quanto vale o $how

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16 17 Quanto vale o how CRISTOFER DE MATTOS Eles entram em campo com um nú- mero às costas. E um código de bar- ras no DNA. O talento tem um preço. Os dribles, carrinhos e gols com as ca- misas tricolores e coloradas são resul- tados de cifras milionárias. Grêmio e Inter não fogem à realidade do fute- bol brasileiro: pagam muito aos seus principais talentos. E assim deve se- guir nos próximos anos, já que os pre- sidentes da dupla afirmam que não há como ser competitivo atualmente sem grandes investimentos nas folhas sa- lariais – o que significa mais investi- mentos pesados no futuro. O futebol brasileiro é hoje o ca- minho para Eldorado: a terra pro- metida dos grandes salários. Fa- tores como a Copa do Mundo, concorrência entre as emis- soras de televisão abertas pelos direitos de transmis- são do Brasileirão e o crescimento da econo- mia interna elevaram as receitas dos clubes e transformaram o Pa- ís numa grande caixa registradora. Como as- tros do show business, os boleiros levam a maior fa- tia do bolo e recebem no Brasil o que poucos clubes no mundo seriam capazes de pagar. Contudo, esse ce- nário regido pelas próprias regras e que cresce acima do PIB brasilei- ro pode estar com os dias contados. Há uma bolha econômica, que já dá mostras de estourar. Isso distorceu lá fora, com as entradas de russos e árabes no futebol, e foi trazido para cá. Pagamentos milionários, em padrão europeu, são realidade na dupla Gre-Nal Os altos salários são um erro de planejamen- to, segundo o especialista em marketing es- portivo Fernando Ferreira, da Pluri Consul- toria. Sem caixa para investir na compra de direitos federativos, os clubes concorrem nos salários. A questão tem levado os clubes a comprometerem, em média, 82% de suas re- ceitas com pagamentos de salários, quando o indicado é de 50% a 60%. A bolha já estou- rou. Por atrasos de salários, o Vasco teve seus negócios bloqueados judicialmente. Como são clubes e não empresas, e motivados poli- ticamente, os dirigentes buscam dar respostas ao torcedor e gastam aos borbotões, compro- metendo o futuro do clube. “Esse endivida- mento é um problema de governança clássica no futebol brasileiro: ‘eu gasto e que vire- se o próximo presidente’”, aponta Ferreira. MARKETING ESPORTIVO Fernando Ferreira Pluri Consultoria Pense o futebol como o cinema: nele, há in- vestidores e os astros, que são os que ganham mais. É assim que o diretor-presidente do Sindicato dos Atletas do Rio Grande do Sul, Paulo Mocelin, avalia. A concorrência entre as TVs para a transmissão elevou as cifras. Com mais dinheiro em caixa, os clubes pas- saram a concorrer pelos maiores talentos. Ca- da atleta pede o quanto acha que merece, mas se recebe é porque alguém aceitou pagar, co- mo destaca o empresário de futebol Fernando Otto – responsável pela vinda, entre outros, de D’Alessandro ao Inter. “Acho que depois da Copa, o mercado dará uma acalmada, mas continuará eufórico, porque vai depender das TVs: se Globo e Record seguirem disputando os direitos de transmissão, os valores perma- necerão altos”, projeta Otto. SINDICATO E EMPRESÁRIO Paulo Mocelim e Fernando Otto diretor-presidente do Sindicato dos Atletas e empresário de futebol A exemplo de outros segmentos industriais, que se voltaram para o mercado interno, devi- do a maior capacidade de consumo, as gran- des marcas passaram a vislumbrar nos clubes e jogadores brasileiros os seus outdoors am- bulantes. O futebol é hoje o grande produto nacional. Mais do que um fenômeno social, é um processo econômico, acredita o professor da Feevale Vinícius Moser, mestre em proces- sos e manifestações culturais. Os supersalá- rios no País criam, também, um imaginário social, de famílias carentes que investem tudo para gerarem um milionário na família e um herói nacional, ou seja, um jogador de fute- bol. “É claramente um cenário de disfunção, mas acredito que, passados os ciclos da Co- pa e Olimpíadas, haja uma redução nos sa- lários”, afirma Moser. SOCIÓLOGO Vinícius Moser professor da Feevale Para a economista e professora da Unisinos Márcia Godoy, esta não é a realidade do Bra- sil. É quase uma república dentro do País. Os supersalários andam na contramão da tendên- cia econômica. A projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano é abaixo dos 3%, positiva se comparada aos 0,9% registrado em 2012, mas, ainda assim, muito abaixo dos 12% de crescimento mé- dio nas receitas dos clubes. A herança após a Copa de 2014 tende a ser negativa, caso não seja estabelecida uma espécie de lei de res- ponsabilidade fiscal, como ocorre nas contas públicas, ou uma lei de limitação das folhas de pagamento. “Essa é uma saída para evitar um endividamento dos clubes, que não irão suportar por muito tempo esses valores astro- nômicos”, pondera Márcia. ECONOMISTA Márcia Godoy professora da Unisinos O QUE ELES PENSAM OS 5 MAIS BEM PAGOS DO MUNDO LUIGI KOFF Como os senhores avaliam os salários pagos aos jogadores atualmente? Os senhores consideram justos os salários recebidos pelos atletas de ponta no Brasil? Há algum fator que pode alterar este cenário? Tem como ser competitivo dentro de campo sem pagar salários mais elevados? Os salários pagos no Interna- cional refletem a realidade do futebol brasileiro no momento. Estão de acordo com os valores pagos pelos principais clubes da série A, aqueles que entram nas competições em condições de vencê-las. São salários compatíveis com a realidade dos grandes clubes. Es- tamos inseridos num contexto em que somos obrigados a fazer bo- as ofertas para conseguir as con- tratações. É o ritmo do mercado e o Grêmio investe o suficiente para ter um time à altura. Os salários pagos refletem o que o mercado atribui de valor a estes atletas. Não é uma ques- tão de achar justo ou não, é o que os clubes entendem que es- tes atletas valem. Muitas vezes, estes atletas dão retorno supe- rior ao que recebem, outras, in- felizmente, não. Não é uma questão de justi- ça. Esses números obedecem a uma lei do mercado, onde os principais clubes do País têm um grande poder de investimento e disputam os melhores jogadores. Quanto mais aquecido o merca- do, maior a circulação de dinhei- ro no negócio como um todo. Acho que as novas arenas podem gerar recursos adicionais para os clubes que souberem explorar adequadamente esta oportuni- dade. Dependendo do resultado deste novo cenário, podemos ter uma alteração do quadro. Hoje é difícil fazer futebol sem um bom aporte financeiro, mas penso que o caminho deva ser mesclar jogadores renomados com jovens em crescimento. Você pode fazer um time compe- titivo por algum tempo. Vence um campeonato depois perde os atle- tas. Mas não terá times competiti- vos por muitos anos. Já vivemos uma situação dessas lá no fim dos anos 90, quando os clubes pagaram salários elevados e geraram uma crise. Espero que agora os clubes possam aprovei- tar a Copa para gerar novas recei- tas e não repetir isso. A PALAVRA DOS PRESIDENTES DA DUPLA Fernando Ferreira, economista e consultor de marketing esportivo, da Pluri Consultoria Os códigos de barras utili- zados são os reais a partir dos nomes e valores rece- bidos pelos atletas. Domingo, 26.5.2013 / ABC DOMINGO Domingo, 26.5.2013 / ABC DOMINGO ILUSTRAÇÃO PAULO ZARIF/GES

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Reportagem publicada no jornal ABC Domingo sobre os salários da dupla Gre-Nal e repercussão sobre os altos investimentos no futebol brasileiro.

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Page 1: Quanto vale o $how

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Quanto vale o howCRISTOFER DE MATTOS

Eles entram em campo com um nú-mero às costas. E um código de bar-ras no DNA. O talento tem um preço. Os dribles, carrinhos e gols com as ca-misas tricolores e coloradas são resul-tados de cifras milionárias. Grêmio e Inter não fogem à realidade do fute-bol brasileiro: pagam muito aos seus principais talentos. E assim deve se-guir nos próximos anos, já que os pre-sidentes da dupla afirmam que não há como ser competitivo atualmente sem grandes investimentos nas folhas sa-lariais – o que significa mais investi-mentos pesados no futuro.

O futebol brasileiro é hoje o ca-minho para Eldorado: a terra pro-metida dos grandes salários. Fa-tores como a Copa do Mundo, concorrência entre as emis-soras de televisão abertas pelos direitos de transmis-são do Brasileirão e o crescimento da econo-mia interna elevaram as receitas dos clubes e transformaram o Pa-ís numa grande caixa registradora. Como as-tros do show business, os boleiros levam a maior fa-tia do bolo e recebem no Brasil o que poucos clubes no mundo seriam capazes de pagar. Contudo, esse ce-nário regido pelas próprias regras e que cresce acima do PIB brasilei-ro pode estar com os dias contados. Há uma bolha econômica, que já dá mostras de estourar.

Isso distorceu lá fora, com as entradas de russos e árabes no futebol, e foi trazido para cá.

““Pagamentos milionários, em padrão europeu, são realidade na dupla Gre-Nal

Os altos salários são um erro de planejamen-to, segundo o especialista em marketing es-portivo Fernando Ferreira, da Pluri Consul-toria. Sem caixa para investir na compra de direitos federativos, os clubes concorrem nos salários. A questão tem levado os clubes a comprometerem, em média, 82% de suas re-ceitas com pagamentos de salários, quando o indicado é de 50% a 60%. A bolha já estou-rou. Por atrasos de salários, o Vasco teve seus negócios bloqueados judicialmente. Como são clubes e não empresas, e motivados poli-ticamente, os dirigentes buscam dar respostas ao torcedor e gastam aos borbotões, compro-metendo o futuro do clube. “Esse endivida-mento é um problema de governança clássica no futebol brasileiro: ‘eu gasto e que vire-se o próximo presidente’”, aponta Ferreira.

MARKETINGESPORTIVO

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Fernando FerreiraPluri Consultoria

Pense o futebol como o cinema: nele, há in-vestidores e os astros, que são os que ganham mais. É assim que o diretor-presidente do Sindicato dos Atletas do Rio Grande do Sul, Paulo Mocelin, avalia. A concorrência entre as TVs para a transmissão elevou as cifras. Com mais dinheiro em caixa, os clubes pas-saram a concorrer pelos maiores talentos. Ca-da atleta pede o quanto acha que merece, mas se recebe é porque alguém aceitou pagar, co-mo destaca o empresário de futebol Fernando Otto – responsável pela vinda, entre outros, de D’Alessandro ao Inter. “Acho que depois da Copa, o mercado dará uma acalmada, mas continuará eufórico, porque vai depender das TVs: se Globo e Record seguirem disputando os direitos de transmissão, os valores perma-necerão altos”, projeta Otto.

SINDICATO E EMPRESÁRIO

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Paulo Mocelim e Fernando Ottodiretor-presidente do Sindicato dos Atletas e empresário de futebol

A exemplo de outros segmentos industriais, que se voltaram para o mercado interno, devi-do a maior capacidade de consumo, as gran-des marcas passaram a vislumbrar nos clubes e jogadores brasileiros os seus outdoors am-bulantes. O futebol é hoje o grande produto nacional. Mais do que um fenômeno social, é um processo econômico, acredita o professor da Feevale Vinícius Moser, mestre em proces-sos e manifestações culturais. Os supersalá-rios no País criam, também, um imaginário social, de famílias carentes que investem tudo para gerarem um milionário na família e um herói nacional, ou seja, um jogador de fute-bol. “É claramente um cenário de disfunção, mas acredito que, passados os ciclos da Co-pa e Olimpíadas, haja uma redução nos sa-lários”, afirma Moser.

SOCIÓLOGO

Vinícius Moserprofessor da Feevale

Para a economista e professora da Unisinos Márcia Godoy, esta não é a realidade do Bra-sil. É quase uma república dentro do País. Os supersalários andam na contramão da tendên-cia econômica. A projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano é abaixo dos 3%, positiva se comparada aos 0,9% registrado em 2012, mas, ainda assim, muito abaixo dos 12% de crescimento mé-dio nas receitas dos clubes. A herança após a Copa de 2014 tende a ser negativa, caso não seja estabelecida uma espécie de lei de res-ponsabilidade fiscal, como ocorre nas contas públicas, ou uma lei de limitação das folhas de pagamento. “Essa é uma saída para evitar um endividamento dos clubes, que não irão suportar por muito tempo esses valores astro-nômicos”, pondera Márcia.

ECONOMISTA

Márcia Godoyprofessora da Unisinos

O QUE ELES PENSAM

OS 5 MAIS BEM PAGOS DO MUNDO

LUIGIKOFFComo os senhores avaliam os salários pagos aos jogadores atualmente?

Os senhores consideram justos os salários recebidos pelos atletas de ponta no Brasil?

Há algum fator que pode alterar este cenário?

Tem como ser competitivo dentro de campo sem pagar salários mais elevados?

Os salários pagos no Interna-cional refletem a realidade do futebol brasileiro no momento. Estão de acordo com os valores pagos pelos principais clubes da série A, aqueles que entram nas competições em condições de vencê-las.

São salários compatíveis com a realidade dos grandes clubes. Es-tamos inseridos num contexto em que somos obrigados a fazer bo-as ofertas para conseguir as con-tratações. É o ritmo do mercado e o Grêmio investe o suficiente para ter um time à altura.

Os salários pagos refletem o que o mercado atribui de valor a estes atletas. Não é uma ques-tão de achar justo ou não, é o que os clubes entendem que es-tes atletas valem. Muitas vezes, estes atletas dão retorno supe-rior ao que recebem, outras, in-felizmente, não.

Não é uma questão de justi-ça. Esses números obedecem a uma lei do mercado, onde os principais clubes do País têm um grande poder de investimento e disputam os melhores jogadores. Quanto mais aquecido o merca-do, maior a circulação de dinhei-ro no negócio como um todo.

Acho que as novas arenas podem gerar recursos adicionais para os clubes que souberem explorar adequadamente esta oportuni-dade. Dependendo do resultado deste novo cenário, podemos ter uma alteração do quadro.

Hoje é difícil fazer futebol sem um bom aporte financeiro, mas penso que o caminho deva ser mesclar jogadores renomados com jovens em crescimento.

Você pode fazer um time compe-titivo por algum tempo. Vence um campeonato depois perde os atle-tas. Mas não terá times competiti-vos por muitos anos.

Já vivemos uma situação dessas lá no fim dos anos 90, quando os clubes pagaram salários elevados e geraram uma crise. Espero que agora os clubes possam aprovei-tar a Copa para gerar novas recei-tas e não repetir isso.

A PALAVRA DOS PRESIDENTES DA DUPLA

Fernando Ferreira, economista e consultor de marketing esportivo, da Pluri Consultoria

Os códigos de barras utili-zados são os reais a partir dos nomes e valores rece-bidos pelos atletas.

Domingo, 26.5.2013 / ABC DOMINGODomingo, 26.5.2013 / ABC DOMINGO

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