quatro passos para seu negócio

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2 de julho de 2012, ÉPOCA > 93 92 > ÉPOCA, 2 de julho de 2012 N os anos 1960, o garoto Edson, em Guarantã, interior de São Paulo, tinha um ídolo: Moacir, o médico da cidade. Hoje, cinco décadas depois, o empresário Edson de Godoy Bueno comanda a Amil, uma rede de serviços médicos que fatura mais de R$ 9 bilhões por ano. O que aconteceu en- tre um momento e outro é o ciclo mais fundamental (e talvez o menos com- preendido) para o enriquecimento de uma sociedade. Ele começa com uma vontade, passa pelo amadurecimento de uma ideia e resulta numa empresa. Se ela for bem-suce- dida, florescerá ao redor de seus funda- dores e atrairá novos sócios, investidores e funcionários. Essa mesma lógica se aplica tanto a uma padaria quanto a uma companhia multinacional. Na cabeça de Bueno, é bem clara a linha contínua en- tre a inspiração de garoto e seu trabalho atual. Muitos empreendedores, porém, perdem-se em algum ponto da trajetó- ria – por isso, três quartos dos pequenos negócios criados no país não chegam ao quinto ano de vida. O desvio pode surgir logo no iní- cio, quando a falta de uma grande ideia A o abrir um negócio próprio, inovar é ótimo, mas não fundamental. Fundamental é pensar, pesquisar e ouvir antes de fazer, para achar uma vanta- gem: um ótimo ponto, um jeito melhor de vender, uma forma de baratear – ou de transformar conhecimento num serviço que possa ser vendido. Billy Nascimento e Ana Carolina de Souza, Planeje, melhore, execute e envolva pessoas. Como grandes e pequenos empresários lidam com as etapas fundamentais para fazer bem feito Quatro passos para seu negócio Marcos Coronato Vida EMPREENDEDORES inibe a vontade de abrir o negócio pró- prio, ou ao longo do percurso, quando a lida diária com burocracia, contas e pequenos problemas impede o em- preendedor de se concentrar no que importa: fazer a empresa melhorar e crescer. “O dia a dia do negócio tende a matar a criatividade típica do brasilei- ro, a fazê-lo deixar de planejar e pensar no longo prazo”, diz o economista Erik Camarano, diretor-presidente do Mo- vimento Brasil Competitivo (MBC). Como um dos res- ponsáveis pelo Prê- mio MPE Brasil, o MBC avaliou mais de 400 mil peque- nas e microempre- sas na última déca- da, 33 mil apenas em 2011. Com base nessa experiência, Camarano percebeu que a principal característica dos negó- cios bem-sucedidos não é uma sacada genial, e sim a capacidade de manter a visão estratégica no futuro e de se con- centrar em melhorar, pouco a pouco, o tempo todo. Como manter esse rumo, ao longo de toda a trajetória? ÉPOCA ouviu especialistas, grandes e pequenos empresários, e destilou esse percurso em quatro desafios que o novo negócio deve superar para se dar bem. O que determina o sucesso do negócio não é a sacada genial, e sim a capacidade de melhorar o tempo todo doutores em neurologia, seguiram esse último caminho. Tornaram-se referên- cia na área com trabalhos importantes sobre o efeito nos fumantes das imagens em maços de cigarros e o nível de estresse nos soldados brasileiros nas tropas de paz no Haiti. Queriam aplicar a ciência a um negócio, mas tinham apenas uma vaga ideia de como fazer isso. “Não sabía- mos como transformar o conhecimento numa empresa”, diz Nascimento. A ideia de negócio tomou forma em congressos, onde encontraram colegas cientistas vi- rando empreendedores, e em conversas com a equipe da incubadora de empre- sas da Coppe/UFRJ. No ano passado, criaram a Forebrain, empresa que ajuda companhias a entender como o cérebro das pessoas reage diante de um produ- to, imagem ou interface. A falta de uma ideia não deve intimidar ninguém. A consultora Filomena Garcia calcula que um quinto das franquias – ideias já testadas – no Brasil exige investi- mento inicial ao alcance da classe média, entre R$ 50 mil e R$ 150 mil. EDSON BUENO, fundador da AMIL, rede de serviços de saúde com 25 mil funcionários Ter uma inspiração e estudar muito é um bom começo. Minha motivação iniciou-se com a admiração por um médico no interior. Mas o empreendedor precisa de duas coisas: ver problemas que quer corrigir e conseguir empolgar outras pessoas com sua visão O negócio Mapear a reação cerebral das pessoas diante de um produto ou imagem A dúvida São especialistas numa área interessante, mas não sabiam bem que negócio abrir 1 DE ONDE VÊM AS BOAS IDEIAS? PLANEJE Foto: Guillermo Giansanti/ÉPOCA BILLY NASCIMENTO E ANA CAROLINA DE SOUZA, fundadores da FOREBRAIN, criada em 2011

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Reportagem da Revista Época falando sobre a Forebrain

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Page 1: Quatro passos para seu negócio

2 de julho de 2012, época > 9392 > época , 2 de julho de 2012

N os anos 1960, o garoto Edson, em Guarantã, interior de São Paulo, tinha um ídolo: Moacir,

o médico da cidade. Hoje, cinco décadas depois, o empresário Edson de Godoy Bueno comanda a Amil, uma rede de serviços médicos que fatura mais de R$ 9 bilhões por ano. O que aconteceu en-tre um momento e outro é o ciclo mais fundamental (e talvez o menos com-preendido) para o enriquecimento de uma sociedade. Ele começa com uma vontade, passa pelo amadurecimento de uma ideia e resulta numa empresa. Se ela for bem-suce-dida, florescerá ao redor de seus funda-dores e atrairá novos sócios, investidores e funcionários. Essa mesma lógica se aplica tanto a uma padaria quanto a uma companhia multinacional. Na cabeça de Bueno, é bem clara a linha contínua en-tre a inspiração de garoto e seu trabalho atual. Muitos empreendedores, porém, perdem-se em algum ponto da trajetó-ria – por isso, três quartos dos pequenos negócios criados no país não chegam ao quinto ano de vida.

O desvio pode surgir logo no iní-cio, quando a falta de uma grande ideia

A o abrir um negócio próprio, inovar é ótimo, mas não fundamental.

Fundamental é pensar, pesquisar e ouvir antes de fazer, para achar uma vanta-gem: um ótimo ponto, um jeito melhor de vender, uma forma de baratear – ou de transformar conhecimento num serviço que possa ser vendido. Billy Nascimento e Ana Carolina de Souza,

Planeje, melhore, execute e envolva pessoas. Como grandes e pequenos empresários lidam com as etapas fundamentais para fazer bem feito

Quatro passos para seu negócio

Marcos Coronato

Vida emPreendedores

inibe a vontade de abrir o negócio pró-prio, ou ao longo do percurso, quando a lida diária com burocracia, contas e pequenos problemas impede o em-preendedor de se concentrar no que importa: fazer a empresa melhorar e crescer. “O dia a dia do negócio tende a matar a criatividade típica do brasilei-ro, a fazê-lo deixar de planejar e pensar no longo prazo”, diz o economista Erik Camarano, diretor-presidente do Mo-vimento Brasil Competitivo (MBC).

Como um dos res-ponsáveis pelo Prê-mio MPE Brasil, o MBC avaliou mais de 400 mil peque-nas e microempre-sas na última déca-da, 33 mil apenas em 2011. Com base

nessa experiência, Camarano percebeu que a principal característica dos negó-cios bem-sucedidos não é uma sacada genial, e sim a capacidade de manter a visão estratégica no futuro e de se con-centrar em melhorar, pouco a pouco, o tempo todo. Como manter esse rumo, ao longo de toda a trajetória? ÉPOCA ouviu especialistas, grandes e pequenos empresários, e destilou esse percurso em quatro desafios que o novo negócio deve superar para se dar bem.

O que determina o sucesso do negócio não é a sacada genial, e sim a capacidade de melhorar o tempo todo

doutores em neurologia, seguiram esse último caminho. Tornaram-se referên-cia na área com trabalhos importantes sobre o efeito nos fumantes das imagens em maços de cigarros e o nível de estresse nos soldados brasileiros nas tropas de paz no Haiti. Queriam aplicar a ciência a um negócio, mas tinham apenas uma vaga ideia de como fazer isso. “Não sabía-mos como transformar o conhecimento numa empresa”, diz Nascimento. A ideia de negócio tomou forma em congressos, onde encontraram colegas cientistas vi-

rando empreendedores, e em conversas com a equipe da incubadora de empre-sas da Coppe/UFRJ. No ano passado, criaram a Forebrain, empresa que ajuda companhias a entender como o cérebro das pessoas reage diante de um produ-to, imagem ou interface. A falta de uma ideia não deve intimidar ninguém. A consultora Filomena Garcia calcula que um quinto das franquias – ideias já testadas – no Brasil exige investi-mento inicial ao alcance da classe média, entre R$ 50 mil e R$ 150 mil.

Edson BuEno,fundador da Amil, rede de serviços de saúde com 25 mil funcionários

“Ter uma inspiração e estudar muito é um bom começo. Minha motivação iniciou-se com a admiração por um médico no interior. Mas o empreendedor precisa de duas coisas: ver problemas que quer corrigir e conseguir empolgar outras pessoas com sua visão ”

o negócioMapear a reação cerebral

das pessoas diante de um produto

ou imagem

A dúvidaSão especialistas

numa área interessante, mas não sabiam bem que

negócio abrir

1dE ondE vêm As BoAs idEiAs?

planeje

Foto: Guillermo Giansanti/ÉPOCA

Billy nAscimEnto E AnA cArolinA

dE souzA,fundadores da

ForebrAin, criada em 2011

Page 2: Quatro passos para seu negócio

2 de julho de 2012, época > 9594 > época , 2 de julho de 2012

Vida emPreendedores

o empreendedor que amadurece uma ideia corre o risco de apegar-se

demais a ela. “O empresário novato e es-pecialista num assunto costuma chegar ao mercado com um prato feito. Ele preci-sa se preparar para adaptar esse prato ao gosto do freguês, quando necessário”, diz Sérgio Risola, diretor do Cietec, incubado-ra de empresas da Universidade de São Paulo (USP), berço de 104 novos negó-cios desde 2002. Só assim os clientes se disporão a pagar. O empresário Fernando Canuto vem preparando esse prato desde 2009. Ele quer facilitar o encontro de profissionais que prestam pequenos serviços de limpeza e manutenção com famílias e empresas que querem contra-tar esses serviços. Em setembro de 2011, o site de Canuto, o Bougue, começou a criar uma comunidade em torno do tema e a conhecer melhor os clientes. Só em ju-lho deste ano passará a cobrar por alguns serviços. Ele está no começo da trilha por onde já passou Edna Onodera, dona da maior franquia de clínicas estéticas do país. Ela empreende desde adolescente – vendeu doces, reformou móveis e teve

n erthus é o nome de uma deu-sa anglo-saxã da fertilidade. É

também o nome do empreendimento das cientistas Patrícia Garrafa e Kari-na Barrella, em desenvolvimento na incubadora de negócios da USP, o Cietec. As duas se conheceram em 2002 e perceberam uma oportunidade de negócio em 2005: uma nova regulamen-tação passou a exigir avaliação rigorosa do lodo resultante de tratamentos de esgoto, antes que ele pudesse ser usado como fertilizante. As amigas passaram três anos separadas, pelo rumo das carreiras acadêmicas. Nesse meio-tempo, Patrícia tentou começar o negócio com outra sócia. Era uma boa companheira e cientista competente, mas não funcio-nou. “Quando fomos disputar uma vaga na incubadora, ela começou a achar que era responsabilidade demais abrir e administrar uma empresa”, diz Patrícia. Karina voltou ao negócio após uma temporada nos Estados Unidos. Atritos entre sócios estão entre as três principais causas de falha das empresas no Cietec, segundo Risola. Muitos pequenos em-presários tropeçam nesse ponto por usar

P assava das 4 horas da madruga-da de 24 de dezembro de 2011

quando João Paulo Sattamini tomou um gole da bebida energética que vinha aprimorando desde 2009. Pela primeira vez, ficou plenamente satis-feito. A bebida chegou ao mercado em abril. Entre escrever um bom plano de negócios e chegar ao produ-to que imaginava, Sattamini penou. “Estudei, contratei engenheiros quí-micos, troquei de fábrica duas vezes, vendi imóvel. Meu carro virou latinha. Em dezembro, quase perdi 20.000 litros por uma mistura que come-çou errada”, diz. O roteiro sofrido é familiar à maioria dos empreendedo-res e tem uma mensagem poderosa: um plano bom com execução ruim não é nada. Hélio Rotenberg, criador da Positivo Informática, sugere um roteiro para a boa execução: 1) medir a dificuldade e o impacto da ideia; 2) fazer avaliações periódicas da execu-ção; 3) fazer, testar, corrigir – perma-nentemente. Empreender é isso.

academia de ginástica. Aprendeu a obser-var, a cada momento, o que empolga os potenciais consumidores e a abandonar alguns negócios. A consultora americana Julianne Zimmerman, ex-engenheira espacial que lidou por anos com as indefinições da Nasa e do programa espacial russo, recomenda abordagens diretas; pergunte ao potencial cliente se ele pagaria pelo serviço, quanto, com que frequência. “Você pode ficar desa-pontado com as respostas, mas essa informação é muito valiosa. E lembre: os clientes mudarão com o tempo”, afirma.

um único critério – afinidade pessoal ou dinheiro. “A escolha é mais complicada que isso. O sócio precisa complementá-lo, saber fazer o que você não sabe ou ter o que você não tem”, diz Sílvio Aparecido dos Santos, professor da FEA-USP. “E não pode ser alguém que caia fora na primei-ra crise.” Guilherme Paulus, fundador da CVC, celebra hoje a boa escolha de dois sócios ao longo da vida. Ao avaliar as necessidades que tem, o empreendedor saberá se precisa mesmo de um sócio, de um funcionário – ou apenas de dinheiro.

Com Rafael Ciscati e Daniella Cornachione

FErnAndo cAnuto,fundador do bougue, criado em 2012

KArinA BArrEllA E PAtríciA GArrAFA fundaram a nerthus em abril

João PAulo sAttAmini,criador do energético orgAniQue, lançado em abril

o negócioOferecer, pela internet, um cardápio de opções a quem contrata serviços domésticos

o negócioAvaliar se o resíduo de tratamento de esgoto pode virar fertilizante sem oferecer risco

o negócioVender uma bebida energética orgânica à base de erva-mate, guaraná e açaí

A dúvidaÉ uma grande ideia. Mas o negócio pagará minhas contas?

A dúvidaQuem participará da empresa?

A dúvidaNo papel, o negócio era ótimo. Como garantir que a execução siga o planejado?

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AlGuém vAi PAGAr? QuEm vAi suBir A Bordo?

dA tEoriA à PráticA

EdnA onodErA, criadora da onoderA, rede com 54 clínicas de beleza em 11 Estados

“Tive primeiro uma academia com aulas de dança, depois me concentrei nos tratamentos estéticos. Ia aos prédios conquistar alunos, fazia chá da tarde com clientes. Soube o que as pessoas queriam porque corri atrás delas para perguntar ”

GuilhErmE PAulus,fundador da empresa de turismo CVC, que atende 3 milhões de brasileiros por ano

“Aceitar um sócio exige pesquisa, aproximação e conquista. Na fundação da CVC, em 1972, entrei com a experiência, e meu sócio com o capital. Em 2009, aceitei como sócio um fundo de investimento, que trouxe conhecimento e acesso a recursos ”

melhore

execute

envolva

Fotos: Rogério Cassimiro/ÉPOCA, Leticia Moreira/ÉPOCA, Filipe Redondo/ÉPOCA, Julio Bittencourt e Camila Fontana/ÉPOCA