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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA CAROLINA SILVA SAPUCAIA QUANDO O EUCALIPTO CHEGA NA MARÉ: estudos sobre os impactos territoriais da monocultura de eucalipto nas comunidades quilombolas do Guaí Maragojipe (BA) Salvador 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

CAROLINA SILVA SAPUCAIA

QUANDO O EUCALIPTO CHEGA NA MARÉ: estudos sobre os impactos territoriais da monocultura de eucalipto nas

comunidades quilombolas do Guaí – Maragojipe (BA)

Salvador 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

CAROLINA SILVA SAPUCAIA

QUANDO O EUCALIPTO CHEGA NA MARÉ:

estudos sobre os impactos territoriais da monocultura de eucalipto nas comunidades quilombolas do Guaí – Maragojipe (BA)

Monografia de Conclusão de Curso, sob orientação da Prof. Dra. Catherine Prost, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Geografia pela Universidade Federal da Bahia

Salvador 2016

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geociências - UFBA

S241

Sapucaia, Carolina Silva Quando o eucalipto chega na maré: estudos sobre os impactos

territoriais da monocultura de eucalipto nas comunidades quilombolas do Guaí – Maragojipe (BA) / Carolina Silva Sapucaia.- Salvador, 2016.

122 f. : il. Color.

Orientador: Prof. Catherine Prost Monografia (Conclusão de Curso) – Universidade Federal da

Bahia. Instituto de Geociências, 2016.

1. Conflito social - Quilombos - Bahia. 2. Geografia agrícola. 3. Territorialidade humana - Posse da terra. I. Prost, Catherine. II. Universidade Federal da Bahia. III. Título.

CDU: 316.48(813.8)

“O homem coletivo sente a necessidade de lutar”

(Chico Science)

A todos pescadores, marisqueiras, aos trabalhadores do mar.

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Ada e Flávio que nunca ingressaram a universidade,

mas sempre dedicaram esforços para educação familiar, humana e escolar

minha e de meus irmãos. Meus velhos, obrigada por todo amor, carinho,

atenção e dedicação. Aos meus irmãos Bia, Binho, Dada e aos meus tios, tias,

primos e familiares.

Agradeço aos meus queridos amigos e companheiros de lutas do

POSSAS, que sem dúvida, trouxeram a fagulha, mesmo sem intenção e sem

saber, da chama que ascendeu e inflama a minha vontade de construir lutas

conjuntas às populações extrativistas, especialmente às das marés, com quem

tanto me sinto próxima. Foi na minha primeira semana de aulas, num trote de

calouros, que eu pude conhecer a comunidade de Santiago do Iguape, me

deparar com a luta quilombola e suas guerreiras e guerreiros. Desde então, o

caminho foi de aprendizados não só acadêmicos, mas de valores que levo a

risca em minha vida.

A minha trajetória na universidade é também responsável pela

conclusão deste trabalho. O movimento estudantil da UFBA e da geografia tem

um forte peso na minha formação humana e política, bem como a luta

organizada, através do “Coletivo Contra Corrente”, que já não faço mais parte,

mas me trouxe a dimensão da responsabilidade e seriedade que a luta contra a

exploração do homem pelo homem na sociedade capitalista exige. Ratifico que

toda esta luta, entre aperreios e conflitos, veio acompanhada de laços fortes de

companheirismo e muitos sorrisos. Tive muitos exemplos inspiradores nesta

minha passagem pela UFBA, obrigada a todos, que, como afirma o Bertold

Brecht, são indispensáveis porque lutam todos os dias.

Não podia deixar de registrar o meu agradecimento a Lili, que como uma

mãe minha e de muitos, sempre esteve ao meu lado me incentivando e me

alimentando com afeto e deliciosos pratos de comida ao longo destes anos de

universidade. Obrigada minha preta!

Meu agradecimento ao grupo de pesquisa Espaços Costeiros que me

acolheu ainda imatura academicamente e me fez crescer como geógrafa e

pessoa. Cursar geografia ficou mais fácil, prazeroso e enriquecedor desde que

passei a fazer parte do grupo. Meu agradecimento especial a Cathy,

orientadora e amiga, uma das “indispensáveis” que cruzou o meu caminho para

além das correções de trabalho, organização de seminários e demais

atividades acadêmicas. Obrigada pelo exemplo na academia e fora dela como

uma mulher de garra, pela confiança e carinho que sempre me depositou.

Aos que lutam todos os dias nas marés, em especial, aos queridos

companheiros da Resex Canavieiras e da Resex Baía do Iguape, meu super

obrigada! Em especial a Janete, Edielso, Dona Maria, Dona Pina, bravos

quilombolas do Iguape que me acolheram durante o processo de pesquisa.

Quando, por dentro funcionalismo do Estado, é possível identificar

brechas (ainda que limitadíssimas) é o momento de agir para a sua destruição.

Este é o meu agradecimento ao camarada Bruno M. que mesmo por vias

anarquistas (rs) tanto colaborou para fazer deste trabalho uma conclusão.

Aos meus amores, Ramon Góes e Rosita Brasil por me mostrarem como

nasce, se cultiva e fortalece a relação entre amigos, por estarem sempre me

incentivando e se colocando ombro a ombro comigo. Esta mensagem vale para

todas amigas e amigos, as “KGX”, que navegam nesta vida junto comigo, ainda

que em mares diferentes. Gratidão!

RESUMO

O eucalipto, espécie arbórea nativa da Austrália, foi introduzido no Brasil durante as primeiras décadas do século XX e teve seu plantio em larga escala impulsionado partir de 1960. A monocultura do eucalipto se intensificou durante a ditadura militar, devido, principalmente, a incentivos e isenções fiscais do governo. O financiamento público às empresas de grande porte do setor de papel e celulose resultou, dentre outras questões, na concentração de renda e terras, visto que as empresas passaram a deter extensas áreas produtivas. Desde então, as plantações de eucalipto cresceram em ritmo acelerado; atualmente o Brasil é 4º maior produtor de celulose no mundo. Instaladas em diversos estados do território brasileiro empresas e monoculturas de eucalipto tem deixado um rastro de grilagem, danos ambientais e descumprimento de leis ambientais. As monoculturas de eucalipto são responsáveis por profundas mudanças na estrutura fundiária, uma vez que se baseia na manutenção da aliança de classes entre proprietários fundiários e capitalistas. Desta aliança decorre uma complexidade de conflitos entre o agronegócio e produtores rurais e populações tradicionais da Resex Baía do Iguape. A pluralidade de atividades tradicionais é antagônica ao interesse desenvolvimentista do Estado que busca homogeneizar os usos do espaço local através do desenvolvimento de atividades estranhas à lógica tradicional, tal como evidencia o conflito levantado neste estudo referente ao crescente desenvolvimento de monoculturas de eucalipto em terras historicamente ocupadas por quilombolas no Guaí, distrito de Maragojipe. Palavras-chave: Conflitos territoriais; Resex Baía do Iguape; monocultura de eucalipto.

ABSTRACT

Eucalyptus, a native flowering tree from Autralia, was introduced in Brazil during the early 20th century and had its large scale production boosted from 1960's on. The eucalyptus monoculture was intensified during the Brazilian military dictatorship, thanks to tax incentives and exemptions offered by the government. The public funding to the large-sized companies that produced paper and cellulose resulted, among other points, in income and land concentration, since the companies have gotten ways to possess broad productive areas. Ever since, the eucalyptus plantations increased rapidly leading Brazil into the 4th position of the biggest cellulose producers nowadays. Settled in many Brazilian states, monocultures and companies in this area have left behind a trace of environmental damages, land frauds and law infringements. Thanks to the eucalyptus monocultures, many changes happened in the land ownership, once it's based on the maintenance of the classes alliance between land owners and capitalists. From this alliance occurs a complex conflicts between agribusiness, rural producers and traditional populations in the extractive reserve Baía do Iguape. The large number of traditional activities come upon the national developmentalist interest that tries to homogenize the use of the local area through the development of activities different from the going on regime, such as evidencing the conflict presented in this stud relative to the growing development of eucalyptus monocultures in historically occupied lands by quilombolas in Guaí, Maragojipe district. Keywords: Land conflicts; agribusiness; Resex; eucalyptus monoculture

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Estrutura fundiária – Maragogipe (2006) 35

Mapa 1 – Reserva Extrativista Baía do Iguape 53

Figura 1 – Croqui da Baía do Iguape com localização aproximada de

trinta comunidades adjacentes à RESEX

54

Gráfico 2 – Extrativistas da Resex Baía do Iguape por comunidade 55

Figura 2 – Apetrechos de pesca e pescadora 57

Figura 3 – Marisqueiras cantando pescados 57

Gráfico 3 – Principais fontes de renda dos beneficiários da Resex Baía

do Iguape

58

Figura 4 – Croqui das antigas fazendas do distrito do Guaí 62

Figura 5 – Monocultura de eucalipto da Fazenda Mutamba e roças

comunidade quilombola Mutamba

64

Figura 6 – Croqui do Território Quilombola do Guaí 65

Mapa 2 – Delimitação das monoculturas de eucalipto no Distrito de

Guaí – Maragojipe (BA)

70

Figura 7 – Embalagens de bioquímicos utilizados nas plantações do

Guaí

74

Figura 8 – Monocultura de eucalipto margeando manguezal no Guaí 75

Figura 9 – Mapa da COPENER identificando quatro propriedades

arrendadas para a produção de eucalipto

82

LISTA DE QUADROS E TABELAS

Tabela 1 – Concentração fundiária no Brasil anos 1967 e 1978 33

Tabela 2 – Número de estabelecimentos agropecuários por área, anos de 1995/96 e 2006.

34

Tabela 3 – Produção de celulose no Brasil (1950-1988) 40 Quadro 1 – Lista de impactos ambientais e socioeconômicos apontados

em entrevistas de campo

76

Tabela 4 – Nome das propriedades e seus donos, área total das fazendas, área destinada ao plantio de eucalipto sob operação da BSB/COPENER e área plantada de acordo com dados de campo

83

Tabela 5 – Classificação da silvicultura de acordo com a resolução do CEPRAM nº 4.327/2013.

84

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APA Área de Proteção Ambiental

ABRAF Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BSC Bahia Specialty Cellulose

CEPEDES

Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do

Extremo Sul

CERB Companhia de Engenharia Rural da Bahia

CETA Movimento Estadual de Trabalhadores Assentados, Acampados e

Quilombolas

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNS Conselho Nacional dos Seringueiros

CPT Comissão Pastoral da Terra

CPP Conselho Pastoral dos Pescadores

EIA Estudo de Impactos Ambientais

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEMA Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia

MDS Ministério do Desenvolvimento Social

MMA Ministério do Meio Ambiente

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PAE Projeto Assentamento Extrativista

Resex Reserva Extrativista

RIMA Relatório de Impactos Ambientais

RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural

RTID Relatório Técnico de Identificação e Delimitação Territorial

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

UC Unidade de Conservação

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFRB Universidade do Recôncavo Baiano (UFRB)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 13

2. MÉTODO E METODOLOGIA 18

3. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS 22

3.1 Aspectos da propriedade privada e da renda da terra sob o

capitalismo

27

4. A MONOCULTURA DO EUCALIPTO NO BRASIL 31

4.1 Breves considerações sobre questão agrária no país 31

4.2 Origem do setor florestal no Brasil 35

5. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E O USO TRADICIONAL DO

ESPAÇO LITORÂNEO

44

5.1 Histórico do movimento extrativista 44

5.2 Surgimento das Reservas Extrativistas 47

5.3 Resex Baía do Iguape 51

6. MONOCULTURA DO EUCALIPTO: REFLEXÕES E IMPLICAÇÕES

SOCIAL, FUNDIÁRIA E AMBIENTAL NAS COMUNIDADES

QUILOMBOLAS DO DISTRITO GUAÍ

60

6.1 Resgatando a memória quilombola: um pouco da história

contada

60

6.2 A ocupação atual da Comunidade Quilombola Guerém-Baixão

do Guaí, Guaruçu, Jirau Grande, Porta da Pedra e Tabatinga

63

6.3 Questões sociais, fundiárias e ambientais decorrentes da

monocultura de eucalipto nas comunidades quilombolas do distrito

Guaí

66

6.4 A resistência dos atingidos 87

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 92

REFERÊNCIAS 96

ANEXO 1 – ROTEIRO DE ENTREVISTA 102

APÊNDICE A - RESOLUÇÃO DO CONAMA Nº01/1986

APÊNDICE B - RESOLUÇÃO DO CONAMA Nº428/2010

APÊNDICE C – ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº17/2010/PFE/IBAMA

13

“Chegou a hora de defender nosso pedaço de chão

A terra é nossa isso por direito respeite nossa tradição

A nossa luta é por terra e agua do litoral ao sertão

Lutamos por igualdade com liberdade garantir o pão”

(Trecho do hino da campanha em defesa dos territórios pesqueiros)

1. INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) representa o

encerramento de um ciclo de formação, a sistematização de estudos,

pesquisas e vivências realizadas durante a minha graduação e dos

conhecimentos adquiridos neste processo. As pesquisas realizadas junto ao

Grupo de Pesquisa Costeiros do Departamento de Geografia da UFBA sobre

as Reservas Extrativistas (Resex) têm aqui um peso importante; somadas aos

estudos da militância no movimento estudantil acerca da realidade me deram

bases para os referenciais teórico-conceituais adotados, como também para os

caminhos metodológicos trabalhados para o desenvolvimento deste trabalho.

A relação estabelecida com os sujeitos pesquisados e suas formas de

organização social e articulações políticas permeia todo o processo da

pesquisa, seja na obtenção de dados em entrevistas, viagens de campo,

reuniões do conselho deliberativo da Resex, oficinas nas comunidades, enfim,

na troca de saberes, bem como com o contato com o trabalho e estudos do

Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), do Comissão Pastoral da Terra

(CPT) e de outras organizações e movimentos sociais do campo.

Meu objeto de estudo é o caráter conflituoso entre a reserva extrativista

marinha Baía do Iguape e o agronegócio do eucalipto. Foi sendo delimitado ao

longo dos anos de pesquisa de iniciação científica do programa PIBIC-CNPq.

Entre 2014-2015, pude desenvolver o trabalho na Resex Canavieiras, intitulada

“Aspectos da dinâmica fundiária de Canavieiras: estudo sobre a silvicultura no

município e conflitos com a reserva extrativista”. Apesar de se tratar de outra

Unidade de Conservação (UC), os estudos deste trabalho possibilitaram a

compreensão da responsabilidade da monocultura do eucalipto por profundas

mudanças na estrutura fundiária, uma vez que baseia-se na manutenção da

14

aliança de classes entre proprietários fundiários e capitalistas. Desta aliança

decorre uma complexidade de conflitos territoriais entre o agronegócio e

produtores rurais e populações tradicionais.

A problematização dos conflitos decorrentes das diferentes ocupações e

usos do solo na zona costeira se faz necessária dada à diversidade de usos a

que estão submetidas, muitos destes exclusivos dos espaços litorâneos.

A beira do mar, tal como salienta Moraes (1999), apresenta vantagens

locacionais na instalação de certos equipamentos, como os da indústria naval e

portuária. As áreas costeiras aufere trunfo na esfera da circulação e

escoamento da produção, visto a prioridade dos transportes marinhos em

detrimento dos aéreos e terrestres, correspondendo assim a “áreas de trânsito

entre todas as produções da hiterlândia” (MORAES, 1999, p.21). São ainda

espaços de lazer por excelência, com belezas cênicas que variam de mares

gelados às ilhas tropicais. As atividades turísticas dominantes baseiam-se na

exploração dos recursos naturais1, da força de trabalho e de aspectos da

cultura e vida das populações que tradicionalmente habitam o litoral, alterando

a paisagem, modificando relações de trabalho nas localidades que se instalam

– com frequentes fraudes nos processos de licenciamento ambiental e

expulsão de moradores “nativos”. O turismo é um dos setores produtivos que

mais arrecada no país, um dos vetores responsáveis pela intensificação de

usos da zona costeira.

Assim sendo, os litorais constituem espaços densos e concentrados de

atividades e de pessoas. Estima-se que 2/3 da população mundial encontram-

se na borda dos continentes - a menos de 50 km do mar (UNESCO2). No

Brasil, dados do Atlas geográfico das zonas costeiras e oceânicas do Brasil do

IBGE (2011) afirmam que 26% da população brasileira residem nestas áreas,

correspondendo a 50,7 milhões de brasileiros distribuídos em 463 municípios.

Pode-se dizer que áreas litorâneas ou próximas ao extenso litoral brasileiro

concentram a tal ponto a população em consequência de uma formação

territorial histórica na qual a implantação dos primeiros e mais estáveis pontos

de povoamento se deram nestes espaços (IBGE, 2000).

1 Exploração de recursos como terra e água para a instalação de empreendimentos e

desenvolvimentos de atividades. É comum a exploração de recursos animais, a exemplo dos campeonatos de pesca esportiva. 2 Fonte: http://ioc.unesco.org/iocweb/index.php

15

O fato do mar se portar como uma “feira a céu aberto” influenciou na

fixação dos grupos próximos a mares e estuários. No mar é possível retirar os

alimentos sem empreender nenhum ou pouco custo ou equipamento além da

força humana, como por exemplo, o ato de mariscar. Diegues (1983, p.13)

argumenta em cima de estudos arqueológicos e etnológicos que a pesca

representou uma “importante fonte de alimentos em períodos anteriores ao

surgimento da agricultura”. A coleta de moluscos é compreendida como de

suma importância na alimentação humana antes do período Neolítico. Com o

desenvolvimento da humanidade e das forças produtivas foi possível elaborar

diferentes apetrechos e prover o alimento dos grupos, com redes, arpões,

lanças, barcos etc. Enfim, o mar como uma fonte aberta de alimentos estimulou

ao longo dos anos a fixação de diferentes populações em suas bordas. Ainda

hoje representa a principal fonte de reprodução de diferentes grupos

tradicionais, pesqueiros, quilombolas, indígenas nos espaços costeiros.

A pesca artesanal, responsável por cerca de 70% do que é pescado

nacionalmente (CPP, 2015), vai além de uma atividade econômica produtiva,

constitui um dos pilares da segurança alimentar no país. Trata-se de um modo

particular de reprodução social da vida, atrelado a conhecimentos passados

por gerações, no qual há uma íntima relação com as marés, rios e a totalidade

da natureza. Kunh (2009) em sua dissertação aponta que “os pescadores

artesanais constituem-se como um grupo social que no ato de produzir agem,

concomitantemente, na produção do espaço”. Complementa a autora dizendo:

Os pescadores artesanais são entendidos nesta pesquisa como formadores de um modo de vida particular, ou seja, como um grupo diferenciado no Modo de Produção Capitalista, que embora esteja inserido nesse sistema, possui outra lógica de relação/produção/apropriação do espaço. Para esse grupo social, o espaço possui valor de uso. A lógica que se contrapõe a esta é a lógica dos grandes agentes do capital, que veem o espaço como valor de troca. E esse é o pano de fundo no qual é promovido o embate entre as distintas lógicas de relação/produção/apropriação do espaço geográfico (KUNH, 2009,p.29).

Ao longo do vasto litoral brasileiro de cerca nove mil quilômetros de

extensão, do Oiapoque ao Chuí, há diversas comunidades pesqueiras que

vivem de modo tradicional, da pesca artesanal. Contudo, este modo de viver se

depara com diversos usos do espaço, em sua maioria conflitantes e nocivos à

natureza e aos modos de vida das comunidades locais.

16

Se por um lado o espaço litorâneo aqui estudado revela uma

configuração espacial verticalizada, estruturada conforme as necessidades do

modo de produção capitalista através de empreendimentos de grande porte,

por outro, evidencia o uso por povos e comunidades tradicionais como forma

harmônica e alternativa de relação com a natureza - apreendida em suas

múltiplas dimensões: recurso, abrigo, moradia, local de solidariedade orgânica

que contém valores simbólicos e identitários, etc.

As populações tradicionais da Resex Baía do Iguape vivem e

sobrevivem econômica, social e culturalmente da agricultura, do extrativismo

vegetal e da pesca. A pluralidade de atividades tradicionais é antagônica ao

interesse desenvolvimentista do Estado que busca homogeneizar os usos do

espaço local através do desenvolvimento de atividades estranhas à lógica

tradicional tal como a Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo, a Mastrotto (polo

curtumeiro), o polo naval, iniciado nos anos 1980 com a construção do canteiro

naval em São Roque do Paraguaçu e ampliado com a construção em

andamento do estaleiro Enseada, entre outras atividades que impactam

negativamente as populações locais.

A presente pesquisa, dentre seus objetivos, pretende analisar quais os

impactos territoriais do processo de produção e valorização capitalista do

espaço das comunidades tradicionais no espaço costeiro, tendo aas

comunidades quilombolas do Guaí, na Resex Baía do Iguape, como recorte

escalar.

Neste sentido, o conflito territorial identificado e investigado refere-se à

crescente destinação de terras agricultáveis, historicamente ocupadas por

comunidades quilombolas no Guaí, distrito de Maragojipe, para o monocultivo

do eucalipto. Tal monocultura tem se espacializado pelo país, majoritariamente

presente no extremo sul e sul do estado da Bahia, dando ao Brasil o título de 4º

maior produtor de celulose no mundo, com 14.164 mil toneladas produzidas no

ano de 2010 (SDE, s/ ano). Instaladas em diversos estados do território

brasileiro, empresas e monocultivos de eucalipto têm deixado um rastro de

grilagem, danos ambientais, descumprimento de leis ambientais, além do

fortalecimento do latifúndio em detrimento de políticas de distribuição de terras

com fins de reforma agrária e demarcação de terras quilombolas.

17

A valorização capitalista do espaço impõe uma lógica violenta aos povos

e comunidades tradicionais, expulsas das áreas litorâneas, tendo o seu modo

de (re)produção da vida comprometido e até mesmo impedido de acontecer.

Kunh (2009, p.10) aponta que “o acesso à água está fortemente relacionado

com o acesso à terra, onde este é possibilidade de garantia daquele”. Apesar

da ligação intrínseca com as marés, os extrativistas moram, cultivam,

desenvolvem seus laços de solidariedade e cultura em terra firme e é nesta

que os conflitos se colocam de forma mais acirrada.

O caráter estratégico do litoral e a pluralidade de usos são geradores

potenciais de conflito. Outra caracterização das zonas litorâneas decorre do

fato de serem espaços potencialmente geradores de renda diferencial. “Tal

renda fundiária advém de qualidades relativamente raras dos recursos naturais

e ambientais presentes em uma dada localidade” (MORAES, 1999, p.19). Este

ponto será mais bem desenvolvido nos capítulos a frente. Por enquanto,

aponto que a gênese do valor e a essência deste no capitalismo, partindo da

compreensão das categorias valor e trabalho em Marx, nortearão os caminhos

da pesquisa a fim de trazer uma reflexão que relacione os processos sociais ao

estudo geográfico.

18

2. MÉTODO E METODOLOGIA

Na busca de um caminho que fundamentasse o conhecimento para a

interpretação da realidade histórica e social que busco estudar na pesquisa,

bem como da realidade como um todo, o método materialista histórico dialético

(MHD) desponta como o método mais apropriado para tal, por compreendê-lo

enquanto uma teoria de interpretação capaz de servir de instrumento para

alcançar os objetivos desta monografia. Neste sentido, creio ser fundamental

distinguir método de metodologia, uma vez que não são sinônimos e se

diferenciam qualitativamente, ainda que dialeticamente se entrelacem no

percurso do desenvolvimento das ideias.

Moraes e Costa (1987, p.32) nos ajudam a compreender o método

enquanto ponte de “reflexão de uma ciência particular e a produção

historicamente acumulada, deixando claro o caráter social da atividade

científica.” Desta forma o método diz respeito à visão de mundo do autor, seu

posicionamento político, filosófico, ideológico.

O método, sendo expressão de sistemas filosóficos, possui uma abrangência maior que cada campo da ciência, isoladamente. Por isso, traz para a discussão específica, orientações genéricas, experiências acumuladas, conceitos e categorias já lapidados que atuam como balizamentos gerais para uma reflexão em curso . A opção metodológica fornece ao pesquisador uma adesão a uma lógica (formal, dialética, matemática etc) (MORAES; COSTA, 1987, p.32).

A presente pesquisa parte do materialismo histórico dialético (MHD)

como forma sistematizada de ver o movimento da realidade impulsionando a

práxis humana para o enfrentamento das questões sociais, visto que a práxis3

é, antes de tudo, a validação do real.

Para o pensamento marxista importa descobrir as leis dos fenômenos

cuja investigação se destina trabalhar. Assim, é importante captar, de maneira

detalhada as articulações dos problemas em estudo, analisar seu movimento

(evolução), buscar as conexões sobre os fenômenos que os envolvem. Isto,

para Marx, só foi possível a partir da reinterpretação do pensamento dialético

de Hegel. A separação entre sujeito e objeto, presente na lógica formal, não

3 O conceito de práxis de Marx pode ser entendido como prática articulada à teoria, prática

desenvolvida com e através de abstrações do pensamento, como busca de compreensão mais consistente e consequente da atividade prática – é prática embebida de teoria (PIRES,1997).

19

satisfaz o processo de compreensão da realidade. Partindo disto, Marx e

Engels, buscando a superação desta separação, partiram de observações

acerca do movimento e da contraditoriedade do mundo, dos homens e de suas

relações.

É com esta preocupação que Marx deu o caráter material (os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da vida) e o caráter histórico (como eles vêm se organizando através de sua história). A partir destas preocupações, Marx desenvolve o Método que, no entanto, não foi sistematicamente organizado para publicação. Podemos encontrar elementos para a compreensão do Método nos primeiros escritos de Marx como na Ideologia Alemã e nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, por exemplo, mas é em O Capital, sua mais importante obra, que encontraremos, não uma exposição do Método, mas sua aplicação nas análises econômicas ali empreendidas. A Contribuição à Critica da Economia Política, texto introdutório de O Capital, talvez seja o texto de Marx que mais se aproxima de uma sistematização do Método. (PIRES, 1997, p.86)

A dialética possibilita, bem como exige, o movimento do pensamento

como processo, enquanto a materialidade histórica diz respeito à forma de

organização dos homens em sociedade através do tempo, ou seja, abarca as

relações sociais construídas no processo histórico de desenvolvimento da

humanidade. Para o materialismo-dialético, a história é

[...] produto social, criado ao mesmo tempo que outros produtos da atividade humana pela cooperação dos homens no marco da divisão do trabalho, nas condições naturais e sociais de produção de uma época determinada da história da natureza e da história humana (KORSCH, 2008, p. 137).

O método é visto aqui como um “legado metodológico” deixado para a

humanidade, ainda que não sistematizado por seus autores, Marx e Engels. É

uma concepção de história que “consiste, portanto, em desenvolver do

processo real de produção e a partir da produção material da vida imediata”

(MARX; ENGELS, 2007, p. 42).

Para o pensamento marxista, esta materialidade histórica e dialética é

compreendida a partir do estudo de uma categoria central: o trabalho. O

trabalho é central por se tratar da forma primeira e mais objetiva de

organização em sociedade, por ser responsável pela mediação entre o homem

e a natureza que resulta numa permanente e dialética transformação de

ambos. É central também, pelo fato das relações sociais terem como base as

relações de produção e as formas organizativas do trabalho. A categoria

20

trabalho será desenvolvida no capítulo seguinte, aqui, é trazida como mais um

aspecto relevante para a compreensão do método MHD.

A metodologia, por sua vez, consiste na orientação para o

equacionamento dos problemas da pesquisa, estabelecendo instrumentos que

serão utilizados ao longo de todo processo. Refere-se também,

ao conjunto de técnicas utilizadas em determinado estudo [...] aos problemas operacionais da pesquisa [...] pode-se dizer que a utilização de um método de pesquisa não implica diretamente posicionamentos políticos ou concepções existenciais o pesquisador, resultando muito mais das demandas do objeto tratado e dos recursos técnicos de que dispõe (MORAES; COSTA, 1987, p.32).

Desta feita, a pesquisa-ação orienta metodologicamente a pesquisa

servindo de escopo para o desvelamento dos mecanismos de exploração e o

reconhecimento da luta travada pelas comunidades estudadas. O levantamento

bibliográfico do escopo teórico, bem como das comunidades e

empreendimentos estudados, foram articulados com documentos de

instituições/organizações como o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho

Pastoral dos Pescadores (CPP), atuantes na área da reserva extrativista Baía

do Iguape.

Referente aos dados secundários, estes foram obtidos a partir do censo

realizado pelo Projeto Envolver4 (2013), dados dos censos demográficos do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), censos agropecuários e

dos dados cadastrais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA). Destaco também a participação na audiência pública na forma de

seminário da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara Federal,

em maio de 2014, intitulada “Monocultivo do eucalipto: conflitos

socioeconômico e ambiental”, na qual pude obter dados importantes.

A pesquisa contou ainda com dados obtidos nas viagens de campo

realizadas entre janeiro 2015 e abril de 2016, através da participação em

reuniões do conselho deliberativo, oficinas e assembleias da Resex. Contou

também com trabalhos de campo nas comunidades quilombolas do Guaí em

março e abril de 2016 onde quais foi possível realizar entrevistas estruturadas

4 Trata-se do Diagnóstico Socioeconômico em caráter censitário das comunidades extrativistas

tradicionais da Resex Baía do Iguape, realizado como parte do cumprimento da condicionante ambiental do Estaleiro Enseada a fim de subsidiar a elaboração do Plano de Manejo da UC.

21

com moradores e lideranças pesqueiras e obter pontos georrefenciados com

GPS. Estes últimos subsidiaram a confecção de mapas contidos neste estudo,

elaborados nos programas Google Earth e o Arcgis 10.1.

22

3. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS

Partindo da compreensão de que os conceitos são importantes

instrumentos de análise e interpretação da realidade e que é a própria

realidade que forja e constrói estes conceitos, discorro neste capítulo sobre

questões de ordem teórica, fundamentais para o desenvolvimento deste

trabalho. Antes de trazer compreensões sobre o território, parto da análise da

categoria trabalho como base para a reflexão sobre os processos sociais que

se desenrolam no espaço, chegando às reflexões sobre o espaço transformado

pelo trabalho nele contido – o território.

A história da humanidade é a história da transformação da natureza e

dos homens enquanto sujeitos históricos. Trata-se, partindo da ontologia do ser

social em Marx, da “capacidade do homem de transformar suas relações com a

natureza ao passo que transforma a própria natureza”. O trabalho é assim,

para Marx (2013), um processo de interação dialética entre o homem e a

natureza, é ontológico à condição humana. A trajetória da humanidade carrega

consigo as mudanças que esta relação perpetrou. A dialética desta relação

está na capacidade teleológica do homem de um lado e a causalidade do

mundo natural de outro.

Na história, o trabalho se realiza de diversas formas e em diversas

condições uma vez que para produzir e reproduzir a sua existência, o ser

humano precisa de condições necessárias para a sobrevivência e estas são

garantidas através do trabalho humano (MARX, 2013).

A humanidade trilhou patamares diferenciados se relacionando com a

natureza e o espaço de formas distintas. Formas particulares de realização do

trabalho (e produção) conformam distintas organizações espaciais. O trabalho

primitivo, realizado pelas sociedades coletoras e nômades que antecederam a

Revolução Neolítica, funda o comunismo primitivo - uma fase na história da

humanidade na qual “o espaço é, nesse momento, riqueza natural em meios de

subsistência” (MORAES; COSTA,1987, p. 76). Com os progressos obtidos na

produção dos meios de subsistência fruto de experiências cotidianas e

observação da natureza, os grupos passam a se fixar. A sedentarização resulta

numa substancial alteração no intercâmbio material entre o homem e a

natureza.

23

Mudanças qualitativas ao nível das relações de trabalho, das

necessidades sociais de consumo e, mais importante, nas formas de

organização social. A natureza não mais é apenas objeto de trabalho,

como também é meio de trabalho” (MORAES; COSTA, 1987, p.77).

Marx adotou o conceito de interação metabólica (metabolismo) visando à

compreensão de que há uma mediação da sociedade com a natureza, e que a

força que motiva essa interação é o processo de trabalho, pois tanto o

trabalhador (sujeito), como a matéria-prima a ser transformada (objeto) são

fornecidos pela natureza ao trabalho.

Com o desenvolvimento histórico, as relações intra comunitárias passam

a se complexificar. O cultivo de alimentos e, posteriormente, a domesticação de

animais possibilitaram o surgimento de povoados, o aumento da população e,

consequentemente, da força de trabalho - que resultou no aumento da

produção para além das necessidades da comunidade. O surgimento do

excedente marca uma nova divisão do trabalho que vai dissolvendo as antigas

relações igualitárias dos estágios anteriores. Este novo momento é marcado

pela estratificação social entre aqueles que trabalham e aqueles que firmam

relações de dominação baseadas no domínio da terra e no controle da

produção.

Estão dadas as bases para o surgimento do Estado, que se origina da

contradição entre interesses particulares e os da comunidade e vai se

moldando com o desenvolvimento da luta de classes.

Assim, o Estado não é, de modo algum, um poder, de fora, imposto

sobre a sociedade; assim como não é “a realidade da ideia moral”, “a

imagem e a realidade da razão”, como sustenta Hegel. Em vez disso,

o Estado é o produto da sociedade num estágio específico do seu

desenvolvimento; é o reconhecimento de que essa sociedade se

envolveu numa autocontradição insolúvel, e está rachada em

antagonismos irreconciliáveis, incapazes de ser exorcizados. No

entanto, para que estes antagonismos não destruam as classes com

interesses econômicos conflitantes e a sociedade, um poder,

aparentemente situado em cima da sociedade, tornou-se necessário

para moderar o conflito e mantê-lo nos limites da “ordem”; e esse

poder, nascido da sociedade, mas se colocando acima dela e,

progressivamente, alienando-se dela, é o Estado (ENGELS, 2012, p.

147).

Este instrumento de dominação de classes legitima a “a separação

entre o homem e a natureza, entendida como a desnaturalização do trabalho

social e da sociedade em geral” (MORAES; COSTA, 1987, p. 88).

24

A privatização de um bem, em princípio patrimônio de todos, orientada

por uma lógica de classes, corrobora com a propriedade privada do território e

de seus recursos, resultando em uma série de conflitos. Pensar o território a

partir da projeção espacial das relações de poder (RAFFESTIN, 1993) nos

permite admitir a configuração de múltiplas territorialidades (relações sociais)

no mesmo território (espaço apropriado). Cabe ressaltar que o é processo

desigual e combinado permitindo em um mesmo plano a propriedade privada e

a existência de relações tipicamente não capitalistas. Esta ultima possibilita um

relacionamento distinto do primeiro com o território, no qual há o

reconhecimento do uso coletivo da natureza.

Todas as atividades produtivas combinam formas materiais e simbólicas

com as quais os grupos sociais agem sobre o território. O trabalho é

responsável pela criação e recriação destas relações que reúnem aspectos

visíveis e invisíveis, daí deriva o fato de não se tratar de uma realidade apenas

econômica. Nas comunidades tradicionais, por exemplo, o trabalho abarca

múltiplas dimensões reunindo aspectos sociais, técnicos, simbólicos, culturais,

naturais, etc. Nestas, a produção da vida através do trabalho faz parte de uma

cadeia de sociabilidade e dela é indissociável. O pescador, a marisqueira, o

artesão de apetrechos de pesca, só o é pela relação de trabalho que realizam

enquanto população tradicional. Trata-se assim, da perspectiva de totalidade

do espaço vivido, em suas objetividades e subjetividades.

Considerando o fato de que toda reprodução social se faz a partir do

espaço e o tem como resultado é possível afirmar que o “espaço é história”

(MOREIRA, 2007, p. 62), é por isso dinâmico e comporta diferentes variáveis

(objetos e relações) em sua constituição. Ao passo que o espaço condiciona é

também condicionado pelo movimento da realidade, resultando em um “arranjo

espacial” que nada mais é do que formas e conteúdos propriamente

geográficos instituídos pelos sujeitos sociais, segundo Moreira (2007).

As relações entre sociedade, espaço e poder, dão a base para o estudo

da territorialidade, uma vez que as relações dos homens no e com o espaço

resultam de relações de poder tal como ocorre nas “territorialidades”, uma

expressão de determinada forma de poder sobre o espaço. Para Raffestin

(1993, p.143) “a territorialidade reflete a multidimensionalidade do „vivido‟

territorial pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral”. Para

25

o autor, “o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do

espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator

que realiza um programa) em qualquer nível” (RAFFESTIN, 1993, p. 143).

O território não é o espaço. É, segundo Moreira (2007), o recorte de

domínio, é a apropriação do espaço numa perspectiva na qual o território é um

espaço transformado pelo trabalho ali contido. Logo, essa apropriação não é

uma ocorrência natural e sim resultado concreto da luta dos homens e

mulheres pela sua sobrevivência; trata-se do território enquanto um campo de

poder.

Se o território, assim como o espaço, reproduz a própria lógica do

modo de produção a que pertencem, no capitalismo ele não é

homogêneo, podendo conter frações com relações não-capitalistas.

No campo, essas frações são os territórios camponeses. O que os

define é uma combinação de singularidades: terra, trabalho e família,

que se manifesta em “arranjo espacial”: as comunidades e as

propriedades camponesas (NASCIMENTO, 2014, p.16).

Deste modo, o território se dá imbricado com a produção da

humanidade, historicamente determinada, a partir da apropriação de uma dada

fração do espaço. A relação da sociedade-natureza mediada pelo trabalho

sempre resulta numa apropriação, logo, o território aparece como a

materialização espacial, portanto geográfica, desse processo de apropriação

(NASCIMENTO, 2014).

Território e identidade estão intimamente relacionados enquanto modo

de viver e agir. O território usado pelas comunidades negras quilombolas no

Brasil é o território da resistência, forjado nos tempos de escravidão, mas não

só: é a resistência até os dias atuais ao racismo estrutural mantido pelo Estado.

Trata-se, assim, do território tradicional que resiste frente às investidas do

capital e ao avanço do agronegócio.

A condição de ser comunidade quilombola no Brasil contemporâneo é

definida pela necessidade de assumir a história de resistência à

escravidão e de atualizar a luta contra o racismo, inscrito na negação

de se constituir enquanto território quilombola desde: as práticas de

controle do aquilombamento no período escravista; a lei de terras de

1850 e o projeto político-racial de “autonegação” da condição do ser

negro (negritude). Com a constituição de 1988 os quilombolas

passaram a ser detentores de uma promessa territorial de direitos,

que garantisse a posse, o uso e a propriedade deste – a partir do

Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –, além

do “auto-reconhecimento”. A identidade quilombola se constitui da

reivindicação do direito instituído de permanecer neste território, da

26

memória do grupo social e das formas cotidianas de organização

tradicional da vida em comunidade (SANTOS; SILVA; GERMANI;

2011, p.03).

As terras de preto, mucambos ou quilombos, como são chamadas as

comunidades negras quilombolas, são territórios predominantemente rurais

ocupados por negras e negros, a partir de relações simbólicas e materiais

desenvolvidas no espaço. Tratam-se de laços consanguíneos e de

familiaridade que permitem a utilização de áreas de forma individual e coletiva

(AMORIM; GERMANI; 2005). Essa resistência negra nos seus espaços de uso

se realiza através de práticas de proteção aos recursos naturais disponíveis

numa relação de apropriação diferenciada dos moldes tradicionais de

apropriação capitalista.

A posse do território quilombola foi garantida pela Constituição Federal

de 1988. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

determina a regularização territorial das comunidades quilombolas e protege

suas culturas, dispõe que:

Art. 68. Aos remanescentes das comunidades de quilombos é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.

Outros marcos importantes despontam no cenário político como

conquistas do movimento social organizado, como a convenção 169 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1989 que reconhece o direito

territorial às comunidades quilombolas; o Decreto Presidencial nº4.887/2003

que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento,

delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes

das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias Além do Decreto Estadual nº12.910 de 2013 que

dispõe sobre a regularização fundiária de terras públicas estaduais, rurais e

devolutas, ocupadas tradicionalmente por Comunidades Remanescentes de

Quilombos e Fundos e Fechos de Pasto.

A propriedade definitiva do território passa a ser garantida

constitucionalmente às comunidades negras quilombolas, assegurando a

manutenção de seus costumes e tradições, de forma a permitir a reprodução

física, social, econômica e cultural dos grupos sociais em questão. Ainda que

27

esta tenha sido garantida pela legislação vigente, são muitos os desafios

enfrentados pelos quilombolas na luta pelos seus territórios.

Na prática, mesmo com a autodefinição e com a garantia constitucional,

a maioria dos mucambos está sobreposta a áreas de fazendas. A propriedade

destas fazendas são reclamadas como herança pelos fazendeiros locais,

enquanto diversas famílias quiolombolas resistem secularmente no território,

evidenciando que a posse privada da terra, nos marcos da propriedade

fundiária, não pertence às famílias quilombolas. O cenário é de grande

vulnerabilidade das populações quilombolas que, em sua maioria, ocupam

rincões de pobreza no país, têm dificuldade de acessar políticas públicas e

estão submetidos à violência perpetrada pelos proprietários de terras.

A homologação da terra pelo governo, contudo, não garante a melhoria

da qualidade de vida dentro dos quilombos. Segundo o levantamento do

Ministério de Desenvolvimento Social (2014) mais de 60% das lideranças

quilombolas afirmam que não ocorreram melhorias em relação à saúde,

educação e infraestrutura sanitária como o acesso a água tratada e esgoto,

após a titulação do território.

3.1 Aspectos da propriedade privada e da renda da terra sob o

capitalismo

A renda da terra é anterior ao capitalismo, foi chamada por Marx (1986)

de renda feudal que consistia na forma de exploração realizada pelo senhor

feudal sobre o servo. Irei me ater aos aspectos da renda da terra sob o modo

de produção capitalista e como esta firma o caráter rentista da produção do

agronegócio brasileiro.

Segundo leis da propriedade privada, os proprietários de terras se

apropriam de parte da mais-valia gerada mesmo sem a terra produzir, pelo

simples fato de serem proprietários (detentores das terras) e por isso

exploradores da renda da terra absoluta. Malina (2013) partindo de Marx

discorre sobre a renda da terra, afirmando que:

[..] no capitalismo, pode virar mercadoria – e assim, ter preço – tudo o

que puder ser apropriado privadamente, mesmo sem ter valor. Marx

(1986, p. 137) aponta, na Seção da Renda da Terra, que “Para

vender uma coisa, é preciso apenas que seja monopolizável e

alienável.” E a terra o é, mesmo nua e sem nenhum trabalho posto

ali. Assim, a classe dos proprietários privados se constitui e reproduz

28

cobrando um tributo de toda a sociedade por deter um meio

fundamental para a reprodução desta última: a terra. Esse tributo é a

renda da terra absoluta (MALINA, 2013, p. 41).

A renda da terra é obtida pela elevação dos preços dos produtos

agrícolas acima do preço real geral de produção, tendo como referência o

preço do solo menos fértil. Assim, o lucro obtido, “ao contrário da renda da terra

diferencial I e II5, não é fração do trabalho excedente dos trabalhadores

daquela terra em particular, mas sim, fração da massa de mais-valia global dos

trabalhadores em geral da sociedade” pagos aos proprietários de terra. Este

lucro extraordinário é chamado renda da terra absoluta (OLIVEIRA, 2007, p.

55). É o valor do espaço que se manifesta em todas as formas de renda

fundiária (MORAES; COSTA, 1987).

Oliveira (2007) destaca a importância do conceito renda da terra para a

compreensão da realidade agrária e urbana, pois em ambas a terra entra como

componente importante. Assim,

a renda da terra sob o modo capitalista de produção é, na medida em

que resulta da concorrência, renda da terra diferencial; e é, na

medida em que resulta do monopólio, renda da terra absoluta. [...]

A renda da terra diferencial resulta do caráter capitalista da produção

e não da propriedade privada do solo, ou seja, ela continuaria a existir

se o solo fosse nacionalizado. Já a renda da terra absoluta resulta da

posse privada do solo e da oposição existente entre o interesse do

proprietário fundiário e o interesse da coletividade. Resulta do fato de

que a propriedade da terra é monopólio de uma classe que cobra um

tributo da sociedade inteira para colocá-la para produzir. Inclusive, ela

desapareceria caso as terras fossem nacionalizadas (OLIVEIRA,

2007, p.43-44).

A renda da terra, no modo capitalista de produção, é sempre saldo

acima do valor das mercadorias, ou seja, um “lucro extraordinário permanente”,

superior ao lucro médio, que todo capitalista embolsa ao explorar a terra

através de relações de trabalho assalariado. Esta fração excedente do valor

tem origens distintas, resulta tanto da concorrência entre produtores agrícolas

5 De acordo com Oliveira (2007), “a renda da terra diferencial apresenta-se sob duas formas: a

renda diferencial I e a renda diferencial II. A renda diferencial I é aquela que independe do capital aplicado na produção específica [...] São duas as causas da renda diferencial I: a diferença da fertilidade natural dos solos e a localização das terras. Já a renda diferencial II decorre diretamente do investimento em capitais para melhorar a fertilidade natural da terra.[...] Trata-se, pois, de uma terceira causa da renda da terra diferencial, mas ao contrário das outras, é uma causa eminentemente capitalista, pois se trata do efeito do investimento de capital.

29

capitalistas (renda da terra diferencial I e II), quanto do monopólio (renda da

terra da terra absoluta) (OLIVEIRA, 2007).

A renda capitalista da terra “tem sua origem na distribuição da mais-

valia, onde a condição de proprietário da terra lhe garante o direito de receber a

renda, assim como o capitalista recebe o lucro médio” (OLIVEIRA, 2007, p. 55).

Os juros pelo capital incorporado à terra e as melhorias que ela assim

recebe como instrumento de produção podem constituir parte da

renda que é paga pelo arrendatário ao dono da terra, mas não

constituem a renda fundiária propriamente dita, que é paga pelo uso

do solo enquanto tal, quer ele se encontre em estado natural, quer

seja cultivado (MARX, 1986, p.126).

A renda da terra também pode ser adquirida pela venda da terra, uma

vez seu preço é dado pela quantidade de renda que poderia se embolsada do

solo, em relação à taxa de juros em vigor.

Para a reprodução do capitalismo os produtos e bens naturais precisam

ser apropriados privadamente, fazendo acontecer o processo de troca de

mercadorias como bens escassos, ou seja, não universais. Isso porque se o

acesso a estes bens fosse amplo e gratuito pelo fato de não serem apropriados

privadamente, a troca não poderia se constituir como um momento

fundamental de sociabilidade neste modo de produção.

Compreendendo estes aspectos elementares da renda da terra, é

possível avaliar o caráter rentista da exploração no Brasil. Aqui, as elites

agrárias se firmaram pela instituição da centralidade da acumulação da renda

da terra, ao contrário do que aconteceu em outros países como a Inglaterra

que adotou formas de limitar o poder dos proprietários de terras “com a criação

de formas de abrandar a possibilidade da extração da renda, a partir de

políticas distributivas e/ou reformas agrárias” (PAULINO, 2006, p. 52, apud

Malina, 2013, p. 56).

A soberania da elite brasileira, fruto da aliança de classes entre

proprietários e capitalistas, permite que a propriedade fundiária, especialmente

a de grandes dimensões, sirva como reserva de patrimônio, voltada para a

garantia de empréstimos e como reserva de valor, produzindo renda na venda

da terra.

Se o desenvolvimento do capitalismo no Brasil tem como aspecto

fundante seu caráter rentista, com a concentração da propriedade

fundiária atuando como concentração de riqueza e de capital, unindo

30

numa mesma pessoa o capitalista e o proprietário de terras, e esse

processo foi originado na escravidão e perpetuado na passagem para

o trabalho livre, essa fusão se ampliou expressivamente na segunda

metade do século XX, a partir da modernização da agricultura

(OLIVEIRA, 2009b, p. 27 apud Malina, 2013, p.51).

A crise de acumulação do capital que teve seu apogeu na década de

1970, resultante da queda na taxa de lucros e do esgotamento da acumulação

com o fordismo e o taylorismo, permitiu o surgimento de uma nova forma de

acumulação no mundo e no Brasil, o neoliberalismo a partir da década de 1980

(ANTUNES, 2013).

Rapidamente o neoliberalismo é colocado pela elite política como uma

alternativa à reestruturação do capitalismo, reduzindo o papel do Estado, em

especial às questões sociais. Contudo, as políticas neoliberais adotadas não

resolveram a concentração das terras e a condição de pobreza no campo e nas

cidades brasileiras, pelo contrário, agudizou as contradições sociais,

reforçando a desigualdade estrutural existente na sociedade e o domínio das

chamadas leis de mercado, da competitividade e de consumo.

A liberalização da economia como condição de suposta modernização

do Brasil, a partir neoliberalização de forma dependente e subordinada,

manteve e fortaleceu no país, um modelo econômico no qual predomina a

produção agrária voltada para exportação e sob o comando de agroindústrias

de capital multinacional. As consequências desta política são das mais

variadas, se destacando no campo o aumento da violência e a desorganização

da agricultura familiar, com sérias implicações sociais para a realidade do país.

31

4. A MONOCULTURA DO EUCALIPTO NO BRASIL

4.1 Breves considerações sobre questão agrária no país

Ao longo do processo histórico de ocupação das terras brasileiras,

diversos foram os povos e as formas de uso da terra. Inicialmente ocupada por

centenas de etnias indígenas, a terra era produto coletivo, um bem natural que

tudo provia a seus povos. Os “índios”, como foram chamados pelos

colonizadores, “estavam organizados em comunidades autônomas cuja

identidade se definia por falar determinada língua e partilhar os mesmos

costumes” (GERMANI, 2006, p116). Viviam da caça, pesca e coleta, produziam

seus instrumentos, conheciam a cerâmica e confeccionavam suas vestes. Em

1530, se inicia a ocupação colonial, caracterizada pelo regime de sesmarias e

o sistema de capitanias hereditárias. A economia se baseou na monocultura e

na força de trabalho escrava; a conjunção desses fatores apontam a origem

das grandes propriedades monocultoras sobre a qual se centrou a ocupação

do espaço agrário brasileiro: o latifúndio.

A historiografia aponta que, durante este processo secular, ocorreram

ciclos econômicos com preponderância em um setor produtivo, passando pela

extração de pau-brasil, a produção de cana-de-açúcar, o surgimento da

pecuária e a consequente interiorização das terras brasileiras, o

desenvolvimento de cultivos importantes como o cacau, o tabaco, etc. Todos

estes momentos estiveram associados a uma forma particular de latifúndio,

mantendo sua lógica de acumulação de capital.

A grande propriedade fundiária manteve, durante todos os períodos, centralidade na acumulação e reprodução do capitalismo no Brasil. Isso porque a apropriação – ocupação do solo sob grandes domínios conservou-se como prática fundamental para a reprodução das elites agrárias, de tal maneira que essa forma dominante de ordenamento assume novas feições e qualidades – de acordo com a inserção do país na DIT e o desenvolvimento das forças produtivas internas – mas nunca deixando de ser base de acumulação, ainda que articulada à corporação capitalista de matriz industrial (MAGALDI,1991, p. 8 apud MALINA, 2013, p.75-76).

Desta feita, a questão agrária no Brasil é complexa e tem na forma de

acesso a terra, na função social que desempenha, no seu uso, no seu domínio

e na sua estrutura indicadores que nos apontam caminhos a serem percorridos

no processo de análise. A propriedade privada da terra, ganha novas nuances

32

no modo capitalista de produção, promotor de arranjos diferenciados da

configuração do território brasileiro, tanto no seu controle como no seu uso.

[...] o desenvolvimento desigual, contraditório e combinado do capitalismo, explicita mudanças e permanências na organização territorial gestada pelo capital em seu atual momento, de mundialização - relacionando-as com o desenvolvimento histórico que a gestou. (MALINA, 2013, p.38)

O Brasil apresenta uma estrutura fundiária extremamente concentrada,

decorrente em parte, da ocupação colonial, bem como, da sua forma de

ocupação recente, baseada na expansão de fronteiras agrícolas através da

transferência de capital e de tecnologia. Apesar dessa configuração desigual

abranger todo o país, a estrutura fundiária é geograficamente muito

diferenciada nas distintas regiões, tanto no uso, como no acesso a terra.

A modernização da agricultura no Brasil em meados do século XX teve

como principal objetivo o aumento da produção e da produtividade de cultivos

para a exportação, mediante a inserção de tecnologias agrícolas. Este

processo foi conduzido pelo Estado através de programas e políticas de

créditos agrícolas, investimentos em pesquisas e a criação de instituições

como a EMBRAPA.

O avanço capitalista no campo, a partir da década de 1960 se

caracterizou pela transformação da grande propriedade improdutiva em grande

empresa capitalista, associado à exclusão da maioria dos trabalhadores rurais

detentores de pequenas e médias propriedades. “O cerne deste modelo é a

modernização conservadora, que tem como pilar modernizar a grande

propriedade, com a consequente manutenção de uma estrutura fundiária

concentrada” (CARDIM; VIEIRA; VIÉGAS, 2005, p.02). Neste processo, para a

garantia da qualidade e produtividade exigida, os incrementos técnicos como a

adubação química e a mecanização passaram a determinar a forma de

produção, bem como o perfil da agricultura brasileira hegemonizada pelo

agronegócio.

Essa intensa modernização da agricultura e pecuária foi também

responsável pela mudança na configuração de parte da burguesia nacional já

bem desenvolvida. Capitalistas industriais e urbanos passaram a ser

latifundiários, fundindo numa mesma pessoa: o capitalista e proprietário de

terras. O professor Ariovaldo Umbelino ressalta que,

33

embora este processo tenha sua origem na escravidão, e em particular na passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, foi a partir da segunda metade do século XX que esta fusão ampliou-se significativamente (OLIVEIRA, 2009).

A modernização da agricultura promoveu uma crescente concentração

da propriedade privada da terra, de riqueza e capital, firmada no caráter

rentista de exploração. Entre 1967 e 1978, as grandes propriedades (Tabela 1)

tiveram suas áreas ampliadas em 8,2% enquanto as pequenas propriedades

perderam 3,9% de suas áreas, ao contrário do que pregava a defesa do Estado

à modernização agudizou os conflitos por terra no campo.

Tabela 1 – Concentração fundiária no Brasil anos 1967 e 1978.

Imóveis

Nº de imóveis: grande propriedade (superior a 1.000 ha)

% da área total (ha)

Nº de imóveis: pequena propriedade (inferior a 100 ha)

% da área total (ha)

1967 3.638.931 50.945 (1,4%) 176.091.002 (48,8%)

3.144.036 (86,4%) 67.339.504 (18,7%)

1978 3.071.085 56.546 (1,8%) 246.023.591 (57%)

3.581.838 (83,8%) 59.939.504 (14,8%)

Fonte: INCRA (2003) adaptado de Oliveira (2009).

Nas décadas de 1980 e 1990, cresce a luta pela terra e a defesa da

reforma agrária, ainda que os dados estatísticos do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) continuassem a revelar o caráter

concentrador de terras no Brasil. Como forma de resposta às pressões

populares, o Estado lança políticas públicas fundiárias voltadas para o

assentamento rural. A ação dos movimentos sociais do campo imprime uma

pequena alteração na estrutura fundiária do país, perceptível no inicio dos anos

2000, mas sem rupturas com o modelo agroexportador produtor de

commodities.

As grandes propriedades representavam 1,6% dos imóveis (69.123) de um total de 4.238.421 imóveis rurais, ocupando 43,7% (183.463.319 ha) de uma área total de 420.345.382 ha. Enquanto isso, as pequenas propriedades representavam 85,2% dos imóveis (3.611.429) ocupando 20,1% da área (84.373.860 ha). Comparando-se os dados de 1992 e 2003, verifica-se que ocorreu um crescimento da área total do cadastro de 88,9 milhões de hectares distribuídos de forma desigual, pois neste período a média propriedade ficou com mais da metade (52%) da área que aumentou, e a grande propriedade ficou com 20%, enquanto que a pequena propriedade ficou com 28%. Tratou-se, pois, da ação dos movimentos sociais de luta pela terra que se desenvolveram no país (OLIVEIRA, 2009).

34

Tomando como base diferentes fontes de dados secundários, cabe uma

breve nota. Os dados cadastrais do INCRA identificam a distribuição do espaço

agrário segundo seus detentores (proprietários e posseiros), ou seja, abarca as

propriedades, já os dados censitários do IBGE retratam a ocupação do espaço

agrário pelos produtores rurais (proprietários, ocupantes, arrendatários e

parceiros). Apesar de ambas as fontes serem capazes de evidenciar o elevado

grau de concentração da terra no país, os dados censitários do IBGE foram

adotados por serem mais próximos da realidade, uma vez que

Um aspecto a observar refere-se à natureza dos dados cadastrais que, em função de serem declaratórios, podem retratar um panorama distorcido da realidade fundiária brasileira. Assim, a qualidade das estatísticas cadastrais, dada sua origem, é particularmente vulnerável à qualidade da informação prestada pelo proprietário (CARDIM; VIEIRA; VIÉGAS, 2005, p.5).

Ainda que pese o fato das declarações estarem sujeitas à veracidade ou

não, declarada pelos detentores de terras, a essência concentradora e desigual

da estrutura fundiária brasileira se mostra inalterada quando verificamos os

dados do Censo Agropecuário de 2006. A concentração fundiária no Brasil

entre os anos 1995 e 2006 fica evidente ao observar a tabela 2. Os

estabelecimentos de até 100 hectares compreendem a grande maioria dos

estabelecimentos agropecuários do campo brasileiro, contudo detém a menor

parte das terras. Enquanto isso, os estabelecimentos com mais de 100

hectares são a minoria, entretanto concentram a maior parte das terras das

terras agricultáveis. Tomando o ano de 2006 como referência, nota-se que os

estabelecimentos agropecuários de até 100 hectares representavam 90,4% do

total em apenas 21,4% das terras; enquanto os estabelecimentos com área

acima de 100 hectares representavam apenas 9,6% do total de

estabelecimentos, ocupando 78,6% da área.

Tabela 2 – Número de estabelecimentos agropecuários por área, anos de 1995/96 e 2006.

Número de estabelecimentos agropecuários por área (hectares)

1995/1996 2006 Quantidade % Quantidade %

Até 10 2.402.374 48,9 2.477.151 50,3 De 10 a 100 1.916.487 39,9 1.971.600 40,1

De 100 a 1.000 469.964 9,9 424.288 8,6

Mais de 1.000 49.358 1,3 47.578 1,0 Total 4.859.865 100 4.920.617 100

Fonte: Censo Agropecuário do IBGE (2006) segunda apuração (2007)

35

Na Bahia, a análise não destoa da realidade nacional, de acordo com

dados do Grupo de Pesquisa GeografAR – A Geografia dos Assentamentos na

Área Rural, em mais de 60% do estado há um elevado grau de concentração

fundiária calculado a partir do Índice de Gini, que permite mensurar o grau de

concentração ou desigualdade da distribuição de terras (SANTOS; GERMANI;

2002). O município de Maragojipe acompanha a realidade nacional de elevada

concentração de terras, uma vez que, as áreas agricultáveis do município estão

distribuídas entre poucos estabelecimentos, conforme o gráfico abaixo.

Gráfico 1 – Estrutura fundiária – Maragogipe (2006)

Fonte: Projeto Geografar, 2013.

Os dados acima apontam que mais de 45% dos estabelecimentos rurais

possuem uma área que varia entre 0,2 a 2 módulos fiscais, destinados à

subsistência familiar, enquanto que cerca de 5% dos estabelecimentos

possuem área variando entre 50 a 2500 módulos fiscais, de acordo com o

INCRA, o modulo fiscal do município equivale a 30 hectares.

Nota-se que, a condição histórica social que regulou a ocupação do

espaço agrário brasileiro “gerou e consolidou uma estrutura de propriedade das

mais concentradas do mundo e, pior, uma imensidão de terras sem uso algum.

Como consequência, uma legião de agricultores sem trabalho e sem terras”

(GERMANI, 2006, p. 142).

4.2 Origem do setor florestal no Brasil

Feitas as considerações iniciais sobre a questão agrária no Brasil, cabe

agora contextualizar o setor florestal no país a fim de apreender a dimensão e

36

a potência do agronegócio no que tange as questões sociais, ambientais e

econômicas. O setor florestal - compreendido como um ramo produtivo - tem

no Brasil uma trajetória marcada por diferentes momentos, nos quais as formas

de organização do setor, a dinâmica territorial da atividade e a relação entre

empresas e comunidades afetadas precisam ser compreendidas como parte

das análises referentes à questão agrária no país.

As grandes áreas destinadas ao cultivo e as condições de solo e clima

são, de fato, uma vantagem para o desenvolvimento de atividades agrícolas e

florestais no Brasil. Contudo, estes fatores estão longe de responder à

complexidade da estrutura agrária brasileira, extremamente desigual,

concentradora de terras e renda e geradora de conflitos sociais, envolvendo

camponeses, indígenas, quilombolas e outros grupos sociais.

Sobre o setor florestal, tem-se, num primeiro momento, a produção de

papel no Brasil caracterizada pela dependência de celulose. Era necessário,

até idos dos anos 1940, importar matéria-prima para o beneficiamento no

Brasil, o que resultava numa baixa produção voltada ao mercado interno com

altos custos produtivos. No que tange à dinâmica territorial, a produção

encontrava-se concentrada no Sudeste, dada a abundância de força de

trabalho e capitais nesta região. Esteve também dependente das florestas

nativas para a retirada de madeira, sendo o fator locacional de extrema

relevância para o processo produtivo. A inexistência de integração entre a

indústria papeleira e a produção primária evidenciava o baixo desenvolvimento

do setor, visto que as empresas exportavam madeira e importavam celulose.

Já no segundo momento, nos anos 1980, a restruturação produtiva do

sistema capitalista passa a impor um novo processo de acumulação e

reprodução, no qual a forma industrial de produzir passou a determinar alguns

setores da agricultura. A modernização da agricultura, atrelada à conjuntura

mundial, consolida o caráter agroindustrial da produção de papel e celulose no

Brasil.

Como nos lembra Engels (2012), a função histórica do Estado é mediar

conflitos entre capital e trabalho e, deste modo, o Estado brasileiro foi provedor

da espacialização do setor florestal durante todas as fases do desenvolvimento

deste, aqui representado por grandes empresas privadas. Em ambos os

37

momentos, a dinâmica territorializadora desta atividade produtiva esteve

associada às alianças de classes firmadas entre o Estado e o latifúndio.

Os primeiros plantios homogêneos de árvores no país datam da

segunda metade do século XIX quando foi realizada a recuperação de parte da

mata da Floresta da Tijuca (RJ) que havia sido degradada pela agricultura

cafeeira (MALINA, 2014). Houve outros reflorestamentos com fins ornamentais

e de pesquisa no decorrer do período e em 1911, em meio às discussões sobre

a necessidade de uma legislação florestal, surge a perspectiva da monocultura

de eucalipto.

... em 1911, o engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade assumiu a direção do Serviço Florestal e Botânico do estado de São Paulo e mudou radicalmente os rumos do órgão. De órgão dedicado à realização de pesquisas com florestas nativas, o serviço se transformou, sob sua direção, em uma sementeira de eucaliptos (BARCELOS, 2010; DIAS, 2007 apud MALINA, 2013, p. 37).

O estimulo ao monocultivo do eucalipto partiu do atrelamento da

produção as necessidades de se obter carvão e ligas para o setor férreo, em

especial para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Junto à expansão

das áreas plantadas, a elite fundiária do país começava a propagar o discurso

das "florestas plantadas”. É também nesse período que a imprensa brasileira

se desenvolveu e demandou cada vez mais celulose, produto que o Brasil

ainda importava.

Durante o governo de Getúlio Vargas, o cenário nacional passou por

mudanças profundas. Em “meados da década de 1940 [...] se iniciou a

produção no país de celulose de mercado, ou seja, de pasta para fins de

comercialização” (MALINA, 2013, p.70). Em 1946, é instalada no Paraná a

primeira fábrica de celulose do Brasil. O governo Vargas disponibilizou

fomentos, incentivos e isenções de impostos a fim de tornar o país

autossustentado em celulose. De acordo com Malina (2013), foi a partir dessa

integração do Brasil no setor celulístico que as empresas produtoras de papel e

celulose passaram também a adquirir a posse de imensas áreas agricultáveis.

Entre as décadas de 1950 e 1970, o cultivo extensivo de eucalipto é

ampliado. De “1950 e 1956 a produção de celulose no Brasil aumentou de

1.590 para 51.900 t/ano” (MALINA, 2013, p.70). Em 1956, com o Plano de

Metas, Juscelino Kubitschek promoveu a abertura do setor para o mercado

38

externo, retomando os incentivos estatais e investimentos através do BNDS

(atual BNDES). Contudo, foi no período da ditadura militar que o setor passou

por sua maior expansão, contando com incentivos públicos; a expansão do

setor era justificada em nome do desenvolvimento nacional.

Através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) e do I

Programa Nacional de Papel e Celulose (1974), o Brasil foi integrado em

grandes projetos internacionais voltados a atender a demanda do mercado

externo (NASCIMENTO; DOMINGUEZ, 2009). Neste período há uma relevante

expansão das áreas de monoculturas, as quais foram denominadas “áreas

reflorestadas”, principalmente nos estados de Rio Grande do Sul, Paraná, São

Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Pará. Os estados

também encontraram formas de estimular a monocultura de eucalipto através

de isenções fiscais.

Cabe contextualizar que, neste período, o Brasil passava por

transformações na sua base produtiva, passando a exportar não só matérias-

primas como também produtos semielaborados e acabados. Este contexto se

insere numa nova Divisão Internacional do Trabalho (DIT) baseada na

“expansão das multinacionais através de subsidiárias no terceiro mundo”

(MALINA, 2013, p.72), estimulada também pela necessidade dos países

centrais do capitalismo de obter produtos elaborados no cenário pós II Guerra

Mundial.

Léa Malina faz referência a Léa Goldenstein (1975) em sua tese de

doutorado, apontando o processo de redistribuição geográfica das áreas

produtoras de madeira no mundo. Segundo as autoras, uma série de fatores

levou à progressiva implantação de maciços florestais nos países tropicais do

“terceiro mundo”.

“[...] até a década de 1970, celulose e papel eram um negócio entre países ricos; os países de economia planificada centralizada apareciam como exportadores de madeira para pasta; e o terceiro mundo tinha participação muito pequena no comércio, como exportador de madeira e importador de celulose e papel (GOLDENSTEIN, 1975 apud Malina, 2013, p.77).

A escassez da matéria-prima nos países tradicionalmente produtores –

principalmente na Europa, Estados Unidos e Canadá, por volta de 1970

39

resultou em consequências como a alta dos preços e o desenvolvimento de

pesquisas para uso de madeiras variadas.

Ao passo que se mudavam as áreas destinadas ao plantio de árvores

em larga escala, mudava também, paralelamente, a tendência mundial de

consumo de madeira: “até a década de 1970, 50% do uso de madeira eram de

lenha para consumo doméstico, situação que começou a se modificar com o

estacionamento desse consumo e o crescimento de outros” (MALINA, 2013, p.

77), como o de papel e celulose. Vale ressaltar que mudanças em nível de

mercado também aceleraram o ritmo da produção dos derivados de celulose,

como as embalagens - “mercadorias estas que tomam uma proporção

gigantesca nesse novo momento de reprodução do modo capitalista de

produção (MALINA, 2013, p.78)”.

Outro fator de fundamental importância foi o desenvolvimento técnico

que proporcionou a utilização de árvores de fibras finas e folhosas,

características dos países tropicais, que ainda têm a vantagem de crescerem

rapidamente, se comparado às árvores dos países do hemisfério Norte

(Carneiro, 1994 apud Nascimento, 2007, p.2): “o corte do eucalipto em países

de clima temperado requer 20 a 40 anos, podendo chegar a 70 anos, a

exemplo da Suécia, enquanto as condições dessa região [Litoral Sul da Bahia]

permitem o corte após 6 a 7 anos”. As condições do litoral sul da Bahia

assemelham-se, genericamente, em nível produtivo, às demais áreas do país

nas quais a monocultura do eucalipto vem sendo implantada.

Considerando esses fatores, é possível compreender porque foi durante

a ditadura militar no Brasil que o “setor florestal” mais cresceu. O governo

militar no país esteve atrelado ao capital estrangeiro e proveu incentivos a este

setor. Além disso, marcos legais possibilitaram o aprofundamento do capital

privado na obtenção de terras para o monocultivo além da produção de

celulose. O Código Florestal de 1965 (Lei nº 4.771 de 15/07/1965) se mostrou

um forte aliado da indústria celulística ao passo que deu isenção e dedução

fiscal para pessoas físicas e jurídicas.

Art. 38. As florestas plantadas ou naturais são declaradas imunes a qualquer tributação e não podem determinar, para efeito tributário, aumento do valor das terras em que se encontram. § 1° Não se considerará renda tributável o valor de produtos florestais obtidos em florestas plantadas, por quem as houver formado.

40

§ 2º As importâncias empregadas em florestamento e reflorestamento serão deduzidas integralmente do imposto de renda e das taxas específicas ligadas ao reflorestamento (BRASIL, 1965).

No ano seguinte, a Lei nº 5.106 regulamentou os artigos presentes no

Código Florestal de 1965, dispondo sobre os incentivos fiscais concedidos a

empreendimentos florestais.

Art 1º As importâncias empregadas em florestamento e reflorestamento poderão ser abatidas ou descontadas nas declarações de rendimento das pessoas físicas e jurídicas, residentes ou domiciliados no Brasil, atendidas as condições estabelecidas na presente lei (BRASIL, 1966).

Malina aponta que “o Estado tornou-se agente central para o

desenvolvimento do setor, em uma perspectiva nacional-desenvolvimentista:

planejamento para gerar o progresso do país.” O progresso a qualquer custo,

característico das políticas desenvolvimentistas nacionais, resultou no aumento

da violência no campo e nas grilagens de terra. As políticas implantadas não

descentralizaram as terras agricultáveis, pelo contrário, as concentraram na

posse de quem historicamente detém o latifúndio no Brasil.

Ao fim dos anos 1970, o Brasil era um grande exportador de celulose,

detentor de uma estrutura “altamente oligopolizada e detendo alta tecnologia”

(MALINA,2013, p.). Na década de 1980, houve uma diminuição dos incentivos

com a diminuição da produção, como pode ser visualizado na tabela 3.

Tabela 3 – Produção de celulose no Brasil (1950-1988).

Anos Celulose

fibra curta (mil t) Celulose

fibra longa (mil t) Total (mil t)

1950 1,6 38,4 40,0

1955 23,0 50,2 73,2

1960 119,9 80,3 200,2

1965 203,9 166,2 370,1

1970 385,9 278,2 664,1

1975 830,8 358,8 1.189,6

1980 2.117,0 755,6 2.872,7

1985 2.345,0 1.058,0 3.403,0

1988 2.560,0 1.232,0 3.792,0

Fonte: Magaldi (1991, p. 114) apud Malina (2013, p. 94).

O novo cenário mundial, decorrente da neoliberalização da economia,

trouxe outras mudanças para o setor. Segundo o professor Roberto Martins de

Souza da UFPR6, o período foi caracterizado pela estagnação do setor de

papel e celulose. O neoliberalismo anunciou a nova divisão internacional do

6 Audiência pública em formato de seminário sobre os impactos socioeconômicos gerados pelo

monocultivo do eucalipto, ministrado na Universidade Federal da Bahia (maio de 2013).

41

trabalho, aprofundando a transferência das monoculturas para América Latina,

África e sul da Ásia. Isso foi possível através da liberalização do comércio e de

novos subsídios e incentivos para a exportação de papel. A partir da “Lei

Kandir” - Lei Complementar nº 87 de 1996, que dispõe sobre operações

relativas à circulação de mercadorias - os produtos e serviços destinados à

exportação passaram a ser isentos do tributo ICMS7.

A indústria de papel e celulose, na virada do século XX para o século

XXI já se configurava como uma

[...] indústria basicamente produtora de commodities voltada ao mercado internacional. Por ser movida por altos investimentos de longo período de maturação, a indústria papeleira é considerada, hoje, a maior em intensidade de capital do mundo, superando, até mesmo, a indústria petroquímica, farmacêutica e automobilística. Seus projetos com grande integração vertical incluem imobilização de terras, plantio em larga escala, equipamentos de alta tecnologia para celulose, máquinas de papel, geração de energia, recuperação de utilidades, logística inteligente [...]. A alta capacidade de produção e o porte dos projetos exigem ganhos de escala com um nível de padronização elevado obrigando um rigoroso controle de qualidade. A competitividade e as exigências do mercado têm forçado as grandes corporações a investir de ponta a ponta, desde biotecnologia florestal, genética, manejo e planejamento florestal até em capacitação e logística operacional, tecnologia industrial, controle ambiental, operações financeiras e outras. (BARCELOS, 2010, p. 81-82 apud MALINA, 2013, p.95)

O processo de tecnificação da agricultura, iniciado no pós II Guerra

Mundial e aprofundado entre os anos 1960 e 1970, promoveu mudanças na

produção, a partir da consolidação de ações do agronegócio no Brasil. Este

setor, detentor de terras, capital e tecnologia produtiva, mantém a base rentista

de acumulação que durante todo o processo usou a violência, a exploração do

trabalho no campo e beneficiamento do fundo público.

As políticas liberais iniciadas nos anos 1970 se consolidam na década

de 1990 reafirmando a hegemonia do sistema capitalista de produção, agora

mundializado e tendo as corporações multinacionais como expressão mais

avançada do capitalismo contemporâneo. Acompanhando o movimento

internacional, as multinacionais de papel e celulose se consagram pela sua

verticalização, concentração de capitais, apropriação de grandes extensões de

terras, alta tecnologia, características marcantes da reestruturação produtiva

dos anos 90.

7 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

42

De forma geral, ocorreu no setor a terceirização dos serviços de manutenção e fornecimento de insumos; a modernização das fábricas para aumentar sua capacidade produtiva; investimentos para redução de custos de transporte e armazenamento; além da mecanização e automação de todas as partes do processo produtivo em que isso fosse possível (KALACHE FILHO, 2006, p. 85; JOLY, 2007, p. 36, apud MALINA, 2013, p.100)

O Brasil ocupa o 6º lugar na produção de celulose e papel de fibra curta

e longa de acordo com Malina (2013) e 4º lugar de acordo com a Abraf. Tem a

Veracel como a maior proprietária de terras do Estado da Bahia, dominando

toda a cadeia produtiva (MALINA, 2013). Suas operações vão desde a

produção e o plantio de mudas de eucalipto, passando pela fabricação da

celulose, até o escoamento desse produto final.

A Bahia possui um dos maiores parques industriais de celulose do mundo. Dois municípios presentes no sul do estado, Caravelas e Mucuri, ocupam o primeiro e o terceiro lugar, respectivamente, dentre as três primeiras cidades brasileiras que mais produzem madeira para celulose. O estado ocupa a 2ª posição na produção da matéria no Brasil, com 14,7 milhões de m³ produzidos, em 2010. Além disso, a Bahia possui uma produtividade média de celulose, pelo menos, 20% superior a do País - 4º maior produtor mundial - segundo a Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf). Em 2010, a produção baiana alcançou 2,32 milhões de toneladas (BAHIA, Secretaria de Desenvolvimento Economico – SDE, s/ ano).

Não só a Veracel (composta pela Fibria e Stora Enzo) desenvolve suas

atividades na Bahia, a Suzano Bahia Sul Papel e Celulose S/A, a Fibria -

Aracruz Celulose (composta pelo Grupo Votorantim, BNDES e com ações no

mercado), a Arcelor Mittal Florestas (antiga CAF Santa Bárbara Ltda.) possuem

vastas áreas plantadas ou arrendadas para o plantio, algumas com unidade

fabril no estado como a Veracel no município de Belmonte e a Suzano no

município de Mucuri, no total, a Bahia possui nove indústrias de papel e

celulose (SDE, s/ano). Dentre as diversas empresas, destaca-se a Bahia

Specialty Cellulose/Copener (BSC/Copener) por estar instalada no território

extrativista. Trata-se da “única produtora de celulose solúvel especial com alto

teor de pureza obtida a partir da madeira de eucalipto da América Latina”

(Bahia Specialty Cellulose, 2016).

Através do arrendamento de terras de médios e grandes proprietários

rurais, a Copener realiza o cultivo de eucalipto em áreas do entorno da reserx

Baía do Iguape. A empresa é componente da Bracell (Brazil Cellulose)

companhia com operações globais, de grande capital, alta integração vertical e

43

elevada capacidade produtiva, caraterísticas marcantes do setor de papel e

celulose.

44

5. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E O USO TRADICIONAL DO ESPAÇO

LITORÂNEO

5.1 Histórico do movimento extrativista

Historicamente os povos e comunidades tradicionais buscam se

organizar para garantir seus direitos territoriais como cidadãos e para manter

vivos seus costumes e modo de vida, que conferem um sentido próprio a estes

grupos sociais. Numa sociedade cada vez mais orientada pela dinâmica do

capital globalizado, das grandes corporações, as populações tradicionais

encontram muitas barreiras a serem superadas, principalmente pelo fato de

suas vidas estarem diretamente ligadas a terra e água – meio de produção e

reprodução de suas vidas -, terra e água que são alvos de especulações e de

grandes empreendimentos que ameaçam não só a possibilidade de existência

dessas famílias como também afetam a natureza em proporções muitas vezes

irreversíveis.

Tanto pelas medidas desenvolvimentistas do governo quanto pela

especulação fundiária e imobiliária, a situação das populações tradicionais no

Brasil sempre esteve no alvo de grandes projetos, condicionados a uma

realidade exterior à sua. Seus costumes e tradições foram (e ainda são)

massacrados no processo de colonização e em nome do “progresso” do país,

tendo sua relação com a natureza e território negada enquanto componente

fundamental para os seus modos de vida. Suas terras são alvos de conflitos

com o grande capital e os bens naturais dos quais retiram sua sobrevivência

são gradativamente degradados.

A Constituição Federal de 1988 demarca uma conquista territorial para

alguns segmentos tradicionais. Ainda que pese o fato das leis definirem

direitos, na prática não são aplicadas universalmente como se propõem.

Enquanto

indígenas e quilombolas tiveram seus direitos de propriedade sobre territórios ocupados historicamente reconhecidos [...] outras parcelas como comunidades litorâneas de caiçaras, ribeirinhos, jangadeiros e demais grupos de pescadores artesanais, embora mantivessem uma relação histórica com seus espaços de uso comum, foram preteridos da tutela constitucional. (CHAMY, 2004, p. 1)

As populações tradicionais, definidas conforme o seu reconhecimento

étnico e modos de vida, são contempladas por políticas territoriais que lhe

45

conferem maior poder de produção do e no território, de forma distinta do modo

de produção hegemônico. Algumas populações tradicionais são contempladas

dentro dos marcos institucionais e, dentro da legislação ambiental, ainda que

muitas vezes como letra morta.

Sobre os povos e comunidades tradicionais cabe ressaltar que

[...] o conceito surgiu para englobar um conjunto de grupos sociais que defendem seus respectivos territórios frente à usurpação por parte do Estado-nação e outros grupos sociais vinculados a este [...] Noutro contexto ambientalista, o conceito dos povos tradicionais serviu como forma de aproximação entre socioambientalistas e os distintos grupos que historicamente mostraram ter formas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, assim gerando formas de co-gestão de território. Finalmente, o conceito surgiu no contexto dos debates sobre autonomia territorial, exemplificado pela Convenção 169 da OIT, onde cumpriu uma função central nos debates nacionais em torno do respeito aos direitos dos povos. [...] Assim, o conceito de povos tradicionais contém tanto uma dimensão empírica quanto uma dimensão política, de tal modo que as duas dimensões são quase inseparáveis (LITTLE, 2005, p. 23).

A busca pelo reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais é

antiga e a do movimento extrativista, segundo Cunha (2010), é marcada pelos

ciclos da borracha na Amazônia. Em seu trabalho, a autora apresenta

elementos importantes para a compreensão do processo histórico de ocupação

da Amazônia e como este processo configura, com o passar dos anos, o

Movimento Seringueiro.

A exploração dos seringais se deu após intensas migrações,

principalmente de Nordestinos, atraídos pela esperança de melhores condições

de vida, visto que a seca no Nordeste destruíra a possibilidade de inúmeras

famílias viverem em seus locais de origem. Além das condições naturais, as

relações agrárias se configuravam como mais um obstáculo a ser enfrentado

pelo Nordestino8. As condições de trabalho nos seringais eram precárias e em

muitos casos estabeleciam-se relações análogas ao trabalho escravo, visto que

o sistema de crédito e outras medidas aprisionavam os seringueiros através de

dividas com os seus patrões. 8 Cunha (2010) alega que Porto-Gonçalves (2001) destaca que essa grande migração ocorre

não apenas por conta da forte seca que atingiu o Nordeste, mas por fatores econômicos, uma vez que a principal economia do sertão nordestino (o algodão) sofria forte impacto pelo retorno da produção norte americana no mercado internacional, após o fim da guerra civil naquele país. Outro fator destacado pelo autor trata da “busca” pela liberdade, o que fazia com que os Nordestinos optassem ir para a Amazônia e não para São Paulo onde, apesar do período favorável de expansão da cultura cafeeira, o trabalho era escravo, além do forte papel do Estado que, por meio de propaganda e facilidades no deslocamento, prometiam salários, melhores condições de vida e trabalho.

46

Durante o governo ditatorial militar no Brasil, a Amazônia é reafirmada

como uma região atrasada onde o progresso se fazia necessário. O governo

federal, juntamente com recursos internacionais, ampliou as políticas de

ocupação das terras amazônicas por latifundiários e pecuaristas, deixando um

rastro de desmatamento, expropriação de terras e uso direto da violência

contra as populações ribeirinhas, indígenas, seringueiras e demais habitantes

do Norte do país, principalmente da porção ocidental da Amazônia.

A partir de 1970, quando se dá de forma mais intensa a ocupação dos seringais do Acre por empresas capitalistas de agropecuária, os conflitos fundiários também se intensificam, uma vez que os “paulistas” que lá chegaram precisavam “limpar a área” dos posseiros que lá estavam, para valorizar a terra no caso de venda, ou para implantação de seus interesses em agricultura e especialmente pecuária. (CUNHA, 2010, p.44)

Se um dos objetivos do Estado brasileiro era a exploração do território

amazônico para o beneficiamento da burguesia nacional, por outro lado, os

extrativistas, desamparados de qualquer política pública ou órgão estatal,

buscavam a proteção da floresta, o reconhecimento do seu modo de vida e

lutavam pelo acesso a terra como única possibilidade de existência.

No começo da década de 1980, após lutas e resistências, o Movimento

Serigueiro elabora sua primeira experiência de articulação e autonomia através

do Projeto Seringueiro que visava “libertar o seringueiro do domínio do patrão,

proporcionando-lhe a comercialização do seu produto [...] O Projeto Seringueiro

é um belo exemplo de como se começava a fazer alianças e obter apoios para

projetos que tinham como objetivo a melhoria das condições de vida dos

seringueiros” (CUNHA, 2010, p.64).

O projeto tinha como principais objetivos:

a) Possibilitar a independência econômica dos seringueiros libertando-os dos intermediários na comercialização da borracha e da castanha, através da organização de uma cooperativa de produção e consumo. b) Possibilitar o acesso dos seringueiros às informações relativas à legislação trabalhista que definem os seus direitos enquanto trabalhadores rurais, assim como o controle dos termos em que se dá a comercialização da borracha e da castanha, através da organização de uma escola onde será desenvolvido um curso de alfabetização e de iniciação à matemática. c) Possibilitar melhores condições de saúde através da implantação de um pequeno posto de atendimento e do treinamento de agentes locais (ALLEGRETTI, 2002,p. 359).

47

Esta iniciativa impulsionou outros avanços como a criação de

cooperativas para o gerenciamento dos negócios dos extrativistas visando

favorecer a autogestão do movimento. A realidade apontava também a

necessidade de alfabetizar as populações extrativistas, uma vez identificado o

analfabetismo como um obstáculo à autogestão e articulação; foram criadas

parcerias com escolas no intuito de preparar lideranças para assumir o papel

de alfabetizadores, além da criação de escolas com administração e

planejamento escolar horizontal - “as decisões eram tomadas pelos

seringueiros, na comunidade, respeitando-se o contexto cultural e trazendo

consigo uma experiência de participação política até então desconhecida pelo

grupo (CUNHA, 2010).

Estava gestado coletivamente o projeto de organização e luta dos

trabalhadores da floresta amazônica. Os desafios que seguiram possibilitaram

o amadurecer organizativo e culminaram na criação da primeira reserva

extrativista brasileira.

5.2 Surgimento das Reservas Extrativistas

A ideia de Reserva Extrativista (Resex) surge enquanto produto do

Projeto Seringueiro, no fim dos anos 1980, em plena floresta amazônica. O

modelo de desenvolvimento adotado pelo governo federal implicou em um

cenário de intensos conflitos fundiários. As terras historicamente habitadas por

populações tradicionais e povos da floresta (indígenas e seringueiros) foram

expropriadas, o agronegócio e a pecuária extensiva alastravam-se rapidamente

sob a tutela do Estado. Apesar da luta do movimento dos seringueiros, as

inúmeras denúncias e manifestações, o isolamento que os povos do Norte

viviam ocultava a realidade sofrida das populações tradicionais.

As Resex são síntese de um longo processo de lutas e articulações do

Movimento Seringueiro da Amazônia que via na delimitação de espaços

considerados de interesse ecológico e social um importante instrumento para a

garantia do território para os extrativistas e um consequente avanço no

processo de regularização fundiária. Como dizia Chico Mendes: “a reserva

extrativista é a reforma agrária do seringueiro” 9. A resistência dos povos da

9 Fonte: http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/25-anos-sem-chico-mendes-1140.html

48

floresta era defendida pela liderança dos seringueiros através de lutas sociais

em defesa dos modos sustentáveis de vida das populações tradicionais. A luta

do movimento pôs em evidência a realidade das populações diretamente

afetadas por projetos de desenvolvimento.

Articulações do movimento com o INCRA resultaram na publicação da

Portaria INCRA/P/ nº 627, de 30 de julho de 1987, na qual se criou a

modalidade conhecida como Projeto de Assentamento Extrativista (PAE),

“destinado à exploração de áreas dotadas de riquezas extrativas, através de

atividades economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis, a serem

executadas pelas populações que ocupem ou venham a ocupar as

mencionadas áreas” (INCRA, 1987 apud Cunha, 2010, p.87).

Cunha (2010) alega que a conjuntura neoliberal vivida pelo Brasil

coincidiu com o processo de criação das primeiras Resex.

A proposta dos seringueiros foi materializada no arcabouço legal brasileiro na forma de Projetos de Assentamentos Extrativistas (1987), e posteriormente, no âmbito da política ambiental, na figura jurídica de Reservas Extrativistas (1990). Entretanto, a criação das primeiras Reservas Extrativistas (Resex) coincidiu com o início do ajuste neoliberal no Brasil, com reflexos diretos na reforma do Estado, desregulamentação de direitos trabalhistas, cortes de gastos públicos e privatizações [...] Ao mesmo tempo em que as Resex se impõem como um modelo advindo da tradição, do reconhecimento do saber consuetudinário, autogoverno, formas de organização e de propriedade coletiva, tendo o Estado como garantidor de direitos, o país onde se inserem ingressa efetivamente no neoliberalismo com todos os seus aspectos: preponderância do saber técnico na definição de disputas políticas, reforço da propriedade individual, Estado como mecanismo de coerção na garantia dos direitos desta propriedade e a participação popular fundamentada em uma democracia formal. (CUNHA, 2010, pp. 22-23).

O neoliberalismo ratificava um Estado mínimo para as questões sociais

e máximo para os interesses do capital internacional. Cabe ressaltar que o

Estado representa os interesses das classes dominantes, independente do

nível de precarização vivida pelas classes dominadas. Contudo, a história é

feita de movimento e a contradição existente na luta de classes possibilitou, ao

largo do processo histórico, a conquista de reivindicações de parcelas da

sociedade, como a dos seringueiros.

Outro marco que cabe destacar foi o surgimento um importante

instrumento de luta para o segmento, o Conselho Nacional dos Seringueiros

(CNS), idealizado no Iº Encontro Nacional dos Seringueiros em 1985. O

Conselho em pouco tempo foi capaz de dar visibilidade à luta dos seringueiros

49

nacionalmente e internacionalmente. O CNS reivindicava direitos aos povos da

floresta e atuava em defesa da Amazônia. Ao longo dos anos, os interesses

dos extrativistas das florestas e das marés foram pautados pelo CNS, apesar

do Conselho voltar-se centralmente para os extrativistas das florestas.

Em janeiro 1990, é criada a primeira reserva extrativista, a Resex do Alto

Juruá. Dias depois são estabelecidos espaços compreendidos como de

interesse ecológico e social através da instituição da figura jurídica “reserva

extrativista” via Decreto nº 98.897, considerando-as “espaços territoriais

destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais

renováveis, por populações extrativistas” (BRASIL, 1990)

No que tange à posse da área, o artigo 4º definia que “a exploração

auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais será regulada por

contrato de concessão real de uso “concedido pela unidade federativa,

cabendo a elaboração pela comunidade de um plano de uso da UC a ser

aprovado pelo Ibama10”. Este plano “consistiu no primeiro instrumento de

gestão das Reservas Extrativistas [...] Ao Ibama, coube “supervisionar as áreas

extrativistas e acompanhar o cumprimento das condições estipuladas no

contrato [de concessão de uso]” (CUNHA, 2010, p.96).

Somente em julho 2000, após a criação da primeira Resex, o escopo

jurídico das UCs é sistematizado no Sistema Nacional de Unidades de

Conservação da Natureza (SNUC), sancionado pela lei nº 9.985.

As Unidades de Conservação (UC), espaços territoriais que contemplam

recursos ambientais com características naturais relevantes, têm a função de

“assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente

viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território

nacional e das águas jurisdicionais, preservando o patrimônio biológico

existente” (BRASIL, 2000). Cabe também às UC assegurar às populações

tradicionais a possibilidade de uso sustentável dos recursos de forma racional e

possibilitar o desenvolvimento de modos de vida e atividades tradicionais.

Estas unidades estão sujeitas a normas e regras específicas, contidas no

SNUC (MMA, s/ano).

10

Atualmente cabe ao ICMBio.

50

As UC dividem-se em dois grupos. As unidades de proteção integral

abrangem as modalidades seguintes: estação ecológica, reserva biológica,

parque, monumento natural e refúgio de vida silvestre, etc. Possuem regas e

normas mais restritivas, sendo permitido apenas o uso indireto dos recursos

naturais como ocorrem em atividades recreativas de contato com a natureza,

turismo ecológico ou de base comunitária, pesquisa científica, educação

ambiental, excluindo a possibilidade de consumo, coleta ou dano aos recursos

naturais. Por sua vez, as unidades de uso sustentável “visam conciliar a

conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais” (MMA,

s/ano) sendo permitida a coleta e uso dos recursos desde que haja o respeito

aos ciclos naturais sem comprometer a perenidade dos recursos ambientais

renováveis e dos processos ecológicos. As reservas extrativistas, assim como

as florestas nacionais, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento

sustentável, Área de Proteção Ambiental (APA) e Reserva Particular do

Patrimônio Natural (RPPN) são exemplos de UC de uso sustentável.

O SNUC enquadra as Resex como unidades de uso sustentável,

conforme o art. 7º, capítulo III do SNUC,

§ 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de

parcela dos seus recursos naturais.

Neste contexto se inserem as reservas extrativistas. São consideradas,

conforme o art. 18, como

uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

Trata-se uma unidade voltada para as populações tradicionais

beneficiárias da reserva, sendo assim as demais atividades vinculadas ao uso

do solo estão passíveis de desapropriação a partir do momento que não se

enquadrem no contexto extrativista.

§ 1o A Reserva Extrativista é de domínio público, com uso concedido às populações extrativistas tradicionais conforme o disposto no art. 23 desta Lei e em regulamentação específica, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei (BRASIL, 2000).

51

As Resex passaram a ser reconhecidas no âmbito institucional, geridas

por um Conselho Deliberativo, composto pelo órgão responsável por sua

administração, representantes de órgãos públicos, de entidades da sociedade

civil e, principalmente, pelas populações tradicionais residentes na área,

“conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade”

(BRASIL, 2000).

As UC de uso sustentável refletiram uma transformação no caráter

preservacionista até então adotado pela legislação ambiental no Brasil que

considerava a presença humana uma ameaça à “proteção da natureza” e a

partir disso, justificava a proibição do uso e moradia de pessoas no perímetro

da UC.

A partir de meados dos anos 80, começou a surgir outro tipo de ambientalismo, mais ligado às questões sociais. Esse novo movimento surge no bojo da redemocratização, após décadas de ditadura militar, e, conseqüentemente, caracteriza-se pela crítica ao modelo de desenvolvimento econômico altamente concentrador de renda e destruidor da natureza que teve seu apogeu durante aquele período (DIEGUES, 2001 p.125).

A instituição das Resex é considerada como um primeiro sinal de

mudança de uma perspectiva preservacionista para a conservacionista. Isso se

deu através da compreensão de que os saberes tradicionais devem ser

apreendidos enquanto parte dos projetos de criação e manejo de áreas

protegidas, legitimando as populações tradicionais enquanto sujeitos de direito.

Este reconhecimento - ainda que limitado - do Estado e órgãos ambientais

permitiu avanços importantes como a afirmação de que as populações

tradicionais fazem parte da totalidade do território e possuem modelos de

socialização reconhecidos como práticas ecologicamente sustentáveis.

.

5.3 Resex Baía do Iguape

A Baía do Iguape, situada acerca de 100 km de Salvador (BA), na região

do Recôncavo Sul é belamente descrita por Merleau- Ponty:

Quando as águas do rio Paraguaçu e as águas do rio Guaí encontram as águas da baía de Todos os Santos, temos um lindo lagamar chamado de “Baía do Iguape”. Belos e extensos manguezais cercam a não menos bela baía do Iguape, abrigando a diversidade de vida na fauna e flora locais. Nessa fauna abundante está a espécie humana, coexistindo com as outras espécies que compõem a diversidade da área. Essa é a relação essencial entre parte e todo na baía do Iguape. Pescadores, marisqueiras e todos os seres que

52

compõem os ecossistemas da área são as partes que nos revelam o todo, ou seja, a “baía do Iguape”. As coisas do espaço não podem se distinguir do próprio espaço... (MERLEAU-PONTY, 2004).

Seu elevado potencial ecológico foi legalmente reconhecido em 2000,

com a criação da Resex Marinha Baía do Iguape através do Decreto de

Criação da Resex s/nº de 11 de agosto de 2000. Uma UC de uso sustentável,

que se estende por 8.117,53 ha, sendo 2.831,24 ha de manguezal e 5.286,29

ha de águas internas brasileiras, distribuídos nas áreas de 10 distritos11.

Segundo dados da Comissão Pró-Iguape (2010), consiste na “área mais

conservada da Baía de Todos os Santos”, com uma extensa faixa de

manguezal, vegetação do tipo floresta ombrófila densa (Mata Atlântica) e matas

mistas com piaçava, dendê e diversas frutíferas; é um santuário de mamíferos

aquáticos como o boto (Sotalia fluviatilis) e demais fauna e flora estuarina.

11

Município de Maragogipe (6): Sede, Guaí, Guapirá, Nagé, Coqueiros e São Roque; Município de Cachoeiras (3): Sede, Belém de Cachoeiras e Santiago do Iguape; Município de São Félix (1): Sede.

53

Mapa 1 - Reserva Extrativista Baía do Iguape.

Fonte: ICMBIO/MMA, 2009.

Apesar da poligonal da Resex não compreender áreas de terra – apenas

lâmina d‟água e manguezais, é território de uso de aproximadamente 5 mil

famílias distribuídas em 92 comunidades tradicionais pesqueiras e quilombolas

que vivem principalmente da pesca artesanal, agricultura familiar e artesanato.

54

Figura 1 - Croqui da Baía do Iguape com localização aproximada de trinta comunidades adjacentes à RESEX.

Fonte: ICMBIo/MMA – 2009. Elaborado por Viviane Martins.

Pelo fato das áreas terrestres não estarem inseridas na poligonal da

Resex, fica mais fácil a instalação de empreendimentos e a realização de

atividades impactantes que resultam numa serie de conflitos territoriais

vivenciados no cotidiano social das famílias beneficiarias da unidade.

55

Através de oficinas comunitárias e reuniões na Resex foi definido o perfil

da família beneficiária como sendo:

Família marisqueira, pescadora, artesã, saveirista, agricultora ou extrativista vegetal que usa recursos da Resex de forma artesanal e familiar e que mora e tem ancestralidade nas comunidades do entorno da Resex (Reunião do conselho 17/12/2015).

Ao passo que se resguarda a natureza, as condições de vida das

populações precisam também ser garantidas, vide a missão da Resex de

promover a gestão participativa do território pesqueiro para a conservação da

sociobiodiversidade da Resex marinha Baía do Iguape, como espaço de

aprendizagem politico, de luta e cidadania, com o fortalecimento das

identidades das comunidades tradicionais e das culturas populares.

Os dados levantados pelo Projeto Envolver permitem uma aproximação

da realidade das comunidades da Resex. Conforme o gráfico abaixo, tomando

como universo 12.794 extrativistas entrevistados tem-se a seguinte divisão da

população por comunidade:

Gráfico 2 – Extrativistas da Resex Baía do Iguape por comunidade.

Fonte: Projeto Envolver, RESEX Baía do Iguape, 2013.

A pesca artesanal corresponde a mais de 70% da produção pesqueira

no país. Na Bahia, representa a totalidade da pesca extrativa e corresponde a

85% da atividade de pesca, restando os outros 15% para a aquicultura (CPP,

2015). Estes dados mostram a importância dessa modalidade de pesca para a

soberania alimentar, bem como a expressiva ocupação laboral. Como atividade

56

produtiva e em termos de relações de trabalho, entende-se a pesca artesanal

como sendo aquela

[...] realizada dentro dos moldes da pequena produção mercantil, que comporta ainda a produção de pescadores-agricultores. (...) Trata-se de uma pesca realizada com tecnologias de baixo poder predatório, levada a cabo por produtores autônomos, empregando força de trabalho familiar ou do grupo de vizinhança (CARDOSO, 2003, p. 81).

A pesca tradicional artesanal é mais que uma atividade produtiva,

implica uma profunda relação com o território. Na reserva, a pesca é

caracterizada pela captura de peixes e crustáceos diversos, tanto do rio quanto

da maré12, correspondendo a principal atividade econômica dos extrativistas,

bem como parte da sua dieta diária. Apesar de estarem inseridas no modo

capitalista de produção e de terem o produto do seu trabalho transformado em

mercadoria, logo inserido na lógica de mercado, as comunidades tradicionais

não reproduzem relações tipicamente capitalistas, sua práticas se caracterizam

pelo

[...],excedente reduzido e irregular, a baixa capacidade de acumulação, a dependência total vis-à-vis ao intermediário, a propriedade dos meios de produção, o domínio de um saber baseado na experiência (e que constitui sua profissão), são elementos que caracterizam ainda a pequena produção mercantil (DIEGUES, 1983, p. 155)

O caráter artesanal da pesca é dado ao baixo grau de tecnologia

incorporada na captura e nos seus instrumentos, os apetrechos variam

conforme a espécie alvo, entre eles estão o jereré, a linha de espera, o munzuá

para a captura do siri; o facão, o farracho e o ferro para retirada de ostras; o

ferro, o facão e a própria mão para a coleta do sururu; etc. Os principais

pescados extraídos da Resex são a ostra, o camarão e o sururu (Projeto

Envolver, 2013).

12

Por maré, adotamos a concepção de Santos (2007), baseada em estudos realizados com a população tradicional da Resex marinha baía do Iguape. “Maré não é somente o movimento de sobe e desce das águas; a maré é também lugar: lugar de buscar alimento, renda, lugar de convívio, lugar de mistérios”.

57

Figura 2 – Apetrechos de pesca e pescadora.

Fonte: Projeto Envolver, Resex Baía do Iguape, 2013. Figura 3 – Marisqueiras cantando pescados.

Fonte: Projeto Envolver, Resex Baía do Iguape, 2013.

58

Homens e mulheres participam da lida no roçado para complementar a

renda e dieta da família. Na pesca, as mulheres se concentram na mariscagem

e no beneficiamento.

Gráfico 3 – Principais fontes de renda dos beneficiários da Resex Baía do Iguape.

Fonte: Projeto Envolver, Resex Baía do Iguape, 2013. Adaptado por SAPUCAIA.

Apesar de ser a principal fonte de renda (76%), a atividade pesqueira

ainda proporciona rendas baixas, especialmente na Baía do Iguape na qual as

artes são praticadas com meios de produção com baixa tecnologia e oscila

conforme oferta dos pescados. Segundo dados da pesquisa, a renda familiar

varia com baixas remunerações: 79% dos entrevistados alegaram receber

cerca de ½ salário mínimo, 17% entre ½ a 1 salário, 4% mais que um salário,

ou seja, quase a totalidade dos extrativistas contemplados na pesquisa (96%)

vivem com até um salário mínimo (PROJETO ENVOLVER, 2013). Estes

números são indicadores do nível de pobreza da grande maioria dos

extrativistas. “A modéstia renda deve ser ainda avaliada a luz do tamanho das

famílias, que embora, não apresentem padrões elevados, até nas áreas rurais,

se traduzem por níveis de vida economicamente baixos” (PROST, 2010, p. 57).

Dados do Projeto Envolver, apontam também que as casas dos

extrativistas são modestas: das 3.344 casas visitadas, apenas 28% delas tem

esgoto sanitário e 44% estão submetidas a esgotamento a céu aberto.

As UC de uso sustentável preveem a conservação da natureza, e

considera que as práticas sociais de populações tradicionais e seus saberes

ambientais contribuem com a sustentabilidade do uso social dos recursos

naturais. Ao garantir a conservação do meio ambiente, consequentemente

59

possibilita a manutenção dos extrativistas em seus territórios, reconhecendo

seu valor cultural, ecológico e simbólico.

Partindo da concepção de valoração e valorização13 de Moraes, Prost

(2010) aponta que a consolidação da UC na Baía do Iguape expressa,

[...] uma valoração de tipo econômico-ecológico, mas igualmente a valorização consagrada pelas populações locais para as quais o manguezal representa o lócus do seu habitat, de seu trabalho, assim como um lugar repleto de significados simbólicos. (PROST, 2010, p.5)

As Resex Baía do Iguape teve seu conselho implantado cinco anos após

a criação da reserva, “revelando a falta de prioridade do IBAMA nos assuntos

costeiros” (PROST, 2010). A consolidação do conselho deliberativo é de

fundamental importância para a participação ativa dos extrativistas na gestão

do seu território, dando-lhes o direito de opinar e escolher os projetos e

políticas a serem desenvolvidos na reserva. À frente discutirei os limites e

fragilidades que acredito estarem postas na realidade da Resex. Por enquanto,

me limito a apontar a relevância que os espaços de decisão ocupam num

contexto de cogestão.

13

Segundo Moraes (1999), valoração consiste em atribuir valor a bens ou conjunto de bens; enquanto valorização remete a apropriação material, transformando recursos da natureza em valores de uso.

60

6. MONOCULTURA DO EUCALIPTO NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS

DO DISTRITO GUAÍ: REFLEXÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAL, FUNDIÁRIA E

AMBIENTAL

O município de Maragojipe está situado na região do Recôncavo baiano

a 133 Km da capital Salvador. O munícipio margeia a Baía do Iguape, faz limite

com a Baía de Todos os Santos (BTS) e com Saubara e Salinas das

Margaridas a leste, São Felipe a oeste, São Félix e Cachoeira a norte e

Jaguaripe e Nazaré a sul. De acordo com dados do IBGE (2006), tem uma

população estimada de 41.410 habitantes distribuídos nos seis distritos que o

compõe, a saber: Sede, Coqueiros, Guaí, Guapira, Nagé e São Roque. No

Guaí, distrito onde foi realizado o presente estudo, estão espacializadas as

comunidades quilombolas Baixão do Guaí, Guérem, Guaruçu, Jirau Grande,

Porto da Pedra e Tabatinga, que fazem parte da população beneficiária da

Resex Baía do Iguape.

6.1 Resgatando a memória quilombola: um pouco da história contada

Os tempos do engenho foram relatados na oficina de histórico das

comunidades realizada pelo INCRA em 2014 durante a elaboração do RTID.

Relatos e lendas passadas por gerações remontam à história dos engenhos

entre o século XVII e os anos 30 do século XIX. Relatos de ataques,

principalmente indígenas, aos engenhos contam como foi possível a fuga de

negros escravizados que se afugentavam nas matas e manguezais. Estes

relatos são confirmados pelo historiador Stuart Schwartz, especialista em

historiografia do Recôncavo Baiano.

Com as fugas, aos poucos iam se formando os quilombos, organizados

através da agricultura de subsistência e coleta nas matas; resistiam em áreas

próximas das vilas e engenhos.

Muitos trechos litorâneos eram de mangue, um problema para os senhores de engenho ansiosos para ocupar com canaviais cada centímetro de terra, mas uma salvação para os escravos que se alimentavam de siris, guaiamuns, e outros crustáceos (SCHWARTZ, 1988 apup RTID/INCRA, 2014)

Na oficina, relatos da pesca e mariscagem remontam à história dos

escravizados; mesmo trabalhando nas lavouras, a pesca e a mariscagem

61

apareciam como atividades complementares à subsistência destes e daqueles

que conseguiam de alguma forma fugir para os quilombos.

Com uma economia rural mista, o município de Maragojipe exibia em

fins do século XVIII, florestas, manguezais e vastas áreas com cultivo de

mandioca. A norte, as lavouras de cana-de-açúcar de Cachoeiras adentravam

parte do território maragojipano.

Apesar da existência de seis propriedades açucareiras em Maragojipe, na qual se destacavam dois engenhos de tamanho médio [...] a grande maioria dos “plantéis” era pequena. Dois terços dos proprietários mantinham apenas cinco escravos, embora apenas 29% de todos os escravos vivessem em “plantéis” como estes. Isso significa que 71% dos escravos se distribuíam entre alguns pequenos engenhos, sítios de fumo, pequenos sítios de agricultura de subsistência de negros alforriados e quilombos (RTID/INCRA, 2014, p.44).

É nas primeiras décadas do século XIX que a origem dos primeiros

quilombos do Guaí é relatada pelos quilombolas. Este período marca a crise

açucareira na região quando inúmeras fazendas foram abondanadas após a

falência dos senhores de engenho. Essa situação facilitou a formação de

comunidades negras rurais com aqueles que resistiram à crise e se

mantiveram nas terras ou nos arredores das propriedades.

As menções locais do território e dos antepassados das comunidades começam a surgir na tradição oral das comunidades somente quando os quilombolas fazem referência ao tempo da liberdade (RTID/INCRA, 2014, p.48).

O “tempo da liberdade” é o tempo dos quilombos, da alforria, isto pois a

liberdade é apresentada pelos quilombolas do Guaí como um elemento

fundamental para a sua formação como um grupo social. Essa liberdade

encontra na história outro obstáculo, quando em meados do século XX, quatro

famílias passam a ser proprietárias de grandes terras na região.

Os primeiros “novos proprietários” que apareceram no início do século XX eram a segunda ou terceira geração das famílias Sá e Pereira Guedes, que continuavam a ser proprietários de alguns engenhos e fazendas da região. Após anos sem a posse efetiva das fazendas, os herdeiros voltaram a ter interesse nas terras, que estavam parcialmente ocupadas pelas famílias quilombolas (RTID/INCRA, 2014, p.62). .

Com retorno dos herdeiros, a propriedade da terra é reclamada,

incluindo a posse de terras devolutas e pequenos sítios que foram anexados

aos limites das fazendas. Como os documentos de posse não precisavam as

dimensões das propriedades, se tornava fácil a grilagem das mesmas. As

62

cercas das fazendas foram aos poucos ocupando as áreas ocupadas pelos

quilombolas. “Essa pode ser uma forma de compreender como os diversos

sítios e fazendas da região se agruparam em apenas quatro grandes fazendas

confinantes entre si, em todo o Guaí, abrangendo áreas cuja ocupação

quilombola era centenária” (RTID/INCRA, 2014, p.63).

Figura 4 - Croqui das antigas fazendas do distrito do Guaí. Em verde: terras da família Sá; em azul turquesa: terras da família Pereira Guedes; em amarelo: terras da família Guerreiro (incluindo a vila Capanema em laranja); em rosa: terras da família Sanches; em bege: terras da família Pimentel; pontos em vermelho: ruínas dos engenhos; pontos verdes-escuros: antigos portos.

Fonte: RTID/INCRA (2014)

Cabe lembrar que a Lei de Terras de 1850 excluía a posse mansa e

pacífica de terras por escravos e ex-escravos. As comunidades negras, antes

da Lei Aurea, eram consideradas ilegais, logo, a escravidão não representava

uma ameaça à propriedade privada. Contudo, a conjuntura global apontava

que o fim do regime escravocrata estava por vir. A Lei de Terras cumpriu,

portanto, o importante papel de excluir socialmente os negros futuramente

63

libertos da posse de terras e, com isso, da possibilidade digna de existência.

No regime escravocrata, no entanto, não tinha-se o pagamento do “salário”

como equivalente geral do valor da força de trabalho, deste modo a Lei de

Terras consistiu num marco, visto que, juridicamente a terra passa a ser

considerada mercadoria, logo, passível de compra e venda.

Com o fim da escravidão em 1888, a ocupação de terras no Recôncavo

passa a contar com um significativo número de negros firmados em terras

devolutas e espalhados pelas matas. A retomada das propriedades pelas

famílias herdeiras não tinha como objetivo a expulsão dos quilombolas, desde

que estes prestassem serviço e/ou pagassem a renda da terra aos fazendeiros.

O trabalho compulsório nas fazendas é caracterizado pelos quilombolas como

um “retorno à escravidão”, o fim da liberdade. “No Guaí, fazendeiros e

quilombolas mantêm relações complexas, pautadas na dominação, exploração,

opressão e exploração do trabalho” (RTID/INCRA, 2014, p.37). Isto não é algo

atual; é uma relação que se reproduz ao longo das gerações, filhos, pais, avós

e bisavós de quilombolas também estiveram submetidos a este regime.

6.2 A ocupação atual da Comunidade Quilombola Guerém-Baixão do

Guaí, Guaruçu, Jirau Grande, Porta da Pedra e Tabatinga

A ocupação atual é um reflexo do passado distante e das memórias

recentes. Numa área 5.966,76 hectares14, a economia do território quilombola é

baseada na agricultura familiar no cultivo em roças, na produção de farinha, na

pesca e mariscagem e no extrativismo vegetal. A produção é voltada para o

autossustento e o excedente é vendido na feira ou para atravessadores. Há

uma elevada preocupação por parte dos pais e dos jovens no que se refere a

emprego, visto que a produção voltada para a subsistência não possibilita a

dinamização da economia local com geração de renda e de oportunidade para

os mais jovens.

...hoje os jovens que querem ter alguma renda são obrigados a deixar o território e prestar serviços como pedreiro, empregada doméstica, segurança etc, muitas vezes sub-empregados (sem direitos trabalhistas ou ganhando menos de um salário mínimo) (RTID, 2014, p.33).

14

Dado do documento de levantamento fundiário do INCRA apresentados por quilombolas em campo.

64

O território quilombola conta com 350 famílias espalhadas em todo

território; não há vilas ou conglomerados com mais de 10 casas próximas.

Apesar da publicação do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação

(RTID), os quilombolas seguem sem a posse reconhecida de suas terras,

restando-os viver nas propriedades particulares, trabalhando nas lavouras em

regime de “terça” (renda fundiária - um terço da produção é entregue ao

fazendeiro como forma de pagamento pelo uso e moradia na terra). O RTID,

aponta exceção deste regime no Sítio Irmã Dulce, na Fazenda Guerém e nas

terras Nair Guedes, mas porque se encontram abandonadas.

Do início do século XX aos dias atuais, foram poucas mudanças no

caráter ocupacional do território quilombola do Guaí; a exceção fica por conta

da década de 1960 quando se intensifica o processo de expropriação dos

posseiros. Ainda assim, muitas famílias quilombolas conseguiram resistir

espalhadas pelo território, mas sem ocupar as fazendas, a maioria foi relegada

a poucas tarefas de terra. São poucas as famílias que permaneceram dentro

das fazendas, a exemplo do que ocorre na Fazenda Porto da Pedra. Há pouco

de uma década, após serem expulsos das terras da Fazenda Mutambo, os

quilombolas passaram a residir às margens da estrada que circunda a

monocultura de eucalipto da fazenda, vivendo de roças cultivadas pela família,

do extrativismo vegetal e de mariscos.

Os quilombolas se queixam que os proprietários dessas terras não permitem a construção de novas casas, e as novas gerações são obrigadas a migrar ou dividir casa com os pais (RTID/INCRA, 2014).

Figura 5 – Monocultura de eucalipto da Fazenda Mutamba e roças comunidade quilombola Mutamba.

Fonte: Sapucaia, abril de 2016.

As famílias estão predominantemente espalhadas pelo território, em

sítios pequenos de 3 a 15 hectares, onde vivem em média quatro famílias

65

nucleares. Normalmente são sítios sem cercas entre eles, a não ser quando

fazem divisa com fazendas não quilombola. A cerca se estabelece como marco

da propriedade privada na paisagem do Guaí.

De acordo com o levantamento fundiário INCRA, existem nove fazendas

com área superior a 100 hectares que juntas somam um total de 2.309,77

hectares. Estas fazendas ocupam o espaço de forma diferente, normalmente

com gado bovino em pastagens e eucalipto. Este último bastante recente em

relação ao gado; as primeiras monoculturas de eucalipto datam de fins de

2012.

Ainda que boa parte dos quilombolas tenham conseguido adquirir um sítio, as terras agricultáveis são escassas. A falta de terra e a luta pela posse já dura muitas décadas, desde aproximadamente 1920. Recentemente se verificou um agravamento gerado [...] pelas mudanças de ordem ecológico-ambiental. Mesmo sem terras agricultáveis, os quilombolas do Guaí tinham como principal instrumento de garantia de subsistência os recursos naturais do território, hoje disponíveis numa escala muito menor (RTID/INCRA, 2014, p.93).

Figura 6 – Croqui do Território Quilombola do Guaí.

Fonte: Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID)

66

A infraestrutura básica é deficiente e com pouca ou nenhuma diferença

entre as comunidades. Nota-se a ausência de equipamentos e espaços

públicos capazes de atender as 350 famílias do distrito (RTID/INCRA, 2014).

A instalação da energia elétrica nas comunidades também é recente

(RTID/INCRA, 2014). Em 2007 apenas a comunidade quilombola Baixão do

Guaí tinha rede elétrica instalada, as demais comunidades foram contempladas

pelo Programa Luz Para Todos entre 2008 e 2009, mas atualmente, algumas

dezenas de casas ainda continuam sem rede elétrica. O saneamento básico é

o ponto mais deficitário do distrito. Nenhuma comunidade possui esgotamento

sanitário nem abastecimento de água tratada, restando às famílias a utilização

de bicas, fontes e coleta de água nas nascentes. No Baixão do Guaí, a

comunidade faz o uso da canalização de fontes e nascentes construídas pela

Companhia de Engenharia Rural da Bahia (CERB), porém sem tratamento. Os

dejetos são dispensados na grande maioria dos casos em fossas fechadas e

abertas. Outro ponto preocupante é a poluição das águas usadas para

alimentação, banho e limpeza de roupas e casa.

Em análises realizadas repetidamente pelos órgãos responsáveis verificou-se que a água utilizada pela população encontra-se poluída e é impropria para o consumo [...] a falta de abastecimento de água tratada é apontada como uma das principais causas de doenças nas comunidades (RTID/INCRA, 2014, p. 29)

Ainda sobre questões sanitárias, a coleta de lixo é apontada como

insuficiente pela população. Apenas a comunidade Jirau Grande possui coleta

de lixo da prefeitura, ainda assim, apenas as casas que se localizam à margem

da estrada têm seus lixos coletados pelo caminhão que passa na comunidade

vizinha, Capanema. A destinação do lixo fica por conta das famílias: restos

orgânicos são usados para alimentação de animais (patos, galinhas, cachorros,

porcos) ou adubo, o lixo inorgânico é queimado e algumas vezes destinado de

forma incorreta nas matas dos quintais.

O baixo nível de acesso ao saneamento implica em doenças. No

entanto, nenhuma comunidade dispõe de posto de saúde, nem é contemplada

pelo Programa de Saúde da Família. As famílias precisam se deslocar até o

posto mais próximo na comunidade de Capanema, que mal suporta a demanda

da comunidade local, com apenas um médico e um dentista. Em casos mais

graves, a comunidade precisa se deslocar até o hospital de Maragojipe ou de

67

São Félix, ainda assim sem garantia de pronto-atendimento. De acordo com

relatos a perda de sabedorias tradicionais como o uso de ervas medicinais e

ofício de parteiras intensifica a precarização da prevenção e cuidados com a

saúde. As doenças ocupacionais, principalmente adquiridas pelas

marisqueiras, não têm a atenção necessária dos órgãos responsáveis,

evidenciando o descaso com as comunidades pesqueiras.

Os problemas mais comuns enfrentados são o câncer de colo do útero, o aborto inseguro, as doenças sexualmente transmissíveis e a hemorragia, em função de não haver atendimento nem exames ginecológicos para a maioria das quilombolas [...] Já as principais causas de mortalidade infantil, citadas por lideranças comunitárias e informantes-chaves foram: doença do coração e doença de pele (RTID, 2014, p. 31).

Ainda sobre serviços básicos como transporte e educação a situação

também deixa a desejar. Todo transporte da comunidade é realizado através

do ônibus da prefeitura que circula na BA 024. Para os estudantes, é

disponibilizado um ônibus escolar que passa pela estrada do Baixão do Guaí,

com frequentes reclamações sobre as condições do serviço. De resto, a

principal forma de locomoção é a pé, visto que quase não há carros e

motocicletas particulares, dado o baixo poder aquisitivo das famílias. No distrito

existem quatro escolas de ensino fundamental, quase todas funcionando sem

material escolar e merenda. Cabe destacar que é comum nas comunidades as

crianças e jovens ajudarem na roça e no trabalho da maré. Sem as condições

mínimas e estimulo para os estudos a superação do elevado grau de

analfabetismo nas comunidades fica difícil de acontecer (RTID/INCRA, 2014).

Os estudantes do ensino médio precisam se deslocar para a sede, contudo, a

dificuldade de transporte é colocada como um empecilho para a continuidade

dos estudos na rede pública de ensino.

6.3 Questões sociais, fundiárias e ambientais decorrentes da monocultura

de eucalipto nas Comunidades Quilombolas do Distrito Guaí

As vantagens no Brasil não são apenas edafoclimáticas - que resultam

no crescimento do eucalipto em tempo reduzido. As facilidades na obtenção de

terras no país, pela compra, arrendamento ou grilagem, elevam os lucros da

produção a partir da exploração da terra e obtenção da renda da terra. Na falta

68

de fiscalização, estudo e acompanhamento sobre a questão fundiária

(discriminação das terras) o Estado permite que transações irregulares

promovam a apropriação privada sobre as terras devolutas e,

consequentemente, intensificação da concentração fundiária.

No seminário organizado pela CPP, em dezembro de 2015, na

Universidade do Recôncavo Baiano (UFRB), em Cachoeira, marisqueiras e

pescadores do Guaí denunciaram os impactos ambientais e conflitos com

fazendeiros donos das propriedades onde as monoculturas de eucalipto estão

sendo desenvolvidas. Estas problemáticas foram também levantadas nas

visitas a campo feitas em março e abril de 2016, a partir de entrevistas com

quilombolas do Guerém, Baixão do Guaí, Jirau Grande, Quizinga e Porto da

Pedra.

Conforme o Mapa 2, as monoculturas de eucalipto dentro do territ.[orio

quilombola estão concentradas em cinco fazendas de quatro proprietários,

destes, nenhum é nativo ou filho da terra como dito nas entrevistas. Os

problemas ambientais, sociais e econômicos relatados configuram as

dificuldades e elucidam a resistência e luta dos quilombolas do Guaí para a

titulação das terras, o que passa necessariamente pela indenização dos

fazendeiros.

O mapa 2 evidencia como as monoculturas de eucalipto do Guaí estão

concentradas, em sua maioria, na porção oriental do limite da Resex, com

aproximadamente 169,65 hectares distribuídos nas comunidades Porto da

Pedra e Mutamba, entre as propriedades “W”, “X”, “Y” e “Z”. Os monocultivos

mapeados na área de estudo apresentam espécimes em diferentes estágios de

maturação variando em tamanhos: eucaliptos jovens (1-5 metros), os

eucaliptos maduros (5-10 metros); não foram encontrados eucaliptos recém-

plantados (espécimes menores que um metro), nem eucaliptos adultos

(maiores que 10 metros). Como pode ser observada no mapa, parte dos

cultivos alcançam os manguezais, estando a menos de 100 metros da

poligonal da unidade. Já na porção ocidental foi identificado cerca de 35

hectares de eucalipto concentrados na propriedade “U”, localizada na

comunidade do Guaruçu. Foram também identificadas nas bordas das

monoculturas da propriedade “U” áreas de pasto com manchas de vegetação

de Mata Atlântica em estágio inicial de regeneração classificadas como pasto

69

sujo e, pasto sem presença de vegetação arbustiva ou arbórea, somente com

herbáceas, identificadas como pasto limpo; destacadas como possíveis áreas

destinadas à monocultura.

500500

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502000

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503500

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Cachoeira

Maragogipe

São Félix

-38°40'

-38°40'

-39°

-39°-12

°40'

-12°40

'

-13°

-13°

Delimitação das monoculturas de eucalipto no Distrito de Guaí - 2016

±

Datum: SIRGAS 2000Fonte: Acervo ICMBIOElaborado por: SAPUCAIA (2016)

0 21 Km

LegendaUso do solo

Baía de Todos os Santos

Limites do mapa de localização

Limite MunicipalÁrea de Estudo

Limite da Resex Baía do Iguape

Agricultura/PecuáriaFloresta SecundáriaManguezal

Brejo

Pasto limpoPasto sujo

Estágio de maturação do eucaliptoEucalipto jovem (1-5 m)Eucalipto maduro (5-10 m)

71

O direito individual dos fazendeiros de plantar eucalipto se sobrepõe à

permanência de centenas de famílias que vivem da roça e da “maré”. A

situação conflituosa evidencia diversos abusos, coação e ameaças por parte de

proprietários, que se intensificaram após a publicação do RTID em novembro

de 2015. De acordo com relatos de campo, fazendeiros buscaram reverter o

processo de demarcação do quilombo, iludindo a população quilombola através

de estratagemas a fim de desmobilizar a luta da comunidade. Ainda segundo

entrevistas, o proprietário da fazenda Mutamba e outro fazendeiro que não

produz eucalipto difundiram histórias entre os quilombolas afirmando que com

a publicação do RTID as famílias perderiam suas terras, suas casas; elas

seriam tomadas pelo INCRA e destinadas ao MST. Outra versão alegava que

eles não eram quilombolas, logo, o INCRA tomaria as terras e as destinaria aos

verdadeiros quilombolas. Em uma última versão, as terras seriam destinadas

aos trabalhadores do estaleiro e aos funcionários da Petrobrás, transformando

tudo em uma grande cidade. Independente da versão dada o resultado foi uma

enorme preocupação entre os moradores. Em um segundo momento, os

mesmos fazendeiros passaram cobrando valores diferenciados entre as

famílias para que um advogado fosse contratado a fim de reverter o RTID.

Relatos contam que diversas famílias deram suas economias, outras venderam

animais temendo perder suas terras e assinaram um documento no qual

negavam ser quilombolas.

“Com a publicação do RTID os conflitos ficaram mais fortes. Os fazendeiros passaram nas casas dizendo que eles não eram quilombolas, que a gente não era quilombola, que a gente perderia as casas, o bolsa verde, as terras com tudo. O território é grande ai fica fácil enganar o povo. Teve gente assinando com o polegar, entregando os documentos, dando as economias porque os fazendeiros falaram que iam contratar um advogado para revogar o RTID. Em janeiro e fevereiro desse ano tinha reunião dos fazendeiros nas comunidades toda segunda e quarta para falar pro povo que o governo ia tomar a terra deles. Em Porto da Pedra mesmo o fazendeiro ficou na reunião dos quilombolas pra intimidar, o povo dizendo que ele não foi convidado e botou ele pra fora [...]Esse cara faz terrorismo, faz com que o quilombola negue sua identidade. O quilombola fica com medo, se sente melhor se juntando com o fazendeiro para cultivar as terras” (Liderança do Guaí 1, em entrevista concedida em março de 2016). “Desde que o atual dono da Fazenda Mutamba chegou as coisas ficaram muito ruins, há mais ou menos dez anos ele chegou, cercou o caminho que a gente usava para mariscar, que a gente usava para pegar ônibus na estrada pra estudar. Ele expulsou mais ou menos 20 famílias dizendo que as terras eram dele. Deu um pedaço de terra do outro lado da estrada pras famílias. É um grande tensionamento porque as pessoas foram coagidas e ficaram temerosas. Depois da

72

publicação do RTID mentiu dizendo que o INCRA ia tirar as terras do povo, ele articulou até com um advogado, engando as famílias. Difundiu um discurso que aqui não tinha quilombola. Muita gente assinou a procuração sem nem saber ler, sem saber o que era”. (Liderança do Guaí 3, em entrevista concedida em abril de 2016)

As modestas condições de vida e a baixa escolaridade da maioria da

população do Guaí são fatores que, na luta de classes, favorecem a opressão

e a dominação. O discurso enganador dos fazendeiros desponta como

importante estratégia de persuasão para melhor “cooptar” a cooperação dos

moradores. Cabe também a reflexão da atuação de órgãos como o INCRA que

muito tem a colaborar com o processo de esclarecimento e reconhecimento

dos direitos dos quilombolas, visto que, estão acontecendo rodadas de oficinas

do INCRA nas comunidades a fim de dar continuidade com o processo de

reconhecimento e titulação do território quilombola, ao mesmo tempo em que

estas ações coercitivas dos fazendeiros acontecem. Uma jovem liderança da

comunidade aponta que a falta de informação é inimiga dos quilombolas “os

tempos eram outros, não tinha informação e os quilombolas tinham muito medo

de perder o pouco que tinha. Hoje o tempo é outro e a gente precisa informar

que somos os verdadeiros donos dessas terras e só com muita luta a gente vai

conseguir isso” (Liderança do Guaí 1, entrevista concedida em março de 2016).

Vê-se a violência se expressar tanto pela indiferença dos gestores e

órgãos governamentais, cientes da situação, porém omissos, como pela

intimidação e pela limitação territorial imposta pelos fazendeiros no que tange a

reprodução física e social dos quilombolas.

A gente morava do outro lado da pista, tinha muita fruta na mata, tinha caju, tinha lima, limão, manga, mangaba, até cacau tinha, tinha muito dendê. Esse fazendeiro desmatou tudo quando chegou, a gente usava o caminho dentro da mata para chegar na maré, depois disso ele tirou a gente da nossa terra, a gente tinha casa levantada, roça, casa de farinha, jogou a gente tudo do lado de cá da pista, nem passar pra pescar a gente podia. [O fazendeiro] queria negociar quatro casas com nos moradores dizendo que a gente não tem direito a nada, e que ele ainda tava fazendo o favor de dar terra pra nós. Dez tarefas de terra é muita vantagem para quem achava que não tinha nada. (Liderança do Guaí 4, em entrevista concedida em março de 2016). “O povo não se sentia dono, os quilombolas não sabiam que as terras eram deles e aceitou achando que era melhor do que ficar sem terra” (Liderança do Guaí 5, em entrevista concedida em março de 2016)

73

Ainda que a Constituição Federal1 garanta o direito à cultura e à

manifestação cultural, por constituir patrimônio material e imaterial, na prática

se mostra letra morta para as formas de expressão, os modos de fazer, criar e

viver dos diferentes grupos sociais brasileiros. Outras leis como o Decreto

7.037/2009 (Programa Nacional de Direitos Humanos) e o Decreto 6.040/2007

(Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais) destinadas ao amparo destes grupos, apontam princípios e

diretrizes para a efetivação de um modelo de desenvolvimento sustentável,

com inclusão social, cultural, econômica, participativa e não discriminatória.

Contudo, o desafio está em fazer valer este amparo legal em favor das

comunidades, viabilizando o desenvolvimento de um projeto alternativo de

sociedade colocado na práxis destes povos. Colocado na prática garante não

apenas a sobrevivência dos modos de vida das populações tradicionais como a

conservação dos ecossistemas associados às suas práticas sociais e

economia locais.

As relações de poder entre fazendeiros e o Estado ficam marcadas pela

hierarquização da estrutura agrária brasileira, tendo na base da produção o

trabalhador rural pauperizado e no topo os latifundiários. Muitos, além de donos

de terra, são também figuras políticas. O Estado, instituição que representa a

classe dominante é antes de tudo, um aparelho do qual se utilizam os

exploradores para perpetuar sua dominação e a faz de maneiras distintas,

partindo de justificativas diversas como a de gestão da sociedade e mediação

de conflitos.

A abundância de força de trabalho a baixo custo eleva os lucros

provenientes da produção de papel e celulose no país, vantagem comprovada

pela transferência de capitais dos países tradicionalmente produtores para as

periferias do capital. O trabalho nas fazendas de eucalipto é para poucos; a

insalubridade nas condições de trabalho, e o não atendimento das condições

de segurança vêm acompanhados de uma remuneração abaixo do mínimo da

categoria. Segundo relatos, não há trabalho nas fazendas depois que foram

arrendadas para o cultivo de eucalipto, os homens que faziam serviços nas

propriedades foram dispensados, restando apenas um hoje nesta função. O

trabalho nos monocultivos fica por conta da empresa que arrenda as terras.

1 Artigos 215 e 216.

74

A desarticulação comunitária e o desmatamento de matas nativas são

também apontados como formas de minar a resistência na terra, visto que a

falta de alternativas intensifica a preocupação com o desemprego. Com as

terras de roça limitadas, o medo constante de contaminação das águas por

venenos pulverizados no monocultivos e a escassez hídrica se faz presente no

discurso dos quilombolas relatam que vem faltando alternativa de renda.

Questionados sobre as perspectivas que têm diante da situação atual, alguns

entrevistados apontam:

Eu não vejo muita coisa boa no futuro se as plantações de eucalipto continuarem e aumentarem. A tendência é o povo sair da comunidade para procurar trabalho, o eucalipto não emprega, quando é tempo de colocar veneno chega um ônibus da empresa com gente de fora, até o povo daqui que cuidava das terras do fazendeiro não trabalha mais lá. O eucalipto não desenvolve a comunidade. E sabe o que é pior? Quando chove a água leva o veneno todo da plantação pra maré. Tá ruim para os homens que trabalham mais na roça e nas fazendas e pras mulheres que mariscam. Na fazenda Mutamba mesmo, elas não vão mais mariscar, não tem mais nada lá, não tem mais mapé, marisco nenhum. A água do açude do Sinunga ninguém usa mais pra beber. Outra coisa é que vai faltar água, a gente vê quando chove que a água da estrada seca muito rápido, seca porque do outro lado da cerca tem os eucaliptos (Extrativista 1, em entrevista concedida em abril de 2016). É triste ver o quanto de marisco morreu depois dos eucaliptos, porque o veneno desce todo pra maré, é só a chuva vim que leva. A qualidade da água mudou, isso tudo é um problema ambiental, mas é social e econômico também, porque a maioria das mulheres aqui vivem da maré (Liderança do Guaí 3, em entrevista concedida em abril de 2016).

Solos, rios, ar, animais, comunidades do entorno e os trabalhadores

estão em contato direto com os químicos usados nos cultivos. Não raro as

embalagens dos agrotóxicos são descartadas irregularmente nos rios ou no

próprio plantio, muitas vezes utilizados sem a posse de um receituário

agronômico para o seu uso.

Figura 7 – Embalagens de bioquímicos utilizados nas plantações do Guaí.

75

Fonte: Acervo da Resex Baía do Iguape (2016)

A proximidade dos plantios que beiram a maré é algo que preocupa a

comunidade, afinal de contas, tratam-se de áreas de pesca e mariscagem ou

acesso para a atividade. Segundo uma liderança marisqueira “agora vira e

mexe a gente sente uma coceira e um cheiro forte vindo da água. A gente

chama por Deus com esse veneno todo indo pra maré e para os nossos

mariscos, é o que a gente come minha filha, é o que a gente cata pra vender e

sobreviver” (Liderança 3, em entrevista concedida em março de 2016).

A lista de impactos de natureza ambiental é grande, os extrativistas

relatam que com o desmatamento da mata nativa, muitos animais silvestres

passaram a se afugentar em casas, roçados e até mesmo no manguezal. Foi

comum em reuniões do conselho deliberativo da Resex e nas entrevistas,

relatos de serpentes e outros animais nas matas.

Essa semana mesmo meu menino tirou um tatu do mangue, o policial ambiental chamou a atenção dele por estar com o bicho, mas impedir a destruição que é bom o ICMBio não fez (Liderança 6, reunião do conselho deliberativo da Resex, dezembro de 2015) Agora vira e mexe a gente vê cobra no manguezal. No porto da Mutamba eu e um monte de gente já viu. As cobras vivia tudo nas matas, agora não tem mais nada. Eucalipto mata tudo, você só vê uns matos pequenos e cobra procura a mata pra ficar (Extrativista 1, entrevista concedida em abril de 2016).

Diante do avançar do monocultivo sobre as roças, manguezal e apicum

(habitat de caranguejos e guaiamuns), as denuncias feitas ao ICMBio foram

recorrentes. Segundo os analistas ambientais, as fiscalizações já foram

iniciadas e as autuações necessárias serão feitas visando mitigar ou mesmo

impedir que empreendimentos nocivos desenvolvam suas atividades.

Figura 8 – Monocultura de eucalipto margeando manguezal do Distrito do Guaí.

Fonte: Paula Regina, 2016.

Em todas as entrevistas marisqueiras e pescadores demonstram

preocupação com o fato das chuvas levarem até as marés os bioquímicos

76

usados nas monoculturas. Alguns sinalizaram o quanto era perceptível, tanto

por manchas pretas e roxas que surgiam particuladas na maré, quanto pelo

odor forte e principalmente pela coceira que sentiam durante a mariscagem em

contato com a água e que permanecia após a saída do mar. O quadro abaixo

traz a listagem de problemas ambientais e socioeconômicos apontados nas

entrevistas.

Quadro 1 – Lista de impactos ambientais e socioeconômicos apontados em entrevistas de campo.

IMPACTOS

AMBIENTAL SOCIOECONÔMICO

- Desmatamento de mata nativa e manguezal - Animas silvestres nas casas e manguezal - Morte de passarinhos - Cultivo na cabeceira do rio - Morte de mariscos por causa dos venenos usados na monocultura - Possível contaminação do solo por causa dos venenos - Contaminação da água do açude do Rio Sinunga - Diminuição de água na cisterna

- Conflitos com fazendeiros e desarticulação de parte da comunidade - Impedimento do acesso às áreas de monocultura e consequente impedimento de acesso a caminhos antes usados para chegar à maré. - Impedimento do acesso ao cemitério dos pretos; - Aumento da distância para o labor - Diminuição das opções de renda pelo não emprego nas fazendas e pela diminuição dos pescados nas áreas que circundam as fazendas

Fonte: Trabalho de campo, março e abril de 2016.

Em paralelo ao crescimento do lucro proveniente da expansão do setor

celulístico, cresce também o ônus econômico, social e cultural em relação às

comunidades atingidas. A violação de direitos humanos fundamentais

provocada pelas plantações industriais de eucaliptos e pinus não ocorre sem

resistência. A mobilização social busca frear o aprofundamento cada vez maior

de desigualdades sociais, degradação ambiental e esfacelamento de culturas e

tradições, como a diminuição das casas de farinhas. O cenário dos municípios

onde as unidades fabris e monocultivos estão instaladas é de constante

transformação, com potencial desaparecimento e enfraquecimento das

comunidades locais e a homogeneização da paisagem, tal como ocorre em

regiões mais impactadas pelo monocultivo no país.

embora seja um dos pilares de sustentação da moderna agricultura capitalista a monocultura revela, desde o início, que é uma prática que não visa satisfazer as necessidades das regiões e dos povos que produzem. A monocultura é uma técnica que em si mesma traz uma dimensão política, na medida em que só tem sentido se é uma produção que não é feita para satisfazer quem produz. Só um raciocínio logicamente absurdo de um ponto de vista ambiental, mas que se tornou natural, admite fazer a cultura de uma só coisa (PORTO-GONÇALVES, 2006, p.28).

77

Do poder público jorram recursos para o agronegócio, só em 2015, em

meio ao ajuste fiscal, o governo elevou em 20%, (R$ 188 bilhões)2 os recursos

destinados ao agronegócio para a safra 2015/2016. Enquanto isso, milhares de

famílias são expulsas de suas terras pela violência, a contaminação e a

degradação ambiental promovidas pelo agronegócio e demais

empreendimentos do grande capital.

Uma diferença fundamental entre agronegócio e agricultura está presente nos nomes: no agronegócio não há cultura, pois não há povo, a relação homem-natureza é mediada pelos valores do mercado, do negócio. A sociodiversidade cultural presente no campo e na floresta do Brasil se expressa nos povos que produzem alimento, vivem na terra e da terra, das águas e da floresta (CARNEIRO, 2015)

É comum nas monoculturas o uso de quantidades elevadas de

bioquímicos. Um destes produtos químicos, largamente utilizado pela Veracel

Celulose, por exemplo, consta da lista de produtos proibidos pelo FSC3. De

acordo com Ivonete Gonçalves (CEPEDES) o relatório de inspeção da ASI

sobre a certificação da Veracel, “A empresa pulveriza as plantações que estão

sendo atacadas por infestações de formigas com Sulfuramida. Para essa

aplicação, a empresa pediu uma exceção do FSC, e conseguiu essa

autorização em 2008”. E continua:

O sulfuramida é considerado Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs). Os POPs são substâncias consideradas perigosas para a saúde pública e o meio ambiente em função de elevada persistência no meio ambiente, a capacidade de serem transportadas por longas distâncias através do ar e da água, além de serem substâncias bioacumulativas. Os POPs, incluídos na Convenção de Estocolmo, passam a ter sua produção e uso proibidos no nível global, tendo sido selecionadas inicialmente 12 destas substâncias químicas perigosas para serem banidas, dentre elas o mirex (GONÇALVES,s/ano).

Além da contaminação por agrotóxicos, organizações como o Centro de

Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (CEPEDES), o

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Via Campesina, o

Movimento dos Trabalhadores(as) Assentados(as) e Acampados(as) (CETA),

pesquisadores de diversas universidades estaduais e federais no país e outros

grupos, se posicionam sobre os amplos impactos ambientais causados pelas

2 Fonte: http://economia.ig.com.br/empresas/agronegocio/2015-06-02/dilma-anuncia-r-188-bilhoes-

para-o-agronegocio-20-a-mais-que-na-ultima-safra.html 3 FSC é a sigla de Forest Stewardship Council, uma expressão inglesa que, em Português, significa

"Conselho de Manejo Florestal". Fonte: info.fsc.org/

78

plantações industriais de madeira. Para melhor elucidar a questão, foi realizado

um levantamento bibliográfico que retrata alguns destes danos ambientais

gerados por monocultivos deste gênero.

O gênero Eucalyptus envolve mais de 600 espécies que estão

adaptadas a diferentes climas e solos, em amplas variações latitudinais, indo

do clima temperado até o semiárido e com posicionamentos altimétricos muito

variáveis, podendo ser utilizadas para diferentes finalidades.

Originária das regiões quentes e úmidas da Austrália, sua grande

capacidade de fazer fotossíntese, ou seja, retirar energia do sol e transformar

em biomassa, explica o fácil e acelerado desenvolvido deste gênero no Brasil,

enquanto nas regiões secas e frias o seu crescimento é mais lento.

Para alcançar este crescimento rápido o eucalipto precisa de muita água. Em média, ao longo de suas fases de crescimento, um pé de eucalipto consome 30 litros de água por dia. [...] Portanto, no Brasil, plantar eucalipto em grande escala numa mesma região, pode provocar grandes desequilíbrios nas águas existentes nesta região. Isto provoca o que os técnicos chamam de déficit hídrico, isto é, falta de água. O eucalipto precisa de muita água para crescer, tem raízes profundas e ele vai buscar esta água onde ela está. Como conseqüência, vai faltar na região para outras plantas, para consumo humano, para animais. Vão secar várzeas, vertentes, poços artesianos, sangas. Vai também ressecar a terra de superfície na região toda e vai alterar o regime de chuvas. A falta de umidade torna mais difícil a entrada de frentes frias e acontecem mais estiagens nas regiões onde se planta eucalipto demais. (VIA CAMPESINA, 2006).

Oliveira, Menegasse e Duarte (2002), em seu artigo apresentado no XII

Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, fazem referências a estudos de

Jayal (1985) e Reynolds & Wood (1977) sobre os impactos da monocultura de

eucalipto e a susceptibilidade dos ecossistemas atingidos à desertificação. Os

autores destacam os seguintes impactos:

Alta demanda de água, esgotando a umidade do solo, diminuindo a recarga, de modo que desestabiliza o ciclo hidrológico;

Elevada demanda de nutrientes, criando um elevado déficit anual, descontrolando esse ciclo;

Liberação de substâncias químicas alelopáticas4 que afetam o

crescimento de plantas e de microrganismos do solo, reduzindo, entre outros efeitos, a fertilidade do solo e adversidade de espécies tanto da flora e fauna local;

Plantação na forma de monoculturas extensas, as quais são caracterizadas por apresentar baixa diversidade ecológica, podendo causar instabilidade ou vulnerabilidade a mudanças

4 A alelopatia é definida como o efeito inibitório ou benéfico, direto ou indireto, de uma planta

sobre outra, via produção de compostos químicos que são liberados no ambiente. Esse fenômeno ocorre em comunidades naturais de plantas (Gressel & Holm, 1964) e pode, também, interferir no crescimento das culturas agrícolas (Bell & Koeppe, 1972; Muller, 1966). Disponível em dicionário botânico online.

79

climáticas, assim como ao ataque de pragas e doenças (OLIVEIRA; MENEGASSE; DUARTE, 2002, p.13).

A preocupação com a escassez hídrica é presente em falas de

quilombolas do Guaí; a preocupação também se dá pelas suspeitas de

alteração da qualidade da água após a aplicação dos agrotóxicos. As fazendas

W e X tem parte das monoculturas situada a beira mar, conforme a localização

na figura 9.

A proximidade da maré evidencia uma infração ambiental/fundiária por

não considerar os 33 metros da preamar média estabelecidos como áreas de

Marinha do Brasil, logo, sem destino ao uso privado. A infração ambiental se dá

pela destruição do manguezal e do apicum, ecossistemas sensíveis e de

fundamental importância para a reprodução de espécies múltiplas. Evidencia

também o descaso com as comunidades tradicionais, que tiveram o seu

espaço de (re)produção suprimido pelo empreendimento.

O plantio de culturas anuais em consórcio com o eucalipto explicita outra

inverdade do discurso empresarial. A realidade mostra que isto só é possível

nos dois primeiros anos, visto que a competição por luz, água e nutrientes nos

anos seguintes inviabiliza o consórcio.

A tendência após o esgotamento dos solos e do fim do processo

rentável aos empreendedores do eucalipto não é a recuperação das áreas

degradadas e o desenvolvimento de uma atividade menos nociva ao meio. A

atualidade tem mostrado que a tendência é transformar tudo em grandes

pastos, outra atividade que promove elevada degradação ao solo. Trata-se,

deste modo, de um,

modelo de desenvolvimento contraditório promotor da exclusão social e concentração de riqueza, que deixa em seu caminho um rastro de violações aos direitos humanos fundamentais, registrados nas seguintes situações: confinamento humano de comunidades camponesas; desestruturação das alternativas locais tradicionais; degradação e privatização dos recursos naturais; enfraquecimento dos saberes tradicionais; drástica redução da produção alimentar; constatação do aumento do êxodo rural; centralização do poder e fortalecimento do processo de monopolização do território pelas empresas do setor de papel e celulose, em detrimento de outras formas de sociais historicamente constituídas e formadoras da sociedade local, tratadas com menosprezo e indiferença em seus projetos alternativos de desenvolvimento sustentável (BOLETIM INFORMATIVO N.1, 2013)

O agronegócio se sustenta no tripé estrutural da grande produção

agropecuária no país – latifúndio, monocultura, exportação - e se mantem

impune quanto às irregularidades legais no que tange às infrações trabalhistas,

80

sociais e ambientais. Tudo isto é fortalecido pela aliança de classes entre

proprietários fundiários e capitalistas no Brasil.

Como dito, o capital industrial adentrou ao campo de forma acelerada,

transformou o espaço agrícola em celeiro industrial priorizando a produção de

commodities em detrimento da produção de alimentos desenvolvida pela

agricultura familiar. A posse das terras pela compra, arrendamento ou grilagem

assegura a produção das empresas. No que tange à indústria de papel e

celulose, a maioria das empresas possui mais terras do que declara em seus

anuários, porque o arrendamento tem se mostrado uma alternativa muito

lucrativa. Cabe relembrar que “a renda da terra absoluta resulta da posse

privada do solo e da oposição existente entre o interesse do proprietário

fundiário e o interesse da coletividade” (OLIVEIRA, 2007).

Ao arrendar terras, a empresa diminui suas reponsabilidades ambientais

de médio e longo prazo como a recuperação do solo, por exemplo. No Guaí os

monocultivos de eucalipto das fazendas Z e Y estão arrendados à COPENER.

De acordo como o contrato, cabe à empresa recuperar as áreas degradadas

que venham impactar o curso de sua atividade de plantio e aquelas que forem

impactadas pelo monocultivo. Contudo, ao fim de dois ou mais ciclos, os

impactos químicos e físicos no solo já são sentidos. A empresa, desta forma, é

promotora de impacto, ainda que as terras não sejam suas.

Outra estratégia adotada para diluir as responsabilidades entre

proprietário e empresa se dá a partir do “instrumento particular de contrato de

parceria agrícola”. Trata-se de um contrato agrário por meio do qual uma

pessoa cede à outra o direito de uso de uma área rural para exercício da

exploração agrícola, segundo Decreto nº 59.566/66. Pela Lei nº 4.504/64 -

Estatuto da Terra deverá haver partilha dos riscos e frutos advindos dessa

atividade.

A diferença existente entre o arrendamento e a parceria está na divisão

ou não dos riscos exercidos pela atividade rural (agrícola ou pastoril). Nos

contratos de arrendamento o proprietário recebe retribuição predeterminada na

forma de aluguel, sem participar dos riscos do negócio; já nos contratos de

parceria, o proprietário divide com parceiro o resultado e os riscos do

empreendimento. A contrapartida deste último está nos frutos da colheita, caso

ocorra.

81

A fragmentação de médias e grandes propriedades em glebas menores

– normalmente registradas em nome de terceiros – tem sido uma estratégia

usada por produtores rurais (proprietários e arrendatários) e empreendimentos

agroindustriais para burlar o licenciamento ambiental. Um dos princípios que

norteiam o Direito Ambiental é o do poluidor-pagador, que imputa

responsabilidades ao empreendimento utilizador de recurso natural em

medidas equivalentes à magnitude dos impactos gerados. Estas

responsabilidades podem ocorrer na forma de sujeição às regulamentações

ambientais impostas pelo Estado, limitações na localização, na instalação ou

operação do empreendimento, pagamento de compensações, execução de

medidas mitigatórias ou a recuperação dos danos ambientais causados.

Destarte, a fragmentação de um empreendimento maior em diversos sub-

empreendimentos menores reduziria as responsabilidades ambientais impostas

ou até mesmo, a depender do grau de fragmentação, geraria a dispensa de

licenciamento ambiental por considerar desprezíveis os impactos causados

pelas frações da totalidade do empreendimento.

No caso de atividades agrossilvipastoris, como são enquadradas as

monoculturas de eucalipto, esta prática é recorrente, como acontece no

quilombo do Guaí. Os proprietários criam verdadeiras colchas de retalhos em

suas fazendas reduzindo-as a glebas menores de dimensões suficientes para

receber dispensa de licenciamento ambiental para a realização do monocultivo.

No caso do Guaí, quatro das cinco fazendas produtoras mapeadas receberam

a dispensa de licenciamento ambiental do Instituto do Meio Ambiente e

Recursos Hídricos (INEMA), sujeitas à administração e operação de uma única

empresa, a BSB/COPENER (Figura 9), a exceção está na fazenda “U” que não

apresenta sequer licença ou dispensa ambiental e alega não arrendar a

produção para terceiros.

82

Figura 9. Mapa da COPENER identificando quatro propriedades arrendadas para a produção de eucalipto.

Fonte: Acervo do ICMBIO, 2016.

83

A figura acima retrata claramente como estão dispostas as quatro

propriedades fragmentadas às margens do estuário. As áreas na cor bege

correspondem ao cultivo de eucalipto realizado pela COPENER/BSB. As linhas

secas que dividem as propriedades evidencia a fragmentação perante o

Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (CEFIR), mascarando a

realidade, uma vez que trata-se de duas propriedades contíguas.

Tabela 4: Nome das propriedades e seus donos, área total das fazendas, área destinada ao plantio de eucalipto sob operação da BSB/COPENER e área plantada de acordo com dados de campo.

Propriedade Proprietário Área total (ha)

Área de eucalipto plantado (ha)

(Dados do CEFIR1)

Fazenda U (Três Marias) A --- 35,76*

Fazenda W (Porto da Ilha) B 188,51 63,00

Fazenda X (Oceania) C (marido de B) 134,73 50, 84

Fazenda Y (Escócia) D 171,10 18,54

Fazenda Z (Pitangui) D 175,00 59,31

Total

*Dado de campo. 669,34 227,45

Fonte: Dados de campo, INEMA e CEFIR. Elaborado por: SAPUCAIA (2016).

O dado referente a área de eucalipto plantada na Fazenda U foi obtido a

partir de coleta em campo e a realização do calculo de área a partir da imagem

do Google Earth (2016) convertida para shapefile. A Fazenda U é a única

propriedade que não arrenda a produção para a COPENER. As fazendas W e

X são de um mesmo grupo familiar, pois um imóvel está registrado em nome

de um proprietário e o outro em nome de sua esposa. Nas Fazendas Y e Z o

fracionamento do licenciamento ambiental é ainda mais explícito, pois ambos

os imóveis estão registrados em nome de um mesmo proprietário. Na tabela

acima, os dados de campo da área de eucalipto plantado não estão

discriminadas por propriedade, visto que a produção se apresenta de forma

contígua, separadas por cortes rasos. Destaco que a fazenda Y e a fazenda Z

juntas somam 39,1ha de eucalipto plantado de acordo com os dados acervo

cartográfico da Resex Marinha Baía do Iguape (ICMBio, 2016). Contudo, o

registro de área cultivada no CEFIR é outro, conforme exposto na tabela.

Ocorre que assim há 38,75ha a mais de eucalipto plantado do que o declarado

pelos registros da empresa responsável pelos cultivos, a BSB/COPENER. 1 Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (CEFIR).

84

Tomando como base resoluções, normativas e decretos referentes ao

impacto ambiental provido pelas monoculturas de eucalipto e buscando a

legislação que compete ser aplicada é possível compreender, ainda que

brevemente, a situação de dolo a que estão submetidas às Resex e demais

territórios de populações tradicionais diante de grandes empreendimentos.

A resolução do CEPRAM nº 4.327, de 31 de outubro de 2013, dispõe

sobre regras gerais de atividades sujeitas a licenciamento ambiental. O artigo

1º aponta como impacto ambiental de âmbito local,

Art. 1º - Fica definido, para fins desta Resolução, como impacto ambiental de âmbito local qualquer alteração direta das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, que afetem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais, dentro dos limites territoriais do Município.

Conforme as entrevistas e os registros de reuniões de associações das

comunidades e reuniões do conselho deliberativo da Resex, tais impactos de

ordem ambiental e socioeconômica já acontecem. As monoculturas já

adentraram o município de Maragojipe e no contexto da pesquisa, dentro do

Território Quilombola do Guaí, até as adjacências da Resex Baía do Iguape.

A fim de impedir ou mitigar os impactos de uma série de atividades a

resolução do CEPRAM, no artigo 2º, descreve o procedimento do

licenciamento divido em ―03 (três) níveis correspondentes, em ordem crescente

à complexidade ambiental, considerados os critérios de porte, potencial

poluidor e natureza da atividade, as características do ecossistema e a

capacidade de suporte dos recursos ambientais envolvidos‖.

Tomando como base o anexo único da resolução supracitada, as

monoculturas de eucalipto presentes no quilombo do Guaí são enquadradas da

seguinte maneira:

Tabela 5 – Classificação da silvicultura de acordo com a resolução do CEPRAM nº 4.327/2013.

Tipologia Unidade de

medida Porte (módulos fiscais) Potencial poluidor

Silvicultura (grupo A3)

Módulo fiscal pequeno = >4 <30 médio = >30<200

grande = >200 Médio

Com o fracionamento, as propriedades passam a não ser enquadradas

pela resolução, devido o fato de serem inferiores a 4 módulos fiscais,

justificando a dispensa de licenciamento concedida pelo INEMA a algumas

85

destas propriedades, conforme explica Bruno Marchena, analista ambiental do

ICMBio.

Tomando como referência o Decreto Estadual nº 15.682, de 19 de

novembro de 2014, a situação se repete. No anexo A, que dispõe da

tipologia e porte dos empreendimentos e atividades sujeitos ao

licenciamento ambiental têm-se a seguinte classificação: tipologia -

silvicultura (vinculada a processos industriais); unidade: área (ha); porte -

pequeno > = 200 < 500; Médio > = 500 < 1.500; Grande > = 1.500; potencial

poluidor: médio.

Outras legislações ajudam a sustentar a necessidade do licenciamento

para atividades agrossilvipastoris. Por exemplo, a resolução do Conama nº237

de 1997 enquadra as monoculturas de eucalipto como uma atividade sujeita ao

licenciamento ambiental devido ao uso que faz dos recursos naturais, adotando

a tipologia ―silvicultura‖.

Já o Decreto Estadual nº 15.180 de 02 de junho 2014 – ―regulamenta a

gestão das florestas e das demais formas de vegetação do Estado da Bahia, a

conservação da vegetação nativa, o CEFIR, e dispõe acerca do Programa de

Regularização Ambiental dos Imóveis Rurais do Estado da Bahia e dá outras

providências‖. No capítulo V, discorre sobre a exploração de florestas

plantadas, adverte:

Parágrafo único - O plantio e condução de populações florestais exóticas, próprios ou de terceiros, diretamente vinculados a processos industriais, dependerão de prévio licenciamento ambiental (Decreto nº 15.180/2014).

Por fim, resgato a resolução CONAMA 428/2010 e a resolução

CONAMA 01/1986, a fim de sustentar legalmente as críticas à monocultura de

eucalipto no território quilombola Guaí apresentadas no decorrer da pesquisa.

A resolução 428 exige o licenciamento ambiental para empreendimentos

de significativo impacto ambiental, localizados numa faixa de três quilômetros a

partir do limite da UC, ainda que esta não apresente zona de amortecimento

definida, conforme o artigo 1º, parágrafo 2º. A resolução nos permite reclamar

ao ICMBio validação legal da missão da Resex Baía do Iguape de conservação

dos ecossistemas e do modo de vida das populações tradicionais. Mesmo para

as atividades que não estão sujeitas a EIA/RIMA. O artigo 1º traz ainda a

informação que, cabe ao órgão licenciador (INEMA ou IBAMA) apontar o grau

significativo ou não do impacto ambiental, o que na prática diminui a

86

competência do ICMBio perante reivindicação de análise para autorização ou

não do licenciamento.

[...] o órgão ambiental licenciador deverá dar ciência ao órgão responsável pela administração da UC, quando o empreendimento: I– puder causar impacto direto em UC; II– estiver localizado na sua ZA; III – estiver localizado no limite de até 2 mil metros da UC, cuja ZA não tenha sido estabelecida no prazo de até 5 anos a partir da data da publicação da Resolução nº 473, de 11 de dezembro de 2015.(redação dada pela Resolução nº 473/2015).

A reserva extrativista, enquanto modalidade de UC, não tem o poder de

vetar estas atividades, mas quando ciente sobre a realização das mesmas

passa a ter o direito de se manifestar em caso de nexo causal com impactos

sociais e ambientais.

A orientação normativa nº 17/2010/PFE/IBAMA dispõe de orientações

jurídicas da fiscalização para a proteção de unidades de conservação federais.

Aponta:

Entende-se que a competência material atribuída ao ICMBio é ampla no que tange à proteção das Unidades de Conservação. O Instituto não pode se omitir diante de fato ocorrido fora da UC, mas que vá atingi-la direta ou indiretamente, pois que a Lei n.º 11.516/2007 [...] incumbiu-lhe de defender, proteger, fiscalizar e monitorar as Unidades de Conservação, seja em face de atividades nocivas internas, seja externas (Normativa nº 17/2010/PFE/IBAMA).

O nexo causal se configura como um principio jurídico, desta forma o

ICMBio, enquanto órgão responsável pela conservação da Resex, deve impedir

a realização de atividades impactantes às populações e ecossistemas ou exigir

procedimentos que mitigue ou compensem-nos o impacto que incidir sobre a

UC ou seus beneficiários, mesmo que não esteja dentro ou na área de entorno,

é responsabilidade do órgão competente.

O vínculo existente entre as monoculturas de eucalipto e os impactos

por ela produzidos deve ser relevado, tornando-se substância suficiente para

uma ação do órgão, dotado de poder de polícia, a fim de se fazer cumprir a

missão da Resex.

Por fim, a resolução do CONAMA nº01 de 1986, no artigo 1º, considera

impacto ambiental,

[...] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota;

87

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.

A legislação ambiental é questionada no âmbito da sua aplicação, já que

decorrem das monoculturas de eucalipto diversos ônus sobre a natureza e

população, cabendo estudos de impacto ambiental (EIA) uma vez que as

propriedades cumulativas e sinérgicas precisam ser avaliadas. Segundo a

Resolução CONAMA que fundamenta toda a análise técnica para o

licenciamento ambiental, qualquer estudo de impacto ambiental deve conter,

II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais (CONAMA nº01, artigo 6º; grifo nosso).

Conclui-se, portanto, que o complexo de monoculturas de eucalipto na

região do Guaí deve ser analisado de forma integrada, considerando

conjuntamente os efeitos cumulativos e sinérgicos da operação dos

empreendimentos, contrariando assim os processos individualizados de

dispensa de licenciamento exarado pelo órgão ambiental licenciador, o

INEMA, que ocorreram sem a devida observância do Artigo supracitado,

apresentando peculiaridades que revelam vícios. Os problemas relatados dão

materialidade para uma análise real dos efetivos impactos ambientais do

empreendimento sobre o Quilombo do Guaí e a Resex Marinha Baía do

Iguape, ferindo o princípio da precaução que rege a normatização do

licenciamento ambiental brasileiro.

6.4 A resistência dos atingidos

A luta simbólica passa pela ressignificação dessas paisagens de

plantações homogêneas. Monocultura não é floresta, é bandeira de luta das

populações atingidas por estes empreendimentos. O discurso ecológico como

―florestas plantadas‖ e ―madeira de reflorestamento‖ apregoado pelas

empresas é endossado pelo Estado e invisibiliza as desigualdades através do

discurso da sustentabilidade. Contudo, é preciso deixar claro que o espaço

apropriado pelos fazendeiros é o espaço expropriado das populações

tradicionais, modificando seu território e os ambientes naturais utilizados por

este grupo social. A realidade cotidiana das populações tradicionais comprova

88

a farsa do discurso sustentável perpetrado por empreendimentos poluidores e

de grande impacto social.

A monocultura de eucalipto é uma cultura de agronegócio como outra

qualquer: realiza a produção pautada no plantio e no lucro e não em uma

preocupação socioambiental. Os termos ―reflorestamento‖ e ―florestas

plantadas‖ podem sugerir uma preocupação ambiental que não existe no

monocultivo. Esses termos são utilizados tanto na legislação brasileira como

pelas associações que representam os setores de papel e celulose, moveleiro,

de carvão vegetal, entre outros que têm como matéria-prima a madeira. Além

destas denominações, há ainda os que chamam estas atividades de

silvicultura. Porém este termo refere-se a povoamento heterogêneo (―silvi‖),

logo, também não é adequado à monocultura de árvores; embora seja uma

terminologia amplamente adota pela legislação brasileira.

No boletim informativo confeccionado pela Comissão Regional de

Atingidos pelo Deserto Verde e o Instituto Federal do Paraná, o Professor

Paulo Brack do Departamento de Botânica da UFRGS declara que:

As monoculturas arbóreas atuais não podem ser consideradas florestas. Os cultivos arbóreos comerciais, nos padrões atuais, têm ciclos curtos (sete a dez anos), funcionando como grandes lavouras de árvores. Nesses sistemas de produção ditos ―modernos‖, temos somente uma espécie arbórea, geralmente exótica e geneticamente idêntica, pois é propagada por clonagem de tecidos. A diversidade é praticamente ausente. A estratificação é ausente. Os biocidas e os insumos químicos são instrumentos inerentes deste sistema de homogeneidade arbórea produtivista. Incidir nessa equiparação como se fossem sinônimos não deixa de ser uma incongruência, por não dizer uma aberração (BOLETIM INFORMATIVO N.1, 2013).

A resistência dos atingidos permite o desocultamento da realidade social

do território e expõe a forma tradicional de vida e produção do espaço como

antagônica ao modelo do agronegócio. De um lado tem-se o território valorado

como mero recurso a ser explorado pelas empresas, de outro, o lugar da

existência social de grupos, que se valem de outras formas organizativas,

produtivas e econômicas para sua reprodução em harmonia com o meio.

Ao abordar o conceito de atingido, é necessário deixar claro o contexto e o sentido do debate, de modo a explicar o que é que está em jogo. Na verdade, embora o termo apareça em documentos técnicos e remeta a dimensões econômico-financeiras, a noção não é nem meramente técnica, nem estritamente econômica. Conceito em disputa, a noção de atingido diz respeito, ao fato, ao reconhecimento leia-se legitimação, de direitos e de seus detentores. Em outras palavras, estabelecer que foi determinado grupo social, família ou indivíduo é, ou foi, atingido por certo empreendimento significa reconhecer como legítimo – e, em alguns casos, como legal – seu direito a algum tipo de ressarcimento ou indenização, reabilitação ou

89

reparação não pecuniária. Isto explica que a abrangência do conceito seja, ela mesma, objeto de uma disputa (VAINER, 2003, p. 2).

Uma característica marcante na atualidade do capitalismo é a

expropriação de terra, dos bens naturais e dos bens imateriais de populações

tradicionais - que partilham relações sociais não tipicamente capitalistas - como

condição de territorialização do capital. Isso decorre do discurso

desenvolvimentista que trata as relações sociais destas populações como

atrasadas. Logo, para se alcançar o desenvolvimento, o moderno, se faz

necessário retirar os atrasados, seja usando a violência ou os meios legais que

asseguram a posse da propriedade privada aos expropriadores, latifundiários,

capitalistas (NASCIMENTO, 2014, P.41). A contestação deste discurso é um

importante instrumento de luta para classe da trabalhadora e camponesa, que

na sua práxis cotidiana questiona a manutenção da sociedade de classes

baseada na exploração, na opressão e na destruição da natureza. É preciso

compreender que, a monocultura de eucalipto é responsável tanto pela

alteração da paisagem quanto pela alteração da lógica de (re)produção das

famílias e do espaço.

A análise das transformações territoriais e os impactos na reprodução

dos atingidos do ponto de vista apenas técnico é insuficiente. As populações

atingidas, por empreendimentos diversos, como grandes obras tal como a

transposição do Rio São Francisco, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste

(FIOL), ou pelo deserto verde ―passam por mudanças bruscas em suas vidas,

na sua organização social, na sua base territorial ou nas formas de trabalho e

sobrevivência‖ (SILVA, 2011, p.66). Ampliar o olhar e o debate sobre o conceito

de atingidos é considerar outros ―processos que vêm se desenvolvendo no

campo e têm expropriado um considerável número de

camponeses/trabalhadores que são atingidos também pelo agronegócio, pelos

parques ecológicos, pelas ferrovias, por projetos de transposição‖ (SILVA,

2011, p.66).

Partindo da compreensão da lógica capitalista, responsável por operar

esses processos, fica evidente que, independente do agente causador, recaem

sobre os atingidos perdas e danos territoriais, seja na terra seja na água. Silva

(2011, p.71) ressalta que ―o agente expropriador, que é comum a todos, nesse

caso, é o Estado, seja por meio de suas obras, seja através das legislações‖.

90

A situação fundiária conflitosa e desigual no país revela a condição das

populações tradicionais e camponesas agravada pelas ações destes grandes

empreendimentos. A regularização fundiária, de responsabilidade do Estado,

continua sendo negada ao passo que promove e legitima a expropriação de

famílias sem dar alternativas para estas.

A pesca artesanal realizada por pescadores e marisqueiras, que são

também, em sua maioria, lavradores, configura uma atividade tradicional que

convive diretamente com as relações capitalista de produção e, cada vez mais,

vem se deparando com desafios diante da modernidade e do projeto

desenvolvimentista do Estado. Um deles é fato de que os pequenos produtores

não encontram condições de se reproduzirem a não ser subordinados ao

capital. Embora não tipicamente capitalista, as relações sociais dos pescadores

artesanais têm seus limites determinados pelo espaço do acúmulo capitalista,

pois estão subordinados a lógica de mercado, sendo o produto do seu trabalho,

nesta lógica, uma mercadoria e como tal está submetida à esfera da circulação

e reprodução do capital. As populações pesqueiras não têm como se

desenvolver economicamente sem manter uma relação estreita com a

dinâmica sociometabólica do capital, pelo fato dos seus projetos alternativos de

sociedade serem historicamente destruídos.

A degradação da natureza e a imposição de uma lógica exógena a do

lugar impõe ao pescador uma crise de ―autoestima‖ e acima de tudo um

empecilho à existência – a natureza é acima de tudo uma condição concreta de

trabalho destes homens e mulheres e está sendo intensamente transformada

pelas ações do grande capital.

Por isso, ao ver o ambiente modificado, a poluição impregnada, a desconstrução espacial, instaura-se no sentimento do pescador a sensação de perda do norte, do lastro e do leme, ou seja, a crise de autoestima se instala e se fortalece com os espaços luminosos, que, por meio dos órgãos ambientais, criminalizam o pescador, e que lhes desvalorizam e julgam negativamente o trabalho. Além disso, agentes modernizadores apresentam em vitrines outras formas de trabalho, sobretudo no contexto urbano – a diversidade e a complexidade de trabalho, atividades e possibilidades de estratégias do fazer – que confronta expressivamente com o ser pescador. Aqueles que resistem são geralmente adultos e idosos, os mais jovens vivem a crise societal de forma mais profunda, que se anuncia como crise de trabalho, crise de sentido, crise do fazer, crise do ser pescador (SILVA, 2014, p.20).

As populações rurais e ribeirinhas são massacradas e sua situação

invisibilizada perante a sociedade em geral; têm sua (re)produção da vida

91

violentada pelo Estado e o Capital que, de mãos dadas, seguem tocando seu

projeto histórico. A violência do processo é tal que, sem condições materiais

mínimas de vida, não há articulação, organização e luta que se consolide.

Desta forma, a resistência é posta como a única alternativa para fazer

enfrentamento a esta realidade.

Mesmo com a publicação do RTID do Território Quilombola Tabatinga,

Jirau Grande, Guaruçu, Guerém, Baixão do Guaí e Porto da Pedra, os conflitos

não cessaram, pelo contrário. Os extrativistas alegam que os fazendeiros

insistem no discurso de que eles não são quilombolas. O enfraquecimento

cultural, que se reafirma no posicionamento dos fazendeiros, se dá também na

prática omissa do Estado perante este grupo social, que os relega a precárias

condições de vida. Saídos da condição de escravizados, se veem agora

pauperizados, portando apenas a sua força de trabalho e o que lhes resta de

saberes e culturas. Contudo, no fazer da resistência buscam se articular em

rede com as demais comunidades da Resex, além de organizações com a

CPP, somando forças para o enfrentamento dos conflitos territoriais postos.

A luta não é só das populações afetadas, é de toda sociedade, da

universidade, das organizações sociais que em solidariedade de classe

precisam fortalecer esta resistência. Não há expectativa de que o Estado, como

já dito, pilar de sustentação de toda desigualdade social e exploração, seja o

responsável pela superação deste quadro de miséria que assola as

comunidades quilombolas. Porém, fazer valer as garantias já conquistadas

pelos movimentos sociais através do reconhecimento destes grupos e da

posse de suas terras é fundamental, pois se trata da garantia das condições

materiais de vida e de luta.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tendência da homogeneização da paisagem e na dinâmica do uso da

terra é uma das características dos chamados ―desertos verdes‖ - extensas

áreas onde predomina a monocultura de eucalipto. Nestas áreas as práticas

lesivas deste tipo de empreendimento culminam em secagem e poluição dos

recursos hídricos, expulsão dos pequenos proprietários e impedimento de

alternativas de vida próprias aos modos de produção das populações que

tradicionalmente vivem no lugar.

92

O caráter conflituoso entre a Reserva Extrativista Marinha Baía do

Iguape e o agronegócio do eucalipto desenvolvido em terras quilombolas é

fruto das ações perpetradas pela aliança de classes entre proprietários

fundiários e capitalistas, juntamente com o Estado. A complexidade dos

conflitos entre o agronegócio, os proprietários fundiários e as populações

tradicionais é tamanha, visto que incorporam dimensões materiais mensuráveis

como impactos simbólicos e sociais que não podem ser contabilizados a fim de

exigir medidas compensatórias.

A pressão dos empreendimentos de papel e celulose nos locais é

tamanha que fragiliza organização comunitária e resistência nas terras,

forçando os moradores a migrar, vender ou alugar suas propriedades. Cabe

lembrar que as monoculturas de eucalipto em larga escala não exigem um

contingente de força de trabalho dado à elevada mecanização do setor; os

poucos trabalhadores incorporados comumente recebem uma baixa

remuneração para desempenhar atividades que os expõe a condições de

trabalho ruins e a produtos tóxicos usados no cultivo.

Nota-se a prevalência dos interesses das grandes empresas que

dominam o setor. Lucram cada vez mais ao extrair a renda da terra devido ao

grande valor que a madeira de eucalipto têm alcançado nos últimos anos em

função da escassez de matéria-prima. Lucro para os capitalistas e ônus para o

meio ambiente e comunidades.

O valor dos relatos dos quilombolas do Guaí reside não apenas no

registro e na visibilidade dada aos conflitos, como também nas preocupações

com o futuro da comunidade e das gerações mais novas, devido à violência

praticada contra os direitos fundamentais de reprodução física e cultural da

população extrativista.

O fotografo Sebastião Salgado certa vez alertou em uma de suas

entrevistas que ―os mais violentos bolsões de miséria do Brasil estão

exatamente onde há grandes monocullturas, especialmente de eucalipto‖

(SALGADO, apud GONÇALVES, s/ ano). A expansão destes bolsões de

miséria deve ser combatida. Alternativas de produção da vida são

cotidianamente praticadas pelas comunidades quilombolas do Guaí, através da

pesca, mariscagem e agricultura e devem ser priorizadas na gestão da unidade

de conservação.

93

A chegada do eucalipto até a maré configura um crime socioambiental e

precisa ser interpretado enquanto tal pelas autoridades. No Guaí, os solos de

bom potencial agrícola e a proximidade da foz do Rio Paraguaçu são fatores

que contestam a destinação destas áreas para uma finalidade tão degradante

em detrimento de práticas tradicionais que contribuem para a soberania

alimentar.

O agronegócio do monocultivo do eucalipto segue a mesma lógica do

agronegócio que tem exportado nos últimos anos produtos como soja, carnes,

açúcar, algodão, entre outros, fazendo com que continue sendo necessária – e

até em maior quantidade – a importação de alimentos básicos como arroz,

feijão, milho e trigo.

A abertura de crédito para a expansão dos monocultivos, dentre eles o

do eucalipto, e as facilidades para o arrendamento e compra de terras não vêm

acompanhadas de políticas públicas voltadas para os trabalhadores rurais e

para as populações tracionais produtoras de alimento, visto que estas medidas,

sob a ótica desenvolvimentista, são contraproducentes para a acumulação de

capital.

A pluralidade de atividades tradicionais desenvolvidas pelos extrativistas,

antagônica ao interesse desenvolvimentista do Estado, deve ser resguardada.

As Resex correspondem a uma conquista do movimento social e como toda

conquista mediada pelo Estado na sociedade capitalista comporta

contradições. A situação fundiária das comunidades quilombolas beneficiária

da Resex decorre também do fato da UC contemplar apenas águas interiores e

manguezais, de modo que as localidades adjacentes onde vivem as

comunidades não compõem de fato a unidade.

Disto decorre uma série de questões fundiárias urgentes que precisam

ser colocadas na pauta dos órgãos competentes para que o direito de acesso

aos recursos extrativistas (pesqueiros e vegetais) seja garantido às

comunidades da reserva. O uso ilegal de áreas de propriedade da União e a

instalação de empreendimentos impactantes no entorno da UC têm dificultado

ou mesmo impedido o acesso a recursos fundamentais para a população

tradicional da área.

Há consciência de que às legislações no país, principalmente voltadas

às populações tradicionais e a natureza, são letra morta. Apesar de definirem

direitos não os garante. O aparato estatal reflete o quanto órgãos e leis tentam

94

minimizar os conflitos sem o compromisso de mudar a realidade a qual se

destinam. A regularização fundiária que não é feita e a punição que não é dada

são exemplos disto.

A ―fragilidade‖ das áreas protegidas (modalidade Resex) diante de

grandes empreendimentos do capital e as consequências para as populações

tradicionais revelam a tática do Estado de garantir reservas territoriais de valor

com todos os recursos nelas contidos, estratégicas para a valorização futura.

São verdadeiras reservas naturais sob a tutela do Estado que se mostra

omisso com questões de relevância social como a situação pauperizada que se

encontra grande parte dos extrativistas da unidade. Perante os órgãos

ambientais, a natureza é vista como ―sujeito de direito‖ e as populações

tradicionais, na prática, não são consideradas da mesma forma.

Esta fragilidade pode ser analisada também sob a ótica da autonomia

dos extrativistas que têm o direito de deliberar sobre os rumos, políticas e

projetos para a unidade. Apesar do poder deliberativo, empreendimentos

impactantes têm se instalado nos arredores da unidade, nas comunidades

onde residem os beneficiários da Resex como o polo naval Enseada e outros.

Garantir o direito ao território dos quilombolas é questionar o livre

funcionamento do mercado de terras no Brasil instituído desde a Lei de Terras

em 1850, que tanto mantém a exploração do capital nas áreas rurais como

urbanas do país. A propriedade do território quilombola é concedida mediante

com o titulo coletivo, logo inalienável, rompendo com a estrutura monopolizável

e alienável da propriedade privada compreendida enquanto mercadoria.

A desapropriação dos fazendeiros, através da perda a titularidade do

bem, mediante o pagamento da indenização, proporciona maior segurança

jurídica aos quilombolas em relação a real validade dos títulos emitidos para as

comunidades, pelo fato de possibilitar a atenuação dos conflitos possessórios

existentes.

Sem proporcionar geração de emprego, renda e qualidade de vida para

amplos setores da população brasileira, o modelo desenvolvimentista

aprofunda da dicotomia entre um setor tecnificado e altamente produtivo da

economia e outro que não consegue superar a economia de subsistência, por

consequência pauperizado.

Só a luta é capaz de transformar a sociedade e é este o caminho

adotado pelos quilombolas do Guaí, na resistência cotidiana frente aos

95

impactos do setor celulístico em suas terras. A resistência dos atingidos

deflagra que outra forma de organização social é possível e necessária;

baseada na ajuda mútua, na solidariedade de classe e no uso sustentável dos

recursos naturais. A permanência na luta é a forma de resistência dos

quilombolas, assim como de todos os povos tradicionais. Esta luta deve ser

encarada como bandeira de todas as pessoas comprometidas com a justiça

social, a conservação da natureza, de seus povos e de suas formas de vidas,

compreendidas como um modo sustentável de se relacionar com a natureza.

Por fim, aponto que este TCC não é neutro como o véu que cobre as

produções científicas da universidade pode aparentar. Este estudo não se

encerra aqui, terá continuidade a fim de servir de instrumento de luta e

reivindicação das populações afetadas. As irregularidades são muitas e o

descaso do poder público é massacrante para as populações rurais e

tradicionais. O mínimo a ser feito é lutar no mesmo lado da trincheira daqueles

que almejam colaborar para o ruir da sociedade de classes.

96

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ANEXO 1 – ROTEIRO DE ENTREVISTA Identificação: Nome:______________________________________________________________ Idade:_________________ Localidade:(a)moradia______________________b)nascimento:________________ Profissão:__________________________ Membro de alguma(s) associação? ( )Não ( )Sim. Qual? _______________________________ Dados de moradia: - Material da casa: ( )alvenaria ( )madeira ( ) outro ______________________ Proprietário ( ) Aluguel ( ) - Abastecimento de água: ( )rede geral ( )poço ( )fonte natural ( )rio (__)outra - Esgotamento: ( )esgoto sanitário ( )fossa aberta ( )fossa fechada ( ) encanamento direto no rio ( ) outra___________________ - Destino do lixo: ( )queimado ( )enterrado ( )jogado em terreno baldio () )coletado pela prefeitura ( ) colocado em depósito para posterior coleta da empresa/prefeitura EUCALIPTO 1. Quando começou a plantação da monocultura de eucalipto na comunidade? 2. Você, algum familiar ou conhecido, trabalham ou trabalharam no cultivo? Se sim, onde, quanto tempo, qual a função? 3. Percebe alguma mudança positiva ou negativa depois da chegada das monoculturas de eucalipto? a) ambiental b) econômica c) social 4. Já viu alguma embalagem de agrotóxico descartada a toa na estrada ou no manguezal que possa ter sido das fazendas? 5. Sente algum impacto na saúde? 6. Já teve algum conflito com os fazendeiros que plantam eucalipto? Qual, quando, motivo? 7. Mora perto de alguma plantação de eucalipto? 8. Pesca/marisca perto de alguma plantação de eucalipto? 9. Tem que passar perto de alguma para mariscar/pesar?

636 RESOLUÇÕES DO CONAMA

RESOLUÇÃO CONAMA nº 1, de 23 de janeiro de 1986Publicada no DOU, de 17 de fevereiro de 1986, Seção 1, páginas 2548-2549

Correlações:· Alterada pela Resolução nº 11/86 (alterado o art. 2o)· Alterada pela Resolução no 5/87 (acrescentado o inciso XVIII)· Alterada pela Resolução nº 237/97 (revogados os art. 3o e 7o)

Dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 48 do Decreto nº 88.351, de 1º de junho de 1983, 156para efetivo exercício das responsabilidades que lhe são atribuídas pelo artigo 18 do mesmo decreto, e

Considerando a necessidade de se estabelecerem as defi nições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, resolve:

Art. 1o Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indireta-mente, afetam:

I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.

Art. 2o Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo rela-tório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA157 em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modifi cadoras do meio ambiente, tais como:

I - Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento; II - Ferrovias; III - Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos; IV - Aeroportos, conforme defi nidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei nº 32, de

18 de setembro de 1966158; V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos

sanitários; VI - Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV; VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem159

para fi ns hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retifi cação de cursos d’água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques;

VIII - Extração de combustível fóssil (petróleo , xisto, carvão); IX - Extração de minério, inclusive os da classe II, defi nidas no Código de Minera-

ção; X - Aterros sanitários, processamento e destino fi nal de resíduos tóxicos ou perigosos;

156 Decreto revogado pelo Decreto no 99.274, de 6 de junho de 1990.157 A Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, vinculada ao Ministério do Interior, foi extinta pela

Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, que criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais Renováveis – IBAMA. As atribuições em matéria ambiental são atualmente do Ministério do Meio Ambiente.

158 Decreto-Lei revogado pela Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986.159 Retifi cado no Boletim de Serviço do MIN, de 7 de março de 1986

LICENCIAMENTO AMBIENTAL – Normas e procedimentos RESOLUÇÃO CONAMA nº 1 de 1986

637RESOLUÇÕES DO CONAMA

Xl - Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW;

XII - Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos, siderúrgi-cos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos hidróbios?)160;

XIII - Distritos industriais e zonas estritamente industriais - ZEI; XIV - Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares

ou menores, quando atingir áreas signifi cativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental;

XV - Projetos urbanísticos, acima de 100 ha ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes estaduais ou municipais1;

XVI - Qualquer atividade que utilizar carvão vegetal, em quantidade superior a dez toneladas por dia.

XVI - Qualquer atividade que utilizar carvão vegetal, derivados ou produtos similares, em quantidade superior a dez toneladas por dia. (nova redação dada pela Resolução n° 11/86)

XVII - Projetos Agropecuários que contemplem áreas acima de 1.000 ha. ou menores, neste caso, quando se tratar de áreas signifi cativas em termos percentuais ou de impor-tância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de proteção ambiental. (inciso acrescentado pela Resolução n° 11/86)

XVIII - Empreendimentso potencialmente lesivos ao patrimônio espeleológico nacio-nal. (inciso acrescentado pela Resolução n° 5/87)

Art. 3o Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo RIMA, a serem submetidos à aprovação da SEMA, o licenciamento de atividades que, por lei, seja de competência federal. (Revogado pela Resolução n° 237/97)

Art. 4o Os órgãos ambientais competentes e os órgãos setoriais do SISNAMA deverão compatibilizar os processos de licenciamento com as etapas de planejamento e implan-tação das atividades modifi cadoras do meio ambiente, respeitados os critérios e diretrizes estabelecidos por esta Resolução e tendo por base a natureza o porte e as peculiaridades de cada atividade.

Art. 5o O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais:

I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confron-tando-as com a hipótese de não execução do projeto;

II - Identifi car e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;

III - Defi nir os limites da área geográfi ca a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de infl uência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfi ca na qual se localiza;

lV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de infl uência do projeto, e sua compatibilidade.

Parágrafo único. Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental o órgão estadual competente, ou a SEMA ou, no que couber ao Município 161, fi xará as diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias, inclusive os prazos para conclusão e análise dos estudos.

Art. 6o O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes ativi-dades técnicas:

160 Retifi cado no Boletim de Serviço do MIN, de 7 de março de 1986161 Retifi cado no Boletim de Serviço do MIN, de 7 de março de 1986

RESOLUÇÃO CONAMA nº 1 de 1986LICENCIAMENTO AMBIENTAL – Normas e procedimentos

638 RESOLUÇÕES DO CONAMA

I - Diagnóstico ambiental da área de infl uência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:

a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografi a, os tipos e aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as cor-rentes marinhas, as correntes atmosféricas;

b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a fl ora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científi co e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;

c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.

II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de iden-tifi cação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéfi cos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.

III - Defi nição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equi-pamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a efi ciência de cada uma delas.

IV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.

Parágrafo único. Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental, o órgão estadual competente; ou a SEMA ou quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se fi zerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.

Art. 7o O estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelo resultados apresentados. (Revogado pela Resolução n° 237/97)

Art. 8o Correrão por conta do proponente do projeto todas as despesas e custos re-ferentes à realização do estudo de impacto ambiental, tais como: coleta e aquisição dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo, análises de laboratório, estudos técnicos e científi cos e acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do RIMA e fornecimento de pelo menos 5 (cinco) cópias.

Art. 9o O relatório de impacto ambiental - RIMA refl etirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e conterá, no mínimo:

I - Os objetivos e justifi cativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as polí-ticas setoriais, planos e programas governamentais;

II - A descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especifi cando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de infl uência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnicas operacionais, os prováveis efl uentes, emissões, resíduos e perdas de energia, os empregos diretos e indiretos a serem gerados;

III - A síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de infl u-ência do projeto;

IV - A descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identifi cação, quantifi cação e interpretação;

V - A caracterização da qualidade ambiental futura da área de infl uência, comparando

LICENCIAMENTO AMBIENTAL – Normas e procedimentos RESOLUÇÃO CONAMA nº 1 de 1986

639RESOLUÇÕES DO CONAMA

as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização;

VI - A descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderem ser evitados, e o grau de alteração esperado;

VII - O programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos; VIII - Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários

de ordem geral).Parágrafo único. O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua

compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráfi cos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação.

Art. 10. O órgão estadual competente, ou a SEMA ou, quando couber, o Município terá um prazo para se manifestar de forma conclusiva sobre o RIMA apresentado.

Parágrafo único. O prazo a que se refere o caput deste artigo terá o seu termo inicial na data do recebimento pelo órgão estadual competente ou pela SEMA do estudo do impacto ambiental e seu respectivo RIMA.

Art. 11. Respeitado o sigilo industrial, assim solicitando e demonstrando pelo inte-ressado o RIMA será acessível ao público. Suas cópias permanecerão à disposição dos interessados, nos centros de documentação ou bibliotecas da SEMA e do órgão estadual de controle ambiental correspondente, inclusive durante o período de análise técnica.

§ 1o Os órgãos públicos que manifestarem interesse, ou tiverem relação direta com o projeto, receberão cópia do RIMA, para conhecimento e manifestação.

§ 2o Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental e apresentação do RIMA, o órgão estadual competente ou a SEMA ou, quando couber o Município, determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais interessados e, sempre que julgar necessário, promoverá a realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA.

Art. 12. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

FLÁVIO PEIXOTO DA SILVEIRA - Presidente do Conselho

Este texto não substitui o publicado no DOU, de 17 de fevereiro de 1986.

RESOLUÇÃO CONAMA nº 1 de 1986LICENCIAMENTO AMBIENTAL – Normas e procedimentos

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTECONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE-CONAMA

RESOLUÇÃO N° 428, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2010

Correlações:• Revoga as Resoluções n° 10/1988, nº 11/1987, nº 12/1988, nº 13/1990; • Altera as Resoluções nº 347/2004, e nº 378/2006.

Dispõe, no âmbito do licenciamento ambiental sobre a autorização do órgão responsável pela administração da Unidade de Conservação (UC), de que trata o § 3º do artigo 36 da Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, bem como sobre a ciência do órgão responsável pela administração da UC no caso de licenciamento ambiental de empreendimentos não sujeitos a EIA-RIMA e dá outras providências.

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE-CONAMA, no uso das atribuições e competências que lhe são conferidas pelo art. 8º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentado pelo Decreto nº 99.274, de 06 de julho de 1990 e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, Anexo à Portaria MMA nº 168, de 13 de junho de 2005, e:

Considerando a necessidade de regulamentar os procedimentos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental que afetem as Unidades de Conservação específicas ou suas zonas de amortecimento, resolve:

Art. 1º O licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental que possam afetar Unidade de Conservação (UC) específica ou sua Zona de Amortecimento (ZA), assim considerados pelo órgão ambiental licenciador, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), só poderá ser concedido após autorização do órgão responsável pela administração da UC ou, no caso das Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN), pelo órgão responsável pela sua criação.

§1º Para efeitos desta Resolução, entende-se por órgão responsável pela administração da UC, os órgãos executores do Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC), conforme definido no inciso III, art. 6º da Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000.

§2º Durante o prazo de 5 anos, contados a partir da publicação desta Resolução, o licenciamento de empreendimento de significativo impacto ambiental, localizados numa faixa de 3 mil metros a partir do limite da UC, cuja ZA não esteja estabelecida, sujeitar-se-á ao procedimento previsto no caput, com exceção de RPPNs, Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Áreas Urbanas Consolidadas.

Art. 2° A autorização de que trata esta Resolução deverá ser solicitada pelo órgão ambiental licenciador, antes da emissão da primeira licença prevista, ao órgão responsável pela

administração da UC que se manifestará conclusivamente após avaliação dos estudos ambientais exigidos dentro do procedimento de licenciamento ambiental, no prazo de até 60 dias, a partir do recebimento da solicitação.

§1º A autorização deverá ser solicitada pelo órgão ambiental licenciador, no prazo máximo de 15 dias, contados a partir do aceite do EIA/RIMA.

§2º O órgão ambiental licenciador deverá, antes de emitir os termos de referência do EIA/RIMA, consultar formalmente o órgão responsável pela administração da UC quanto à necessidade e ao conteúdo exigido de estudos específicos relativos a impactos do empreendimento na UC e na respectiva ZA, o qual se manifestará no prazo máximo de 15 dias úteis, contados do recebimento da consulta.

§3º Os estudos específicos a serem solicitados deverão ser restritos à avaliação dos impactos do empreendimento na UC ou sua ZA e aos objetivos de sua criação.

§ 4º O órgão responsável pela administração da UC facilitará o acesso às informações pelo interessado.

§ 5º Na existência de Plano de Manejo da UC, devidamente publicado, este deverá ser observado para orientar a avaliação dos impactos na UC específica ou sua ZA.

§ 6º Na hipótese de inobservância do prazo previsto no caput, o órgão responsável pela administração da UC deverá encaminhar, ao órgão licenciador e ao órgão central do SNUC, a justificativa para o descumprimento.

Art. 3º O órgão responsável pela administração da UC decidirá, de forma motivada:

I – pela emissão da autorização;

II – pela exigência de estudos complementares, desde que previstos no termo de referência;

III – pela incompatibilidade da alternativa apresentada para o empreendimento com a UC;

IV – pelo indeferimento da solicitação.

§ 1º A autorização integra o processo de licenciamento ambiental e especificará, caso necessário, as condições técnicas que deverão ser consideradas nas licenças.

§ 2º Os estudos complementares deverão ter todo seu escopo definido uma única vez, sendo vedada, após essa oportunidade, a solicitação de novas demandas, salvo quando decorrerem das complementações solicitadas.

§ 3º A não apresentação dos estudos complementares específicos, no prazo acordado com o empreendedor para resposta, desde que não justificada, ensejará o arquivamento da solicitação de autorização.

§ 4º A contagem do prazo para manifestação do órgão responsável pela administração da UC será interrompida durante a elaboração dos estudos complementares específicos ou preparação de esclarecimentos, sendo retomada, acrescido de mais 30 dias, em relação ao prazo original, se necessário.

§ 5º Em caso de indeferimento da autorização, o empreendedor será comunicado pelo órgão ambiental licenciador e poderá requerer a revisão da decisão.

§ 6º Na hipótese do inciso III poderão ser apresentadas, pelo empreendedor, alternativas ao projeto em análise que busquem compatibilizar o empreendimento com a UC e sua ZA.

Art. 4º Caso o empreendimento de significativo impacto ambiental afete duas ou mais UCs de domínios distintos, caberá ao órgão licenciador consolidar as manifestações dos órgãos responsáveis pela administração das respectivas UCs.

Art. 5º Nos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos não sujeitos a EIA/RIMA o órgão ambiental licenciador deverá dar ciência ao órgão responsável pela administração da UC, quando o empreendimento:

I – puder causar impacto direto em UC;

II – estiver localizado na sua ZA;

III – estiver localizado no limite de até 2 mil metros da UC, cuja ZA não tenha sido estabelecida no prazo de até 5 anos a partir da data da publicação desta Resolução. § 1º Os órgãos licenciadores deverão disponibilizar na rede mundial de computadores as informações sobre os processos de licenciamento em curso.

§ 2º Nos casos das Áreas Urbanas Consolidadas, das APAs e RPPNs, não se aplicará o disposto no inciso III.

§ 3º Nos casos de RPPN, o órgão licenciador deverá dar ciência ao órgão responsável pela sua criação e ao proprietário.

Art. 6º Os órgãos ambientais licenciadores estaduais e municipais poderão adotar normas complementares, observadas as regras gerais desta Resolução.

Art. 7º Esta Resolução se aplica às UCs criadas até a data de requerimento da licença ambiental.

Art. 8º Ficam revogadas as Resoluções Conama n° 10, de 14 de dezembro de 1988, Conama nº 11, de 3 de dezembro de 1987, Conama nº 12, de 14 de dezembro de 1988, Conama nº 13, de 6 de dezembro de 1990; bem como o inciso II, do art. 2º e §1º do art. 4º da Resolução Conama nº 347, de 10 de setembro de 2004, e o parágrafo único do art. 3º da Resolução Conama nº 378, de 19 de outubro de 2006.

Art. 9º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

IZABELLA TEIXEIRA Presidente do Conselho

ESSE TEXTO NÃO SUBSTITUI O PUBLICADONO DOU nº 242, EM 20/12/2010, pág. 805.

ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA Nº 17/2010/PFE/IBAMA

TEMA: FISCALIZAÇÃO PARA A PROTEÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO FEDERAIS

Parecer nº 1751/2009/COEP, expedido no processo 02026.001450/2009-01, de lavra da Procuradora Federal MARIANA WOLFENSON COUTINHO BRANDÃO e Despacho nº 2755/2009-PFE/COEP, aprovados pela Sra. Procuradora Chefe Nacional, Dra. ANDREA VULCANIS, em 23/03/2010.

EMENTA

1. Poder de Polícia do IBAMA e do ICMBio no que tange às Unidades de Conservação instituídas pela União. Competência primária do ICMBio e supletiva do IBAMA;2. A supletividade deverá ser analisada caso a caso e sopesada quando em confronto com os princípios da prevenção e precaução;3. A competência fiscalizatória do IBAMA para a proteção das Unidades de Conservação Federais e respectivas Zonas de Amortecimento está condicionada a que a autarquia federal primariamente competente (ICMBio), por qualquer razão injustificada, deixe de atuar quando deveria. É possível ainda que o IBAMA atue em regime de cooperação com o ICMBio, desde que lhe seja solicitada tal colaboração;4. As autarquias IBAMA e ICMBio deverão exercer suas atribuições legais em estreita cooperação, sendo que toda e qualquer fiscalização a ser efetivada em favor de unidade de conservação federal deverá ocorrer, sempre que possível, mediante o conhecimento do ICMBio;5. Ocorrendo dupla autuação em face do mesmo infrator e sobre os mesmos fatos, prevalecerá o auto de infração lavrado em primeiro lugar.6. Visando evitar conflito de competência entre IBAMA e ICMBio, quando esta autarquia pretender realizar fiscalização fora das unidades de conservação e zonas de amortecimento deverá motivar seu ato baseado em circunstâncias que justifiquem a adoção da medida como forma de proteção de uma UC. A ausência de motivação poderá acarretar vício de competência por parte do ICMBio.

FUNDAMENTAÇÃO

Tratam os presentes autos de consulta formulada a esta Procuradoria, através do MEMO n.° 194/2009 – DICOF/DITEC/SC, pela Superintendência do IBAMA em Florianópolis.

À fl. 01 faz-se o seguinte questionamento: “... a fiscalização no entorno das Unidades de Conservação Federais é atribuição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e qual o papel do IBAMA neste contexto?”.

É o relatório.

As unidades de conservação são espaços territoriais e seus respectivos recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (art. 2°, I, da Lei 9.985/2000).

O Sistema Nacional de Unidade de Conservação é, conforme determina a Lei do SNUC, gerido pelos seguintes órgãos (art. 6°, L. 9.985/2000):

“I – Órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama, com as atribuições de acompanhar a implementação do Sistema;

II - Órgão central: o Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de coordenar o Sistema; e

III - órgãos executores: o Instituto Chico Mendes e o Ibama, em caráter supletivo, os órgãos estaduais e municipais, com a função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e administrar as unidades de conservação federais, estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuação. (Redação dada pela Lei nº 11.516, 2007)” (g.n.).

Na área federal, os órgãos executores do SNUC são o Instituto Chico Mendes e, supletivamente, o IBAMA. Cabe a eles fiscalizar as unidades de conservação, na medida de suas competências.

O grande espaço de atuação do Instituto Chico Mendes é o complexo das Unidades de Conservação da Natureza criadas e mantidas pela União.

Em 2007, o Governo Federal interveio no IBAMA e retirou algumas de suas principais atribuições, repassando-as ao ICMBio, que “recebeu a missão de cuidar do patrimônio ambiental natural, especialmente das florestas (com ênfase na Floresta Amazônica), tendo como alvo principal a biodiversidade e o patrimônio genético.” (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 2009).

A Lei que criou o ICMBio direcionou sua atuação para a execução das políticas traçadas para o SNUC, restringindo sua função normativa aos aspectos técnicos que o interessam (Lei 11.516/2007, art. 1°, I, II e III). O IBAMA centrou-se no licenciamento ambiental, inclusive em Unidades de Conservação, e na normatização relativa aos recursos naturais que ficaram fora da competência do ICMBio.

Poder de Polícia do IBAMA e do ICMBio no que tange às Unidades de Conservação instituídas pela União;

Poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades potencialmente poluidoras dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público.

Conforme ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, o “poder de polícia age através de ordens e proibições, mas, sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras”, “pela ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia.” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 34ªed, p. 141).

O Poder de Polícia do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade está descrito e delimitado pela Lei n.º 11.516/2007, nos seguintes termos:

“Art. 1o Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

I - executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União;

II - executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às

populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União;

III - fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental;

IV - exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e

V - promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.

Parágrafo único. O disposto no inciso IV do caput deste artigo não exclui o exercício supletivo do poder de polícia ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. (g.n)

(...)

Art. 5o O art. 2 o da Lei n o 7.735, de 22 de fevereiro de 1989 , passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2o É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

I - exercer o poder de polícia ambiental;

II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e

III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.” (g.n.).

É possível se extrair da citada legislação que o poder de polícia ambiental será exercido primariamente pelo ICMBio e apenas supletivamente pelo IBAMA.

Ressalte-se que o ICMBio já vem exercendo seu Poder de Polícia Ambiental nas Unidades de Conservação e respectivas zonas de amortecimento. Nesse aspecto, transcrevo trecho de documento oriundo da Divisão de Fiscalização do ICMBio (fl. 50 do processo administrativo n.° 02001.004753/2007-94): “(...) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade possui, hoje, 374 (trezentos e setenta e quatro) agentes de fiscalização devidamente designados e operando nas diversas unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento e entorno, assim como, veículos e demais equipamentos necessários para a atividade fiscalizatória. Estão em andamento processos de capacitação de mais 120 (cento e vinte) agentes de fiscalização para esta ano de 2007 (...).” (g.n.).

Ponto de extrema relevância é a delimitação da competência do ICMBio para a proteção das Unidades de Conservação, uma vez que determinadas condutas, a despeito de não praticadas dentro de Unidades de Proteção Integral ou de Unidades de Uso Sustentável, podem afetá-las diretamente. É o caso, por exemplo, de uma indústria que emite efluentes num rio situado fora da Unidade de Conservação, mas que a jusante ingressa na área protegida.

Entende-se que a competência material atribuída ao ICMBio é ampla no que tange à proteção das Unidades de Conservação. O Instituto não pode se omitir diante de fato ocorrido fora da UC, mas que vá atingi-la direta ou indiretamente, pois que a Lei n.º 11.516/2007 não restringiu a competência deste órgão executor ao exercício da fiscalização de atos praticados dentro da Unidade, mas, ao revés, incumbiu-lhe de defender, proteger, fiscalizar e monitorar as Unidades de Conservação, seja em face de atividades nocivas internas, seja externas.

Importante ainda salientar que a competência material é comum a todos os entes federados, que devem proteger o meio ambiente independentemente da verificação da predominância do interesse. Cabe aos órgãos executores do SNUC, diante de situações de perigo concreto ou abstrato, decidir o momento de atuar.

O conceito de atuação supletiva deve ser analisado com parcimônia, uma vez que o dano não aguarda a chegada do órgão ambiental competente. Supletivo, segundo o novo Dicionário Aurélio, é o “que supre ou se destina a suprir”. Se há perigo iminente de dano a uma Unidade de Conservação, está autorizada a atuação supletiva do IBAMA, podendo-se concluir que as medidas de precaução não foram aplicadas a contento.

Diante da iminência do dano, o IBAMA não pode aguardar que o ICMBio seja chamado a atuar para, só então, diante da inércia deste, vir a agir. Raciocínio assim vai de encontro aos Princípios Constitucionais do Meio Ambiente e pode ensejar a responsabilidade civil do ente omisso. É que, ressalte-se, a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e pode decorrer de atos

ilícitos e lícitos, bastando apenas que sejam comprovados os seguintes elementos: ação/omissão, nexo causal e dano.

A Constituição Federal garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, portanto, se malferido, deve ser reparado integralmente. E como se repara a extinção de uma espécie? O corte de uma árvore centenária? A secagem de um rio?

Entende-se, assim, que se estiver ao alcance do IBAMA evitar ou minimizar a degradação ambiental, mormente em se tratando de danos irreversíveis, cumpre-lhe atuar de pronto, independentemente de caracterizada a desídia do órgão ambiental originalmente competente.

Em suma, embora a omissão do ICMBio não possa ser identificada em abstrato, mas apenas no caso concreto, é possível concluir que os Princípios Constitucionais da Prevenção, em casos de danos concretos, e da Precaução, na hipótese de perigos eventuais, impõem o dever de agir para evitar qualquer lesão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O interesse é que haja a proteção ambiental e a mitigação de danos.

Com a aplicação do princípio da prevenção é possível prever as conseqüências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O princípio da precaução determina que o ato potencialmente poluidor não seja praticado quando não se possam mensurar as suas conseqüências, no espaço ou no tempo, para o meio ambiente. Há incerteza científica não dirimida.

Como as duas autarquias estão autorizadas a fiscalizar e reprimir condutas lesivas ao meio ambiente, na eventualidade de haver dupla autuação contra o mesmo infrator e em função da mesma conduta ilícita, prevalece o auto de infração lavrado em primeiro lugar. Se a atuação supletiva do IBAMA teve por fundamento a iminência de dano e a inércia do ICMBio, futura autuação por parte desta autarquia caracterizará a sobreposição de competências e de sanções.

A fiscalização exercida pelo ICMbio abrange o entorno das Unidades de Conservação;

Todas as Unidades de Conservação devem dispor de um Plano de Manejo (art. 27, L 9985/2000)1, elaborado no prazo de 05 anos a partir da criação da UC, cujo conteúdo deve abranger não apenas a área da Unidade de Conservação, mas também sua zona de amortecimento e seus corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas (art. 27, §1°, L 9985).

1 Plano de Manejo é o “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (art. 2°, XVII da Lei 9.985/2000).

“Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo.

§ 1° O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas.”

Zona de amortecimento é o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade (art. 2°, inciso XVIII).

Esclareça-se que é atribuição do ICMBio a regulamentação das referidas áreas.

“Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos.(Regulamento)

§ 1o O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação.

§ 2o Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o § 1o

poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente.”

A fiscalização de uma área protegida não pode estar dissociada daquela exercida no respectivo entorno, sob pena de deixar desprotegida a própria Unidade de Conservação. “É perfeitamente compreensível que as dez unidades de conservação mencionadas não possam realizar plenamente seus objetivos, se não houver uma separação gradativa entre o meio ambiente antropicamente trabalhado e o meio natural. A expressão “zona de amortecimento” é um espaço destinado a diminuir ou enfraquecer os efeitos das atividades existentes na área circundante de uma unidade de conservação” (MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro, 2009, p. 840).

A zona de amortecimento e a respectiva unidade de conservação devem ter atividades que coexistam harmonicamente, pois o meio ambiente não se administra contra os vizinhos ou contrariamente as suas necessidades. Neste sentido, a própria Lei n.° 9.985/2000 prevê que as normas sobre a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos serão estabelecidas pelo órgão responsável pela administração da unidade (art. 49, §1°).

Também não podem ser esquecidas as Zonas Circundantes, conceito trazido pela Resolução CONAMA n° 13/90.

“Art. 2° Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota, deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente.

Parágrafo único. O licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante autorização do responsável pela administração da Unidade de Conservação.” (g.n.).

Então, ao impor regras a serem obedecidas no entorno de uma Unidade de Conservação, o ICMbio, autarquia federal responsável pela administração dessas áreas legalmente protegidas, deve fiscalizar-lhe o cumprimento, aplicando, quando for o caso, a sanção correspondente.

Para a proteção das unidades de conservação, cabe ao Instituto Chico Mendes o exercício do Poder de Polícia não apenas na área inserida na UC, mas também em sua zona circundante e de amortecimento, as quais figuram como imprescindíveis à consecução das finalidades das áreas protegidas.

A fim de dissipar quaisquer dúvidas, o art. 36 da Lei do SNUC impõe à entidade administradora da UC a obrigação de “autorizar” o licenciamento quando o empreendimento afetar unidade de conservação ou sua zona de amortecimento. Assim, malgrado não deter competência para conceder licença, o ICMBio também exercerá seu poder de polícia no procedimento de licenciamento ambiental, tanto sobre a Unidade de Conservação quanto em face da respectiva Zona de Amortecimento e Circundante.

“Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. (...). “§ 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.” (g.n.).

Face às razões expostas, concluímos que a competência do IBAMA para fiscalizar Unidades de Conservação Federais e respectivas Zonas de Amortecimento e Circundante é supletiva, ou seja, está condicionada a que a autarquia federal competente (ICMBio), por qualquer razão injustificada, deixe de atuar quando deveria. A supletividade, todavia, há que ser analisada caso a caso e sopesada quando em confronto com os princípios da prevenção e da precaução.

Na dúvida, o IBAMA deve agir e posteriormente solucionar, no caso concreto, o conflito positivo de competência.