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IX Seminário Internacional Redes Educativas e Tecnologias. Rio de Janeiro, de 05 a 08 de junho de 2017 1 PRÁTICAS CURRICULARES NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: Entre o proposto e o vivido Cléia Demétrio Pereira Yasmin Ramos Pires INTRODUÇÃO Este trabalho tem a finalidade de evidenciar e discutir os objetivos propostos na oferta dos serviços de educação especial, acerca das práticas curriculares do atendimento educacional especializado (AEE), destinados à alunos com deficiência intelectual, por meio da implantação das salas de recursos multifuncionais, conforme prevê a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI (BRASIL, 2008). De acordo com o Art. 1º, da Portaria Normativa nº. 13 (BRASIL, 2007), fica criado “o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais com o objetivo de apoiar os sistemas públicos de ensino na organização e oferta do atendimento educacional especializado e contribuir para o fortalecimento do processo de inclusão educacional nas classes comuns de ensino”. Este documento define ainda, em seu parágrafo único, a sala de recursos multifuncionais como “um espaço organizado com equipamentos de informática, ajudas técnicas, materiais pedagógicos e mobiliários adaptados, para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos” considerados público alvo da inclusão escolar (BRASIL, 2007). Decorrente dessas e de outras políticas educacionais no Brasil, os desdobramentos políticos para a inclusão escolar têm sido direcionados pela implantação das salas de recursos multifuncionais, identificadas como serviço de atendimento educacional especializado, para o público alvo da educação especial. A oferta desse serviço de educação especial, definida como AEE, vem se caracterizando como estratégias capazes de responder as mais variadas diversidades que constituem o contexto da sala de aula, mediados pela presença de recursos tecnológicos, como regulamenta a Resolução nº. 4, que institui as diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na educação básica, modalidade educação especial (BRASIL, 2009). Art. 5º O AEE é realizado, prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, também, em centro de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios. (BRASIL, 2009)

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IX Seminário Internacional Redes Educativas e Tecnologias. Rio de Janeiro, de 05 a 08 de junho de 2017 1

PRÁTICAS CURRICULARES NO ATENDIMENTO

EDUCACIONAL ESPECIALIZADO:

Entre o proposto e o vivido

Cléia Demétrio Pereira

Yasmin Ramos Pires

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a finalidade de evidenciar e discutir os objetivos propostos na oferta dos

serviços de educação especial, acerca das práticas curriculares do atendimento educacional

especializado (AEE), destinados à alunos com deficiência intelectual, por meio da implantação das

salas de recursos multifuncionais, conforme prevê a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI (BRASIL, 2008).

De acordo com o Art. 1º, da Portaria Normativa nº. 13 (BRASIL, 2007), fica criado “o

Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais com o objetivo de apoiar os

sistemas públicos de ensino na organização e oferta do atendimento educacional especializado e

contribuir para o fortalecimento do processo de inclusão educacional nas classes comuns de

ensino”. Este documento define ainda, em seu parágrafo único, a sala de recursos multifuncionais

como “um espaço organizado com equipamentos de informática, ajudas técnicas, materiais

pedagógicos e mobiliários adaptados, para atendimento às necessidades educacionais especiais dos

alunos” considerados público alvo da inclusão escolar (BRASIL, 2007).

Decorrente dessas e de outras políticas educacionais no Brasil, os desdobramentos políticos

para a inclusão escolar têm sido direcionados pela implantação das salas de recursos

multifuncionais, identificadas como serviço de atendimento educacional especializado, para o

público alvo da educação especial. A oferta desse serviço de educação especial, definida como

AEE, vem se caracterizando como estratégias capazes de responder as mais variadas diversidades

que constituem o contexto da sala de aula, mediados pela presença de recursos tecnológicos, como

regulamenta a Resolução nº. 4, que institui as diretrizes operacionais para o atendimento

educacional especializado na educação básica, modalidade educação especial (BRASIL, 2009).

Art. 5º O AEE é realizado, prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria

escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo

substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, também, em centro de Atendimento

Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou

filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão

equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios. (BRASIL, 2009)

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Verifica-se que o AEE, como possibilidade de atender as necessidades educativas dos

estudantes caracterizados como público alvo da educação especial, deve acontecer, com prioridade

nas salas de recursos multifuncionais implantadas em escolas de ensino regular. Contudo, este

serviço não pode ser considerado substitutivo ao ensino comum, por isso, deve ser realizado no seu

contraturno.

O Decreto Lei nº. 7611 (BRASIL, 2011) define o atendimento educacional especializado

“como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional

e continuamente”. Nesse caso, consideramos relevante, verificar que práticas curriculares tem sido

levado em conta para esse público, visto que, a oferta desse serviço educacional especializado na

escola tem a finalidade de ‘complementar’, quando se tratar de estudantes com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento, e ‘suplementar’ ao lidar com à formação de estudantes

com altas habilidades ou superdotação.

Com isso, o foco desse estudo busca evidenciar os objetivos previstos para o AEE e discutir

como as práticas curriculares tem atendido ou não a complementação dos estudantes identificados

com deficiência intelectual, sujeito alvo dessa investigação. Vale dizer que os documentos legais

também indicam que tipo de formação profissional o professor do AEE necessita para atuar no

espaço da sala de recursos multifuncionais, bem como suas atribuições e sua articulação com os

demais professores do ensino regular, no que se refere as questões de escolarização.

Nessa direção, o presente trabalho faz um recorte dos estudos realizados no âmbito do

projeto em rede “Escolarização de alunos com deficiência intelectual: processos cognitivos,

políticas públicas e avaliação da aprendizagem”1, do qual tem investido em pesquisas sobre o

processo de escolarização de alunos com deficiência intelectual nas escolas de ensino regular, que

possuem salas de recursos multifuncionais implantadas.

Das pesquisas que se aproximam do estudo aqui proposto e que integram o projeto em rede,

a pesquisadora Mendes (2016) propõe em uma análise das práticas culturais de escolarização desses

alunos inseridos no Ensino Fundamental da rede de Ensino de Itajaí – SC e, contribui para o

desenvolvimento ao que se propõe, especialmente, na questão do que envolve as atividades

propostas no AEE para os alunos com deficiência intelectual e sua articulação com os conteúdos

curriculares do ensino regular.

1 Este projeto faz parte do Observatório de Práticas Escolares, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),

vinculado a CAPES, que tem o objetivo criar observatórios de Educação, para realização de pesquisas na área

educacional.

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O desenvolvimento metodológico deste estudo ocorreu por meio da pesquisa bibliográfica,

com a finalidade de evidenciar como o campo da educação especial tem discutido a escolarização

de estudantes com deficiência intelectual, a partir das práticas curriculares do AEE. Além disso,

foram realizados observações e registros em diário de campo do AEE, por meio dos pesquisadores

do projeto “Escolarização de alunos com deficiência intelectual”, na forma de relatos e fotografias

que registraram atividades realizadas pelos alunos. Buscou-se contribuições de autores da

Sociologia Crítica de Currículo, que embasam a discussão sobre as práticas curriculares. Autores

como Goodson (2013), Pacheco (2001; 2009), Young (2007), Lunardi-Mendes (2005) e Sacristán

(2000) foram fundamentais para compreender as relações entre as políticas educacionais para a área

da educação especial e as práticas curriculares presentes no espaço do atendimento educacional

especializado.

Mediante este estudo, constatou-se, entre o prescrito pelos textos legais e o vivido nas

práticas curriculares do AEE com estudantes com deficiência intelectual, a presença de um

currículo escolar com padrões normatizadores e homogeneizantes, numa tentativa de oferecer a

estes sujeitos, conhecimentos que proporcionam certa autonomia no espaço da sala de aula regular,

como forma de “igualar” aos demais estudantes, sem considerar a 'complementação' da formação

escolar desses sujeitos.

Concluiu-se que as práticas curriculares do AEE, tem reforçado, com mais frequência,

atividades “mais do mesmo”, com raras tentativas de superar essa prática, com a inserção dos

recursos tecnológicos. Assim, torna-se necessário um olhar atento à formação dos profissionais do

AEE e de aprofundar os conhecimentos dos percursos desses estudantes e de suas potencialidades

no processo de escolarização.

EVIDÊNCIAS DAS PRÁTICAS CURRICULARES NO ATENDIMENTO

EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Os desdobramentos políticos educacionais no Brasil tem canalizado esforços para a

implantação das salas de recursos multifuncionais, prioritariamente em escolas de educação básica,

como estratégias possíveis de atender as necessidades educativas dos estudantes público alvo da

educação especial, principalmente, daqueles que apresentam deficiência intelectual em idade

escolar.

Para compreender como o campo da educação especial vem discutindo questões

relacionadas à escolarização desses alunos, foi realizado um levantamento no Banco de Teses e

Dissertação da CAPES, com os descritores “práticas curriculares” e “deficiência intelectual”. Nesse

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levantamento nos interessou entender como os pesquisadores tem se debruçado sobre as práticas

curriculares relacionadas aos alunos com deficiência intelectual no contexto escolar. Dos

trabalhados encontrados, dois foram os que mais aproximaram da discussão aqui proposta: a)

“Inclusão de alunos com deficiência intelectual: considerações sobre avaliação da aprendizagem

escolar”, de autoria de Fernando Dourado (2011) e b) “Adequações curriculares na área da

deficiência intelectual: análise de uma realidade” de autoria de Wania Boer (2012).

Em ambos os trabalhos, os autores discutem a inclusão dos alunos com deficiência

intelectual no contexto escolar, mesmo não dando enfoque às práticas curriculares vivenciadas

pelos sujeitos no contexto do AEE. Ainda assim, as pesquisas apontam que as práticas em geral não

favorecem o desenvolvimento e a aprendizagem desses alunos.

Dourado (2011) aponta que as práticas continuam se constituindo como tradicionais e pouco

favoráveis a esses sujeitos, o que acaba legitimando mecanismos como as avaliações de

aprendizagem, que vem sendo ofertadas aos alunos, mas nada dizem sobre o processo de ensino e

aprendizagem e as potencialidades que o aluno possa vir a ter; como na forma tradicional, a

avaliação de aprendizagem tem o enfoque voltado para as fragilidades dos alunos e não como um

meio de identificar o potencial dele.

O estudo de Boer (2012) apresenta uma discussão sobre as adequações curriculares para os

alunos com deficiência intelectual, a partir de um estudo de caso. A autora observa e analisa a

construção do plano de adequação curricular de uma escola do interior do Estado de São Paulo e

considera que o trabalho em grupo para a criação do plano facilita a elaboração de planos e

estratégias para trabalhar com todos os alunos, inclusive os alunos com deficiência intelectual.

Essas pesquisas apontam a importância de se discutir com mais profundidade os currículos e suas

práticas efetivas, em todas as suas dimensões, a fim de analisar como esse processo afeta

diretamente o ensino e a aprendizagem desses sujeitos.

Tal como os autores mencionados no levantamento anterior, o estudo de Pires (2016)

possibilitou verificar o que tem sido pesquisado em termos de currículo, práticas curriculares e

deficiência intelectual, por meio de pesquisa bibliográfica. O recolhimento dos dados se deu por

meio do Banco de Teses e Dissertações da CAPES e o Portal de Domínio Público. Sobre currículo e

práticas curriculares, a autora encontrou dois trabalhados que se aproximavam da discussão: a)

“Romance entre uma concepção inclusiva e um Currículo (que deveria ser) integrado” de autoria de

Meirivan Oliveira (2011) e “A construção do projeto político-pedagógico na escola: o instituído e o

instituente”, de autoria de José Neto (2011).

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O trabalho de Oliveira (2011) apresenta uma narrativa em que o currículo e o contexto

escolar, como um todo, são os focos, e, mesmo não fazendo menção ao AEE, a autora indica sinais

de que discutir o currículo na escola e entender como as práticas curriculares se solidificam nesse

espaço, são, de fato, aspectos importantes, pois é a partir dessas práticas que normas e regras vão

sendo legitimadas e inseridas na cultura escolar e a inclusão deixa, ou não, de se fazer presente.

No trabalho de Neto (2011), a ênfase se dá na questão do currículo, no qual busca mostrar

do que o “instituído” (o prescrito, criado por um grupo de pessoas, selecionadas para construir o

projeto) difere do “instituente” (o que é realmente vivenciado pela comunidade escolar por meio

das práticas exercidas). Ainda que não realize uma discussão sobre currículo no AEE, o estudo

contribui para entender como as narrativas sobre currículo no contexto escolar têm sido abordadas

em diferentes pesquisas.

Especificamente sobre o AEE, Pires (2016) apresentou quatro pesquisas, das quais, três

delas fazem menção ao AEE e contribuem para esse debate.

O trabalho de Moscardini (2011) apresenta a “Escolarização de alunos com deficiência

intelectual em classes comuns e em salas de recursos multifuncionais”, a partir de uma análise entre

dois contextos de uma instituição escolar: a classe comum e o AEE. Nesses espaços, o autor aborda

a relação do aluno com deficiência intelectual com os demais sujeitos, qual conhecimento está

sendo oferecido para esse aluno em ambos os espaços, quais as características desse atendimento,

etc.

O trabalho de Silva (2011) aborda a “Inclusão escolar de alunos com deficiência intelectual:

o atendimento educacional especializado”, que também apresenta o processo de inclusão desses

alunos na sala de aula regular e no AEE. Segundo sua pesquisa, embora o AEE seja um serviço para

incluir os alunos com deficiência intelectual, o que fica evidenciado pelas práticas curriculares dos

professores são as atividades baseadas em modelos clínicos, com fins a modelar os alunos com ou

sem deficiência.

No trabalho intitulado “Educação Especial e Currículo Escolar: possibilidades nas práticas

pedagógicas cotidianas”, de Effgen (2011), a ênfase é dada à Educação Especial e Currículo

Escolar, onde a autora aponta possibilidades de atividades para o público-alvo da Educação

Especial. Este estudo sugere caminhos para acesso desses alunos com currículo comum, desde a

formação adequada aos professores para entender que tipos de práticas podem auxiliar na

potencialidade desses alunos a repensar o currículo para que seja cada vez mais acessível. O estudo

de Effgen (2011) auxilia na elucidação da importância de se investigar, evidenciar e discutir as

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práticas curriculares, pois estas estão carregadas de sentido e significados e, por vezes, colaboram

na legitimação do currículo escolar, desde questões dos conteúdos que chegam aos alunos, a normas

e regras da instituição.

Estes estudos evidenciam a necessidade de abordar com mais ênfase as práticas curriculares

realizadas no AEE em articulação com as demandas da sala de aula do ensino regular, a fim de

compreender a relação entre o currículo proposto e o vivido no AEE.

Alguns autores nos auxiliam a compreender mais profundamente a questão do currículo

proposto e o currículo vivido no contexto escolar. Sacristán (2000) aponta em seus estudos a

diferença entre o currículo proposto (ou prescrito) e o currículo vivido. Para este autor, o currículo

prescrito é um instrumento, que serve para modelar a escola com prescrições de uma política

curricular no sentindo de a instituição escolar ter uma cultura comum, um currículo mínimo e de

igualdade de oportunidades, de organização dos saberes e de controle sobre a práticas de ensino. O

currículo vivido é aquele que “foge” dos padrões estabelecidos pela prescrição, ou seja, algo que

pode ter traços do prescrito, já que ele serve de molde, mas que na prática é interpretado pelos

profissionais das instituições escolares de outra forma. Para Sacristán (2000, p. 2012), o currículo

[...] que se realiza por meio de uma prática pedagógica é o resultado de uma série de

influências convergentes e sucessivas, coerentes ou contraditórias, adquirindo dessa forma, a

característica de ser um objeto preparado num processo complexo, que se transforma e constrói

no mesmo. Por isso exige ser analisado não como um objeto estático, mas como a expressão de

um equilíbrio entre múltiplos compromissos. E mais uma vez esta condição é crucial tanto para

compreender a prática escolar vigente como para tratar de mudá-la. (Grifo nosso).

O autor explica, assim como já elucidado, que o currículo prescrito molda o professor e

outros funcionários da instituição escolar, porém, ele é passível de ser traduzido na prática.

Goodson (2013) é outro autor que discute o conceito de currículo prescrito. Para ele, o currículo

prescritivo é compreendido como um conjunto de prescrições gerais, decidido em nível oficial, com

orientações rígidas e uniformes, e reflete em todo o sistema curricular, inclusive na elaboração de

materiais curriculares, que interfere diretamente nas práticas curriculares dos professores.

No caso do AEE, o professor é responsável, além de interpretar a política em conjunto com

os gestores, escolher e aplicar, em sua prática, os conhecimentos que serão proporcionados aos

alunos com deficiência intelectual.

Essas práticas, na qual intitulamos neste trabalho de ‘práticas curriculares’, são entendidas,

conforme Lunardi-Mendes (2005, p. 4) “[...] como as ações envolvidas na elaboração e

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implementação de currículo. São práticas na quais convivem ações teóricas e práticas, refletidas e

mecânicas, normativas, orientadoras, reguladoras, cotidianas”.

Com base nos documentos oficiais, verificou-se que as demandas de escolares para o AEE

são direcionadas por objetivos definidos e por práticas curriculares que, de algum modo, mobilizam

a organização curricular do ensino regular com o AEE. Neste estudo, os direcionamentos do AEE

são voltados às práticas curriculares destinadas aos alunos com deficiência intelectual, com o foco

da complementação da formação desses estudantes.

Assim, as práticas curriculares são compreendidas nesse texto como “o exercício

característico da escola na organização e desenvolvimento do currículo, ou seja, dos conteúdos e

das formas de sua transmissão, o que inclui atividades e tarefas propostas, bem como

acompanhamento dos alunos no processo ensino-aprendizagem” (LUNARDI-MENDES, 2005, p.

29), inclusive as atividades pedagógicas desenvolvidas no AEE, que deve estar vinculada à proposta

pedagógica da escola, como destaca a Resolução n.º 4 (BRASIL, 2009).

As práticas curriculares, tanto no contexto da sala de aula regular quanto no AEE, legitimam

regras, normas e conhecimentos a serem colocados em movimento, mesmo que os objetivos

educacionais não sejam atingidos, especialmente, em relação aos processos de escolarização de

alunos com deficiência intelectual. Por isso, essa compreensão, de acordo com Pacheco (2009, p.

50), passa por decisões sobre os processos educacionais, dos quais envolve “uma série de mudanças

ao nível de organização das escolas”, que, ao propor práticas curriculares aos alunos com

deficiência intelectual, é necessário considerar que o “[...] currículo enquanto processo contínuo de

decisão, é uma construção que ocorre em diversos contextos a que correspondem diferentes fases e

etapas de concretização e se situam entre as perspectivas macro e microcurricular” (PACHECO,

2001, p. 68).

Para Pereira, Pacheco e Lunardi-Mendes (2016a), o desenvolvimento de práticas

curriculares pode desencadear ações de manutenção das desigualdades sociais, bem como pode

criar possibilidades de avançar no pensamento crítico acerca dos saberes escolares e dos próprios

processos de aprendizagens de todos os estudantes, inclusive daqueles que possuem deficiência

intelectual.

Neste debate, a deficiência intelectual é compreendida a partir dos estudos de Leontiev

(2004) e Vigotski (1997), caracterizada por fatores biológicos e fatores sociais. O biológico está

ligado ao que a pessoa nasce e o social com os fatores que o ambiente que o sujeito se encontra lhe

proporciona. Para ele, a deficiência intelectual é construída não somente pelo biológico, mas

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também pela via social. O autor baseia seus estudos em Vigotski (1997), com três argumentos para

definir a deficiência intelectual.

O primeiro argumento diz respeito a mediação, que deve ser acessível desde a mais tenra

idade. Se isso não for possível, o sujeito já apresentará dificuldades no seu aprendizado. O segundo

argumento apoia-se ainda na mediação, pois Leontiev (2004) considera a falta de mediação

adequada um fator que pode prejudicar as formações cerebrais ao longo da vida do sujeito. O

terceiro argumento é relacionado a apropriação de experiências. Segundo o autor, são necessárias

experiências que partam do “princípio” para que o sujeito consiga se apropriar. O exemplo que o

autor utiliza são das aulas de Matemática, em que o professor deveria começar da manipulação de

objetos numerados, para depois realizar cálculo oral e só então o cálculo mental.

É necessário esclarecer que muitos estudos ainda tratam a deficiência intelectual com o

termo deficiência mental. Este termo, porém, já foi substituído pelo primeiro, segundo a AAIDD2.

Segundo esta associação, a deficiência intelectual é entendida como

[...] uma incapacidade caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual

e no comportamento adaptativo e está expressa nas habilidades práticas, sociais e conceituais,

originando-se antes dos dezoito anos de idade. (AAIDD, 2006 apud PLETSCH, 2010, p. 20)

Vigotski (1997) trabalha com os conceitos de deficiência, sob duas formas, a deficiência

primária e a deficiência secundária. A primária é caracterizada por aquilo que é próprio do

indivíduo, suas características biológicas. A secundária é compreendida, a partir das limitações

decorrentes da deficiência primária, levando em conta a construção social da própria deficiência,

referindo-se a leitura social que é feita do sujeito.

Essa compreensão nos permite pensar em como se realiza as práticas curriculares na escola e

como pode ser modificada, caso seja necessário, para atender as reais necessidades dos estudantes

com deficiência intelectual no AEE e também na sala de aula do ensino regular. Depreende-se

também, que esse entendimento, na formação do professor que atua no AEE, poderá desencadear

maiores condições para criar estratégias nas práticas curriculares aos seus estudantes, ao possibilitá-

los acesso a diferentes conhecimentos.

Os conhecimentos são entendidos a partir de Young (2007), em “conhecimento poderoso” e

o “conhecimento dos poderosos”. O conhecimento poderoso é aquele que fornece autonomia ao

indivíduo, que o permite avançar em questões de senso comum, vai além do conhecimento prático.

O conhecimento dos poderosos, para este autor, é aquele que, pequena parte da sociedade detém,

2 Associação Americana de Deficiência Intelectual do Desenvolvimento, que define internacionalmente o que é

deficiência intelectual.

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mas que possui o poder de decidir quais conhecimentos devem chegar até a escola por meio de

prescrições definidos nos currículos escolares, neste caso também, as prescrições curriculares para o

AEE.

Com isso, considera-se relevante evidenciar as práticas curriculares presentes no AEE, a fim

de compreendermos a relação entre os conhecimentos e conteúdos que estão sendo trabalhados,

além do suporte e materiais que são oferecidos aos alunos com deficiência intelectual, em seu

próprio percurso de escolarização.

DOS OBJETIVOS PROPOSTOS ÀS VIVÊNCIAS DAS PRÁTICAS CURRICULARES

NO AEE DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

As proposições dos objetivos para o atendimento educacional especializado, constantes no

Decreto nº. 7611 (BRASIL, 2011), são definidos no Art. 3º, que visam:

I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir

serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes;

II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular;

III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as

barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e

IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e

modalidades de ensino. (BRASIL, 2011).

Verifica-se que os objetivos propostos no referido documento não trata especificamente dos

processos de aprendizagem, no que se refere as práticas curriculares dos estudantes atendidos no

AEE. Entretanto, os objetivos propõem um panorama geral do acesso ao serviço de educação

especial, enquanto o que aproxima das questões de aprendizagem propriamente, na proposição

desses objetivos, é a ênfase dada ao fomento de recursos didáticos e pedagógicos, como forma de

eliminar possíveis barreiras que impedem o desenvolvimento do ensino e aprendizagem dos alunos

com deficiência intelectual.

Nessa compreensão, ao discutir as práticas curriculares presentes no AEE, a partir dos

objetivos propostos em lei, segundo Pereira, Pacheco e Lunardi-Mendes (2016b, p. 903), é

importante “[...] pensar de que currículo estamos falando, para podermos compreender quais

relações são estabelecidas entre o que é prescrito e o que de fato se vivência nas práticas

curriculares dos contextos educacionais, em especial da educação básica, quando se trata de

inclusão de estudantes desiguais”.

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Mediante observações e registros realizados, foi possível conferir na prática, algumas

atividades em que evidenciaram a diferença entre currículo proposto e currículo vivido, como

destaca Pires (2016).

Uma das atividades organizadas diz respeito ao que chamamos de atividades infantilizadas,

que são baseadas em repetição, como recorte e cola e que desenvolvem pouca ou nenhuma

habilidade no aluno com deficiência intelectual, conforme indica a imagem a seguir:

Imagem 1: Atividade infantilizada

Fonte: Banco de dados “Escolarização de alunos com deficiência intelectual” (2016).

Os pressupostos de Vigotski (1997) e Leontiev (2004), ressaltam que atividades

infantilizadas e repetitivas, oferecidas aos estudantes com deficiência intelectual, não auxiliam no

desenvolvimento das funções psicológicas superiores3, consequentemente, impossibilita criar

condições do aluno ir do conhecimento concreto para o conhecimento abstrato. Vigotski (1997)

salienta que atividades baseadas no concreto, como pintar um desenho, recortar, colar ou seguir um

modelo, não promovem a aprendizagem efetiva por parte dos alunos com deficiência intelectual. O

professor, na posição de mediador das aprendizagens, precisa perceber que a escolarização desses

sujeitos, historicamente, é voltada para entendê-lo como incapaz. Neste sentido, repensar as

práticas, rever conceitos e planejamentos é fundamental para não cair no risco de, rotineiramente,

oferecer “mais do mesmo” a esses alunos.

Outras questões que consideramos pontuais para essa discussão, coloca em evidência

àquelas atividades que se baseiam exclusivamente nos conteúdos da sala de aula regular,

predominantemente, voltadas ao ensino da Língua Portuguesa e da Matemática. Ao retomar os

registros do diário de campo, foi possível perceber que “a professora propôs uma atividade em que,

3 Aprofundar em Fundamentos da Defectologia, 1997.

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além de trabalhar cores, trabalhasse formas geométricas (neste caso, quadrado e círculo – que

também se referem aos conhecimentos de matemática)” (PIRES, 2016, p. 39).

Imagem 2: Atividade matemática baseada nas formas geométricas e correspondência com as cores

Fonte: Banco de dados do projeto “Escolarização de alunos com deficiência intelectual (2016)

Referente ao próprio currículo prescrito, entendido como o planejamento e planos dos

professores de Educação Especial para o AEE, há uma tendência de ser explicitado o trabalho, a

partir dos conhecimentos da sala de aula regular.

Para os conhecimentos da Língua Portuguesa e mais propriamente no que diz respeito a

atividades voltadas para a alfabetização da aluna, a professora proporcionou, ao longo dos

encontros, objetivos específicos para trabalhar esse conhecimento. As atividades envolviam

leitura e interpretação de imagens, produção escrita e expressão oral da aluna. - Entender a

construção da escrita de palavras pontuais, inserindo um grafema de cada vez. -

Compreender os processos de construção da escrita das palavras a partir de formações

silábicas. - Desenvolver conceitos referentes à seriação de imagens e situações. - Qualificar a

compreensão da organização lógica dos fatos. (PLANO DE AEE, 11 de abril de 2016, grifo

nosso).

O AEE, inserido no contexto da escola comum, adquire no seu “modo de fazer” traços da

forma escolar predominante. A forma escolar da qual discutimos, a partir de Lunardi-Mendes

(2005), diz respeito não somente ao espaço físico da escola, da organização do tempo e da

distribuição do conhecimento, mas às formas de relação social que estão presentes no cotidiano

escolar. Trata-se de uma forma escolar institucionalizada a partir da relação dos diversos agentes da

escola.

No caso das atividades registradas, as práticas curriculares, da forma como se apresentam,

parece incidir no AEE sem a percepção do professor, que, por conta da alta carga horária a ser

cumprida nas instituições, da escassez de tempo para o planejamento e formação disponibilizada à

ele, procura oferecer ao aluno com deficiência intelectual propostas que lhe deem condições de

adquirir certa autonomia no espaço escolar, especialmente na sala de aula regular. Com isso, os

tipos de atividades especificadas tendem a levar a compreensão equivocada de que o AEE serve

para atender as demandas da sala de aula regular.

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Uma outra atividade que evidenciamos, a partir das práticas curriculares dos professores são

aquelas consideradas por Lunardi-Mendes (2005) e Pires (2016) “mais do mesmo”. São atividades

mais voltadas para a alfabetização, mais atividades de recortar e colar, mais atividades que

envolvem operações matemáticas de soma e subtração.

Conforme a imagem abaixo, é possível ver que os recursos e materiais podem mudar, mas a

intenção da atividade parece ser a mesma.

Imagem 3: Recursos utilizado para alfabetização

Fonte: Banco de dados do projeto “Escolarização de alunos com deficiência intelectual (2016)

Importa destacar que atividades “mais do mesmo” presentes no AEE, bem como na sala

regular, acaba sendo um mecanismo de controle nos processos de aprendizagem, que pouco ou nada

permite alunos com deficiência intelectual avançar na sua escolarização, efetivamente.

Expressões diferentes de um mesmo cotidiano que sendo regulador organiza as práticas de

modo a tornar possível a manutenção e o controle do trabalho pedagógico. Nesse caso, a

manutenção das práticas curriculares homogeneizadoras e excludentes, que por isso precisam

de espaços alternativos, inclusive para poder continuar existindo. (LUNARDI-MENDES,

2005, p. 214).

Tais considerações expressam atividades que reforçam uma forma escolar que parece estar

inalterada e inquestionável nos diferentes espaços da escola, compreendidas pelos estudantes como

parte de uma obrigação escolar.

Embora tenha se percebido, com mais frequência nas práticas curriculares do AEE

atividades “mais do mesmo”, algumas atividades mostravam-se interessantes para os estudantes

com deficiência intelectual, a partir do uso dos recursos tecnológicos, presentes na sala de recursos

multifuncionais. Essas atividades foram se configurando como lúdicas para estes sujeitos, pois

foram interessantes e favoreceram a participação deles.

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Imagem 4: Atividades com o uso de recursos tecnológicos

Fonte: Banco de dados do projeto “Escolarização de alunos com deficiência intelectual (2016)

As práticas curriculares que envolvem o uso de tecnologias ou de diferentes recursos

pareceram ser mais interessantes e com maior envolvimento dos estudantes com deficiência

intelectual. Ainda que por vezes o objetivo da atividade fosse trabalhar um conteúdo da disciplina

da Língua Portuguesa, observou-se uma maior vontade por parte dos estudantes em trabalhar com a

atividade planejada quando esta envolvia um outro material e/ou recurso.

Goodson (2013) aponta que alguns estudos realizados sobre escolas e suas experiências de

mudança curricular tem envolvido elementos progressistas e inclusivos. Entretanto, os resultados

têm sinalizado um movimento contrário, em que os aspectos inclusivos tendem a se tornar

regressivos, como argumenta este autor.

No contexto geral das atividades analisadas, foi possível verificar que as mais interessantes e

atrativas eram aquelas que se utilizavam de alguma nova estratégia ou de recursos tecnológicos.

Esse interesse se tornava evidente pois, na maioria das vezes, a proposta se diferenciava de

atividades ligadas a sala de aula regular, espaço que se sentem desiguais em relação a outros alunos

e com maior dificuldade para compreender os conteúdos e realizar as tarefas exigidas.

Dentre as proposições dos objetivos definidos pela prescrição nos textos legais com as

práticas curriculares vividas no contexto do AEE, ainda há um grande distanciamento do que a

PNEEPEI (2008) prevê, para a escolarização dos sujeitos considerados público alvo da educação

especial. Contudo, percebe-se sinais de esforços para que alunos com deficiência intelectual sejam,

de alguma forma, envolvidos num processo educacional, que nada se aproxima da

complementariedade da formação escolar.

As atividades decorrentes das práticas curriculares do AEE apontam a necessidade de

formação dos profissionais que nele atuam, assim como, ampliar os conhecimentos do próprio

desenvolvimento dos percursos dos estudantes com deficiência intelectual, a partir de suas

potencialidades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pretendeu ao longo deste trabalho foi evidenciar e discutir as práticas currículo no

atendimento educacional especializado dos alunos com deficiência intelectual. As autoras

procuraram explicitar, por meio dos textos políticos e as próprias práticas curriculares presentes no

AEE por intermédio das observações e registros no diário de campo, o vivido no trabalho com os

alunos com deficiência intelectual. As evidências também sinalizaram o que tem sido estudado e

discutido no campo da educação especial sobre a escolarização de alunos com deficiência

intelectual.

Predominantemente, constatou-se, a partir do prescrito e o vivido no AEE dos estudantes

com deficiência intelectual, um currículo escolar com padrões normatizadores e homogeneizantes,

numa tentativa de oferecer a estes sujeitos, conhecimentos que proporcionam certa autonomia no

espaço da sala de aula regular, como forma de se “igualar” em relação aos demais estudantes.

Os textos políticos aqui indicados expressam o que Sacristán (2000) e Goodson (2013)

definem como prescritivo, a partir dos objetivos definidos para o contexto das práticas curriculares

no AEE, mas que raramente se aproxima do que constitui a ‘complementação’ prevista para

formação dos estudantes com deficiência.

Por fim, verificou-se que as atividades recorrentes nas práticas curriculares do AEE,

reforçam ainda, com mais frequência o “mais do mesmo”, embora tenhamos registrado algumas

tentativas de superar essa prática, com a inserção dos recursos tecnológicos. Com isso,

consideramos relevante a necessidade de formação dos profissionais que atuam no AEE, assim

como, o entendimento de que é necessário ampliar os conhecimentos do próprio desenvolvimento

dos percursos dos estudantes com deficiência intelectual, a partir de suas potencialidades.

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RESUMO

Este trabalho tem a finalidade de evidenciar e discutir os objetivos propostos na oferta dos serviços de

educação especial, acerca das práticas curriculares do AEE, destinados à alunos com deficiência intelectual,

por meio da implantação das salas de recursos multifuncionais, direcionadas pela Política Nacional de

Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Trata-se de um recorte realizado no

âmbito do projeto “Escolarização de alunos com deficiência intelectual”, que se dedica a pesquisas que

analisam o processo de escolarização de alunos com deficiência intelectual na educação básica. O

desenvolvimento metodológico do estudo deu-se por meio da pesquisa bibliográfica, observações e registro

no diário de campo e, desdobra-se, a partir de autores da Sociologia Crítica de Currículo, que embasam a

discussão sobre as práticas curriculares no AEE, mediante os objetivos previstos no Decreto nº. 7611

(BRASIL, 2011). Autores como Goodson (2013), Pacheco (2001; 2009), Young (2007), Lunardi-Mendes

(2005) e Sacristán (2000) foram fundamentais para compreender as relações entre as proposições das

políticas educacionais para a área da educação especial e o executado nas práticas curriculares presentes no

espaço do AEE. Entre prescrito e o vivido, constata-se a presença de um currículo escolar com padrões

normatizadores e homogeneizantes, numa tentativa de "igualar” os alunos, sem considerar a

'complementação' da formação escolar desses sujeitos.

Palavras-chave: Práticas Curriculares. Atendimento Educacional Especializado. Educação Especial. Alunos

com Deficiência Intelectual.