quando as diferenças são um “problema”?

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64 ESTUDOS Ana Lúcia Eduardo Farah Valente Palavras-chave: diferenças; processos de homogeneização econômica; capitalismo. Quando as diferenças são um “problema”? R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 64-75, jan./abr. 2000.

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ESTUDOS

Ana Lúcia EduardoFarah Valente

Palavras-chave: diferenças;processos dehomogeneização econômica;capitalismo.

Quando as diferenças são um “problema”?

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 197, p. 64-75, jan./abr. 2000.

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Reflete sobre os momentosem que a diferença aparece comoum "problema", partindo da tesede que essa questão pareceassumir um papel de destaquenas estratégias de resistência, naocorrência de processos dehomogeneização econômica docapitalismo. Da análise de algunsfatos históricos, constata-se quequatro grandes "crises", nasdécadas de 30, 50, 70 e 90 doséculo 20, tornaram visíveismovimentos de reivindicação dediferenças culturais. Suaproblematização coincide com aemergência de propostas deintegração homogeneizadora, queprocuram suprimir ou manteressas diferenças sob controle, deforma a não colocar em risco oseu projeto. A regularidadereconhecida na emergênciadessas "crises" afina-se com aformulação de Mandel sobre as"ondas longas", inevitáveis e decaráter cíclico, por derivarem deleis internas do modo deprodução capitalista.

Introdução

Ao resenharmos o livro O jogo dasdiferenças: o multiculturalismo e seus con-textos (Gonçalves, Silva, 1998), questio-namos a propriedade do emprego da pa-lavra "multiculturalismo" para designar a

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experiência brasileira com o tratamento dotema da diversidade cultural no campo daeducação.

Com base nos argumentos de que:a) a reivindicação do respeito à dife-

rença cultural no Brasil historicamentepartiu de grupos sobre os quais se im-pôs o universalismo europeu, isto é, ín-dios e negros;

b) a luta desses grupos étnicos ganhasignificado enquanto relação opositora diantede outras singularidades, ou seja, diante deoutros grupos étnicos que advogam ahegemonia sobre os demais, com base eminteresses políticos e econômicos;

c) a educação estrutura-se para legiti-mar uma organização sociocultural marca-da pela contradição e que, por isso, abre apossibilidade de sua negação; e

d) a diferença cultural é condição e mar-ca necessária da humanidade em suainteração com o meio, mas aparece na his-tória marcada pela desigualdade, levantamosa seguinte questão: não seria pertinente pen-sar uma proposta educacional que contem-plasse o contraditório processo de criação/significação da diversidade cultural para umaeducação igualitária ou para a cidadaniaparitária? Uma proposta que tivesse, sobre-tudo, o compromisso de desvelar os usossociais dos conhecimentos transmitidos que,como criações humanas, são passíveis deserem transformados?

Como disse, restaria encontrar o ter-mo ou os termos mais apropriados paranomear esse processo, sem cair em redun-dâncias ou tautologias e sem aderir "àsnovas manias recém-importadas pelas eli-tes na sua eterna e volúvel trajetória demodernização conservadora no País", pro-curando, assim, desorganizar "o consen-so em torno das idéias hoje hegemônicas"(Haddad, 1998, p. 12). Na verdade, menosdo que instaurar uma disputa apenas nocampo da linguagem, o maior desafio tal-vez seja refletir sobre os momentos em quea diferença aparece como um problema esobre a possibilidade de essa questão sermanipulada pelos grupos hegemônicos. Oresgate da historicidade desses momen-tos parece-nos uma condição fundamen-tal para a elaboração de estratégias maisconsistentes, que façam oposição efetiva,num quadro de correlação de forças políti-cas desiguais. Em outra ocasião, foramtraçadas as linhas gerais desses momen-tos e, considerando o grupo de trabalhoMovimentos Sociais e Educação um fórum

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importante de discussão, do qual tambémfazem parte os autores do livro resenha-do, parece-nos oportuno trazer à baila areflexão que vimos desenvolvendo, nacondição de antropóloga, para que suapertinência seja criticamente avaliada porestudiosos de outros campos do conhe-cimento interessados no tema. Certamen-te, uma interlocução proveitosa poderáaprimorar a análise, explorando aspectosobscuros e encaminhando a questão paraperspectivas ainda não contempladas.

Homogeneização global ereivindicação de identidades

plurais

Como se sabe, historicamente, o pro-blema central da Antropologia tem sido,de um lado, o de pensar a humanidadecomo uma coisa só, formada por seresque compartilham uma mesma e únicanatureza e, de outro, compreender e defi-nir essa natureza humana em relação àdiversidade sociocultural produzida comosua marca distintiva e necessária. Por isso,o movimento de homogeneização impli-cado na globalização, e que tem promo-vido, como reação, contramovimento, osurgimento de identidades plurais, levan-ta indagações e nos permite aventar a tesede uma relação intrínseca entre esses doismovimentos, a princípio, paradoxais.

Numa perspectiva mais abrangente,sabe-se que o processo de globalização éum fenômeno conhecido, que representao acirramento das contradições próprias docapitalismo em sua fase monopólica. Nomomento, ainda é difícil prever o des-dobramento desse processo que, no en-tanto, para ser compreendido, deve seranalisado historicamente, com os olhosvoltados para o passado. Entretanto, opresente que começa a moldar as previ-sões futuras traz também aos nossosolhos elementos e fatos novos, para no-vas reflexões. Admitindo-se a existênciade processos globais que transcendemos grupos, as classes sociais e as na-ções, ou seja, os processos definidospela forma de organização social, sabe-mos que atualmente o capitalismo se ar-ticula diferentemente. A constituição deblocos econômicos é expressão concre-ta dessa nova articulação.

Alguns estudiosos têm procurado cha-mar a atenção para o fato de que o processode constituição de blocos econômicos é in-formado pela racionalidade instrumental, ouseja, por uma racionalidade econômica queexcluiria a hipótese do irracional – as paixões,os afetos, o imaginário – , como motor daação, no momento em que isso se manifes-ta em escala planetária. Enquanto um pro-cesso de integração, engendra a exclusão,uma vez que as normas e os valores que sãofixados com vistas à integração encontrarãosempre aqueles que não os partilham. É essaracionalidade instrumental, que nega a exis-tência da alteridade e que presidiu o funcio-namento da sociedade ocidental, que deveser examinada lucidamente como condiçãopara a análise da construção de "comunida-des regionais". Quando se trata de enfrentaros verdadeiros problemas de cada país,como o desemprego, as habitações insalu-bres e os baixos níveis educacionais da po-pulação, o verniz do grupo coeso é quebra-do, e cada um passa a temer as iniciativasdo vizinho, tentando se prevenir. Um modode reação à racionalidade instrumental temsido os movimentos de reivindicação de iden-tidades étnicas, que colocam em cena "onarcisismo das pequenas diferenças", geran-do exclusão e xenofobia. Esses movimentosexprimem uma vontade de manter um esta-do de coisas passado, diante do avanço dauniformização e, paradoxalmente, coexistemcom a racionalidade instrumental.

Partindo dessa premissa geral de análi-se da atualidade, nossa tese é que, na ocor-rência de processos de homogeneizaçãoeconômica, a questão da diferença culturalparece assumir papel de destaque nas es-tratégias da resistência, mesmo que o capi-talismo esteja assentado em diferenças quepromovem o acesso desigual à riqueza ma-terial e espiritual entre as classes sociais. Nãoque essa questão deixe de ser informada pordiferenças de classe, mas a diferença cultu-ral aparece como tendo autonomia e capa-cidade explicativa própria.

Em razão das contradições, que são ine-rentes a esse modo de produção, é a partirde sua plena instauração no mundo ociden-tal que as "crises" passam a ser recorrentes.1Essa posição foi hegemonicamente alcan-çada pelo capitalismo por ocasião das duasgrandes guerras mundiais, no início do sécu-lo 20. A Primeira Guerra Mundial originou-sedo desequilíbrio europeu instaurado pela ini-ciativa colonialista do século 19, com a parti-lha da África em colônias e da Ásia em zonas

1 Em razão dos limites de es-paço e dos propósitos destetrabalho, não serão discuti-dos em detalhes os fatos his-tóricos que se seguem.

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de influência. Com a Revolução Soviética de1917, acredita-se que essa guerra foi abrevi-ada. A Segunda Guerra Mundial foi desen-cadeada pela Alemanha, conduzida pelapolítica expansionista de Hitler, reacendendoas divergências entre os adversários da guer-ra anterior. Essas divergências foramagudizadas pela crise de superprodução de1929 que atingiu os Estados Unidos da Amé-rica (EUA) e se refletiu mundialmente nosdemais países. Para superar os problemasda superprodução, paralisou-se o processoprodutivo, e muitos trabalhadores foram des-pedidos, diminuindo ainda mais o consumo.A intervenção estatal foi necessária parareordenar a política econômica americanaque, reabilitada, pôde desempenhar um pa-pel fundamental no conflito bélico.

No período entre as guerras (1919-1938), as contradições do capitalismopromoveram crises que conduziram ostrabalhadores a se organizar contra os in-teresses da burguesia. Os movimentostrabalhistas percorreram um gradiente di-versificado de reivindicações que iamdesde a exigência por melhores saláriosaté as propostas revolucionárias de trans-formação das relações sociais. Por seuturno, a radicalização dos trabalhadoresdiante da péssima situação em que vivi-am promoveu a organização da burgue-sia industrial e financeira, que pretendiamanter seus interesses. Os movimentosnazifascistas desse período vão justamen-te exprimir essa reação da classe domi-nante. Empregando agressivamente emseu discurso idéias nacionalistas, essesmovimentos manipularam os anseios po-pulares de segurança no emprego, decontrole inflacionário e de fim do empo-brecimento crescente, em direção a umadversário "racial".

Especialmente na Alemanha, as mas-sas populares receptivas aos apelos autori-tários passaram a atribuir a responsabilida-de pelas dificuldades econômicas que es-tavam enfrentando aos judeus e a todosaqueles que em razão de diferentes carac-terísticas culturais, como religião, e fenotí-picas, como cor, não se enquadrassem naideologia de "pureza da raça" ou "da raçaariana". A perseguição sofrida pelos judeus,a pretexto dessa ideologia, na verdade, en-cobria o fato de formarem um grupo econô-mico poderoso, controlador do bloco domi-nante, que passou a contrariar os interes-ses da burguesia monopolista emergente,controladora do capital industrial associadoao capital financeiro (Laclau, 1978).

Não levando em conta o processohistórico que promovia a degradação desuas condições de vida, essas massaspassaram a atribuir aos judeus e a todosaqueles que, em razão de diferentes ca-racterísticas, não se enquadravam na ide-ologia nazista a responsabilidade pelasdificuldades econômicas que estavamenfrentando. Nesse ideário importava eli-minar a diferença, suprimindo a presen-ça física dos portadores de signos dife-renciais. Nesse deslocamento ideológi-co, que mobilizou as massas contra umsujeito racial, foi eliminada a possibilida-de da luta de classes, desconectando omovimento nazista de qualquer perspec-tiva socialista.

Como resultado da Segunda Guerra,os EUA e a União das Repúblicas Socia-lista Soviéticas (URSS) emergiram comograndes potências que tentavam delimi-tar suas áreas de influência. No pós-guer-ra, com a Guerra Fria mobilizando as duaspotências e a reconstrução européia, oavanço industrial no mundo foi imenso. Nochamado mundo ocidental, aliado dosamericanos, os governos dos países as-sumiram o controle da economia, procu-rando garantir a segurança e o bem-estarda maioria da população. O crescimentoda indústria americana e européia foiacompanhado por um importante progres-so da técnica. Com o desenvolvimento datecnologia, dentre outras inovações, osmeios de comunicação, especialmente atelevisão, passaram a difundir informaçõespara todos os cantos do mundo. A massade telespectadores culturalmente diversa,para a qual esse meio de comunicaçãose dirige, começou a ter os seus usos ecostumes homogeneizados. O grande de-senvolvimento industrial, que permitiu apadronização das ofertas difundidas pe-los meios de comunicação e a ampliaçãodo mercado consumidor, promoveu, nes-se processo de homogeneização, os con-tornos de uma cultura de massas.

Contudo, uma segunda "crise" é ins-taurada pelo processo de transformação emodernização da indústria na década de50. Conforme analisa Costa (1993, p. 21),com a retomada do desenvolvimento ocor-reu um poder maior para a classe traba-lhadora, em razão da oferta de empregos,bem como foram alteradas as relaçõesentre as gerações. Segundo a autora, "ostrabalhadores jovens passaram a gastarmuito mais dinheiro do que em anos ante-riores, o que tornou possível a criação de

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um mercado de consumo para adolescen-tes e jovens", permitindo a criação de ummercado de consumo destinado a essaclientela. Passados os primeiros anos deeuforia, contraditoriamente, os setoresmais frágeis da classe operária passarama conviver com os riscos do desemprego,e as camadas médias viram inviabilizadosos seus projetos de ascensão ou de ma-nutenção do status social. No processo deresistência à marginalização, a diferençatornou-se bandeira de luta dos movimen-tos da contracultura, que reagiram ao pro-cesso de elaboração de uma cultura demassas homogeneizada pela indústria.

Na década de 60, na Europa e nosEUA, surgiram o movimento hippie, a maispopular manifestação contra a cultura demassa, e os skinheads. Esses movimen-tos de "contracultura"2 diferenciavam-se doponto de vista de sua composição sociale nas formas escolhidas para exprimir suainsatisfação, mas ambos procuravam di-ferenciar-se da homogeneização impostapela cultura de massas, ora recusando oconsumo, ora através da revolta e da dis-sidência social e política. Os jovens queaderiram ao movimento hippie, vinculadosà classe média, não tinham grandes pers-pectivas de incorporação ao mercado detrabalho, em vias de saturação. Reagindoao clima de medo reinante durante a Guer-ra Fria, por estarem expostos aos riscosde convocação para o combate em guer-ras eventuais, como ocorreu no Vietnã,reclamavam pela paz no mundo, defen-dendo propostas pacifistas de reforma in-terior, para promover a transformação dasociedade. Os skinheads, grupos de jo-vens oriundos da classe operária inglesa,também procuravam diferenciar-se, bus-cando reforçar a identidade do grupomediante a adoção de valores idealizadose de condutas violentas e estereotipadasdo próprio grupo.

Também o movimento feminista orga-nizado ressurge com vigor redobrado nes-sa época. Desde a Revolução Francesa eatravessando o século 19, as mulheres vi-nham denunciando a sujeição em queeram mantidas, nas várias instâncias so-ciais, especialmente as difíceis condiçõesde trabalho impostas a elas. Esses movi-mentos foram sistematicamente reprimi-dos e combatidos ao longo do tempo,ganhando, no século 20, uma dimensãoque transcendia a luta pelos direitos civis.Nesse momento, buscou-se descrever a

opressão da cultura masculina, revelando osmecanismos sociais e psicológicos damarginalização feminina, bem como elabo-rar estratégias de liberação integral das mu-lheres, inclusive de seus corpos e desejos.

Além dessas organizações, como queanunciando o prenúncio da "crise dos anos70", em 1968 eclodiu um movimento estu-dantil em Paris e nas mais importantes cida-des do mundo. Alimentado pelo ideário dosmovimentos de contestação ao "sistema",passou a pressionar os governos para a de-mocratização das oportunidades educacio-nais, escapando ao controle e à manipula-ção dos tradicionais partidos e organizaçõesde esquerda.

Na década de 70, agudizaram-se ascontradições processadas na "crise" an-terior. Em 1974, uma crise de alcancemundial foi instaurada quando os paísesárabes fornecedores de petróleo passa-ram a adotar uma política de preços al-tos. Os efeitos da "crise" foram generali-zados mundialmente e resultaram naquebra da economia internacional. Incen-tivos suplementares foram dados à pes-quisa científica, para serem aplicados naindústria, em busca de alternativas quesubstituíssem, como combustível, o pe-tróleo e seus derivados. O avanço técni-co decorrente, mais uma vez, teve con-seqüências marcantes nas relações deprodução. A capacidade produtiva das in-dústrias foi ainda mais potencializada, eo processo de liberação de trabalhado-res foi ainda mais agudizado, crescendoos riscos de marginalização e exclusãosocial. A partir desse momento, os paí-ses europeus, que desde o pós-guerravinham construindo a União Européia –experiência mais antiga de bloco econô-mico, idealizada em razão da perda dahegemonia – , passaram a fazer váriasrestrições à presença dos imigrantes.3

Não se fizeram tardar os problemasdecorrentes dessa situação. Dentre eles, omais temido: o desemprego. Sem garanti-as de trabalho, não era mais possível man-ter as políticas de migração que caracteri-zaram os momentos de crescimento eco-nômico. Obstáculos cada vez maiores fo-ram definidos para impedir a vinda e a per-manência de populações estrangeiras nospaíses onde, até então, eram bem-vindas.Afinal, o emprego passava a não ser maisgarantido nem para a população nativa.Despojados da certeza de sobrevivênciacomo trabalhadores e, muitas vezes, sem

2 Embora os movimentos dereação tenham tido um cará-ter contestatório, nascendo ese formando no interior dacultura de massas, contradi-toriamente, passaram a fun-cionar segundo as leis domercado. Graças ao poderde difusão da mídia, o estiloalternativo que propunhampassou também a ser difun-dido em larga escala.

3 Em que pese os limites im-postos aos processos deimigração, estima-se que, noinício de 1970, cerca de 7,5milhões haviam migradopara os países desenvolvi-dos da Europa. Essa ques-tão, politicamente delicada,passou a ser motivo de es-pecial preocupação dessespaíses a partir de 1974.

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terem a compreensão adequada do queestava ocorrendo, canalizaram o senti-mento de insegurança e a instabilidadepara aqueles que estavam mais próxi-mos e que também portavam marcas di-ferenciais. No entendimento dessas pes-soas, eram "os outros", "os estrangeiros",os verdadeiros responsáveis pela con-dição caótica a que suas vidas e as desuas famílias foram submetidas.

Um clima de tensão entre "nacionais"e "estrangeiros" espalhou-se com rapidez.Logo, ações de flagrante xenofobia se fize-ram notar. Sob formas virulentas ourevestidas de sutileza, ensaiava-se agudizara já conhecida marginalização dos imigran-tes, rumo à exclusão total. Aqueles queantes eram admitidos como mão-de-obraboa e barata, para realizar trabalhos debaixo prestígio social, passavam a ter ne-gada sua condição de cidadãos. A partirdesse momento, evidencia-se a profusãode regulamentos que buscaram impedir achegada de outros imigrantes e a elabora-ção de dispositivos destinados a encorajar

o retorno dos imigrantes aos seus paísesde origem (Valente, 1998). Essas medidas,contudo, tiveram pouco sucesso, e os paí-ses europeus, finalmente, começaram acompreender que a imigração é um fenô-meno durável e irreversível.

Porém, o contexto de crise econômicahostil aos imigrantes passou a operar emdetrimento das populações estrangeirasrecém-chegadas do chamado "TerceiroMundo", tornando a distinção entre imigran-tes comunitários e extracomunitários cadavez mais importante, já que a regulamenta-ção da UE beneficia os primeiros.4 Este é ocaso dos fluxos de origem africana, quecaracterizariam a migração dos anos 90,retomando a importância da clandestinida-de e da camuflagem do asilo político(Bastenier, Dasseto, 1993). Além disso, mi-lhares de migrantes dos países do Lesteafluíram aos países do Ocidente Europeu,surpreendidos com as drásticas mudançaseconômicas que os atingiram. Com o fimda Guerra Fria a queda do muro de Berlime o colapso da ex-URSS, dividida em váriosEstados independentes, fragmentou-se tam-bém seu poder político e econômico. O re-torno à economia de mercado capitalistados países antes habituados às regras so-cialistas promoveu o empobrecimento deamplas parcelas da população. Nos EUA,os distúrbios que começaram em LosAngeles e se espalharam por outras cida-des, em maio de 1992, atestaram a persis-tência do racismo entre os norte-america-nos e reforçaram a avaliação de que asmanifestações eram resultado da frustraçãodos negros por não terem a oportunidadede dividir o "sonho americano" com o restodo país. Desse modo, aceitar as diferençase se enriquecer com elas permanece sen-do um problema que ninguém sabe resol-ver na hora atual, porque supõe o reconhe-cimento da alteridade que, justamente, écolocado em questão.

Retomando a nossa tese inicial, es-sas quatro grandes "crises" do capitalis-mo que engendraram os processos dehomogeneização, nas décadas de 30, 50,70 e 90, numa surpreendente regularida-de de uma vintena de anos, em média,tornaram visíveis processos de reivindica-ção das diferenças culturais. Dito de ou-tra maneira, as diferenças culturais apa-recem como um "problema" quando mo-vimentos de integração homogeneizadoraprocuram suprimi-las ou mantê-las sobcontrole, de forma a não colocar em risco

4 Ilustrativo dessa situação fo-ram as reações portuguesasà presença de dentistas bra-sileiros no início dos anos90 e outras situações deconstrangimento por quepassaram turistas brasilei-ros em viagem à Portugal,que melindraram as rela-ções diplomáticas entre osdois países.

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o seu projeto. Essa preocupação com asdiferenças, transformando-as em um "pro-blema", quando são marcas distintivas e ne-cessárias da condição humana – não po-dendo ser, pois, epifenômenos – , parececumprir a função de deslocar para outrainstância de embate as contradições eco-nômicas próprias do capitalismo. Nessecaso, supomos que a discussão sobre averdadeira raiz do problema é abandona-da, contentando-se em mascará-la e embuscar medidas paliativas e reformadorasno campo cultural.

Essas "crises" universais5 manifestam-se de maneira singular. No Brasil, sem con-tar a imposição do universalismo europeusobre índios e negros, durante o períodocolonial, a partir da década de 30, a políti-ca de modernização industrial, legitimadapor um ideário nacionalista, imprimiu outradireção ao tratamento da diferença, quepassou a ser objeto de reflexão a respeitoda nossa constituição como povo e da for-mação de uma sociedade nacional. As pre-ocupações dos governantes voltaram-separa o desaparecimento das diferençasculturais dos contingentes envolvidos. Fo-ram dois os principais alvos dessa tentati-va: o abrasileiramento dos descendentesde imigrantes, principalmente italianos, ale-mães e japoneses, de maneira a que nãoconstituíssem quistos culturais que amea-çassem o projeto da nação, e a destruiçãodas tradições culturais africanas, que secontrapunham aos planos de construçãode um Brasil branco, ocidental e cristão.

Na década de 50, como se sabe, umprojeto financiado pela Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ci-ência e a Cultura (Unesco) propiciou arealização de estudos sobre a situaçãoracial em vários países, inclusive o Bra-sil. Já naquela oportunidade, os estudosno País apontavam para a existência deproblemas entre brancos e negros e pre-ocupavam-se em desmistificar a chama-da "democracia racial brasileira" (Valen-te, 1996). Houve outros momentos emque a questão da diferença cultural ocu-pou a cena política e educacional doPaís, como nas discussões em torno dachamada "educação popular", a partir dadécada de 60, que envolveu os educa-dores por mais de 25 anos. Nos anos 70,num momento de efervescência políticano Brasil, movimentos sociais passarama ser organizados, inclusive aqueles por-tadores de signos de diferença, como o

movimento negro. Organizavam-se parareivindicar melhores condições de vida,de trabalho e um maior espaço de ex-pressão, em resposta ao modelo econô-mico implantado pelos militares, carac-terizado pela concentração de renda epor uma conjuntura política repressiva,com apoio internacional.

Atualmente, mais uma vez a questãoda diferença emerge no conjunto das pre-ocupações de intelectuais e pesquisado-res brasileiros, em resposta a um clima deanimosidade preocupante e sob a influên-cia da produção acadêmica americana eeuropéia. No início dos anos 90, começa-ram a ser organizados grupos na periferiadas cidades, como a de São Paulo, que,inspirados pela ideologia neonazista, têmfeito vítimas fatais entre os negros e osnordestinos (Valente, 1996). Nos países doMercado Comum do Sul (Mercosul), emparticular na Argentina, os problemas so-ciais existentes estão acirrando a discrimi-nação contra bolivianos, paraguaios e pe-ruanos, levando à proposição de medidaspara restringir a imigração (Gazir, 1998).

5 Universais porque, onde serealizam, as contradições docapitalismo evidenciam-secom maior clareza.

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Racismo e xenofobia no plano nacional eregional parecem reafirmar a nossa tese,impondo a necessidade de uma reflexãoatenta que propicie a compreensão históri-ca desse processo. Voltar os olhos para opassado, buscando avaliar as lições vividasno Brasil e no plano internacional, é exigên-cia imprescindível para não cometermos osmesmos erros e equívocos. A começar pelacrença de que a problemática sobre diver-sidade cultural é uma "novidade".

As "crises" e as "ondas longas"de Mandel

É de se imaginar que, em tempos de"pós-tudo", a busca pela regularidade sejaconsiderada um procedimento anacrôni-co. Entretanto, sem qualquer intenção ini-cial de encontrar uma suposta regulari-dade, constatamos a sua existência apartir da análise de alguns dados históri-cos. De fato, essa regularidade constata-da tem algo de arbitrário, como ocorrecom qualquer tentativa de periodizaçãohistórica, mas sem a intenção de definirmomentos fixos, estanques. Significa di-zer que essa proposição não abandonaa perspectiva de processo, do fluxo his-tórico que, contraditória e cumulativamen-te, pode informar momentos diferentes notempo e no espaço. Assim, consideran-do o pressuposto de que movimentos dehomogeneização da economia desenca-deiam manifestações heterogêneas nocampo cultural, vale indagar até que pon-to a compreensão dos primeiros pode ilu-minar a discussão dos momentos em queas diferenças são ou passam a ser umproblema. Ou, ainda, verificar o valorheurístico dessa reflexão.

A regularidade que reconhecemosnas emergências de "crises" do capitalis-mo, semelhante a movimentos cíclicos,nos remete à formulação de Mandel, paraquem "o andamento cíclico do modo deprodução capitalista ocasionado pela con-corrência manifesta-se pela expansão econtração sucessivas da produção demercadorias e, conseqüentemente, daprodução de mais-valia". Na medida emque há discrepâncias entre a produção demais-valia, sua realização e a acumulaçãode capital, "o fato de que tais discrepânci-as não possam ser atribuídas ao acaso,mas derivem das leis internas do modo deprodução capitalista, é a razão para a

inevitabilidade das oscilações conjunturaisdo capitalismo" (Mandel, 1985, p. 75).

Segundo Singer (1985, p. xiv), Mandel,ao montar o painel histórico do capitalis-mo, percebe períodos marcados por revo-luções tecnológicas, com duração médiade 50 anos, que coincidem com os cha-mados "ciclos de Kondratieff",6 conhecidosna literatura econômica: o primeiro, do sé-culo 18 até a crise de 1847; o segundo, de1848 a 1893; o terceiro, de 1894 a 1939, eo quarto iniciado em 1940. SegundoMandel (1985, p. 84),

cada um desses longos períodos pode sersubdividido em duas partes: uma fase ini-cial, em que a tecnologia passa efetivamen-te por uma revolução (...) caracterizada poruma taxa de lucros ampliada, acumulaçãoacelerada (...). Essa fase inicial dá lugar auma segunda, em que já ocorreu a trans-formação real da tecnologia produtiva (...)em conseqüência, essa fase se torna ca-racterizada por lucros em declínio, acumu-lação gradativamente desacelerada.

Seguindo esse esquema, as fases decrescimento acelerado seriam: até 1823;de 1848 a 1873; 1894 a 1913; 1940 a 1945e 1948 a 1966. As fases de crescimentodesacelerado corresponderiam: de 1824 a1847; 1874 a 1893; 1914 a 1939; a partirde 1967.

Para Mandel (1985, p. 85), essas "on-das longas" não se manifestam mecani-camente, mas resultam de flutuaçõescíclicas7 e "jamais como uma espécie desuperposição metafísica dominando es-sas flutuações". E afirma que,

uma vez estabelecido que as curvas ascen-dente e descendente de uma "onda longa"são determinadas pelo entrecruzamento defatores muito diversos, e que se enfatizouque essas "ondas longas" não possuem amesma periodicidade embutida dos ciclosclássicos no modo de produção capitalis-ta, não há razões para negar a sua íntimaconexão ao mecanismo central, que por suaprópria natureza constitui uma expressãosintética de todas as mudanças a que estápermanentemente sujeito o capital: asflutuações na taxa de lucros (idem, ibidem,p. 90).

Mesmo apontando inúmeros limites eerros atribuídos à ortodoxia, Singer (1985,p. xvi) considera o enfoque de Mandel fun-damentalmente correto, "ao combinar namesma análise a evolução no plano

6 Economista russo que de-senvolveu reflexão sobre osciclos longos nos anos 20.

7 "Numa fase de expansão, osperíodos cíclicos de prospe-ridade serão mais longos emais intensos, e mais curtase mais superficiais as crisescíclicas de superprodução.Inversamente, nas fases dalonga onda, em que prevale-ce uma tendência à estagna-ção, os períodos das crisescíclicas de superproduçãoserão mais longos e maisprofundos" (Mandel, 1985, p.85).

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tecnológico, as transformações no planoeconômico e os eventos no plano político",compondo uma visão mais abrangente docapitalismo, que supera as análises de ca-ráter economicista. Considerando quemudanças nessa tríade implicam, neces-sariamente, transformações no plano cul-tural, uma primeira aproximação com aanálise precedente permite-nos alinhavaralgumas reflexões sobre os momentos emque as diferenças são um problema.

O princípio metodológico de Mandelpara a delimitação das "ondas longas" éiniciar cada período no ano após a criseque vem de terminar um "ciclo clássico",e terminar o período num ano de crise.Para ele,

como esses anos não são completamen-te idênticos em todos os países capita-listas, escolhemos os anos de crise dopaís capitalista mais importante, aqueleque estabelece a tendência para o mer-cado mundial, isto é, a Grã-Bretanha atéa Primeira Guerra Mundial e em seguidaos Estados Unidos (Mandel, 1985, p. 85,nota 28).8

Ao apontarmos os anos 30, 50, 70 e90 como décadas em que os processosde reivindicação da diferença cultural se tor-naram visíveis, esse princípio metodológicode Mandel foi respeitado, tomando-se, en-tretanto, a experiência européia comoexemplar, na medida em que, como foi dito,foi lá que se estabeleceu primeiramente atendência atual de organização capitalistaem blocos econômicos.

Embora nessas décadas sejam engen-drados movimentos de homogeneizaçãoeconômica, estes não parecem guardar asmesmas características, em que pesemexpressarem a agudização crescente dastendências gerais do capitalismo. Seguin-do o esquema de Mandel, em torno dosanos 30 e 70 se iniciam ondas longas comtonalidade de estagnação, ao passo quenos anos 50 se inicia uma onda longa comtonalidade expansionista, assim como nosanos 90, avançando para um período nãoanalisado pelo autor. No argumento deMandel, a tecnologia ocupa um papel fun-damental na passagem de uma onda lon-ga à outra, com tonalidades diferentes.

Em linhas gerais, já foram apontadosos aspectos que permitem a compreensãodesses momentos na perspectiva das rei-vindicações das diferenças culturais. Defato, na década de 50, o avanço tecnológico

é surpreendente, mas não se deve menos-prezar as variáveis sociais e políticas quepodem facilitar a compreensão de quandoas diferenças são um problema. Os anos50, de boom econômico mundial, marcamo momento em que se coloca na pauta dediscussão o tratamento que a diversidadecultural recebera no momento anterior. Po-liticamente era preciso romper com o pas-sado da experiência nazista, combatendoo racismo. Restabelecida a capacidadeprodutiva, era possível promover o respei-to à diversidade do mercado consumidor,como foi sugerido. No entanto, segundoWallerstein (1990, p. 48),

se se quer maximizar a acumulação docapital, é preciso, simultaneamente,minimizar os custos de produção (e porconseqüência os custos da força de tra-balho) e minimizar igualmente os custosdos problemas políticos (e por conseqü-ência minimizar – e não eliminar, porqueisso é impossível – as reivindicações daforça de trabalho). O racismo é a fórmulamágica favorecendo a realização de taisobjetivos.

Operacionalmente, o racismo – na ex-pressão de Balibar (1990, p. 33), "racismosem raças", cujo tema dominante não é aherança biológica, mas a irredutibilidadedas diferenças culturais – toma a forma de"etnicização" da força de trabalho, ou seja,permite a hierarquização de profissões eremunerações na sociedade. Desse modo,na década de 50, que num primeiro mo-mento aparece como redentora das diferen-ças, logo se empreende um movimento desua negação que desencadeia reações nocampo político-cultural, sem que essas di-ferenças deixem de ser manipuladas emproveito da indústria cultural. Os aconteci-mentos que marcaram os anos 60 resultamdesse momento de gestação, estendendo-se até a década de 70.

Nas décadas de 30 e 70, de estagna-ção, cujos fatos emblemáticos foram aguerra e os preços do petróleo, quando osriscos de desemprego eram evidentes,devido ao retrocesso na produção materi-al, parece mais fácil compreender porque,tendencialmente, os portadores de signosdiferenciais foram os primeiros a perderposições no mercado de trabalho. Já nadécada de 90, iniciada como um momen-to de expansão do capital e justificada peloideário neoliberal, a análise torna-se maiscomplexa e delicada, inclusive porque setrata de um processo em andamento.

8 Na verdade, o autor segueo preceito enunciado noprefácio da 1ª edição de Ocapital, quando Marx justifi-ca o estudo do modo deprodução capitalista na In-glaterra, por ser o seu cam-po clássico, na medida emque, sendo consideradas astendências que operam e seimpõem na produção capi-talista, "o país mais desen-volvido não faz mais do querepresentar a imagem futurado menos desenvolvido”(Marx, 1980, p. 5).

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Na década de 90, é possível verificarum incremento tecnológico, que caracteri-zaria uma onda longa de tonalidadeexpansionista, não apenas implicando amudança dos processos de produção exis-tentes, mas também a criação de novosbens e serviços de consumo, propiciandoo surgimento de novos ramos de produ-ção, como aliás ocorre em outras revolu-ções tecnológicas. Dentre os aspectos quecaracterizariam o capitalismo contemporâ-neo, a terceirização tornou-se estrutural,com a fragmentação e a dispersão de to-das as esferas da produção. Fundamental-mente resultante do desenvolvimento dasforças produtivas, que autonomiza e multi-plica atividades de intermediação, aterceirização também diversifica o consu-mo, expandindo o de serviços. Se, a prin-cípio, os avanços tecnológicos tendem aliberar a mão-de-obra, podendo compro-meter a produção capitalista, uma vez quenão havendo trabalho vivo não há produ-ção de mais-valia, como afirma Singer(1985, p. xxxii):

Com o grande aumento do exército indus-trial de reserva cresceu a disponibilidadede força de trabalho, permitindo o ressur-gimento de formas arcaicas de explora-ção, tais como empresas familiares e tra-balho em domicílio. Essas formas muitasvezes são estimuladas por capitaismonopólicos, que demitem operários parasubcontratar seus serviços como fornece-dores externos. Como resultado, cai o ní-vel de remuneração dos trabalhadores e

se recupera a taxa de mais-valia e, maisainda, graças à menor composição orgâ-nica do capital dos "novos setores", a taxade lucro.

O que dizer a respeito dos movimen-tos de reivindicação de diferenças culturaisda década de 90, sobre os quais se temuma fundamentação empírica que nãocorresponde a uma análise mais cuidado-sa? De alguma maneira esses movimentosparecem retomar as tendências percebidasna década de 50: de um lado, resgatam sualegitimidade diante do momento anterior, nadécada de 70, quando a diferença é toma-da como bode expiatório da difícil situaçãoeconômica; de outro, cria-se a expectativade que, num momento subseqüente, essesmovimentos passem a ser negados e ma-nipulados pela lógica capitalista.

Se as flutuações na taxa de lucrosconstituem o mecanismo central de todasas mudanças a que está sujeito o capital,respondemos parcialmente à perguntaenunciada no título desse texto. Contudo,evitando-se o viés economicista, bemcomo o "desencantamento" da discussãosobre as diferenças, outros aspectos soci-ais, culturais e políticos devem, necessari-amente, mediar essa reflexão. No momen-to atual, como questões implícitas naque-le mecanismo, ainda é preciso explorar atese da etnicização da força de trabalho e,sobretudo, a centralidade ou não da cate-goria trabalho – temas a serem discutidosem outra oportunidade.

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Recebido em 7 de março de 2001.

Ana Lúcia Eduardo Farah Valente, doutora em Antropologia Social pela Universidadede São Paulo (USP), com pós-doutorado na Université Catholique de Louvain, Bélgica, éprofessora adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), atuando nocurso de graduação em Ciências Sociais e no Programa de Mestrado em Educação.

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Abstract

We intend to study at which moment the term difference appears as a "problem",starting from the thesis that this subjet seems to assume a prominent position on strategiesof resistance in the occurrence of homogenized economical processes of capitalism.From analysis of some specific historical facts we verified that four great "crisis", at the30's, 50's, 70's and 90's, made visible revindicating movement of cultural diferences. Itsproblematic coincides with the emergency for homogenized integration proposals, tryingto suppress or to maintain those differences under control, in order to not take in risk itsproject. The regularity recognized in the emergencies of those "crises" agrees with Mandel'sformulation about "long waves", which are inevitable and of recurrent character, becausethey derive of internal laws in the way of capitalistic production.

Keywords: differences; homogeneized economical process; capitalism.

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