QUAL A ORIGEM DA EXPRESSO "CIDADE MARAVILHOSA"?

O primeiro registro na imprensa carioca do eptetoCidade Maravilhosaaplicado ao Rio de Janeiroest na pgina 2 do jornalO Paizdetera-feira, 16 de fevereiro de 1904, pleno Carnaval. Lemos ali que os folies de um carro alegrico que criticava as carrocinhas que tolhiam a canina estirpe de viver e gozar da plena liberdade das ruas desta capital [...] no contentes com os protestos feitos de viva voz, ainda distribuam estes versos em avulso:

MATRICULADOS E NO MATRICULADOS

Esta gaiola bonitaQue ahi vai sem embaraos a inveno mais catitaDo genial Dr. Passos

As ruas de ponta a pontaSubindo e descendo morrosPor onde passa da conta,Dos vagabundos cachorros.

Agarra! Cerca! Segura! Grita a matilha dos guardas Correndo como em loucuraCom um rumor de cem bombardas.

Terra sempre em polvorosaBem igual no mundo inteiro,Cidade maravilhosa!Salve, Rio de Janeiro!

A partir da, vemos referncias esparsas cidade doRiocomomaravilhosa, por exemplo:

Na pg. 1 deO Paizde 4/5/1904, em matria intitulada Uma Obra Politica, lemos: A populao comprehendeu bem a grandeza do servio que o governo lhe vai prestar, negando-se a crear embaraos sua aco, como queriam agitadores profissionais, antes, facilitando todo os accrdos e sujeitando-se a todas as prescripes legaes, no bom intento de ver transformada, embellezada e saneada estacidade maravilhosa, de cuja fama e de cuja fora depende o equilbrio da seiva econmica em todos os rgos do paiz.

Na pg. 3 deA Notciade 22-23/5/1907, em matria intitulada No Palacio Monroe, lemos (transcrito na ortografia da poca): Est ainda na lembrana de todos os habitantes destacidade maravilhosaa rapidez com que o general [...] concluio o Palacio Monroe, para o qual aproveitou o mesmo plano e grande parte de elementos que serviram na architectura do pavilho brasileiro da Exposio Universal de S. Luiz.

Na pg. 2 deA Notciade 6-7/7/1909, em matria intitulada Dez Annos Atrs, lemos: [...] passeando esta cidade de to lindas ruas novas, percorrendo as avenidas, respirando um ar que no o das antigas vielas infectas, habitando uma novacidade maravilhosae salubre [...].

Em 1908 montou-se na Urca aExposio Nacionalcomemorativa do centenrio da abertura dos portos, na poca uma espcie de "cidade artificial" assptica & deslumbrante, como hoje, digamos, uma Disneyworld. Nesse perodo torna-se comum na imprensa designar essa exposio decidade maravilhaoucidade maravilhosa.

Nesse contexto,Coelho Netovem a publicar, na pgina 3 da edio de 29-30 de outubro de 1908 deA Notcia(e no em 28/10 como afirmam quase todas as fontes), a crnica Os Sertanejos, qual se atribui falsamente a criao do termoCidade Maravilhosapara designar o Rio de Janeiro. Nada mais longe da verdade.

Crnica "Os Sertanejos" de Coelho Neto na edio de 29-30 de outubro de 1908 deA Notcia. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional - Brasil.

A crnica narra a histria de um grupo de sertanejos contratados para cantar e dansar no recinto da Exposio. Aps conhecerem a cidade em si,a cidade formidvel, a cidade devoradora dhomens, com as avenidas largas, margeadas de palcios colossaes, com o mover incessante de uma multido apressada, com o rebolio vertiginoso dos vehiculos, com a zoeira dos automoveis, com o troar dos preges, com todo esse confuso movimento que a vida, desde o passo subtil, despercebido de um mendigo andrajoso que se esgueira ao longo dos muros, resmungando lamrias, at a estropeada heroica de um regimento com a bandeira desfraldada ao vento, as armas lampejando ao sol e os clarins resoando em notas marciaes, ao adentrarem a Exposio,na avenida dos palcios brancos, so tomados pelo assombro:

Assumpta, Clodina: no parece que a gente t vendo uma cidade encantada como aquellas das histria[sic]?[...]

Era ao cahir da tarde, uma tarde elegaca, violcea, quieta, sem o silvo de uma cigarra. Os penhascos pareciam de lpis lazuli e os palacios, ainda mais brancos sobre o fundo escuro das rochas portentosas, alvejavam marmreos. Longe, nos estbulos, o gado tino mugia, nostlgico, pondo no silncio enlevado a tristeza buclica das vrzeas, em contraste com o requinte dacidade maravilhosa[a saber, a Exposio].

Vemos portanto que constitui um erro atribuir aCoelho Netoa designao deCidade Maravilhosapara o Rio. E ainda que, em sua crnica, a "cidade maravilhosa" se referisse ao Rio como um todo, ele no teria sido pioneiro nessa designao, como vimos.

De setembro a dezembro de 1911, a poetisa francesaJane Catulle Mends, viva do escritor e poeta Catulle Mends, visitou o Rio de Janeiro, encontrando uma cidade recm-emergida de um banho de loja que foi a reforma urbanstica de Pereira Passos. Encantada com a cidade, sobretudo pela flora e belezas naturais, escreveu uma srie de poemas de amor ao Rio publicados em Paris em 1913 em volume intituladoLa Ville Merveilleuse(A Cidade Maravilhosa).

J no primeiro poema descrevendo a chegada (de navio, na poca) na Baa da Guanabara, escreve a poetisa:Jamais tant de splendeurs nont bloui les yeux! Cest ici le pays de toute la lumire(Jamais tantos esplendores deslumbraram os olhos ! Aqui a terra de todas as luzes) e no poema final, "Adieu" ("Adeus"), escreve:Rio douce et fougueuse au visage dor(Rio doce e briosa de semblante dourado). E no poema Dans Longtemps (Daqui a muito tempo) a autora no poupa declaraes de amor cidade:Cit voluptueuse et tendre(Cidade voluptuosa e meiga)Cit dor(Cidade de ouro)Rio radieuse, Ville des toiles(Rio radiante, Cidade das estrelas)Merveilleuse Rio, Ville de la Beaut(Rio Maravilhoso, Cidade da Beleza). (Saiba mais sobre Jane Catulle Mends e seu livro de poemas clicandoaqui.)

Crnica "A CIDADE MARAVILHOSA" (nome do autor ilegvel) na edio de 20-21/3/1913 deA Notcia.Acervo da Fundao Biblioteca Nacional - Brasil.

Na edio de 20-21/3/1913 (pg. 3),A Notciapublica uma crnica sobre como ficou bonita a cidade aps as reformas urbansticas, intitulada A CIDADE MARAVILHOSA (em maisculas e negrito). a primeira vez que o ttulo de uma matria jornalstica refere-se nestes termos ao Rio. A certa altura da crnica, lemos:Cidade Maravilhosa! a exclamao de todos que nos visitam.Mais adiante deparamos com este trecho proftico:"A cidade progride e avana; toma o mar e toma as montanhas, e estende-se para as costas, varando as rochas. Ainda no temos os caminhos subterrneos, mas para l caminhamos acceleradamente. E quando a cidade tiver tudo isso, quando ella no construir os seus palacios apenas na planicie, mas os levar para as montanhas, quando ella habitar tambem os[sic]ilhas encantadoras de sua refulgente bahia e o mar se encher de elegantes yachts, como hoje as avenidas se enchem de automoveis, ento ella poder desafiar as que mais bellas o forem. Ella j a cidade maravilhosa."

Em 1922 Olegrio Mariano publica pela editora Pimenta de Mello (com uma segunda edio em 1930 da Companhia Editora Nacional) um livro de poesias intituladoCidadeMaravilhosaO poema inicial que d nome ao livro uma louvao ao Rio de Janeiro, a "Cidade do Amor e da Loucura", Cidade do xtase e da Melancolia, Flor das Cidades, em suma, Cidade Maravilhosa!. (O poema completo pode ser lido na postagemPoemas de Amor ao Rio.)

Em 1928 Coelho Neto publica seu livro de contosA Cidade Maravilhosa, mas ao contrrio do que se pensa, a"cidade maravilhosa"que d nome ao conto inicial no o Rio, uma "cidade de sonho", imaginria, evocada noite por uma queimada. "

Aqui a tem, a suacidade maravilhosa.Viu-a de longe, era linda. Veja agora. Iluses,fanciulla[criancice].Adriana olhava estarrecida. Mas no era a destruio das rvores, no eram aquelas cinzas pardacentas, ainda mornas, no eram aqueles troncos denegridos, aqueles ramos que rechinavam[=queimavam]amojados de seiva que a comoviam, mas a lembrana da cena da estrada, a seduo do homem sinistro a mostrar-lhe, ao longe, no fogaru rutilante, acidade maravilhosa,cidade do sonho, cidade do amor."(Para ler o conto inteiro cliqueaqui.)Em 1ode setembro de 1933, o locutorCsar Ladeiraestreou na Rdio Mayrink Veiga, lendo as Crnicas da cidade gozada, deGenolino Amado, mas depois de receber cartas e telefonemas criticando o ttulo, mudou-o para Crnicas daCidade Ma-ra-vi-lho-sa, conforme lemos em Henrique Foris Domingues,No Tempo de Noel Rosa: O Nascimento do Samba e a Era de Ouro da Msica.

Em 1935 o mesmo Csar Ladeira escreve uma revista, que inclui trs canes de Ary Barroso (Garota colossal, parceria com Nssara,Grau dez, parceriacom Lamartine Babo e o sambaFoi ela), intitulada "CidadeMaravilhosa, apresentada no Teatro Recreio.

No Carnaval de 1935, a marchaCidade Maravilhosade Andr Filho, gravada por Aurora Miranda, enfim consagra o termo pelo qual hoje todos conhecemos oRio de Janeiro, Patrimnio Cultural da Humanidade, com muito orgulho, com muito amor...