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» 24 — abril 2015 QUALIDADE DO LEITE Marcos Veiga dos Santos Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Universidade de São Paulo Coordenador do Qualileite-FMVZ-USP – Laboratório de Pesquisa em Qualidade do Leite www.qualileite.org

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— abril 2015

QUALIDADE DO LEITE

marcos veiga dos santosProfessor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e ZootecniaUniversidade de São PauloCoordenador do Qualileite-FMVZ-USP – Laboratório de Pesquisa em Qualidade do Leitewww.qualileite.org

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Uso de BST e risco de mastiteO BST pode ser considerado atualmente como uma ferramenta que permite aumento de produção de leite, com ganhos de eficiência do uso de nutrientes para produção de leite. No entanto, uma questão sempre levantada sobre o uso do BST são os possíveis efeitos negativos sobre a saúde da vaca

Depois de mais de 20 anos de sua aprovação para uso em vacas leitei-

ras, a somatotropina bovina recombinan-te (hormônio do crescimento bovino ou BST) tornou-se uma ferramenta de ma-nejo muito usada pelos produtores de cerca de 20 países em todo o mundo. O BST foi uma das primeiras proteínas pro-duzidas pelo uso de biotecnologia, sendo que atualmente vários outros exemplos de proteínas recombinantes estão dis-poníveis para uso tanto na fabricação de alimentos (p.ex., renina usada para fabri-cação de queijos) ou em medicina huma-na (p.ex., insulina para controle de diabetes). Estima-se que du-rante a fase antes e após a aprovação do uso do BST na década de 1990, cerca de 2000 estudos científicos sobre os efeitos do BST sobre produção de leite e saúde foram realizados, sendo que em geral os resultados indicaram efeitos positivos em termos de aumento de pro-dução, sem efeitos negativos sobre a saúde da vaca, composição do leite e a saúde dos consumidores.

O que é o BST e como funciona?O BST é um hormônio proteico natu-ralmente produzido na hipófise da vaca leiteira adulta. Uma molécula de BST tem uma sequência específica de 191 aminoácidos, cuja ação somente é bio-logicamente ativa na vaca leiteira. Desta

forma, mesmo que ingerido ou injetado no homem, o BST não apresenta efeitos biológicos em seres humanos, o que re-presenta um alto grau de segurança de seu uso em vacas leiteiras. Além de não ser biologicamente ativo em humanos, como o BST é um hormônio proteico, quando consumido por via oral, antes de sua absorção ocorre a digestão enzimá-tica e liberação de aminoácidos, o que impede que o consumo de leite de va-cas tratadas com BST traga risco para a saúde do consumidor. Mesmo nos países nos quais o BST não é aprovado para uso

em vacas leiteiras (Canadá e União Europeia), o consumo de leite

ou derivados importado de países que usam BST é permitido legalmente, pois o leite de vacas tratadas com BST não apresenta alteração de composição.Na vaca leiteira adulta,

o BST é o principal regu-lador da produção de leite.

A ação biológica natural do BST é coordenar o metabolismo

da vaca, de forma a disponibilizar maior quantidade de nutrientes para a síntese de leite. Desta forma, os principais nu-trientes como energia, proteína e mine-rais são utilizados de forma mais eficiente pela vaca leiteira, o que resulta em maior produção de leite. Este aumento da efi-ciência de produção de leite é similar ao que ocorre em vacas geneticamente superiores, as quais naturalmente pro-duzem maiores concentrações de soma-

O leite de vacas tratadas cOm Bst

apresenta nOrmalmente cOncentrações de Bst, mas em níveis similares aOs de

vacas nãO tratadas

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totropina que vacas menos produtoras.Pode-se considerar que o aumento da efi ciência resultante do uso de BST ocorre em razão da diluição dos gastos de nutrientes usados para a mantença da vaca. Isto signifi ca que mesmo com maior consumo de alimentos para aumento da produção de leite em resposta ao BST, a vaca continua utilizando a mesma quan-tidade de nutrientes para a mantença, o que a torna mais efi ciente. Por exemplo, uma vaca com produção de cerca de 30 kg/dia usa aproximadamente 1/3 da ener-gia líquida para atender aos gastos com mantença das funções normais do corpo. Sendo assim, se a mesma vaca passa a produzir 33 kg/dia (aumento de 10% de produção), os requerimentos de energia para mantença fi cam diluídos no maior volume de produção de leite, o que torna esta vaca mais efi ciente do ponto de vista de uso de nutrientes, o que pode gerar ganhos ambientais e de redução de uso de alimentos para vacas leiteiras por litro de leite produzido.

Resultados do uso de BSTEm sistemas de produção de leite, o uso do BST deve ser feito respeitando-se o ciclo de lactação da vaca. Considerando que a vaca leiteira tem um pico de pro-dução de leite ao redor de 8 semanas de lactação, o uso do BST é recomendado após a 9a ou 10a semana de lactação, quando a persistência de lactação co-meça a reduzir. Ainda que exista variação individual entre vacas e rebanhos, quan-do usado a cada 14 dias, o BST promove aumentos médios de 4 a 5 kg/vaca/dia durante o período de tratamento. Este aumento não depende da raça da vaca ou do mérito genético do animal, ainda que possa ocorrer variação individual de resposta entre vacas. Este aumento de produção de leite resulta em maior con-sumo de alimentos e maior necessidade de cuidados de manejo com o conforto da vaca, reprodução e saúde, compará-veis com rebanhos com maiores médias de produção de leite.O uso do BST não apresenta efeito sobre a composição e sabor do leite, o que in-clui os componentes principais (proteína,

gordura e lactose) ou os componentes encontrados em menores concentra-ções, como minerais e vitaminas. Deve- se destacar que o leite de vacas tratadas com BST apresenta normalmente con-centrações de BST, mas em níveis simila-res aos de vacas não tratadas.

Efeitos do BST sobre a saúde da vacaO BST pode ser considerado atualmente como uma ferramenta que permite au-mento de produção de leite, com ganhos de efi ciência do uso de nutrientes para produção de leite, da forma similar ao de outras tecnologias como melhora-mento genético, formulação de dietas, melhorias de ambiente e de manejo. Considerando que esta ferramenta tem sido extensivamente usada e com impor-tantes impactos positivos nos sistemas de produção de leite, uma questão sem-pre levantada sobre o uso do BST são os possíveis efeitos negativos sobre a saúde da vaca.Para responder esta questão foi publica-do recentemente um estudo que avaliou pela metodologia de meta-análise (ava-liação conjunta de resultados de pesqui-sa de estudos prévios sobre o assunto realizados até então) os efeitos do uso de BST sobre a saúde da vaca leiteira. Fo-ram avaliados resultados publicados de 55 estudos. Com base nesta meta-análise do estudos publicados, a resposta média de aumento de produção de leite de va-cas tratadas com BST foi de 4 kg/vaca/dia, que resultou em maior produção de gordura (+144 g/vaca/dia), proteína (137 g/vaca/dia), mas não houve alteração da composição do leite (em %).Considerando os dados de saúde do úbe-re de vacas tratadas com BST, os resulta-dos do estudo de meta-análise indicaram que não houve efeito do uso do BST so-bre a incidência de mastite clínica e sobre a contagem média de células somáticas. A CCS média das vacas foi de 97.000 cels/ml, o que indica um excelente nível de controle de mastite dos rebanhos es-tudados. Estes resultados sugerem que o uso do BST não tem efeito direto sobre o risco de mastite. Estes resultados de pesquisa devem ser entendidos dentro

do atual contexto de produção de leite, no que a despeito do uso extensivo do BST a CCS média do rebanho americano tem se reduzido. Mesmo considerando que, em média, as vacas tratadas com BST produzem cerca de 4-5 kg/vaca/dia a mais de leite, existe uma relação posi-tiva entre produção de leite e risco de mastite clínica, o que signifi ca que reba-nhos com maiores níveis de produção de leite são rebanhos com maior risco de mastite clínica. Estes resultados indicam que mesmo nos rebanhos com maior ní-vel de produção de leite, o aumento do risco de ocorrência de mastite pode ser compensado por melhorias de manejo de ordenha e de ambiente.De forma similar aos resultados de saú-de da glândula mamária, o uso do BST não aumentou a incidência de problemas de locomoção e a porcentagem de des-cartes involuntários. Desta forma, não existem evidências científi cas de que o uso do BST afeta negativamente a saúde das vacas tratadas. Este resultados são consistentes com a relação direta que existe entre saúde e bem-estar da vaca e níveis de produção. Sendo assim, vacas estressadas ou submetidas a condições de conforto e ambiente inadequadas não responderiam em termos de aumentos de produção de leite. As respostas de aumento de produção, sem efeitos ne-gativos sobre a saúde da vaca, indicam que estes animais são capazes de utilizar de forma efi ciente os nutrientes para a produção de leite, o que não seria pos-sível com o aumento da ocorrência de problemas de saúde.

QUALIDADE DO LEITE

de FOrma similar aOs resUltadOs de saÚde da GlÂndUla mamÁria, O UsO dO Bst nãO aUmentOU a incidÊncia de prOBlemas de lOcOmOçãO e a pOrcentaGem de descartes invOlUntÁriOs. desta FOrma, nãO eXistem evidÊncias cientíFicas de QUe O UsO dO Bst aFeta neGativamente a saÚde das vacas tratadas