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1 PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES Psicoterapia de grupo: as primeiras sessões com adolescentes em violação de direito Glenda Fernandes Nascimento Magalhães Marta Carmo Pontifícia Universidade Católica de Goiás Goiânia, 2016.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Psicoterapia de grupo:

as primeiras sessões com adolescentes em violação de direito

Glenda Fernandes Nascimento Magalhães

Marta Carmo

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Goiânia, 2016.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Resumo

Este estudo investigou elementos que favorecem o processo de inclusão de adolescentes com

direitos violados em uma psicoterapia de grupo, com ênfase na Gestalt-terapia. As sessões em

grupo ocorreram no Centro de Pesquisa e Práticas Psicológicas (CEPSI) da Pontifícia

Universidade Católica de Goiás e em parceria com os adolescentes do Projeto ViraVida

vinculado ao SESI. Dos atendimentos realizados, utilizaram-se as três primeiras sessões para

analisá-las segundo o método da análise categorial de Bardin. O método desenvolveu-se em

três pólos cronológicos, sendo: a primeira fase uma leitura flutuante dos discursos dos

participantes; a segunda fase versou na exploração das informações levantadas,

transformando-as em categorias; e a terceira fase referiu-se ao tratamento do material dos

resultados e a interpretação destes, seguindo os objetivos da pesquisa. Ao final da aplicação

da análise de conteúdo, obtiveram-se três categorias temáticas: a autorrevelação e a

universalidade como favorecedoras do processo grupal; atitudes de inclusão no processo

grupal e latência das emoções em comportamentos expressivos. Observou-se que a

autorrevelação e a universalidade, o acolhimento e o respeito, e as emoções foram

fundamentais, tanto no processo de inclusão destes adolescentes, quanto para o surgimento de

temas que remetem à violação de direitos no grupo psicoterápico. Compreende-se que este

trabalho possibilitou o senso de pertença dos adolescentes nas primeiras sessões do grupo,

bem como a ampliação do conhecimento teórico/prático na formação da estagiária de

Psicologia.

Palavras-chave: psicoterapia de grupo, adolescentes com direitos violados, gestalt-terapia,

análise de conteúdo.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Psicoterapia de grupo:

as primeiras sessões com adolescentes em violação de direito

Para a Gestalt-terapia, de acordo com Hycner (1995), a existência humana é

inerentemente relacional. Ao assentar nesta premissa, vale ressaltar a importância de

compreender a psicoterapia de grupo como o locus, em que se pode presenciar a relação viva

entre os seus componentes, a qual ocorre à vista do psicoterapeuta. Observa-se que a

psicoterapia de grupo, norteada pela Gestalt-terapia, se propõe a entender e perceber o grupo

na sua totalidade, respeitando as diferenças do sujeito bem como a realidade do grupo em si

(Ribeiro, 1994).

Uma melhor compreensão da temática deste artigo requer a retomada dos conceitos de

grupo e psicoterapia de grupo. O dicionário Aurélio (2001) define grupo como uma reunião

de pessoas, uma pequena associação de pessoas unidas para um fim comum, ou um grupo

social com entidade e vida própria e se considera como um todo. Rehfeld (1993) faz

descrição fenomenológica: “grupo é mais de um” (p. 8).

Para Kepner (1980), o grupo tanto recria o ambiente psicossocial como é capaz de

modificá-lo de maneiras diferentes. Assim sendo, Andrade (2007) ressalta que o grupo

psicoterapêutico é uma microrrepresentação social capaz de trabalhar as interações

interpessoais, de forma que uma pessoa contribui para a criação da outra. A autora destaca

que a presença do outro é por si só impactante.

De acordo com Zinker (2007), o grupo permite enxergar de que forma se pode

reinventar e resolver os problemas de diversas maneiras. O autor apresenta os objetivos

grupais para o processo psicoterápico, dos quais se destaca: assumir a autoria da fala e dos

comportamentos; compartilhar a experiência presente ao estar no grupo, a fim de partilhar

sentimentos, pensamentos e sensações; responsabilizar-se por si; falar diretamente com a

pessoa a quem se dirige; e respeitar o espaço psicológico do outro.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Nota-se que a psicoterapia de grupo proporciona benefícios significativos, uma vez

que o psicoterapeuta identifica os aspectos cruciais de mudança do cliente e cria estratégias

necessárias para moldar a experiência grupal. Dessa forma, o psicoterapeuta utiliza a

problemática de um dos membros do grupo, com vista a maximizar a vivência de diferentes

clientes e em diferentes cenários (Yalom & Leszcz, 2006). Os autores reiteram que a

mudança psicoterapêutica é um processo complexo que ocorre por uma interação intrincada

de experiências humanas.

Andrade (2007) ressalta que a psicoterapia de grupo funciona como um facilitador a

mais para que o cliente desenvolva sua capacidade de relacionar-se. Yalom e Leszcz (2006)

elencam onze fatores terapêuticos correlacionando-os às experiências psicoterápicas.

Selecionou-se três aspectos, tendo em vista que esses fatores são preponderantes nos

momentos iniciais do processo terapêutico, o qual é foco deste trabalho:

1. Universalidade: considera-se que certos denominadores comuns são evidentes entre

os membros do grupo psicoterápico;

2. Altruísmo: a psicoterapia de grupo oferece aos participantes a oportunidade de

beneficiar outros, de modo que proporcionem apoio e compartilham problemas entre si;

3. Desenvolvimento de técnica de socialização: refere-se ao desenvolvimento de

habilidades básicas sociais como fator terapêutico que opera em todos os grupos;

Diversos autores discutem, por meio de suas observações, as fases pelas quais os

grupos se desenvolvem. Assim, faz-se necessário citar alguns teóricos que contribuíram no

estudo da taxonomia dos grupos psicoterápicos.

Shultz, citado por Castilho (1992) e por Ciornai (2015), propõe o estudo do processo

grupal em quatro fases, sendo: fase da inclusão, fase do controle, fase da afeição e a fase da

separação. As autoras relatam que a fase da inclusão é a etapa inicial do grupo, uma vez que

ele é novo e os participantes ainda não se conhecem. Yalom e Leszcz (2006) referem-se à

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primeira reunião como um momento de inclusão, cujo propósito é explicitar aos participantes

o propósito pelo qual entraram para o grupo.

Kepner (1980) nomeia a primeira fase de identidade e dependência, uma vez que os

membros buscam identificar como são recebidos e acolhidos por cada integrante do grupo,

incluindo o psicoterapeuta. A autora ressalta que esta fase destina-se ao estabelecimento do

contrato (horário de início e término; definição do grupo aberto, fechado ou semiaberto;

sigilo; propósito do grupo; identificação; faltas não justificadas e esclarecimento de dúvidas).

A segunda fase, Yalom e Leszcz (2006) nomeiam-na de conflito, dominação e

rebeldia. Para Castilho (1992) e Ciornai (2015), essa etapa é conhecida como fase do controle

e a consideram como conturbada, uma vez que o grupo não consegue extrair toda a confiança

dos seus membros.

A terceira fase é a de maior produtividade do grupo, visto que o grupo avançou na

relação de confiança mútua e na definição dos papéis de cada membro (Castilho, 1992;

Kepner, 1980). Castilho (1992) e Yalom e Leszcz (2006) descrevem a última fase como o

desenvolvimento da coesão, uma vez que o mundo interpessoal do grupo é de equilíbrio,

ressonância e sua principal preocupação é com a intimidade e a proximidade.

Observa-se que cada grupo passa por um desenvolvimento singular (Yalom & Leszcz,

2006). Sendo assim, os autores ressaltam que “pacientes que lidam com estigma, isolamento

social e aqueles que procuram novas habilidades de enfrentamento se beneficiam com a

psicoterapia de grupo” (p. 61).

Percebe-se a necessidade de repensar nas práticas do grupo psicoterápico visto como

um sistema na totalidade, a fim de responder às necessidades de uma clínica que seja

comprometida com o sujeito e sua capacidade de produção de vida (Cambuy & Amatuzzi,

2012). Assim sendo, Brito (2015) destaca que o modelo de trabalho grupal propicia

resultados na clínica ampliada. Desse modo, reitera a autora, desenham-se os contornos de

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uma prática clínica da Gestalt-terapia, a qual faz interface com a psicologia social, como é o

caso deste trabalho.

Dutra (2008) salienta que a psicologia clínica, inicialmente, não tratava dos

determinantes sociais, uma vez que focava somente no indivíduo, deixando de fora seu

contexto social. Nos últimos anos, fez-se necessário uma reestruturação e criação de novos

dispositivos de atenção à saúde mental a fim de atender às novas exigências da reforma

psiquiátrica bem como da ênfase dada à atenção primaria em saúde do Brasil (Brito, 2015).

Dessa maneira, Dutra (2008) define clínica ampliada como “prática que se propõe a

acolher e escutar o sofrimento humano” (p.226). A autora cita os desafios e demandas

advindas do contexto social como um todo, e a mobilização do psicoterapeuta a fim de

possibilitar a escuta e o acolhimento. Nota-se que a Gestalt-terapia promove uma clínica

psicossocial e integra a estruturação psíquica com o pertencimento social, ajustando-se a essa

nova demanda (Brito, 2015).

No atendimento psicoterápico com adolescentes com direitos violados, o acolhimento

é fundamental e constitui um fator determinante para a continuidade no processo, assim como

para a adesão no grupo (CFP, 2009). Para tanto, o conhecimento de mudanças esperadas no

desenvolvimento biopsicossocial do adolescente pode servir para uma compreensão mais

adequada do impacto das intervenções no atendimento psicoterápico (Jardim, Oliveira &

Gomes, 2005). Nesse sentido, Papalia e Feldman (2013) descrevem a adolescência como a

passagem da infância para a vida adulta e um momento de importantes alterações físicas

(maturidade reprodutiva), cognitivas (capacidade de pensar em termos abstratos, o

pensamento imaturo persiste em algumas atitudes e comportamentos) e psicossociais (busca

pela identidade e identidade sexual, presença dos amigos e grupos/turmas e bom

relacionamento com os pais) inter-relacionadas. Zanella e Antony (2016) consideram essa

fase como um momento de indagações em relação à profissão, personalidade e sexualidade.

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A delimitação dessa fase de vida não é mensurável pela quantidade de anos. Todavia,

a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Organização Mundial da Saúde (OMS)

(1990) e Ministério da Saúde (1989) delimitam a adolescência entre os 10 e os 19 anos

(Assis, Deslandes & Santos, 2005). Contudo, para este trabalho utilizou-se a delimitação do

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que compreende a adolescência entre 12 e 18

anos de idade (Eisenstein, 2005).

De acordo com Dias (2009), a identidade adolescente é vista como crítica e

problemática numa compreensão singular e desempenha papéis diversificados no sistema

social. Desse modo, o quadro de extrema desigualdade existente na sociedade brasileira

potencializa a desestruturação das famílias e ameaça fortemente o desenvolvimento das

crianças e adolescentes (Assis et al., 2005).

Para Papalia e Feldman (2013), os adolescentes enfrentam hoje vários perigos para o

seu bem-estar físico e mental. Sendo assim, Minayo (2005) salienta que o quadro de

desigualdade no Brasil ameaça fortemente a realização do potencial dos adolescentes.

Segundo os dados do estudo Mapa da Violência 2015, as mortes por causas naturais entre os

adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil diminuíram significativamente desde a década de

1980, em contraste com o aumento por causas não naturais, entre as quais se destaca a

disparada no número de mortes por homicídios. Como aponta os dados da UNICEF 2011,

cerca de 70 milhões de adolescentes, devido às coações, estavam fora da escola por motivos

de exploração, conflitos violentos, abusos, gravidez e parto precoce. Na mesma pesquisa, as

injustiças matam 400 mil desses casos a cada ano.

Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), violência é o uso intencional da força

ou poder, real ou ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou grupo, que resulte ou

tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de

desenvolvimento ou privação (Dahlberg & Krug, 2007, p.1165). O Ministério da Saúde

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define violência como qualquer ato ou omissão de pais e/ou responsáveis, familiares,

instituições e a sociedade em geral, que redunde em dano emocional, físico, sexual e moral às

vítimas. Como consequência, os danos mentais e emocionais, as lesões, os traumas e as

mortes causadas por violências correspondem a altos custos psicológicos e sociais para as

vítimas e seus familiares (Minayo, 2006).

Minayo (2005) destaca que a violência se trata de um complexo e dinâmico processo

biopsicossocial, e seu desenvolvimento se refere à vida em sociedade. Assis et al. (2005),

descrevem que as violências acometidas em crianças e adolescentes são descritas como

negligência (omissão por parte dos pais, responsáveis ou instituições), abuso físico, abuso

sexual e abuso psicológico.

Nesse sentido, viu-se a necessidade de criar no Brasil um regulamento que legitima e

resguarda os direitos da criança e do adolescente. Fruto da luta da sociedade, o Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA) é assegurado pela Lei nº 8.069, aprovada em 13 de julho de

1990. Veio para resguardar a todas as crianças e adolescentes o tratamento e o apoio com

atenção, proteção e cuidados especiais a fim de se desenvolverem e se tornarem adultos

conscientes e participativos do processo inclusivo. O ECA tornou-se um marco jurídico e

social no Brasil ao reconhecer a criança e o adolescente em sua condição de cidadão,

possuidor de direitos e deveres singulares ao dos adultos (ECPAT International, 2014).

O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma ser dever de todos – Estado, família e

sociedade – livrar e proteger a criança e o adolescente de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O ECA trata a assistência social

como política pública que deve ser universalizada, com garantia de qualidade e integrada às

demais políticas públicas setoriais, no processo de construção da Rede de Proteção Social

(Bezerra, 2006).

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Assim, o atendimento psicoterápico em grupos com abordagem gestáltica pauta-se

nas sessões iniciais em acolher o adolescente e sua família, bem como levantar a demanda

inicial, atentando-se para as situações de emergência que possam surgir em alguns casos

(CFP, 2009). Juliano (2009) ressalta que os indivíduos que aderem à psicoterapia iniciam o

atendimento devido a situações traumáticas e dolorosas, que provocam emperramentos e

paralisias no seu fluxo vital.

Dessa maneira, percebe-se a importância da atuação do psicólogo junto à

adolescência, alicerçado em pressupostos compreensivos, que possibilite a esse adolescente

consciência de sua forma de ser-no-mundo e de que ele é um ser-com-o-outro, ou seja,

reconhecendo que se constitui na sua convivência com o outro. Nesse sentido, resgata-se o

que fora proferido por Sartre (2005), e que se interpreta da seguinte maneira: o que importa

não é o que foi feito com uma pessoa, mas o que ela pode fazer ao significar e ressignificar,

alicerçada no que lhe aconteceu no decorrer de sua vida.

Este trabalho se baseou nas sessões iniciais de um grupo psicoterápico, em que se

selecionaram participantes com aspectos de violação de direito nas triagens da Clínica-escola

(CEPSI) da PUC Goiás e do Projeto ViraVida, vinculado ao SESI sob o atendimento de duas

estagiárias de Psicologia.

Assim sendo, o objetivo geral deste artigo é compreender como ocorre o processo de

formação de grupo psicoterápico com adolescentes que tiveram os direitos violados. De

forma mais específica, o presente estudo tem o objetivo de investigar a importância das

primeiras sessões da psicoterapia de grupo para estes adolescentes, compreender aspectos que

favorecem ou não a inserção de adolescentes em situação de risco e, por fim, verificar se o

grupo pode ou não favorecer o desenvolvimento pessoal do adolescente. Para tanto, uma

questão norteou este trabalho: como adolescentes com direitos violados conseguem ou não

fortalecer o senso de pertença ao grupo psicoterápico nas sessões iniciais do processo grupal?

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Percebeu-se a importância desse estudo para o incentivo e ampliação do

conhecimento teórico/prático do atendimento em psicoterapia de grupo com adolescentes em

situação de violação de direito na formação dos estagiários de Psicologia Clínica da

Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Nesse sentido, este trabalho vinculou-se ao

projeto de pesquisa “Psicodiagnóstico e Psicoterapia: formação do psicólogo (a)-estagiário

(a) no atendimento ao público infanto-juvenil com direitos violados”, aprovado pelo Comitê

de Ética da PUC Goiás sob o número: 058494/2016.

Método

Participantes

Participaram deste estudo cinco adolescentes do Centro de Estudos e Pesquisa PUC

Goiás (CEPSI), os quais serão identificados pelos nomes fictícios: Beatriz, 16 anos;

Carlos, 16 anos; Clara, 15 anos; Marcos, 13 anos e Sara, 17 anos.

Materiais

Utilizou-se um consultório, as três primeiras sessões do grupo psicoterápico, bem

como lápis de cor, giz de cera, gravador, canetas para anotação, folha A-4 e notebook.

Procedimentos

No segundo semestre de 2016, foi decidido que as estagiárias em Clínica com

ênfase na Gestalt-terapia e juntamente com a orientadora, fariam atendimentos

psicoterápicos em grupo com os adolescentes do projeto ViraVida do SESI. Esse projeto,

organizado pelo SESI, oferece capacitação profissional e atendimento psicossocial a

adolescentes em situação de violência. O projeto está presente em 16 estados e chegou a

Goiás em 2013.

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Inicialmente, a professora orientadora participou de reuniões com as organizadoras

do projeto e propôs uma mobilização com os adolescentes, a fim de esclarecer o papel do

psicólogo e desmistificar a prática clínica. Conduziram-se os interessados a fazer triagens

com as estagiárias e informados de que os atendimentos ocorreriam no CEPSI.

A professora orientadora separou as estagiárias em duplas, sendo uma do estágio

supervisionado I e a outra do II, para conduzirem os atendimentos psicoterápicos dos

grupos. As estagiárias, que serão chamadas de PT¹ e PT², selecionaram dez participantes

do ViraVida e, por telefone, propuseram os atendimentos em psicoterapia de grupo, dos

quais, um teve interesse e os demais justificaram a indisponibilidade ou o desinteresse no

grupo. Viu-se a necessidade de selecionar outros participantes e as estagiárias convidaram

sete pacientes das triagens realizadas no CEPSI, dos quais quatro concordaram em

participar do grupo.

As estagiárias agendaram com os participantes, entrevistas explicativas sobre o

propósito do grupo e como ocorreriam os atendimentos e colheram as assinaturas dos pais

ou responsáveis legais no termo de consentimento para viabilizar a participação dos

adolescentes no grupo psicoterápico e na participação da pesquisa. Os atendimentos

ocorreram semanalmente, com sessões de uma hora e meia de duração e gravadas

mediante autorização prévia dos participantes. O grupo teve seis encontros até a montagem

deste trabalho, dos quais foram selecionados os três primeiros para serem transcritos,

categorizados e analisados.

O instrumento escolhido neste estudo se refere à análise de conteúdo categorial

temática. Bardin (2004) a define como um conjunto de técnicas de análise das

comunicações, cujo objetivo principal é analisar as diferentes fontes de conteúdos (verbais

ou não-verbais). A autora propõe a análise considerando três pólos cronológicos, quais

sejam: pré-análise, exploração do material, e tratamento dos resultados e interpretação.

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A primeira fase refere-se à organização propriamente dita, com uma leitura

flutuante dos discursos dos participantes. A segunda fase diz respeito à exploração do

material, processo por meio do qual os dados brutos são transformados em categorias. A

terceira e última fase refere-se ao tratamento dos resultados, de modo que as categorias

representem uma reconstrução do discurso na lógica do pesquisador (Bardin, 2004).

Resultado e Discussão

O presente trabalho versa a respeito das primeiras sessões de psicoterapia de grupo de

adolescentes que tiveram os direitos violados. Os teóricos de psicoterapia de grupo (Yalon &

Leczsz, 2006; Ribeiro, 1994; Ciornai, 2015; Kepner, 1980; Delacroux, 2009; Castilho, 1992),

destacam a importância das primeiras sessões para evolução do processo grupal. Assim

sendo, realizou-se análise de conteúdo dos discursos, o qual possibilitou encontrar nos relatos

coletados três categorias temáticas: a autorrevelação e a universalidade como favorecedoras

do processo grupal, atitudes de inclusão no processo grupal e latência das emoções em

comportamentos expressivos. Os resultados serão apresentados por meio de porcentagem e

gráfico representativo que foram contemplados na Figura 1 e com recortes dos atendimentos.

Figura 1: Gráfico representativo da análise categorial.

1. A autorrevelação e a universalidade como favorecedores do processo grupal

Esta categoria obteve o maior escore dentre as três analisadas, corresponde a 47% dos

relatos e equivale a 496 dos fragmentos de discursos. Este grupo psicoterápico possibilitou a

47% - 496 discursos

31% - 325 discursos

22% - 237 discursos

A Autorrevelação e a Universalidade comofavorecedoras do processo grupalAtitudes de inclusão no processo grupal

Latência das emoções em comportamentosexpressivos

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identificação de alguns fatores terapêuticos que favoreceram o aparecimento de conteúdos

difíceis de trabalhar nas três primeiras sessões. Como destaca Juliano (2009), os assuntos

superficiais trazem leituras surpreendentes do outro lado da história, uma vez que eles

funcionam como elemento estimulador no processo de inclusão dos adolescentes.

Percebeu-se nas sessões iniciais a difícil tarefa de criar um vínculo entre os

integrantes. Assim, propôs-se na primeira sessão uma atividade em folha chamex contendo

um desenho humano a ser preenchido em conformidade com o “como” eles estavam se

sentindo, o que estavam pensando e o que eles tinham vontade de fazer naquele momento

específico. Em seguida, cada adolescente se apresentou para os demais. Ressalta-se que nesta

sessão compareceram três dos cinco integrantes do grupo.

A proposta possibilitou a identificação dos adolescentes, além de discussões acerca da

idade, escola, gostos alimentares e moradia. Nesse sentido, analisou-se na primeira sessão

que essa atividade potencializou o aparecimento de temas relacionados à violação de direito,

como se vê no trecho:

Carlos: Vocês moram aqui, tipo, no setor ou próximo?

Beatriz: A gente mora no Jardim Goiás no... no... na Casa da criança e do

adolescente Vida que Segue.

Carlos: Ah.

Beatriz: Tipo um abrigo.

E em outro momento da mesma sessão, Beatriz complementa sua fala anterior:

Beatriz: Mas assim ó, lá também é uma casa de acolhimento com as adolescentes que

tem conflito com a família e de conviver.

Beatriz revela seu contexto social ao informar que atualmente reside numa casa de

acolhimento para adolescentes em conflito familiar. Compreende-se que a discussão sobre

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moradia, assunto que para o grupo parecia superficial, favoreceu o surgimento de um

conteúdo difícil de lidar na primeira sessão.

Tal revelação favoreceu o discurso de Clara. Ela relatou uma situação da sua vida e

que remete a um conteúdo de violação de direito, conforme o trecho:

Beatriz: Vamos mostrar o desenho?

Clara: Ó o meu desenho!

(Risos)

Clara: O meu tá horroroso... (Risos)

Beatriz: Ficou legal, pulando essa parte (Risos). Ficou legal minha frase.

Clara: O meu é “A vida não é feita de... a vida não é feita de brinquedo”.

Beatriz: Hã?

Clara: Hum? [...]

Clara: Eu tava pensando que a vida não é feita de brinquedo, porque no meu

aniversário eu não ganhei nenhum brinquedo. É, acho que só.

Como destaca Ribeiro (1994) o grupo é uma escola de humanização, capaz de

transformar por meio da escuta, do posicionar e do arriscar-se a compreender o processo de

significação do viver e do responsabilizar-se. Destaca-se que o fator terapêutico, presente nos

discursos de Beatriz e Clara se refere ao desenvolvimento de habilidades básicas sociais, ao

abordarem parte do seu contexto social (Yalom & Leszcz, 2006).

A primeira sessão do grupo ofereceu suporte para que os conteúdos relatados fossem

trabalhados e respeitando os limites que cada integrante noticiou, seja no discurso ou nas

expressões. Além disso, a sessão inicial abriu caminhos para a discussão de diversos temas e

possibilitou o compartilhamento das semelhanças encontradas no contexto grupal. Kepner

(1980) define esse contexto como a primeira fase do grupo, em que os membros buscam

identificar como são recebidos e acolhidos por cada integrante.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Percebeu-se que esse encontro inicial proporcionou benefícios significativos na

experiência grupal. Um deles se refere à universalidade, descrito por Yalom e Leszcz (2006),

que identifica os indivíduos na singularidade dos pensamentos, servindo como fonte de

alívio, ao perceberem certas semelhanças entre si. Os autores reiteram que, apesar das

complexidades dos problemas, certos denominadores comuns são evidentes entre os

indivíduos, e os membros do grupo psicoterápico logo percebem suas semelhanças. Assim, a

universalidade é um elemento aglutinador, pois transforma os aspectos negativos em

oportunidade de apoio mútuo (Motta, 2001). Como se vê nos trechos da segunda sessão:

PT¹: Como que toca de ouvir o Carlos falar de algo que tá deixando ele sofrendo?

Beatriz: Eu fico curiosa dele ter tido a coragem de falar.

PT¹: Fala isso pra ele. [...]

Beatriz: Eu fico curiosa (Risos) de você... [...] Ter tido a coragem de falar de algo seu

assim... Algo íntimo pra todo mundo.

Carlos: Ah, eu... Esse negócio tava preso dentro de mim, então eu... O que eu tenho

pra falar eu falo. E eu sei que você vai me ajudar... Você e a menina (PT¹ e a PT²), a

esquecer...

PT¹: Alguém se identifica com o Carlos? Com essa situação de se envolver com

alguém e depois ser machucado depois?

Beatriz: Hummm ... (Risos)

Clara: (Risos)

Destacou-se nos trechos relatados que Carlos viu no grupo uma possiblidade

psicoterapêutica de externalizar um problema em busca de solução. No caso de Beatriz e

Clara, elas demonstraram por meio das expressões (“risos” e “hum”) que se identificaram

com o discurso de Carlos, mas naquele momento não sentiram confiança de aprofundá-las.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Na terceira sessão, os adolescentes demonstraram maior acessibilidade em

descreverem suas opiniões e sensações. Um dos temas apresentados foi tristeza, ao que se

percebeu momentos de compartilhamento e semelhança nos discursos de Carlos e Sara:

PT¹: Como que é ouvir o Carlos falar um pouco de que ele tá triste, mas tá passando

bem pela tristeza, do Marcos também falar que passou por um momento difícil e tá

triste hoje.

Sara: Ah tipo... Não sei, mas, eu não costumo ficar tipo muito triste, não mostrar pros

outros, mas eu acho que eu fico de boa também.

PT¹: Você sente, mas você não demonstra.

Sara: Eu só fico na minha mesmo.

PT¹: Você se identifica então com o Carlos?

Sara: É, às vezes eu meio que fico rindo, você (Carlos) falando ai... [...]

PT¹: Rindo, então você se identifica com o Carlos de novo? Você consegue falar pra

ele que se identifica?

Carlos: (risos)

Sara: É... Eu faço isso às vezes.

Os relatos demonstraram que o compartilhamento de Carlos favoreceu o contexto

grupal, de modo que Sara conseguiu se identificar e perceber as semelhanças. Nesse sentido,

foi possível encontrar integrantes que se envolveram com as discussões do grupo e souberam

expressar e descrever aquilo que pensaram e sentiram; e outros que expressaram, mas no

momento não demonstraram. Como ressalta Andrade (2007), cada pessoa do grupo é

trabalhada, às vezes se pronunciando e às vezes ficando em silêncio. Vendo a dor do outro,

pode-se perceber a própria dor. É um momento em que as pessoas se ouvem, se olham e se

sentem.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

2. Atitudes de inclusão no processo grupal

Esta categoria obteve escore de 31% dos relatos e equivale a 325 relatos discursivos.

Verificou-se que os aspectos relevantes nesta categoria se referem às atitudes dos integrantes

na sua singularidade e os conteúdos trabalhados como favorecedores da inclusão. Como

destacam Yalom e Leszcz (2006), cada grupo passa por um desenvolvimento singular. O

grupo em questão foi almejado com o propósito de atender adolescentes com direitos

violados e compreender como e o que possibilitou a eles prosseguirem a psicoterapia. Sabe-se

que os adolescentes nessa posição geralmente se encontram fragilizados, podendo apresentar

dificuldades de confiar no outro (CFP, 2009).

Desse modo, o caminho encontrado para acessar estes adolescentes se deu ante a

possibilidade de acolhê-los, escutá-los e confirmá-los em cada relato, expressão ou emoção.

Como descreve Castilho (1992) e Ciornai (2015), o processo de inclusão é a etapa inicial do

grupo, uma vez que ele é novo e os participantes ainda não se conhecem. Percebeu-se essa

dinâmica com Clara nas duas primeiras sessões, sendo que na primeira ela relata sua

felicidade de estar no grupo, mas não conseguiu descrevê-la e na segunda ela citou e

descreveu a expectativa de outros participantes se juntarem ao grupo. Como se vê no trecho

da primeira sessão:

Clara: Bom, meu nome é Clara, todos já sabem, tenho 15 anos. Cheguei muito feliz,

meu sorriso do coringa.

PT¹: Ahhh super super. E o que te traz tanta felicidade?

Clara: É... Alguma coisa me deixa feliz, mas não sei o quê que é.

E na segunda sessão:

Clara: Ai na hora que eu tava lá embaixo eu peguei o elevador e eu entrei pela porta

errada. Fui lá no corredor onde a gente tava semana passada, ai depois eu voltei ne e

pensei assim, meu Deus do céu será que o povo já começou e já foi embora e eu fiquei

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aqui sozinha? Ai eu fiquei tipo assim, com vergonha sabe, igual tem os dois aqui. Aí

pensei, meu Deus do céu como é que vai ser agora com mais gente.

PT¹: E como que tá sendo agora com mais gente?

Clara: Bom, pra mim tá sendo legal já que eu não conhecia ela. [...]

Clara: Legal. Bom que a gente conhece mais sobre eles e eles sobre a gente.

Jourard, citado por Friedman (1985), refere-se à confirmação como um ato de amor

no qual se reconhece o outro como alguém que existe em sua forma peculiar e tem o direito

de fazê-lo. O autor também menciona Hans Trub, que define a desconfirmação como uma

pessoa inconfirmada pelo mundo. Além disso, sabe-se que o adolescente estigmatizado e que

sofreu tantas desconfirmações e negligências da família, sociedade ou instituição, necessita

de espaço e tempo para se revelar e expressar aquilo que realmente pretende dizer. No grupo

em questão, percebeu-se nas sessões inicias que eles trouxeram conteúdos que, no momento,

podiam compartilhar e nestes, foram ouvidos e confirmados no contexto grupal.

Na terceira sessão, os integrantes caminharam um pouco mais nos temas discutidos e

abordaram como se sentiram quando alguém tentou retirar informações deles, ao que Beatriz

relata:

Beatriz: (Risos) que falando dessas coisas, eu lembrei de uma conversa que eu estava

tendo com um amigo, que ele perguntou assim pra mim, no dia que eu não tava bem,

a gente tava conversando e ele falou "você tá bem?" ai eu falei "tô", ai ele olhou pra

mim e falou "você tem certeza que você tá bem?" ai eu falei" na verdade eu não tô

bem, eu só falo que tô bem pra mim ficar bem" ai eu vi eles falando isso e lembrei

dessa parte da conversa. [...]

Beatriz: É porque às vezes é chato a gente falar e a pessoa fica "ai quê que foi?" fica

insistindo pra saber o que está acontecendo, ai é melhor a gente sorrir.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Viu-se a necessidade que estes adolescentes têm de se expressarem e

convergentemente, proclamam que precisam de tempo e respeito para compartilhar com a

pessoa escolhida por eles as suas fragilidades e problemas. No caso do grupo, os integrantes

se demonstraram confortáveis para discutir e expressar a opinião quanto ao tema. Como

relatam Sorter, Neumann e Cardoso (2013) a confiança e a aceitação são responsáveis pelos

bons relacionamentos, contribuindo para que outros fatores terapêuticos operem, deixando os

participantes confortáveis e dando condições para que a terapia se efetive.

Nesse sentido, percebeu-se a necessidade de respeitar os temas levantados (invasão,

tristeza, escola, moradia, profissão...), por meio do acolhimento, da escuta e da confirmação,

como um pedido implícito de não invadi-los.

3. Latência das emoções em comportamentos expressivos

Esta categoria refere-se às principais emoções presentes nas sessões inicias do grupo,

corresponde a 22% dos discursos e equivale a 237 relatos discursivos. Percebeu-se na análise

que os adolescentes expressavam, principalmente, ansiedade para falar no grupo e o medo de

ser julgado.

Para a compreensão desta categoria, faz-se necessário a elucidação do conceito de

emoção. Romero (2009) entende a emoção como uma função psicológica, que implica uma

forma de relação homem-mundo. O autor reitera que se trata de reações afetivas intensas e de

curta duração. Sendo assim, os integrantes na primeira sessão do grupo demonstraram

ansiedade ao se expressar e discutir a atividade proposta. Dos assuntos que surgiram,

destacou-se a inquietação para falar de si e descrever como chegou. Nesse aspecto, Ribeiro

(1994) ressalta que na fase inicial do grupo ocorrem manifestações corporais como ansiedade

e o temor da exposição, assim como se vê no trecho a seguir:

Carlos: Que vergonha (risos).

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

Beatriz: É... (risos). Pode começar gente, (risos).

Clara: Da mesma forma (risos).

Beatriz: Pode começar...

Clara: Quer começar? [...]

Carlos: Ahh! Eu vou começar.

Beatriz: Pode começar... [...]

Este momento revelou a dificuldade inicial dos adolescentes no grupo e mesmo

ansiosos, não os impossibilitou de se expressarem. Como descreve Zinker (2007), a ação

grupal começa com a experiência presente dos integrantes. Nesse sentido, da maneira como

conseguiram: com sorrisos, jogando e repetindo a pergunta do outro. Assim, os adolescentes

iniciaram um diálogo.

Durante as apresentações iniciais da segunda sessão, a psicoterapeuta (PT¹) solicita à

Clara que apresente seu desenho e explique as alterações realizadas nele, conforme o trecho:

PT¹: O quê que tá te impedindo de falar?

Clara: Vergonha.

PT¹: Vergonha? Então passa o olho no grupo todo e vê se alguém te deixa com

vergonha.

Marcos: (risos).

PT¹: Você consegue perceber algum olhar de julgamento pra te deixar com

vergonha?

Beatriz: (risos).

PT¹: Percebeu? É melhor assim?

Beatriz: (concorda com a cabeça).

PT¹: Quando você olha pra todo mundo e percebe que ninguém tá te julgando?

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Clara: Eu não sei né ela... Se tá me julgando. Tipo assim, por dentro ela pode tá me

julgando, mas por fora...

PT¹: Quem você acha que está te julgando?

Clara: Não sei.

As emoções citadas nos relatos se referem à vergonha por se expressar no grupo e

receio pelo julgamento dos participantes. Nota-se que após a psicoterapeuta (PT¹) solicitar

que Clara confirme essa preocupação olhando para o grupo, a integrante consegue descrever

sua preocupação, mas em seguida não cita o nome. Percebe-se neste trecho diversas

expressões, emoções – vergonha, risos e não sei – presentes nos discursos dos adolescentes e

que remetem à evitação do contato com o outro.

Entende-se do aspecto levantado, bem como se relatou na categoria anterior, a

dificuldade desses adolescentes de revelarem seus sentimentos e emoções em um grupo de

pessoas que poderia repetir as desconfirmações e negligências sofridas externamente. Mas

como se viu no grupo, a aceitação da pessoa pelo outro lhe possibilita a própria

autoaceitação.

Esta categoria possibilitou analisar as expressões do grupo como forma de entender as

expressões e emoções ditas e até mesmo as evitações dos integrantes. Nesse contexto,

Delacroix (2009) afirma que existe um fenômeno de atração e repulsão e que constitui a

função do grupo no primeiro momento, se situa mais no não dito do que no dito.

Algumas das Considerações finais

Este trabalho possibilitou uma breve reflexão sobre a importância das sessões iniciais

de um grupo psicoterápico com adolescentes em situação de violação de direitos. Percebeu-se

que a autorrevelação e a universalidade, o acolhimento e o respeito, e as emoções foram

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fundamentais, tanto no processo de inclusão destes adolescentes, quanto para o surgimento de

temas que remetem à violação de direitos no grupo psicoterápico.

Compreende-se que o atendimento psicoterápico vai além das paredes do consultório.

No grupo em questão, o contexto social em que os adolescentes estão inseridos apareceu nas

entrelinhas dos relatos e expressões. Nesse sentido, as psicoterapeutas realizaram os

atendimentos voltados para o acolhimento destes, respeitando e compreendendo cada um na

sua subjetividade e na construção da subjetividade grupal.

Vale ressaltar como este trabalho possibilitou uma ressignificação do contexto social

da psicoterapeuta ao desenvolver este projeto com adolescentes. Inclusive, este poderia se

tornar um dos objetos de investigação para os próximos projetos vinculados à pesquisa.

Notou-se que o processo psicoterápico, assim como proposto na Gestalt-terapia, ocorreu

numa base relacional em que psicoterapeuta e pacientes saíram transformados,

ressignificados. Como afirma Boff (1999), “não existimos, co-existimos, con-vivemos e co-

mungamos com as realidades mais imediatas” (p. 118).

Considera-se, finalmente, que este breve estudo é apenas o início de uma reflexão,

uma vez que o tema explorado é amplo e existem diversos teóricos com suas respectivas

abordagens e outras fases de desenvolvimento humano a ser explorado. Sendo assim, este

trabalho configura-se como uma pequena amostragem, dentre outras questões a serem

pesquisadas.

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PSICOTERAPIA DE GRUPO COM ADOLESCENTES

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