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62 www.backstage.com.br REPORTAGEM João Pequeno [email protected] Quando o tamanho Amplas salas de gravação, acústica adequada e equipamentos de primeira linha são os principais motivos que levam boa parte dos músicos e produtores a não abrirem mão dos estúdios de grande porte. é documento M esmo com a crescente febre de estúdios caseiros, possi- bilitada por avanços tecnológicos, há especificidades de gravação para as quais simulações ou efeitos eletrôni- cos ainda deixam muito a desejar, segundo músicos e técnicos, em re- lação a salas adequadas, com bom tratamento acústico. Os grandes estúdios são geralmente localizados no Rio de Janei- ro (Mega , AR, CIA dos técnicos, Nas Nuvens) ou em São Paulo (Mosh , Dub , Midas, Anonimato, Vibe e outra unidade do Mega), mas também há alguns encontrados fora deste eixo, como o Ilha dos Sapos, de Carlinhos Brown, em Salvador, o Somax e o Muzak, em Recife. Estúdios que, além de equipamentos de primeira linha, cos- tumam contar com salas amplas, em torno de 40 a 50 metros (alguns são menores) e pé direito (altura) de 5 a 6 metros. A acústica é citada como prioridade no cuidado com as grava- ções de certos instrumentos ou grupos de instrumentos, como bate- ria, cordas ou grandes naipes de metais, para os quais salas amplas são consideradas fundamentais pelas características de captação. Mesmo com estúdio próprio, gravadora ‘terceiriza’ gravação de bateria Uma das principais gravadoras do rock atual no Brasil, a Deckdisc, dispõe de um estúdio próprio, o Tambor, em sua sede Estúdio AR: a sala A tem 6 metros de pé direito e a R tem 5,5 Fotos: Divulgação

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REPORTAGEM

João [email protected]

Quando o tamanho

Amplas salas de gravação, acústica adequada e equipamentos de primeiralinha são os principais motivos que levam boa parte dos músicos eprodutores a não abrirem mão dos estúdios de grande porte.

é documento

Mesmo com a crescente febre de estúdios caseiros, possi-bilitada por avanços tecnológicos, há especificidadesde gravação para as quais simulações ou efeitos eletrôni-

cos ainda deixam muito a desejar, segundo músicos e técnicos, em re-lação a salas adequadas, com bom tratamento acústico.

Os grandes estúdios são geralmente localizados no Rio de Janei-ro (Mega , AR, CIA dos técnicos, Nas Nuvens) ou em São Paulo(Mosh , Dub , Midas, Anonimato, Vibe e outra unidade do Mega),mas também há alguns encontrados fora deste eixo, como o Ilha dosSapos, de Carlinhos Brown, em Salvador, o Somax e o Muzak, emRecife. Estúdios que, além de equipamentos de primeira linha, cos-

tumam contar com salas amplas, em torno de 40 a 50 metros (algunssão menores) e pé direito (altura) de 5 a 6 metros.

A acústica é citada como prioridade no cuidado com as grava-ções de certos instrumentos ou grupos de instrumentos, como bate-ria, cordas ou grandes naipes de metais, para os quais salas amplassão consideradas fundamentais pelas características de captação.

Mesmo com estúdio próprio,gravadora ‘terceiriza’ gravação de bateriaUma das principais gravadoras do rock atual no Brasil, a

Deckdisc, dispõe de um estúdio próprio, o Tambor, em sua sede

Estúdio AR: a sala A tem 6 metros de pé direito e a R tem 5,5

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REPORTAGEM

na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Éum estúdio de porte médio no qual asbandas de seu elenco gravam a maiorparte dos instrumentos, como guitarra,baixo e, por vezes, teclados ou samplers.A bateria, que necessita de uma maiorambiência, porém, é feita no estúdio AR,também na Barra. Foi assim com a canto-ra Pitty e com as bandas Matanza e Ca-chorro Grande.

Baterista da banda countrycore Ma-tanza, Fausto Prochet, 24, afirma que

sentiu e aprovou a diferença entre o se-gundo disco do grupo, Música para brigare beber (2003) – o primeiro do qual parti-cipou – e o quarto e mais recente, A artedo insulto (2006). No intervalo entre es-tes dois, eles gravaram o terceiro To hellwith Johny Cash (2005), apenas comversões do compositor norte-americano.Em Música para beber e brigar, o instru-mental foi todo gravado no Tambor, en-quanto que no último, a (pesada) bateriafoi registrada no AR.

Bandas Cachorro Grande (acima) e Matanza tiveram a bateria gravada em estúdio de sala grande, o AR, no Rio

A decisão da mudança, conta Fausto,foi tomada em conjunto pela banda como diretor artístico da gravadora, RafaelRamos, “até porque é ele quem paga”,brinca – a família de Rafael é proprietáriada gravadora. “Senti uma diferença níti-da no som, depois que terminei e ouvi,porque além da fala ser muito boa, oequipamento colocado à disposição aju-da muito o trabalho de captação. Pudeusar sets de ambiência em estéreo, comótimos microfones Earthworks, além devárias opções de microfones nas peças, li-gados a pres SSL e Neve. Na Deck, euusava o API do Rafael, que é legal, masnem de longe é tão bom quanto esses”.

Para Fausto, que também é técnico desom, a combinação entre a captação daspeças com a ambiência foi a vantagemmais sensível. “Tem a soma do som de cap-tação direto da bateria com o som da sala,que é excelente. Sempre procurei conhe-

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“São pouquíssimos osartistas que, hoje,

podem bancar longosperíodos de gravação,

ainda mais emequipamentosanalógicos”

(André Rafael)

Felipe Dylon gravou seu CD em três dias no Mega

cer vários estúdios fiz minhas experiênci-as, até antes do Matanza, comprava váriosplug-ins, mas nunca conseguia reproduzirestas características da sala ampla, com aambiência e os prés”.

André Rafael, dono do AR, aponta aquestão do ‘pé direito’ como fator crucialpara a boa captação da bateria. O parâ-metro de boa altura, afirma, é a partir de4,5 metros, que considera adequadospara a captação de bateria e de outrosinstrumentos de grande reverberação,como o piano.

No AR, que tem a sala A com 6 metrosde pé direito e a R com 5,5, pelo menosuma mudança significativa já foi intro-duzida devido à avalanche de homestudios e à busca dos artistas pelos meno-res custos da gravação caseira. Desde oano passado, conta, a plataforma de gra-vação mais requisitada vem sendo o ProTools HD 3 então adquirido. “Os custos fi-caram realmente caros diante da crise fi-nanceira do mercado fonográfico e, comoconseqüência, são pouquíssimos os artistasque, hoje, podem bancar longos períodosde gravação, ainda mais em equipamentosanalógicos”.

Para se ter umidéia, pelo mes-mo custo de umHD de 200 gigas(bytes) de me-mória, você sócompra uma fitapara 15 minutosde gravação”.

Uma rara e gra-ta exceção, lembraAndré Rafael, foiCaetano Veloso,que passou trêsmeses no AR gra-vando seu novoCD, Cê, todo nogravador analógi-co Studer A827.

Maioria das gravações éfeita em poucos dias porcausa dos custosÉ difícil ter esta possibilidade, entretan-

to. Sucesso instantâneo há dois com oshits-chiclete Deixa disso e Musa do verão, ojovem cantor Felipe Dylon teve apenas doisdias no estúdio Mega, do Rio de Janeiro, paragravar a maior parte de seu terceiro disco, Emoutra direção (2006, EMI). Questão de cus-tos, solucionada pelo uso do estúdio caseirodo guitarrista Vinícius Rosa, mas paraformatar os arranjos de modo a não gastar

muito tempo de gravação. Algumas guitarrasem linha ainda foram aproveitadas da grava-ção caseira, mas a grande maior parte do dis-co foi feita no Mega e finalizada no Nas Nu-vens, de Liminha.

“Houve algumas guitarras que pude-mos aproveitar, mas a maioria foi mesmo noMega. O importante no estúdio do Viníciusfoi a pré-produção, acertamos bastante aforma das músicas para entrar em estúdioprontos”, conta Dylon, que até há poucotempo registrava seu trabalho em demosgravadas em pequenos estúdios. “Aindatenho algo dessas gravações, que têm seucharme, mas nem se compara, são mundosdiferentes”, compara.

Sussekind ressaltaimportância dotratamento acústicoPara produtor de Em outra direção,

Marcelo Sussekind (Erasmo Carlos, LuluSantos, Paralamas do Sucesso), um estú-dio de grande porte para gravação é fun-damental “sempre que se abrir um micro-fone”. A ênfase, afirma, está na questão daacústica. “Salas boas são as que passaram por

um tratamento deengenharia de áu-dio, muito refina-do, para ter umaacústica boa. É umtrabalho difícil enão dá para re-produzir em umquarto, por maisrecursos eletrôni-cos que se use. Por-que se você abreum microfone po-tente, como umNeumann, acabaouvindo a descar-ga de um vizinho.Teve a gravaçãode uma banda co-nhecida que me

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Arnaldo Antunes: gravação ao vivo no Estúdio Mega

O estúdio Mosh, em SP, é um dos que também tem salas grandes para gravação

chamaram para recuperar, porque em umvocal havia o barulho de um ônibus passan-do. Onde eles haviam gravado, eles nãoouviam, a caixa não respondia. Mas quan-do foi colocado para tocar em alta potên-cia, numa sala grande, o ruído apareceu”.

Sussekind considera que hoje no Brasil“se levanta demais a bola dos estúdios ca-seiros”. Para o produtor, “este é até umprocesso natural, já que os custos de estú-dio profissional são muito caros. Mas nãoadianta achar que com R$ 150 mil, vocêvai conseguir a mesma qualidade para aqual são necessários investimentos detrês, quatro milhões. O equipamento équase todo importado, há um peso enor-me de impostos, o que encarece demais amontagem das salas”.

Ele considera os home studios “válidospara música eletrônica, que não dependede ambiência, pré-produção, ensaiar bas-tante e reduzir ao máximo os custos, e àsvezes para instrumentos em linha. Mas abriumicrofone, tem que ter sala boa”, enfatiza.

Ambiente para gravaçãoao vivo em estúdioMenos radical

que o colega, opaulistano AlêSiqueira, respon-sável pela produ-ção do projeto Tri-balistas, de Arnal-do Antunes, Ma-risa Monte e Car-linhos Brown, alémde discos solo des-tes artistas, entreoutros, não se aca-nha em fazer vári-as gravações emestúdios caseiros,que considera sua‘escola’, mas pre-fere salas grandespara trabalhos que

dependam de captação ambiente maiscomplexa. Foi assim que ele fez no CDQualquer, de Arnaldo Antunes, majorita-riamente calcado em instrumentos acústi-cos, mas com a guitarra elétrica de EdgardScandurra, gravado todo ao vivo no Megae lançado há pouco pela gravadora Biscoi-to Fino. O grande desafio, segundo Alê, foiharmonizar a captação de instrumentos depesos tão diferentes tocados lado a ladoquanto a guitarra de Edgard, que aindausou uma talk box (aquele canudo ligadoà boca e à guitarra que Peter Frampton po-pularizou no solo de Show me the way), e oviolão acústico “estilo João Gilberto” de Cé-sar Mendes. Para evitar o vazamento datalk box, que podia ser grave, foram coloca-

dos isoladores do tipo sound lock. Outroinstrumento que mereceu atenção foi o pi-ano Yamaha tocado por Daniel Jobim, cujareverberação é grande. A gravação aindateve Chico Salém em outro violão e dobaixista Dadi Carvalho, que, em determi-nadas faixas, também tocou violão, banjo ebandolim. “Para não vazar o som da guitar-ra com talk box e cobrir os violões, princi-palmente o do Cesar, cuidei de captar seusom na saída com um microfones dinâmi-co, Beta SM58”, conta.

O produtor sugeriu a Arnaldo gravaro CD no Mega pela opção de uma salagrande, “fundamental pela acústica”.Também foi levada em conta a disponibi-lidade de bons equipamentos, como ospré-amplificadores Neve e Demeter,além de alguns da própria mesa SSL (SolidState Logic) 9000, do estúdio. ArnaldoAntunes ainda utilizou um antiguíssimomicrofone Ella, da Telefunken, inspiradona diva do jazz Ella Fitzgerald.

Marisa optou peloconforto caseiro, sabendodas limitações

Com MarisaMonte, porém,não teve jeito.A cantora nãoquis arredar pé doestúdio caseiro queconstruiu na gara-gem de sua casa,na zona sul do Rio,onde já havia gra-vado Tribalistas.Alê quis levar paraum estúdio gran-de a gravação dearranjos de cor-das e sopros paraalgumas faixas deInfinito particu-lar, um dos doisCDs lançados si-

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Reuel: outro estúdio no RJ que tem o pé direito alto

multaneamente este ano pelacantora neste ano.

“É um tipo de gravação ambien-te que pede mais sala, mas a Marisaquis fazer no estúdio dela. Nem porquestão de custo, nesse caso, por-que os discos dela vendem muitobem e compensam de sobra os gas-tos com qualquer estúdio, mas porcomodidade mesmo. O artistaquando faz seu estúdio quer ficaem casa. Eu dei um jeito de captarlá mesmo, então. Cabe a mim,como produtor, conseguir a melhorcaptação possível, mas tive quecontar com um vazamento de umflugel horn na mixagem”, assume.

Alê Siqueirapretende aliarconforto e altaqualidadeAlém dos Tribalistas, Alê Si-

queira já havia gravado álbunscomo Jogos de armar, de Tom Zé, e Docóccix até o pescoço, de Elza Soares, nosfundos de sua casa na Granja Vianna, emSão Paulo – atualmente, ele mora em Sal-vador. “Eu venho de home studio e prezomuito esta experiência, você aprende acriar soluções, a lidar com ambientes ecaptações alternativas. Além disso, estarem casa é uma grande vantagem, porquevocê não tem a pressa das horas de grava-ção, que custam caro, tem mais liberdadepara criar. Mas, ao mesmo tempo, sempreme queixei das limitações caseiras”.

Pensando em unir a praticidade do casei-ro à qualidade do profissional e driblar estadicotomia, Alê vem construindo um estúdiopróprio em Barra do Jacuípe, no litoralbaiano, a cerca de 40 quilômetros ao nortede Salvador. “O projeto é de quatro salas degravações e pretendo fazer minhas produ-ções todas lá”, afirma. “O próprio Arnaldolamentou que ele ainda não estivesse pron-to, porque ia querer gravar lá”, diz.

Também chegado a experimentaçõesem diferentes tipos de registro sonoro,Arnaldo Antunes ressalta a diferença doque a tecnologia o permite gravar em pe-quenos estúdios, como a que já teve comPaulo Tatit, e o que pede salas como a doMega, do Mosh, em São Paulo, onde fez seusegundo disco solo, Ninguém, há 10 anos, eo Nas Nuvens, onde já gravou com os Titãsna década de 80. “Com a tecnologia hoje,não há mais a necessidade de se usar um es-túdio enorme para tudo. Se eu for fazer umamúsica baseada em programações, posso fa-zer em casa, sem prejuízo de qualidade. Nocaso de instrumentos acústicos tocando jun-tos, porém, achamos necessário ter um am-biente de captação perfeito”.

Dificuldades fora do eixoAlê mixou Qualquer em um Pro

Tools HD Accel 3, no estúdio Ilha dosSapos, de Carlinhos Brown, em Salva-dor, um dos poucos de grande porte fora

do eixo Rio-São Paulo, com cincometros de pé direito e 60 metrosquadrados. Construído em 1999,ele já abrigou gravações de Caeta-no Veloso, Ivete Sangalo, VirgíniaRodrigues e da própria MarisaMonte, entre outros.

A intenção de Carlinhos aomontar o estúdio era levar ao Nor-deste uma qualidade de gravaçãodo nível que se encontra nosgrandes centros do Brasil e do ex-terior. No entanto, são outrasnuances da carreira, como de-manda de shows, que costumammanter os principais artistas nes-ses grandes centros.

Fora do Rio e de São Paulo,nem é tão difícil encontrar estú-dios amplos e com bons equipa-mentos, mas são os raros os quetêm o pé no padrão em torno decinco metros, como o Ilha dosSapos e o Somax, de Recife –

onde já gravaram Alceu Valença, ChicoCésar, Cauby Peixoto e Reginaldo Rossi.Mas a maior parte dos estúdios utilizados in-clusive por artistas de peso fora do Sudestetem a altura em torno de 2,5 a 3 metros,como o Fábrica, também de Recife, utiliza-do por mundo livre S/A, Naná Vasconcellose Arto Lindsay; o WR e o Groove, de Salva-dor, o Blue Records, de Brasília, onde já gra-vou o consagrado bandolinista Hamilton deHollanda; e o ProAudio, de Fortaleza.

Jander Antunes, técnico de áudio doCachorro Grande, lamenta a falta de es-túdios de referência também no Sul. “Láno Rio Grande, temos estúdio grande,mas antigo, sem uma engenharia acústi-ca como os do Rio e de São Paulo”, diz.

O último álbum da banda, Pista livre,lançado pela Deckdisc, foi o primeiro aser gravado no esquema atual da grava-dora, com piano e bateria registrados noAR. Os dois primeiros foram gravados empequenos estúdios de Porto Alegre.