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Uma publicação do Colégio Dante Alighieri Ano IV - N o 4 - Novembro de 2014 ISSN2238-2933 O Brasil na vanguarda do combate à Aids Dr. Jorge Elias Kalil Filho, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e do Instituto Butantan, diz que pesquisa para desenvolver uma vacina contra a Aids tem potencial para trazer o primeiro Nobel para o país Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante AGRONOMIA • Sistema de criação semiconfinado favorece bem-estar de marrecos e mantém produtividade • Uso de linhaça na dieta do gado pode melhorar a qualidade nutricional do leite CIÊNCIAS HUMANAS • Ações de conscientização sobre patrimônio histórico em Icó • Projeto ajuda meninas a lidar com seu ciclo menstrual MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE • Nova membrana para absorção de petróleo em casos de derramamento • Sistema reaproveita água residuária e ajuda no combate à seca SAÚDE • Trabalho investiga propriedade cicatrizante de pomada de embaúba • Molécula prostaglandina pode dificultar ação de células que atuam contra o câncer • Macaíba é usada como suplemento alimentar no combate à desnutrição • Tecido com princípio ativo do boldo diminui alastramento de fogo TECNOLOGIA • Dispositivo aciona socorro automaticamente após acidentes automobilísticos • Projeto desenvolve equipamentos para detecção de radiação ionizante

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Uma publicação do Colégio Dante Alighieri

Ano IV - No 4 - Novembro de 2014I S S N 2 2 3 8 -2 9 33

O Brasil na vanguarda do combate à AidsDr. Jorge Elias Kalil Filho, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e do Instituto Butantan, diz que pesquisa para desenvolver uma vacina contra a Aids tem potencial para trazer o primeiro Nobel para o país

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AGRONOMIA•Sistemadecriaçãosemiconfinadofavorecebem-estardemarrecosemantémprodutividade

•Usodelinhaçanadietadogadopodemelhoraraqualidadenutricionaldoleite

CIÊNCIAS HUMANAS•AçõesdeconscientizaçãosobrepatrimôniohistóricoemIcó

•Projetoajudameninasalidarcomseuciclomenstrual

MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE•Novamembranaparaabsorçãodepetróleoemcasosdederramamento

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SAÚDE•Trabalhoinvestigapropriedadecicatrizantedepomadadeembaúba

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TECNOLOGIA•Dispositivoacionasocorroautomaticamenteapósacidentesautomobilísticos

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Presidente: Dr. José de Oliveira Messina

Projeto Gráfico:Nelson Doy Júnior

Alameda Jaú, 1061 – CEP 01420-003 – SPTel.: (11) 3179-4400 – Fax: (11) 3289-9365

www.colegiodante.com.bremail: [email protected]

Uma publicação

Diretora-Geral Pedagógica: Profª. Silvana Leporace

Créditos finais: Todas as fotos, informações e depoimentos cedidos por terceiros para publicação nesta revista somente foram utilizados após a expressa autorização de seus proprietários. Agradecemos a gentileza de todas as pessoas e empresas que, com sua colaboração, tornaram esta produção possível.

Edição e textos:Gustavo de Oliveira Antonio

Comitê EditorialProfª. Dra. Sandra Rudella TonidandelProfª. Dra. Valdenice M. M. de CerqueiraFernando Homem de Montes Gustavo de Oliveira Antonio

Desenvolvimento do Logotipo:Thiago Xavier Mansilla MaldonadoRevisão:

Luiz Eduardo Vicentin

Comitê Científico: Profª. Dra. Sandra Rudella TonidandelProfª. Dra. Valdenice M. M. de CerqueiraProfª. Ms. Carolina Lavini Ramos

Reprodução: Esta revista está licenciada sob as normas do Creative Commons CC – BY – NC, que possibilita a reprodução total ou parcial do conteúdo, desde que citadas as fontes e desde que a obra derivada não se destine a fins comerciais.

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Jornalista Responsável:Fernando Homem de MontesMTB 34598

Contato:Envie suas críticas e sugestões para o email:[email protected]

Diagramação:Simone Alves Machado

Revisão Científica:Carolina Lavini Ramos

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[(editorial)][Jovens que discutem e resolvem problemas]4

[(Entrevista: Jorge Kalil)] [diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e do Instituto Butantan]6

[(Agronomia)][Uso de linhaça na dieta do gado pode melhorar a qualidade nutricional do leite]12

[Sistema de criação semiconfinado melhora bem-estar de marrecos-de-Pequim e mantém produtividade]16

[(Ciências Humanas)][Ações de conscientização sobre patrimônio histórico em Icó ]20

[Projeto ajuda meninas a lidar com seu ciclo menstrual]24

[(Ponto de vista)1][Ereci Teresinha Vianna Druzzian Feiras de ciências: um caminho mais prazeroso para a aprendizagem]29

[(Meio Ambiente & Sustentabilidade )][Nova membrana para absorção de petróleo em casos de derramamento]30

[Sistema reaproveita água residuária e ajuda no combate à seca]34

[(Saúde)][Macaíba é usada como suplemento alimentar no combate à desnutrição]38

[Tecido com princípio ativo de boldo diminui alastramento de fogo]42

[Trabalho investiga propriedade cicatrizante de pomada de embaúba]46

[(Ponto de vista)2][Por Rubem SaldanhaQuando o erro e a dúvida são nossos aliados]49

[(Saúde)][Molécula prostaglandina pode dificultar ação de células que atuam contra o câncer]50

[(Ponto de vista)3][Roseli de Deus Lopes Competências essenciais para a vida e feiras de ciências]53

[(Tecnologia)] [Dispositivo aciona socorro automaticamente após acidentes automobilísticos]54

[Projeto desenvolve equipamentos para detecção de radiação ionizante]58

[(Ponto de vista)4][Victor Paolillo Neto - Inovação na educação]62

C1: Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante / C2, C3, C4 e C5: Acervo pessoal dos pesquisadores

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{Jovens que discutem e resolvem problemas}

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Profª. Coordenadora do Departamento de Ciências da Natureza e Biologia do Colégio Dante Alighieri e Doutora em Ensino de Ciências pela Faculdade de Educação da USP

Sandra M. R. Tonidandel

Profª. Coordenadora do Departamento de Tecnologia Educacional do Colégio Dante Alighieri e Doutora em Educação: Currículo – Novas Tecnologias pela PUC-SP

Valdenice Minatel

Atualmente, temos ouvido muitos jovens discutindo assuntos que dificilmente eram tratados nas suas rodas de conversas informais: são os graves problemas ambientais, as doenças e as dificuldades pelas quais passa a humanidade. Mesmo quem não mora em São Paulo deve ter comentado as alterações climáticas que estão acontecendo, como a seca extrema e as altas temperaturas, em locais onde esses fenômenos não ocorriam. Argumentam sobre as causas para isso, como o aquecimento global, o desmatamento na Amazônia, o uso impróprio de área de mananciais e a destruição dos ambientes naturais pela poluição. Além desses assuntos, abordam doenças como o ebola e as possibilidades de que ocorra uma epidemia global. A necessária e urgente produção de vacinas, a compreensão das moléculas envolvidas nas doenças e o desenvolvimento da biotecnologia como área estratégica são questões que estão nas mentes e nos desejos desses estudantes. A grande diferença é que os jovens estão percebendo, de modo cada vez mais concreto, que as previsões científicas e os dados com que os cientistas lidam podem ameaçar a qualidade de vida deles agora e não apenas das gerações futuras. Alguns alunos, professores e pais perguntam o que a escola está fazendo com relação a essas questões sociais e ambientais mais urgentes, ou seja, que tipo de providências está tomando

para tratar desses temas. Querem assim saber o que a escola pode fazer para minimizar ou prevenir esses (e outros tantos) problemas. Em geral, a resposta a tais questionamentos é que a atuação principal das escolas é propiciar o fornecimento de informações e o incentivo às discussões. Acreditamos que muitas fazem isso. Outras vão além e promovem campanhas de reuso e reciclagem de materiais, de redução de desperdício de água, entre outras ações.Entretanto, nós temos escolas cujos alunos fazem ciência e constroem novas soluções, novos conhecimentos! Ou seja, há escolas em que os jovens podem ir além da discussão! Identificam problemas sociais, econômicos e ambientais de grande relevância em sua comunidade e propõem uma resolução. Além de entenderem a problemática atual, eles formulam soluções criativas e inovadoras: desenham e utilizam metodologias científicas para a investigação das possíveis causas e variáveis e procuram contribuir ativamente com a solução desses e outros problemas da nossa sociedade e de nosso ambiente. Ou seja, nas escolas que têm alunos trabalhando com projetos de pré-iniciação científica, pode-se verificar que eles avançam no uso da ciência e da tecnologia para a construção de ideias viáveis para a resolução dos problemas identificados. A revista , em seu quarto número,

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mais uma vez mostra exemplos desses jovens protagonistas e ativos no processo de resolução de problemas, que vão além da discussão das ideias! Apresentamos pesquisas de jovens autores que investigaram assuntos relevantes nas mais diversas áreas. Por exemplo: a utilização de um fruto (a macaíba) para combater a desnutrição; a mensuração da radiação ionizante para tratamentos com radioterapia; a produção de uma substância a partir do boldo para ser aplicada em tecidos a fim de evitar o alastramento de incêndios; o desenvolvimento de uma pomada derivada da embaúba para fins cicatrizantes e a melhora da qualidade nutricional do leite a partir de uma nova dieta para o gado. Algumas pesquisas estão focadas na ciência básica, procurando entender alguns processos e fenômenos químicos e biológicos, como as moléculas envolvidas em células tumorais e os processos bioquímicos relacionados ao câncer. A compreensão do desempenho produtivo e comportamental de aves criadas nos sistemas de confinamento e de semiconfinamento também foi tema de uma pesquisa presente nesta edição. Na área ambiental, estudantes do Ceará trabalharam com um projeto que pretende promover o reuso de águas residuárias em locais que enfrentam a seca. Outros jovens apresentaram uma nova membrana capaz de fazer a absorção eficiente de petróleo em caso de derramamento no meio ambiente. Na área cultural/social, apresentamos jovens que trabalharam com a conscientização sobre a importância do patrimônio histórico. Já para melhorar a qualidade de vida das mulheres, duas estudantes elaboraram um projeto que pretende auxiliar meninas a lidar com seu próprio ciclo menstrual, ampliando seus recursos na área de inteligência hormonal de maneira a potencializar suas habilidades do ponto de vista psicossocial.Assim, a revista traz a percepção de que fazer ciência, muito mais do que uma vocação, deve ser um compromisso da escola, da educação para, de fato, tornar este mundo mais habitável, melhor e mais justo.Os projetos divulgados nesta edição vão além do avanço científico – necessário e desejável para assegurar e aprimorar as conquistas humanas. Essas pesquisas promovem

o trabalho em equipe, a colaboração, a necessidade de um bom planejamento, a gestão do tempo e a primazia da ética sobre os resultados. Todas essas contribuições resultam em uma formação humana e acadêmica muito mais sólida, pertinente, aderida e conectada ao mundo contemporâneo. E, independentemente da carreira futura escolhida por esses jovens pesquisadores, – sim, porque muitos deles se descobrem advogados, psicólogos, administradores de empresas e, lógico, cientistas – ao longo desse trabalho maravilhoso de construção da ciência, ocorrerá um processo concomitante de autoconhecimento, tão importante e necessário para as escolhas futuras.Para os jovens pesquisadores – e mesmo para os não tão jovens, mas ainda muito animados – trouxemos uma entrevista muito especial: o médico imunologista e diretor do laboratório de Imunologia do Incor e do Instituto Butantan, professor doutor Jorge Kallil. Importante ícone da ciência brasileira – ele lidera uma equipe que vem conquistando resultados animadores nos testes para uma vacina contra a Aids – e incentivador de projetos de pré-iniciação científica, ou seja, um ídolo para nossos jovens cientistas, ele levanta a importância do intercâmbio entre cientistas com carreira consolidada e jovens pesquisadores. Nós concordamos com ele e, por isso, incentivamos essa prática no programa de pré-iniciação científica (Cientista Aprendiz) do Colégio Dante Alighieri. Primeiro, porque esse contato aciona o prazer e a felicidade de fazer ciência. Parafraseando o professor Jorge: “quero trazer outras pessoas para ter a mesma felicidade que eu tenho de ser cientista”; e segundo, porque compartilhamos com ele a opinião de que quanto mais brasileiros se interessarem pela ciência, mais aumentarão as nossas chances de termos um Nobel genuinamente verde e amarelo. Pretensão? Talvez! Sonho grande por demais? Com certeza! Porém, é preciso pensar grande, sempre com tenacidade, resiliência e a certeza de que, em ciência, assim como na vida, o sonho de uma pessoa transformado em realidade alimenta outros novos e necessários sonhos, em um dos ciclos mais virtuosos que podemos imaginar.

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O professor doutor Jorge Elias Kalil Filho é um dos principais nomes da medicina na área de imunologia. Diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor) e do Instituto Butantan, além de presidente da IUIS (International Union of Immunology Societies – mandato 2013-2016), ele comanda diversas equipes de pesquisadores. Um de seus trabalhos de maior destaque na atualidade é uma vacina para o vírus HIV (causador da Aids). Testada com bons resultados em camundongos e macacos, a vacina tem deixado o professor otimista. Tanto é que, nesta entrevista exclusiva para a revista

, em meio a diversos assuntos, o dr. Jorge Kalil diz que o trabalho tem potencial para conquistar o primeiro prêmio Nobel para o Brasil. “Se descobrirmos algo realmente relevante, ela [a vacina] tem potencial para ganhar o Nobel sim”, diz. Segundo o professor, caso os próximos experimentos planejados sejam satisfatórios, os testes em humanos podem começar em dois anos, tendo-se uma resposta definitiva sobre a eficácia da vacina em até cinco anos. “Se esses experimentos todos derem certo, eu digo que daqui a dois anos estarei trabalhando com humanos. E daqui a cinco anos poderei ter

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uma resposta se isso [a vacina] funciona. Mas eu não sei os percalços que eu vou encontrar no caminho. E essa é a beleza da ciência.” Na entrevista, o professor ainda destaca a importância de se desmitificar a ciência para os jovens, além de criar, no Brasil, um ambiente propício para a pesquisa. “Hoje em dia, se você for olhar a lista de vencedores do prêmio Nobel, verá que não é mais o prêmio para um indivíduo genial, e sim para grupos de trabalho, para uma massa crítica de gente pensando na solução de problemas. Então, nos falta criar mais massa crítica e deixá-la trabalhar com mais qualidade durante certo tempo. Nós ainda temos poucos cientistas que tenham realmente qualidade internacional. Precisamos amadurecer. E com isso virá um prêmio Nobel”, diz.

Confira a entrevista a seguir:Como surgiu o interesse do senhor pela área científica? Jorge Kalil Filho: Eu era estudante de medicina e tinha muita curiosidade para saber como as coisas funcionavam. E na medicina havia muitas coisas que não sabíamos por que aconteciam. Dizia-se que tudo isso tinha um fundo imunológico, que a imunologia

Jorge Kalil: “Falta criar, no Brasil, mais massa crítica e deixá-la trabalhar com mais qualidade durante certo tempo. Com isso virá um prêmio Nobel”

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Oficina Dante em Foco

Entrevista realizada por Francesca Bellelli, aluna do 9º ano G do Colégio Dante Alighieri e

da oficina de jornalismo Dante em Foco.Colaboraram os jornalistas Barbara Endo e

Gustavo Antonio e a professora Carolina Lavini

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iria explicar. E então eu resolvi me dedicar a conhecer a imunologia. O senhor foi um dos responsáveis por abrir as portas do Laboratório do InCor (Instituto do Coração) para a pesquisa de estudantes da escola básica – no caso, alunas do Dante. Como foi essa experiência? Jorge Kalil Filho: Tem sido muito gratificante. Na verdade, nós aqui no Brasil não temos o hábito tanto de falar em ciência. A ciência não permeia a sociedade como ocorre nos EUA e na Europa, em que as pessoas estão sempre em contato com o cientista ou com as descobertas científicas. Para nós é muito gratificante fazer com que os estudantes venham para o laboratório ver que o indivíduo que faz pesquisa não é um lobo mau, nem um nerd que nem consegue dizer “bom dia”, mas que é uma pessoa normal da sociedade, que tem uma curiosidade enorme e um apetite intelectual muito grande. Acho interessante os estudantes entrarem aqui e verem isso, porque, no fundo, o que eu quero é trazer outras pessoas para ter a mesma felicidade que eu tenho de ser cientista. Quais as vantagens para um pesquisador profissional em receber jovens alunos em seu laboratório e manter contato com eles? E quais os benefícios para os jovens estudantes dessa interação?Jorge Kalil Filho: Profissionalmente não tenho vantagem. O que eu quero é, no meu papel dentro da sociedade, mostrar aquilo que a gente faz e também explicar para os jovens sobre o futuro do conhe-cimento. No século 21, cada vez mais vamos ter o conhecimento como grande detentor de riquezas. Para os jovens, podemos des-pertar alguma vocação científica, mas não necessariamente. O importante é o jovem entender como o co-nhecimento surge. Às vezes, na juventude, você acha que as coisas simplesmente surgiram no mundo. Então, o jovem precisa entender que não se sabe sobre muitas coisas, que elas podem ser descobertas e que, para fazer isso,

existem métodos para a gente estudar e desenvolver. É oportuno falar um pouco sobre os projetos que o senhor desenvolve. Com quais ramos de pesquisa trabalha atualmente? Qual pesquisa o senhor destacaria?Jorge Kalil Filho: Com o passar do tempo, eu tenho uma coisa que, ao mesmo tempo, é boa e não é. Eu não tenho um só projeto, eu tenho muitos. Hoje em dia eu tenho muitos assistentes, muitos alunos. E dirijo duas grandes instituições (o Laboratório do Instituto do Coração e o Laboratório do Instituto Butantan). Na maioria dos casos, estou envolvido em projetos em que queremos modular a resposta imune. Ou, mais especificamente, nós queremos desenvolver vacinas para evitar doenças. Vacina é o ato médico mais perfeito porque ele evita doenças. Normalmente, na medicina, nós temos que correr atrás e curar uma doença. A vacina é profilática, ela evita a doença. No Instituto do Coração, trabalhamos em um projeto superinteressante que é uma proposta de vacina para o HIV, para evitar a Aids. O vírus da Aids é muito esperto e escapa de qualquer tentativa de controle. Nós estamos estudando o vírus e as pessoas que têm o vírus da Aids, mas não desenvolvem a doença – esses indivíduos têm uma resposta especial. E estudando esses indivíduos, nós chegamos a uma proposta de vacina que está sendo testada em macacos com resultados excelentes depois de ter sido estudada em roedores, em pequenos camundongos e ratos

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Dr. Jorge Kalil acredita que pesquisadores devem abrir as portas dos laboratórios para os jovens da pré-iniciação

científica. “Quero trazer outras pessoas para ter a mesma felicidade que eu tenho de ser cientista”, diz

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de laboratórios. Esse é um estudo ao qual dedico muito tempo. Sobre a vacina para a Aids, em que estágio de desenvolvimento ela está? Como funciona? Jorge Kalil Filho: Nós primeiro fizemos o estudo dos indivíduos que têm o vírus e não desenvolvem a doença; ou seja, eles se defendem contra o vírus. Depois nós isolamos aquelas partes do vírus do HIV contra as quais as pessoas se defendem; nós sintetizamos essas partes isoladas in vitro no laboratório e testamos a nossa ideia: se déssemos isso para o roedor, como é que ele responderia? Queríamos ver se ele produziria anticorpos, se os glóbulos brancos dele se defenderiam também. Dentro do grupo dos glóbulos brancos, nós temos as células chamadas linfócitos; dentro dos linfócitos, há linfócitos T e linfócitos B. Quisemos ver como os linfócitos T, que são as células que ficam infectadas, se defendem. Vimos direitinho como os camundongos respondiam. Depois, nós tínhamos que ir ao animal que fosse o mais perto [parecido] do homem e que podia ter vírus parecidos com o HIV, que são os macacos. Então, em experimentos que nós fizemos no Instituto Butantan, nós imunizamos macacos e vimos como era o tipo de resposta. E qual a inovação dessa vacina em relação a outras já existentes?

Jorge Kalil Filho: Nós sabemos que o vírus HIV vai para os glóbulos brancos, especificamente para as células chamadas T (linfócitos T auxiliadores). Estes têm um marcador na superfície na membrana de sua célula, que é uma molécula chamada CD4, por onde o vírus entra na célula. Quanto mais a molécula CD4 se prolifera [ou seja, aumenta o número de cópias], mais chances existem de o vírus infectar a célula. Ninguém fez vacinas em que se estimulasse uma proliferação de CD4, porque achavam que, com isso, iriam aumentar a [chance de] doença. Nós partimos do pressuposto de que não aumentaria. Pensamos que se não houver uma resposta dessas células, não existe motivação do sistema imune. Então, mesmo que isso possa ser um pouquinho suicida, e que algumas células morram, nós partimos da ideia de que tínhamos que imunizar, mesmo que algumas células morressem. E deu certo. Mesmo com algumas células morrendo, muitas proliferam e a gente tem uma ótima resposta. E é uma resposta boa em linfócitos CD4, que são os linfócitos que promovem toda resposta imune. Quais os próximos passos? O senhor já tem uma ideia de quando vão ser realizados testes com humanos? Há alguma ideia de quando essa vacina poderia estar disponível para o público?

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Até o momento, os testes da vacina para a Aids desenvolvida por um grupo de pesquisa do dr. Kalil têm apresentado resultados animadores

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Jorge Kalil Filho: Essa é uma pergunta que todo jornalista faz, mas que é superdifícil de prever, porque eu não sei os resultados dos experimentos que eu vou realizar. A ciência é diferente de outros processos, como construir uma casa. Neste último caso, você sabe as etapas que vai fazer, então você pode dizer: essa casa vai ficar pronta em um ano e meio, porque já se sabe o caminho. Quando se faz ciência, não se sabe o caminho. É como se você tivesse olhando para o escuro tendo as costas iluminadas, mas para frente você não vê nada. Então, baseado no que se sabe, que está iluminado nas suas costas, você tenta descobrir o caminho, que é o que a gente faz. Eu sei de experimentos que eu vou fazer. Se esses experimentos todos derem certo, eu digo que daqui a dois anos eu estarei trabalhando com humanos. E daqui a cinco anos poderei ter uma resposta se isso funciona. Mas eu não sei os percalços que eu vou encontrar no caminho. E essa é a beleza da ciência. Porque se eu soubesse tudo, se fosse tudo previsto, eu nem precisaria fazer experimentos. A pesquisa a respeito da vacina para a Aids foi iniciada em 2001 e ainda não se encerrou. Ou seja, o trabalho científico exige muita paciência e persistência. O senhor já pensou em desistir? O que o motiva a continuar pesquisando?Jorge Kalil Filho: Sem dúvida que precisa de muita persistência. Você está sempre lutando. Algumas vezes você perde e, em algumas, você ganha, na medida em que algumas vezes sua hipótese de trabalho é vencedora, às vezes não é. Se você perdeu aquela partida, você entra em outra, e em outra, e em outra. E você refaz e recomeça. Não existe rotina e você está pensando sempre em novas ideias. Não é uma coisa que chega a cansar. Às vezes você desanima um pouco porque nos resultados ocorrem altos e baixos, mas há sempre uma coisa nova e um estímulo para continuar. Nesse contexto de persistência, qual mensagem o senhor deixaria para os jovens pesquisadores da pré-iniciação científica?Jorge Kalil Filho: Independentemente se vão fazer ciência ou não, persistência é a primeira coisa. Não dá para desistir, porque às vezes o mundo não é tão afável quanto nós gostaríamos. Outra coisa: nunca deixar de

pensar, porque é pensando que a gente acha as melhores soluções. Se for cientista, melhor ainda, porque vai conseguir pensar a vida toda. E a cada dia há um novo desafio, o que é muito motivador. A motivação intelectual traz muita felicidade na vida, porque sempre gera um estímulo para a pessoa, pensando e usando a própria cabeça, tentar evoluir. Coisas que você vai descobrir e que são interessantes para você, mas que podem também ter uma grande repercussão social. Até que ponto desenvolver uma vacina inovadora relacionada a uma questão tão importante quanto a Aids pode incentivar o desenvolvimento da pesquisa no Brasil?Jorge Kalil Filho: Quando a gente fala em desenvolvimento no Brasil é muito importante que se pense o quanto são importantes a ciência e a inovação para resolvermos nossos problemas. Nós não temos o hábito de fazer isso. Sempre que temos um problema aqui no Brasil, vamos buscar a solução lá fora. Se a solução existir lá fora, tudo bem. Mas às vezes não existe. Para o caso da dengue não existe solução, bem como para o caso da doença reumática cardíaca. Assim como não

Para o dr. Kalil, a ciência será mais atrativa se conseguir despertar no aluno a curiosidade intelectual e fazê-lo achar

interessante descobrir coisas novas

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existe solução para muitos dos problemas que nós temos e que são mais tropicais, não aparecendo nos países mais temperados. Então, o Brasil tem que buscar suas soluções, porque com isso ele realmente vai crescer, ficar independente e conseguir jogar o jogo mundial. E quanto ao futuro da pesquisa científica no

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país? O que falta para o Brasil ganhar um prêmio Nobel?Jorge Kalil Filho: O que falta é nós termos mais ciência, termos um ambiente de ciência. A gente pensa às vezes que o prêmio Nobel é só para um cara genial. Realmente, Einstein foi um gênio e fez quase tudo sozinho. Mas hoje em dia, se você for olhar a lista de vencedores do prêmio Nobel, verá que não é mais o prêmio para um indivíduo genial, e sim para grupos de trabalho, para uma massa crítica de gente pensando na solução de problemas. Então, nos falta criar mais massa crítica e deixá-la trabalhar com mais qualidade durante certo tempo. Nós ainda temos poucos cientistas que tenham realmente qualidade internacional. Precisamos amadurecer. E com isso virá um prêmio Nobel. A pesquisa sobre a vacina para Aids que o senhor desenvolve pode ser esse trabalho que trará um prêmio Nobel para o Brasil?Jorge Kalil Filho: Se descobrirmos algo realmente relevante, ela tem potencial para ganhar o Nobel sim.Como fazer para tornar a ciência mais atrativa para os alunos da educação básica?Jorge Kalil Filho: Eu acho que a ciência será mais atrativa se nós conseguirmos despertar no aluno a curiosidade intelectual. Quer dizer, ele tem que achar interessante descobrir coisas novas. Para finalizar, de que maneira uma revista de divulgação de pré-iniciação científica, como a , pode ser usada em ambientes escolares que já têm essa prática de pré-iniciação ou até naqueles que não têm esse tipo de projeto?Jorge Kalil Filho: É a maneira mais rápida de mostrar como a ciência ajuda a vida das pessoas, ou como a ciência, por exemplo, na área de saúde, evita tantas doenças ou cura grande número de doenças. Mais uma vez eu digo: às vezes, as pessoas acham que o

telefone celular, o automóvel e outras coisas já existiam antes da Idade da Pedra. Não. Todas essas coisas surgiram porque houve desenvolvimento científico de que se seguiu o desenvolvimento tecnológico. Então, se as pessoas começarem a entender isso, verão o interesse que existe em descobrir coisas novas e em fazer com que elas se traduzam em benefícios para o bem-estar das pessoas e do próprio cientista.

Coube a Francesca Bellelli, aluna da oficina Dante em Foco, entrevistar o dr. Kalil

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Uso de linhaça na dieta do gado pode melhorar a qualidade nutricional do leite

Os estudantes Eduardo Lopes da Silva, Gustavo Hugo Süptiz e Tiago Martins Techio desenvolveram, durante o Curso Técnico em Agropecuária na Escola Estadual Técnica Celeste Gobbato, em Palmeira das Missões-RS, o trabalho de pré-iniciação científica intitulado “Dietas diferenciadas à base de linhaça em ruminantes melhorando a qualidade do leite e a saúde humana”. Nessa pesquisa, eles estudaram a influência da inclusão do grão de linhaça na alimentação de vacas leiteiras da raça holandesa, objetivando uma melhoria na qualidade do leite produzido por esses animais e, em consequência disso, um aumento da qualidade nutricional proporcionada ao ser humano.A pesquisa foi guiada pelo conceito de alimento funcional, aquele que, por possuir componentes fisiologicamente ativos, proporciona benefícios adicionais à nutrição básica. A oleaginosa linhaça já demonstrou, em outros estudos, a propriedade de regular as funções corporais. Ela pode prevenir doenças cancerígenas, mal de Parkinson, mal de Alzheimer, baixar o nível de colesterol, evitar a coagulação do sangue, inflamações, arteriosclerose, entre outros benefícios. A proposta dos estudantes ao adicionar a linhaça no leite foi justamente dar-lhe características diferenciadas e torná-lo um alimento funcional.

Eduardo, Gustavo e Tiago apontaram no relatório da pesquisa que o leite possui inúmeras propriedades nutricionais benéficas à saúde (como o perfil de seus ácidos graxos modificados), proporcionadas pelo incremento dos teores de ácidos linoleicos conjugados (CLA) provenientes do fornecimento de dietas diferenciadas, como a utilização de linhaça. No que tange à saúde do consumidor de leite, a grande concentração de cálcio – essencial à formação e à manutenção dos ossos –, a presença das proteínas completas, que exercem função semelhante nos tecidos do corpo, e a ocorrência das vitaminas A, B1, B2 e de minerais que favorecem uma vida saudável, são outros pontos benéficos do alimento. Os pesquisadores ressaltaram ainda o potencial econômico do leite, listando-o entre os seis produtos mais importantes da agropecuária brasileira. “O agronegócio do leite e seus derivados desempenha um papel relevante no suprimento de alimentos e na geração de emprego e renda para a população”, argumentaram, destacando, ainda, outra justificativa para a realização da pesquisa. “Ressaltamos também a importância que essas dietas diferenciadas exercem no organismo do animal, bem como melhoram aspectos relacionados à vitalidade dos bovinos, reduzindo as aplicações de antibióticos em consequência de uma melhor sanidade do rebanho.”

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Assim, eles se propuseram a realizar um trabalho capaz de abranger os aspectos de saúde e econômicos do “leite funcional”. “Juntamente com os benefícios à saúde, o trabalho vem com a proposta de encontrar novas alternativas para a pecuária leiteira, enfatizando a qualidade dos alimentos que serão obtidos a partir de dietas diferenciadas, e a melhoria da qualidade nutricional do ser humano. A pesquisa pretende gerar conhecimento prático-teórico aos alunos, baseado na modificação de dietas para ruminantes, fazendo com que esse conhecimento alcance os criadores de gado para servir como alternativa produtiva para melhorar a qualidade com maior rentabilidade.” Referencial teóricoA nutrição é o principal fator da eficiência do sistema de produção da atividade leiteira. Assim, quanto mais eficiente for a nutrição de um rebanho, mais competentes serão seus índices zootécnicos (referentes a elementos como produtividade dos animais, duração da lactação, taxa de fertilidade, entre outros), podendo-se considerar ainda o uso de grãos de oleaginosas para melhorar a qualidade do produto final. A linhaça seria uma fonte interessante para a produção do leite funcional, pois é rica em proteínas, gorduras e fibras dietéticas. O grão cru apresenta ácidos graxos (entre as funções desses ácidos está o depósito de energia) ômega-3, que, por sua vez, possui lipídios dietéticos, capazes de fornecer energia para as células e se constituírem na maior reserva energética corporal para crianças e recém-nascidos. Eles são componentes estruturais de todos os tecidos e indispensáveis para a síntese das membranas celulares.

Leite funcional Para transformar o leite em “leite funcional”, o setor agroindustrial procura aumentar a quantidade de ácidos graxos insaturados do alimento, realizando, para isso, a manipulação da dieta com o uso de oleaginosas. Tenta-se ampliar a concentração de certos componentes no leite, como AG poli-insaturados da série ômega-3, ácido eicosapentaenoico (C 20:5 ) e descosahexaenoico (C22:6) e o ácido linoleico conjugado (CLA). MetodologiaAproveitando a tradição da Escola Estadual Técnica Celeste Gobbato (EETCG) na pesquisa de uso do grão de linhaça na alimentação de bovinos de leite, os estudantes realizaram os experimentos utilizando o rebanho e a infraestrutura da Unidade Educativa de Produção de Bovinos de Leite da instituição. Foram selecionadas 12 vacas da raça holandesa, homogêneas quanto à idade, número de lactações, fase de lactação e produção de leite. Elas foram separadas em duplas, em função do delineamento experimental duplo reverso, que será especificado a seguir.Assim, os pesquisadores organizaram os bovinos em dois grupos (A e B) para serem submetidos a dois tratamentos: o testemunha

O uso de grão de linhaça na alimentação de vacas lactantes pode gerar uma melhoria na qualidade dos produtos e derivados lácteos, favorecendo, também, a saúde dos consumidores

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A proposta dos estudantes ao

adicionar a linhaça ao leite foi dar-lhe

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aquele que, por possuir componentes

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benefícios adicionais à nutrição básica

Arquivo pessoal dos pesquisadores

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Unidade Educativa de Produção (UEP) de bovinocultura da Escola Estadual Técnica Celeste

Gobbato, onde foi desenvolvida a pesquisa

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e o grupo teste (em que receberam a alimentação rica em linhaça). No tratamento testemunha, os animais foram alimentados com pastagem de aveia preta, azevém anual, silagem de milho e concentrado formulado com os ingredientes comumente utilizados na EETCG (grão de milho moído, farelo de soja, farelo de trigo, sal comum e premix mineral-vitamínico). Já no grupo teste, os animais receberam uma alimentação mais rica em grãos de linhaça (800 gramas/vaca/dia) quando comparada à do grupo testemunha. Cabe destacar que os concentrados dos dois grupos eram isoenergéticos e isoproteicos.Pelo delineamento duplo reverso, o grupo A submeteu-se ao tratamento testemunha no primeiro e no terceiro período experimental (e ao de linhaça no segundo período), enquanto com o grupo B deu-se o contrário. Em cada período experimental, reservaram-se 15 dias para a adaptação e sete dias para a coleta de dados. Logo, nos três espaços de tempo, totalizaram-se 66 dias. No 16º e no 21º dia de cada período experimental foram retiradas amostras de leite para determinação da composição do alimento e do perfil de ácidos graxos.Essas amostras foram enviadas para o Serviço de Análise de Rebanho Leiteiro SARLE da Universidade de Passo Fundo para determinação dos teores de sólidos totais, gordura, proteína, lactose, nitrogênio ureico e contagem de células somáticas. Já o perfil de ácidos graxos do leite foi determinado no Núcleo Integrado de Desenvolvimento de Análises Laboratoriais (NIDAL) do Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos (DTCA) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).Confecção de derivados lácteosEm todos os períodos experimentais de avaliação foram coletados 30 litros de leite de cada tratamento para a confecção de derivados lácteos com a ajuda da professora Nair Ganza. Os pesquisadores produziram queijo, pois esse alimento possui altas quantidades de ácidos graxos que são essenciais para a saúde humana.“A confecção dos queijos serviu para conseguirmos comparar a diferença entre o queijo feito no tratamento que recebe

linhaça e no testemunha, tendo como pontos de avaliação uma densidade mais elevada, aglutinação mais rápida, maior peso com a mesma quantidade de produto e melhor qualidade sem perder o tradicional sabor”, explicaram Eduardo, Gustavo e Tiago. ResultadosApós a análise dos resultados, os pesquisadores afirmaram que os teores de sólidos totais (componentes do leite com exceção da água) do leite dos animais que receberam a dieta à base de linhaça subiram em média 0,50 pontos percentuais. “Esses valores são de suma importância para a quantidade de derivados de produtos lácteos que serão produzidos”, avaliaram. A produção de sólidos totais em kg por dia também aumentou com o acréscimo da linhaça na alimentação dos bovinos leiteiros, dado relevante para empresas que trabalham no desenvolvimento de derivados lácteos, pois quanto mais sólidos totais, maior a produção de derivados.Os pesquisadores cuidaram de fazer uma comparação entre os teores de sólidos totais do leite dos animais do tratamento testemunha e os do “linhaça”. Para isso, os dados avaliados foram comparados entre duplas de vacas que possuíam características mais homogêneas quanto à idade, período de lactação e produção de leite. O leite dos que receberam o grão de linhaça em sua dieta apresentou acréscimo nos teores de sólidos totais. Eduardo, Gustavo e Tiago constataram ainda que o uso do grão de linhaça resultou no crescimento da produção de sólidos totais em todos os animais que participaram do experimento.

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Sobre os pesquisadores

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Da esquerda para a direita: André Botton, coorientador da pesquisa, e os pesquisadores Gustavo, Eduardo e Tiago

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Companheiros de pescaria e de futebol, Eduardo, Gustavo e Tiago compartilham também o interesse pela área bovina. Assim, cursando o Técnico em Agropecuária, procuraram realizar um trabalho de pré-iniciação científica que proporcionasse novas formas para aumentar a produtividade, a lucratividade e para, principalmente, oferecer um produto benéfico à saúde humana. Os três estudantes seguiram a ideia inicial de Ione Maria Pereira Haygert Velho, professora de Bovinocultura, e criaram um projeto premiado com o primeiro lugar em Ciência dos Animais e das Plantas na Mostratec

2013 e que os levou a participar da London International Youth Science Forum (LIYSF). “Com nosso projeto podemos comprovar os inúmeros benefícios que se pode obter na atividade leiteira simplesmente com a adição de linhaça na alimentação dos animais. Esse leite pode ser chamado de alimento funcional, pois tem a propriedade de poder melhorar características de bem-estar dos seres humanos, prevenir doenças cardiovasculares e neurológicas, além de melhorar as condições do animal que o está produzindo. Enfim, favorece a vitalidade do rebanho e a saúde dos seres humanos”, explicam os pesquisadores,

que contaram com a orientação do professor Marcos André Piuco e a coorientação do professor André Luis Saldanha Botton no trabalho. No momento, os três estudantes realizam o período de estágio do Curso Técnico em Agropecuária. Tiago e Eduardo já ingressaram no ensino superior, cursando Agronomia, enquanto Gustavo prestará vestibular para Medicina Veterinária.

A produção de gordura do leite também aumentou com o uso do grão de linhaça na alimentação dos animais. Os pesquisadores destacaram que essa informação pode representar um aumento de lucratividade do produtor rural. Por outro lado, não se constatou influência da linhaça na produção de proteínas. Outro elemento analisado pelos estudantes, a produção de lactose diminuiu em quase todos os animais que participaram do teste devido ao uso do grão de linhaça. Por fim, nos experimentos com o uso da linhaça, a produção de leite aumentou 1,5 kg por dia em média. “Podemos assim observar a relevância desses valores ao final de um mês, pois, nesse período, o bovino produz 45 kg de leite a mais, melhorando a lucratividade do produtor”, ressaltaram Eduardo, Gustavo e Tiago.

Com isso, os pesquisadores concluíram que os objetivos do trabalho foram alcançados. “O uso de grão linhaça na alimentação de vacas lactantes gera uma melhoria na qualidade dos produtos e derivados lácteos, sendo que esse grão causa mudanças nas propriedades do leite, proporcionando um alimento nutracêutico (nutricional e farmacêutico) de alto valor nutritivo para os seres humanos, podendo melhorar a qualidade de vida, o bem-estar e até mesmo podendo prevenir diversas doenças. Conseguimos constatar também que a adição gerou aumento de produção vaca/dia e maior lucratividade ao produtor. Estudos nos apontam ainda que o consumo diário de linhaça pelo animal proporciona melhora hormonal e na qualidade da carne e aumento das células de defesa”, afirmaram. “Dessa forma, o uso da linhaça é uma boa opção, por melhorar a constituição do leite, gerando sólidos de melhor qualidade e, além disso, o produtor é beneficiado pela qualidade do alimento que está sendo produzido”, completaram.

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Moradores do Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina, Ismael França e Bruno Inácio estudaram, em seu projeto de pré-iniciação científica, um animal comum na região: o marreco-de-Pequim (Anas boschas). Os estudantes do Curso Técnico em Agropecuária do Instituto Federal Catarinense (IFC) - Campus Rio do Sul avaliaram o desempenho produtivo e comportamental do animal em dois diferentes sistemas de criação: confinado (em cama de maravalha [aparas de madeira] e sem presença de água) e semiconfinado (com acesso diurno a pastagem e presença de água).Segundo os pesquisadores, o sistema confinado de criação de aves em alta densidade limita a manifestação dos padrões comportamentais das espécies, aumentando os níveis de estresse e podendo afetar seu desempenho produtivo. Dessa forma, a pesquisa procurou investigar se, aliando as técnicas de controle sanitário, ambiental e nutricional do sistema industrial de criação a condições mais apropriadas ao bem-estar dos animais (formando o chamado sistema semiconfinado), é possível obter uma melhor produtividade. “Não houve diferenças significativas entre os tratamentos no desempenho produtivo, sendo que os marrecos do confinamento apresentaram peso ao abate de 3,630 Kg

e os de semiconfinamento, de 3,714 Kg, ambos com uma conversão alimentar de 2,8. O desempenho no sistema confinado esteve condicionado à qualidade da cama. Os marrecos semiconfinados apresentaram maior atividade de limpeza de penas comparados aos confinados. O sistema semiconfinado resultou mais adequado para empreendedores com baixo capital disponível, por ter menores custos com cama e mão de obra, embora requeira maior disponibilidade de área”, explicam os pesquisadores. Sistemas de criaçãoNo Alto Vale do Itajaí, o marreco geralmente é utilizado como agente de controle biológico de invasores e pragas nas lavouras de arroz irrigado. O animal também serve para fins culinários, sendo um prato muito apreciado pelos descendentes de alemães, presentes em grande número na região. Assim, a anacultura (criação de marrecos) está em expansão no local, apesar de ainda demandar altos custos. Esses valores estão relacionados, principalmente, ao sistema confinado, que exige muitos gastos com o manejo dos animais e do ambiente onde se encontram. “O sistema confinado cria um ambiente desfavorável às necessidades dos animais, principalmente no que se refere à manifestação de seu padrão comportamental, instintos naturais (como, por exemplo, o banho na

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Sistema de criação semiconfinado melhora bem-estar de marrecos-de-Pequim e mantém produtividade

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para cada tratamento – acondicionadas com bebedouros de tipo pendular, comedouros de tipo calha e forradas com cama de maravalha. A baia correspondente ao tratamento semiconfinado foi ligada através de um túnel de madeira a uma área de pastagem de Cynodon dactylon cultivar Tifton 85, de 75 m², atendendo à recomendação de 1,25 m² por animal, provida de sombra natural. Nessa área foi instalado um lago artificial de 2,3 m² de lâmina d’água. No tratamento confinado, conforme as recomendações comerciais, a densidade utilizada foi a de 7 animais/m2, o que veio a ocasionar problemas de manutenção da cama, gerando um ambiente menos confortável. Na fase inicial (que durou até os 21 dias), os marrecos, alojados em um pinteiro circular de 2,8 m de diâmetro construído com chapas de Eucatex, foram alimentados à vontade [ad libitum] três vezes por dia com ração. A partir do 10º dia, retirou-se o aquecimento artificial e formaram-se os lotes de 60 marrecos correspondentes a cada tratamento. Desde o 11º dia, os animais integrantes do tratamento de semiconfinamento tiveram acesso à pastagem e ao lago artificial. As camas de maravalha foram trocadas conforme a necessidade, o que no sistema confinado significou praticamente uma manutenção diária. Na fase de crescimento, a ração inicial foi substituída por ração de crescimento. Aos 25º e 37º dias de vida, respectivamente, foi adicionado à água um suplemento vitamínico, em ambos os tratamentos, para tentar reverter o aspecto dos animais do lote confinado, que pareciam menos saudáveis quando comparados aos do lote semiconfinado. No 40º dia de vida dos marrecos, iniciou-se a fase de engorda com a substituição da ração de crescimento pela ração final (engorda).Cabe observar que a rotina de soltura e recolhimento dos animais submetidos ao tratamento semiconfinado ocorreu da seguinte forma: todos os dias, os marrecos foram soltos às 6h40 e recolhidos às 18 horas, resultando em um total de 11h20 de livre acesso à área externa. Quanto ao manejo de

A pesquisa se preocupou em relacionar as condições de criação mais apropriadas

ao bem-estar dos marrecos (sistema semiconfinado) e seu desempenho produtivo

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Segundo os pesquisadores, o

sistema confinado de criação de aves em alta densidade

limita a manifestação dos padrões

comportamentais das espécies, aumentando

os níveis de estresse e podendo afetar seu

desempenho produtivo Arq

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água) e ao hábito alimentar”, afirmam os pesquisadores, destacando que tal sistema pode levar os marrecos a altos níveis de estresse, o que induziria a um aumento dos comportamentos anômalos, como a bicagem de penas e o canibalismo em aves. Assim, buscando seguir as “cinco liberdades” que definem o bem-estar animal – ou seja, serem criados livres de fome e sede; livres de desconforto; livres de dor, injúrias e doenças; livres para expressarem seu comportamento natural; e livres de medo e estresse –, os pesquisadores optaram pelo sistema de semiconfinamento, que, segundo eles, melhora as condições de criação do animal, podendo configurar um atrativo econômico, visto que, cada vez mais, os consumidores estão preocupados em saber como seu alimento é produzido. O estudoRealizado no Campus Rio do Sul do IFC entre 25 de março (recepção dos marrequinhos) e 16 de maio (abate) de 2013, o trabalho experimental utilizou 120 marrecos-de-Pequim da linhagem Cherry Valley SM2, com peso vivo inicial de 47 g, criados em pinteiro convencional e transferidos aos locais definitivos com 10 dias de idade. Os animais foram instalados em um galpão convencional para criação de frangos, de tipo semiaberto, com uma área total de 215 m², subdividido em seis baias de 30,8 m². Os pesquisadores utilizaram duas baias – uma

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cortinas, a abertura e o fechamento se deram em conjunto com a soltura e o recolhimento dos animais do tratamento semiconfinado. Nos dias de temperaturas menos amenas, as cortinas foram abertas pela metade para evitar choques térmicos nos animais confinados.DeterminaçõesDurante o trabalho, os pesquisadores determinaram alguns elementos essenciais na criação dos marrecos. O peso vivo foi verificado semanalmente a partir de uma amostra selecionada ao acaso de 50 animais durante a fase de pinteiro, e de 25 animais de cada tratamento posteriormente. Os dados foram ajustados a modelos lineares. Já para estabelecer o consumo semanal de ração, calculou-se a diferença entre as quantidades fornecidas durante a semana e as sobras. A conversão alimentar (kg ração consumida/kg de ganho de peso) foi verificada, a cada fase de criação, a partir dos dados de ganho de peso dos animais nesses períodos e da quantidade de ração consumida. Ao final dos 52 dias de vida dos marrecos, calculou-se a conversão total considerando o ganho total de peso e o consumo de ração durante todo o período. Quanto ao comportamento, realizaram-se três avaliações [uma em cada fase de criação – inicial, crescimento e engorda] da frequência das atividades diurnas desenvolvidas pelos animais de cada um dos tratamentos, tais como alimentação (comendo, bebendo), descanso (sentado), atividades de conforto (limpeza de penas, banho de poeira) e interações agonísticas (comportamentos agressivos como brigas de dominância, bicagem, canibalismo). Por fim, após o abate humanitário [autorizado por lei e que seguiu todos os procedimentos para uso científico de animais], realizado no 52º dia de vida dos marrecos, os pesquisadores avaliaram a carcaça de 10 animais (5 de cada um dos tratamentos). Foram determinados peso inteiro, peso despenado e peso esviscerado. Depois de limpos (esviscerados), determinou-se o rendimento dos cortes (coxa-sobrecoxa, peito e pescoço) e dos miúdos de valor comercial (fígado, coração e moela).

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No tratamento semiconfinado, além do galpão convencional, os marrecos

passam um tempo do dia em uma área externa, onde têm contato com água

Arquivo pessoal dos pesquisadores

Análises dos resultadosNa fase inicial, os pesquisadores destacaram o fato de os marrecos do semiconfinado terem apresentado melhor desempenho, com um ganho diário de 11,8 g a mais do que os do tratamento testemunha, registrando menor coeficiente de variação. Nesse período, os animais do semiconfinado usufruíram de uma pastagem de boa qualidade e condições climáticas amenas,

enquanto os do confinado conviveram com problemas de manutenção da cama (devido à escassez de maravalha, insumo difícil de ser encontrado e que apresenta alto custo para sua aquisição), o que, provavelmente, gerou um ambiente menos confortável. “Conforme a experiência adquirida no manejo dessa espécie, a manutenção da qualidade da cama em sistemas confinados pode se tornar um aspecto limitante, tanto do ponto de vista econômico, em função do custo e da escassez crescente de maravalha, quanto do prático, devido à mão de obra requerida para as trocas de cama permanentes. Observou-se, de todo modo, que existe potencial para o reaproveitamento da cama, seja como fertilizante agrícola ou como fonte de biogás”, apontaram os pesquisadores. Durante a fase de crescimento, o ganho médio diário (GMD) dos animais confinados foi de 96,3g, enquanto os animais do semiconfinado adquiriram 88,1 g por dia. Essa diferença pode ter ocorrido devido ao fornecimento do suplemento vitamínico aos marrecos ou por um ganho compensatório (que acontece quando o animal não ganha o esperado em certo momento, compensando posteriormente). Esse maior ganho no sistema confinado determinou que já não houvesse diferenças consideráveis entre os tratamentos ao final da fase de crescimentoPorém, na fase de engorda, a taxa de ganho de peso diminuiu em ambos os tratamentos quando comparada com a fase de crescimento. Isso se explica pelo fato de que os animais já estavam próximos do limite de seu peso adulto. No relatório, os pesquisadores apontaram que, comercialmente, os marrecos são abatidos com cerca de 3,200kg de peso vivo e antes dos 60 dias de idade, quando surgem dificuldades de despenamento devido à segunda troca de penas desse tipo de ave. Nas condições do experimento, os marrecos finalizaram a fase de engorda com 52 dias de idade e 3,630kg de peso vivo no confinado e 3,714kg no semiconfinado. Portanto, diante das ótimas condições de criação atingidas, os marrecos poderiam ter sido abatidos com antecedência, evitando custos desnecessários com ração.

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Considerando o período total, os marrecos do tratamento confinado apresentaram um ganho médio de 84,9g/dia, conversão alimentar de 2,84 e rendimento de carcaça de 84,28%, consumindo em média 9,268kg de ração. Já os animais do sistema semiconfinado ganharam em média 84,1g/dia e consumiram 9,329 kg de ração, tendo rendimento de carcaça de 83,56% e conversão alimentar de 2,78. Portanto, não houve diferenças significativas em crescimento, conversão alimentar, peso de abate, rendimento e composição da carcaça entre os marrecos criados em sistema confinado ou semiconfinado.Na pesquisa, os marrecos produziram em média 0,245Kg de penas em ambos os sistemas de criação, destacando-se a qualidade de pena do tratamento semiconfinado (mais limpas).

Sobre os pesquisadoresNa busca por temas para seu trabalho de pré-iniciação científica, Ismael França e Bruno Inácio perceberam uma carência de informações sobre anacultura em uma região em que o marreco é muito apreciado como prato culinário. Assim, decidiram trabalhar com dois sistemas de criação desses animais, avaliando-os produtiva e comportalmente. A professora Elena Setelich orientou a pesquisa com a ajuda da coorientadora Vera Lúcia Freitas Paniz. O projeto participou de feiras de ciências, sendo premiado com a terceira colocação na categoria Ciências Animais e das Plantas na 28ª Mostratec, em Novo Hamburgo-RS. Atualmente, os estudantes cursam o 3º ano do Curso Técnico em Agropecuária, no Instituto Federal Catarinense – Campus Rio do Sul. Ismael quer continuar na área das Ciências Agrárias (pretende cursar Agronomia), enquanto Bruno vislumbra o curso de Ciências da Computação no próximo ano.Até por conta do que planeja para seu futuro,

Bruno, fã de tecnologia e jogos virtuais, deixou a pesquisa para tentar desenvolver um projeto na área computacional. Ismael, por sua vez, agora é bolsista de Iniciação Científica Júnior do CNPq e realiza um trabalho sobre alimentos alternativos – oriundos da mandioca – para a alimentação de marrecos. “A ideia surgiu devido à experiência adquirida com o projeto anterior, que mostrou altos índices de conversão alimentar dos marrecos-de-Pequim”, explica Ismael, que realiza uma atividade voluntária junto a um grupo de agricultores familiares, dando auxílio técnico para trabalhadores que estão implantando a produção avícola alternativa.

Ismael (à esq.) pretende cursar Agronomia, enquanto Bruno (à dir.) vislumbra o curso de Ciências da Computação; na foto ao lado, os

dois estudantes posam com a professora-orientadora do trabalho, Elena Setelich

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Análise comportamentalAs avaliações de comportamento realizadas nas três fases – inicial, crescimento e terminação – mostraram um padrão bem definido, independentemente da idade dos animais. Os marrecos se manifestaram como animais extremamente calmos, permanecendo boa parte do dia em repouso e sempre agrupados. Os animais de ambos os tratamentos manifestaram uma alta motivação para a limpeza de penas. “Nossos resultados comprovaram ser a viabilidade produtiva dos animais criados em semiconfinamento equivalente à da produção em confinamento total. Junto a isso, nossos dados das avaliações comportamentais mostraram os melhores índices de bem-estar dos animais semiconfinados, que puderam expressar os comportamentos naturais da espécie, sem que o sistema de criação restringisse essas manifestações”, concluíram os estudantes.

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O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão responsável pela preservação do acervo patrimonial no Brasil, define como objetivo do tombamento preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens. Entretanto, nem sempre o tombamento de um prédio, por exemplo, agrada aos moradores da cidade em que ele está situado – visto que pode impedir determinadas intervenções no bem e em seu entorno. Uma situação semelhante à descrita foi estudada por Alana Angelim Paulino e Paloma Raquel Felizardo Borges, alunas da Escola Estadual de Educação Profissional Dep. José Walfrido Monteiro, em Icó-CE, no projeto de pré-iniciação científica “Os impactos do tombamento na vida dos moradores do sítio histórico de Icó: choque entre a modernidade e a memória”. Orientadas pela professora Francisca Claudiana do Nascimento Vieira, Alana e Paloma buscaram compreender o choque gerado pelo tombamento no sítio histórico de Icó e as causas para a reação negativa da população a essa situação. Afora isso, estudaram e propuseram soluções que viabilizem a conservação e valorização da história e da memória do patrimônio da cidade, realizando um trabalho de conscientização da população.“O estudo da ‘história local’ (modalidade de pesquisa histórica), voltado para educação patrimonial, apresenta-se nesse projeto com uma necessidade de investigar os fatores

que levam os moradores do sítio histórico a desvalorizar a história local e a reivindicar mudanças significativas na estrutura dos prédios tombados. Também se justifica a importância do projeto pela busca de metodologias adequadas para educar a sociedade icoense a fim de conviver de maneira adequada com o seu patrimônio histórico”, afirmam as pesquisadoras. Problema, hipótese e objetivoDe acordo com Alana e Paloma, a população do sítio histórico de Icó não valoriza o patrimônio do local e, na busca por uma arquitetura mais moderna, sempre procura realizar reformas que descaracterizam os prédios históricos. Diante dessa situação, as estudantes levantaram algumas questões. “É possível perceber a desvalorização por parte dos moradores do sítio histórico de Icó em relação à sua arquitetura em estilo barroco, clássico, neoclássico, entre outros. Por que tal desvalorização acontece? Como pode ocorrer uma mudança em relação à valorização da história da cidade de Icó presente nos patrimônios? Essas são indagações que a pesquisa busca responder”, escreveram no relatório. A fim de solucionar tais questões, as pesquisadoras elaboraram algumas hipóteses para a desvalorização dos locais tombados: o desconhecimento da história local leva a população icoense a não valorizar o patrimônio histórico tombado na cidade; há uma distância da formação educacional do povo icoense em relação à construção de

Projeto propõe ações de conscientização da população de Icó sobre patrimônio histórico+(

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sua identidade cultural; a sociedade costuma associar o “antigo” a algo velho e feio, preferindo, portanto, uma arquitetura com traços modernos. “Diante do exposto, o objeto da pesquisa é identificar os fatores que contribuem para a desvalorização do sítio histórico de Icó pelos moradores locais, bem como desenvolver estratégias que eduquem a população para conviver com o sítio histórico e estimulem a consciência crítica da população em relação à história local.”IcóA região que hoje corresponde à cidade de Icó foi colonizada entre o fim do século XVII e início do XVIII em meio a grandes confrontos entre os indígenas que já habitavam o local e os colonizadores. Estes últimos ergueram uma paliçada para defender os moradores da ribeira do rio Salgado, dando origem ao povoado de Arraial Novo (atual Icó). A pacificação só chegou por meio de uma intervenção da Igreja católica. Hoje, parte da história de Icó está vivamente registrada nas ruas da cidade, por meio de sobrados, igrejas e outras edificações. Quase todos esses monumentos do seu centro urbano encontram-se tombados.Em 1997, o IPHAN realizou o tombamento nacional do sítio histórico de Icó. Entre os imóveis tombados, alguns se destacam, como a Casa de Câmara e Cadeia, o Teatro da

Ribeira dos Icós (um edifício de características neoclássicas construído no século XIX, no ano de 1860, pelo médico francês dr. Pedro Théberge) e a Igreja da Nossa Senhora da Expectação. No relatório de pesquisa, Alana e Paloma afirmam que o IPHAN e os governos do estado e do município realizam esforços para promover uma política de educação patrimonial. No entanto, segundo elas, percebe-se que essas iniciativas ainda não atingiram o grande objetivo de instruir a população para conviver e valorizar esse patrimônio. “A população nem sempre conhece as informações básicas desses prédios”, explicam, ressaltando o fato de que, dependendo da área e de seu sistema de tombamento, a autorização para intervenções no imóvel pode ser dada com maior ou menor facilidade.MetodologiaCom o tema delimitado e a pesquisa bibliográfica sobre história local e educação patrimonial feita, as pesquisadoras elaboraram um questionário que foi respondido por 30 dos 430 moradores do sítio histórico de Icó (ou seja, apenas da área tombada da cidade), representando assim um teste quantitativo de 7% da população.As pesquisadoras ainda realizaram algumas entrevistas com a população local e com historiadores. Após todo esse processo – pesquisa bibliográfica, coleta de dados e

21Em 1997, o IPHAN realizou o tombamento nacional do sítio histórico de Icó

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análise dos resultados –, foram elaboradas estratégias para possíveis intervenções junto à comunidade com o objetivo de educá-la a conviver com um bem tombado. ResultadosAs perguntas do questionário foram formuladas de modo a investigar o motivo da desvalorização do sítio histórico por parte dos seus moradores. Assim, inicialmente, questionou-se se os indivíduos reconheciam que o seu imóvel era um patrimônio histórico. Uma parcela de 88% dos entrevistados respondeu afirmativamente, enquanto 12% não souberam dizer. Nenhum entrevistado disse que não reconhecia seu imóvel como patrimônio histórico. “Esses dados demonstram que a população, até certo ponto, tem consciência de que mora em um patrimônio histórico, mesmo que não saiba a história desse patrimônio”, avaliaram as pesquisadoras. Na resposta à segunda pergunta – você sabe o objetivo do tombamento histórico? –, 52% disseram “não”, diante de 48% que responderam “sim”. Para as pesquisadoras, o fato de a maioria das pessoas não entender as decisões sobre tombamento decorre de uma falha do IPHAN em passar informações à população. Para 39% dos entrevistados, a realização do tombamento é necessária. Outros 26%, porém, refutaram essa necessidade, ao passo que 34% não têm opinião formada sobre o assunto. Tais números, para Alana e Paloma, significam que, pelo fato de não saber o que é o tombamento, grande parte não vê a necessidade de realizá-lo.Sobre os trabalhos que o IPHAN executa na cidade, 52% das pessoas entrevistadas concordam com as ações de preservação. Entretanto, 44% não aprovam essas iniciativas,

porque, segundo elas, o tombamento limita muito as possibilidades de alterações em sua propriedade; já 4% não têm uma opinião formada. Propostas de educação patrimonialDa análise dos dados coletados, as pesquisadoras concluíram que, apesar de reconhecerem o local como uma cidade histórica, os moradores de Icó não entendem as ações do tombamento e vivem em constante conflito com o IPHAN. A partir disso, Alana e Paloma apontam a necessidade de fazer com que esses moradores criem um sentimento de identidade com o patrimônio. “Ao desenvolvermos a pesquisa, descobrimos que essas pessoas não sabem o real valor nem conhecem a fundo a história que está viva através da arquitetura desses prédios históricos. Mesmo sabendo que seus imóveis guardam uma história, as pessoas que neles habitam procuram fazer

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Para a realização do projeto, Alana e Paloma (à esq.) fizeram pesquisas bibliográficas e

entrevistaram moradores do sítio histórico de Icó-CE (à dir.), entre outros procedimentos

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Entre as medidas para conscientização da população a respeito da importância

do sítio histórico, as pesquisadoras desenvolveram uma história em quadrinhos,

que foi entregue aos moradores de Icó e aos alunos da rede pública de ensino

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algum tipo de intervenção. Então, por meio desses resultados, procuramos possíveis soluções para o problema. Entre as ideias, consideramos, juntamente com o IPHAN, ensinar e conscientizar essas pessoas sobre o verdadeiro valor da história do patrimônio cultural existente na cidade”, afirmaram. As medidas de conscientização planejadas pelas pesquisadoras foram divididas entre as de curto e as de longo prazo. As primeiras buscam mudar de imediato o pensamento dos moradores sobre a realização de intervenções nos prédios históricos, consistindo nas seguintes iniciativas: produção de um filme de curta-metragem com conteúdo dinâmico sobre a história da cidade para aplicação em salas de aula; desenvolvimento de uma história em quadrinhos e entrega dessas narrativas aos moradores do sítio histórico e aos alunos da rede pública; palestra com os alunos do curso de Serviço Social da Faculdade Vale do Salgado (FVS); apresentação do problema na Câmara de Vereadores da cidade; estudo de campo

com alunos da Escola Estadual de Educação Profissional Deputado José Walfrido Monteiro que residem na cidade de Icó e também com estudantes que moram no município de Orós.Já as medidas de longo prazo se concentram em amenizar o problema da desvalorização do sítio histórico de Icó pelos moradores. Nesse sentido, Alana e Paloma propuseram campanhas de conscientização nas escolas municipais da cidade e o desenvolvimento de um projeto de lei para incluir, no currículo do Ensino Fundamental, aulas de história local e educação patrimonial, visto que esses temas atendem à realidade do município. “Percebe-se que é possível mudar esse pensamento de desvalorização do sítio histórico de Icó por parte de seus moradores, mas se reconhece que esse trabalho requer muito esforço, visto que levará certo tempo até que todos possam adquirir a consciência da importância da história icoense para cada morador”, concluíram as pesquisadoras.

Sobre as pesquisadorasAndando pelas ruas de Icó, Alana e Paloma sempre se impressionaram com a riqueza arquitetônica e histórica ostentada pela cidade. Assim, não entendiam os motivos para a pouca valorização dada a esse acervo por parte dos moradores em geral. Para investigar – e mudar – esse cenário, elas desenvolveram o projeto de pré-iniciação científica “Os impactos do tombamento na vida dos moradores do sítio histórico de Icó: choque entre a modernidade e a memória”.

“O nosso trabalho procura educar a população de forma clara, breve e dinâmica para o melhor entendimento e bem-estar na convivência direta com esse patrimônio histórico. Visamos à conscientização e, como consequência, a uma preservação não forçada”, afirmam as estudantes da 3ª série do Ensino Médio/Curso Técnico em Agrimensura.

A pesquisa foi amplamente premiada, conquistando, inclusive, o primeiro lugar em Ciências Humanas na Febrace-2014. Nos próximos anos, Paloma pretende cursar Arquitetura, enquanto Alana estudará História ou Publicidade e Propaganda. Entretanto, elas esperam que a pesquisa/intervenção seja prolongada. “O projeto ainda está sendo desenvolvido na cidade de Icó, e prosseguirá com outros alunos, pois esse é um trabalho contínuo”, explicam.

As pesquisadoras Alana (à esq.) e Paloma (à dir.) na Febrace juntamente

com a professora-orientadora Francisca Claudiana do Nascimento Vieira (centro)

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Projeto ajuda meninas a lidar com seu ciclo menstrual

Alunas do Colégio Dante Alighieri, Ana Carolina Paixão de Queiroz e Gabriela Pane Farias costumavam observar que, em determinados períodos, suas colegas de escola se isolavam, brigavam com outros estudantes e chegavam até a deixar as aulas. Tais problemas, provavelmente, estavam relacionados aos efeitos da Síndrome Pré-Menstrual (SPM), conhecida popularmente como Tensão Pré-Menstrual (TPM). Foi então que, em seu trabalho de pré-iniciação científica, Ana e Gabriela decidiram investigar a forma pela qual a TPM interfere na vida das adolescentes, além de tentar ajudar essas meninas a lidar melhor com o próprio corpo por meio do incentivo ao autoconhecimento e à conscientização. Para atingirem esses objetivos, Ana e Gabriela planejaram o uso de diversos recursos em seu trabalho, intitulado “TPM: Tempo para Mudanças”. Em um primeiro momento, foi aplicado um questionário para jovens de 14 a 16 anos a fim de identificar suas dificuldades durante o período pré-menstrual. Para a segunda etapa, ocasião em que Gabriela deixou a pesquisa, estabeleceu-se a realização de uma série de ações, tais como oficinas interativas com médico especialista, entrevistas, sessões de arteterapia orientadas e o preenchimento de tabela para identificação de sintomas,

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objetivando a análise pessoal (psicológica e física) do ciclo menstrual. Posteriormente, Ana realizou entrevistas e utilizou questionários novamente para analisar o progresso do autoconhecimento e do protagonismo no desenvolvimento das inteligências pessoais das garotas, avaliando se houve melhora na interação social e diminuição de situações de preconceito. “Acho que a parte mais importante do meu trabalho é a da conscientização, pois a mulher deve se aceitar e não se preocupar em se enquadrar nos parâmetros que a sociedade impõe. Ela deve aproveitar as coisas boas da TPM, como a diversidade e o fato de às vezes estar mais criativa. Acredito que a ideia do alcance do autoconhecimento pelas mulheres é algo que deve ser disseminado na sociedade”, afirma Ana Carolina. Problema, hipótese e objetivosComo promover ações de conhecimento do próprio ritmo psicológico e biológico durante o ciclo menstrual de forma a diminuir a ocorrência de consequências sociais, físicas e psicológicas da SPM? Esse foi o questionamento inicial feito por Ana Carolina e Gabriela, que, sob a orientação da professora Rita Maria Saraiva – e coorientação da professora Sandra Tonidandel –, incumbiram-se de formular uma hipótese. “Acreditamos

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Gabriela (à esq.) e Ana Carolina com o dr. Eliezer, médico ginecologista e feminólogo que acompanha o projeto

que o conhecimento das meninas sobre a SPM é superficial e, muitas vezes, estereotipado, dando motivos para agirem de forma errada com os que estão à sua volta. Além disso, uma grande parte das meninas não tabula o próprio ciclo menstrual, instrumento imprescindível no autoconhecimento dessa fase. Boa parte das jovens não deve se sentir confortável em conversar com as professoras sobre o tema, porém, o diálogo com as amigas, principalmente, e também com a mãe deve ser significativo”, afirmaram no relatório de pesquisa. Ana Carolina e Gabriela procuraram, justamente, satisfazer cada ponto elencado na hipótese, com vistas a levar as jovens a ter um conhecimento mais profundo sobre o seu corpo e mais, especificamente, sobre a SPM, fazendo-as também entender em quais casos o tratamento médico é recomendado e o que é possível fazer para minimizar os sintomas pelos quais são afetadas durante o período pré-menstrual. Outra iniciativa importante do trabalho consistiu na intervenção em âmbito escolar por meio de ações que promovessem o autoconhecimento e a quebra de tabus por parte das próprias meninas em relação à síndrome pré-menstrual. Nesse ponto, um grupo de meninas com sintomas da SPM participou das atividades. Inteligências múltiplas, questionários e tabela de AbrahamQuanto aos conceitos utilizados no trabalho, a síndrome pré-menstrual pode ser definida como o grupo de alterações físicas, comportamentais e emocionais que afetam suas portadoras e se manifestam em

um período de cerca de sete dias antes da menstruação, podendo se estender até o final do ciclo menstrual.Ana Carolina e Gabriela também abordaram, em sua pesquisa, a teoria das inteligências múltiplas, criada por Howard Gardner. Segundo ele, há tanto uma inteligência intrapessoal – desenvolvida a partir do autoconhecimento do ser humano, que acessa os próprios sentimentos e emoções para identificá-los e, assim, compreender e orientar melhor o próprio comportamento –, quanto uma interpessoal, em que o indivíduo foca na observação e na distinção de humores, motivações e intenções de outros, a fim de também agir sobre esse conhecimento. “Em nosso trabalho, pretendemos promover o desenvolvimento dessas inteligências pessoais nas adolescentes, uma vez que, quanto mais a jovem entender seus sentimentos durante o período pré-menstrual, mais fácil será lidar e conviver com eles. E também, quanto mais a garota entender os sentimentos e o comportamento dos que estão à sua volta, melhor interagirá com a sociedade, desempenhando bem seu papel dentro de uma comunidade maior”, explicaram. Munidas desses conceitos e de outros, obtidos com base em análise de literatura sobre o tema, Ana Carolina e Gabriela elaboraram um questionário que buscou avaliar, ao mesmo tempo, as dúvidas frequentes das adolescentes acerca do ciclo menstrual e seus conhecimentos sobre o tema, identificando se estes são estereotipados ou aprofundados. Para tanto, as perguntas buscavam extrair da entrevistada não só sua opinião em relação a uma jovem portadora da SPM, mas uma

autoavaliação sobre seu comportamento para com as pessoas à sua volta durante o período pré-menstrual.Tais questionários foram aplicados em 2013 para 130 meninas da 1ª série do Ensino Médio do Colégio Dante Alighieri, todas em

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uma faixa etária entre 14 e 16 anos, havendo entre elas adolescentes portadoras e não portadoras da SPM. Os dados foram tabulados de modo que sua interpretação fosse simples e prática. Em seguida, as pesquisadoras discutiram as informações com o médico ginecologista e feminólogo que acompanha o projeto, dr. Eliezer Berenstein.Cabe destacar que, para atestar a presença da síndrome pré-menstrual nas meninas que se dispuseram a participar do grupo regular da pesquisa, utilizou-se a tabela de Abraham, instrumento que permite a identificação e controle dos sintomas da SPM por meio da marcação diária da intensidade destes durante, no mínimo, dois ciclos. Na análise da tabela de Abraham, as pesquisadoras também contaram com o auxílio do dr. Eliezer Berenstein, uma vez que tal processo exige o olhar cuidadoso de um profissional da área para que o diagnóstico de cada adolescente seja feito corretamente. Ana Carolina e Gabriela procuraram, nessa etapa, verificar os sintomas mais comuns entre as jovens e a sua frequência para, a partir disso, juntamente com o ginecologista e uma arteterapeuta (ver abaixo), desenvolverem uma estratégia que melhor atendesse às necessidades das adolescentes. Arteterapia e palestraA arteterapia abrange três áreas – arte, saúde e educação – para beneficiar, preservar e recuperar a saúde, facilitando o processo de criação e exteriorização de conteúdos

pessoais em forma de arte. Já sem a parceria de Gabriela na pesquisa, Ana Carolina utilizou a terapia para ajudar as adolescentes a lidar com o corpo e com os sentimentos e a se expressarem melhor, desenvolvendo as inteligências inter e intrapessoais.Um grupo de seis meninas – três portadoras da SPM e três não portadoras – participou de seis sessões de arteterapia nas instalações da escola durante seis semanas. Utilizando materiais artísticos, as adolescentes puderam desenvolver sua criatividade para pintar, esculpir, desenhar. Sob a supervisão da arteterapeuta Maria Beatriz Perotti (coordenadora do Departamento de Arte do Dante), elas preencheram um “diário” com o registro artístico de seus sentimentos, desejos e dos fatos do cotidiano, além de escreverem textos sobre como estavam se sentindo naquele dia – o diário possuía uma tabela de Abraham, possibilitando relacionar os escritos ao ciclo menstrual de cada estudante. Em seguida, essa produção artística foi discutida com a arteterapeuta. Já em 27 de novembro de 2013, dentro das atividades da pesquisa, as alunas do Ensino Médio do Colégio Dante puderam assistir à palestra “Ciclo menstrual e TPM: como o ciclo

Arquivo pessoal das pesquisadoras

À esquerda, a palestra ministrada pelo dr. Eliezer; ao lado, as atividades desenvolvidas na arteterapia

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menstrual pode ser aliado, e não inimigo, do equilíbrio feminino”, proferida pelo dr. Eliezer Berenstein. Na ocasião, ainda foram distribuídas pequenas tabelas para incentivar o controle do ciclo menstrual. Algumas das espectadoras admitiram que, até então, nunca haviam feito regularmente o controle, mas que, depois da interação com o dr. Eliezer, perceberam a importância do procedimento e pretendiam passar a realizá-lo como forma de entenderem a si mesmas e as mulheres que as cercam. Resultados Ao analisarem as respostas apresentadas nos questionários pré-intervenção (primeira parte do trabalho), as pesquisadoras destacaram algumas informações. Segundo Ana Carolina e Gabriela, existe uma forte correspondência entre o fato de as meninas não se sentirem confortáveis em conversar com a mãe sobre a SPM e também não fazerem o controle da menstruação. “Isso nos leva a crer que o diálogo sobre a síndrome pré-menstrual está intimamente ligado ao autoconhecimento (nesse caso, mensurado pelo controle do ciclo menstrual), pois, uma vez que a jovem conversa sobre esse assunto, ela deve se sentir mais confortável em pesquisar, além de se interessar mais e passar a ver a situação como realmente é: sem tabus”, avaliaram.Em outro ponto, as pesquisadoras cruzaram as opiniões das entrevistadas acerca do comportamento das portadoras da SPM e a respeito de seus próprios comportamentos durante o período pré-menstrual. Verificou-se uma relação significativa apenas nas categorias “irritadiça, mau humor” e “sentimental, emoções mais fortes”. Ana Carolina e Gabriela

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Objetivo do trabalho desenvolvido por Ana

e Gabriela é fazer com que as adolescentes

entendam e valorizem o próprio corpo e as

mudanças que ocorrem mensalmente

afirmaram que, em parte, isso ocorre devido ao fato de que a imagem que o senso comum formou sobre a síndrome pré-menstrual é esta: a de uma menina irritável e sentimental. O senso comum, segundo as pesquisadoras, também se fez presente nas respostas a respeito das causas para os comportamentos de uma garota portadora da SPM durante seu período pré-menstrual. Apesar de 56,67% das pesquisadas citarem os hormônios como o maior motivo disso, o que chamou a atenção de Ana Carolina e Gabriela foi o fato de nenhuma saber exatamente qual é o papel dos hormônios, a sua importância e como podem afetar realmente a portadora da síndrome pré-menstrual. “Com isso, é possível afirmar, novamente, que as meninas têm uma visão superficial do ciclo menstrual, principalmente do período pré-menstrual”, constataram.Quanto à palestra com o dr. Eliezer, as estudantes-espectadoras fizeram algumas considerações ao final da atividade, destacando, especialmente, o fato de terem adquirido ali um melhor entendimento sobre o ciclo menstrual e, especificamente, a respeito do funcionamento e da regulação dos hormônios femininos. As garotas que participaram da pesquisa também destacaram os benefícios da arteterapia. Uma delas, por exemplo, afirmou

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Sobre as pesquisadorasAna Carolina e Gabriela Pane Farias descobriram no programa de pré-iniciação científica Cientista Aprendiz, do Colégio Dante Alighieri, a possibilidade de poder produzir conhecimento – e não só estudar assuntos já explorados. A partir daí, decidiram realizar uma pesquisa sobre a síndrome pré-menstrual (SPM). “Havíamos lido um livro sobre a síndrome pré-menstrual e outro sobre a valorização da feminilidade, da ciclicidade hormonal e do próprio corpo. Ficamos interessadas em estudar como era a relação das meninas da nossa idade com o próprio ciclo menstrual, e como este afetava a vida delas. Na primeira parte do trabalho, observamos que as garotas não tinham uma relação muito positiva com o próprio ritmo biológico. Foi aí que tive a ideia de intervir e propor ações que as ajudassem a ter uma melhor relação consigo mesmas,

elevando assim sua qualidade de vida”, explica Ana Carolina, premiada pelo trabalho em feiras de ciências nacionais (Febrace) e internacionais (Genius Olympiad). Ana Carolina segue desenvolvendo a pesquisa/intervenção, atividade que concilia com os estudos na 2ª série do Ensino Médio e no grupo de robótica do Dante. Além disso, a adolescente gosta de ler, escrever, jogar handebol, assistir a filmes, conhecer novos lugares e discutir sobre o papel da mulher na sociedade atual – o que tem tudo a ver com seu trabalho de pré-iniciação científica. “A importância do meu projeto está no fato de que a feminilidade, o ciclo menstrual e a variação hormonal são elementos muitos importantes, que devem ser valorizados pelas mulheres. Contudo, atualmente, esses elementos são considerados negativos, razão pela qual devem, muitas vezes, ser suprimidos

pelo uso de medicamentos, por exemplo. Na verdade, a variedade e ciclicidade podem ser aspectos muito positivos, mas é preciso que a mulher entenda como seu próprio corpo funciona. Meu trabalho busca fazer com que as jovens entendam e valorizem o próprio corpo e as mudanças que ocorrem mensalmente”, diz. Já Gabriela, que deixou a pesquisa antes do começo da segunda etapa, segue estudando na 2ª série do Ensino Médio e pretende ser médica obstetra.

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Gabriela deixou a pesquisa, mas Ana Carolina (foto) segue desenvolvendo o projeto

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que a atividade a ajudou a mudar o foco para algo bom em dias em que estava se sentindo mal, além de usar suas energias para um exercício criativo. ConclusãoDiante de todos esses dados e cenários, Ana Carolina – que continua a desenvolver o trabalho – teceu algumas conclusões e reforçou outras. Por exemplo, a de que o conhecimento da SPM é realmente superficial e estereotipado, pois as respostas são as que o senso comum geralmente associa à portadora

da síndrome. Ou seja, o conhecimento das jovens ainda não é o suficiente, tornando a convivência com a síndrome mais complicada. Nessa busca pelo autoconhecimento, o preenchimento da tabela de Abraham se mostrou uma importante ferramenta, pois proporcionou às jovens momentos de reflexão sobre o próprio corpo e seus sentimentos. “A intervenção teve um efeito positivo na vida das jovens, ajudando-as a alcançar o autoconhecimento e a estimar sua variedade hormonal, assim como lidar melhor com seu próprio ciclo menstrual e minimizar as consequências da SPM”, avaliou Ana Carolina.

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Ereci Teresinha Vianna Druzzian(1)

Feiras de ciências: um caminho mais prazeroso para a aprendizagem

Desde os primórdios de sua história, o homem questiona e tenta entender o mundo ao seu redor. Por meio da observação dos fenômenos naturais, busca a resposta para os mais diversos problemas enfrentados no dia a dia.Na escola, essa busca não é diferente, e proporcionar ao estudante momentos em que a curiosidade, as competências e as habilidades individuais possam ser transformadas em respostas traz um significado muito maior para a sua aprendizagem. Reconhecer a pesquisa desenvolvida na sala de aula é oportunizar aos professores e alunos momentos de descobertas.A divulgação dessas descobertas se constitui um caminho de integração e troca. As feiras de ciência têm se mostrado um lugar de construção de múltiplos conhecimentos e alternativas para os trabalhos e projetos desenvolvidos nas salas de aula, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio.Trabalhar com metodologia científica e com projetos de pesquisa faz com que a construção das aprendizagens seja efetiva. As feiras de ciências surgem, assim, como um movimento na educação que interliga a metodologia científica ao conhecimento da sala de aula. Conforme o Programa Nacional de Apoio às Feiras de Ciências da Educação Básica, tais eventos são conhecidos como uma atividade pedagógica e cultural com elevado potencial motivador do ensino e da prática científica no ambiente escolar. (2)

A Mostratec – Mostra Brasileira de Ciência e Tecnologia e Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia – é reconhecida, no estado do Rio Grande do Sul e no país, como um evento

que tem contribuído para a construção do conhecimento científico. Anualmente, mais de 4 mil escolas do Ensino Fundamental, Médio e Profissional, e quase 15 mil alunos (3) desenvolvem pesquisa científica na feira realizada em Novo Hamburgo-RS. Isso representa um número significativo de pessoas envolvidas no processo, pois os estudantes, ao iniciarem seus trabalhos acompanhados por um professor, buscam apoio em outras instituições, criando e fortalecendo um “círculo” que reverte para a produção de conhecimento. E, ao divulgarem suas pesquisas nas feiras de ciências, fazem com que outras pessoas entrem em contato com suas descobertas. Ao participar desse processo, o aluno se apropria de inúmeros saberes e competências, fazendo da aprendizagem um caminho muito mais significativo e prazeroso. Como diz Pedro Demo, educar pela pesquisa(4) é motivar o aluno a fazer as próprias interpretações.Com isso, chego à conclusão de que participar de feiras de ciências é dar espaço para que nossos alunos e professores encontrem respostas e ampliem suas descobertas. É construir e reconhecer um caminho que nos permitirá alcançar, através do movimento pela ciência, uma educação de qualidade e de pesquisa no país.

1. Coordenadora-geral da 29ª Mostratec 2. Programa Nacional de Apoio às Feiras de Ciências da Educação Básica – Fenaceb / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006 3. Dados da Mostratec 2014 4. DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2003, 6ª ed.

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Em 20 de abril de 2010, uma explosão na plataforma de exploração Deepwater Horizon, além de 11 mortes, causou o vazamento de aproximadamente 205 milhões de galões de petróleo nas águas do Golfo do México, atingindo mais de 1.000 km de costa e gerando riscos de gravíssimos impactos ambientais. Em casos como esse, um dos maiores problemas é justamente como, após conter o vazamento, realizar a retirada do óleo que se instala sobre a água. Gabriel Chiomento da Motta e Raíssa Müller, estudantes do Curso Técnico de Química da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo-RS, decidiram enfrentar essa questão em seu projeto de pesquisa de pré-iniciação científica, “MASE - Membrana de Absorção Seletiva”. Os estudantes propuseram o desenvolvimento de uma membrana porosa de criptomelano como uma alternativa sustentável e economicamente viável para a absorção de óleos em geral. De acordo com os pesquisadores, a membrana desenvolvida por eles apresenta a capacidade de absorção de 8 a 15 vezes seu próprio volume. Além disso, tem como diferencial em relação a outros métodos de remoção a habilidade de absorver apenas líquidos apolares (como o petróleo, o óleo de cozinha e a gasolina), não englobando a água. “Tal membrana

Nova membrana para absorção de petróleo em casos de derramamento

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poderia atuar em derramamentos de óleos em geral, evitando a contaminação de solos. Também comprovamos a possibilidade da recuperação dos líquidos absorvidos com um rendimento de, aproximadamente, 100%. Ou seja, ainda podemos reutilizar esse material diversas vezes sem nenhuma alteração em suas propriedades”, explicam Gabriel e Raíssa. Uma das principais fontes de energia utilizadas no planeta, o petróleo pode, entretanto, ser causador de inúmeros problemas quando lançado nos mares e oceanos. Isso porque ele é capaz de afetar a base da cadeia alimentar dos ecossistemas aquáticos, prejudicando a absorção de nutrientes dos fitoplânctons e dos níveis tróficos seguintes, e provocar o envenenamento de espécies, gerando, por exemplo, lesões nas mucosas do sistema respiratório e hipotermia em aves. Assim, além de acarretar a morte de muitos habitantes do ambiente aquático, ocasiona transtornos à população que utiliza a área marítima como fonte de sustento ou lazer. E, infelizmente, vazamentos de petróleo não são eventos raros. De acordo com um estudo do ITOPF (International Tanker Owners Pollution Federation Limited – uma associação que trabalha no combate à poluição marinha), de 1970 a 2012, foram registrados 1.350 incidentes do tipo, totalizando cerca 6,75

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bilhões de litros de petróleo derramados nos mares e oceanos – esses dados são referentes somente a derramamentos de médio porte (entre 7 e 700 toneladas). Atualmente, há diversas técnicas para a contenção e a remoção de petróleo – como contenção mecânica, uso de dispersantes químicos, queima in-situ. Porém, em sua maioria, se apresentam muito lentas ou tóxicas. Outra modalidade é a de materiais absorventes (como turfa vegetal e palha de milho), caracterizados pela capacidade de retirarem rapidamente o óleo da superfície, além de causarem prejuízos mínimos ao meio ambiente. Entretanto, ocupam grande volume e têm baixa capacidade de absorção. Dessa forma, Gabriel e Raíssa propuseram a produção de uma membrana porosa de absorção seletiva feita do mineral criptomelano (formado por K1,5-2Mn8O16), revestida de vapores de silicone (para que os fragmentos da cadeia de silicione tornassem a película hidrofóbica, impedindo-a de absorver água). “A membrana de criptomelano com revestimento de vapores de silicone é altamente seletiva, absorvendo até 22 cm3 de óleo por 1 cm3 de membrana. Todo óleo absorvido ainda pode ser recuperado através de extração soxhlet e destilação, podendo voltar para a indústria petrolífera. Ainda, a membrana pode ser limpa e reutilizada diversas vezes sem perda na sua capacidade de absorção”, explica Raíssa. MetodologiaApós realizar um estudo sobre o comportamento do óleo no mar (o que compreende os processos de espalhamento, evaporação, dispersão, emulsificação e dissolução – importantes nos períodos iniciais de um derrame de óleo –, além de oxidação, sedimentação e biodegradação, que ocorrem em longo prazo), os pesquisadores definiram a metodologia dos experimentos. O processo de trabalho foi então dividido nas seguintes etapas: produção do filme poroso de criptomelano; processo de aumento da porosidade da membrana por meio de troca iônica e decomposição em forno mufla; modificação superficial com silicone para tornar hidrofóbico o objeto; teste da capacidade de absorção de líquidos apolares (como gasolina, óleo vegetal e petróleo), e da reutilização destes; teste de estabilidade térmica do objeto absorvente. Por fim, analisou-se a estrutura do material utilizando-se as técnicas de Difração de Raio-X e Microscopia Eletrônica de Varredura.

Acima, o processo de obtenção do criptomelano por meio de um refluxo de 24h; abaixo, o filme

de criptomelano em um molde de teflon

Para a produção do filme de criptomelano, foram testadas duas alternativas: o método sol-gel – caracterizado pela transição de uma suspensão coloidal de partículas sólidas para um líquido (sol), e, subsequentemente, a formação de um material de fase dupla (gel) – e o método de refluxo de soluções. Foi justamente o método de refluxo que se mostrou o mais adequado, uma vez que proporcionou a formação de uma película uniforme e resistente, enquanto o método sol-gel produziu um filme de superfície irregular e de menores propriedades mecânicas (elementos que definem o comportamento de um material sólido quando submetido a esforços externos). Cabe observar que, após a obtenção do criptomelano através da reação de refluxo, a solução foi colocada em molde de teflon e aquecida para evaporação e formação do filme sólido.Troca iônica e aplicação de siliconeNa etapa seguinte, os filmes de criptomelano produzidos foram mantidos em contato com soluções contendo cloreto de amônio em excesso. A intenção era modificar a estrutura da membrana através da troca de íons potássio por íons amônio. Para a determinação do tempo ideal de exposição à solução de NH4Cl (cloreto de amônio), diferentes fragmentos da

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membrana foram deixados em contato com a solução por períodos de 4, 6 e 20 horas. Efetuada a troca iônica completa, o filme foi colocado em um forno mufla, à temperatura de 600 oC, com o intuito de promover a oxidação dos íons amônio, seguida da liberação do gás nitrogênio. A remoção do cátion permite a abertura dos poros, promovendo um aumento considerável na porosidade da superfície da película. Para tornar a membrana hidrofóbica, realizou-se o revestimento com vapores de óleo de silicone durante períodos de 30 e 60 minutos. Tal iniciativa apresentou melhores resultados em comparação ao filme sem revestimento, pois, quando aplicada a gota de água sobre a superfície, o líquido polar foi repelido, enquanto os líquidos apolares foram absorvidos pela membrana, mostrando o caráter hidrofóbico e absorvente do criptomelano revestido com silicone. Os testes de absorção – efetuados tanto com a membrana revestida de TNT (material que permite a passagem de líquidos apolares e repele a água, além de ter baixo custo; na pesquisa, foi usado para facilitar a aplicação da membrana no mar) quanto sem o tecido – utilizaram as seguintes misturas: água + óleo vegetal; água + petróleo; água + gasolina. Os resultados indicam que a membrana apresentou capacidade de absorção em relação aos líquidos apolares de 8 a 15 vezes seu volume. Em seguida, os pesquisadores testaram a capacidade de reutilização da membrana e dos líquidos por ela absorvidos. Para recuperação de líquidos voláteis, pôde ser realizado um processo de destilação simples. Também é

possível a evaporação sob aquecimento a 380 oC. A gasolina pôde ser recuperada através de evaporação e sistema de captação de seus vapores. Já para líquidos viscosos, foi utilizado o processo de extração soxhlet, seguido de destilação simples. A membrana apresentou alta taxa de absorção após os processos, comprovando a possibilidade de sua reutilização. Em relação ao reaproveitamento dos líquidos absorvidos, para o óleo de cozinha foi obtido rendimento de 97,9%, enquanto o petróleo teve desempenho de 93,7%. Testada também a termoestabilidade (somente a partir de 800 °C que a membrana começou a se desmanchar), os pesquisadores utilizaram o método de difração de raio X para avaliar a estrutura cristalina da membrana. Comparando com difratogramas obtidos para o criptomelano em outros trabalhos, foi possível identificar os planos de difração do mineral. Ou seja, os picos obtidos no gráfico confirmaram que o material era realmente composto por criptomelano, devido à presença de bandas características dessa substância. Já a Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) permitiu uma melhor caracterização estrutural do absorvente seletivo. As imagens fotografadas mostraram que o material possuía estruturas porosas na escala de nanômetros e micrômetros, sendo que o poro de tamanho mínimo obtido na amostragem foi de 485,1 nm e o de tamanho máximo foi de 2,423 ɥm.Análise econômica e conclusãoConsiderando os custos de reagentes necessários para a obtenção do criptomelano

por meio do método de refluxo, e ainda, NH4Cl e óleo de silicone, os pesquisadores estipularam

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A repulsa do material à água (líquido polar) demonstrada na foto à esquerda; ao lado, um exemplo de como a membrana poderia ser aplicada em um derramamento de petróleo: ela flutua na interface entre os líquidos, absorvendo petróleo e repelindo águaA

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A troca iônica do criptomelano com o cloreto de amônio (à

esq.) foi realizada para aumentar a porosidade do filme e dar-lhe maior

capacidade de absorção; à direita, o processo de

recobrimento do material com vapores de silicone para torná-lo hidrofóbico A

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Sobre os pesquisadoresGabriel e Raíssa cultivam a paixão pela ciência desde a infância – seja assistindo a programas de televisão no estilo de o Laboratório de Dexter, seja participando de feiras de ciências escolares. Já mais velhos, ficaram fascinados com a possibilidade de desenvolver pesquisas que propõem soluções para melhorar o mundo. Foi assim que, no Curso Técnico de Química da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo-RS, eles decidiram trabalhar com pré-iniciação científica. Após escolherem o tema “derramamentos de óleo”, a dupla encontrou estudos sobre o criptomelano. Decidiram, então, testar se o mineral poderia funcionar na prática como uma esponja capaz de absorver esses óleos derramados em vez de apenas quebrar suas moléculas. O longo processo de trabalho para realizar modificações e descobrir as melhores condições para se chegar à ideia final do projeto foi compensado pelo reconhecimento científico que o “MASE - Membrana de Absorção Seletiva” recebeu: os estudantes conquistaram prêmios em renomadas feiras de ciências, como Mostratec e Intel Isef (essa última realizada nos EUA). A pesquisa foi orientada pela profª. Schana Andréia da Silva.Entretanto, o projeto está temporariamente paralisado devido à falta de recursos e aos afazeres dos pesquisadores – Raíssa faz estágio do Curso Técnico e estuda Psicologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (no futuro, ela pretende trabalhar na área de neurociências e seguir

com pesquisas científicas). Já Gabriel está na etapa final do Curso Técnico de Química da Fundação Liberato e também faz o estágio obrigatório (sua intenção é cursar Farmácia). Os pesquisadores, porém, ainda sonham em ver o projeto sendo utilizado no dia a dia para solucionar problemas relacionados aos vazamentos de óleo. “O projeto ainda precisa de aprimoramentos e mais testes em maior escala para podermos pensar numa aplicação em mares e oceanos. Porém, precisaríamos de um laboratório mais especializado para produção em grande escala”, diz Raíssa. “Acreditamos que alguma empresa ou pessoas com experiência nessa área poderiam dar continuidade à pesquisa para possibilitar o desenvolvimento e a aplicação desse material em escala industrial”, completou Gabriel.

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Gabriel e Raíssa conquistaram prêmios em renomadas feiras de ciências,

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o preço final da membrana em R$ 15,75/kg. Com a proposta de cortar gastos, os pesquisadores sugeriram obter o MnSO4 (sulfato de manganês) através do resíduo de pilhas. Essa ideia proporcionaria uma redução do custo para R$ 14,4/kg.Dessa forma, para fazerem uma análise econômica dos resultados do projeto, os pesquisadores usaram como parâmetro o vazamento de petróleo ocorrido no Golfo do México, que contabilizou cerca de 780 milhões de litros de petróleo despejados no oceano. Segundo dados da pesquisa, estima-se que foram gastos R$ 5 bilhões para conter o vazamento de 2010. “Considerando o preço da tonelada da membrana e sua taxa de absorção para o mesmo volume de óleo derramado no Golfo do México, seriam gastos R$ 3,48 bilhões.

O valor é relativo a uma única aplicação da membrana, desconsiderando valores de transporte e extração de líquido da membrana. Sendo possível afirmar que a membrana pode ser reutilizada diversas vezes, e o óleo pode ser recuperado, a taxa de redução econômica do método vai além dos custos diretos de produção”, afirmam Gabriel e Raíssa, satisfeitos com o resultado da pesquisa.“A membrana produzida representa uma alternativa sustentável para contenção de derramamentos de óleos e preservação do bioma marinho e terrestre. Ainda proporciona a recuperação dos líquidos apolares absorvidos e a reutilização da membrana diversas vezes, devido à sua alta seletividade e termoestabilidade. Assim, impulsiona uma redução de impactos econômicos e ambientais, o que comprova sua eficiência e viabilidade”, ressaltam.

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Uma alternativa simples para um problema grave. É basicamente esse o papel que o projeto “Água renovada” representa diante do drama da seca no nordeste brasileiro. Larissa Brenda Gonsalves Miná, Adelaide Laleska de Oliveira Santana e Francisco Júnior Gomes Nicácio, então estudantes do Instituto Federal do Ceará - Campus Juazeiro do Norte, propuseram o reaproveitamento de águas residuárias domésticas (também chamadas de águas cinzas, provenientes da lavagem de roupas, pisos e utensílios, além de banhos e pias). Para viabilizar a ideia, o grupo utilizou uma técnica de destilação, executada por meio de um destilador e dessalinizador facilmente aplicado ao solo, e associada ao uso de materiais acessíveis. Em outras palavras, a iniciativa cria um sistema simples e barato capaz de transformar águas residuais, vindas de atividades domésticas e do banho, em uma água de melhor qualidade, que poderá ser utilizada de diversas maneiras, influenciando no modo e na qualidade de vida de muitas pessoas. “Objetiva-se que, com a aplicação do sistema proposto, em local apropriado, as famílias possam reutilizar a água que antes seria descartada [e que poderia contaminar o solo e lençóis freáticos, pois, em muitos locais do interior do Brasil e do mundo, não há saneamento básico], destinando esta ao plantio de frutíferas, hortaliças ou até vegetação para consumo animal. Além disso, há a possibilidade de ser utilizada no tratamento de adubo orgânico, a partir do esterco do gado, o qual posteriormente

poderá ser usado para enriquecer o solo desgastado pelo calor excessivo”, explicam os pesquisadores. FuncionamentoO sistema consiste em um buraco com cerca de 1,30m de diâmetro cavado no chão. O solo é impermeabilizado com um plástico preto, onde a água residuária será depositada. Acima, há um plástico transparente que funciona como tampa do orifício. Os raios de sol passam por esse plástico transparente e atingem a água suja, aquecendo-a e promovendo sua evaporação, a qual gera gotículas no momento em que o líquido toca a tampa do sistema. Tais gotículas caem no meio do dispositivo, passando por um funil revestido de tecido.O objetivo do funil é reter pequenos resíduos, como areia, permitindo que apenas a água, agora limpa, seja capturada em um balde. Em seguida, o líquido é retirado e pode ser reaproveitado para diversos usos. De acordo com as estimativas dos estudantes, em condições favoráveis – local aberto, em um dia quente – é possível obter de 2 a 3 litros de água limpa em um período de dois dias. O projeto visa atender aos moradores das regiões de clima seco em geral, que muitas vezes deixam seus locais de origem devido às condições naturais desfavoráveis à sobrevivência – além de também enfrentarem problemas com a falta de saneamento básico. “A água resultante da técnica será de ajuda significativa para as famílias que vivem em situações de escassez [de água] e abundância

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Sistema reaproveita água residuária e ajuda no combate à seca+(

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de energia solar. Como a utilização dessa água é bastante diversificada, várias atividades poderão ser restabelecidas e aprimoradas, resultando em melhor qualidade de vida para os sertanejos. O uso da água resultante da técnica auxiliará, também, na racionalização de água potável, a qual ficará restrita apenas à ingestão e/ou consumo direto do ser humano. Objetiva-se que a reutilização da água residuária amenize o êxodo rural e fixe melhor o agricultor no campo, onde este desempenha um papel muito importante”, planejaram os pesquisadores. O sistema de destilaçãoAssistindo a um documentário a respeito de sobrevivência no deserto, Larissa conheceu o experimento em que um biólogo fazia uma destilação de urina para obtenção de água consumível a partir de uma pequena estrutura rústica cavada no solo. A estudante logo relacionou a ideia à possibilidade de desenvolver um projeto para combater os efeitos da seca, perceptíveis a poucos quilômetros de sua cidade. “Como a taxa de saneamento básico nessas localidades atingidas pela seca são baixíssimas, pensei em destilar a água que era usada nas atividades domésticas para que ela fosse utilizada novamente”, conta a pesquisadora, que ganhou a companhia dos colegas Júnior e Laleska no trabalho. Inicialmente, eles reproduziram o experimento. A partir de uma quantidade aproximada de 5 litros de água limpa, após dois dias sob luz solar

intensa, obtiveram cerca de 2 litros de água. O êxito do teste motivou os estudantes a realizar uma ampla pesquisa bibliográfica. Em seguida, partiram para o estudo de campo,

planejando a estrutura do sistema. Como características do dispositivo, os pesquisadores elencaram pouca profundidade (para facilitar a escavação), dimensões favoráveis para armazenar relativa quantidade de água residuária e uso de materiais acessíveis. Entretanto, com as experiências de campo, essa estrutura seria incrementada. A primeira estrutura montada (um pouco menor e diferente da atual, com cerca de 90 cm de diâmetro e pouco mais de 25 cm de profundidade) perdeu muita água residual ainda na armazenagem, visto que, na impermeabilização, não foi utilizado um material contínuo, mas sim retalhos de sacolas plásticas fixadas no solo com gravetos, que se mostraram incapazes de reter a água.À época ainda sem possuir apoio financeiro, para tentar sanar o problema, os pesquisadores construíram duas barreiras simétricas a fim de fixarem duas sacolas pretas mais resistentes. Estas foram presas com pequenas estacas na parte exterior do sistema, diminuindo a perda de líquido. Além da construção das duas barreiras, os estudantes adicionaram ao sistema uma valeta com profundidade aproximada de 5 cm para auxiliar a fixação e a estabilização da tampa feita de plástico. As dimensões também foram alteradas – o sistema atingiu profundidade de 50 cm e diâmetro de 1,5 metros. Para tampar o sistema, utilizou-se uma lona preta com 2 metros de comprimento e de largura.

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O sistema desenvolvido pelos pesquisadores foi testado em residências de Juazeiro do Norte que sofrem com problemas relacionados a saneamento básico e à carência de gerenciamento de água

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A água retirada do sistema também foi usada pelos pesquisadores para o cultivo de uma horta

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Entretanto, com a obtenção de um apoio financeiro, Larissa, Júnior e Laleska puderam desenvolver uma tampa de plástico transparente, facilitando, assim, a condensação do vapor de água, pois a ausência de coloração permite que a luz solar atinja a água residuária diretamente, aquecendo-a com maior facilidade, ao mesmo tempo que impede que a tampa retenha grande quantidade de calor. Mais melhoriasOutra necessidade constatada pelos pesquisadores durante o desenvolvimento da estrutura foi a de inclinação da superfície da tampa, localizando-a sobre o recipiente coletor de água. “Tal angulação pode ser alcançada de várias maneiras: utilizando-se pedras, sacolas brancas contendo água ou até mesmo um funil. O uso de pedras é a maneira mais simples, porém, as sacolas plásticas com água auxiliam na diminuição da temperatura na tampa e, consequentemente, ajudam na condensação do vapor de água”, explicam os pesquisadores, destacando, também, que a alternativa de uso do funil influi bastante na quantidade de água que irá resultar do processo – o ducto menor do funil deve ser preenchido com algodão, tecido ou retalho permeável, pois assim, quando houver precipitação, a água da chuva entrará em contato com a água destilada somente após ter sido parcialmente filtrada. Os estudantes ainda construíram outra estrutura, montando-a sem as barreiras e com uma lona contínua, facilitando, dessa maneira, a alimentação do sistema por meio de uma encanação simples. Também foi instalada uma boia no final do encanamento a fim de se ter melhor controle e evitar que a água residual chegue em grande quantidade, invadindo o recipiente coletor. Nessa fase, os estudantes realizaram alterações

nas dimensões do sistema, que passaram a manter um padrão (circunferência maior: profundidade en-tre 40 e 55cm e largura [diâmetro] de cerca de 170 cm; e circunferência menor de 50 cm de profundidade e 40 cm de largura, sendo que este último valor depende do diâmetro do balde). Com todas essas melhorias, os pesquisadores passaram às análises quantitativas do

volume de água resultante, estabelecendo uma frequência com relação à quantidade de água retirada em determinados dias de coleta. O próprio líquido coletado destinou-se a experiências. Por exemplo, duas cebolas foram mergulhadas por 15 dias em águas distintas: uma cebola, submersa em água vinda das torneiras domiciliares, desenvolveu-se perfeitamente; a segunda, colocada em água recolhida da estrutura de destilação proposta, apresentou o mesmo desenvolvimento da primeira. Teste semelhante foi feito com grãos de feijão – com água natural e água do sistema sugerido – com ambos apresentando desempenhos semelhantes. Por fim, essa água serviu para o tratamento do adubo orgânico utilizado para enriquecer o solo onde se cultivou uma pequena horta (na qual também foi usada a água retirada do sistema). Análise qualitativaPor meio de análises laboratoriais, Adelaide, Laleska e Júnior buscaram a certificação da qualidade da água resultante do trabalho. Com o auxílio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Juazeiro do Norte, juntamente com o Grupo de Pesquisa em Química, Microbiologia e Saneamento Ambiental (Quimisam), ana-lisaram uma amostra de 2 litros de água retirada do sistema, constatando que, após tratamento convencional ou avançado, seria possível a utilização dessa água em atividades como o abastecimento para consumo humano, a irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; a pesca amadora; a recreação de contato e a dessedentação de animais.Implantação em residênciasA etapa mais recente do trabalho consistiu na aplicação do sistema em algumas residências. Com base nos dados da Prefeitura de Juazeiro do Norte, os pesquisadores escolheram um local que sofre com problemas relacionados

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Acima, a montagem do sistema; abaixo, o dispositivo já em funcionamento

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a saneamento básico e à carência de gerenciamento de água. No bairro Tiradentes, os estudantes entrevistaram a sra. Cida, fazendo-lhe perguntas sobre o consumo diário de água. Larissa, Laleska e Júnior ainda observaram o local de descarte da água, classificado como “inadequado e prejudicial à comunidade, pois serviria como vetor de doenças, por conta de sua localidade”. Com o auxílio do mestre de obras do IFCE - Juazeiro do Norte, sr. Luis, e de seu ajudante, sr. José, os estudantes implantaram o sistema na casa da sra. Cida.ConclusãoLarissa, Laleska e Júnior acreditam ter atingido os objetivos propostos no trabalho. Segundo eles, após passar pelo sistema, a água perde a maior parte de suas impurezas e pode ser reutilizada em atividades relacionadas à agricultura e ao cultivo de frutíferas e vegetais. O tratamento do adubo orgânico e a limpeza de casas são outras ações que poderiam fazer uso desse líquido resultante do projeto. Entretanto, eles fazem uma ressalva sobre o

uso da água originada do sistema. “É preciso salientar que essa água é inviável para fins diretos ligados ao organismo humano, pois, segundo o Ministério da Saúde, para que a água seja potável e adequada ao consumo humano, deve apresentar características microbiológicas, físicas, químicas e radioativas que atendam a um padrão de potabilidade estabelecido. Sendo assim, a água considerada potável passa por vários processos de purificação. Uma água já usada, mesmo tendo passado pelo processo de destilação, pode conter algumas substâncias impróprias ao organismo humano, não sendo aconselhável sua ingestão”, esclarecem. Os pesquisadores também não escondem o sonho de que o projeto possa ser aplicado em larga escala, ajudando a população em geral. “Confirmamos quão fácil a aplicação e quão grande pode ser a eficiência do sistema, podendo considerar que sua aplicação em maior escala nos levaria ao nosso objetivo principal, que não envolve apenas o bem-estar de uma só família, mas sim uma melhor qualidade de vida para toda uma população que sofre com a seca incessante e a escassez de água”, afirmam.

Sobre os pesquisadoresAlunas do Curso Técnico de Edificações do Instituto Federal do Ceará - Campus Juazeiro do Norte, Larissa e Laleska tinham em comum com Francisco Júnior, estudante de Eletrotécnica na mesma escola, o gosto pela ciência. Tanto que os três se uniram e levaram ao professor Ricardo Ferreira da Fonseca o sonho de participarem da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia). Ele aceitou orientá-los, mas deixou claro que seria necessário apresentarem um projeto consistente. “Isso nos despertou a olhar para além de nossas casas, para analisar as dificuldades dos outros, pensar no próximo e buscar soluções para ajudá-los”, explicam os pesquisadores. Com o projeto “Água renovada”, eles não só conseguiram participar da Febrace, como conquistaram cinco premiações na feira (incluindo o Prêmio Unesco de Inovação). Além disso, foram agraciados com o prêmio “Jovens Inventores”, do programa “Caldeirão do Huck”, da TV Globo. “A técnica que desenvolvemos permite que as pessoas que sofrem com a falta desse recurso possam restabelecer atividades prejudicadas pela escassez, promovendo melhor qualidade de vida. Surgiram algumas propostas para que

esse projeto fosse colocado no mercado, mas ele foi feito com materiais simples para que qualquer pessoa possa utilizá-lo”, explicam. Atualmente, Larissa cursa Medicina na Universidade Federal do Ceará, enquanto Júnior e Laleska estão no Ensino Médio integrado aos cursos técnicos de Eletrotécnica e de Edificações, respectivamente, no IFCE.

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Adelaide Laleska, Francisco e Larissa sonham que o projeto seja aplicado em larga

escala, ajudando a população em geral

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Macaíba é usada como suplemento alimentar no combate à desnutrição

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Ao lerem um artigo científico sobre a macaíba, escrito por Edvaldo Vieira da S. Júnior, aluno da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Elda Priscila da Silva Souza, Maria Aline Silva da Costa e Paloma Luíza de Souza França pensaram em utilizar o fruto no combate à desnutrição. Para tanto, as estudantes da Escola de Referência em Ensino Médio Maria Vieira Muliterno, em Abreu e Lima-PE, realizaram o trabalho de pré-iniciação científica “Acrocomia Intumescens - fruto demasiadamente rico que pode atuar como alternativa de suplemento alimentar: avaliação da eficácia do fruto no tratamento contra a desnutrição”. A pesquisa apontou que o fruto analisado apresenta uma composição rica em micro e macro nutrientes essenciais ao organismo humano, podendo ser utilizado para minimizar os problemas de desnutrição. No trabalho, além comprovarem essa eficácia, as três estudantes desenvolveram um questionário para avaliar o conhecimento da população de Abreu e Lima sobre os benefícios da macaíba e promoveram ações para incentivar as pessoas a consumir esse alimento. “Segundo nossas pesquisas e análises, a macaíba é uma alternativa de suplemento alimentar, apresentando alguns minerais em sua composição que podem auxiliar no tratamento da desnutrição. Com o seu alto teor nutricional, poderia substituir com facilidade suplementos alimentares que são

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mais caros”, afirmam as pesquisadoras, que traçaram como objetivo principal do projeto “divulgar para a população o valor nutricional da macaíba e demonstrar um meio mais saudável para completar a alimentação de uma forma mais econômica, trazendo vários benefícios para nossa saúde”. Desnutrição Desnutrição ou deficiências nutricionais são doenças que decorrem do aporte alimentar insuficiente em energia e nutrientes ou, ainda, do inadequado aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), quase 20 milhões de crianças menores de 5 anos em todo o mundo sofrem de desnutrição aguda grave (nesse caso, bebês e crianças não têm energia, proteína e micronutrientes suficientes na dieta, combinado com outros problemas de saúde, como infecções recorrentes). O diagnóstico da desnutrição se dá quando a circunferência da parte superior do braço é inferior a 115 milímetros ou quando a divisão matemática do peso pela altura resulta em um número extremamente pequeno. Sofrem de desnutrição os indivíduos cujos organismos manifestam sinais clínicos provenientes da inadequação quantitativa (energia) ou qualitativa (nutrientes) da dieta ou decorrentes de doenças que determinem o mau aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos.

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Na pesquisa, Elda, Paloma e Maria Aline buscaram

valorizar um fruto comum na região em que moram

e que é capaz de ajudar no combate à desnutrição

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Quanto aos graus de desnutrição, temos a de 1º grau ou leve (o percentual fica entre 10% e 25% abaixo do peso médio considerado normal para a idade); a de 2º grau ou moderada (o déficit situa-se entre 25% e 40%) e a de 3º grau ou grave (a perda do peso é igual ou superior a 40%). As crianças são mais sensíveis a problemas de desnutrição, pois apresentam necessidades alimentares relativamente maiores, tanto de energia como de proteínas, em relação aos demais membros da família. Entre as causas da desnutrição, podem ser citados o baixo conteúdo energético dos alimentos complementares utilizados e administrados de forma insuficiente; a indisponibilidade de alimentos devida à pobreza, à desigualdade social, à falta de terra para cultivar; as infecções virais, bacterianas e parasitárias repetidas, que podem reduzir a ingestão de nutrientes, sua absorção e utilização; a fome causada por secas ou outros desastres naturais; e as práticas inadequadas de cuidado infantil.Em geral, o combate à desnutrição se baseia em medidas como a adequação da dieta, a prevenção e o controle de doenças infecciosas; o estímulo ao desenvolvimento da criança e da educação para a saúde; o suporte para as famílias através das ações oferecidas nas unidades básicas de saúde. MacaíbaNa busca por novos métodos para auxiliar no combate à desnutrição, as três estudantes encontraram a Acrocomia intumescens. Essa fruta faz parte da família Arecaceae, representada por palmeiras espalhadas por diversas regiões do Brasil, das quais se podem aproveitar variados elementos. Na pesquisa, o foco esteve na polpa e na amêndoa da macaíba, pois essas partes possuem um alto valor nutricional, configurando uma alternativa de suplemento alimentar natural que pode substituir outros produtos industrializados e submetidos a processos químicos.

“A Acrocomia intumescens, por ser uma planta muito abundante na região nordeste (região que historicamente sofreu com problemas relacionados à desnutrição, apesar da queda recente dos índices de incidência da doença no local), se apresenta como uma possibilidade para auxiliar no combate a tal problema. Ela traz uma série de nutrientes necessários para o metabolismo fisiológico que, juntamente com uma alimentação saudável, podem suprir a falta de proteínas e minerais”, afirmam as pesquisadoras. “Por meio do projeto, espera-se mostrar para a sociedade um método econômico e saudável para se obter uma melhor alimentação. Assim, com o devido conhecimento das propriedades benéficas do fruto, a população terá um meio mais saudável e econômico de combater e até diminuir os índices de pessoas com desnutrição”, completaram. MetodologiaApós lerem um artigo sobre a ampliação da utilização da macaíba, Elda, Maria Aline e Paloma foram investigar a composição química do fruto. Em conversas com professores da área de nutrição, constataram que a bocaiúva (outro nome da macaíba) possui quantidades significativas de lipídios, carboidratos, proteínas, zinco, ferro, manganês, sódio, potássio e outros minerais. Depois de fazerem mais estudos em livros de botânica, as estudantes passaram à pesquisa de campo com a população de Abreu e Lima.

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Elas questionaram se as pessoas conheciam o fruto, bem como se sabiam utilizá-lo para fins variados. Nos dados obtidos pela pesquisa de campo, constatou-se que 100% dos entrevistados conheciam o fruto estudado, sendo que 71 % dessas pessoas não sabiam como utilizá-lo de uma maneira diversificada na culinária, o que acaba implicando em um baixo consumo da macaíba (46 %).Chamou atenção também o fato de 80% dos entrevistados considerarem que o fruto não sacia a fome, sendo apenas uma sobremesa. Porém, as estudantes destacam que 99% das pessoas que responderam ao questionário reconheceram que a macaíba pode ser uma alternativa de suplemento alimentar natural. Elda, Maria Aline e Paloma também verificaram que existe uma dificuldade maior em relação ao encontro do fruto na zona urbana. Análise físico-químicaPara a análise físico-química, as estudantes contaram com a ajuda do biólogo/nutricionista Edvaldo Vieira da Silva Junior. Pela avaliação dos ácidos graxos (feita por meio de cromatografia gasosa, na qual se realiza a separação de compostos que podem ser vaporizados sem

decomposição), verificou-se a predominância de insaturados na polpa e saturados na amêndoa, levando as estudantes a concluir que o consumo da polpa é vantajoso na alimentação humana.

Quanto ao teor de minerais, constataram que a polpa da macaíba pode ser classificada como rica em cobre [elemento importante para o crescimento e desenvolvimento do indivíduo] para crianças e como fonte para adultos de qualquer idade, proporcionando 71 e 27% da IDR (Ingestão Diária Recomendada) de referência, respectivamente. A Acrocomia intumescens apresentou, também, sete dos 12 aminoácidos chamados essenciais (isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina e valina). “Baseada na composição cromatográfica, nota-se que a macaíba possui aminoácidos essenciais e minerais como zinco, cálcio, ferro, manganês, magnésio, potássio. Isso lhe faz um fruto rico em substâncias necessárias ao nosso organismo. Dessa forma, atua como uma alternativa de suplemento alimentar,

Após a análise físico-química da composição do fruto, as

pesquisadoras realizaram ações para divulgar os benefícios

da macaíba para a população de Abreu e Lima-PE

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Segundo a pesquisa, a macaíba apresenta uma composição rica em micro e macro nutrientes essenciais ao organismo humano, podendo ser utilizada para minimizar os problemas de desnutrição

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Sobre as pesquisadorasO projeto de Elda, Maria Aline e Paloma parte da simples premissa de valorizar um fruto comum na região em que moram e que é capaz de ajudar no combate a um grave problema: a desnutrição. Orientadas pela professora Albertina Dutra de Alcântara, elas conseguiram desenvolver uma pesquisa que angariou importantes premiações, incluindo um 4º lugar na categoria saúde da Febrace. “O projeto que desenvolvemos pode auxiliar na problemática da desnutrição, principalmente em crianças numa faixa etária de até 5 anos de idade, na qual a desnutrição do 1° grau é mais comum”, explicam as pesquisadoras, que planejam a fabricação de produtos como farinha e biscoito tipo cookie feitos a partir da macaíba. Além disso, elas estudam a possibilidade de aplicar a macaíba na merenda de algumas escolas e creches do município de Abreu e Lima.

Atualmente, as três pesquisadoras estão na 3ª série do Ensino Médio em horário integral e já planejam suas carreiras profissionais: Elda quer fazer Farmácia, enquanto Maria Aline pretende trabalhar com Química Industrial e Paloma se interessa pela área de Ciências Biológicas.

Paloma (à esq.) pretende atuar na área de Ciências Biológicas; Maria Aline (centro) quer

trabalhar com Química Industrial, enquanto Elda faz planos para cursar Farmácia

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sendo fundamental nos casos de desnutrição, principalmente nos casos de 1º grau, que são os mais comuns na sociedade”, afirmam as pesquisadoras. Por meio de estudos e análises, as estudantes ainda chegaram à conclusão de que a macaíba possui quatro tipos de suplemento alimentar (hipercalórico, proteico, polivitamínico e antioxidante). “Além disso, verificou-se a presença de betacaroteno (o que justifica seu pigmento alaranjado), um antioxidante que ajuda na eliminação de radicais livres. O betacaroteno, quando transformado em vitamina A em nosso organismo, auxilia na formação de melanina, pigmento responsável por proteger a pele dos raios ultravioletas e de radiações solares indesejáveis, podendo evitar um câncer de pele”, destacam as pesquisadoras, que recomendam o uso da macaíba para o preparo de merenda escolar e para atender a populações sem acesso a proteínas de origem animal. “Assim, o desenvolvimento de produtos feitos à base do fruto em larga escala torna-se uma

alternativa viável em regiões onde a macaíba é facilmente encontrada, incentivando o consumo de alimentos mais saudáveis do ponto de vista nutricional, mais palatáveis e que valorizem recursos naturais”, afirmam. DivulgaçãoPara difundir os benefícios da macaíba, as pesquisadoras organizaram palestras com a comunidade residente nas proximidades da escola em que estudam. Nessas atividades, elas explicaram para os ouvintes (nutricionistas, pais e alunos) a importância de cada mineral presente na composição química do fruto para nosso organismo. Aproveitando os encontros, Elda, Maria Aline e Paloma orientaram o público presente sobre a elaboração de pratos culinários utilizando a macaíba como ingrediente principal. Nessa mesma linha, as estudantes criaram um livro de receitas, no qual, inclusive, se encontram recomendações para a produção de uma farinha a partir da macaíba, além de informações sobre os valores nutricionais do alimento.

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Tecido com princípio ativo de boldo diminui alastramento de fogo

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Foi meio por “acidente” que Bruno Galbiati, Isabela Cavalcanti Queriquelli e Karine Christine Ribeiro, então alunos da E. E. Professora Suely Maria Cação Ambiel Batista, de Indaiatuba-SP, encontraram o tema para seu trabalho de pré-iniciação científica. Eles tinham a ideia inicial de criar um novo tipo de combustível a partir de uma substância altamente inflamável expelida pela flor do boldo (Coleus barbatus). Apesar de não terem obtido sucesso na primeira tentativa, durante as experiências, eles perceberam que a flor do boldo quase não sofria danos quando entrava em contato com as chamas. “Questionamos, então, se seria possível extrair a substância que resiste ao fogo e aplicá-la em outros materiais”, explicam os estudantes, que desenvolveram, assim, o projeto “Proteja-se contra o fogo de forma econômica e sustentável”, voltado, principalmente, para a prevenção/contenção de incêndios. O trabalho consiste na produção de misturas – macerado do boldo e óleo da flor do boldo – que são aplicadas em tecidos e em crinas de cavalo e cabelos em geral, respectivamente, para conter o alastramento do fogo em casos de incêndio. Inicialmente, planejou-se a aplicação do macerado (solução resultante da maceração – operação física de retirada de substâncias

de certa planta – que contém o princípio ativo extraído da planta) do boldo em tecidos, pois a substância, segundo os estudantes, é capaz de reduzir a combustão quando em contato com o fogo, possibilitando a diminuição de seu alastramento e, consequentemente, potencializando a proteção para o indivíduo em caso de incêndios. “Considerando esses fatos, criamos um tecido à base da maceração do boldo que contribui para evitar o alastramento de chamas. E, por ser baseado em uma planta de fácil cultivo no Brasil, esse material torna-se viável pelo ponto de vista econômico e sustentável”, argumentam Bruno, Isabela e Karine. No relatório de pesquisa, os estudantes apontam que, nos EUA, por exemplo, morreram em média 40 mil pessoas nos últimos dez anos devido a lesões geradas por incêndios. Os planos dos pesquisadores para diminuir os problemas causados por acidentes com fogo – que ocorrem no dia a dia tanto em residências quanto em locais de trabalho – envolvem, além de tecidos, a proteção de fios de cabelo. Eles também já desenvolvem testes para verificar a possibilidade de utilizar materiais como bicarbonato de sódio e ovos para criar um composto aplicável em espumas e estofados e, assim, evitar o alastramento de incêndios.

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Testes e resultadosUtilizando o boldo (Coleus barbatus, uma planta da família Lamiaceae, que se adapta muito bem em todo o território brasileiro), os pesquisadores partiram para os primeiros testes. Resultante da destilação das flores do boldo, uma substância alaranjada não solúvel em água foi aplicada em amostras de crina de cavalo. Estas foram expostas às chamas diretas de um maçarico por 15 segundos. Para efeito de comparação, amostras que não receberam nenhuma substância passaram pelo mesmo procedimento. “No teste da destilação das flores aplicada em crina, observamos que a crina que não foi mergulhada na substância acabou sendo completamente consumida pelas chamas. Por outro lado, a que possuía a substância alaranjada ficou solidificada, e, após ser lavada com água, notamos que ela havia sofrido apenas danos superficiais”, explicam os pesquisadores. Motivados pelos ótimos resultados obtidos com crinas de cavalo, os pesquisadores partiram para testes com outros materiais. Contudo, devido à dificuldade de encontrar flores de boldo, o teste de destilação foi realizado com folhas e caules da planta; também se fez a maceração (operação física de extrair substâncias de certa planta), em que não foi preciso adicionar álcool nem aquecer a solução para obter o princípio ativo puro semelhante ao extraído por meio da

destilação. Para a maceração, realizaram-se dois experimentos: o da maceração somente das folhas e o da maceração das folhas e caules. Em ambos, os estudantes colocaram a matéria-prima em um almofariz e a maceraram com o auxílio de um pistilo (pilão) – o líquido extraído pela maceração foi usado em amostras de tecidos para verificar o grau de proteção contra o fogo.Da destilação e da maceração resultaram, respectivamente, um líquido avermelhado e outro esverdeado. Neles foram submersas amostras de tecidos como elastano, poliéster, malha, oxford e 100% algodão cru. Em seguida, foram feitos testes para verificar se o tempo que o material ficava submergido poderia interferir no grau de proteção contra alastramento de chamas. Os testes foram de 10 minutos, 20 horas e quatro dias submersos. Após o tempo de submersão de cada um, os tecidos foram colocados para secar em condições normais de temperatura e pressão (CNTP). Com a secagem total, obtida em média após 24 horas, os pesquisadores realizaram testes de chamas – todos ao mesmo tempo e com a mesma chama. O período padrão a que os tecidos foram submetidos ao contato direto com as chamas foi de 15 segundos.Segundo os pesquisadores, entre o teste de destilação de folhas e caules, o de maceração de folhas e o de maceração de folhas e caules,

o que obteve melhor nível de proteção foi o de maceração de folhas e caules. Em relação aos tipos de tecido, o 100% algodão cru

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Pesquisadores realizaram destilações para obter as substâncias voltadas à contenção do alastramento de fogo. Nas fotos, a destilação das flores (à esq.) e das folhas do boldo (à dir.)

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conseguiu o resultado mais satisfatório. Já na questão do tempo de submersão dos tecidos, os estudantes concluíram que não há diferença se eles são afundados por dez minutos, 20 horas ou quatro dias, pois em todos os casos tiveram o mesmo grau de proteção.De qualquer forma, ficou evidente a eficácia do uso do boldo para a proteção do tecido. “O tecido com o boldo foi submetido às chamas por 35 segundos, e o que não possuía o preparado da maceração pôde ficar em contato com o fogo por apenas 20 segundos, pois as chamas se alastraram e o fogo teve de ser contido”, apontaram os pesquisadores. Clareamento, múltiplas lavagens e caráter alcalinoVisando melhorar as características estéticas dos tecidos que passaram pelo tratamento com boldo, os pesquisadores tentaram clareá-los por meio da submersão em peróxido de hidrogênio por 24 horas. Entretanto, por não possuírem um fixador, o efeito da substância do boldo foi anulado e o tecido pegou fogo.Para saberem se os tecidos ainda manteriam a propriedade de conter o fogo mesmo

depois de serem lavados diversas vezes, os pesquisadores banharam os panos de diferentes formas: com água sanitária, com sabão neutro e com água pura. Os testes foram feitos da seguinte forma: das nove amostras de cada tecido disponíveis para o experimento, três foram lavadas apenas uma vez; outras três, duas vezes, e as últimas três passaram por três lavagens. “Com os resultados obtidos após lavarmos os tecidos, tanto com água pura quanto com sabão neutro e água sanitária, percebemos que é necessário estabelecer um fixador da maceração do boldo para que o tecido não perca sua capacidade de diminuir o alastramento de chamas”, observaram. Investigando os motivos pelos quais o macerado do boldo era capaz de conter o alastramento do fogo – e considerando que o nível de pH do boldo é, em média, 8,0 –, os pesquisadores resolveram estudar outras substâncias alcalinas para descobrir se a proteção tem relação com o pH. Assim, os tecidos foram submersos em hidróxido de sódio, leite de magnésia e hidróxido de cálcio por 24 horas. Em seguida, após secarem, passaram pelo teste de chamas, donde o hidróxido de sódio obteve o melhor resultado – ainda que o leite de magnésia e o hidróxido de cálcio também tenham apresentado desempenhos significativos.

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Maceração das folhas e caules do boldo (à esq.); ao lado, a

pesquisadora Karine apresenta o líquido extraído por meio desse processo

Os pesquisadores Bruno e Isabela colhendo boldo para experiências

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Sobre os pesquisadoresO estudante Bruno Galbiati conta que, quando criança, ateou fogo acidentalmente em uma flor de boldo e percebeu que ela liberava uma substância altamente inflamável. Anos depois, quando teve a oportunidade de criar um projeto para I Feira de Ciências das Escolas de Ensino Integral, ele decidiu desenvolver, juntamente com Isabela Cavalcanti Queriquelli e Karine Christine Ribeiro, um combustível alternativo a partir do boldo. Entretanto, acabou fazendo um trabalho quase oposto à proposta original: um retardante de chamas. A pesquisa “Proteja-se contra o fogo de forma econômica e sustentável” obteve êxito e possibilitou aos estudantes participar da MOP (Mostra Paulista de Ciências e

Engenharia) 2013 e da Febrace 2014, na qual receberam um certificado de reconhecimento da Ricoh Sustainable Development Award. “As substâncias utilizadas na fabricação dos produtos de proteção contra incêndio desenvolvidos neste trabalho, além de serem bem acessíveis e econômicas, são mais eficazes do que alguns tipos de retardantes de chamas que circulam no mercado atualmente”, afirmam os estudantes como justificativa para o bom desempenho do projeto, ao qual pretendem dar continuidade até que o produto esteja apto a ser comercializado. O projeto teve a orientação da professora Eliane Della Torre Honorato e coorientação da profa. Rosimeire Denny de Melo.

Atualmente, todos os integrantes do grupo trabalham e estudam. Bruno faz um curso técnico em Nutrição e Dietética e pretende entrar em uma faculdade de Química em 2015. Já Karine estuda Farmácia, enquanto Isabela cursa Psicologia. “Continuamos desenvolvendo o projeto, porém, em um ritmo mais lento devido aos trabalhos e estudos”, explicam.

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Pesquisadores exibem o certificado da Ricoh Sustainable Development Award, conquistado na Febrace 2014

Conclusão Diante dos testes realizados, os pesquisadores concluíram que as melhores opções para conter o alastramento de incêndios são o óleo da flor do boldo, para crinas e cabelos em geral, e a maceração do boldo para tecidos. “Utilizando um produto que demanda baixo custo de fabricação e facilidade de produção, o país também se beneficia economicamente, já que é possível observar que, só nos EUA, foram gastos, apenas em 2012, mais de US$ 12 milhões com os prejuízos decorrentes de incêndios, segundo relatório divulgado no site do Departamento de Administração de Incêndio dos Estados Unidos (USFA). Essa alternativa no controle de combustão poderá tanto reduzir o número de mortos ou lesionados devido aos incêndios, quanto diminuir a verba que é direcionada às construções de novas casas, prédios e ajuda às vítimas”, completam.

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Comparação entre tecidos após teste de chamas: o tecido bege possui boldo, enquanto o branco, não; ambos ficaram expostos às chamas pelo mesmo tempo

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Trabalho investiga propriedade cicatrizante de pomada de embaúba

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A embaúba (Cecropia glaziovii snethl), planta endêmica no Brasil e dotada de diversas propriedades medicinais, foi o assunto da pesquisa de pré-iniciação científica da estudante Camila Agone, da Escola Estadual Jardim Riviera, de Santo André-SP. Em “A produção de uma pomada com propriedade cicatrizante a partir da embaúba” (gênero Cecropia), Camila procurou investigar os possíveis benefícios cicatrizantes que a pomada extraída da embaúba pode fornecer ao ser humano. Graças a uma parceria com a Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Camila conseguiu produzir a pomada. Entretanto, ainda é necessária a realização de testes de extrema importância para que se comprovem a eficácia cicatrizante da planta e as hipóteses gerais do trabalho. “Atualmente, estou com uma parceria com a Unifesp de Diadema. Estamos desenvolvendo os testes necessários para comprovar a eficácia da planta”, explica Camila. A embaúba é habitualmente encontrada na Mata Atlântica e apresenta como maior dificuldade para sua extração a altura (a planta pode ultrapassar 5 metros). Entre suas propriedades medicinais estão a cardiotônica,

a diurética, a hipotensora, a sedativa, a analgésica, a adstringente e a cicatrizante, entre outras. Em seu relatório, porém, Camila destaca que a embaúba é pouco conhecida pelas pessoas. Assim, um dos objetivos do trabalho também foi apresentar a planta à população. “A embaúba não é uma planta muito pesquisada. A partir da hipótese de que ela apresenta inúmeras propriedades medicinais, busquei estudá-la e verificar especialmente se uma de suas propriedades, a cicatrizante, é realmente verídica”, diz a estudante. Processo de produção da pomadaEm sua metodologia, Camila adotou os testes da água e das cinzas, que, segundo ela, são básicos para produção e pesquisa de um fármaco. “A umidade é um dos principais fatores causadores de alterações em medicamentos. A despeito do fato de que a água é o solvente de primeira opção em qualquer processo de solubilização, também se trata de um meio natural para reações de hidrólise. Já o teste de cinzas insolúveis resulta da fervura e carbonização e garante que não há adulteração [da pomada]”, explicou a estudante.

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Assim, sob o intermédio da professora Andrea Ruggiero, da FMABC, Camila, inicialmente, realizou a trituração da folha de embaúba. Para tanto, a folha foi colocada para secar em uma câmara por 48 horas em uma temperatura de 50 °C. Em seguida, cobriu-se o vegetal com jornal e papelão, sobre os quais foi colocado um peso para realizar a planificação. Já planificada, a folha foi inserida em um liquidificador e, logo após, em um moinho. Nesse processo de trituração, as células se rompem, gerando um forte odor. A etapa seguinte consistiu no teste da água: nesse experimento, a amostra de embaúba triturada perdeu água por dessecação (processo de extrema secagem) em uma estufa. O objetivo foi determinar a quantidade de substância volátil de qualquer natureza eliminada. Colocou-se 2,012 g da amostra de embaúba triturada em forma de um pó fino em um pesa-filtro vazio de 86,819 g, somando-se 88,832 g. Após essa pesagem, a amostra foi levada a uma estufa à temperatura de 105°C por 8 horas. Na sequência, a pesquisadora arrefeceu a amostra à temperatura ambiente e pesou-a novamente, chegando ao resultado de 88,662 g. A diferença entre o peso inicial do sistema (pesa-filtro com o pó) e o peso após a dessecação foi de 0,17. Subtraindo esse valor do peso inicial da amostra de embaúba (2,012 g), chegou-se ao número de 1,842 para o peso da amostra final da planta. Este, aplicado a determinada equação (PI – PF. 100 / PI), gerou a porcentagem de 8,4%. Teste de cinzasNo teste de cinzas, pesaram-se 3,022g do pó obtido a partir da folha da embaúba, levadas, em seguida, para um cadinho de porcelana de 51,649g, obtendo-se o valor total de 54,670g. Após uma incineração a 500°C, restaram 51,845g. Logo, calculando-se a diferença entre o peso final do conjunto amostra/cadinho e o peso do cadinho de porcelana isolado, obteve-

se 0,196g (esse número, que seria a sobra das cinzas, representa 6,5% em relação à amostra inicial de pó). Já no preparo da tintura a ser usada na produção da pomada, 100g do pó da folha triturada anteriormente foram colocadas em um filtro dentro do percolador químico, recebendo o acréscimo de álcool 96. A intenção foi produzir 1 litro de tintura com essas 100g de amostra. Preparo da pomadaPara o preparo da pomada, 140g de vaselina foram repartidas igualmente em duas placas de Petri. Em um gral de vidro, colocaram-se 60g de lanolina, as quais receberam, aos poucos, a tintura da embaúba. À lanolina e à tintura no gral de vidro foi acrescentada, em dois momentos, a vaselina. Em seguida, Camila fez uma diluição geométrica (método para assegurar que pequenas quantidades de pó sejam distribuídas uniformemente em uma mistura) até chegar a uma cor única. “É importante ressaltar que a mistura começou em um gral de vidro com o pistilo e que, como a quantidade foi aumentando, o término da mistura se deu em uma placa de granito, com espátulas. Por último, a mistura foi transferida para a embalagem”, explicou Camila. Próximos passosSegundo a pesquisadora, considerando os testes realizados até agora, não é possível comprovar a atuação da propriedade cicatrizante da pomada. Após trabalhar a identificação das espécies e suas características – como existem diversas espécies de embaúba dentro do gênero Cecropia e algumas delas não

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Após desenvolver a pomada, Camila fará testes para

comprovar a eficácia cicatrizante da embaúba

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apresentam as propriedades buscadas no estudo, foi necessário identificá-las e saber quais continham essas propriedades –, Camila vem buscando parcerias para fazer os experimentos necessários. “O próximo passo será efetuar os testes (como o quantitativo de presença de propriedades químicas e medicinais) para comprovar as propriedades cicatrizantes presentes na pomada, bem como realizar mais pesquisas sobre a ação da embaúba em doenças como o diabetes, a hipertensão arterial e o mal de Parkinson, pois, na literatura, é possível encontrar

Acima, a pesquisadora realizando experimentos; ao lado, o preparo da pomada

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Sobre a pesquisadoraQuando se deparou com a disciplina eletiva de Pré-iniciação Científica na 1ª série do Ensino Médio, Camila Agone decidiu que iria desenvolver um projeto na área de botânica. Mais especificamente, quis trabalhar com uma planta medicinal. “O Brasil tem uma flora imensa e extremamente diversificada que, infelizmente,

não é pesquisada. Dessa maneira, fiz uma análise da região onde moro e vi as plantas de maior incidência, endêmicas do local, e que poderiam ser usadas para um fim medicinal. Assim, cheguei à embaúba, que desde o início despertou meu interesse”, relata Camila, que foi orientada na pesquisa pela professora Lia Flávia Araujo Santos e coorientada pela

professora Rute Correia Scardua.Mesmo que a pesquisa ainda não tenha apresentado resultados concretos quanto ao efeito cicatrizante da pomada, Camila já participou das feiras de pré-iniciação científica Inicien e Febrace. A estudante segue realizando os experimentos enquanto cursa a 3ª série do Ensino Médio e se prepara para prestar o vestibular para o curso de Farmácia.

Camila segue realizando os experimentos enquanto cursa a 3ª série do Ensino Médio e se prepara para prestar o vestibular para o curso de FarmáciaA

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indicações de possíveis tratamentos com a planta – no diabetes e na hipertensão, ela atuaria como reguladora da glicose e da pressão arterial, respectivamente”, afirma.

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Por Rubem Saldanha*

Quando o erro e a dúvida são nossos aliados

Uma folha trêmula na mão é o único indício de nervosismo daquela dupla parada no meio de centenas de stands. Ao redor deles, uma confusão de diferentes línguas sendo faladas, uma profusão de cores de bandeiras vindas dos mais remotos cantos do mundo. A data era maio de 2013 e o lugar, a ensolarada Phoenix, no estado norte-americano do Arizona. Apesar de toda confusão ao redor, nada abalava a confiança daqueles dois jovens que, estando naquele ambiente mágico pela primeira vez, tinham atitude de veteranos. Não só pelo fato de que o projeto de iniciação científica que iriam apresentar era muito bom, mas, principalmente, porque haviam treinado incontáveis vezes em frente ao espelho e para pessoas experientes que lhes deram dicas preciosas: “Mostrem confiança”, disse um especialista. “Olhem sempre nos olhos e não titubeiem ao falar”, completava outro.Camisa engomada, gravata, apesar de incômoda, ajeitada, e lá estavam eles prontos, esperando os juízes passarem para que eles pudessem descrever no inglês bem treinado todos os passos, todas as hipóteses levantadas, todo o caminho percorrido na pesquisa. A cada instante, eles relembravam mentalmente as dicas dadas: “Apertem a mão com firmeza para demonstrar segurança ao cumprimentar os juízes”. “Usem os gráficos para explicar os passos”, “agradeçam pela pergunta”, “mostrem os passos da pesquisa numa sequência lógica”, etc. etc. etc. Chegando ao final da apresentação praticamente perfeita de tão bem treinada, veio uma questão pela qual eles não estavam esperando. Um dos juízes perguntou-lhes qual foi o momento do projeto em que eles tiveram a maior discordância sobre o rumo que a pesquisa deveria seguir. Eles olharam um para o outro, pensaram por dois segundos, lembraram que precisavam passar segurança acima de tudo e não pensaram duas vezes. “Não houve nenhum momento em que não concordamos durante a pesquisa”.

Os juízes olharam uns para os outros, agradeceram a apresentação, elogiaram imensamente o trabalho e terminaram a avaliação.Os jovens saíram certos de que passaram no teste e demonstraram a confiança necessária para ganhar altas notas; já os juízes ficaram certos de que um projeto tão bom não poderia ter se desenvolvido sem nenhum tipo de discordância entre os pesquisadores sobre os rumos do trabalho.Obviamente, os jovens tiveram momentos de discordância, mas, como foram “treinados” para demonstrar confiança, acharam que descrever isso para os juízes demonstraria fraqueza. Mal sabiam eles que é exatamente esse tipo de atitude que diferencia os verdadeiros pesquisadores daqueles que estão ali somente para tentar ganhar a “competição”. Quando estamos falando em pesquisa científica, não há somente certezas. Você pode começar um projeto de pesquisa com mil dúvidas, e terminar com mil e uma, algumas iguais e outras diferentes. Você pode iniciar com uma questão e, no meio do caminho, mudar completamente o seu foco por conta de descobertas que aconteceram durante o percurso e que se mostraram mais interessantes. E se na hora da sua apresentação você achar que é mais interessante descrever um caminho reto do ponto A até o ponto B, em vez de todas as idas e vindas geradas pelos erros que cometeu, você estará deixando de mostrar algumas das maiores qualidades de um cientista: resiliência, capacidade de recomeçar por conta de uma nova descoberta ou por conta de um erro e, principalmente, os momentos de dúvidas que o fizeram discordar dos colegas e do seu orientador e as discussões que surgiram por causa disso.

*Gerente de Educação da Intel Brasil

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Molécula prostaglandina pode dificultar ação de células que atuam contra o câncer

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Estima-se, atualmente, que o câncer seja a segunda maior causa de óbitos na população brasileira, representando 15,5% do total de mortes. Até 2020, 500 mil novos casos de câncer deverão surgir no Brasil. Além disso, previsões indicam que, até 2030, 17 milhões de pessoas morrerão acometidas dessa doença. Diante desse cenário, cercado por estatísticas importantes, e motivada pela vontade de descobrir como células cancerígenas conseguem burlar o sistema de defesa de um organismo e criar um microambiente completamente favorável à sua disseminação, Giulia Maria Ramella, aluna da 2ª série do Ensino Médio e do programa Cientista Aprendiz do Colégio Dante Alighieri, desenvolveu o trabalho “Busca por novos alvos terapêuticos no combate ao câncer: modulação do FASL por Prostaglandina E2 em linfócitos”. O câncer é uma doença causada pela mutação genética em células normais, que passam a se comportar diferentemente do restante das células, realizando diversas façanhas que favoreçam sua sobrevivência, como: proliferarem-se descontroladamente, invadirem tecidos vizinhos, escaparem do sistema imune (sistema de defesa do nosso organismo), desenvolverem seus próprios vasos sanguíneos, disseminarem-

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se pelo organismo (metástase) e adquirirem resistência à apoptose (morte celular programada). Tratamento existe, porém, é inespecífico e traz diversos efeitos colaterais para o paciente.Pensando nessas características, Giulia optou por estudar o sistema imune humano e seus componentes. “Estudar as principais células relacionadas ao combate de tumores e outras moléculas incluídas nesse processo poderia ser uma maneira de compreender melhor o funcionamento do tumor, a resposta imune que ele desencadeia, entender como células malignas são capazes de escapar do sistema imune e o mecanismo do qual células de defesa usufruem para realizar suas ações efetoras de maneira eficaz”, explica a pesquisadora. No futuro, o trabalho da estudante pode trazer novos alvos terapêuticos. “A importância do meu trabalho é buscar novos alvos no combate ao câncer, com o futuro intuito de contribuir para a formação de tratamentos mais específicos, mais direcionados e que se baseiem na potencialidade do nosso sistema imune. Isso poderia contribuir para a diminuição de efeitos colaterais gerados atualmente nos pacientes tratados, melhorando o quadro geral de saúde deles.”

Carolina Lavini Ramos

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À esquerda, Giulia fazendo o cultivo celular; à direita, a

pesquisadora realizando uma etapa do experimento de western blot

Sobre a pesquisaEstudos mostraram que células cancerígenas produzem uma molécula chamada prostaglandina E2(PGE2), um mediador lipídico relacionado a inúmeros processos no nosso organismo, entre os quais processos inflamatórios e modulação da resposta imune [sistema imune é o sistema de defesa do nosso organismo que combate infeções e mantém a homeostase (o equilíbrio do organismo)]. Já foi demonstrado também que a PGE2 produzida pelas células tumorais favorece a sobrevivência do tumor, pois interfere na função efetora de células muito específicas do nosso sistema de defesa, as chamadas matadoras naturais ou NK (do inglês, natural kiler), que são um dos principais agentes que combatem o câncer.Além disso, a PGE2 é capaz de interferir na ação de outras células do sistema de defesa, como os linfócitos TCD4, mudando a expressão de uma molécula chamada FASL na superfície dessa célula. Isso teria como resultado a diminuição de um processo de morte celular programada chamado apoptose. A hipótese de Giulia é a de que a prostaglandina E2 (PGE2), assim como em linfócitos TCD4, seja capaz de inibir a expressão de FASL na superfície das células NK, podendo configurar, assim, mais um mecanismo de escape tumoral – ou seja, a célula não é combatida pelo sistema imune –, já que a PGE2 é secretada, nesse contexto, por células tumorais. Além disso, outras moléculas podem estar relacionadas a esse mecanismo, diminuindo o FASL em outro tipo celular e, provavelmente, também em células NK.Assim, o objetivo do trabalho foi verificar qual o mecanismo de ação da PGE2, baseando-se no fato de que uma das formas de atividade das células NK, que levam a célula tumoral à morte, é o contato direto entre duas moléculas: FASL e seu receptor FAS (como se fosse o modelo de uma chave (FASL) encaixando na sua fechadura (FAS)), levando à morte por apoptose da célula-alvo. Metodologia e resultadosPreviamente ao tratamento, a aluna realizou a caracterização celular, que tem como intuito verificar a presença de receptores EP2 e EP4 (como se fossem as fechaduras para a molécula PGE2) através de uma técnica chamada western blot. Ela

constatou a presença dos dois receptores mais relacionados ao processo de morte celular, que seria estudado mais adiante.Sabendo-se que a PGE2 podia ligar-se às células em questão, a aluna deu prosseguimento aos experimentos. Ela queria identificar quais outros mediadores lipídicos são capazes de reduzir a morte por AICD (do inglês, activated induced cell death, uma indução artificial para causar a morte da célula) em um tipo de linfócitos TCD4. Tal ideia seria importante, pois, ao reduzirem esse tipo de morte, essas outras moléculas poderiam estar reduzindo o FASL na superfície dos linfócitos TCD4, e, consequentemente, estar associadas ao mesmo mecanismo da PGE2. A técnica aí aplicada foi a citometria de fluxo, que permite a detecção de proteínas existentes na superfície ou no interior de cada célula por meio de reagentes marcados com um fluorófulo.Os resultados confirmaram o potencial significativo da molécula de prostaglandina E2 de redução da morte induzida. Esses mesmos dados foram obtidos após o tratamento com dmPGE2, uma análoga da prostaglandina E2, o que ressalta o potencial de proteção da morte por AICD, já que são moléculas similares, possuindo apenas pequenas alterações em suas estruturas. Além disso, outras moléculas testadas, como leucotrieno B4 e prostaglandina D2, apresentaram uma tendência significativa da redução de morte por AICD. Desse modo, conclui-se que as moléculas que apresentam um potencial de redução de morte induzida (AICD) são a PGD2 e LTB4, fato a favor da hipótese de que essas moléculas auxiliam a PGE2. Em outras palavras, elas protegem as células da morte induzida (AICD). Perspectivas futurasO trabalho está em andamento e ainda há muito a ser feito. De todo modo, a partir dos

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Sobre a pesquisadoraInteressada por biologia desde pequena, Giulia Ramella diz que a vontade de fazer ciência aflorou efetivamente no 8º ano do Ensino Fundamental, no Colégio Dante Alighieri, quando ouviu a professora Sandra Tonidandel falar sobre o programa Cientista Aprendiz. “Nesse dia, vi que era possível buscar soluções inovadoras para diversos problemas intrigantes e de alto impacto na sociedade. Isso me deixou muito animada”, explica. Segundo Giulia, a ideia do seu projeto demorou bastante para ser bem formulada: “Desde o início queria trabalhar com câncer, por ser um tema de grande magnitude. Pode parecer meio clichê, mas queria de verdade poder ajudar de alguma forma os pacientes que sofrem tanto com o tratamento. Além de ser muito comum (meu avô foi acometido por essa doença), acredito que é uma área muito desafiadora,

cheia de novas propostas e soluções criativas.” O projeto de Giulia inova ao estudar a relação entre as moléculas da família das prostaglandinas e sua ação nas células de defesa. “Meu projeto estuda um mecanismo extremamente específico, ainda não desvendado, de ação da PGE2 em células natural killer e busca novas ações de mediadores lipídicos relacionadas ao controle de morte celular em linfócitos auxiliares.”Pela pesquisa, a aluna já ganhou cinco prêmios: dois na feira interna do Dante; 4º lugar em Ciências Biológicas na Mostra Paulista de Ciências e Engenharia (MOP); 3º lugar em Ciências Biológicas na Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (Febrace) e uma medalha de prata em Biodiversity na Genius Olympiad (EUA). Orientada pela professora do Colégio

Dante Alighieri Carolina Lavini Ramos [e coorientada pela professora Sandra Rudella Tonidandel], a pesquisa é desenvolvida, na prática, três vezes por semana no Laboratório de Biologia Celular e Molecular da USP (dirigido pelo prof. dr. Gustavo Amarante Mendes), sob a supervisão da dra. e pesquisadora Luciana Medina, o que estimula Giulia a pensar em prestar Biologia ou Biomedicina: “Quero cursar alguma área relacionada ao meu projeto”, diz Giulia, que pretende finalizar a pesquisa até a metade de 2015.

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Giulia apresentou seu trabalho em feiras de ciências nacionais, como a Febrace, e internacionais, como a Genius Olympiad, nos EUA

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primeiros resultados, o futuro tratamento das células com prostaglandina E2 e o restante das experimentações da pesquisa (verificação da expressão basal de FAS e FASL) já poderão ser efetuados, visto que a prostaglandina

em questão será capaz de atuar em níveis intracelulares, por meio dos respectivos receptores. Pretende-se ainda executar um ensaio na presença e na ausência de PGE2 para a posterior análise da influência dessa molécula no potencial de ação de células NK através de seus dois principais mecanismos efetores (FASL e grânulos citotóxicos). Paralelamente a esse objetivo, planeja-se repetir o tratamento com PGJ2 e PGF2α e averiguar o percentual de morte celular pós-indução de AICD através de citometria de fluxo. Além disso, a pesquisadora continuará testando novas prostaglandinas e leucotrienos para, posteriormente, quantificar a expressão de FASL na superfície das células tratadas a fim de confirmar o mecanismo de ação da molécula citada. O resultado esperado é que, assim como a PGE2, a molécula reduza a expressão de FASL na superfície das células e, por consequência, diminua a morte celular.

Esquema explicativo de alguns pontos da pesquisa

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Roseli de Deus Lopes*

Competências essenciais para a vida e feiras de ciências

Um recente estudo da União Europeia sobre aprendizagem ao longo da vida, intitulado “Key Competencies for a Changing World”, identifica e define oito competências essenciais para a realização pessoal, cidadania ativa, inclusão social e empregabilidade na sociedade do conhecimento. Neste cenário, as feiras de projetos investigativos elaborados por estudantes da Educação Básica podem ser vistas como estratégias pedagógicas que contribuem para o desenvolvimento dessas competências. Vejamos como:1 - Comunicação na língua materna: ao realizar um projeto investigativo, o estudante desenvolve competências em sua língua materna: tanto para a leitura, feita em busca de informações relevantes para seu projeto, quanto para a comunicação na forma escrita, elaborada em seus registros (diário de bordo, relatório), e na forma oral – treinada ao se preparar e ao apresentar seu projeto em feiras.2 - Comunicação em línguas estrangeiras: o aluno desenvolve competências de leitura em língua estrangeira, por exemplo, quando busca respostas às perguntas que formula, e de comunicação escrita e oral, quando se prepara ou participa de feiras internacionais.3 - Competência matemática e competências básicas em ciências e tecnologia: em busca de explicar um fenômeno observado ou resolver um problema real, o estudante usa e aprimora suas competências e também desenvolve novas habilidades relacionadas à matemática, às ciências e à tecnologia.4 - Competência digital: ao realizar um projeto de seu interesse, o estudante é motivado a se desenvolver e utilizar novos recursos para acesso à informação, representação, simulação, comunicação e autoria individual e coletiva. Aprende a navegar para buscar

informações e oportunidades de crescimento e para disseminar e compartilhar o conhecimento que gera.5 - Aprender a aprender: o estudante se apropria dos métodos da pesquisa científica e tecnológica, se torna mais observador e curioso, amplia sua capacidade de análise e síntese, desenvolve estratégias, se coloca desafios, se torna mais ativo e autônomo para enfrentar os desafios. Aprende a aprender sempre.6 - Competências sociais e cívicas: desenvolve, também, mais sensibilidade para observar e compreender questões sociais e políticas. Passa a colocar o ser humano e o bem-estar coletivo no centro das atenções ao tentar entender os problemas e desenvolver soluções.7 - Sentido de iniciativa e empreendedorismo: quando se coloca um desafio e decide que pode enfrentá-lo, o estudante passa a ter motivação para se dedicar, persistir, ser responsável, trabalhar estratégias e buscar alternativas. Desenvolve iniciativas e atitudes empreendedoras para viabilizar e concretizar suas ideias.8 - Sensibilidade e expressões culturais: a participação em feiras, principalmente nas que envolvem diferentes escolas, propicia momentos de forte interação social e cultural, em que o estudante aprende a perceber e apreciar diferentes formas de pensar, e a respeitar e valorizar a diversidade. Agora, deixo a pergunta: você está investindo no desenvolvimento das oito competências essenciais para viver neste mundo em transformações aceleradas?

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*Coordenadora-geral da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia)

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Desenvolver uma ideia para salvar vidas. Esse foi o objetivo do projeto de pré-iniciação científica de Adriely Evelyn Larissa Magalhães Carioca, Caroline Soares Alves e Wesley da Rocha Lima, então estudantes da Fundação Nokia, de Manaus-AM. O DMAPS (Dispositivo Microcontrolado de Auxílio à Perícia e Socorro de Acidentes Automobilísticos) se propõe a acionar automaticamente os serviços de resgate, como o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), em casos de acidentes automobilísticos em que as vítimas ficam incapacitadas de fazê-lo. Além de informar a localização do veículo, o aparelho, por meio de um cartão de memória, armazena dados – como data, horário, velocidade do veículo – a fim de auxiliar o trabalho dos peritos. Ao desenvolver o projeto, a preocupação dos estudantes foi, principalmente, com acidentes ocorridos em estradas de pouca movimentação – como as do Amazonas, estado dos pesquisadores –, em que as chances de as vítimas serem socorridas por outras pessoas são menores. “Em 2013, aconteceu um acidente em uma rodovia do Amazonas. Uma família ficou desaparecida e, depois de alguns dias, o carro foi encontrado com os passageiros mortos. A partir disso, nós passamos a pensar em como desenvolver um dispositivo para ficar alocado ao carro e, ao identificar que este sofreu um acidente, avisar automaticamente um serviço de atendimento médico”, explicam os pesquisadores. No relatório de pesquisa, Adriely, Caroline e Wesley apontam que, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito

(Denatran), cerca de 42 mil pessoas morreram vítimas de acidentes de trânsito no Brasil em 2012. Os pesquisadores ainda relatam que, de acordo com o Ministério da Saúde, o número de vítimas de invalidez permanente, de 2005 a 2010, passou de 31 mil para 152 mil por ano. Diante desses dados, o projeto focou suas atenções em desenvolver um dispositivo capaz de proporcionar rapidez no atendimento, fator fundamental para que a vítima de acidente não morra ou sofra graves sequelas. “Nosso objetivo é garantir que os órgãos de socorro tenham rápido conhecimento da ocorrência de acidentes automobilísticos. O DMAPS atuará informando esses órgãos instantaneamente sobre a localidade do ocorrido. Também auxiliará a perícia, contribuindo principalmente com dados sobre a velocidade do automóvel momentos antes e depois da fatalidade”, explicam os pesquisadores. Atualmente, já existe um dispositivo que monitora o veículo via satélite e registra os seus dados físicos. Contudo, um diferencial do DMAPS, segundo seus idealizadores, é a possibilidade de acionar o órgão de resgate, fator que se torna essencial quando o acidente possui vítimas que estão desacordadas. Etapas do projetoA elaboração do dispositivo foi realizada em três etapas, focando diferentes elementos necessários para o rápido envio de informações aos órgãos de resgate: identificação do acidente, acionamento do socorro e armazenamento de dados importantes para a perícia sobre o ocorrido.

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Dispositivo aciona socorro automaticamente após acidentes automobilísticos

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Para obter a identificação do acidente, utilizou-se o mesmo padrão de acionamento de airbags – um sensor é ativado pela desaceleração violenta gerada pela colisão. Assim, o dispositivo DMAPS é acionado quando o carro sofre uma desaceleração de pelo menos 20 km/h em um curto espaço de tempo, como por exemplo 0,4 segundo.Já na segunda etapa, o acionamento do socorro foi estabelecido com o uso do GPRS Shield SIM900, aparelho que tem um módulo para operar na rede móvel GSM/GPRS de celulares e é capaz de realizar todas as funções de um aparelho convencional, como efetuar e receber chamadas, enviar e receber SMS, entre outras utilidades. Dessa forma, no DMAPS, esse módulo de acionamento e controle remoto foi utilizado para enviar, por SMS, a informação do acidente e a localização da vítima ao órgão de resgate. Esse último dado pôde ser estabelecido com o uso do Shield GPS, capaz de identificar latitude, longitude, hora e data. As referências adotadas são a linha do Equador e o meridiano de Greenwich. Por fim, o armazenamento de dados resolveu-se com o uso de um leitor/gravador de cartão SD (cartão de memória), permitindo que os arquivos do dispositivo DMAPS ficassem reservados na memória do cartão. FuncionamentoA dinâmica de funcionamento do DMAPS ocorre da seguinte maneira: de acordo com a frequência de atuação, o circuito integrado 555 envia pulsos de 5 volts a um microcontrolador Arduino, que, a cada quatro segundos, calcula a velocidade por meio da soma dos pulsos gerados e divide esse resultado pelo intervalo de tempo. Através da velocidade adquirida, é

calculada a desaceleração, gerada pela mudança de frequência do CI555, sendo utilizado um potenciômetro para isso.O dispositivo também é acionado por meio da detecção de incêndio indicado pelo sensor de temperatura LM35 quando este registra pelo menos 480°C – esse é o mesmo padrão utilizado em combate a incêndios em veículos movidos a GNV(Gás Natural Veicular). Há ainda a opção de identificar eventuais capotagens, usando-se para isso um acelerômetro de três eixos MMA7631.Sobre o acionamento de socorro, quando o acidente é detectado, há um contato entre dois microcontroladores, sendo que um deles ativa o outro, que, por sua vez, aciona o shield GPS. Este obtém e envia a localização em latitude e longitude para um terceiro microcontrolador conectado com o shield GPRS. Em seguida, faz-se o envio de um SMS com a localização e uma mensagem de socorro para o órgão de resgate.

Assim que detecta o acidente, o dispositivo passa a guardar dados em um SD card. São armazenadas as seguintes informações: velocidade antes e depois do acidente; desaceleração do veículo; hora e data do ocorrido por meio de um relógio de tempo real; e se houve ou não capotagem do carro (dado obtido por um acelerômetro). Montagem e testesAdriely, Caroline e Wesley pensaram, em um primeiro momento, em desenvolver a estrutura do protótipo com acrílico. Contudo, devido ao preço elevado do material, optou-se pelo uso de placas de poliestireno. Já na montagem do dispositivo, os pesquisadores analisaram o sensor de temperatura LM 35. O circuito projetado fez a leitura do sensor por meio do microcontrolador Arduino e a exibição desse valor em um display LCD.

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À esquerda, foto do projeto em desenvolvimento; acima, o dispositivo já pronto

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Exemplo de mensagem de socorro enviada pelo dispositivo ao órgão de

resgate após identificar que o carro sofreu um acidente

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A esse circuito, acrescentou-se uma chave interruptora com a função de dispensar o socorro quando assim for conveniente. Dessa forma, na ocasião em que certa temperatura for atingida, será perguntado ao usuário do DMAPS se ele quer chamar os serviços de resgate. Caso a chave não seja acionada, significará que a pessoa aceitou o socorro; porém, se não quiser o apoio, o passageiro do veículo ativa a chave para que o microcontrolador entenda que não é preciso o chamamento de ajuda. Um relógio RTC também foi instalado para registrar a hora e a data do ocorrido quando o socorro for solicitado. O passo seguinte consistiu no estudo do funcionamento do acelerômetro, cujo acionamento se dará caso ocorra um capotamento. Ao mesmo tempo, implementou-se um SD card no circuito para o arquivamento das informações a serem analisadas pela perícia. Sem a possibilidade de trabalhar com um carro dentro do laboratório de sua escola a todo instante, os pesquisadores utilizaram um método alternativo para medir a velocidade (e a desaceleração do veículo) nos testes. Usando como principal componente um oscilador de pulsos CI 555, eles montaram um circuito elétrico capaz de simular os pulsos elétricos criados a partir dos giros do motor – em um veículo normal, quanto mais pulsos a cada segundo, maior é a rapidez. Encerrando a montagem do protótipo, inseriram-se os Shields GPRS e GPS para a realização da chamada de socorro e do envio da localização para o órgão de resgate. Com o dispositivo pronto, efetuou-se um experimento para testar o acelerômetro e a funcionalidade de alerta de capotagem. Para tanto, colocou-se o circuito sobre um

carro de brinquedo. Essa atividade permitiu que os pesquisadores constatassem alguns problemas no DMAPS e os sanassem. Assim, um novo teste foi feito, simulando a velocidade. Quando era percebida uma desaceleração de 20 km/h, acionava-se o socorro. Em tal experimento, os pesquisadores usaram um celular comum para receber o SMS, verificando como, supostamente, a mensagem chegaria ao órgão de resgate.Orçamento Para realização do estudo e seus experimentos, os pesquisadores não precisaram comprar muitos dos equipamentos, uma vez que foram fornecidos pela Fundação Nokia. Ainda assim, eles fizeram um orçamento, chegando ao custo de produção de uma unidade do dispositivo em R$ 712,30, porém, com algumas ressalvas. “Os componentes que usamos são em sua maioria de kits educacionais utilizados em escolas técnicas e universidades de tecnologia. Mas na indústria são utilizados componentes que, embora com as mesmas funções, são diferentes e têm um custo reduzido”, afirmaram. Além disso, o sensor de rotação utilizado no DMAPS, segundo os pesquisadores, já vem incluso nos carros, fazendo parte do sistema de velocímetro. “Caso o dispositivo DMAPS tivesse a oportunidade de ser implantado em veículos, o sensor de rotação do carro apenas seria aproveitado pelo sistema. Ou seja, o custo de produção do nosso dispositivo não inclui esse sensor”, disseram.Conclusão e uso no dia a diaAdriely, Caroline e Wesley afirmam que, após a finalização do desenvolvimento do projeto, pôde-se aferir um resultado satisfatório – tanto no envio do pedido de socorro a órgãos de resgate, quanto no registro de informações para os trabalhos de perícia. “Realizamos

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Estudantes procuraram desenvolver um dispositivo capaz de proporcionar rapidez no

atendimento, fator fundamental para que a vítima de acidente não morra ou sofra graves sequelas

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Alunos conquistaram o segundo lugar na categoria Engenharia da Febrace 2014

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diversas simulações e sempre obtivemos os resultados planejados. Isso quer dizer que todas as funcionalidades – identificação do acidente; envio automático de mensagem a órgão de resgate informando a localização em latitude e longitude do acidente; registro da velocidade do veículo na hora da colisão; registro da desaceleração sofrida; registro de capotagens, e geração de relatório com os dados registrados e importantes para perícia – foram concluídas nas simulações”, afirmaram. “Percebe-se a importância de um dispositivo que seja capaz de ajudar na segurança em lugares com pouca movimentação, justamente como o projeto DMAPS se propõe a fazer. Dessa forma, garante-se minimizar os casos de mortes e sequelas graves decorridas de acidentes automobilísticos”, completaram. Os estudantes, porém, advertem que, para ser usado no dia a dia, o DMAPS precisa ser ajustado a um carro. “É necessário que o circuito de velocidade do projeto seja implantado em conjunto com o circuito interno do carro. Isso para que o DMAPS possa monitorar a velocidade do veículo”, apontaram.

Sobre os pesquisadoresAdriely, Caroline e Wesley estudavam no Curso Técnico de Mecatrônica na Fundação Nokia (que é concomitante ao Ensino Médio) quando resolveram colocar em prática o conteúdo aprendido em uma matéria sobre desenvolvimento de projetos tecnológicos. Com a ideia de tentar salvar vidas – e com a ajuda dos professores Paulo Alberto Mouzinho (orientador) e Marcelo Ribeiro dos Santos (coorientador) – eles criaram o

DMAPS – Dispositivo Microcontrolado de Auxílio à Perícia e Socorro de Acidentes Automobilísticos. “O projeto é bastante importante para salvar vidas de vítimas de acidentes automobilísticos, pois muitas vezes os acidentados ficam incapacitados de chamar o socorro”, afirmam os pesquisadores, que receberam vários prêmios pelo projeto – entre os quais, o segundo lugar na categoria Engenharia da Febrace 2014. Os estudantes dizem que o objetivo do DMAPS já foi cumprido. Agora, eles se dedicam a outras atividades: Adriely cursa Direito na Universidade Federal do Amazonas (UFAM); no mesmo local, Caroline estuda Engenharia de Produção, enquanto Wesley é aluno de Engenharia Elétrica na Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Além disso, os três fazem estágio na fábrica de softwares da Fundação Nokia, desenvolvendo aplicativos.

Atualmente, Adriely (à esquerda) cursa Direito, enquanto Caroline é aluna de Engenharia de Produção e Wesley estuda Engenharia Elétrica. Além disso, os três fazem estágio na fábrica de softwares da Fundação Nokia, desenvolvendo aplicativosA

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Projeto desenvolve equipamentos para detecção de radiação ionizante

Desde a sua descoberta no fim do século XIX, as radiações ionizantes – expressas na forma de raios X e partículas carregadas – vêm ganhando importância na área de saúde para fins terapêuticos e de diagnósticos. Entretanto, para que não causem danos ao organismo humano e, sim, ajudem a solucionar problemas – como no combate ao câncer, por exemplo –, as radiações ionizantes devem ser medidas e controladas por meio de equipamentos detectores. Foi justamente essa questão que a estudante Rebecca Konig, da Escola Antonietta e Leon Feffer, de São Paulo, abordou em seu trabalho de pré-iniciação científica, intitulado “Desenvolvimento de equipamentos para detecção de radiação ionizante”. O objetivo geral da pesquisa de Rebecca consiste em construir um cíclotron (acelerador de partículas carregadas, fazendo uso da diferença de potencial elétrico) que possa produzir o radiofármaco Iodo 131 de uma maneira mais barata e com materiais presentes no mercado nacional, já que a elaboração atual de semelhante radiofármaco se dá em reatores nucleares, tecnologia extremamente cara e pouco desenvolvida no país. Entretanto, na presente reportagem, será abordada unicamente a primeira parte do trabalho – pois, quando foi avaliado e premiado pela

, o projeto apresentava apenas essa etapa realizada.

Nessa primeira parte, Rebecca projetou a construção de uma câmara de ionização, um dos medidores de radiação mais comuns. Para esse caso específico, escolheu-se a câmara de ionização de placas paralelas, também conhecida como câmara superficial e utilizada na medição de baixas quantidades energéticas. “Esse modelo de câmara de ionização é o mais usado em tratamentos radioterápicos e em radiodiagnósticos, sendo detalhadamente estudado em clínicas de radioterapia do Brasil”, explicou a pesquisadora em seu relatório, apontando, também, o que pretendia com o projeto. “O objetivo deste trabalho é projetar, construir e estudar as características de uma câmara de ionização de placas paralelas de forma circular, acoplada a um eletrômetro que possua mecanismos de construção simples e um baixo custo.”Rebecca estabeleceu, ainda, um segundo objetivo para a pesquisa: a construção de uma câmara de nuvem de difusão (câmara de Wilson), cuja função é identificar partículas subatômicas a partir da condensação de seu meio. “Os resultados a serem obtidos [na câmara de ionização] serão comparados à trajetória de uma partícula carregada detectada por uma câmara de nuvem de difusão, que também é parte constituinte da pesquisa. Como esta câmara de nuvem identifica tais partículas, ela seria um excelente método para demonstrar a pacientes imersos

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em um processo de radioterapia a natureza da radiação, a atuação dela no meio ambiente e no próprio organismo humano, tornando a radioterapia um processo menos superficial”, afirmou Rebecca. Radiação ionizante e a câmara de ionizaçãoRadiação ionizante é uma onda eletromagnética que apresenta energia suficiente para arrancar elétrons de átomos, transformando-os em íons. Por meio da energia, a radiação ionizante interage com a matéria, o que pode se dar através de três processos. No efeito fotoelétrico, quando uma radiação eletromagnética incide sobre determinado material, um fóton excita um elétron, rompendo as forças de ligação deste com o núcleo do átomo. Assim, o elétron deixa o átomo e passa a ser denominado fotoelétron. Já no efeito Compton, há uma colisão entre um fóton e um elétron, gerando, para o elétron espalhado, uma energia cinética que variará de acordo com o ângulo de espalhamento. Por fim, a formação de pares ocorre quando um fóton de energia mínima de 1,022MeV colide com o núcleo de um átomo, cedendo toda sua energia para o núcleo e dando origem a um par de partículas, o par elétron-pósitron.Quanto ao funcionamento da câmara de ionização, em seu interior ocorre uma colisão das partículas do gás ali presente com as de um gás externo que penetra o recipiente. Isso faz com que as partículas percam elétrons e se tornem íons, sendo submetidas a um campo elétrico uniforme. Neste local, se dirigem aos eletrodos de polaridade inversa às suas – seguindo o princípio da atração e repulsão de cargas elétricas – e formam uma corrente elétrica. Os íons, então, serão coletados por

um eletroscópio (eletrômetro) diretamente ligado ao eletrodo, possibilitando saber a medida da radiação ionizante emitida pela carga detectada. No projeto, Rebecca decidiu produzir uma câmara de ionização de placas paralelas (tipo superficial), com o corpo formado de alumínio. Os eletrodos são de cobre, e os isoladores, de teflon. A pesquisadora ainda optou pela utilização dos gases hidrogênio (H), nitrogênio (N) e xenônio (Xe) devido ao baixo potencial de ionização (o que permite que sejam facilmente detectados) e à fácil aquisição (têm baixo custo) desses elementos. Outro fator importante para a construção da câmara de ionização é o eletroscópio – responsável pela coleta das partículas que apontam a medida de radiação ionizante. A princípio, Rebecca pensou em utilizar o modelo 617 projetado por Keithley. Contudo, essa opção foi descartada em virtude de seu alto custo. Assim, a pesquisadora decidiu construir um eletroscópio eletrônico. Para tanto, juntou uma placa Gogo Board (um pequeno computador que coleta informações do ambiente, como luz, temperatura e umidade) com um pequeno aparato produzido em laboratório contendo fios de cobre e transístores. Esse aparato fica diretamente ligado por um cabo USB a um computador, que possui o software Gogo Monitor, capaz de fornecer digitalmente os dados quantitativos medidos pelo eletrômetro.Assim, esse eletroscópio (eletrômetro) é conectado por meio da ligação do fio de cobre a um dos eletrodos da câmara (condutor ou

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A câmara de nuvem de difusão desenvolvida por Rebecca no trabalho

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de polarização), podendo captar as cargas elétricas encaminhadas a este. Após realizar tais medições, o eletroscópio transmite os dados ao programa Gogo Monitor, que, a partir de um gráfico de barras, demonstra a medição dessas cargas elétricas na unidade desejada. Câmara de nuvem de difusãoAntes, porém, de construir a câmara de ionização, a pesquisadora dedicou-se a montar a câmara de nuvem de difusão para possibilitar a visualização do rastro deixado por partículas subatômicas em um meio condensado. Esse dispositivo possui, em seu interior, álcool isopropílico, que é aquentado, tornando-se gás, e, posteriormente, resfriado devido à presença de gelo-seco no ambiente externo onde se acha a câmara. O gás ainda será ionizado a partir do bombardeamento de partículas provenientes de raios X ou de raios gama. Assim, com a condensação, pode ser verificada a existência dessas partículas por meio de um caminho deixado por elas em meio ao gás presente na câmara.Para a montagem da câmara de nuvem de difusão, utilizou-se uma caixa retangular de acrílico com dimensões de 40x20x27cm, com uma altura de 7cm. Duas lanternas com potência média foram instaladas no dispositivo para possibilitar a visualização das partículas. Na parte inferior da caixa, a pesquisadora colocou uma placa metálica que permite a separação da câmara do ambiente

externo. Logo abaixo do objeto, introduziu um material isolante, como isopor, e que resfriará o recipiente a partir da presença de gelo-seco responsável pela condensação do álcool isopropílico. Diante disso, a pesquisadora realizou três testes, mudando, em cada um deles, o suporte para o gelo-seco. Na primeira experiência, um feltro embebido com álcool isopropílico foi colocado na parte superior da caixa de acrílico. Na avaliação de Rebecca, esse foi um dos motivos para que não fosse possível visualizar as partículas subatômicas, uma vez que o papel deveria estar na parte inferior da câmara. Assim, no segundo teste, colou-se o feltro com cola quente na parte inferior da caixa de acrílico retangular, que também foi vedada com massinha para que o álcool presente em seu interior não vazasse. A pesquisadora colocou a câmara em cima de três folhas de papel-alumínio, que, por sua vez, estavam sobre uma quantidade significativa de gelo-seco. Segundo Rebecca, foi possível visualizar partículas subatômicas, mas com uma intensidade baixa, pois, em seu ponto de vista, as folhas de papel-alumínio não foram tão eficientes como condutoras de forma a permitir a condensação do álcool isopropílico, e a massinha não conseguiu evitar o vazamento desse líquido.Contudo, no terceiro teste – também com o

feltro colado na superfície inferior da caixa –, ocorreu a total condensação do álcool isopropílico, o que possibilitou a completa visualização das partículas subatômicas. Para que isso fosse possível, utilizou-se uma placa metálica considerada 100% condutora de carga elétrica.

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Pela sua pesquisa, Rebecca (centro) recebeu diversos prêmios, como o primeiro lugar em Física, Matemática e Ciências Planetárias e Terrestres na Mostratec 2013

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Sobre a pesquisadoraRebecca Konig teve em sua própria família a inspiração para seu trabalho de pré-iniciação científica: Meiry Rosenblit, avó da estudante, trabalhou com medicina nuclear na área de aplicação de radiofármacos no organismo humano. Após conversar com a avó e com professores, Rebecca se interessou pela produção de radiofármacos, tema que, segundo ela, não era muito explorado no Brasil.“Assim, com muita ajuda do meu colégio [Escola Antonietta e Leon Feffer] e de meu orientador [professor Mauro Pontes], pude pensar no desenvolvimento de métodos que ampliassem, barateassem e, acima de tudo, diversificassem a produção de tais substâncias em território nacional”, afirma Rebecca, que já recebeu sete premiações pelo trabalho. “O projeto é de grande importância e aplicação no campo de estudo da física e da área da saúde, pois, quando finalizado, poderá produzir radiofármacos com um preço muito inferior ao preço dos presentes hoje no mercado e

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AvaliaçãoNo relatório entregue para avaliação da

, Rebecca considerou que parte dos objetivos propostos na pesquisa haviam sido alcançados até aquele momento: ela construiu a câmara de nuvem de difusão, além de realizar os primeiros testes desse dispositivo, apresentando um resultado significativo. Rebbeca também produziu o eletroscópio eletrônico (classificado como alternativo por seu custo corresponder a apenas 0,937% do preço atribuído ao eletroscópio do modelo Keithley 617), tendo realizado também um teste de funcionamento a partir da medição de cargas elementares. Por fim, elaborou o plano de construção da câmara de ionização e a coleta de grande parte de seus materiais.

Assim, quanto à primeira parte da pesquisa, resta a construção da câmara de ionização. Além disso, há diversas outras etapas para concluir o projeto todo (incluindo a elaboração do acelerador de partículas que possa produzir o radiofármaco Iodo 131). Entretanto, como no momento Rebbeca está na 3ª série do Ensino Médio e estuda em um cursinho pré-vestibular (quer fazer Engenharia Física), o trabalho foi temporariamente paralisado. “Ainda também é preciso aprimorar a câmara de nuvem de difusão e testá-la em alguns hospitais com pacientes que estão realizando o processo radioterápico”, explica Rebbeca, que, porém, pretende finalizar o trabalho futuramente. “Assim que eu ingressar em uma universidade e estabilizar minha nova rotina, desejo continuar o projeto, talvez até como iniciação científica”, diz.

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Rebecca está na 3ª série do Ensino Médio e pretende cursar Engenharia Física

em uma quantidade muito maior, podendo atender a uma parte maior da população brasileira”, explica.

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Victor Paolillo Neto*

Inovação na educação

Usar a palavra desastre para descrever danos causados por um vazamento de óleo não é exagero. Uma pequena quantidade é suficiente para contaminar uma grande área. Por isso, é preciso agir rápido para conter os derramamentos. Dois pesquisadores brasileiros criaram uma membrana capaz de absorver até 22 vezes o seu volume em óleo. A “esponja”, feita de criptomelano, é bem mais eficiente que os materiais tradicionais, e os líquidos absorvidos podem ser recuperados em quase 100%, deixando a membrana pronta para ser reutilizada. Pode-se dizer que o novo material tem potencial para se tornar o próximo estágio no tratamento de águas contaminadas.Seria fácil apostar que esse projeto inovador foi desenvolvido dentro de uma universidade ou de uma empresa multinacional, mas não foi. Ele é resultado de uma pesquisa feita por dois alunos do ensino médio: Gabriel Chiomento e Raissa Muller. A surpresa que essa informação causa em muitas pessoas é um sinal do quão pouco se discute a importância da educação e da formação científica pré-universitária. Ensinar estudantes a fazer ciência faz parte da realidade de poucas instituições.Diante disso, fica fácil entender por que está acontecendo uma gradativa perda de interesse dos alunos por ciências. Para citar somente um exemplo, dados do Inep mostram que apenas 6,3% do total de formados no ensino superior são das engenharias. O reflexo disso pode ser observado no Ranking Mundial da Inovação, da consultoria BCG, no qual o Brasil ocupa a 72ª posição – atrás de países como Cazaquistão e Sri Lanka.

Pensando na importância da formação científica, o Google possui iniciativas que promovem a geração de conhecimento e o desenvolvimento de jovens talentos. Um desses projetos é o Google Science Fair, que visa inspirar e unir jovens do mundo na experimentação científica. Como resultado, o apoio ao movimento de feiras de ciências se torna uma maneira de revelar jovens brasileiros apaixonados pela inovação como o Gabriel e a Raíssa, ganhadores da última edição do Google Science Fair no Brasil. Com o incentivo do movimento de educação científica, é possível não só criar talentos, mas também resolver problemas de escala global.Para que o Brasil eleve seu patamar de inovação na educação e tenha seus primeiros prêmios Nobel, é necessário construir um ambiente e um sistema de ensino que incentive os jovens a criar soluções inovadoras. A alternativa para isso é uma ação conjunta entre iniciativa privada, governo, escolas e ONGs. As empresas entram com a inovação e com maneiras diferentes de pensar; o governo, com o financiamento de iniciativas e a aceleração de projetos em escala; os professores participam como principais atores do movimento científico e, por fim, as organizações não governamentais trabalham como agregadoras na disseminação do fazer científico. Somente com essa parceria será possível transformar o sistema educacional no Brasil, incentivando a ciência, a tecnologia, a engenharia e a matemática, e levando o país a um novo estágio de inovação e desenvolvimento.

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*Coordenador do Google Science Fair no Brasil

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