q o cacador de hereges - luther blissett

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    DADOS DE COPYRIGHT

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    poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

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    onrad Editora do Brasil, So Pauloww.conradeditora.com.br

    1999, Giulio Einaudi Editore s.p.a., Torinoww.einaudi.it

    opyright desta edio

    2002 Conrad Editora do Brasil Ltda.

    raduo: Romana Ghirotti Prado

    consentida a reproduo parcial ou total desta obra bem como a sua distribuio por velemtica para uso pessoal dos leitores, desde que sem fins comerciais, com a condio qada cpia contenha esta nota.

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    A Marco Mo

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    outor pela Universidade de Wittenberg, profundamente indignado. No consegue tolemercado obsceno montado por Tetzel, ostentando o emblema e a bula papal.

    31 de outubro de 1517: o frade afixa porta setentrional da igreja de Wittenberg eses contra o trfico de indulgncias, escritas de prprio punho.

    Seu nome Martinho Lutero. Com esse gesto, inicia a Reforma.

    m ponto de partida. Memrias que recompem os fragmentos de uma poca. A minha

    quela de meu inimigo: Q.

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    O olheiro de Carafa

    (1518)

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    arta enviada a Roma da cidade saxnica de Wittenberg, endereada a Gianpietarafa, membro da consulta teolgica de sua santidade Leo X, datada de 17 de mae 1518.

    Ao ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro respeitabilssimo Giovanni PieCarafa, junto consulta teolgica de sua santidade Leo X, em Roma.

    Ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro meu respeitabilssimo, o servidor mais fde vossa senhoria vem prestar contas de quanto acontece nesta longnqua terra, que um ano parecer ter-se tornado o foco de toda diatriba.

    Desde que, h oito meses, o monge agostiniano Martinho Lutero exps as sufamigeradas teses na porta da catedral, o nome Wittenberg circulou amplamente ptodas as bocas. Jovens estudantes dos estados limtrofes afluem a esta cidade, paouvir da viva voz do pregador aquelas incrveis teorias.

    Em particular, a pregao contra a venda das indulgncias parece obter o masucesso junto quelas jovens mentes, receptivas novidade. A obteno da remiss

    dos pecados em troca de uma pia doao Igreja, que at ontem era consideranormal, sem objeo, hoje criticada por todos como se fosse um escndalo inominv

    A fama to grande e imediata enfatuou Lutero, tornando-o arrogante. Considese agora quase incumbido de uma tarefa sobrenatural, o que o impulsiona para novousadias.

    Pois bem. Ontem, como em cada domingo, no sermo sobre o evangelho do d(tratava-se do texto de Joo 16, 2 Os expulsaro das sinagogas), associou escndalo do mercado das indulgncias uma outra tese, a meu ver ainda mperigosa.

    Lutero afirmou que no necessrio temer excessivamente as consequncias uma excomunho injusta, porque esta se refere somente comunho exterior comIgreja, no interior. A ltima, ou seja, a unio de Deus ao fiel, nenhum homem podeclarar dissolvida, nem o papa. Ainda mais, uma excomunho injusta no poprejudicar a alma e, sendo acolhida com resignao filial em relao Igreja, pode atornar-se um mrito precioso. Assim sendo, quem for excomungado injustamente nprecisa renegar com palavras e atos a causa da excomunho, mas deve suportpacientemente, mesmo que morra excomungado e no seja sepultado em terconsagrada, porque essas coisas so amplamente menos importantes que a verdade

    justia.Concluiu sua pregao com estas palavras: Beato e bendito aquele que morrer e

    condio de excomunho injusta, pois pelo fato de sofrer esta dura punio por amojustia, que no quis calar nem abandonar, receber a graa da eterna coroa salvao.

    Aliando ao desejo de servi-lo o reconhecimento pela confiana que demonstroumeu respeito, terei agora a ousadia de apresentar o meu parecer sobre o acima expos

    Ao humilde observador de vossa senhoria reverendssima resultou claro que Lutero efarejando a prpria excomunho, assim como a raposa sente no ar o cheiro dos sabujEle j est afiando a sua armas doutrinrias e angariando aliados para o futu

    prximo. Em particular, penso que esteja procurando o apoio de seu senhor, o prncieleitor Frederico de Saxnia, que ainda no afirmou publicamente a sua inclinao

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    respeito do frade Martinho. No sem motivo que chamado de Sbio. O senhor Saxnia continua servindo-se daquele hbil intermedirio, Spalatino, o bibliotecrioconselheiro da corte, para avaliar as intenes do monge. pessoa desleal e astuaquele Spalatino, sobre o qual j apresentei uma sumria descrio na minha ltimmissiva.

    Vossa senhoria compreender melhor que este seu servidor a perniciosa gravidade tese sustentada por Lutero: ele gostaria de tolher a Santa S o seu maior baluartearma da excomunho. igualmente evidente que Lutero nunca se atrever a coloc

    por escrito esta sua tese, consciente da enormidade que representa e do perigo qpoderia oferecer sua prpria pessoa. Considerei portanto oportuno eu mesmo fazisto, para que vossa senhoria possa tomar em tempo todas as precaues que considenecessrias para deter este frade do demnio.

    Beijando a mo de vossa senhoria ilustrssima e reverendssima, peo-lhe mantme em boa graa.

    De Wittenberg, no dia 17 de maio de 15

    O fiel observador de vossa senho

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    arta enviada a Roma da cidade saxnica de Wittenberg, endereada a Gianpietarafa, membro da consulta teolgica de sua santidade Leo X, datada de 10 utubro de 1518.

    Ao ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro respeitabilssimo Giovanni PieCarafa, junto consulta teolgica de sua santidade Leo X, em Roma.

    Ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro meu respeitabilssimo, o servidor de vossenhoria, senti-me imensamente lisonjeado pela magnanimidade de que me fez objeServi-lo j para mim um grande privilgio, ser-lhe til motivo de pura alegria.acusao oficial de heresia dirigida contra o frade Martinho Lutero, definitivamenpatenteada pelo sermo sobre a excomunho, deveria induzir o prncipe eleiFrederico a assumir uma posio em relao ao monge, da forma que vossa senhodesejava. Os fatos que agora desejo levar ao seu conhecimento talvez representedesde j, uma primeira reao do prncipe diante do desenrolar inesperado dacontecimentos: ele est engrossando a fileira dos telogos da prpria universidade.

    Em 25 de agosto chegou a Wittenberg, como professor de grego, Felipe Melnctoproveniente da prestigiosa Universidade de Tbingen. Creio que jamais, em nenhumuniversidade do imprio, tenha aparecido um professor mais jovem que ele: s tem anos e com a sua silhueta frgil e seca aparenta ainda menos. Ainda que uma cefama o tenha precedido e acompanhado na viagem, a acolhida inicial dos doutores

    Wittenberg no foi entusistica. A atitude deles, e em particular a de Lutero, mudarporm, logo em seguida, ao ouvir o discurso inaugural daquele prodgio de cinclssica, ilustrando a necessidade de um estudo rigoroso das Escrituras nos texoriginais. Com Martinho Lutero, daquele momento em diante, houve u

    entendimento imediato e forte. Aqueles dois professores so certamente uma armpoderosa nas mos do prncipe de Saxnia, considerando que so muito solidriainda que to diferentes. Cada um deles fornece ao outro o que lhe faltava para tornse um verdadeiro perigo para Roma: Lutero arrojado e enrgico, mesmo se rudeimpulsivo, enquanto Melncton muito culto e refinado, mas jovem e delicadadequado para os embates doutrinais, mais que os campais. O primeiro parto perigodessa unio ser com certeza a Bblia em alemo, na qual, se diz, esto trabalhando econjunto e para a qual os conhecimentos de Melncton cairo como man do cu.

    Sabendo que vossa senhoria aprecia receber informaes sobre assuntimportantes, prosseguirei observando com ateno os dois doutores e repassando tua vossa senhoria, com o intuito de ser-lhe til.

    Beijo humildemente as mos de vossa senhoria ilustrssima e reverendssima.

    De Wittenberg, em 10 de outubro de 15O fiel observador de vossa senho

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    Frankenhausen

    (1525)

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    Captulo 1

    Frankenhausen, Turngia, 15 de maio de 1525. Tarde

    uase s cegas.O que preciso fazer.Gritos em meus ouvidos j estourados pelos canhes, corpos que esbarram em mim.

    e sangue e suor fecha a garganta, a tosse me arrebenta.Os olhares dos fugitivos: terror. Cabeas enfaixadas, membros triturados... Olho semp

    ara trs: Elias est me seguindo. Abre caminho entre a multido, enorme. Carrega nostas Magister Thomas, inerte.

    Onde est Deus onipresente? O Seu rebanho est no matadouro.O que preciso fazer. As sacolas, seguras. Sem parar. A adaga batendo no flanco.

    Elias sempre atrs.Uma silhueta confusa vem ao meu encontro. Meio rosto coberto por faixas, car

    ilacerada. Uma mulher. Nos reconhece. O que preciso fazer: Magister no pode sescoberto. Agarro-a: no fale. Grita atrs de mim:

    Soldados! Soldados!Afasto-a, embora, colocar-nos a salvo. Uma viela direita. Correndo, Elias atrs,

    abea baixa. O que preciso fazer: os portes. O primeiro, o segundo, o terceiro, abre-ntrar.

    echamos o porto atrs de ns. O barulho cessa. A luz filtra tnue atravs de uma janema velha sentada num canto, no fundo do cmodo, em cadeira com a palha m

    fundada. Poucos pertences pobres: um banco em mau estado, uma mesa, ties qmbram um fogo recente em uma lareira enegrecida pela fuligem.

    Aproximo-me: Irm, trazemos um ferido. Precisa de cama e gua, em nome de Deus...Elias est parado na porta, ocupando-a por inteiro. Sempre com Magister nos ombros s por algumas horas, irm.

    Seus olhos marejados no enxergam nada. A cabea balanando. Os ouvidos ainbilam. A voz de Elias: O que ela diz?Chego mais perto. No meio do zunido do mundo, o murmrio de uma nnia. N

    ompreendo as palavras. A velha nem percebeu a nossa presena.O que eu preciso fazer. No perder tempo. Uma escada para cima, um sinal a Eli

    ubimos, finalmente uma cama onde estender Magister Thomas. Elias limpa o suor dhos.

    Olha-me: preciso encontrar Jacob e Mathias.Toco a adaga e preparo-me para sair.

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    No, eu vou, voc f ica com Magister.Nem tenho o tempo de responder, ele j desce as escadas. Magister Thomas, imvel,

    lhos voltados para o forro. O olhar vazio, s um bater dos clios, parece at que no respirOlho para fora: entrevejo casas atravs da janela. L embaixo a rua, mas o salto ser

    to demais. Estamos no primeiro andar, deve haver um sto. Observo o forro e consiistinguir as fendas de um alapo. No cho, h uma escada. Toda corroda por carunch

    mas ainda pode suportar-me. Entro agachado, o teto do sto muito baixo, o piso esoberto de palha. As traves rangem a cada movimento. Nenhuma janela, alguns raios de l

    enetram por cima, entre as tbuas: o desvo.Mais tbuas, palha. Preciso ficar quase deitado. Uma abertura para os telhadonclinados. Impossveis para Magister Thomas.

    Volto at ele. Seus lbios esto secos, a testa arde. Procuro gua. No andar de baiobre a mesa, h nozes e uma jarra. A cantilena prossegue, incessante. Quando encostogua aos lbios de Magister vejo as sacolas: melhor escond-las.

    Sento no banquinho. Minhas pernas esto doendo. Seguro a cabea entre as mos, or um instante, depois o zumbido se torna um rudo ensurdecedor de gritos, cavalosrragens. Os bastardos a servio dos prncipes entram na cidade. Corro at janela.ireita, na rua principal: cavaleiros, lanas estendidas, perscrutam o caminho. Atacam tuue se move.

    Do lado oposto: Elias surge na viela. V os cavalos: pra. Soldados a p aparecem atele. No h sada. Olha ao redor: onde est Deus onipresente?

    Apontam para ele.Ergue os olhos. Me v.O que ele precisa fazer. Desembainha a espada, arremessando-se contra os soldados

    . Desventra um deles, faz outro cair ao cho, com uma cabeada. Trs o atacam. Seentir os golpes, empunha a espada com ambas as mos, como uma foice, e prossegutando.

    Afastam-se.Por trs: um galope lento, pesado, o cavaleiro assalta pelas costas. O golpe derru

    lias. Acabou.No, ele se levanta: mscara de sangue e fria. A espada ainda nas mos. Ningum

    proxima. Est ofegante. Um puxo nas rdeas, o cavalo vira. O machado se ergue. Outez o galope. Elias abre as pernas, duas razes. Braos e cabea voltados ao cu, deixa caispada.

    O golpe derradeiro: Omnia sunt communia, filhos de cadela!

    A cabea rola na poeira.

    asas saqueadas. Portes destrudos a pontaps e golpes de machado. Daqui a pouco serossa vez. No h tempo a perder. Inclino-me sobre ele.

    Magister, oua, precisamos ir, esto chegando... Por Deus, Magister... Seguroelos ombros. Resposta: um sussurro. No pode mover-se. Uma armadilha, estamos num

    rmadilha.Como Elias.

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    A mo segura a espada. Como Elias. Quisera ter a sua coragem. O que quer fazer? Chega de martrio. V embora, pense em salvar-se.

    A voz. Como se viesse das vsceras da terra. No posso acreditar que tenha falado. Emais imvel que antes. Ouo golpes vindos de baixo. Minha cabea est girando.

    V!A voz, novamente. Olho para ele. Imvel.Golpes. O porto derrubado.Est bem, as sacolas, eles no podem encontr-las, levo-as nos ombros, para cima, p

    scada, os soldados insultam a velha, escorrego, no tenho onde segurar, muito peso, umacola cai, merda! sobem as escadas, dentro, retiro a escada, fecho o alapo, abre-seorta.

    o dois. Lansquenetes.Posso espreit-los atravs de uma fenda entre as traves. No posso mover-me, um

    angido e estou acabado. S uma olhada, depois vamos embora, aqui no vamos achar nada...

    Ah, h mais algum aqui!Aproximam-se da cama, sacodem Magister Thomas: Quem voc? Esta a sua casa? Nenhuma resposta. Est bem, Gnther, veja o que temos aqui!

    Viram a sacola. Um dos dois a abre: Merda, aqui s tem papel, nada de moedas. O que isso? Voc sabe ler? Eu? No! Nem eu. Pode ser coisa importante. Desa e chame o capito. O que , est me dando ordens? Por que no vai voc? Porque, esta sacola, eu achei!Finalmente eles decidem, aquele cujo nome no Gnther, desce ao andar de baix

    spero que nem o Capito saiba ler, seno acabou.Passos pesados, aquele que deve ser o capito est subindo as escadas. No pos

    mexer-me. Minha boca est seca, a garganta cheia de p do sto. Para no tossir, mordoarte interna de minha bochecha e engulo o sangue.

    O capito comea a ler. S posso ter a esperana que no entenda. No fim, erguehos das folhas:

    Thomas Mntzer, o Cunhador... alias, a Moedinha[*].Meu corao sobe cabea. Olhares satisfeitos: pagamento dobrado. Levam embora

    omem que declarou guerra aos prncipes.Permaneo em silncio, incapaz de mover um s msculo.Deus onipresente no est aqui, nem em lugar algum.

    *] Jogo de palavras do alemo mntzer = cunhador, mntzel = moedinha.

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    Captulo 2

    16 de maio de 1525

    hega o claro da manh. Prostro-me, exausto.Quando reabri os olhos, na mais completa escurido da noite e da minha existncia

    rimeira sensao foi de total torpor dos membros.H quanto tempo eles haviam partido?Da rua elevavam-se imprecaes de bbedos, sons de folias, gritos de mulhe

    ubmetidas lei dos mercenrios.Para lembrar-me que estava vivo, um prurido infernal: na pele, uma couraa de su

    alha e p.Vivo, livre para tossir e gemer.

    S que para reerguer-me e iar-me sobre o teto com a sacola e a espada, foi uma tarerdua. Aguardei o tempo necessrio para acostumar-me com a escurido, observandoemblante da cidade da morte.

    L embaixo, a luz das fogueiras espalhadas por toda parte iluminava as carrancas doldados na folia, ocupados em beber o fruto da vitria mais fcil.

    Na frente, a escurido. A profunda escurido do campo. esquerda, a poucas dezene passos, um teto sobressaa dos outros, transpondo uma viela, at o confim da escuridbsoluta. Deslizando por sobre os telhados, arrastei minhas costas despedaadas at aquemite: a muralha. Da altura de trs homens, nenhum vigia. Percorri aquele caminho.

    De sbito, no senti o cheiro: a boca era uma cloaca, o nariz impregnado de suorujeira... Depois percebi: estrume. Estrume bem a. Deixei-me cair, assim, no escuro, qmportava.

    Um acmulo de estrume.Rpido, embora, sedento, correndo, depois andei, tropecei, embora, e andei, vam

    amos, faminto, mais rpido que a morte que roou em mim e que o fedor de merda que mcossava, at que as pernas podiam aguentar.

    O amanhecer.Deitado num fosso, bebo gua barrenta. Mergulho na escurido enquanto o sol se reti

    cu arde no poente. Todas as juntas do corpo ardem; incrustado de merda e lama: vivoCampos, feixes de colheitas, a margem de um bosque algumas milhas ao Sul. Retoma

    uga. Preciso esperar a noite.Sozinho. Os meus companheiros, o mestre, Elias.Sozinho. Os rostos dos irmos, cadveres estendidos na plancie.

    A sacola e a espada parecem pesar o dobro. Estou fraco: preciso comer. A poucassos, espigas verdes de trigo. Arranco alguns punhados. Engulo com dificuldade.

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    Pergunto-me qual poderia ser o meu aspecto, observo a longa sombra no cho. A movanta, chega ao rosto: os olhos, a barba, no sou eu. Nunca mais serei.

    Pensar.Esquecer o horror e pensar. Depois mover-se e esquecer o horror. Depois mais, destru

    horror e viver.Pensar, ento. Alimento, dinheiro, roupas.Um refgio, longe daqui, um lugar seguro, para receber notcias e localizar os irm

    obreviventes.

    Pensar.Hans Hut, o livreiro. Na plancie, a sua fuga ao avistar as armaduras do duque Jorntes da carnificina. Se algum se salvou, Hut.

    Sua tipografia em Bibra, perto de Nurembergue. H alguns anos, j fervilhava mos. Um porto para muitos.

    A p, na noite, sem percorrer estradas, pelos bosques e no limiar dos campos, talvez lens doze dias.

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    Captulo 3

    18 de maio de 1525

    um bivaque de soldados.Sombras alongadas e rudes sotaques do Norte.H dois dias e duas noites ando pela floresta, com os sentidos aguados, sobressaltan

    or qualquer rudo: asas das aves batendo, longnquos uivos de lobos que percorremspinha e entorpecem as vsceras. L fora, o mundo poderia ter acabado, no existir mais.

    Para o Sul, at que as pernas j no aguentavam e me deixavam cair. Engoli qualquoisa capaz de enganar o estmago: glandes, bagas silvestres, at folhas e cascas de rvoruando a fome era mais intensa... Extenuado, com os ossos midos e os membros cada v

    mais pesados.

    O sol j havia desaparecido quando, na escurido do bosque, avistei a luz de umogueira. Aproximei-me, deslizando at atrs deste carvalho.

    minha direita, a uns cem passos, trs cavalos presos: o cheiro poderia denunciar-mermaneo imvel, indeciso, pensando no tempo que ganharia montando em um daquenimais. Espio alm do tronco: esto ao redor da fogueira, enrolados em cobertores, uantil passa de mo em mo, sinto quase o cheiro de aguardente em seus hlitos.

    Ah! E quando atacamos e eles j fugiam feito ovelhas? Prendi trs em uma nina! No espeto!

    Risadas brias.

    Eu fiz melhor. Comi cinco, enquanto saquevamos a cidade... e entre uma e outunca parei de mat-los, aqueles miserveis.... Uma daquelas vadias quase arrancou minrelha, com uma mordida! Vejam isto...

    E voc? Cortei-lhe a garganta, porra! Cansou -toa, seu cabea de bosta. Se esperasse mais um dia, ela daria a voc e

    oca do cadver do marido, come todas as outras...Mais uma rodada de risadas. Um deles joga um outro pedao de madeira no fogo. Juro que foi a vitria mais fcil de minha carreira, era s atirar em suas costas

    spet-los como pombos. Mas, que espetculo: cabeas saltando, gente rezando eelhos... Eu me senti um cardeal!

    Tilinta uma sacola cheia e os outros dois o imitam, com risada debochada. Um faznal da cruz.

    Palavras santas. Amm. Vou mijar. Deixem um gole desse negcio para mim... Hei, Kurt, v mais pra l, que no quero dormir com o cheiro do teu mijo debaixo

    ariz! Voc est to bbedo, que nem perceberia se eu cagasse na sua cara... V tomar no cu, seu bosta!

    Respondendo com um arroto, Kurt sai da rea iluminada e vem na minha direambaleia a poucos passos de distncia e prossegue, embrenhando-se no mato.

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    Agora, decidir.Usar roupa menos imunda que esta e ter uma sacola cheia de dinheiro na cintura.Deslizo atrs dele, encostado nas rvores, at ouvir o fluido na relva. Empunho a adag

    omo Elias me ensinou: uma mo diante da boca, sem nunca conceder-se um tempo paesitar. Corto-lhe a garganta, antes que ele possa perceber o que acontece. Antes que at ossa perceber. Um simples borbulho sufocado e cospe o sangue e a alma entre os meedos. Freio o seu tombo.

    Nunca havia matado um homem.

    Solto o cinto e pego a sacola, tiro-lhe o casaco e as calas, enrolo tudo em sua capnto vou embora, sem correr, sem rudos, um brao frente para proteger o meu rosto dmoitas e dos ramos. Nas mos, o mesmo cheiro de sangue da plancie, de Frankenhausen.

    Nunca havia matado um homem.Cabeas saltando, gente orando ajoelhada, Elias, Magister Thomas reduzido a larva...

    Nunca havia matado um homem.Paro, na mais completa escurido, as vozes mal se ouvem. A espada empunhada.Tenho que fazer isso.Escancarar a boca do inferno queles bastardos.

    Volto, um passo aps o outro. As vozes so mais altas, mais prximas, solto o fardo eacola, dois, em largas passadas, so dois, no conceder-se o tempo para hesitar.

    Kurt, onde caralho...Penetro na roda de luz. Cristo!Um golpe seco na cabea. Merda santa!

    A lmina no peito, com toda a fora, at que vomite sangue.Uma mo que se estica, tarde demais, na direo da arma: um golpe no ombro, dep

    as costas.

    Arrasta-se sobre os cotovelos para o mato, gritando como um porco no matadouro.Eu: cada vez mais lento, em cima dele. Seguro a adaga com ambas as mos, afundo

    ntre as escpulas, parto-lhe os ossos e o corao.Destruir o horror.Silncio. S o meu ofegar quente, visvel, na noite, e o crepitar do fogo. Olho ao m

    edor: nenhum movimento. No h mais.Acabei com todos, por deus!

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    Captulo 4

    19 de maio de 1525

    avalgo, vestindo o uniforme da infmia.Agora, o uniforme me protege. Pode ser astcia, preciso acostumar-me, quem sa

    isfarado de mercenrio da infmia, quando a infmia triunfa. Nada mais.Preciso acostumar-me. Nunca havia matado antes.Mais um crepsculo salpicando campos e colinas de reflexos purpreos, tornando

    ontornos mais indefinidos, dissolvendo as certezas, se que haviam permanecido.Muitas foram as milhas percorridas, sempre para o Sul, voltado para Bibra e monta

    m uma tnue esperana. Os campos atravessados traziam as marcas da passagem orda assassina. Pareciam os restos de uma tragdia provocada pelos elementos: terren

    ue jamais voltariam a ser frteis, sucata e todo tipo de resduo da tropa imunda; alguadver apodrecendo, carcaas de desgraados que cruzaram aquele caminho; grupos

    mercenrios soltos, vindos de algum massacre e preparando uma nova incurso.Desde que a escurido engoliu o horizonte e as ltimas sombras, prossigo a p p

    mata. Avisto, por entre as rvores, luzes ao longe: talvez outros bivaques. Mais alguns passum rudo surdo chega aos meus ouvidos. Cavalos, clangor de armaduras, reflexos

    ochas sobre metal. O animal pateia, preciso mant-lo firme, enquanto procuro protetrs de um tronco. Aguardo, acariciando o pescoo do cavalo para amenizar-lhe o medo.

    O rudo de um rio na cheia. Avana. Cascos e armas reluzentes. Uma horda

    antasmas desfila a poucos metros de distncia.Finalmente o fragor enfraquece, mas a noite no se cala mais.A luz alm do bosque tornou-se mais intensa. O ar est parado, porm os cumes d

    rvores balanam: a fumaa. Chego mais perto, at ouvir crepitao de madeueimando. As rvores abrem-se de repente e revelam a destruio absoluta.

    O vilarejo est envolvido em chamas. O calor choca-se em meu rosto, cai uma chuva equenas brasas e fuligem. Uma baforada adocicada, cheiro de carne queimada, vira o mstmago. Ento os vejo: corpos carbonizados, figuras indefinidas abandonadas fogueinquanto o vmito sobe garganta, corta a respirao.

    As mos agarradas sela, leve-me embora, penetre na noite, fuja do horror e onquista imunda do inferno.

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    Captulo 5

    21 de maio de 1525

    o redor do centro de comrcio, um intenso movimento de carroas, carregadas comutos dos saques; capites dando ordens em vrios dialetos; pelotes de soldados sainm todas as direes; permutas e venda de despojos de guerra no meio da rua, ent

    mercenrios mais sujos que eu, e vagabundos espera das sobras. A outra face evastao encontrada ao longo da estrada: vias de comunicao de uma guerra seonteiras, o fosso de descarga para a gordura do massacre.

    O cavalo precisa de descanso, eu de uma refeio decente. Mas, antes de mais nadreciso orientar-me, encontrar o caminho mais curto para Nurembergue e depois Bibra.

    Nestes tempos, no conveniente deixar um cavalo sem guarda, soldado.

    Uma voz vindo da direita, atrs de uma tropa que retoma a marcha. Robusto, avene couro e botas de cano longo cobertas de merda.

    s o tempo de entrar na pousada, e ele vai ser servido em seu jantar... Na estrebastar mais seguro.

    Quanto? Dois escudos. Caro demais. A carcaa do seu cavalo valer menos ainda...O mercenrio pago e dispensado que volta para casa:

    Est bem, mas voc vai dar-lhe feno e gua. Ponha-o para dentro.Sorri: ruas cheias, bons negcios. Est vindo de Fulda?O soldado que volta da guerra: No, de Frankenhausen. Voc o primeiro que passa... Conte para mim, como foi? Uma grande batalha... O soldo mais fcil de minha carreira.O homem da estrebaria vira-se e grita: Hei, Grosz, temos aqui um que vem de Frankenhausen!Quatro saem da sombra, caras speras de mercenrios.Grosz tem uma cicatriz que sulca o lado esquerdo de seu rosto e desce at o pescoo

    maxilar fendido onde a lmina atingiu o osso. Olhos cinza inexpressivos de quem viu muiatalhas, acostumados ao odor dos cadveres.

    A voz cavernosa: Mataram todos aqueles caipiras?Uma respirao profunda para deglutir o pnico. Rostos que observam.O soldado que volta da guerra resmunga: Todos eles.

    O olhar de Grosz recai sobre a sacola de dinheiro pendurada ao cinto: Estava com o prncipe Felipe?

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    Outra respirao. Nunca conceder-se o tempo de hesitar. No, com o capito Bamberg, nas tropas do duque Jorge.Os olhos permanecem imveis, talvez em dvida. A sacola. Tentamos alcanar Felipe para unir-nos, mas chegamos em Fulda tarde demais.

    o estava l: corria feito louco, aquele cu estourado! Ele pegou Smalcalda, Eisenachalza em marcha forada, sem tempo de parar nem para mijar...

    Outro: Ficamos com as migalhas, alguma pilhagem por a. certeza que no h m

    enhum caipira para matar?Os olhos do soldado que exterminou os camponeses na plancie: vidro, como aqueles rosz.

    No. Morreram todos.O cara torta continua fitando, refletindo sobre o negcio do momento: arrisca

    egar a sacola. So quatro contra um. Os outros trs, sem nenhum gesto dele, no mexem.

    Fala devagar: Mhlhausen. Os prncipes vo assedi-la. Ali o lucro ser grande. Casas

    mercadores, no de caipiras miserveis... Bancos, lojas... Mulheres acrescenta rindo aquele mais baixo, atrs dele.Mas Grosz, o rei da regio dos mortos, no ri. Nem eu, garganta seca e respira

    arada. Avalia. A minha mo na empunhadura da espada, pendurada ao cinto comacola de dinheiro. Ele entendeu: o nico golpe seria contra ele. Rasgaria sua garganosso fazer isso. Est escrito no olhar estampado em seu rosto.

    Apenas um frmito, um bater de clios como veredicto. No vale a pena arriscar. Boa sorte.Passam adiante, mudos. Rudo de botas afundando na lama.

    gordo senta minha frente, arranca nacos de uma coxa de cabrito, longos goles de ugantesco jarro de cerveja escorrem pela barba ensebada que, com a venda no ol

    squerdo, quase lhe esconde o rosto. O casaco, gasto e emporcalhado, cobre coificuldade os demasiados barris de decnios a servio de todos os senhores.

    Durante uma pausa, o porco me interroga:

    O que faz um mocinho como voc nesta estrumeira?Boca cheia transbordando, limpa com a mo e depois arrota.Sem olh-lo: O cavalo precisa descansar, eu comer. No, mocinho. O que voc faz neste cu de guerra bastarda. Defendo os prncipes dos rebeldes... no me deixa tempo para prosseguir. Ah... Ah, essa boa... antes eram quatro piolhentos mastiga. Uma ral

    sfarrapados engole , que tempos, agora jovenzinhos defendem os senhores da pleamponesa arrota novamente. Vou lhe dizer, mocinho, esta foi a pior de todas uerras de merda que este nico olho bom j viu. Dinheiro, compadre, s dinheiro e

    egcios com aqueles porcos de Roma. Os bispos com todas aquelas putas e filhos pamanter! Grana, pode estar certo, que os prncipes, os duques, aqueles patifes, no pensa

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    m outra coisa. Antes tiram tudo dos caipiras, depois nos mandam surrar aqueles que nchem o saco. Acho que estou velho demais para estas bostas. Fodidos! Agora, que eles iapontar os canhes contra os prncipes e os puxa-sacos do Papa, tinham mostrado olhes, os caipiras: queimavam os castelos com toda aquela fartura, comiam as condessestripavam os padres nojentos! , falavam sempre em Deus, mas quebravam tudo, at uase acreditei, mas j sabia como as coisas iam acabar, no sobra nada para os esfarrapadara ns, sempre aquelas quatro moedas de merda. E isso, para eles peida, ri, bebe. tomar no cu!

    Paro de comer, estou entre a surpresa e a repugnncia. O porco simptico, fala comm esgoto mas odeia os senhores. Isso me d coragem: so feitos de carne e sangue, no e ferro afiado.

    E voc, onde estava? eu pergunto. Em Eisenach, depois Salza, a cansei de rachar meus braos nas costas dos coitad

    m nojo. Estou velho demais para essas bostas, tenho quarenta anos, caralho, e h vinmetido nesta merda. E voc, mocinho?

    Vinte e cinco. No, no: onde estava? Frankenhausen. Puta que o pariu! No meio do Juzo Universal? As vozes correm, nunca tinha ouvi

    alar em coisa igual. Isso mesmo, compadre. Diga-me... Aquele pregador, aquele profeta, ah, aquele decidido, qual o nome...?

    ei: der Mntzer. O Cunhador. O que houve com ele?Cuidado. Pegaram-no. No morreu? No. Eu vi que o levavam embora. Um da turma que o capturou me disse que e

    utou como um leo, que foi difcil, deixou os soldados atemorizados com o seu olhar euas palavras. Enquanto o levavam, eu ouvi que gritava de cima da carroa Omnia suommunia!

    E o que caralho quer dizer? Tudo de todos. Merda, que tipo. E voc sabe latim?Ele ri. Desvio o olhar.

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    Captulo 6

    24 de maio de 1525

    oucas horas de viagem e as colinas da Selva Turngia j eram um plido reflexo no cinscuro do cu atrs de mim. Havia apenas superado a fortaleza de Coburg, indoospedaria de Eber. Mais dois dias de marcha, no mximo trs, ao longo de vales e bosqua Alta Francnia comeava a abrir-se minha frente. Uma estrada larga, normalmen

    heia de carroas de mercadores entre o Itz e o Meno. Naquela noite em Ebern, o dia depm Forscheim, para evitar os olhares indiscretos de Bamberg, em seguida Nuremberguenalmente, Bibra.

    Pela primeira vez senti que conseguiria. Este cansao, que volta a assolar-me, j estasquecido, anulado pela fora de quem j superou a beira da derrota.

    la chegou ao meu encontro vinda de longe, enquanto o cu enchia-se de nuvens: dolenmaltrapilha, trgica. Uma fina manta vinha sua frente, empaste de luz tnue e cinzenom a chuva leve que tornava incertas viso e respirao, pela esplanada do vale estreiue eu pretendia superar antes do pr do sol.

    Avanava lenta, talvez j com algumas horas de caminho aps ter iniciado o dia comaior vigor, partindo de uma noite acampada quem sabe como, tendo frente a escuridnsuportvel de uma viagem sem desembarcadouro.

    No tinham carroas, nem bois, nem cavalos. Sacos nas costas. Um rio de sobreviventnundao de misria para as torres esplndidas de Coburg.

    A coluna de humanidade massacrada deslizava, inerme, esmagada pela pegagantesca do Cu. Arrastava-se prostrada de pertences, gemidos de feridos sob vend

    ujas, idosos deitados em macas improvisadas. Litanias incessantes e choro de crianntoavam a angstia.

    S algumas mulheres tentavam dar uma direo aos corpos: percorriam vrias vez

    quela fileira desordenada, dando conforto aos feridos e encorajando a prosseguir os qediam ao peso da desgraa; sempre com crianas agarradas s costas, nos braos ou entre, rostos trgicos e altivos. Aquela fora impensvel, solene, infundia um sopro de via carne desventurada de quem sabe qual vilarejo, o mesmo encontrado h alguns dias, utro, outro ainda. Existir um frangalho de mundo a salvo do cataclismo?

    Acompanhei o cansao daqueles passos, mantendo-me a algumas dezenas de metroireita, por um tempo imvel, eterno. De vez em quando um olhar, um gemido imploranerpassava todo o meu ser. Centenas de homens subjugados a um nico soldado: nenhuesto de desprezo, nenhum sinal de reao. Exaustos, todos, atnitos diante da runa

    mim, fugitivo sob as vestes do assassino, dirigia-se a prece dos Sem-nada.Depois, um rosto de mulher, rompendo a inrcia, veio ao meu encontro. Vivo,

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    menso cansao, afastando-se da coluna lamentosa, aps ter confiado a outros braos os dlhotes esfomeados que trazia consigo.

    No temos mais nada, soldado. S as feridas dos aleijados e as lgrimas dos nosslhos. O que mais, ainda?

    No tive palavras, para aliviar o remorso pela impotncia e a culpa de estar vivo, dianaqueles olhos altivos, pregos penetrando na carne. Devia ter descido do cavalo, recolhieus filhos, dado dinheiro e ajuda. Socorrer a minha gente, a fileira dos eleitos arruinada ma da qual queria libertar-se. Descer e permanecer.

    Bati com fora os flancos do cavalo. Quase s cegas.

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    Captulo 7

    Eltersdorf, Francnia, 10 de junho de 1525

    anhar o prprio po realmente cansativo e triste. O homem inventa piedosas mentiraespeito do trabalho. Eis outra e abominvel idolatria, o co que lambe a bengala: o trabalh

    Cepo e machado desde o raiar do sol. Corto lenha no quintal que separa a horta eurral da casa de Vogel.

    Wolfgang Vogel: para todos pastor de Eltersdorf, seguidor de Lutero; para Hut utimo auxilio para difundir livros, folhetos, avisos; os camponeses insurretos, para o refro Leia-a-Bblia: Agora que Deus fala sua lngua, devem aprender a ler a Bblia porrprios. J no precisam de doutores, respondiam frequentemente: Ento nrecisamos nem de voc, fato que de qualquer forma nunca o desencorajava.

    Muito bem, Leia-a-Bblia: acolhida calorosa, toque no ombro, informar-se de quem evo e quem morreu, e vejo-me agora com um machado nas mos, diante de uma pilha

    madeira. Estou aqui h dois dias e preciso pagar a hospitalidade.Em Bibra, no encontrei Hut, a tipografia estava fechada. Disseram-me que hav

    assado por l uma semana antes, partindo logo em seguida para batizar o maior nmeossvel de pessoas na Francnia setentrional. Como um viajante que, chegando a umospedaria em chamas, pergunte o que h para o jantar. Quando soube que Vogel estaovamente em Eltersdorf, foi s o tempo de substituir o cavalo, abastecer-me e partir.

    Eltersdorf. Tenho um quarto, um prato de sopa e um novo nome: Gustav Metzg

    inda estou vivo e no sei como. Por enquanto, nem falar em retomar o caminho.

    Eltersdorf, vero de 1525

    ias longos, insuportveis. Limpar o estbulo, rachar lenha, encher a manjedoura d

    orcos, esperando que a porca d cria. Colher os frutos da pequena horta, consertar rramentas, sempre prestes a perder a vida. Servios repetitivos, puro constrangimento dmembros, prestados todos os dias para adquirir o direito de uma tigela como a de um co

    uintal.As notcias que chegam de fora falam de massacres por toda parte: a retaliao d

    rncipes revelou-se altura do desafio que havamos lanado. As cabeas dos camponesermanecem inclinadas sobre o arado: j no so os mesmos que empunharam as foiomo espadas.

    Na vila no h quase ningum para trocar duas palavras. Vou at o moinho levar o trie Vogel para moer e encontro algum pelo caminho, poucas palavras sobre o pas

    Wolfgang, o nico da vila que possui trigo para o moleiro.Uma das poucas coisas agradveis do dia so as discusses com Hermann, u

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    ampons abobalhado que cuida da horta de Vogel. Na verdade, quase s ele quem fanquanto golpeia com o machado os cepos de madeira, porque cada um, ele diz, tem

    mos que merece, e ele j tinha calos nas mos ao nascer, enquanto os doutorzinhos comu, era melhor que tocassem somente livros. Sorri, com a boca meio desdentada jurando qsta guerra foi ganha pelos pobretes como ele. Conta que tomaram o castelo do condeor dez dias, fizeram com que ele e seus homens os servissem, enquanto noite deitavaom a senhora e as filhas. Aquela foi uma grande vitria; ningum pode pensar em subjugs poderosos por muito tempo, tambm porque se os camponeses governassem e

    enhorios trabalhassem na terra, todos morreriam de fome, pois cada um tem as mos qmerece... Mas, para um senhorio, lamber os ps de um servo e colocar novamente o segcio no mesmo lugar onde um caipira o colocou, a mais ultrajante derrota.

    Para as pessoas como Hermann, o mais sagrado prazer. Ri como um tolo, cuspindo podo lado e, para dar-lhe mais prazer ainda, eu digo que o prximo conde poder at sm filho dele e essa uma bela maneira de abater os poderosos: poluir-lhes a prole.

    Com Vogel, pelo contrrio, no h muito que discutir. um bom homem, mas no mgrada: diz que o destino e a suprema vontade divina quiseram que as coisas fossem assiue o horrvel massacre de indefesos acontecesse, que o insondvel, supremo poder nxorta a compreender atravs dos seus sinais, tambm os trgicos ou funestos, queontade dos homens, mesmo se justos e merecedores do reino, no suficiente para realizsua promessa na terra. Que se dane, Vogel, suas promessas e todo o resto.

    gora eu atendo, quando ouo chamar Gustav, j me acostumei com um nome que nomeu mais que qualquer outro.

    noite, a luz das velas suficiente apenas para ler algumas pginas da Bblia. O muarto: paredes de madeira, um catre, um banquinho e uma mesa. Sobre a mesa, a sacoe Magister, um grumo sem formas de lama incrustada. Ningum jamais a deslocou da.

    No h mais nada, nada alm daquela sacola trazida de Frankenhausen at aqui, pambrar-me das promessas no cumpridas e do passado. Nada que valha o risco de s

    onservado. Deveria t-la queimado logo, mas cada vez que me aproximei para peg-enti-me ainda no topo daquela escada, com o peso puxando para baixo, enquanto bandonava Magister ao seu destino.

    Pela primeira vez a abro. Ela quase desmancha em minhas mos. As cartas esto tod, mas a umidade as corroeu e apodreceu. As folhas se mantm unidas com dificuldade.

    Ao magnfico mestre nosso messer Thomas Mntzer de Quedlinburg, a saudados camponeses da Floresta Negra e de Hans Mller von Bulgenbach, rebelados eunssono e com a fora contra o ignbil senhor Sigmund von Lupfen, culpado de t

    submetido fome e humilhao os seus servos e familiares inverno aps invernlevando-os ao desespero.

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    Mestre nosso,

    escrevo-lhe para inform-lo que h uma semana os nossos doze artigos foraapresentados ao Conselho da cidade de Villingen, o qual respondeu prontamenacolhendo somente alguns dos pleitos. Uma parte dos camponeses considerimpossvel obter algo mais e escolheu retornar prpria casa. Mas uma parte nexgua deles decidiu, pelo contrrio, prosseguir no protesto. Eu mesmo est

    procurando aproximar-me dos camponeses dos territrios vizinhos, para angari

    reforos para esta luta justa e lhe escrevo com a pressa de quem j est com um no estribo, na certeza que no h outro homem em toda a Alemanha mais apto qo senhor para justificar a minha conciso e esperando de corao que esta missi

    possa chegar s suas mos.

    Que Deus o acompanhe sempo amigo dos campones

    Hans Mller von BulgenbaVillingen, no dia 25 de novembro do ano de 15

    Mller, provavelmente morto. Gostaria de t-lo conhecido. E nem passou um ano. Um a

    ue agora parece estar do outro lado do mundo, como as suas palavras. O ano em que tuoi possvel, se que assim foi.

    Procuro outra vez na sacola. Uma folha amarela e lacerada.

    Ao Mestre dos camponeses, senhor Thomas Mntzer, defensor da f contra mpios, junto igreja de Nossa Senhora em Mhlhausen.

    Mestre nosso,

    no dia da santa Pscoa, aproveitando da ausncia do conde Ludwig, camponeses assaltaram o castelo de Helfenstein e, aps t-lo depredadocapturado a condessa e os filhos, dirigiram-se s muralhas da cidade, onde o cone os seus nobres estavam refugiados. Graas ao apoio dos cidados, conseguiraentrar e captur-los. Levaram, ento, o conde e outros treze nobres para o came os obrigam a passar sob o jugo. Apesar do conde ter oferecido muito dinheiro etroca da prpria vida, ele foi assassinado, com os seus cavaleiros, despido e deixano meio do bosque com os ombros amarrados ao jugo. Os camponeses voltaram castelo e lhe atearam fogo.

    A notcia destes acontecimentos no tardou em chegar aos condados vizinhsemeando pnico entre os nobres, que agora sabem que esto expostos ao mesmdestino do conde Ludwig. Tenho certeza que estes acontecimentos sero uelemento de suma importncia para o reconhecimento dos doze artigos em todas cidades.

    Neste dia de Pscoa, o Cristo ressuscita dos mortos para revivificar o esprdos humildes e reanimar o corao dos oprimidos (Is 57, 15). Que a graa de Deno o abandone.

    O capito das formaes camponesas do Neckar e do OdenwaJcklein Rohrba

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    Weinsberg, no dia 18 de abril do ano de 15

    perto a folha mofada. Conheo esta carta, foi lida por Magister Thomas em alta voz paue todos lembrassem que o momento da libertao estava chegando. A sua voz: o fogo q

    ncendiou a Alemanha.

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    A doutrina, o pntano

    (1519-1522)

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    Captulo 8

    Wittenberg, Saxnia, abril de 1519

    idade de merda, Wittenberg. Miservel, pobre, barrenta. Um clima insalubre e spero, senhedos nem pomares, uma cervejaria enfumaada e gelada. O que h em Wittenberando o castelo, a igreja e a universidade? Vielas sujas, ruas cheias de lodo, um porbaro de comerciantes de cerveja e de regateiros.

    Estou sentado no ptio da universidade com estes pensamentos que se aglomeram eminha cabea, comendo um bretzel que acabou de sair do forno. Passo-o por entre mos para esfri-lo enquanto observo os estudantes no intervalo desta hora do dia. Pesopas, os colegas aproveitam o sol morno e almoam ao ar livre, enquanto aguardamrxima aula. Sotaques diferentes, muitos de ns vm de principados vizinhos, m

    ambm da Holanda, da Dinamarca, da Sucia: jovens de meio mundo afluem aqui pauvir a viva voz do Mestre, Martinho Lutero, a sua fama voou nas asas do vento, alis nrensas dos tipgrafos que tornaram este lugar famoso, at alguns anos atrs esquecido peus e pelos homens. Os eventos... os eventos precipitam. Ningum havia jamais ouvi

    alar em Wittenberg e agora chegam cada vez mais numerosos, sempre mais jovens, porquem quiser participar precisa estar aqui, no pntano mais importante de todaristandade. Talvez seja verdade: aqui est sendo desenfornado o po que empenharentes do Papa. Uma nova gerao de doutores e telogos que libertaro o mundo darras corrompidas de Roma.

    Eis que chega, mais velho que eu de alguns anos, barba pontuda, magro e cavado com os profetas podem ser: Melncton, o pilar da sabedoria clssica que o prncipe Frederiuis colocar ao lado de Lutero para dar prestgio universidade. Suas aulas so brilhantterna citaes de Aristteles e passagens das Escrituras, que pode ler em hebraico, como

    stivesse extraindo de um poo inesgotvel de conhecimento. Ao seu lado o reitarlstadt, o Integrrimo, parco na vestimenta, um pouco mais velho, mas bem conservadtrs, Amsdorf e o fiel Franz Gnther, como filhotes amarrados a uma coleira invisvoncordam e chega.

    Karlstadt e Melncton discutem, passeando. Nos ltimos tempos, aconteequentemente. possvel colher alguma frase, trechos em latim, s vezes, mas o assunermanece obscuro. Ao longo dos muros da universidade a curiosidade cresce como umepadeira: as mentes jovens anseiam por novas questes, para testar as suas presas de lei

    Sentam-se em um degrau exatamente minha frente, no outro lado do ptingindo indiferena, formam-se pequenos grupos de estudantes ao redor. A voz de efeo Melncton chega aos meus ouvidos. To cativante na aula, quanto estrdula aqui fora.

    ... e voc deveria convencer-se uma vez por todas, meu bom Karlstadt, no alavras mais claras que as do apstolo. Cada um permanea submetido s autoridadonstitudas, porque no h autoridade a no ser a de Deus, e aquelas que existem forastabelecidas por Deus, portanto quem se ope autoridade, ope-se ordem estabeleci

    or Deus. Isto o que escreve So Paulo na epstola aos Romanos.Decido levantar-me e unir-me aos outros espectadores, exatamente quando Karlsta

  • 7/21/2019 Q O Cacador de Hereges - Luther Blissett

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    ebate. ridculo pensar que aquele cristo para o qual, segundo a palavra do prprio S

    aulo, a lei morreu, a lei moral dada por Deus aos homens tenha que obedecer cegamens leis frequentemente injustas redigidas pelos homens! Cristo diz: Dai a Csar o que sar e a Deus o que de Deus. Os Judeus usavam a moeda de Csar reconhecendoutoridade romana. Era portanto justo que aceitassem tambm todas aquelas obrigavis que no prejudicavam aquelas religiosas. Desta forma, Cristo com suas palavristingue o campo poltico daquele religioso e aceita a funo da autoridade civil, mas

    om a condio que no se sobreponha a Deus, que no se misture com Ele. Quando, ato, ela se sobrepe a Deus, no promove o bem comum, mas escraviza o homem. Lembrvangelho de Lucas: Adorars o Senhor teu Deus, e servirs somente Ele...

    O ar se fez mais denso, ouvidos tesos e olhares que saltam de um lado ao outrormou-se uma arena, um semicrculo perfeito de estudantes, como se algum tiveselimitado com giz o campo do embate. Gnther est em p, calado, avaliando a qual laer conveniente aliar-se. Amsdorf j escolheu o dele: no meio.

    Melncton abana a cabea e pisca os olhos acenando um sorriso magnnimo. Assumempre a atitude de um pai que explica a situao ao filho. Como se a mente debrangesse a sua, envolvendo-a, tendo j compreendido tudo aquilo que voc entendeeste momento at o fim dos seus dias.

    Olha o pblico com complacncia, diante dele, est a Nova Cristandade.Mede as palavras, pesa-as na balana, antes de rebater. Voc deve cavar mais a fundo, Karlstadt, no manter-se na superfcie. O sentido

    dai a Csar bem diferente... Cristo faz uma distino entre os dois mbitos, aquele utoridade civil e aquele de Deus, verdade. Mas faz isso para que, de fato, a cada umelas seja dado o que lhe compete, visto que as duas formas de autoridades so especularsta a vontade do Senhor. O prprio So Paulo nos explicou este conceito. Ele diz: devagar os tributos, porque aqueles encarregados desta tarefa so funcionrios de Deus. Da

    ada um o que lhe devido: a quem o tributo, o tributo; a quem os impostos, os impostosuem o temor, o temor; a quem o respeito, o respeito. Alm disso, meu caro amigo, seis se comportarem honestamente, no tm o que temer das autoridades, alis, serogiados. Quem, pelo contrrio, praticar atos de maldade, deve temer, porque se

    oberano carrega uma espada, h um motivo: ele est a servio de Deus para punustamente quem pratica o mal.

    Karlstadt, lento, zangado: Mas quem punir o soberano que no age honestamente?Melncton, firme:

    No faam justia prpria, carssimos, mas deixem que a ira divina a faa. O Senhiz.: A mim a vingana, eu retribuirei. A autoridade injusta punida por Deus, Karlstaeus a colocou na terra, Deus pode destru-la. No cabe a ns contrapor-nos a ela. Alisso, quais palavras mais lmpidas que as do apstolo: Abenoai aqueles que verseguem?

    Karlstadt: Correto, Melncton, correto. No digo que no tenhamos que amar tambm os noss

    nimigos, mas voc h de convir que precisamos, pelo menos, preservar-nos daqueles quentados na ctedra de Moiss, fecham o reino dos cus na cara dos homens...

    O bom pai Melncton: Os falsos profetas, meu caro Karlstadt, aqueles so os falsos profetas... E o mun

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    st cheio deles. At aqui, neste lugar de estudo abenoado pelo Senhor... Porque entrebios que se aninha a arrogncia, a presuno de colocar as palavras na boca do Senhara enaltecer a prpria fama pessoal. Mas Ele nos disse: Destruirei a sabedoria dos sbionularei a inteligncia dos inteligentes. Ns servimos Deus e combatemos para a verdade

    contra a corrupo secular. No esquea isso, Karlstadt.Um golpe baixo, desleal. Um vu de fraqueza, a sombra do conflito que o corri, pou

    obre a figura do reitor. Parece confuso, pouco convencido, mas acusa a ferida. Melnctst em p: insinuou a dvida, s falta desferir o golpe final.

    Naquele momento, ergue-se uma voz da plateia. Uma voz firme, clara, que no poertencer a um estudante. Preservem-se dos homens, porque os entregaro aos tribunais deles e os flagelar

    as sinagogas deles e sero conduzidos diante dos governadores deles e dos reis por minausa, para fornecer testemunho a eles e aos pagos... Ser que o nosso Mestre Lutero tempresentar-se diante da autoridade para ser julgado pelos tribunais? O seu testemunho nsuficiente para compreender? Aquele de Lutero o grito que se ergue dos campos e d

    minas, contra quem destruiu a verdadeira f: Aquele que vem do alto est acima de todomas quem vem da terra, pertence terra e fala da terra. Lutero nos indicou o caminh

    uando a autoridade dos homens se ope ao testemunho, o verdadeiro cristo tem o deve enfrent-la.

    Olhamos o rosto de quem acabou de falar. O olhar ainda mais firme e decidido que alavras. Nunca se afasta de Melncton.

    Melncton. Pisca os olhos deglutindo a raiva, surpreso. Algum lhe roubou a fala.Dois toques. Esto chamando para a aula de Lutero. Precisamos ir.Silncio e tenso se dissolvem no murmrio dos estudantes, impressionados com

    isputa, e com as frases de circunstncia de Amsdorf.Todos afluem para o fundo do ptio. Melncton permanece imvel, os olhos plantad

    obre quem lhe arrancou uma vitria segura. Olham-se distncia, at que algum segur

    rofessor pelo brao, para conduzi-lo aula. Antes de retirar-se, o tom da voz umromessa.

    Teremos nova oportunidade de falar. Certamente.No corredor apinhado que conduz sala onde nos aguarda o sumo Lutero, chego

    do do meu amigo Martin Borrhaus, que todos chamamos Celrio. Ele tambm esxcitado por causa do evento.

    Em voz baixa: Viu a cara do Melncton? O senhor Lngua afiada mexeu com ele. Sabe quem ? Chama-se Mntzer. Thomas Mntzer. Vem de Stolberg.

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    O olheiro de Carafa

    (1521)

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    arta enviada a Roma da cidade de Worms, sede da Dieta imperial, endereadaianpietro Carafa, datada de 14 de maio de 1521.

    Ao ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro honradssimo Giovanni Pietro Caraem Roma.

    Ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro meu honradssimo. Escrevo a VosSenhoria a respeito de um acontecimento gravssimo e misterioso: Martinho Lutero raptado h dois dias enquanto retornava a Wittenberg com salvo-conduto imperial.

    Quando V.S. me encarregou de seguir o monge Dieta imperial de Worms, nmencionou nenhum plano desse gnero; permaneo ansioso no aguardo de notcicaso exista algo que tenha sido subtrado da minha ateno e de que eu deveria tomconhecimento. Se, como creio, as minhas informaes no eram incompletas, posento afirmar que uma ameaa obscura e gravssima paira sobre a Alemanha. Consideportanto essencial comunicar a V.S. quais foram os movimentos de Lutero e ao reddele, nos dias da Dieta, e qual foi o comportamento do senhor dele, o Prnci

    Frederico, Eleitor de Saxnia.Na tera-feira 16 de abril, hora do almoo, a guarda da cidade instalada na tor

    da catedral sinalizou a som de trombeta, como de costume, a chegada de um hspede respeito. A notcia da chegada do monge j havia sido difundida na parte da mane muitas pessoas dirigiram-se ao seu encontro. O seu modesto veculo, seguindoarauto imperial, era acompanhado de uma centena de pessoas a cavalo. O povaglomerado na rua, impedia que o cortejo avanasse rapidamente. Antes de entrar albergaria Johanniterhof entre as alas do povo, Lutero olhou ao redor feito possesgritando Deus ser por mim. A pouca distncia, na albergaria do Cisne, esta

    hospedado o Prncipe Eleitor de Saxnia com o seu squito. Desde as primeiras horda sua chegada, comeou uma vaivm da pequena nobreza, aldees e magistradmas nenhum dos personagens mais importantes da Dieta tencionou comprometer-

    visivelmente com o monge. Exceto o jovem landegrave Felipe dAssia, que submeteuLutero leves questes concernentes os hbitos sexuais naBabilonica, recebendo deuma severa repreenso. O prprio Frederico o viu somente nas sesses pblicas.

    Alis, no foram as sesses pblicas de 17 e 18 de abril o palco das verdadeiatividades, mas sim as conversaes particulares e alguns episdios da permanncia Lutero em Worms. Como Vossa Senhoria j deve ter conhecimento, apesar da aversque o jovem Imperador Carlos nutre pelo monge e as suas teses, a Dieta no conseguque se retratasse, nem tomou as devidas providncias antes dos acontecimentos. Ipor causa das manobras habilmente orquestradas por alguns sustentadores de Luteentre os quais considero possvel incluir o Eleitor de Saxnia, ainda que sem umcerteza absoluta, por causa do carter subterrneo e obscuro de tais manobras

    Na manh de 19 de abril, o Imperador Carlos V convocou os eleitores e os prncippara pedir uma tomada de deciso sobre Lutero, manifestando aos mesmos a prpamargura por no ter agido energicamente contra o monge rebelde desde j. Imperador confirmou o salvo-conduto imperial de vinte e um dias, com a condio qo frade no pregasse durante a viagem de retorno a Wittenberg. Na tarde do mesm

    dia, os prncipes e os eleitores foram convocados para deliberar sobre o pedido imperiA condenao de Lutero foi aprovada por quatro votos sobre seis. O Eleitor da Saxn

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    certamente votou contra, e esta foi a sua primeira e nica manifestao aberta efavor de Lutero.

    Na noite do dia 20 foram porm afixados, por desconhecidos, em Worms dpanfletos: o primeiro continha ameaas contra Lutero; o segundo declarava que 4nobres haviam-se empenhado, sob juramento, em no abandonar o justo Lutero edeclarar a prpria inimizade aos prncipes e aos romanistas e, acima de tudo, arcebispo de Mogncia.

    Este acontecimento deitou sobre a Dieta a sombra de uma guerra religiosa e de u

    partido luterano pronto para insurgir. O arcebispo de Mogncia, assustado, pediuobteve do Imperador a permisso para rever toda a questo, a fim de no racharAlemanha em dois e oferecer o ensejo de uma revolta. Quem quer que tenha afixaaqueles panfletos, alcanou o xito de prorrogar a causa por alguns dias e de difuntemor e circunspeo quanto eventual condenao de Lutero.

    Nos dias 23 e 24, portanto, Lutero foi examinado por uma comisso nomeada pImperador para a oportunidade e, como V.S. j deve estar ciente, continuou recusana proposta de uma retratao. No obstante, o seu colega de Wittenberg que o havacompanhado Dieta, Amsdorf, espalhou a notcia que era iminente um acorconciliatrio entre Lutero, a Santa S e o Imperador. Por que, senhor meu ilustrssimCreio, ainda, por sugesto do Eleitor Frederico, para ganhar outro tempo.

    Assim, entre o dia 23 e o 24, houve grande alternncia de mediadores parecompor a ruptura entre Lutero e a Santa S, representada aqui em Worms parcebispo de Trier.

    No dia 25 houve um encontro particular, sem testemunhas, entre Lutero earcebispo de Trier que, como era previsvel, frustrou toda a diplomacia dos dois danteriores. Lutero, particularmente, como j havia declarado durante as sesses Dieta diante do Imperador, recusou-se por conscincia a retratar as prprias tesFicou portanto sancionada uma ruptura irreparvel e definitiva. Naquelas horas, pe

    ruas da cidade, corriam vozes de uma iminente deteno de Lutero.Na noite do mesmo dia, foram vistos dois vultos envolvidos em capas dirigindo-

    ao quarto de Lutero. O albergueiro reconheceu-os como sendo Feilitzsch e Thun, conselheiros do Prncipe Eleitor Frederico. O que houve durante aquele encontnoturno? V.S. poder talvez encontrar a resposta nos acontecimentos dos dsucessivos.

    Na manh do dia seguinte, 26, Lutero deixou sem alarde a cidade de Worms, couma pequena escolta de nobres simpatizantes. No outro dia estava em Frankfurt; e28 em Friedberg. Aqui, ele convenceu o arauto a deix-lo prosseguir sozinho. Em 3

    maio Lutero abandonou a estrada principal, continuando pelas vias secundrialegando como motivo da mudana de itinerrio uma visita a seus parentes, perto cidade de Mhra. Induziu tambm os seus companheiros de viagem a prossegudiretamente em outra carroa. As testemunhas dizem que, ao retomar a viagem eMhra, estava sozinho no veculo, com Amsdorf e o colega Petzensteiner. Aps algumhoras, a carroa foi bloqueada por alguns homens a cavalo, que perguntaram condutor quem era Lutero e, reconhecendo-o, tomaram-no pela fora e o arrastaraembora pelo mato.

    Para Vossa Senhoria resultar evidente que no possvel deixar de ver Frederio Eleitor da Saxnia, atrs de toda essa maquinao. Mas, caso V.S. tenha o zelo de nquerer chegar a uma concluso demasiadamente precipitada, permito-me apresent

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    lhe alguns quesitos. Quem tinha interesse em retardar a condenao de Lutemantendo a diatribe em aberto? E, consequentemente, quem, para retardarsentena, tinha interesse em atemorizar com a ameaa de um partido de cavaleirprontos para defender o monge com a espada, contra o Imperador e o PapFinalmente, quem tinha interesse em colocar Lutero a salvo encenando um rapto, serevelar-se abertamente e sem comprometer-se diante do Imperador?

    Tenho o atrevimento de acreditar que V.S. tambm chegar mesma concluso seu servidor. Respira-se um ar de batalha, meu senhor, e a fama de Lutero cresce

    cada dia. A notcia do seu rapto desencadeou pnico e agitao indescritveis. Mesmos que no partilham de suas teses, reconhecem-no como uma voz prestigiosa reforma da Igreja. Uma grande guerra religiosa est prestes a desencadear-se. sementes que Lutero espalhou, arrebatado pelo mpeto da convico, j vo dar os sefrutos. Discpulos ansiosos para passar ao preparam-se para extrair, com intrpilgica, as consequncias dos prprios pensamentos. Se a sinceridade uma virtud

    Vossa Senhoria me permitir talvez afirmar que os protetores de Lutero j atingiramobjetivo de transformar o monge em uma mquina de guerra contra a Santa Sorganizando ao seu redor um amplo squito. E agora, esto somente aguardandomomento mais oportuno para instaurar a batalha em campo aberto.

    Nada mais tenho a dizer, a no ser que beijo as mos de V.S., a quem de tocorao me recomendo.

    Worms, no dia 14 de maio de 15

    o fiel observador de Vossa Senhoria Ilustrssim

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    arta enviada a Roma da cidade Saxnia de Wittenberg, endereada a Gianpietarafa, datada de 27 de outubro de 1521.

    Ao ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro honradssimo Giovanni Pietro Caraem Roma.

    Ilustrssimo e reverendssimo senhor e patro meu honradssimo, escrevo a VosSenhoria para inform-lo que j no h dvida quanto responsabilidade do prnciFrederico no sequestro de Lutero. Aqui em Wittenberg ouve-se falar em cative

    voluntrio do monge em um dos castelos do Eleitor, ao Norte da Turngia. Se nbastassem as vozes, que aumentam a cada dia na confirmao desta verdade, paafastar qualquer simulao ainda resdua seria suficiente observar o semblante seredo mui douto e efeminado Melncton, ou ento o desenrolar cotidiano sem angsdas atividades de ensino e formao dos discpulos ou, mais ainda, a inquietao reitor Karlstadt. Lutero, portanto, no foi raptado, mas colocado a salvo pelo sprotetor.

    Mas respondo agora ao quesito que Vossa Senhoria havia posto em sua ltimmissiva. bem verdade que agora a ateno e as foras do Imperador esto voltadpara a guerra contra a Frana, assim, para o partido dos seguidores de Lutero epoderia ser o momento oportuno para manifestar-se. No creio, porm, que isto ocordentro em breve. Se que estes meus olhos tm alguma utilidade, posso afirmar quPrncipe Frederico e os seus aliados contemporizaro. Ele no tem interesse algum efomentar a revolta contra o Papa, porque sabe que poderia perder o controle e derrotado. O Imperador correria para defender o catolicismo, e ele aindemasiadamente forte para ser desafiado em campo aberto.

    H, ainda, um outro particular que fundamenta a prudncia do Eleitor Saxnia. A pequena nobreza sem terra recolheu-se ao redor de dois nobres decadsimpatizantes de Lutero, uns Hutten e Sickingen, os quais no prximo ano poderiatentar uma insurreio. Creio portanto que os prncipes, encabeados por Fredericno abririam uma brecha para esses tumultuosos subalternos e permanecero unidpara derrub-los, para manter sozinhos o controle de qualquer reforma.

    H mais uma razo que impele o Eleitor a ganhar tempo. algo que ainda nrelatei a Vossa Senhoria: o humor popular que h alguns meses possvel sentir no Em particular, os acontecimentos de Wittenberg, na ausncia de Lutero, perseguede perto o Eleitor. O reitor da universidade, Andr Karlstadt, dirige uma reforma qobtm amplo xito no seio da populao. Ele aboliu os votos monsticos e o celibapara os homens da Igreja. A confisso auricular, o cnon da missa e as imagens sactiveram a mesma sorte. Desencadeou a ferocidade popular contra as imagens dsantos, e houve episdios de violncia que culminaram com ataques a igrejas e capelEle prprio desposou prontamente uma jovem de apenas quinze anos de idade. Vesroupas de saco e prega em alemo pelas ruas, falando em humildade e abolio todos os privilgios eclesisticos. No tem escrpulos em sustentar que as Escriturdevem ser deixadas ao povo, livre de apropriar-se delas e de interpret-las da formque bem entender. Nem Lutero seria to ousado. Quanto administrao cvica, ent

    Karlstadt instaurou um conselho municipal eletivo para reger a cidade no mesmo nvdo Prncipe, e isto assusta bastante Frederico. De fato, o que ele pensava atrair a s

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    favor, arrisca revoltar-se contra ele prprio: a reforma da Igreja e a independncia Roma poderiam transformar-se em reforma da autoridade e independncia dPrncipes.

    Por este motivo, creio que o Eleitor no tardar em fazer com que Lutero saia toca em que est escondido, para que enxote esse Karlstadt. Posso ainda assegura

    Vossa Senhoria que se Lutero voltar para Wittenberg, Karlstadt ser forado aembora. Ele no tem condies de sustentar um choque com o profeta da reformalem: ser sempre um pequeno reitor de universidade enquanto, depois do episd

    de Worms, Lutero agora, para todos os alemes, o Hrcules Germnico. Pois bemeu senhor, tenho certeza que este Hrcules assentar a sua clava sobre Karlstadsobre todos os que ameaarem obscurecer a sua fama, bastando a permisso do EleitFrederico, de sua parte, bem sabe que s Lutero poder dirigir a reforma na direque lhe ser mais proveitosa; eles necessitam um do outro, como o timoneiro eremador que governam uma embarcao. Tenho certeza que Lutero no tardar e

    voltar para Wittenberg; e limpar o campo, retirando todos os usurpadores da sctedra.

    Por estas razes, portanto, o prncipe Frederico e os seus aliados ainda nenfrentaram abertamente a Igreja e o Imperador.

    Agora, se fosse concedido ao servo aconselhar o prprio senhor, tenho certeza qdiria: O que parece, meu senhor, que para atacar ao mesmo tempo o Eleitor e todos prncipes que pretendem rebelar-se contra a autoridade da Igreja romana,necessrio atacar o prprio Hrcules Germnico, que eles tm como escudo. O povoos camponeses esto descontentes e tumultuosos, querem reformas bem mais arrojadque as que o prncipe Frederico e talvez o prprio Lutero esto dispostos a conceder

    verdade que o portal aberto por Lutero, agora deveria ser bem fechado. Mas Karlstano vale muito, ter vida curta. O fato que tantas pessoas, aqui em Wittenbergtenham seguido, um claro sinal do sentimento que anima o povo. Se, portanto, d

    ondas deste borrascoso oceano emergisse um Outro Lutero, mais demonaco quefrade do demnio, algum que ofuscasse a sua fama e atendesse aos pedidos da plebalgum que colocasse a ferro e fogo a Alemanha com as suas palavras, foranFrederico e todos os prncipes guerra, obrigando-os a pedir o apoio do Imperador e Roma para acalmar a rebelio... Algum, meu senhor, que empunhasse o martelogolpeasse a Alemanha com tamanha fora que a fizesse tremer dos Alpes ao Mar Norte. Se esse tipo de homem existisse em qualquer lugar, deveria ser considerado mprecioso que o ouro, pois seria a arma mais poderosa contra Frederico de SaxniaMartinho Lutero.

    Se Deus, em Sua infinita providncia, nos enviasse um profeta como este, s separa lembrar-nos que as Seus caminhos so infinitos, como infinita a Sua glria, parqual estes olhos humildes se esforam e prosseguiro sempre servindo Vossa Senhoriacuja bondade eu me entrego, beijando-lhe as mos.

    Wittenberg, em 27 de outubro de 15

    O fiel observador de Vossa Senho

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    Captulo 9

    Wittenberg, janeiro de 1522

    porta rege-se somente sobre os gonzos. Empurro-a e deslizo para dentro. Mais escuro qora e o mesmo frio infame. Das vidraas restam somente estilhaos, as esttuas s

    mutiladas em vrios pontos. A raiva iconoclasta no poupou a igreja. No entendo porqelrio tenha marcado o encontro aqui, s disse que queria falar-me. H algum tempo, e

    muito agitado. H algum tempo, todos est agitados, aqui em Wittenberg. Circulam dregadores, vm de Zwickau e querem ser chamados de profetas. Um deles, nonhecemos: Stbner, estudava aqui h alguns anos. Os sermes deles provocam granarde, que lhes assegura a simpatia de muitos. Ideias novas e extremadas: uma misturaual Celrio no sabe resistir. O rangido do velho banco sobre o qual sento, alia-se ao

    orta atrs de mim. Celrio, andando ofegante entre as colunas da nave. Chega ao mdo, sacudindo a lama dos calados.

    Uma olhada ao redor: estamos sozinhos. Esto acontecendo coisas importantes. A disputa com Melncton foi um espetcu

    oram coisas pesadas: como que batizar uma criana como lavar um co, s para dar uxemplo. Imagine, Melncton! Estava roxo! Conseguiu rebater, mas um ataque desse, o esperava certamente. Agora, esperam a volta de Lutero para enfrent-lo tambm...

    Uh! vo esperar muito tempo. Lutero no aparecer to cedo, entrou em ummboscada. O Eleitor o mantm com o traseiro quente em algum dos seus castelos. Pa

    mim, toda a histria de Worms e do rapto parece uma comdia do senhor Spalatinutero, o Hrcules Germnico... um mastim na coleira do Eleitor.Rosna e sorri: No vai demorar e eles afrouxaro a coleira, voc ver. quanto basta para cheg

    t aqui e latir contra o bom Karlstadt, para recoloc-lo em seu lugar. Pode crer. Karlstadt esticou at demais a corda.Concorda: Mas agora no est mais sozinho. H esses profetas. Stbner falou-me daqu

    Mntzer, voc lembra dele? Esteve com eles em Zwickau e na Bomia. Parece que tennflamado o povo e provocado tumultos s com a fora das suas palavras. No certo quue Karlstadt fez seja perdido...

    Quanto ao matrimnio dos padres, a pregao em alemo e coisas assim, no etorno, mas o ordenamento municipal da cidade, no passa. Karlstadt no do tipo qprecia o choque. Voc ver: ao invs de opor-se duramente a Lutero, ir embora. Precisae algum como Mntzer. Quando estava aqui, era mais Lutero que o prprio Luterogora que Lutero est acabado, poderia ser a esperana. Precisaria localiz-lo.

    Temos que perguntar ao Stbner. Ele com certeza sabe de mais alguma coisa.

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    neve e a lama chegam at a canela. O frio penetra nos ossos. Celrio diz que Stbneuase sempre hospede do cervejeiro Klaus Schacht: o santurio ideal para um Isaemo. O incenso um vapor denso com cheiro de cozinhas e de cerveja, os salmos so

    antos arrastados e as imprecaes dos fregueses.Ao redor de uma mesa, uma dzia de pessoas, trs ou quatro estudantes e um gru

    e artesos desleixados. O centro da ateno de todos: um tipo grande com barba vermelcabeleira espessa. Fala sem interrupo, esbofeteando o ar com a mo.

    No jejuem mais como fazem hoje, para que o barulho que vocs fazem seja m

    to. este o jejum que o Senhor deseja, o do dia em que o homem se mortifica? Dobraabea como um junco, usar saco e cinzas como cama, isto que vocs chamam de jejumia bem aceito pelo Senhor? Deus quer um outro jejum: desatar as correntes inquuebrar as amarras do jugo e libertar os oprimidos. Eis o verdadeiro jejum: dividir o po cos que tm fome, acolher na prpria casa os miserveis, os sem-teto, vestir quem est no deixar de olhar o povo. Digam isso quele servo de Melncton...

    Est visivelmente bbedo. Uma homilia dirigida a todos e a ningum, mas aplaudielos fregueses, talvez mais bbedos que o profeta. Quando o orador torna a sentar,alatrio recomea mais tranquilo.

    Aproximo-me. Na mesa h algumas incises. A imagem mais ntida: o Papa praticanodomia em uma criana. Apresento-me como um amigo de Celrio. Sem olhar-me no rosrdena outra cerveja.

    Celrio disse que voc poderia informar-me sobre o que aconteceu com Zwickau...Pega o bocal, toma dois goles que lhe enchem o bigode de espuma. Por que lhe interessa? Porque cansei de Wittenberg.Seus olhos me fitam pela primeira vez, repentinamente lcidos: no estou brincando O irmo Storch insurgiu-se junto com os teceles contra o conselho da cidad

    tacamos uma congregao de franciscanos, jogamos pedras em um catlico insolente

    usemos para correr um pregador...Interrompo-o: Fale-me de Mntzer.Concorda: Ah, Mntzer, fale esse nome baixo, porque Melncton pode cagar-se todo! ri.

    eus sermes incendeiam os nimos de qualquer um. O eco de suas palavras atingiuomia, foi chamado pelo conselho da cidade de Praga para pregar l contra os falsrofetas.

    Ele est contra quem?

    Com o polegar, aponta para trs dele, l fora. Contra todos os que negam que o esprito de Deus possa falar diretamente aomens, s pessoas como eu e voc, ou estes artesos. Contra todos os que usurpamalavra de Deus com discursos sem f. Contra todos os que querem um Deus mudo, qo fala. Contra todos os que professam querer levar ao povo o alimento da alma, deixand

    hes a barriga vazia. Contra os soldos dos prncipes.Leve, um peso que desaparece. O que eu sempre pensei, agora ficou claro.Gostaria de abra-lo, Profeta. E o que pensa Mntzer, de Wittenberg? Aqui no se faz outra coisa, seno falar. A verdade que agora Lutero est nas m

    o Eleitor. O povo est em p, mas onde anda o seu pastor? Engordando em algum cast

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    uxuoso! Creia-me, tudo aquilo pelo qual lutamos, est em perigo. Viemos especialmenara enfrentar Lutero publicamente e desmascar-lo, desde que tenha a coragem de sa sua toca. Por enquanto, desafiamos Melncton. Para Mntzer, pelo contrrio, os doissto mortos As palavras dele so dirigidas somente aos camponeses, que tm sede de vida

    Abandonar os mortos: chegar vida. Sair deste pntano. Onde est Mntzer agora? Andando pela Turngia, pregando o meu olhar suficiente para fazer com q

    ompreenda. No difcil localiz-lo. Sua passagem deixa marcas.

    Levanto-me e pago as cervejas dele. Obrigado. As suas palavras foram preciosas.Antes que eu v, fita-me nos olhos, quase um pedido: Encontre-o, moo... Encontre o Cunhador.

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    Captulo 10

    Wittenberg, maro de 1522

    ndo rapidamente, quase escorrego na lama, meu hlito vai cortando, minha frente, o fmatutino. No ptio da universidade, Celrio est conversando com alguns amigos. Che

    t ele e o arrasto a um canto, deixando os outros emudecidos. Karlstadt est acabado.Sombrio como eu: Bem que eu lhe disse. Afrouxaram a coleira de Lutero. O bom reitor ser enxotado. . Bom demais. Seus dias esto contados. O tempo para que ele leia em meu olh

    determinao, em seguida: Decidi, Celrio. Vou deixar Wittenberg. Nada do que restqui vale a pena de ficar.

    Eu seu rosto, um instante de pnico. Voc tem certeza que a coisa certa a fazer? No, mas estou seguro que a coisa certa no permanecer aqui... Voc ouviu o q

    quele Lutero infame sustenta, desde que voltou?Concorda, de olhos baixos, mas eu prossigo: Diz que dever do cristo obedecer cegamente autoridade, sem nunca erguer

    abea... Que ningum pode se atrever a dizer no... Ele desobedeceu ao Papa, Celrio, apa, Igreja romana! Mas agora, ele o Papa e ningum deve respirar!

    Est cada vez mais sombrio e aviltado, sob os golpes das minhas palavras.

    Deveria ter partido h dois meses com Stbner e os outros. Esperei at demais... Mueria ouvir Lutero falar, queria escutar o que ouvi de sua prpria voz. Oua o que lhe dignica esperana fora daqui. Uma mo voltada para o campo que se estende alm d

    muralhas. Aquele que vem do alto est acima de todos; mas quem vem da terra, pertenterra e fala da terra... Lembra-se disso?

    Sim, as palavras de Mntzer... Vou encontr-lo, Celrio, dizem que est l pelos lados de Halle, agora.Ele sorri, calado, seus olhos esto brilhando. Ns dois sabemos que gostaramos de par

    untos. E sabemos tambm que Martin Borrhaus, chamado Celrio, no o tipo que se jom uma aventura deste gnero.

    Aperta com fora a minha mo, quase um abrao. Ento, boa sorte, amigo meu. E que Deus o acompanhe. At vista. Em um lugar e em um tempo melhores.

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    Captulo 11

    Halle, Turngia, 30 de abril de 1522

    homem que me leva at o Cunhador uma montanha: nuvem escura de cabelos e barue contorna uma cabea de touro, mos enormes de mineiro. Chama-se Elias, segu

    Mntzer desde Zwickau, sem nunca deix-lo, como uma grande sombra protetora. Ulhar para avaliar o que est sua frente: poucos quilos de carne crua, para ser uachador de pedras do Erz. Um estudantezinho com a cabea cheia de conjecturas etim, que pede para falar com Magister Thomas, como ele o chama.

    Por que procura o Magister? perguntou imediatamente.Falei de quando a voz de Mntzer havia deixado Melncton petrificado, e do encon

    om o profeta Stbner.

    Se o irmo Stbner um profeta, eu sou o arcebispo de Mogncia! exclamou coma risada. A voz de Magister, aquela sim que faz voc comprimir os ombros!

    uma casa de artesos. Trs batidas na porta e esta se abre. Uma mulher jovem coma criana no colo. A massa de Elias abre caminho no nico cmodo. Em um canto, uomem barbeando-se de costas para ns, entoando um canto popular que j ouvi em um

    aberna. Magister, temos aqui algum vindo de Wittenberg para falar-lhe.Lmina na mo, ele se vira. Bom. Algum vai me explicar o que est acontecendo naquele esgoto!

    Cabea redonda, nariz grande, olhos brilhantes que transtornam aquele roonacho.Sem hesitar: Agora j no pode acontecer mais nada. Karlstadt foi exilado.Sinal de aprovao, uma confirmao: Quem ele acreditava que estava enfrentando? Atrs de Martinho est Frederico

    gita a faca com raiva. O bom Karlstadt... Pensava em promover reformas na casa leitor! E com a permisso do prprio frade Mentira! Em uma arena de aldeesoutorzinhos que pensam no destino dos homens como um fruto de seus tinteiros... Nero as penas que escrevero as reformas que esperamos. Pela primeira vez pareirigir-se a mim... Lutero e Melncton exilaram voc tambm?

    No. Eu vim embora. E por que veio aqui?O gigante Elias me oferece um banquinho, sento e comeo a parbola do BomKarlsta

    farsa do rapto de Lutero, a chegada dos Profetas de Zwickau.Ouvem com ateno e entendem a minha frustrao, a desiluso com a reforma

    utero, o dio pelos bispos e prncipes amadurecido nos anos. As palavras so aquelas cerafluem aos lbios com facilidade. Concordam circunspectos, Mntzer recoloca a fa

    obre a prateleira e comea a vestir-se. O gigante j no me olha com o mal disfara

    scrnio.Em seguida, o mestre dos humildes apanha a capa e j est porta.

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    Um dia cheio de coisas para fazer! sorri. Continue o relato pelo caminho.Enquanto falo, sei que no nos separaremos.

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    A sacola, as lembranas

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    Captulo 12

    Eltersdorf, outono de 1525

    s msculos entorpecidos pelo trabalho. O frio, cada dia mais intenso, volta a congelar edos, ainda sobre o papel amarelado e amassado: uma caligrafia elegante, legvel sesforo, apesar da luz fraca da vela e das manchas do tempo.

    Ao messer Thomas Mntzer de Quedlinburg, doutor eminentssimo, pastor cidade de Allstedt.

    A bno de Deus antes de mais nada, para aquele que leva a palavra do Senhaos humildes e empunha a espada de Gedeo contra a impiedade que nos cerca

    saudao de um irmo que pde escutar da viva voz a orao do Mestre, sepoder abandonar o crcere de cdigos e pergaminhos em que o destino o confino

    O homem que percorreu o labirinto desses corredores, procura do sentimximo da Escritura, sabe quo profundo e triste esse possa ser, quando tal sentinos abandona. Eis que os dias morrem um depois do outro, e com elesconhecimento, reservado a poucos, e a nitidez da Palavra turvada pelos m

    Spalatinos que fazem desses meandros a fortaleza e desses livros a muralha privilgio dos prncipes. Se por encantamento as nossas vidas fossem trocadas e estivesse em Allstedt com os camponeses e os mineiros, e o senhor com o ouvi

    encostado a estas portas que deixam passar as muitas intrigas impingidas pcaridade e amor a Deus, tenho certeza que no tardaria em escrever-me paincentivar-me a empunhar o chicote contra esses mercadores da f. Portanto, eno duvido que entender o motivo que me impulsionou a pegar a caneta.

    As palavras do apstolo so confirmadas: o mistrio da iniquidade j espresente, mas necessrio afastar quem o mantm at agora (2 Ts 2, 7).sacrlega aliana entre os mpios governantes e os falsos profetas prepara as su

    fileiras, o acosso de grandes eventos incita os eleitos a manter-se firmes na f epreparar-se para defend-la a qualquer custo.

    O homem inquo, o apstata, senta no templo de Deus e, de l, difunde a faldoutrina. Assim, um daqueles Mdicis de Florena, Jlio, acomodou-se no trono

    Roma, como Clemente. No deixar de prosseguir com a destruio de Cristo enome dEle, como e mais que os precederam.

    Roma perscruta seu prprio umbigo e no v adiante, surda para trombetas que ao redor anunciam o seu assdio. Afundada no pecado que ofuscaseus sentidos, ser incapaz de opor-se a quem saber dar um novo impulso e a ldo Esprito Santo ao caminho da reforma da Igreja.

    E esta exatamente a grande aflio, messer Thomas: quem carregarfardo da espada para trespassar os mpios?

    O Frade Martinho exibiu a sua verdadeira face de soldado dos prncipmiservel tarefa ocultada por muito tempo. No ser portanto Lutero quem leva

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    o Evangelho ao homem comum, no aquele que expulsou Karlstadt e recebe cadia a homenagem dos poderosos da terra. O fim dos reinantes alemes fdeclarado. No a f que preenche os coraes deles e lhes dirige as aes, massofreguido do lucro. Apropriam-se da glria e da adorao ao Altssimotransformam os sditos em miserveis idlatras.

    Somente as palavras que tive o privilgio de ouvir de sua voz infundiranovamente a esperana no meu corao, junto com as notcias que chegam

    Allstedt. A nova liturgia que, por mrito seu e de seus doutssimos escritos, ago

    inaugurada, o incio do despertar. A palavra de Deus pode finalmente atingir seus eleitos e recuperar todo o esplendor. Qual melhor sinal que o senhor intrprete da vontade dEle? O que mais, seno o squito espontneo que obtm

    Dos humildes que erguem a cabea e vo ao encalo da redeno prometida pEle?

    Eis que, pelo que se refere ao senhor, peo que se mantenha firme sem nundesanimar; quanto a mim, deste meu posto avanado, no futuro tratarei transmitir-lhe toda notcia que possa verter para a maior glria de Deus.

    Na certeza que a proteo do Altssimo o acompanhar sempre,

    Qono dia 5 de novembro de 15

    obro novamente a folha e assopro a vela. Deitado com os olhos abertos no escuro, acenovamente o fogo da capela de Mallerbach.

    Estvamos em Allstedt h um ano, Magister Thomas havia sido chamado pelo consela cidade. Cada Domingo, os seus sermes aliviavam todos os coraes e, naqueles dioderamos fazer qualquer coisa: acima de tudo revidar contra os franciscanos de Neudosurrios imundos que exploravam os camponeses. Teramos feito justia por todos os ane comilana s custas daqueles coitados.

    ntes a saqueamos, depois dois feixes, um pouco de resina e a igrejinha j est senonsumida pelas chamas. Enquanto ficamos esperando que caia de uma vez, chegam derviais de Zeiss, o cobrador, avisados pelos frades. Jogam-se logo no poo, cada um coois baldes: s o patro estalar os dedos, e eles entrariam nas chamas do inferno. Antue eles joguem uma s gota, samos da sombra, negros de fuligem, barras na mo:

    Se eu fosse vocs, cuidaria do bosque... Aqui no h mais o que fazer.Dez contra dois. Eles nos olham. Olham-se. Largam os baldes e vo embora.

    s chamas desvanecem, viro-me na cama. A cara daquele porco, do Zeiss, aflora scurido. O cobrador de impostos por conta do Prncipe Eleitor. Aquelas chamas tinhaueimado tanto o seu traseiro, que chamara gente de fora para descobrir os incendiri

    Muito bem, Zeiss! A cidade invadida por estrangeiros armados? Nada melhor para atiarovo contra voc. Basta pronunciar o nome Mntzer uma s vez, para que os anjos uarda dele apaream: uma centena de mineiros com ps e picaretas que saem das vsce

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    a terra e o arrastam para baixo. As mulheres da cidade que querem castr-lo. As coisstavam escapando de sua mo: como uma criana assustada, voc se agarrou s saias

    mame e foi chorar junto ao Eleitor. Imagino a cena: voc arrastando-se e procuranxplicar como perdeu o controle da cidade e Frederico, o Sbio, admoestando-o.

    ZEISS: Sua Graa, com a sua bem sabida previdncia, j deve ter imaginado o motida visita do seu servidor...

    FREDERICO: Imaginei, Zeiss, imaginei. Mas a minha previdncia no tem motpara ser incomodada. J h algum tempo no esto chegando de Mansfeld outrnotcias a no ser queixas sobre a sua aldeia de Allstedt. Dizem que o novo pregadesteja dando muito trabalho. Alis, foi justamente o senhor quem no me avisou chegada dele em sua parquia. Espero que os danos que da decorreram lhe ensinemmelhorar a sua perspiccia.

    ZEISS: Sua Graa sabe que a responsabilidade no foi minha: o conselho da cidadecidiu no comunicar-lhe a escolha de messer Thomas Mntzer. O senhor bem saque, de minha parte...

    FREDERICO: No tente desculpas, Zeiss! Saiba que diante deste trono terminajogo de empurra. No fundo, aquele Mntzer, a mim pessoalmente, nunca dnenhum aborrecimento. O fato que, em Turngia, h gente demais cheia de si. AnLutero reprime furiosamente Spalatino, para que coloque na linha esse pregador qno o respeita suficientemente, depois o conde de Mansfeld me escreve que o conseldo senhor defende um instigador que o insultou abertamente. Depois, o qu mais?

    ZEISS: Bem, h o fato que vim relatar-lhe, exatamente. Mas o senhor j deve esciente de alguma coisa, ainda que os acontecimentos da nossa cidade no sejam, cocerteza, to relevantes.

    FREDERICO: E ento? Disseram que queimaram uma pequena capela no campZEISS: Tratava-se, para sermos exatos, da capela da Santa Virgem de Mallerbac

    na estrada entre Allstedt e Querfurt, propriedade dos franciscanos do convento Neudorf. Durante a cerimnia dominical, roubaram o sino e, no dia seguinte, atearamfogo. Mandei dois homens de confiana apagar o incndio, mas eles s ficaram olhane depois declararam que haviam-se mantido distncia para proteger o bosque dchamas, pois a capela j estava perdida.

    FREDERICO: At aqui, nada de novo. Os frades de Neudorf foraparticularmente pedantes ao descrever a situao, quando pediram a mininterveno. Se eu no estiver mal lembrado, escrevi-lhe pedindo que no precipitas

    os eventos, que procurasse um responsvel qualquer, mantendo-o detido por um diapagando-lhe um valor simblico como ressarcimento. Aqueles frades deveriaentender que sou, claro, um defensor da f, mas no simpatizo muito com quem mengana na cobrana das taxas!

    ZEISS: Mas todos, na cidade, sabiam que os incendirios eram os aclitos pregador. Imagine, Sua Graa, que fundaram uma liga, chamada Liga dos Eleitostm armas. Era difcil evitar o choque direto e manter a dignidade...

    FREDERICO: Ento a responsabilidade disso tudo deve ser imputada a esMntzer?

    ZEISS: Certamente... e sua mulher, aquela Ottilie von Gersen! Quando procuum culpado, foi especialmente aquela bruxa quem desencadeou a populao to

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    contra mim.FREDERICO: Agora, at as mulher esto metidas nisso...ZEISS: Pelo que tenho observado, uma doida varrida, digna do marido que te

    Desperta a maior admirao das outras mulheres e dos homens.FREDERICO: Resuma, Zeiss, como acab