fila Zero ainda não diminuiu esperaDesde fevereiro, número dos que aguardam transplante de córneas no estado subiu de 900 para 1.354

SAÚDE Quatro 21Florianópolis, novembro de 2009

Suélen Ramos

“Há como zerar a fila que existe hoje. É uma vergonha a situação atual”

Déb

ora

Pue

l

Joel Andrade garante que até junho de 2010 todos serão atendidos

CriciúmaHospital São José

Page 22: QUATRO_4

Annelise Camilo Miranda, 32 anos, aguarda chamarem seu nome na sala de recepção do Centro

de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina (Hemosc). Há cinco anos, ao seguir o exemplo de seu pai, a manicure começou a doar sangue e desde então pra-tica a ação regularmente: “Gosto muito de poder ajudar as pessoas. Comecei assim que tive a chance e agora doo sempre que possível”. O que Annelise e a maioria dos doa-dores não sabem é todo o percurso pelo qual seu sangue passa até ser transfundido para o receptor final.

Os doadores têm aproximada-mente 450 ml de sangue retirados para doação propriamente dita e outros 45 ml colhidos em três amostras para passar por testes laboratoriais de tipagem sanguí-nea, hematologia e sorologia. O primeiro exame apenas verifica qual é o grupo sanguíneo (A, B, AB ou O) e o fator Rh (positivo ou negativo) da amostra. O sangue que é encaminhado para o teste de hematologia é testado para exami-nar se há alterações em sua hemo-globina, a substância responsável por transportar o oxigênio pelo corpo. Em caso positivo, o sangue é descartado e o doador, encami-nhado para tratamento. A terceira amostra vai para o Laboratório de Sorologia e passa por exames que identificam se há contaminação por alguma doença transmissível que impeça a transfusão.

Esses testes são feitos por má-quinas automatizadas que intro-duzem nas amostras substâncias que indicam a contaminação por hepatite, doença de Chagas, sífilis, AIDS, entre outras doenças.

Os resultados, entretanto, não são 100% seguros devido a um período chamado “janela imu-nológica”. A chefe do setor de Captação do Hemosc, Roseli Sandrin, explica que após a con-taminação por agentes infecciosos

existe um tempo para o organismo criar anticorpos para os combater e, se a amostra é coletada neste período, os testes podem dar um “falso negativo”. O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), por exemplo, demora três sema-nas para ser indicado nesse teste. “Nestes casos não há como identi-ficar o sangue contaminado. É um risco que corremos”. Roseli alerta que há casos de pessoas que fazem a doação com o propósito de veri-ficarem se têm determinada doen-ça e que isso pode levar à contami-nação de receptores.

Se uma amostra aponta resulta-do positivo ou inconclusivo para alguma das doenças, ou para o exame de hematologia, o Hemosc convoca o doador para recolher sangue para novo teste e, em caso de confirmação, a pessoa é enca-minhada para tratamento. Dados do Hemosc indicam que cerca de 4% das amostras é infectada por alguma doença e, deste total, 2,5% é hepatite B, 0,8% sífilis e 0,05% HIV. O sangue que apresenta algu-ma alteração nos testes é descarta-do e incinerado. Separação de componentes - Ao mesmo tem-po em que as amostras são analisadas, as bolsas de san-gue são pre-paradas para terem os seus componentes separados. O primeiro pro-cesso retira as hemácias (células vermelhas) do plasma. O sangue é centrifugado por 10 minutos em alta velocidade, o que faz com que as hemácias se depositem no fundo da bolsa e o plasma com as plaquetas (parte líquida) fiquem na parte de cima. Após isso, aconte-ce a separação das duas partes por uma prensa e o concentrado de he-mácias e o plasma rico em plaque-tas são pesados. Neste estágio, as hemácias estão prontas para serem transfundidas, mas o líquido é no-vamente centrifugado por 15 mi-

nutos para haver a separação das plaquetas do plasma.

Com elas prontas para doação, o plasma é novamente dividido entre plasma normal e o chamado “crioprecipitado”, extração rica em substâncias de coagulação. As plaquetas são doadas a pesso-as com leucemia e outros tipos de câncer, além daquelas submetidas à cirurgias cardíacas, enquanto o “crioprecipitado” é destinado a pacientes hemofílicos. Já o plas-ma normal é encaminhado para os que precisam de reposição hídri-ca, como vítimas de queimaduras. Assim, uma única doação pode salvar até quatro vidas.

Depois da separação, os compo-nentes sanguíneos são armazena-dos na sala de Hemocomponentes Bloqueados, onde ficam até que os resultados dos testes com as amos-tras estejam prontos.

O plasma pode ser conserva-do em temperatura entre -30ºC e -50ºC por até dois anos, as hemá-cias duram até 45 dias entre 2ºC e 6ºC, e as plaquetas podem ser uti-lizadas em até 5 dias, mantidas em temperatura ambiente. Em geral, após 24 horas da coleta, os mate-

riais são liberados.Como a ma-

nicure Annelise, outras 9 mil pes-soas doam sangue mensalmente no Hemosc e nos ou-tros hemocentros regionais espalha-dos pelo estado, número que re-

presenta 90% das doações realiza-das em Santa Catarina. Os testes das amostras coletadas nos cen-tros de Lages, Joaçaba, Chapecó, Criciúma e Joinville são feitos em Florianópolis. A distribuição do que é recolhido no Hemosc da capital depende da demanda dos hospitais, clínicas, ambulatórios, maternidades e agências transfu-sionais.

O número de bolsas é enviado de acordo com os pedidos médi-cos. Também há envio de supri-mentos entre os hemocentros, para

que não falte material em nenhu-ma região. Durante o transporte para seu destino final, os compo-nentes sanguíneos são mantidos em temperaturas específicas de ar-mazenamento e estão prontos para a transfusão.Etapas da doação - Por uma questão de segurança de saúde, todo doador passa por uma pré-se-leção para verificar se está apto a doar. Assim que chegou ao hemo-centro, Annelise Camilo Miranda apresentou documento com foto, preencheu um cadastro com seus dados pessoais e recebeu uma fi-cha de triagem clínica com 46 questões. É perguntado se a pessoa repousou na última noite, se está em jejum ou ingeriu bebida alco-ólica nas últimas 12 horas, se tem alguma tatuagem ou foi submetida a alguma cirurgia.

O hemocentro ainda quer sa-ber o número de parceiros sexu-ais do doador no último ano e se é portador de alguma doença. São avaliados também pressão arterial, temperatura, pulso, peso e altura, e é coletado sangue por um pequeno furo no dedo da mão para verificar incidência de anemia.

Após esses procedimentos, Annelise passou ainda por uma entrevista, onde o atendente anali-

sou as respostas da ficha de tria-gem clínica. Se fosse percebido al-gum fator de impedimento para a doação, Annelise não iria adiante. Como nada de anormal foi encon-trado, ela foi para a sala de coleta. O procedimento, que dura entre 5 e 10 minutos, é feito sob a super-visão de enfermeiro ou médico, e o material é descartável e encami-nhado para incineração após o uso.

Geralmente, 450 ml de sangue são retirados, mas a quantidade pode ser menor, de acordo com o peso do doador. Para se reidratar, a manicure recebeu lanche com pão, ovo, fruta, iogurte, suco ou café antes de deixar o Hemosc. É as-sim com todos os doadores. Após 40 dias, os iniciantes recebem suas carteirinhas de doador pelo correio. Segundo o procedimento padrão, homens estarão aptos a doar novamente após dois meses, e mulheres, três. Se quiser, a mani-cure Annelise pode ajudar a salvar vidas novamente no ano que vem.

Entrei na sala de se-paração dos compo-nentes, vi o processo acontecer e tirei algu-mas dúvidas com os

funcionários. Bastidores em: http://migre.me/bAEI

SAÚDE

Caminhos da transfusão de sangueColeta sanguínea leva de 5 a 10 minutos, mas trajetória percorrida até as veias do receptor final é longa

Quatro22 Florianópolis, novembro de 2009

Nayara D’Alama

Por mês, quase 9 mil doadores procuram os hemocentros de todo o estado

4

Quem pode doar?*Pessoas entre 18 e 65 anos*Pesar no mínimo 50 quilos*Não estar em jejum*Não ter comido alimentos gordurosos antes da doação*Não ter ingerido álcool nas últimas 12 horas*Ter repousado pelo menos 6 horas na última noite

Quem não pode doar?*Pessoas que já tiveram: hepatite B ou C ou doença de Chagas*Portadores de malária ou sífilis*Pessoas que tiveram febre ou gripe nos últimos sete dias*Grávidas*Quem teve diversos parceiros sexuais no último ano*Usuários de drogas

Fonte: Centro de Hematologia e Hemoterapia de SC

Condições para a doação

Arte Quatro

Como funcionam os tipos de sangueSistema ABO Fator RH

A AB B

Receptor universal

O

A B

Doador universal

O sangue O pode ser transfundido para todos, mas só recebe doações de si próprio porque ele possui anticorpos A e B, substâncias que destroem as células de sangue destes tipos. Sangues A e B têm anticorpos B e A, respectivamente, e isso impede doações entre si. Já o tipo AB não apresenta anticorpos, o que permite receber sangue de todos os tipos.

Pessoas que possuem o fator Rh em seu sangue apresentam Rh posi-tivo, enquanto as que não, negativo. Se o receptor não o possui, ao ocorrer uma transfusão, ele formará anticorpos anti-Rh, o que o impedirá de receber futuras doações de sangue fator Rh+, sob risco de morte.

O gráfico ao lado mostra qual a disponibilidade no banco de sangue do HEMOSC no dia 1/10/2009 para cada tipo sanguíneo.

Rh+ Rh+

Rh-Rh-

Disponibilidade no HEMOSC

A+: - 34,85%

A-: 5,85%

AB+: 7,9%

AB-: 1,31%O+: 31,63%

O-: 7,33%

B+: 8,78%

B-: 2,35%

Page 23: QUATRO_4

P ara dona Marialva Gomes, moradora do município de Videira, que fica a 450 quilô-metros e 5 horas de

Florianópolis, o dia começou cedo. Ela já acordou ciente que enfrentaria um longo dia de “am-bulancioterapia”, nome dado pela população ao trânsito contínuo de ambulâncias do interior do estado para a capital em busca de trata-mento de saúde. Dona Marialva, 57 anos, reclamava há algumas semanas de dores nas costas que apareciam sem explicação e re-correu ao posto da cidade, mas não conseguiu marcar consulta. Decidiu tentar vir a Florianópolis em busca de ajuda em uma emer-gência. Às 10h da manhã, ela já havia percorrido dois hospitais na tentativa de atendimento e desisti-do pelo tamanho das filas.

Decidiu-se por esperar no ter-ceiro, a emergência do Hospital Universitário da UFSC (HU). Ali, teria companhia para esperar a ca-rona de volta, às 18h, já que outros pacientes de Videira tinham con-sultas marcadas. Dona Marialva é mais uma dos 570 videirenses que conseguem atendimento todos os anos no HU. Para a assistente so-cial do hospital Maria Aparecida Fagundes, as pessoas que vêm sem consulta marcada previamente nos postos de saúde tendem a passar mais dificuldades em busca da vaga. “As unidades de saúde nos municípios têm um sistema que dá acesso ao agendamento de consul-tas aqui em Florianópolis, mas as pessoas mal orientadas vêm sem

marcar e ficam batendo de porta em porta nos hospitais.”

Outro grave problema regis-trado nos atendimentos fora do município é a carência financei-ra dos pacientes. Muitos marcam consulta para as 9h da manhã, mas o transporte só volta para buscá-los no fim da tarde, e os usuários ficam sem ter o que comer. Maria Aparecida lembra que existe uma lei que regula o tratamento de saúde fora dos municípios (TFD) e garante o pagamento de diárias aos pacientes, “mas a maioria dos municípios não a cumpre, o que deixa as pessoas em situação pre-cária aqui na capital”.

Ainda assim, a espera pela van e a fome não são as únicas dificul-dades. Há casos em que o paciente perde o horário do transporte e fica sem ter como voltar. A assistente so-cial lembra-se de um paciente do oeste que ficou sem a carona de vol-ta porque sua consulta demo-rou além do esperado. “Nesse dia, pedimos à Associação Amigos do HU que pagasse a passagem de volta, mas nem sempre eles têm condições”. Uma alternativa mui-to utilizada pelo serviço social do HU é a colocação dos pacientes em casas de apoio voluntárias.Amigos do HU - Criada em 2001, a Associação Amigos do HU (AAHU) é uma entidade sem fins lucrativos, que tem por objetivo dar assistência aos pacientes e acompanhantes durante a perma-

nência deles no hospital, e é for-mada exclusivamente por voluntá-rios. Para o presidente da AAHU, Narciso Policarpo, a “ambulancio-terapia” é uma prática desumana, mas não há como acabar com ela. “O governo não tem como inte-riorizar todos os serviços de saú-de”. Para ele, o que pode ser feito é atenuar o problema deslocando serviços de média complexidade para as localidades mais distantes, deixando somente os casos mais graves para a região da capital.

Para diminuir o sofrimento da espera, a AAHU está construindo, em parceria com a Receita Federal, uma sala de acolhimento aos pa-cientes, com televisor e poltronas para que eles se acomodem com mais conforto. A obra deve ficar

pronta até fe-vereiro de 2010 e custará cerca de R$1 milhão. Atualmente, as pessoas aguar-dam o retorno para casa em alguns bancos e no gramado em frente ao HU. Telemedicina

- Outra iniciativa para diminuir o fluxo de pacientes do interior para a capital é o projeto Telemedicina, uma parceria com o governo do estado que tem por objetivo rea-lizar o máximo de procedimentos possível sem que o usuário preci-se deixar o município de origem. Através dele, já se pode realizar procedimentos como o eletrocar-diograma e exames dermatológi-cos nos postos de saúde.O sistema básico que é instalado nas uni-dades de saúde locais custa me-

nos de R$3 mil e é composto por um eletrocardiograma e uma máquina di-gital para fotografar as lesões dermato-lógicas. Os exames são realizados por um profissional da área da saúde e transmitidos para um especialista na capital, que emi-te o laudo técnico. Para Harley Miguel Wagner, um dos coordenadores do projeto, o sistema permite a reali-zação de exames preventivos em pessoas que fazem parte do gru-po de risco de algumas doenças. “Conseguimos diminuir a fila de espera e atender a uma demanda reprimida de exames preventivos que antes competiam com os ca-sos de urgência.” O número de exames realizados aumentou mui-to, já que o município não depende mais de cotas em clínicas privadas ou do transporte para a capital para prestar o serviço.

O projeto pretende chegar, até o final do ano, a mais de 200 muni-cípios catarinenses, e, em 2009, já realizou mais de 220 mil exames, sendo que desses, 180 mil foram eletrocardiogramas, todos através do Sistema Único de Saúde (SUS). Além da realização de exames, o Telemedicina trabalha com capa-citação à distância do pessoal de atendimento nos postos de saúde. Todas as semanas, são realizadas webconferências direcionadas aos profissionais, com temas que vão desde a prevenção à diabetes até ao diagnóstico de câncer de pele.

Ainda na área de capacitação e

assistência, outro serviço ofereci-do é o da segunda opinião forma-tiva, que pode ser utilizado pelo profissional do interior em caso de dúvida no diagnóstico. Através dele, pode-se consultar os exames do paciente e realizar uma troca de informações entre o profissio-nal local e um especialista. Desta forma, o usuário tem outra opinião sem precisar deixar o município de origem e, mais uma vez, evitar os transtornos da “ambulanciote-rapia”. Porém, mesmo com todas essas iniciativas, todos os dias de-zenas de ambulâncias continuam chegando ao HU. O que reforça a necessidade de capacitação dos profissionais dos postos de saúde, maior investimento na regionali-zação do serviços e melhorias nas condições de recepção aos pacien-tes na capital. Pessoas como dona Marialva aguardam a solução.

É incrível como as pessoas temem repre-sálias das administra-ções municipais e não entendem que o trata-

mento é um direito. Bastidores em: http://migre.me/bA3n

“Ambulancioterapia” faz com que pacientes passem por vários hospitais até encontrar atendimento

Diego Vieira

Lei garante pagamento de diárias a pacientes em tratamento fora de seus municípios, mas a maioria passa dia por conta própria enquanto espera transporte de volta

“Os que vêm sem agendar ficam batendo de porta em porta para conseguir consulta”

Até fevereiro, HU vai ter sala de acolhimento

Transporte de vidas para a capital

4

Cát

ia S

anto

s

Diego Vieira

SAÚDE Quatro 23Florianópolis, novembro de 2009

Page 24: QUATRO_4

Tecnologia e lama em prova off-road

Chuva, barro e gasolina. Essas foram as palavras que marcaram a etapa Regional Sul da Baja SAE Brasil. A competição ocorre desde 2003 e pela primeira vez foi realizada na

cidade de Horizontina (RS). No início de novem-bro, 13 equipes de estudantes de engenharia de 11 universidades do sul do país tiveram seu protótipos off-road desafiados. Além de apresentarem seus projetos aos juízes e realizarem as provas de segurança e conforto, os pequenos carros de rally tiveram que superar cur-vas fechadas, piscina de lama, saltos, costeletas e adversários em duas baterias de enduro. Eixos que-brados, motores fundidos, suspensões arruinadas e capotagens. As primeiras competições de baja começaram no início da década de 60 nos Estados Unidos. Na

época, aventureiros se reuniam para cruzar os 1.340 quilômetros de deserto entre o Oceano Pacífico e o Golfo do México em carros preparados para qual-quer tipo de terreno. Atualmente, com o avanço da tecnologia, os bajas viraram protótipos de carros especialmente desenvolvidos para competições de rally. Alguns modelos podem ser vistos em compe-tições como o Rally Dakar, por exemplo. Os “minibajas”, como também são conhecidos, são completamente projetados e construídos por estudantes. A ideia é desenvolver o conhecimento na área da construção automotiva, incentivado pela possibilidade de criar um projeto campeão. Na etapa de Horizontina, foram seis provas: segu-rança, apresentação, conforto, suspensão e tração, rampa e enduro de resistência. Ao final dos testes, venceu o protótipo ilhéu, da equipe da Universidade Federal de Santa Catarina.

Texto e FotosErich Casagrande

Pilotos se reúnem antes da corrida para receber instruções dos fiscais

Quatro minutosTEXTOS CURTOS SOBRE TEMAS QUE SE ESTENDEM

A lama foi uma das protagonistas da competição. Com a chuva do fim de semana, além da água que os organizadores jogaram, a pista se transformou numa piscina

Protótipo não resiste ao duro teste e é retirado do circuito

Foco é desenvolver estudos na construção automotiva“Minibajas” são completamente desenvolvidos por estudantes das universidades que participam do evento

Florianópolis, novembro de 200924 Quatro

4 Enquanto fotografava, quase fui atropelado por um dos pilotos. Bastidores em http://migre.me/bL1A

+