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Quando ELA Chegou Amostra

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Ela 1

Eu deveria estar em São Paulo. To de férias, mas me comprometi a ir pra um congresso e

inventei de fazer um curso. Já tinha as passagens – pagas pelo meu chefe – e reservado um flat.

Quase cheguei a pagar o curso, mas aí vi que São Paulo era o último lugar onde eu queria estar.

Troquei tudo isso pela pacata cidade de Triunfo, aqui em Pernambuco mesmo. Aluguei uma casa

e vim. Com meu laptop, umas roupas e 5g de cocaína, o que nem é tanto assim.

Tava sem saco de ver meus amigos paulistanos e eles comentarem como estou desleixado.

Ninguém sabe o que é estar pouco se fodendo pra vida. Não faço a barba, nem corto o cabelo há

meses. Minhas unhas estão tão grandes que até eu me arranho com elas. To com um anel

quebrado em um dedo que não sai mais, já que eu engordei. Ainda lavo o cabelo, tomo banho e

escovo os dentes. Ah, e passo perfume. Sou um desleixado limpinho.

Escolhi vir pra cá por algumas razões:

1- O preço.

2- Faz frio.

3- Quem vai dar a mínima pra mim aqui?

Eu quero é beber vinho barato, cheirar meu pó e escutar meu rock. Sem ninguém para me

irritar. E assim eu também não encho o saco de ninguém. Virei uma péssima companhia.

Revoltado é a palavra que estão usando pra me descrever. Quanta falta de criatividade.

“Revoltado” é um menino de 14 anos que foi expulso da aula de Português xingando todo mundo

porque tava jogando no iPhone.

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Saí fugindo de Recife porque Ela resolveu aparecer. Eu disse pra Ela que não viesse. Eu tentei

explicar que não ia conseguir olhar pra Ela e não querer morrer, mas Ela não ouviu. Ela veio

mesmo assim e ontem mandou um e-mail desaforado dizendo:

Pablo, estou chegando. Se você quiser me ver, bem. Se não, vou entender. Um beijo.

Ela pensa o que? Que sou de ferro? Que já superei?

Essa puta sabe que eu não superei nada. Ela lê meu blog e COMENTA. Ela sabe que eu subi no

telhado do meu prédio e só não me atirei porque o porteiro apareceu. E suicídio precisa ser feito

sozinho, pelo menos na minha concepção. Não quero ninguém com trauma achando que

poderia ter me salvado. A não ser Ela.

Depois da tentativa frustrada, já planejei tudo secretamente mil vezes. Peço demissão do meu

emprego, assim todo mundo lá se despede de mim. Passo no meu restaurante favorito e como

minha last meal. Tomo uma garrafa inteira de champagne e de lá mesmo escrevo o meu post de

despedida da vida, que programo para ir ao ar no blog no dia seguinte. Deixo o meu carro no

restaurante e vou de táxi até as torres gêmeas do Recife Antigo. Digo na portaria que vou para o

apartamento de Lee Hom e o porteiro me deixa entrar. Escapo para a cobertura e me jogo de lá.

Nunca tive cunhão pra fazer isso. Mas deveria. Por que devo acreditar que essa porra de vida vai

melhorar mesmo?

Mas vamos aos fatos. Na rodoviária de Triunfo não tem táxi. Apenas moto táxi. Vim encoxando

o motoqueiro até a casa onde vou ficar. Quando cheguei, dei a ele R$5 e perguntei na lata se ele

conhecia algum traficante. E, veja só que ótimo, ele conhecia. Peguei o telefone dele porque senti

na hora que as 5g não iam dar.

Eu nunca fui muito ligado em cocaína, mas sempre curti a vibe de ir com um amigo no banheiro

cheirar umas carreiras no meio de uma festa. Sempre achei ela a droga para share. And sharing

is caring.

A casa que eu aluguei é o tipo de lugar onde eu não moraria nunca. Tem piso de madeira e

móveis rústicos, mas também wifi e uma lareira. E um primeiro andar, apesar de ter só dois

quartos. É grande demais só pra mim, mas eu não to mesmo a fim de dividir esse espaço com

ninguém.

São nove da noite, então resolvi que vou dar uma festa de boas vindas pra mim mesmo. Abri a

primeira garrafa de vinho e fiz umas duas carreiras pra cheirar. Não tem coisa melhor que

cheirar bebendo. Meus amigos que cheiram pra valer dizem que isso tá errado e bla bla bla, mas

não ligo.

A garrafa de vinho acabou. 10 e meia da noite. Eu tava bêbado e doido demais pra ficar em casa,

mas era isso que eu queria. Minha casa. Sem família, que só enche o saco. Sem amigos, que não

entendem nada do que eu digo e querem que eu seja outra pessoa. Sem Ela. Ela que nunca mais

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pense em me escrever. Não bloqueei no Facebook porque não sou criança. E também porque

acho que Ela tem que se tocar e me deixar em paz.

Do nada fico com um tesão absurdo. A quantidade de vinho que eu tomei devia me deixar broxa,

mas acho que o pó ajudou a dar o efeito contrário. Sei lá. Abro minha calça e boto meu pau pra

fora. Penso nela chupando ele inteiro, sem reclamar. Vai sua vadia, chupa. Quero que você

engula minha porra. Porra! To de pau duro encoxando o motoboy. Talvez ele perceba. Percebeu.

Parou a moto e disse “Me encoxa pelado”. Andamos por umas ruas escuras, pelados em cima da

moto. Meu pau duro feito rocha. Nunca comi o cu da minha ex. Morria de vontade, mas não

sabia como pedir. To sentindo o cheiro Dela, como Ela é quentinha por dentro, como Ela geme

gostoso. Vai sua puta, geme. Geme muito porque essa é a última vez. E esse tapa é por tudo que

você me fez passar.

Gozei. Nela e no motoboy. Ela suspirou, ele sorriu. Eu choro. Não quero mais pensar Nela.

Tenho vontade de quebrar a garrafa de vinho na minha cabeça pra ver se eu estouro alguma veia

e morro de uma vez. Só pra não ter que lembrar como a gente acabou. Só pra não ficar com esse

vazio que ninguém vai preencher de novo. Eu não faço idéia de como é o outro lado, mas sei que

lá essa angustia não existe. Lá Ela não é ninguém.

O sono chegou. Acho que foi a mistura da viagem, com o vinho e a punheta. E também o fato

que não comi nada. Tudo vai ficando embaçado. De repente achei aquele sofá perto da lareira

tão confortável, mesmo com ela apagada. Pego o tapete e me cubro com ele. Eu deveria ter

conseguido uma puta ao invés de ter batido uma. Mas eu gozei anyway.

PEEEEEEEEEEEEEEM. Toca a campanhia. Dou um pulo com o susto. Não é possível que

alguém descobriu que eu to aqui. Até porque eu não dei o meu endereço a ninguém. Muito

menos disse que estava vindo pra Triunfo. Todo mundo acha que eu to em São Paulo. Dei até

check-in falso no Foursquare pra ninguém desconfiar.

Vou até a porta tropeçando, sonolento e bêbado, e abro sem nem olhar no olho mágico. É o

motoboy.

O que diabos ele faz aqui? Eu disse a ele que ligaria se eu quisesse alguma coisa. Ele me olha

como se adivinhasse que eu bati uma pra ele. E nem foi assim. Eu só fiquei meio de pau duro

quando tava encoxando ele na moto e a punheta foi dividida entre ele e Ela. Se bem que como as

coisas estão, preferia ter sido fiel a ele.

- Vim devolver teu dinheiro.

- Não to entendendo.

- Tu me desse cinquenta reais.

Diz ele, me devolvendo R$48.

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- Porra, sério? Caralho. Mas peraí, eu queria te dar cinco e não dois.

- A corrida é dois.

- E daí? Você me deu uma informação que eu queria.

E eu ainda te encoxei.

- Não, ó, se tu quiser alguma coisa tu me liga.

Olho pra ele melhor. Ele é bem mais bonito do que eu lembrava. Ou eu só to bêbado mesmo.

- Você não quer entrar não? Tomar um vinho, ouvir um rock, cheirar uma coisinha?

- Não. Falei pra minha mulher que voltava logo.

Claro que ele é casado. Um homem desse porte no interior engravida logo uma mulher feia

qualquer. Boa primeira noite essa. Nem um motoboy de Triunfo quer passar a noite comigo, e

olha que ofereci bebida e pó.

- Beleza então. Qual teu nome?

- Leandro. E o do senhor?

- Pablo, e para de me chamar de senhor agora, caralho.

- Tá. Falou.

E foi embora.

Aí eu subi pro quarto, bati mais uma punheta – dessa vez exclusiva pro Leandro – e dormi.

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Ela 2

Acordei e nem procurei ver que horas eram. Só lembro que tive um sonho que eu era um

rockstar e Ela tava casada comigo. Duas coisas que nunca vão acontecer. Primeiro porque eu

não sei tocar instrumento nenhum e canto muito mal. O segundo porque não sou idiota.

Casamento já dá errado quando você não gosta da pessoa. Se você é apaixonado, então, é

melhor assinar logo contrato pra ser palhaço de circo ao invés da certidão de casamento.

Fui até o banheiro e vi que tem uma banheira. Enquanto ela enche, resolvo que chegou a hora de

raspar o cabelo, tirar a barba e cortar as unhas. Sem demorar nem fazer drama, passei a

máquina zero na cabeça. Trouxe a maquina pra fazer isso mesmo, mas achava que seria no

último dia e não no segundo. Nunca me senti tão bem. Tiro a barba inteira. Sou outro cara.

Poderia ir pra Recife agora e ninguém saberia que sou eu. Por último vão as unhas. Olho pra elas

e penso “Preciso arranjar um esmalte e pintá-las”.

Entro devagar na banheira. Se não fosse Ela, eu estaria em São Paulo dando mais um passo em

minha carreira. Vestindo um terno, conhecendo gente do mundo inteiro e fazendo contatos

valiosos. Seria uma merda de todo jeito. Mas estou nu, numa banheira de água quente, sem

cabelo e sem barba. Como se isso fosse me ajudar em alguma coisa. Mas talvez ajude. Aquele

cara desleixado quem criou foi Ela. Esse de agora sou eu.

Sou outro. Senti fome e liguei pro Leandro pedindo pra ele aparecer aqui em casa. Quando ele

me viu perguntou indignado.

- Mas o que aconteceu???

- Cansei.

- Mas antes tava massa.

- Tu acha? Então por que tu não deixa teu cabelo e tua barba crescerem?

- Ah, porque não. Eu gosto nos outros, em mim ia ficar feio. Mas e aí, vai querer alguma coisa

hoje?

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- Não. Só quero que tu me leve no centro. Quero almoçar e pintar minha unha.

- Pintar a unha?

- É. O que é que tem?

- Nada não, seu Pablo.

- Seu é meu caralho. Vamo.

Leandro subiu na moto e eu fui atrás. Dessa vez a encoxada foi muito mais gostosa, porque eu

perdi a vergonha. E nem acho que ele notou porque passam o dia encoxando ele mesmo. Seguei

na cintura dele ao invés do ombro como na primeira vez, mesmo ele tendo dito quando me

pegou na rodoviária:

“Pode segurar na minha cintura”.

Bom, agora eu obedeci. Leandro não deve ter nem 25 anos, é magro mas meio fortinho, moreno

e tem uma barba rala. Fico pensando se ele trai a mulher. Porque com certeza um bando de

periguete do interior encoxa ele também. Odeio capacete. Queria ficar olhando pra nuca dele.

Tenho tesão em nucas, não sei exatamente por que.

Chego no centro e pago R$2 a ele.

- Tem uma pizzaria boa ali. A comida demora mas é gostosa. E pra tu pintar tuas unhas, tem uns

salão aqui por perto. Só andar um pouquinho.

- Valeu, Leandro.

- Qualquer coisa é só ligar.

Fui na pizzaria que ele me indicou e era isso mesmo: demorada, mas boa. De lá segui para o

salão de beleza. Perguntei pela manicure e uma moça baixinha veio me atender.

- Suas unha já tão cortada. O senhor quer passar base?

- Não, eu quero pintar.

Ela ficou bem chocada. Acho que homem nenhum que passou por lá pintou a unha. Ela nem

sabia o que dizer. Ficou me olhando com um sorriso estranho. Ela achou isso inusitado,

engraçado. Parecia que ela sempre quis que esse dia chegasse: um homem obviamente de fora

entrasse no salão e pedisse pra pintar as unhas.

- Diz aí, que cores tu tem?

- Tenho tudo. Até rosa se o senhor quiser.

- Rosa é legal, mas é alegre demais. Quero preto, tu tem?

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- Tenho.

- Então vai ser essa cor.

O nome dela era Lucinha. E ela era uma ótima manicure. Fez uma massagem nas minhas mãos

antes de começar que quase me fez dormir. Mas não dava pra dormir, porque ela não parava de

fazer perguntas.

- Tu não é daqui né?

- Não.

- Tu é da onde?

- De Recife.

- E lá os hômi pinta as unha também?

- Não. Na verdade to pintando pela primeira vez.

- Ah tá. Tu tem namorada?

- Tu pergunta isso a todo mundo?

- Pergunto.

- Eu tinha uma namorada.

- Tu largou ela, foi?

- Não, foi o contrário. Ela disse que era melhor a gente só ser amigo.

- E quanto tempo vocês ficaro junto?

- 15 dias.

- Ah, então ela não foi tua namorada.

- Foi sim. É que foram 15 dias juntos pessoalmente. Ela é de Brasília e a gente se conheceu

quando Ela veio passar férias em Recife. Ela era amiga de uma amiga minha. A gente se

conheceu no primeiro dia Dela lá e foi muito doido. Não sei como foi. A gente conversou cinco

minutos e se beijou. Daí a gente não se largou mais. Nos primeiros dois dias eu ficava me

lembrando o tempo todo que Ela ia embora, mas depois eu desencanei. E acho que Ela também,

porque Ela falava comigo como se quisesse continuar a historia.

- E como foi no dia que ela foi embora?

- Eu disse que a distancia não importava. Que a gente ia continuar. Mas eu trabalho demais, até

em fim de semana. Então ficou difícil pra ir pra Brasilia ficar com Ela.

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- Mas vocês não tava namorando, né?

-Não oficialmente, mas a gente se sentia como namorados.

- Já que tu não conseguia ir pra Brasilia, por que ela não vinha pra Recife?

- Ela só estagiava, não tinha como viajar assim. Eu queria pagar pra Ela vir, mas Ela se recusava.

Dizia que eu não tinha que bancar Ela. Mas poxa, Ela não entendia que era pra gente ficar junto.

Ou talvez Ela não quisesse mesmo me ver. Mas Ela continuava dizendo que gostava de mim.

Tanto que na minha primeira oportunidade, tirei férias e fui pra lá passar quinze dias. Mas Ela

tava mudada. Não era a mesma que eu tinha conhecido em Recife. Ela não deixava eu encostar

Nela, quase. Até que Ela disse que só queria ser minha amiga. Que era melhor eu esquecer tudo

e continuar minha vida.

- Que merda.

- Pois é. E eu vim pra cá porque Ela me escreveu essa semana dizendo que estava vindo pra

Recife. Eu pedi a Ela pra não vir, porque eu não tava preparado pra gente se ver. Mas ai Ela

disse que vinha e que se eu não quisesse encontrar com Ela tudo bem.

Eu estava abrindo o meu coração para uma manicure que estava pintando as minhas unhas e

tava com um puta tesão num motoboy. E era só o segundo dia em Triunfo.

Resolvi pegar outro moto taxi pra ir pra casa, só pra ver se eu achava graça. O cara era tão bonito

quanto o Leandro, mas não deu em nada. Acho que o negócio era pessoal.

Entrei no Facebook. Ela já tava em Recife. E não me escreveu nada, ainda bem. Tudo o que Ela

fez foi postar fotos de alguma festa que Ela foi ontem com meus amigos e da praia de Boa

Viagem. Que bom que não to lá. Que bom que não to em São Paulo, sendo obrigado a ser

simpático com gente pra quem eu não dou a mínima.

Liguei pro Leandro.

- Opa.

- Leandro, e ai? Olha, a pizzaria era boa, mas demorada mesmo.

- Eu falei! Ô Pablo... tu vai fazer o que hoje a noite?

- Sei lá.

- Bora sair. Tem um lugar massa pra gente ir.

- Onde?

- Não posso dizer agora. Depois te falo. Passo ai umas dez horas?

- Beleza.

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Fiquei puto quando vi que o Leandro apareceu pra me buscar de carro. Eu nem pensei que ele

tivesse carro. Tá certo que era uma Brasília fudida, mas era um carro.

- E ai, vamo comer mulhé hoje? – foi a saudação dele.

Eu quero é te comer, eu quase disse. Só que nem era verdade. Eu curtia encoxar ele na moto,

mas ele se quisesse mesmo dar pra mim eu nem sei se eu iria topar.

- Vamo nessa. Onde a gente vai?

- Na casa de dona Viviane.

Casa de dona Viviane era um puteiro. A casa era grande, mas bem deteriorada, iluminada por

lâmpadas vermelhas. Clichêzão. As putas fumavam tanto que parecia que tinha neblina na sala.

Na vitrolinha tocava Fagner ou Djavan ou Ana Carolina, não sei.

Leandro já era conhecido, porque fomos recepcionados por dona Viviane herself. Ela já foi logo

perguntando “A de sempre?” no que ele respondeu “Passa ela pro meu amigo aqui”.

- Calma aí, deixa eu tomar um negócio e conhecer as meninas. – respondi.

- Beleza. Vamo tomar uma e depois vamo pros quarto.

Dona Viviane concordou e foi pra trás do balcão do bar. Pegou uma garrafa de cachaça e serviu

dois copos. A gente virou os dois e ela serviu mais dois. Seguindo o Leandro, virei de novo. Não

to acostumado à cana que esse povo bebe no interior, mas fui macho e aguentei. Ela serviu os

copos de novo e a gente virou de novo. Levantei a mão pedindo pra ela parar porque virar 3

copos de cachaça assim não é fácil pra mim, quem dirá quatro.

Leandro foi logo atrás da puta dele, mas ela tava agarrada num velho banguela. Eu fiquei quieto

só observando. Ele olhou pra mim e sorriu quando viu que ela tava ocupada. Fiquei rindo e

chamei ele com a mão.

- Vamo ali no banheiro.

O banheiro lá em Dona Viviane era na verdade um cubículo com um vaso, uma pia quebrada e

uma porta de madeira vagabunda. Nem sei como a gente coube ali.

- Qual é a tua?

- Calma Leandro, só quero dividir um momento especial contigo.

Peguei um pacotinho de cocaína do meu bolso e abri. Fiz uma carreira gorda em cima de um

cartão de crédito e com outro dividi ela em duas. Peguei o canudinho que eu tinha guardado na

carteira pra isso e dei ele na mão do Leandro. Ele tava tremendo.

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- Nunca fiz isso.

- Puxa com o nariz. Depois tu tampa o buraco do nariz e funga bem forte.

- Tá.

Ele fez tudo até bem certinho pra quem nunca tinha feito antes. Cheirei minha carreira e a gente

saiu do banheiro.

- Vamo embora? Tua puta não pode fazer nada contigo mesmo.

-Oxe e tu não vai querer nada não?

- Eu queria mesmo era cheirar a noite inteira.

Voltamos pra minha casa e dessa vez ele entrou. Abri um vinho e a gente começou a beber,

cheirar e dançar rock. Ele não conseguia cantar nada, mas pulava eufórico junto comigo.

- Leandro, tu nunca tinha cheirado mesmo?

- Não.

- E como tu disse que sabia quem tinha droga quando eu te perguntei no dia que eu cheguei?

- Ah, eu sei que lá em Dona Viviane dá pra conseguir, mas eu nunca usei. Pablo, o que tu veio

fazer aqui?

- Porra nenhuma.

- Não pô, sério. Tu chegou aqui pedindo droga, depois raspou a cabeça e pintou as unha. Qual é

a tua?

- Não tem essa de “qual é a minha”. Eu to aqui fazendo nada. Não quero nada. Não to esperando

nada.

- Tas fugindo da policia?

- Se fosse isso seria bom demais. To fugindo é da minha ex. Eu ainda gosto Dela.

- Me conta a historia.

- Não. Vou contar não. Olha, como é esse teu trabalho hein? Bando de homem te encoxando o

dia todo.

- Fazer o que né? Eu já acostumei.

- E algum já te deu uma cantada?

-Ah, porra, já. Mas é besteira.

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-Tu tem uma bundinha gostosa, Leandro.

- Vai te fuder, porra.

A gente cheirou mais, bebeu mais e teve uma hora que Leandro apagou. Aquele pó devia estar

adulterado. Cocaína de verdade não deixa ninguém com sono. Eu também tive sono. Pensei se

eu devia tentar meter a mão nele, mas me segurei pelo simples fato de não saber o que fazer se

ele acordasse.

No dia seguinte ele fez um café da manhã pra nós dois. Isso é gay demais, mas não disse nada.

Até porque ele podia só estar agradecendo a hospitalidade. Fiquei na minha e comi o cuscuz com

salsicha que ele cozinhou.

Quando ele foi embora pensei “Estou sozinho de novo”. E voltei a dormir.

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Ela 3

Acordei meio confuso quando já era noite. O Leandro não tava mais lá. Desci e dei de cara com a

sala vazia. Depois lembrei que ele tinha ido embora mesmo.

Como eu não tinha o que fazer, liguei o computador. E quando abri o meu e-mail lá estava: uma

mensagem Dela com o assunto:

“Quero te ver”

Fechei o computador na hora. Eu não queria ler aquilo. Eu não queria vê-la. Eu queria que Ela

se fodesse, que o avião dela caísse. Eu queria sofrer um acidente e esquecer tudo até um dia

antes do que eu a conheci. Não queria saber que Ela queria me ver, porque eu também queria

sair com Ela, conversar, saber como Ela anda sem mim. Eu queria ter certeza que Ela conseguiu

mesmo tocar a vida pra frente depois do que aconteceu. Por isso eu vim pra essa porra de

cidadezinha do interior. Se eu ficasse lá eu abriria esse e-mail e a essa hora já estaria chorando

bêbado em algum bar em Boa Viagem, depois de perceber no olhar Dela que eu só fui mais um.

Liguei pro Leandro. Fora de área ou desligado. É muito azar.

Abri o computador outra vez. Tomei coragem e li o e-mail,

Pablo,

Eu quero te ver. Eu não acredito que você tá em São Paulo. Mas olha, sei que você volta daqui

a uma semana e resolvi adiar minha passagem. Não quero ter passado aqui sem a gente se

encontrar. E sei que você não tem nada mais pra fazer em Brasilia.., Bom, é isso. Me escreve

pra gente combinar.

Um beijo.

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Tão doce e tão sonsa. Tenho certeza que se a gente se visse Ela ia conseguir fazer com que eu

sentisse tudo de novo, só pra ter o prazer de me dizer mais uma vez que não quer nada comigo.

Filha da puta.

Fui andar por aí. Triunfo é uma cidade pacata, mas pelo menos tinha uns bares escondidos.

Sentei no primeiro que vi e pedi uma cerveja. A garrafa demoraria pra acabar. Por enquanto eu

pensava no que fazer. Eu deveria voltar pra Recife. Eu nunca vou saber se Ela mudou a

passagem porque se arrependeu de ter me deixado se a gente não se encontrar. Mas eu sei que

não to preparado pra isso.

Terminei a cerveja e voltei andando para a casa. As poucas luzes da cidade brilhavam mais. O

meu sorriso parecia frouxo. Acho que era a saudade boa Dela. Aquele sentimento bobo que faz a

gente achar que o ruim não foi tão ruim assim. Eu queria viver tudo outra vez só porque ainda

existia uma chance de dar certo. Mesmo que eu soubesse que o fim seria esse. Aquela esperança

sem futuro era melhor do que a vida de agora.

Não entendo o que deu errado. Talvez por isso seja tão difícil superar. Eu não sei onde eu errei.

Não sei o que faltou em mim para Ela me dispensar sem dizer nada. E nunca vou saber, porque

me recuso a encontrar com Ela.

O telefone tocou. Era o Leandro.

- Tu me ligou?

- Liguei Leandro. Tem como tu passar lá em casa daqui a pouco?

- Onde é que tu ta?

- Perto, já chego lá.

Ele chegou logo depois de mim. Os olhos dele estavam vermelhos, como se ele tivesse chorado

tanto quanto eu no caminho pra casa. Ele não disse nada. Entrou, sentou no sofá e acendeu um

baseado. A gente começou a fumar calado. Cada um pensando na sua desgraça. Até que ele

disse:

- Filha da puta. Eu casei com uma filha da puta.

- Mulher não vale a porra que elas engolem.

Liguei o som e começou a tocar The Youth, do MGMT. Eu nem lembrava que tinha essa música

no pen drive. Peguei ele pela mão e o abracei. Sem perceber, começamos a dançar lentamente.

Eu, ele, a fumaça, os olhos já secos, elas duas, não sei o que me deixava mais desconcertado.

This is a call of arms to live, and love, and sleep together. Olhei nos seus olhos e vi que ele não

tinha expressão. Ou tinha muitas. Estava com medo, com pena de si, com raiva, sentindo-se

abandonado. Eu me sentia igual. Não lembro quem começou, mas nos beijamos. Foi um beijo de

Page 15: Quando ELA Chegou Amostra

desespero de duas pessoas extremamente sozinhas. Dois caras que precisavam dizer pra eles

mesmos que eram alguém, que valiam a pena, que mereciam algum amor.

- Eu não sei o que fazer, Pablo.

- Nem eu.

- Dorme abraçado comigo, por favor.

Eu não tinha nenhum sono, mas fiquei abraçado com o Leandro na cama até que ele dormisse.

Só um pensamento vinha na minha mente: preciso morrer.

Estava com medo do dia seguinte. De como Ela iria lotar minha caixa de entrada, porque eu

nunca vou responder aquele e-mail. Não queria olhar na cara do Leandro depois de hoje. Não

quero ficar chorando pra sempre toda vez que lembrar Dela. A vida não vai ser boa comigo e me

apresentar a melhor mulher do mundo na próxima esquina, eu sei. O que vai restar é um

sofrimento do caralho que pode durar até o fim.

Coloquei uma jaqueta e saí de casa. Fui com a moto do Leandro até o lago central. A minha ideia

era amarrar uma pedra no pé e me afogar. Eu já tinha até levado uma corda para a viagem, caso

eu tivesse vontade de fazer isso. Morrendo assim ninguém iria me encontrar, ninguém nunca

saberia o que aconteceu comigo. Algum dia alguém em Recife perceberia que eu não voltei e eu

ficaria pra sempre sendo procurado como se eu tivesse sido algum dia importante para aquelas

pessoas. Sendo que enquanto estava lá, ao lado deles, eu nunca fui de fato.

Eu só precisava encontrar uma pedra. Dei algumas voltas naquela parte da cidade a procura de

uma que fosse grande e pesada. Enquanto isso eu pensava se deveria mesmo me matar. Porra,

será que uma outra pessoa valia tanto assim? Mas não era somente uma outra pessoa. Era toda a

esperança que Ela roubou. Era a fome de futuro que eu tinha e não tenho mais. E isso não se

arranja de uma hora pra outra. Isso talvez nem dê pra conseguir de novo.

Encontrei a pedra. Estava no meio de muitas outras em uma calçada que estavam refazendo.

Não tinha ninguém ali. Cheguei perto da pedra e a carreguei para sentir o peso. Era suficiente.

Neste momento meu celular tocou. Era um número de Recife, mas que eu não conhecia. O

primeiro pensamento que tive foi desligar o celular. Mas logo depois pensei que podia ser

alguém com uma boa notícia. E se fosse, talvez eu desistisse de morrer. Poderia ser a vida me

dizendo para não me afogar no lago.

- Alô?

- Alô, Pablo? – era Ela.

- Oi. Quanto tempo.

- Você recebeu meu e-mail? Eu achei estranho você não responder, você é sempre tão rápido.

Page 16: Quando ELA Chegou Amostra

- Eu não tive tempo. Tô muito ocupado aqui em São Paulo. Mas e ai, curtindo Recife?

- Sim. Eu tava com muita saudade daqui. Já fui pra tanto lugar legal.

- Poxa, nem sei onde te levar quando a gente for se ver então.

- Ah, Pablo, isso não importa. Eu só quero ver você, saber como você ta. O bom dessa sua

demora é que você vai conhecer meu namorado, ele tá vindo de Brasilia passar uns dias aqui.

- Namorado?

- É... Faz tempo que a gente não conversa, né?

- É. Olha, eu preciso desligar agora que amanhã eu tenho que acordar muito cedo. Adeus.

Desliguei sem nem ouvir a resposta Dela e arremessei o celular longe. Namorado. Ela tem um

namorado. A vida Dela está seguindo adiante e a minha não. Eu ainda voltaria pra Ela se

pudesse. Eu não aguento essa dor. Não vou conseguir superar isso.

Amarrei a pedra na corda, amarrei a corda no meu pé e fui. Acabou. Os outros que sofram. Eu

desisti.