prosperidade sem crescimento - tim jackson

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  • Prosperidade sem Crescimento

    Vida Boa em um Planeta Finito

    Tim Jackson

    So Paulo, 2013

  • Sumrio

    AgradecimentosPrefcio do Prncipe de Gales1 A Prosperidade Perdida2 A Era da Irresponsabilidade3 Redefinindo a Prosperidade4 O Dilema do Crescimento5 O Mito do Descasamento6 A Gaiola de Ferro do Consumismo7 Keynesianismo e o New Deal Verde8 Macroeconomias Ecolgicas9 Prosperando Dentro de Limites10 Governana para a Prosperidade11 A Transio para uma Economia Sustentvel12 Uma Prosperidade DuradouraApndicesLista de Figuras, Tabelas e Q uadrosLista de Acrnimos e AbreviaesNotasRefernciasndice RemissivoComentrios Adicionais de Herman E. Daly, Bill McKibben, Mary Robinson e Pavan Sukhdev

  • EAgradecimentos

    ste livro utilizou um relatrio escrito com base em meu cargo como comissrio econmicopara a Comisso de Desenvolvimento Sustentvel (SDC, 2009a). O relatrio foi feito a convitepessoal do ex-presidente da comisso Jonathon Porritt. O prprio Jonathon forneceu o mpetoinicial para o engajamento da SDC nessa rea e apoiou sem reservas meu trabalho por muitosanos. Por tudo isso, devo a ele meu profundo agradecimento.

    O livro tambm derivou extensivamente de meu papel como diretor do Grupo de PesquisaEstilos de Vida, Valores e Ambiente (Resolve), da Universidade de Surrey, onde tenho a sorte detrabalhar com uma equipe dedicada pesquisa em reas enormemente relevantes a essainquirio. O trabalho deles forma parte da base de evidncia na qual este livro se inspira, e mesinto agradecido por seu contnuo companheirismo intelectual, assim como ao Conselho dePesquisa Econmica e Social (Bolsa N RES-152-25-1004) por seu apoio financeiro. Devoagradecimentos a Gemma Cook, coordenadora administrativa do Resolve, que esteve altura degerenciar nossa crescente carga de trabalho mtua durante a redao deste livro, com graa ebom humor inabalveis.

    Embora escrito como uma monografia, esse estudo aproveita-se de uma enorme base derecursos. De maneira mais bvia, utiliza o trabalho da SDC, em particular o programa detrabalho sobre o Projeto Redefinindo a Prosperidade (ver Apndice 1), que liderei na comissodurante os ltimos cinco anos. Nesse perodo, meus companheiros do passado e do presente JanBebbington, Bernie Bulkin, Lindsey Coulborne, Anna Coote, Peter Davies, Stewart Davis, AnnFinlayson, Tess Gill, Alan Knight, Tim Lang, Alice Owen, Anne Power, Hugh Raven, TimORiordan, Waheed Saleem e Becky Willis foram generosos com seu tempo, comparecendo aoficinas, oferecendo comentrios crticos e revisando rascunhos de vrios documentos.

    Agradeo especialmente a todos aqueles que contriburam direta ou indiretamente para umasrie de oficinas sobre prosperidade realizadas entre novembro de 2007 e abril de 2008. Oscontribuintes incluem Simone dAlessandro, Frederic Boulder, Madeleine Bunting, Ian Christie,Herman Daly, Arik Dondi, Paul Ekins, Tim Kasser, Miriam Kennet, Guy Liu, Tommaso Luzzati,Jesse Norman, Avner Offer, John ONeill, Elke Pirgmaier, Tom Prugh, Hilde Rapp, JonathanRutherford, Jill Rutherm Zia Sardar, Kate Soper, Steve Sorrell, Nick Spencer, Peter Victor, DerekWall, David Woodward e Dimitri Zenghelis. Um bom nmero de outros colegas e amigosajudaram e me aconselharam nessa empreitada mesmo que, por vezes, sem saber disso!Agradecimentos particulares so devidos a Colin Campbell, Mick Common, Brian Davey, AndyDobson, Angela Druckman, Ian Gough, Bronwyn Hayward, Colin Hines, Fritz Hinterberger,Lester Hunt, Nic Marks, Frances OGrady, Ronan Palmer, Miriam Pepper, Ann Pettifor, AlisonPridmore, Rita Trattnig, Chris Tuppen, John Urry e David Wheat.

    O secretariado da SDC que ajudou a montar as oficinas e a lanar o relatrio original mereceuma meno especial. Sue Dibb, Sara Eppel, Ian Fenn, Andrew Lee, Andy Long, Rhian Thomas,Jacopo Torriti, Joe Turrent e Kay West foram uma fonte constante de conselhos e apoio. Devominha gratido a Victor Anderson, cuja experincia foi indispensvel durante o Projeto

  • Redefinindo a Prosperidade.Finalmente, meus agradecimentos equipe da Earthscan em particular, Camille Bramall,

    Gudrun Freese, Alison Kuznets, Veruschka Selbach e Jonathan Sinclair Wilson por suapacincia, apoio e entusiasmo ilimitado pelo projeto.

  • CPrefcio

    omo devemos prosperar? Essa a questo simples e central do relato lcido e notvel doprofessor Jackson sobre a economia da sustentabilidade e no qual pergunta o que pode significarpara ns vivermos bem dentro dos limites de um planeta finito.

    No podemos negar que nossas tcnicas industrializadas e o domnio da cincia nos trouxeramenormes benefcios. Vivemos vidas mais longas e saudveis, com uma diversidade deoportunidades nem sonhada h poucas dcadas. Revolues na agricultura, nutrio, cuidados desade, educao, comunicao e informao abriram nossos horizontes e tornaram possveiscoisas que teriam sido simplesmente inimaginveis a nossos ancestrais benefcios dos quaisningum abriria mo voluntariamente.

    desnecessrio dizer que, com certeza, temos um dever moral de partilhar esses benefcioscom aqueles nas partes mais pobres do mundo. Resta uma necessidade urgente de melhorar asade nutricional de 2 bilhes de pessoas ainda cronicamente subnutridas; aumentar o acesso gua potvel para 1 bilho de pessoas que continuam vivendo sem acesso a fontes de guasseguras e no contaminadas; fornecer meios de vida decentes queles que seguem lutando pelasobrevivncia na frica subsaariana, nas favelas da Amrica Latina. Prosperidade semCrescimento reconhece logo de incio essas necessidades avassaladoras de desenvolvimento.

    A questo : podemos satisfazer essas necessidades seguindo o mesmo caminho que criou essasituao perturbadora, em que estamos j consumindo os recursos da Terra mais rpido do que anatureza pode reabastec-los? O consumismo desenfreado custa caro, e a Terra tem cada vezmais dificuldade de pagar. A evidncia muito clara: o progresso moderno dependeinerentemente da explorao da generosidade extraordinria da natureza, da riqueza de nossosrecursos naturais, da estabilidade do clima, da resilincia de nossos ecossistemas. Mas agenerosidade do planeta necessariamente limitada, e falhamos em no respeitar esses limites.Acreditamos que a natureza sempre vai estar disposio, aparentemente deixando-a, porinteiro, de fora da equao enquanto perseguimos com mpeto nosso desejo por convenincia emtudo.

    O professor Jackson busca examinar se o modelo econmico dominante e convencional dehoje pode ajudar a situao ou se prejudica nossas chances de estabelecer uma abordagem mais

  • equilibrada e que preserve, a longo prazo, os preciosos sistemas de apoio vida na Terra. Noesforo de enfrentar toda a questo da anlise de custo (ambiental) pleno, estabeleci um projetochamado Contabilidade para a Sustentabilidade, que encoraja empresas a incluir em suacontabilidade a mensurao de tudo que importa ou seja, a essencial contribuio de capitalda natureza.

    Prosperidade sem Crescimento um livro tanto radical quanto desafiador, mas sua viso deprosperidade compartilhada e duradoura transmite uma mensagem plena de esperana. umaviso que precisa ser considerada com seriedade. A sade de nossos sistemas e, portanto, aprosperidade futura de nossos filhos podem muito bem depender dela.

    Charles, prncipe de Gales

  • Captulo 1

    A Prosperidade Perdida

    Eu acho que todos ns aqui hoje reconhecemos que perdemos nossa noo deprosperidade partilhada.

    Barack Obama, 27 de maro de 20081

    Prosperidade quando as coisas vo bem para ns. Como anda a vida?, perguntamos uns aosoutros.2 Como vo as coisas? As trocas de cumprimento cotidianas transmitem mais que umasaudao casual. Elas revelam uma fascinao mtua pelo bem-estar do outro. Querer que ascoisas andem bem uma preocupao humana comum.

    Entende-se que essa sensao de que as coisas vo bem inclui alguma noo de continuidade.No somos inclinados a achar que a vida corre sem dificuldade se esperamos, confiantemente,que as coisas desmoronem amanh. Sim, estou bem, obrigado. Estou falindo amanh. Talresposta no tem sentido. H uma tendncia natural de nos preocuparmos com o futuro.

    Existe tambm uma sensao de que cada prosperidade individual restringida na presena decalamidade social. As coisas indo bem para mim um pequeno consolo se minha famlia, meusamigos ou minha comunidade esto todos em apuros. Minha prosperidade e a prosperidade dosoutros esto entrelaadas. Por vezes, inextricavelmente.

    Em grau maior, essa preocupao partilhada se traduz em uma viso de progresso humano. Aprosperidade fala da eliminao da fome e da falta de moradia, do fim da pobreza e da injustia,da esperana de um mundo seguro e pacfico. E essa viso importante no apenas por razesaltrustas mas tambm, e com frequncia, para assegurar que nossa prpria vida tenha sentido.Traz com ela uma sensao confortante de que as coisas esto ficando melhores no todo e nopiores se no para ns, pelo menos para aqueles que vm depois de ns. Uma sociedademelhor para nossos filhos. Um mundo mais justo. Um lugar em que os desafortunados possamum dia prosperar. Se no posso acreditar nessa perspectiva, ento no que vou acreditar? Quesentido pode fazer em minha prpria vida?

    Dessa forma, a prosperidade uma viso partilhada. Ecos dela habitam nossos rituais dirios.As deliberaes sobre ela moldam o mundo poltico e social. A esperana nela se encontra nocentro de nossa vida.

    At a tudo bem. Mas como se pode alcanar esse cenrio? Sem algum modo realista detraduzir esperana em realidade, a prosperidade permanece uma iluso. importante haver ummecanismo verossmil e robusto para conquistar a prosperidade. E isso mais que apenas aquesto de a maquinaria funcionar bem. A legitimidade dos meios de viver bem parte da ligaque mantm a sociedade coesa. O significado coletivo se extingue quando a esperana se perde.A prpria moralidade fica ameaada. vital ajustar o mecanismo.

    Uma das principais mensagens deste livro que estamos fracassando nessa tarefa. Nossastecnologias, nossa economia e nossas aspiraes sociais esto todas desalinhadas com qualquer

  • expresso significativa de prosperidade. A viso do progresso social que nos impele baseada naexpanso contnua de desejos materiais , fundamentalmente, indefensvel. E esse fracassono algo que tenha nos deixado perto de ideais utpicos. bem mais bsico. Hoje, em busca daboa vida, estamos de forma sistemtica, desgastando os pilares do bem-estar do amanh.Corremos perigo real de perder qualquer perspectiva de prosperidade partilhada e duradoura.

    Mas este livro no discurso extravagante contra os fracassos da modernidade. Nem lamento da inevitabilidade da condio humana. H, sem dvida, algumas restries imutveis anossas perspectivas de prosperidade duradoura. A existncia de limites ecolgicos atividadehumana pode ser uma delas. Aspectos da natureza humana podem acabar sendo outra. Oreconhecimento desses constrangimentos crucial ao esprito dessa investigao.

    O objetivo dominante deste livro buscar respostas viveis ao maior dilema de nossos tempos:reconciliar nossas aspiraes por uma boa vida com as reservas de um mundo finito. A anlisedas pginas seguintes foca descobrir uma viso, digna de crdito, do que significa para asociedade humana prosperar no contexto dos limites ecolgicos.

    Prosperidade como CrescimentoNo centro do livro reside uma pergunta muito simples. Como ver a prosperidade em um mundofinito, com uma populao que dever passar dos 9 milhes dentro de dcadas?3 Ser que temosuma viso decente de prosperidade para um mundo como este? Essa viso verossmil, em faceda evidncia disponvel sobre limites ecolgicos? Como transformar essa viso em realidade?

    A resposta prevalente a essas questes computar a prosperidade em termos econmicos eapelar pela continuidade do crescimento econmico como meio de realiz-la. Rendas mais altassignificam mais escolhas, vida mais rica, uma melhora da qualidade de vida daqueles que sebeneficiam delas. Essa pelo menos a sabedoria convencional.

    Essa frmula expressa (quase literalmente) como um aumento no produto interno bruto(PIB) per capita. O PIB , de modo geral, uma medida da atividade econmica em umanao ou regio.4 Como veremos adiante, h boas razes para se questionar se tal medida bruta, de fato, suficiente. Mas, por enquanto, uma reflexo justa daquilo que se entende, em termosamplos, por aumento de renda. Uma elevao per capita do PIB , desse ponto de vista, oequivalente a um crescimento da prosperidade.5

    Essa , sem dvida, uma das razes pelas quais o crescimento do PIB foi a mais importantemeta poltica em todo o mundo na maior parte do sculo passado. Tal resposta ainda temclaramente uma lgica atraente para as naes mais pobres do mundo. Uma abordagemsignificativa da prosperidade deve certamente tratar da condio de 1 bilho de pessoas nomundo que vivem com menos de US$ 1 por dia metade do preo de um cappuccino pequenona Starbucks.6

    Mas ser que a mesma lgica faria sentido s naes mais ricas, em que as necessidades desubsistncia esto amplamente satisfeitas e a proliferao maior de consumo pouco acrescentaao conforto material? Como que, j com tanto, ainda estamos famintos de mais coisas? Noseria melhor deter a busca incansvel pelo crescimento nas economias avanadas e nosconcentrarmos em partilhar os recursos disponveis de forma mais igualitria?

  • Em um mundo de recursos finitos, restringido por limites ambientais estritos, aindacaracterizados por ilhas de prosperidade dentro de oceanos de pobreza, 7 o aumentocontnuo da receita daqueles j ricos seria um foco legtimo na continuidade de nossasesperanas e expectativas? Ou ser que talvez exista um caminho a uma forma de prosperidademais sustentvel e equitativa?

    Voltaremos algumas vezes a essa questo, e a exploraremos de perspectivas diferentes. Masvale a pena deixar bem claro aqui que, para muitos economistas, a ideia de prosperidade semcrescimento um completo antema. No se questiona o crescimento do PIB. Resmas e resmasde papel foram escritas sobre aquilo em que se baseia, quem faz isso melhor e como agir quandoisso parar de acontecer. Escreve-se bem menos sobre por que queremos isso, em primeiro lugar.

    Mas a busca incansvel por mais que se abriga na viso convencional de prosperidade nodeixa de ter pilares intelectuais. Em resumo, funciona mais ou menos assim. O PIB conta osvalores econmicos de bens e servios trocados no mercado. Se gastarmos nosso dinheiro emmais e mais commodities, porque as valorizamos. No as valorizaramos se elas, ao mesmotempo, no estivessem melhorando nossa vida. Ento, um aumento contnuo no PIB per capita um substituto razovel para uma prosperidade crescente.

    Mas essa concluso estranha, precisamente porque prosperidade no sinnimo to bvio derenda ou riqueza. O aumento de prosperidade no , de maneira evidente, a mesma coisa quecrescimento econmico. Mas no necessariamente melhor. At bem recentemente, aprosperidade no era de forma alguma expressa em termos de dinheiro era simplesmente ooposto de adversidade ou desgraa.8 O conceito de prosperidade econmica e a ligao doaumento desta com crescimento econmico uma interpretao moderna. E uma explicaoque j tem sofrido considerveis crticas.

    Entre os ataques feitos contra ela, h o de que o crescimento distribuiu seus benefcios, nomnimo, de maneira desigual. Um quinto da populao mundial recebe apenas 2% da rendaglobal. Os 20% mais ricos, em contraste, recebem 74% da renda mundial. Enormes disparidades diferenas reais em prosperidade por quaisquer padres caracterizam a diferena entre ricose pobres. Tais disparidades so inaceitveis do ponto de vista humanitrio. Elas tambm geramcrescente tenso social: sofrimentos reais nas comunidades mais desfavorecidas, com efeitodisseminado na sociedade como um todo.9

    Mesmo em economias avanadas, a desigualdade maior que h 20 anos. Enquanto os ricosficam mais ricos, as rendas da classe mdia em pases ocidentais se estagnaram em termos reaisbem antes da recesso atual. Longe de elevar o padro de vida daqueles que mais precisam, ocrescimento deixou na mo grande parte da populao mundial nos ltimos 50 anos. A riquezafoi, gradualmente, ficando com poucos e afortunados.

    Justia (ou a falta dela) apenas uma das razes para se questionar a frmula convencional dealcance da prosperidade. Outra o reconhecimento crescente de que, pelo menos para alm deum ponto, a busca contnua por crescimento econmico no parece avanar a felicidade,podendo mesmo impedi-la. Os debates sobre uma recesso social crescente em economiasavanadas acompanharam o relativo sucesso econmico da ltima dcada.10

    Por fim, e talvez de forma mais bvia, qualquer viso razovel de prosperidade tem de tratar

  • da questo dos limites. Isso particularmente verdadeiro para uma viso baseada nocrescimento. Como e por quanto tempo o crescimento constante possvel, sem trombarmoscom os limites ecolgicos de um planeta finito?

    A Questo dos LimitesA preocupao com os limites to antiga como as montanhas. Mas pode-se perceber suahistria recente em trs fases distintas. No fim do sculo 18, o proco Thomas Robert Malthus alevantou em seu Ensaio sobre a Populao, imensamente influente. Nos anos 1970, ela foilevantada mais uma vez, de forma diferente, no relatrio Limites ao Crescimento, do Clube deRoma. A terceira fase aquela na qual nos encontramos agora: as preocupaes com asmudanas climticas e o pico do petrleo11 competem por nossa ateno com temores de umcolapso econmico.

    perigoso, claro, conjurar o espectro de Malthus. Ele severamente condenado, por todo tipode razes. Algumas delas como sua viso preconceituosa da pobreza e sua firme oposio Leidos Pobres so muito vlidas. Foi Malthus, afinal de contas, quem deu economia suareputao de ser uma cincia funesta. Ento, talvez seja o caso de dizer, sem rodeio, queMalthus estava errado. Pelo menos no que tange a aspectos particulares de suas concepes.12

    Seu argumento (maciamente condensado) era de que o crescimento da populao sempremais rpido que o dos recursos disponveis para alimentar e abrigar as pessoas. Assim, cedo outarde a populao se expande alm dos meios de subsistncia, e algumas pessoas inevitavelmente as mais pobres iro sofrer.

    Um dos fracassos de Malthus foi no ter conseguido ver (e mesmo perceber) a desigualdadeestrutural que mantinha as pessoas presas pobreza. Mas ele tambm estava errado com amatemtica. A populao global agora seis vezes maior que no tempo de Malthus. E isso, emparte, porque os meios de subsistncia se expandiram consideravelmente mais depressa que apopulao o que vai completamente contra sua premissa. A economia global 80 vezes maiorque em 1800.13

    Escaparam-lhe, por completo, as implicaes de longo prazo das macias mudanastecnolgicas que j aconteciam a seu redor. E nem poderia ter previsto que, com odesenvolvimento, viria uma desacelerao considervel da taxa de aumento da populao. Hoje,a afluncia crescente est levando a uma maior utilizao de recursos que o crescimentopopulacional.14 Os meios de subsistncia mais que acompanharam a propenso das pessoas a sereproduzir, em grande parte por causa da fcil disponibilidade de combustveis fsseis baratos.Ainda assim, os aumentos macios no uso de recursos associados a uma economia global quase70 vezes maior que em seu tempo poderiam ainda fazer o proco Malthus parar para pensar.Como esses aumentos continuariam ocorrendo?

    Essa foi a pergunta feita por um grupo de cientistas comissionados pelo Clube de Roma nosanos 1970 para explorar a questo dos limites ecolgicos. Donella e Dennis Meadows e colegasexaminaram o crescimento exponencial de uso de recursos, populao e atividade econmicadesde a Revoluo Industrial, e fizeram, a si mesmos, uma pergunta muito simples. Como possvel que esses tipos de curva (Figura 1.1 a) continuassem como as projees econmicas

  • convencionais supunham?Eles sabiam que os ecossistemas naturais obedeciam a tipos de curva muito diferentes (Figura

    1.1 b). Ser que os grandes avanos em progresso humano eram, no fim das contas, nada maisque um primeiro crescimento abrupto, associado ao lado esquerdo de uma curva em forma desino? E que, inevitavelmente, como qualquer outro ecossistema que excede sua base de recursos,estvamos nos encaminhando ao colapso?

    Os Meadows argumentaram que a escassez de recursos iria aumentar os preos e desaceleraras possibilidades de crescimento futuro. Eventualmente, se a produo material no fossereduzida, a prpria base de recursos entraria em colapso e, com ela, o potencial de atividadeeconmica contnua ao menos em qualquer escala como a antecipada pelos otimistas.

    Figura 1.1 Curvas de crescimento para sistemas econmicos e ecolgicos

    Fonte: Autor

    Coletando tantos dados quantos conseguiram encontrar sobre taxas de extrao de recursos ereservas disponveis, eles estabeleceram a si mesmos a meta de descobrir quando chegariam ospontos de virada aqueles em que a escassez real poderia comear a pegar.

    Como ocorreu e apesar do fato de os Meadows escreverem em uma poca em que dadosbsicos sobre recursos naturais eram ainda mais escassos que hoje , suas previses semostraram notavelmente precisas. Limites ao Crescimento previu carncias significativas derecursos, nas primeiras dcadas do sculo 21, se no fossem tomadas medidas para limitar oconsumo material. Mas, nos primeiros anos do novo milnio, a perspectiva de escassez j

  • assomava.Mais significativamente, o debate sobre o pico do petrleo j era tema de fortes controvrsias

    no ano 2000. Os que defendiam a tese do pico diziam que esse estgio de produo de petrleo, esua subsequente queda, estavam a poucos anos de distncia ou j estavam ocorrendo. Seusoponentes apontavam as macias reservas, ainda disponveis nas areias betuminosas e no xisto.Extrair petrleo pode ser caro e perigoso para o ambiente, mas a escassez absoluta ainda estavabem longe, diziam os otimistas.15

    Enquanto isso, o preo do petrleo subia de forma consistente. As altas sbitas j tinhammostrado ter potencial para desestabilizar a economia global e ameaar as seguridades bsicas.Em julho de 2008, os preos do petrleo chegaram a US$ 147 o barril (Figura 1.2). Emboratenham cado severamente nos meses seguintes, a ameaa do pico de petrleo no foi embora. Atendncia de aumento havia retornado no comeo de 2009.

    Mesmo a Agncia Internacional de Energia (AIE) sugere agora que o pico pode chegar jem 2020. Outros comentaristas acreditam que seria antes. O petrleo no vai desaparecer depoisdo pice, mas ser mais escasso e mais caro de extrair. Para todos os efeitos, a era do petrleobarato acabaria e a economia do setor energtico seria, como resultado, alterada de formairrevogvel.16

    Figura 1.2 Preos globais de commodities: janeiro de 2003julho de 200917

    Fonte: Desenhado pelo autor com dados da nota 17

    O petrleo no a nica commodity para a qual a escassez de recursos ser uma questo em

  • dcadas. Os preos de alimentos tambm subiram de forma acentuada no ano at o ms de julhode 2008, levando a revoltas nas ruas em alguns pases. Alm do surto, a tendncia subjacenteparece ser de nova alta (Figura 1.2). A terra produtiva, como o prprio Malthus reconheceu, oltimo recurso quando se trata da sobrevivncia bsica. Conflitos sobre o uso da terra,particularmente para biocombustveis, foram certamente um dos fatores por trs dos aumentosdos preos de alimentos em 2008. Ningum imagina que esses conflitos iro diminuir com otempo.

    A tendncia nos preos de minerais tambm de alta. Isso no surpreende. A demanda estcrescendo, e mesmo as taxas atuais de extrao de diversos minerais importantes medem seutempo de exausto em dcadas, no em sculos. Com o aumento das taxas de extrao, encurta-se o horizonte de escassez.

    Se o mundo todo consumisse recursos a apenas metade da razo dos Estados Unidos, porexemplo, cobre, estanho, prata, crmio, zinco e um sem-nmero de outros metais estratgicosestariam exauridos em menos de quatro dcadas. Se todos consumissem mesma razoamericana, o horizonte de tempo seria de menos de 20 anos. Alguns metais da terra rarosestariam exauridos em uma dcada, mesmo razo de consumo global atual.18

    Todos os tipos de fator estiveram em jogo durante a bolha de preos de commodities em2008. Alguns deles eram apenas polticas de curto prazo. Todos concordam que difcil reunirmuita informao sobre escassez com base em flutuaes de curto prazo. O fato aproveitadopor otimistas que querem tirar a nfase da questo da iminncia de escassez de recursos. Maspreocupa tambm que os preos de commodities sejam volteis demais para oferecerinformao confivel sobre a escassez iminente. A ameaa de escassez foi o suficiente parafaz-los disparar. Eles tinham a mesma tendncia ao colapso em face recesso. Tanto no picoquanto na recesso, a base subjacente de recursos fsicos moveu-se, de forma inexorvel, emdireo exausto. O mercado demasiadamente obcecado consigo prprio para mensurar isso.

    Conforme um economista comentou comigo no meio de uma crise de crdito: No tivemos arecesso que muitos economistas que olhavam para a bolha das commodities acharam queteramos, aquela puxada por altos preos de recursos. Mas uma coisa certa: a recesso estvindo. Mais cedo ou mais tarde. E, quando isso ocorrer, o impacto nos preos no vai ser menoschocante que em 2008. E na economia ser devastador.

    A terceira fase do debate sobre recursos diferente das ltimas duas. A escassez de recursos o problema das fontes, na linguagem dos economistas ambientais apenas parte dapreocupao. O debate alimentado com mais fora pelos problemas dos sumidouros acapacidade do planeta de assimilar os impactos ambientais da atividade econmica. Mesmoantes de acabar o petrleo, explica o ecologista Bill McKibben, estamos ficando semplaneta.19

    As mudanas climticas so uns desses problemas do sumidouro. Elas vm da acumulao degases de efeito estufa na atmosfera acelerada pelas atividades humanas, em especial pelaqueima de combustveis fsseis. A capacidade do clima de assimilar essas emisses sem incorrerem mudana perigosa est se esgotando com rapidez.

    Trazida ateno do mundo no fim dos anos 1980 pelo cientista do clima James Hansen, as

  • mudanas climticas chegaram inexoravelmente agenda poltica nas ltimas duas dcadas. Suavisibilidade recebeu um macio empurro com o influente Relatrio Stern, publicado em 2006.Ex-economista do Banco Mundial, Nicholas Stern foi convidado a liderar uma investigao daeconomia para o Tesouro britnico. O trabalho concluiu que um pequeno golpe no PIB (talvez topouco como 1% dele) evitaria outro bem maior (talvez tanto quanto 20%) mais tarde.20

    revelador que tenha sido necessrio um economista comissionado pelo Tesouro de umgoverno alertar o mundo sobre o que cientistas do clima vinham dizendo h anos maisnotavelmente aqueles do Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC). Isso em parte testemunho do poder dos economistas no mundo poltico. Mas o impacto do RelatrioStern tambm se deveu natureza sedutora de sua mensagem. As mudanas climticas podemser consertadas, disse ele, e mal notaremos a diferena. O crescimento econmico pode seguirmais ou menos como de costume.

    Teremos ocasio de examinar essa mensagem mais de perto com o que segue. A histria dapoltica do clima certamente sugere alguma cautela em acreditarmos que as coisas sero fceis.O Protocolo de Ky oto comprometeu naes avanadas a um corte de redues de gases deefeito estufa ao equivalente de 5% em 2020, em relao aos nveis de 1990. Mas as coisas nofuncionaram assim to bem. Globalmente, as emisses cresceram cerca de 40% desde 1990.

    Nesse meio-tempo, a cincia do clima andou para frente. O Relatrio Stern tomou como suameta a tarefa de estabilizar as emisses de carbono da atmosfera em 550 partes por milho(ppm).21 A maioria os cientistas, e o prprio Stern, agora acreditam que esse objetivo no vaiimpedir a mudana antropognica do clima. O Quarto Relatrio de Avaliao do IPCCargumenta que ser necessria uma meta de 450 ppm se as mudanas climticas tiverem deficar restritas a uma elevao global de temperatura de 2C.22 Chegar a essa meta podesignificar reduzir as emisses globais em at 85% at 2050, em relao aos nveis de 1990.23

    Dois artigos publicados na revista Nature, em abril de 2009, desafiaram at mesmo essaconcluso. Os autores argumentam que o que importa o oramento total de carbono a que nospermitiremos no perodo at 2050. As concentraes atmosfricas globais j esto em 435 ppm.Se quisermos ter uma chance de 75% de ficarmos abaixo de 2C, a economia global apenas podese permitir emitir um total de 1 trilho de toneladas de dixido de carbono (CO2) at o ano 2050.De forma crucial, eles mostraram que, em 2008, j tnhamos usado um tero desse oramento.Ficar dentro dele exigir mais do que os cenrios atuais de estabilizao em 450 ppm sugerem.24

    A mensagem por trs de tudo isso profundamente desconfortvel. Mudanas climticasperigosas esto a apenas algumas dcadas de distncia. Pode levar dezenas de anos paratransformar nossos sistemas de energia. E mal comeamos essa tarefa. O avano da cinciatorna mais claro que um aquecimento se revelaria a mais grave ameaa sobrevivncia queenfrentamos. Embora tenha chegado tarde festa, o clima acabaria sendo a me de todos oslimites.

    Alm dos LimitesEssa breve pincelada dos limites ecolgicos no faz qualquer justia a toda a riqueza deconhecimento acumulada sobre a escassez de recursos ou as mudanas climticas. Nem chegou

  • a tocar nas questes do desflorestamento rpido, da perda de diversidade biolgicahistoricamente sem precedentes, do colapso nos estoques de peixes, da escassez de gua ou dapoluio de solo e fontes de gua. Leitores interessados devem procurar em outros lugares umadiscusso mais detalhada dessas questes.25

    Em certo sentido, os detalhes no so o problema. Ningum discorda seriamente da avaliaodos impactos. Agora se reconhece de forma ampla, por exemplo, que cerca de 60% dos serviosde ecossistemas do mundo foram degradados ou usados excessivamente desde meados do sculo20.26

    Durante o mesmo perodo, a economia global cresceu mais de cinco vezes. Se continuar namesma proporo, ser 80 vezes maior em 2100 que em 1950.27 Essa extraordinria aceleraoda atividade econmica no tem precedente histrico. Est totalmente em desacordo com nossoconhecimento cientfico da base finita de recursos e a frgil ecologia das quais dependemos paraa sobrevivncia.

    Um mundo no qual as coisas sigam como de costume j inconcebvel. Mas e um mundo noqual cerca de 9 bilhes de pessoas iro alcanar o nvel de afluncia esperado nas naes daOcde?28 Tal economia precisaria ter 15 vezes o tamanho da atual (75 vezes o que era em 1950)at 2050 e 40 vezes maior que a economia atual (200 vezes maior que em 1950) at o fim dosculo.29 Como seria uma economia como essa? Ela funcionaria base de qu? Ser queoferece uma viso verossmil de uma prosperidade partilhada e duradoura?

    Na maior parte das vezes, evitamos a realidade chocante desses nmeros. A premissa usual de que, deixando de lado as crises financeiras, o crescimento continuar indefinidamente. Noapenas para os pases mais pobres, aos quais uma melhor qualidade de vida inegavelmentenecessria, mas at mesmo para as naes mais ricas, em que a cornucpia de riqueza materialpouco acrescenta felicidade e comea a ameaar as fundaes de nosso bem-estar.

    A razo dessa cegueira coletiva (como veremos mais tarde, em detalhe) bastante fcil dedescobrir. A economia moderna dependente de forma estrutural do crescimento econmicopara sua estabilidade. Quando o crescimento vacila como aconteceu durante os ltimos edramticos estgios de 2008 , os polticos entram em pnico. Os negcios lutam para sobreviver.Pessoas perdem seus empregos e, por vezes, suas casas. Uma espiral de recesso ameaa.Questionar o crescimento tido como um ato de lunticos, idealistas e revolucionrios.

    Mas preciso question-lo. A ideia de uma economia de no crescimento pode ser umantema para um economista. Mas a ideia de uma economia continuamente crescente o paraum ecologista. Nenhum subsistema pode crescer indefinidamente, em termos fsicos. Oseconomistas tm de conseguir responder questo de como um sistema econmico decrescimento contnuo pode caber em um sistema ecolgico finito.

    A nica resposta possvel a esse desafio sugerir como os economistas o fazem que umcrescimento em dlares seja descasado do crescimento em produo fsica e dos impactosambientais. Mas, como veremos de maneira mais clara a seguir, isso ainda no chegou quiloque necessrio. No h perspectiva de que seja feito em um futuro imediato. E a enormeescala do descasamento requisitada para permanecermos nos limites estabelecidos aqui (e paraficar neles enquanto a economia cresce perpetuamente) algo que estonteia a imaginao.

  • Em resumo, no temos alternativa a no ser questionar o crescimento. O mito do crescimentonos desapontou. Desapontou 1 bilho de pessoas que ainda tentam viver com metade do preo deuma xcara de caf por dia. Desapontou frgeis sistemas ecolgicos dos quais dependemos paraa sobrevivncia. Desapontou, espetacularmente, em seus prprios termos, ao no fornecer aestabilidade econmica ou assegurar o meio de vida das pessoas.

    claro que, se a atual crise econmica de fato indicar (como alguns preveem) o fim de umaera de crescimento fcil ao menos para as naes avanadas, ento, as preocupaes destelivro so duplamente relevantes. A prosperidade sem crescimento um truque muito til de seter na manga quando a economia vacila.

    A realidade desconfortvel que nos encontramos frente a um fim iminente da era dopetrleo barato, perspectiva do aumento consistente de preos de commodities, degradaodo ar, da gua e do solo, aos conflitos do uso da terra, do uso de recursos, do uso da gua e dasflorestas e dos direitos de pesca, e ao momentoso desafio de estabilizar o clima global. Eencaramos essas tarefas com uma economia que est fundamentalmente quebrada, necessitandodesesperadamente de renovao.

    Nessas circunstncias, a volta aos negcios como de costume (business as usual) no opo.A prosperidade para poucos, baseada na destruio ecolgica e na persistente injustia social,no pilar para uma sociedade civilizada. A recuperao econmica vital. absolutamenteessencial proteger o emprego das pessoas e criar novos empregos. Mas tambm temosnecessidade urgente de um sentido renovado de prosperidade partilhada. Um compromisso maisprofundo com a justia em um mundo finito.

    Alcanar essas metas pode parecer uma tarefa desconhecida ou mesmo incongruente para aspolticas na era moderna. O papel do governo tem sido enquadrado muito estreitamente porobjetivos materiais, e esvaziado por uma noo mal orientada de liberdades sem fronteiras paraos consumidores. O prprio conceito de governana precisa de renovao urgente.

    Mas a crise econmica nos apresenta uma oportunidade nica para investir na mudana. Paravarrermos para longe o pensamento de curto prazo que contamina a sociedade h dcadas. Parasubstitu-la com polticas ponderadas capazes de lidar com o desafio enorme de prover umaprosperidade duradoura.

    No fim das contas, a prosperidade vai alm dos prazeres materiais. Ela transcendepreocupaes materiais. Reside na qualidade de nossa vida e na sade e felicidade de nossasfamlias. Est presente na fora de nossos relacionamentos e em nossa confiana nacomunidade. evidente em nossa satisfao no trabalho e em nossa sensao de significado epropsito partilhados. Depende de nosso potencial de participar da vida da sociedade emplenitude.

    A prosperidade consiste em nossa capacidade de florescer como seres humanos dentro doslimites ecolgicos de um planeta finito. O desafio de nossa sociedade criar condies nas quaisisso ser possvel. a tarefa mais urgente de nossos tempos.

  • Captulo 2

    A Era da Irresponsabilidade

    Esta foi uma era de prosperidade global. Foi tambm uma era de turbulncia global. Eonde houve irresponsabilidade, devemos dizer claramente: a era da irresponsabilidadetem de terminar.

    Gordon Brown, setembro de 20081

    A frmula convencional para conquistar a prosperidade depende da busca por crescimentoeconmico. Rendas mais altas vo aumentar o bem-estar e levar prosperidade a todos, de acordocom esse ponto de vista.

    Este livro desafia essa frmula. Ele questiona se o crescimento econmico ainda uma metalegtima dos pases ricos, quando grandes disparidades de renda e bem-estar persistem em todo oglobo e a economia global se encontra restringida por limites ecolgicos finitos. Explora se osbenefcios do crescimento econmico contnuo ainda compensam os custos e examina apremissa de que o crescimento essencial para a prosperidade. Pergunta, em resumo: possvelter prosperidade sem crescimento?

    Essa questo ganhou grande relevncia durante a escrita deste livro. A crise bancria de 2008levou o mundo beira de um desastre financeiro e chacoalhou o modelo econmico dominanteem suas fundaes. Redefiniu as fronteiras entre mercado e Estado e nos forou a confrontarnossa incapacidade de gerenciar a sustentabilidade financeira de nossa economia global semmencionar a social e a ambiental.

    A confiana dos consumidores foi abalada. Os investimentos foram adiados por completo e odesemprego teve alta notvel. Economias avanadas (e de alguns pases em desenvolvimento)encararam a perspectiva de uma recesso profunda e de longo prazo. A confiana nos mercadosfinanceiros dever sofrer ainda por um tempo considervel. Os setores financeiros pblicosoperaro em seu limite por uma dcada ou mais.

    Levantar questes profundas e estruturais sobre a natureza da prosperidade nesse clima podeparecer inoportuno, seno insensvel. No nisso que as pessoas esto interessadas quando osmercados financeiros esto em turbulncia, admite o bilionrio George Soros de sua prpriatentativa de indagar a fundo a crise global de crdito.2

    Mas est claro que necessria alguma reflexo sria. No parar e questionar o queaconteceu seria empilhar fracasso em cima de fracasso: falta de viso com falta deresponsabilidade. No mnimo, a crise econmica apresenta oportunidade nica de lidarmos comas sustentabilidades econmica e ecolgica, juntas. E, como argumenta este captulo, essas duascoisas esto intimamente relacionadas.

    Em Busca dos VilesAs causas da crise so discutveis. O vilo mais proeminente foi considerado o emprstimosubprime* (* Crdito de risco concedido a um credor que no oferece garantias suficientes para

  • se beneficiar de taxa de juros mais vantajosa, ou prime rate. N.T.) do mercado imobilirioamericano. Alguns destacaram a impossibilidade de administrar os credit default swaps* (* Umcredit default swap um instrumento financeiro, em geral, negociado por investidores no mercadode renda fixa obrigaes. N.T. ) para especular ou fazer hedging, caso uma empresa entre emrisco de crdito de sua dvida, usados para parcelar dvidas txicas e escond-las do balano.Outros apontaram como culpados os especuladores gananciosos e os investidores inescrupulosos,determinados a fazer dinheiro rpido s custas de instituies vulnerveis.

    Uma alta dramtica em commodities bsicas durante 2007 e o comeo de 2008 (Figura 1.2)de certo contribui para a desacelerao econmica ao comprimir as margens de empresas ereduzir o gasto discricionrio. Em algum ponto em meados de 2008, economias avanadasenfrentavam a perspectiva de estagflao uma desacelerao do crescimento simultnea auma alta na inflao pela primeira vez em 30 anos. Os preos do petrleo dobraram em julhode 2008, enquanto os dos alimentos subiram 66%, causando revoltas civis em algumas naesmais pobres.3

    Todos esses fatores podem ser contados como contribuintes. Nenhum deles, sozinho, ofereceexplicao adequada sobre como os mercados financeiros conseguiram desestabilizar economiasinteiras. Por que foram oferecidos emprstimos a pessoas que no podiam pag-los? Por queregulamentadores fracassaram no cortando prticas financeiras que podiam derrubarinstituies monolticas? Por que dvidas no garantidas se tornaram uma fora to dominante naeconomia? E por que governos consistentes fizeram vista grossa ou encorajaram ativamente estaera da irresponsabilidade?

    A resposta poltica crise oferece algumas pistas. No fim de outubro de 2008, governos nomundo comprometeram estonteantes US$ 7 trilhes de dinheiro pblico mais que o PIB dequalquer pas, exceo do americano para garantir ativos arriscados, subscrever poupanasameaadas e recapitalizar bancos em falncia.4

    Ningum fingiu que isso se tratava de nada mais que uma soluo de curto prazo, eprofundamente regressiva, um conserto temporrio que recompensou aqueles responsveis pelacrise custas do contribuinte. Perdoou-se o fato com a explicao de que a alternativa erasimplesmente impensvel.

    O colapso dos mercados financeiros teria levado a uma recesso global macia ecompletamente imprevisvel. Naes inteiras iriam bancarrota. O comrcio faliria em massa.Vidas teriam sido destrudas. Casas teriam sido perdidas. O custo humanitrio de no salvar osbancos teria sido enorme. Aqueles que resistiram ao Programa de Alvio de AtivosProblemticos dos Estados Unidos (Tarp) em sua primeira leitura no Congresso pareceramalheios a suas consequncias, inflamados como estavam com uma indignao louvvel emrelao injustia da soluo.

    Mas a dura realidade era a de que os polticos no tinham escolha a no ser intervir naproteo do setor bancrio. Na linguagem da mdia, Wall Street o sangue vital da economiareal. A sade da economia depende da sade do setor financeiro. Qualquer coisa menor que ocomprometimento total com sua sobrevivncia teria sido impensvel. A meta apropriada daspolticas naquele ponto no tempo era, incontestavelmente, estabilizar o sistema: reassegurar ospoupadores, encorajar os investidores, assistir os credores, restaurar a confiana no mercado:

  • muito prximo daquilo que os governos em todo o mundo tentaram fazer.Eles obtiveram sucesso apenas parcial brecando uma descida imediata ao caos, mas no

    conseguindo evitar a perspectiva de uma recesso profunda em todo o mundo. Isso levou a maisuma rodada de pacotes de recuperao econmica no comeo de 2009, que pretendia fazerpegar no tranco os gastos com o consumo, proteger empregos e estimular de novo ocrescimento econmico. No Captulo 7, exploraremos alguns desses pacotes de estmulo emdetalhe.

    Ficou bastante claro, quando as naes do G20 se reuniram em Londres, em abril de 2009, queera necessrio um pouco de reflexo. Lderes polticos, economistas e at financistas aceitaram aquesto. A suspenso de prticas como venda a descoberto (short-selling); o aumento deregulamentao sobre os derivativos; o exame melhor das condies de emprstimos, tudo issotinha se tornado amplamente aceito como resposta inevitvel e necessria crise. Houve mesmouma aceitao resignada de que era necessrio limitar a remunerao de executivos no setorfinanceiro.5

    Esta ltima concesso, de modo notrio, foi provocada mais por necessidade poltica, face aoenorme alarido pblico contra a cultura do bnus e da participao nos lucros, do que peloreconhecimento de uma questo de princpio. Na verdade, os imensos bnus a executivoscontinuavam sendo pagos. A Goldman Sachs pagou bonificaes de US$ 2,6 bilhes de fim deano (2008), apesar de ter recebido US$ 6 bilhes de ajuda do governo americano, justificando-ospelo fato de ajudarem a atrair e motivar as melhores pessoas.6

    Mas muitas dessas respostas foram vistas como intervenes de curto prazo, destinadas afacilitar a restaurao dos negcios de costume. As vendas a descoberto ficaram suspensas porseis meses, e no proibidas. A nacionalizao parcial de instituies financeiras foi justificadacom o argumento de que as aes seriam vendidas de volta ao setor privado, assim que fosserazoavelmente possvel. O controle da remunerao de executivos era relativo aodesempenho.

    Por mais extraordinrias que algumas dessas intervenes tenham sido, elas foramamplamente vistas como medidas temporrias, males necessrios na restaurao da economiade livre mercado. O objetivo declarado era claro. Ao bombear dinheiro nos bancos e restaurar aconfiana dos emprestadores, os lderes do mundo esperavam restaurar a liquidez, revigorar ademanda e brecar a recesso.

    Sua ltima meta mxima era proteger a busca pelo crescimento econmico. Durante a crise,essa era a nica coisa inegocivel: ele deve continuar a qualquer custo. Sua renovao era onico fim que justificava as intervenes impensveis apenas alguns meses antes. Nenhumpoltico as questionou seriamente.

    Ainda assim, a submisso ao crescimento foi a caracterstica mais dominante de um sistemaeconmico e poltico que levou o mundo beira do desastre. O imperativo do crescimento deuforma arquitetura da economia moderna. Motivou as liberdades garantidas ao setor financeiro.Foi, pelo menos em parte, responsvel pelo afrouxamento das regulamentaes, pela extensoexcessiva do crdito e pela proliferao de derivativos financeiros inadministrveis (e instveis).Concorda-se, de maneira geral, que o crescimento sem precedente do consumo entre 1990 e

  • 2007 tenha sido alimentado por uma expanso macia de crdito e nveis crescentes de dvida.

    O Labirinto da Dvida

    A economia capitalista movida pela dvida. Ela notavelmente mal-entendida por muitos dens, sendo uma caracterstica to central da sociedade na qual vivemos. Mas isso , em parte,porque ela se tornou to complexa. Mesmo a terminologia bsica no direta. A dvida deconsumidores diferente da dvida pblica, que diferente da dvida externa. A dvida bruta diferente da dvida lquida. A cobertura que a mdia fez da crise confundiu consistentementeesses termos. E, para piorar as coisas, os tipos de dvida tm implicaes bem diferentes noslares, no governo e na nao como um todo (Quadro 2.1).

    Q uadro 2.1 A dvida em perspectiva

    Emprestar e tomar dinheiro emprestado (pelo menos em tempos normais) umacaracterstica fundamental da economia moderna (ver Captulo 6). Lares, empresas egovernos participam, todos, tanto emprestando (por exemplo, por meio de poupanas einvestimentos) como tomando emprestado (por exemplo, por meio de emprstimos, contasde crdito e hipotecas). Dvidas financeiras (por vezes chamas de passivos) so asacumuladas, em qualquer momento, por uma pessoa, uma firma, um governo ou mesmouma nao como um todo.

    Um princpio fundamental do capitalismo que esses passivos acumulados atraem acobrana de juros ao longo do tempo. A dvida aumenta de duas maneiras: primeiro,tomando emprestado mais dinheiro (por exemplo, para aumento nos gastos pblicos) e,segundo, por juros acumulados sobre a dvida. Para qualquer taxa de juros, um nvel maisalto na dvida coloca uma demanda maior sobre a renda das pessoas para o pagamento dosjuros e para que a dvida pare de se acumular.

    Parte dessa exigncia pode ser cumprida por rendas geradas pelos prprios ativosfinanceiros das pessoas ou por poupana. Ao participar da economia tanto como tomadorasquanto como poupadoras, as pessoas podem tentar equilibrar seus passivos financeiros(dinheiro tomado emprestado) contra seus ativos financeiros (dinheiro emprestado). Aextenso at onde importa quanto devemos depende (em parte) desse equilbrio entreativos e passivos. E, como a crise atual mostrou, da confiabilidade financeira desses ativos.

    Trs aspectos atraram a ateno da mdia e de polticos na ltima dcada: a dvida deconsumo (ou pessoal), a dvida nacional e a dvida externa bruta. Embora todas serelacionem ao dinheiro que se deve, essas dvidas so muito diferentes e tm diversasimplicaes polticas. Os pargrafos seguintes estabelecem os elementos-chave de cadauma e sua relevncia para a estabilidade econmica.

    Dvida do ConsumidorA dvida do consumidor (ou pessoal) a quantidade de dinheiro que um cidado privado

  • deve. Ela inclui emprstimos imobilirios, dvida de carto de crdito e outras formas de oconsumidor tomar dinheiro emprestado. A dvida pessoal no Reino Unido , hoje, dominadapor hipotecas, que no fim de 2008 compreendiam 84% do total. Enquanto os preos dascasas continuam subindo, os passivos financeiros das pessoas (emprstimos imobilirios)so compensados pelo valor de seus ativos fsicos (as casas). Os problemas chegam quandoos valores das casas entram em colapso. Os passivos no so mais equilibrados pelos ativos.Quando isso se mistura (como em uma recesso) a um declnio da renda, a dvida e aviabilidade financeira dos lares se torna instvel. Como acontece com grande parte daeconomia do crescimento (Captulos 4 e 6), a estabilidade financeira acaba dependendoinsustentavelmente do crescimento nesse caso, o mercado imobilirio.

    Dvida NacionalA dvida nacional (ou do setor pblico) o dinheiro que o governo deve ao setor privado.10Quando um governo incorre continuamente em dficit (gasta mais do que recebe comoreceitas), a dvida nacional cresce. Como acontece com os lares, reduzir a dvida s possvel quando o setor pblico apresenta um supervit (gasta menos do que recebe). Oaumento da dvida uma caracterstica comum das finanas pblicas durante a recesso.Mas o servio da dvida sem comprometer os servios pblicos depende fortemente deas receitas do governo futuro aumentarem. Isso pode acontecer de trs maneiras, apenas.Primeiro, conquistando a meta desejada de crescimento. Segundo, aumentando impostos.E, terceiro, usando a dvida para investir em ativos produtivos com retornos positivos para obolso pblico. Uma dvida pblica continuamente crescente em uma economia emencolhimento uma receita para o desastre.

    Dvida ExternaA dvida total fora do pas de governo, empresas e lares chamada de dvida externa. Asustentabilidade dessa dvida depende de uma mistura complexa de fatores, incluindo atonde ela se equilibra com os ativos externos, na forma tanto de ativos como de passivos(como a moeda qual esto indexados) e a fora relativa da moeda domstica no mercadointernacional. H uma presso particular sobre a economia quando a ela est encolhendo esua moeda perdendo valor. Em circunstncias extremas, um pas pode se encontrar incapaztanto de atrair investidores dispostos a apoiar seus gastos como de liquidar seus ativos paracompensar isso. Nesse ponto, o nvel de dvida externa relativo ao PIB se torna crtico. Acobrana de dvidas no valor de quase cinco vezes a renda nacional seria, por exemplo,catastrfica.

    Dvida e Oferta de MoedaO tamanho da dvida mantida por governos, empresas e lares intimamente ligada ofertade moeda economia. A maioria do dinheiro novo em economias nacionais , hoje,criada por bancos comerciais na forma de emprstimos a consumidores. Os governos, pormeio de seus Bancos Centrais, tentam controlar quanto de dinheiro criado, na forma dedvida, por meio de dois instrumentos relacionados. Um a taxa bsica aquela na qual oBanco Central empresta dinheiro aos bancos comerciais. O outro o recolhimento

  • compulsrio a percentagem de depsitos que os bancos tm de manter em reserva e que,portanto, no podem ser usados para conceder emprstimo. Quanto maior a exigncia dereservas, menos emprstimos so feitos. Quanto mais baixa a taxa-base, maior aprobabilidade de os bancos comerciais concederem emprstimos. Na ltima dcada, oFederal Reserve dos Estados Unidos (e muitos outros Bancos Centrais) usaram uma polticamonetria expansionista para incentivar os gastos dos consumidores. Isso ajudou a protegero crescimento por um tempo, mas, no fim, levou a nveis insustentveis de dvida edesestabilizou os mercados financeiros. Essa uma das razes dos apelos para o aumentoda exigncia de reserva (ver Captulo 11).

    Uma caracterstica identificada com clareza em economias avanadas no perodo precedente crise foi a ascenso contnua da dvida do consumidor. No curso de uma dcada, ela serviucomo mecanismo deliberado para liberar gastos pessoais da renda salarial e permitir que oconsumo impelisse a dinmica do crescimento.

    Nem todas as economias foram suscetveis a essa dinmica da mesma forma. Na verdade, uma caracterstica do sistema de dvida que, para que uma parte da economia global estejaaltamente endividada, outra parte deve fazer fortes economias. Durante a primeira dcada dosculo 21, os poupadores estavam, em grande parte, em economias em desenvolvimento. Astaxas de poupana na China durante 2008 foram de cerca de 25% da renda disponvel, enquantoque na ndia foram ainda mais altas, de 37%.

    Mesmo em das economias avanadas, havia distines claras entre as naes. Uma das maisinteressantes delas aquela entre as diferentes variedades de capitalismo, identificadas pelohistoriador de Harvard, Peter Hall, e o economista de Oxford, David Soskice.

    Em um extenso estudo das diferenas em economias de mercado, Hall e Soskice distinguiramdois tipos principais de capitalismo em naes avanadas. As chamadas economias liberais demercado (especificamente Austrlia, Canad, Nova Zelndia, Reino Unido e Estados Unidos)lideraram a marcha pela liberalizao, concorrncia e desregulamentao entre os anos 1980 e1990. As chamadas economias coordenadas de mercado (incluindo Frana, Blgica,Alemanha, Japo e os pases escandinavos) foram bem mais lentas em desregulamentar, edependeram com mais fora de interaes estratgicas entre empresas em vez daconcorrncia para coordenar o comportamento econmico.7

    Ambas as variedades de capitalismo esto em comum acordo sobre a busca do crescimentoeconmico. Mas diferem na prescrio certa para isso. Uma das principais diferenas reside nadvida do consumidor. Tipicamente, as economias liberais de mercado encorajaram nveis maisaltos de dvida do consumidor que as coordenadas de mercado, a fim de manter o crescimentodo consumo.

    O Reino Unido e os Estados Unidos tenderam particularmente a isso. A dvida do consumidormais que dobrou na dcada antes da crise. Mesmo durante 2008, quando a recesso ameaava, advida estava crescendo razo de 1 milho a cada 11 minutos. Embora a taxa de crescimentotenha desacelerado como tende a ocorrer em uma recesso , no fim de 2008 a dvidacumulativa do consumidor ainda estava em quase 1,5 trilho, mais alta que o PIB pelo segundo

  • ano consecutivo.8 As poupanas, por outro lado, desabaram. Durante o primeiro trimestre de2008, a razo de poupana dos lares no Reino Unido caiu abaixo de zero pela primeira vez emquatro dcadas (Figura 2.1).

    Figura 2.1 Dvida do consumidor e poupana dos lares no Reino Unido: 199320089

    Fonte: Desenhado pelo autor usando fontes de dados da nota 9

    As pessoas so encorajadas a contrair dvidas por uma mistura complexa de fatores, incluindoo prprio desejo de status social e os incentivos colocados para encorajar as vendas.Retornaremos importncia dessa dinmica gmea em captulos posteriores deste livro. Mas importante tambm notar que o requisito estrutural para o aumento do consumo tem sidofacilitado nas ltimas duas dcadas pela oferta de dinheiro (Quadro 2.1).

    O ponto importante aqui que, quando essa estratgia se torna instvel como aconteceu em2008 , ela coloca largas parcelas da populao sob risco de dificuldade financeira duradoura.Inevitavelmente, o perigo recai sobre aqueles que j so mais vulnerveis os grupos de rendamais baixa que lucraram menos nas duas ltimas dcadas de crescimento.11 Longe de trazerprosperidade, a cultura do empreste e gaste acaba depreciando-a.

    A mesma vulnerabilidade pode atingir a nao como um todo. A dvida do setor pblico medeo quanto o governo deve ao setor privado. De novo, as taxas de dvida tendem a variaramplamente entre naes, embora os padres sejam menos bvios que para a dvida do

  • consumidor. Frana, Alemanha, Canad e Estados Unidos tm todas as dvidas do setor pblicoacima dos 60% de seus PIBs. Itlia e Japo tm dvidas do setor pblico maior que seus PIBs e,em contraste, a Noruega no tem qualquer dvida dessa ordem ao contrrio, possui enormesativos financeiros.

    Tipicamente, a dvida do setor pblico sobe muito em tempos de crise. Isso tem sidoparticularmente notvel em tempos de guerra, quando os emprstimos do setor pblico podemaumentar dramaticamente para financiar o esforo de guerra. Entre 1939 e 1944, o gasto militardos Estados Unidos subiu de 2% da renda nacional para 54%. O gasto militar alemo chegou a60% da renda nacional em seu auge, em 1944. A mobilizao extraordinria de recursosnacionais para a guerra de interesse do prprio direito como uma ilustrao das possibilidadesde mobilizar a atividade econmica em tempos de crise. Mas s foi conseguida com um aumentona dvida nacional. A dvida americana subiu de 40% do PIB para mais de 100% no espao demeia dcada.12

    Coisas semelhantes acontecem durante perodos de crise financeira, quando governos tendema emprestar dinheiro para estimular a recuperao (ver Captulo 7). As enormes somas dedinheiro necessrias estabilizao do sistema bancrio, no fim de 2008 e comeo de 2009,foram largamente financiadas por mais emprstimos do setor pblico. Em parte, como parte dasoperaes de socorro, a dvida do setor pblico no Reino Unido dever dobrar, de menos de 40%do PIB, em 2007 (o teto autoimposto pelo Tesouro), para pelo menos 80% do PIB, em 2012. Issoainda mais baixo que a dvida do setor pblico no Japo, que tem lutado h muitos anos comuma economia vacilante.

    A dvida do setor pblico no , em si, uma coisa m. Ela simplesmente reflete a quantidadede dinheiro que o governo deve ao setor privado. Isso inclui dinheiro poupado pelos prprioscidados. E a ideia de que cidados possuem interesse financeiro no setor pblico tem algumasvantagens claras. Isso pode ser pensado como parte de um contrato social entre cidado eEstado. Mas, quando as taxas de poupana dos lares entram em colapso (Figura 2.1) e as dvidasnacionais sobem, mais emprstimos elevam o que se chama de dvida externa (Quadro 2.1) odinheiro que um pas empresta fora das prprias fronteiras. Isso inevitavelmente expe a nao volatilidade dos mercados internacionais.

    Alguns pases so mais bem colocados que outros para superar essa volatilidade. A dvidaexterna variou muito entre naes (Figura 2.2) durante 2007/08, de poucos 5% do PIB (na Chinae na ndia, por exemplo) a mais de 900% (na Irlanda). No Reino Unido, a dvida externa brutaaumentou sete vezes e meia no espao de apenas duas dcadas. No fim de 2008, era equivalentea quase cinco vezes o PIB, e elencada como o segundo maior nvel absoluto de dvida externa,depois dos Estados Unidos.

    Figura 2.2 Dvida externa bruta em naes (2007/08)13

  • Fonte: CIA World Factbook. Ver nota 13

    Esses encargos externos foram compensados, ao menos em parte, por um nvel mais alto queo costumeiro de ativos. Mas, em um mercado instvel, isso colocou o Reino Unido em posiofinanceira vulnervel. Mais corretamente, como nota o Fundo Monetrio Internacional (FMI),essa posio foi deliberadamente cortejada pelo Reino Unido em seu papel de centrointernacional de finana.

    A arquitetura da recuperao financeira depois da crise de 2008 e em particular o papel dosetor pblico como um detentor de propriedade nos bancos deveu muito ao primeiro-ministrobritnico Gordon Brown. A esse respeito, o governo do Reino Unido atraiu elogios merecidos porsua resposta crise. A nacionalizao dos bancos pode ter sido subtima do ponto de vista do livremercado, mas foi consideravelmente mais progressista que o simples bombeamento de dinheiroou as garantias para assegurar a liquidez. Pelo menos permitiu a possibilidade de um retornofinanceiro ao errio pblico.

    Ao mesmo tempo, o que se tornou claro por meio da crise foi a extenso na qual a economiapoltica nas ltimas duas dcadas posicionou o Reino Unido violentamente em uma falhaemergente do setor financeiro. Altos nveis de dvida do consumidor e o segundo mais alto dedvida externa no mundo no foram caractersticas acidentais da vida econmica, mas oresultado de polticas especficas para aumentar a liquidez e incentivar os gastos. A nica rea deprudncia fiscal no Reino Unido um nvel relativamente baixo de dvida do setor pblico tornou-se a primeira baixa no colapso.

    Isso no sugerir que o Reino Unido esteja sozinho ao encarar a severidade da crise atual.

  • Pelo contrrio, em um mundo cada vez mais globalizado, foi difcil para qualquer pas escapar darecesso. Mesmo aquelas economias como as de Alemanha, Japo e China que mantiveramsetores manufatureiros fortes e evitaram a dvida do consumidor, e tiveram fortes supervitspblicos, ainda assim, sofreram. Durante o ltimo trimestre de 2008, a economia alem afundoumais depressa que a de qualquer nao europeia, contraindo-se em 21%.14

    Ironicamente, a Alemanha achou difcil aumentar o consumo domstico rpido o bastantedurante a dcada anterior. Incapaz de persuadir os prprios consumidores a gastar, conseguiucrescimento ao construir um forte setor manufatureiro e ao exportar para pases como os EstadosUnidos, onde os consumidores ainda esto mais preparados para consumir que para poupar. Mas,quando o crdito entrou em colapso e o gasto dos consumidores desacelerou em toda parte, essesmercados de exportao tambm secaram, atingindo a economia alem de maneira mais duraque a maioria das outras.

    Diferenas na estrutura do crescimento econmico ensinam algumas lies interessantesquanto ao desafio de projetar uma economia sustentvel. Voltaremos s implicaes disso emcaptulos posteriores. O que est claro no momento que as razes da crise econmica so bemmais profundas que o flerte de um pas particular com o sistema bancrio ou com a dependnciade outro de mercados de exportao. Na verdade, elas residem, pelo menos em parte, no esforoacordado para liberar crdito expanso econmica no mundo.

    Em O Novo Paradigma para os Mercados Financeiros, George Soros rastreia a emergncia doque chama de superbolha nos mercados financeiros globais a uma srie de polticaseconmicas para aumentar a liquidez como meio de estimular a demanda. O relaxamento derestries do Federal Reserve americano, a desregulamentao dos mercados financeiros e apromoo da securitizao das dvidas por meio de complexos derivativos financeiros foramtambm intervenes deliberadas. O objetivo preponderante foi o de promover o crescimentoeconmico.15

    Em resumo, o que emerge de tudo isso que o mercado no foi arruinado por prticas isoladaslevadas a cabo por trapaceiros individuais. Ou mesmo por vistas grossas de regulamentadoresmenos vigilantes. As polticas colocadas em ao para estimular o crescimento econmico naeconomia levaram eventualmente a sua queda. O mercado foi demolido pelo prpriocrescimento.

    Inimigo ntimoA securitizao dos emprstimos imobilirios, por exemplo, foi defendida no mais alto nvel, eliderada por Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve. Em A Era da Turbulncia,Greenspan defende a prtica de forma explcita, ao argumentar que transferir riscos deoriginadores de emprstimos altamente alavancados pode ser crucial para a estabilidadeeconmica, especialmente em um ambiente global.16

    Em testemunho ao Congresso americano no fim de outubro de 2008, Greenspan admitiu estarchocado porque os mercados no funcionaram como o esperado.17 Mas isso apenas sublinha aquesto de que essas intervenes foram deliberadas. O tempo todo, as decises para aumentar aliquidez foram feitas com a inteno de expandir a economia. Como um artigo de destaque na

  • Economist notou: Em meio crise de 2008, fcil se esquecer de que a liberalizao temtambm boas consequncias: ao tornar mais fcil para lares e empresas conseguir crdito, adesregulamentao contribuiu para o crescimento econmico.18

    Por duas dcadas, a desregulamentao dos mercados financeiros foi defendida sob omonetarismo como a melhor forma de estimular a demanda. Os monetaristas podiam estarreagindo aos nveis de dvida pblica incorridos pelos programas de gastos key nesianos dos anos1970.19 Mas a estratgia que acabou substituindo a dvida pblica pela dvida privada sempre foiarriscada. Quando a msica parar, em termos de liquidez, as coisas vo ficar complicadas,teria observado o CEO do Citibank, logo antes de a bolha estourar. Mas, enquanto a msicaestiver tocando, voc tem de levantar e danar. Ainda estamos danando.20

    No fim de 2008, o Citibank no estava mais danando. Nenhum banco estava. A msica tinhaclaramente parado e as coisas estavam definitivamente complicadas.21 Quo complicadoestava foi indicado pelo tamanho do socorro internacional e pelo fato de que mesmo cerca deUS$ 7 trilhes de dinheiro dos contribuintes se mostraram insuficientes para garantir aestabilidade e evitar a recesso.

    Em resumo, a mensagem deste captulo que a era da irresponsabilidade no envolvedescuido casual ou cobia individual. A crise econmica no consequncia de ms prticasisoladas em partes do setor bancrio. Se houve irresponsabilidade, ela foi muito mais sistemtica,sancionada de cima, e com claro objetivo em mente: a continuao e a proteo do crescimentoeconmico.

    Dvidas EcolgicasA percepo de que a crise de crdito e a recesso que se seguiu eram parte de uma falhasistmica no paradigma econmico corrente reforada pelo entendimento das implicaes docrescimento econmico para recursos e ambiente.

    A bolha dos preos das commodities que se desenvolveu por anos e atingiu seu pico emmeados de 2008 tinha claramente explodido no fim do ano (Figura 1.2). Agora parece provvelque os altos preos atribudos a commodities naquele momento foram resultado, em parte, deespeculao e, em parte, de problemas identificveis no lado da oferta, tais como a capacidadelimitada de refino frente demanda alta.

    Mas essa bolha de curto prazo estava em cima de uma tendncia crescente de preos decommodities que no pode ser explicada apenas nesses termos. Fatores ambientais, recursos eescassez de terra tambm desempenharam papel importante e inevitavelmente continuaro afaz-lo enquanto a economia se reestabelece. Como o Captulo 1 j sugeriu, as preocupaescom o pico do petrleo j esto ganhando impulso. A taxa natural de declnio nos campos depetrleo estabelecidos , acredita-se agora, to alta como 9% ao ano.22

    A expanso econmica na China e nas economias emergentes tem acelerado a demanda porcombustveis fsseis, metais e minerais no metlicos (ver Captulo 5) e iro, inevitavelmente,reduzir a vida de reserva de recursos finitos. A competio pela terra entre alimentos ebiocombustveis teve participao clara no aumento dos preos de alimentos. E essas demandasesto, por sua vez, intimamente ligadas acelerao dos impactos ambientais: aumento nas

  • emisses de carbono, declnio na biodiversidade, desflorestamento descontrolado, colapso nosestoques de peixes, declnio nos suprimentos de gua e solos degradados.

    Os impactos materiais e ambientais do crescimento foram soberanos na induo dessainvestigao. A crise econmica pode parecer no estar relacionada, mas est. A era dairresponsabilidade demonstra uma cegueira de longo prazo s limitaes do mundo material.Essa cegueira to evidente em nossa incapacidade de regulamentar mercados financeiroscomo em nossa inabilidade de proteger recursos naturais e impedir danos ecolgicos. Nossasdvidas ecolgicas so to instveis como nossas dvidas financeiras. Nenhuma delas levadapropriamente em considerao na busca incansvel do crescimento do consumo.

    Para proteger o crescimento econmico, fomos preparados para aprovar e mesmo cortejar passivos financeiros e ecolgicos de difcil controle, acreditando que so necessrios para trazersegurana e nos manter longe do colapso. Mas isso nunca foi sustentvel a longo prazo. A crisefinanceira nos mostrou que isso no sustentvel nem mesmo a curto prazo.

    A verdade que fracassamos em fazer com que nossas economias funcionem em termosfinanceiros. Por essa razo, as respostas crise que se destinam a restaurar o status quo soprofundamente mal orientadas e destinadas ao fracasso. A prosperidade hoje no significa nadase minar as condies das quais depende a prosperidade de amanh. E a maior e nicamensagem desse derretimento financeiro de 2008 que o amanh j est aqui.

  • Captulo 3

    Redefinindo a Prosperidade

    A vida boa de uma boa pessoa s pode ser plenamente realizada em uma boa sociedade.A prosperidade s pode ser concebida como uma condio que inclua obrigaes eresponsabilidades para com os outros.

    Zia Sardar, novembro de 20071

    A viso prevalente da prosperidade como um paraso econmico de expanso contnua se provouum engano. Talvez funcionasse melhor quando as economias eram menores, e o mundo, menospopuloso. Mas, se algum dia ela fez sentido, isso certamente no acontece agora.

    Mudanas climticas, degradao ecolgica e o espectro da escassez de recursos compem osproblemas dos mercados financeiros dbeis e da recesso econmica. Solues de curto prazopara animar um sistema bancrio falido no so suficientes. Algo mais necessrio. Um pontode partida essencial estabelecer uma noo coerente de prosperidade, que no dependa depremissas convencionais sobre o crescimento do consumo.

    Este captulo busca uma viso diferente de prosperidade: aquela em que seja possvel fazercom que os seres humanos cresam, que se atinja maior coeso social, que se encontre nveismais altos de bem-estar e ainda se reduza o impacto material sobre o ambiente.

    Qualquer exame superficial da literatura revela que, alm do enquadramento econmicoestreito da questo, h certas abordagens da prosperidade em forte concorrncia.2 Algumasdelas derivam da psicologia e da sociologia; outras, da histria econmica. Algumas recorrem apontos de vista seculares e filosficos; outras, a tradies religiosas ou de sabedoria.3

    H diferenas entre essas abordagens. Mas existem tambm algumas semelhanassurpreendentes. Muitas perspectivas aceitam que a prosperidade tem dimenses materiais. perverso falar de coisas que vo bem se voc no tem os recursos materiais bsicos necessriospara se manter: gua e comida para ser adequadamente nutrido e materiais para vestimenta eabrigo. Tambm importante a segurana para se conquistar esses objetivos.

    Mas, pelo menos desde o tempo de Aristteles, est claro que necessrio algo mais que asegurana material para que seres humanos floresam. A prosperidade tem dimenses sociais epsicolgicas vitais. Dar-se bem trata em parte da capacidade de dar e receber amor, desfrutar dorespeito de seus pares, contribuir com trabalho til e ter uma sensao de pertencimento econfiana na comunidade. Em resumo, um componente importante da prosperidade acapacidade de participar livremente na vida da sociedade.4

    Algumas abordagens sugerem uma necessidade transcendental de seres humanos. Do pontode vista mais religioso, isso pode incluir a crena em algum poder superior. Mas mesmo oentendimento secular aceita que a psique humana anseia por significado e propsito na vida.

    Algumas abordagens em particular aquelas das tradies de sabedoria acrescentam prosperidade um componente moral ou tico. O intelectual islmico Zia Sardar argumenta que

  • a prosperidade s pode ser concebida como uma condio que inclua obrigaes eresponsabilidade para com outros.5 O mesmo princpio exaltado pelo Projeto Econmico eMoral dos Quakers.6 Minha prosperidade depende da prosperidade daqueles em torno de mim,sugere essa tradio, assim como a prosperidade deles depende da minha.

    H uma sobreposio interessante entre componentes da prosperidade e os fatores quesabidamente influenciam o bem-estar subjetivo ou a felicidade (Figura 3.1). Na verdade, umavez que somos felizes quando as coisas vo bem e infelizes quando no vo, h uma conexobvia entre prosperidade e felicidade. Isso no significa necessariamente que prosperidade seja amesma coisa que felicidade. Mas a conexo entre as duas fornece uma ligao til aos recentesdebates polticos sobre felicidade e bem-estar subjetivo.7

    Figura 3.1 Fatores que influenciam o bem-estar subjetivo (felicidade)8

    Fonte: GfK NOP, outubro de 2006. Ver nota 8

    Na verdade, h pelo menos trs candidatos diferentes em oferta aqui como conceitos deprosperidade. til distinguir cuidadosamente entre eles. Talvez o melhor jeito de fazer isso sejarecorrer a Amarty a Sen, que muito claramente estabeleceu as distines sobre o padro devida, em um ensaio publicado em 1984 e que se tornou referncia.9 Um dos conceitos de Senfoi caracterizado pelo termo opulncia, outro pelo termo utilidade e um terceiro pela ideia decompetncias para o crescimento.

    Prosperidade como OpulnciaFalando de maneira ampla, o primeiro conceito de Sen opulncia corresponde a umentendimento convencional de que a prosperidade trata da satisfao material. A opulncia se

  • refere disponibilidade imediata e produo constante de commodities materiais. Um aumentono fluxo de volume de commodities representa aumento da prosperidade. Quanto mais temos,melhor estamos, de acordo com esse ponto de vista.

    A lgica da abundncia como base do bem-estar data de Adam Smith. Naqueles dias, eraprioridade prover commodities materiais para satisfazer as necessidades da vida. Mas bastantebvio notar que essa simples equao de quantidade com qualidade, de mais com melhor, falsa, em geral. Mesmo a teoria econmica reconhece essa limitao. A utilidade marginalreduzida dos bens (e mesmo da prpria renda) reflete o fato de que ter mais de alguma coisaem geral fornece menos satisfao adicional.

    A sensao de que mais pode, por vezes, ser menos fornece o princpio de uma compreensoda insatisfao na sociedade de consumo (Captulo 9). Tambm oferece forte argumentohumanitrio em favor da redistribuio.

    Quando voc est sem alimento h meses e a colheita fracassou mais uma vez, qualquercomida uma bno. Quando o freezer estilo americano j est lotado com escolhasirresistveis, mesmo um pequeno extra pode ser considerado uma carga, sobretudo se vocestiver tentado a com-la. Uma vez que meu apetite por morangos, por exemplo, esteja saciado,mais dele no me trar alegria alguma. Pelo contrrio, pode at me fazer me sentir doente. E, sefor tentado a ignorar esses mecanismos de feedback corporais contra o excesso, vou acabar mevendo na estrada para a obesidade e a m sade: resultados que so absurdos de descrever comodesejveis ou satisfatrios.

    Prosperidade como UtilidadeQuantidade no a mesma coisa que qualidade. Opulncia no a mesma coisa que satisfao.A segunda caracterizao que Sen faz da prosperidade como utilidade reconhece isso. Emvez de focar no volume absoluto das commodities que esto disponveis, essa segunda versorelaciona a prosperidade com as satisfaes que as commodities provm.10

    Embora seja bem fcil articular essa diferena, mais difcil definir com preciso como ascommodities se relacionam com a satisfao, como muitos notaram.11 A nica coisa que fcilperceber de que a relao altamente no linear. Mesmo algo to bsico como alimento nosegue nenhum padro linear simples, no qual mais sempre melhor.

    H aqui uma complexidade particularmente importante. Cada vez mais, os usos aos quaisaplicamos as commodities materiais so sociais e psicolgicos em sua natureza em vez depuramente materiais.12 Nos anos imediatos do ps-guerra, era um desafio prover asnecessidades bsicas, mesmo nas naes mais afluentes. Hoje, os bens de consumo e servioscada vez mais nos suprem com identidade, experincia, um senso de pertencimento, talvez atmesmo significado, e uma sensao de esperana (Captulo 6).

    Mensurar a utilidade nessas circunstncias ainda mais difcil. Qual a satisfao psquicade um iPhone? Uma bicicleta nova? Um presente de aniversrio para uma amante? praticamente impossvel responder a essas questes. A economia circunda a dificuldade aoassumir que o valor deles equivalente ao preo que as pessoas esto dispostas a pagar emmercados de funcionamento livre. Ela elenca a utilidade como valor monetrio de trocas demercado.

  • O PIB soma todas aquelas trocas de mercado. Falando de maneira ampla, ele mensura o totalde gastos de lares, governo e investimentos em toda a nao. O gasto tomado como substitutopara a utilidade. E esse, em resumo, o argumento para acreditarmos que o PIB uma medidatil de bem-estar.

    Mas o argumento , no melhor dos casos, problemtico. H uma enorme literatura criticando ovalor do PIB como medida de bem-estar.13 Limitaes bvias incluem sua incapacidade decomputar servios de no mercado (como trabalho no lar ou voluntrio) ou utilidades negativas(externalidades) como a poluio. Os crticos apontam para o fato de que o PIB conta tantogastos defensivos quanto posicionais, embora esses no contribuam adicionalmente para obem-estar.14 E, o que talvez seja mais crtico, o PIB no consegue computar apropriadamentemudanas na base de ativos que afetam nossas possibilidades futuras de consumo.

    Alguns argumentaram que o conceito subjacente de utilidade como valor de troca fundamentalmente falho. Uma descoberta-chave aqui o chamado paradoxo da felicidade (ouvida-satisfao). Se o PIB realmente mede a utilidade, um mistrio desvendar que a satisfaode vida reportada tenha permanecido mais ou menos imutvel nas economias mais avanadaspor dcadas, apesar do crescimento econmico significativo. A renda real per capita triplicou nosEstados Unidos desde 1950, mas o percentual de pessoas que disseram estar felizes malaumentou, e declinou desde meados dos anos 1970. No Japo, houve pouca mudana nasatisfao com a vida durante dcadas. No Reino Unido, o percentual de pessoas que se diziammuito felizes caiu de 52%, em 1957, para os 36%, hoje, mesmo que as rendas reais tenhammais que dobrado.15

    Na verdade, como ilustra a Figura 3.2, o chamado paradoxo de satisfao com a vida , emgrande parte, a doena das economias avanadas. apenas depois de um nvel de renda de US$15 000 per capita que o nvel de satisfao com a vida mal responde at mesmo a aumentos maissignificativos no PIB. De fato, a relao presumida entre renda e satisfao com a vida pode nosdeixar tontos aqui. Dinamarca, Sucia, Irlanda e Nova Zelndia tm, todos, nveis mais altos desatisfao que os Estados Unidos, mas nveis de renda significativamente mais baixos.

    Figura 3.2 Felicidade e renda mdia anual16

  • Fonte: Worldwatch Institute, ver nota 16

    Em contraste, em rendas muito baixas, h uma enorme gama em termos de felicidade, mas atendncia geral uma curva de crescimento muito abrupta. Um pequeno aumento no PIB leva aum grande aumento de satisfao com a vida.

    Esses dados sublinham uma das mensagens centrais deste livro. No h argumento paraabandonar o crescimento universal. Mas h um forte para que naes desenvolvidas deemespao aos pases mais pobres crescerem. nesses pases mais pobres que o crescimentorealmente faz diferena. Em pases ricos, os rendimentos sobre mais crescimento parecem bemmais limitados. Na linguagem da economia, a utilidade marginal (mensurada aqui como bem-estar subjetivo) diminui com rapidez em nveis de renda mais altos.

    Mais importante, torna-se mais claro nessa anlise que uma mensurao da felicidade baseadana felicidade e uma medida de utilidade baseada em gastos se comportam de maneira muito

  • diferente. E j que ambas defendem mensurar a utilidade, podemos concluir que h a umproblema em algum lugar. Uma ou outra dessas medidas ou talvez ambas parece no estarfazendo seu trabalho adequadamente.

    Os protagonistas do bem-estar argumentam que o PIB que est falhando. Mas as medidas deautoavaliao tambm tm seus crticos. Uma das crticas mais preocupantes de que se sabeque as pessoas so inconsistentes na avaliao da prpria felicidade.17

    Daniel Kahneman, vencedor do Prmio Nobel, mostrou que, se voc somar as avaliaesdas pessoas de seu bem-estar subjetivo ao longo do tempo, no vai ter as mesmas respostas queteria se tomasse todas as coisas juntas. Isso pode ser, em parte, porque as pessoas se adaptamrapidamente a qualquer grau de satisfao, e isso muda suas avaliaes futuras. Mesmo algosimples como uma alterao na ordem dos eventos pode mudar nossa avaliao de como ascoisas foram bem no todo.18

    Uma das dificuldades de comparar a medida de autoavaliao com o PIB que sosimplesmente tipos diferentes de escala. O PIB (pelo menos em princpio) ilimitado. Pode(esperam os polticos) continuar a crescer indefinidamente. A medida de vida-satisfao, poroutro lado, uma escala limitada. S se pode medir de 0 a 10, no importa quo frequentementese faa uma avaliao. Est implcito, na definio da escala de autoavaliao, que a prpriautilidade limitada.19

    Aqui chegamos ao ponto crucial da questo. Obviamente, as duas medidas presumemfundamentalmente dois conceitos diferentes de utilidade. Em uma interpretao, no h limitepara a satisfao que seres humanos podem alcanar. O outro mais circunspecto em sua visoda psique humana. No importa o que possamos dizer a mais sobre a relao entre PIB esatisfao com a vida; est claro que eles no esto mensurando a mesma espcie de utilidade.

    Quando se trata de encontrar um conceito confivel de prosperidade, parecemos no estarmais adiantados no tempo. Pode-se argumentar que h tantas razes para no igualarprosperidade com felicidade quanto existem para no igualar prosperidade com valores de troca.Para comear, a busca prevalente de prazer imediato uma receita muito boa para que as coisasno andem bem no futuro. Esse ponto foi sublinhado de forma incisiva pelo historiador daeconomia Avner Offer. A verdadeira prosperidade um bom equilbrio entre a excitao decurto prazo e a segurana de longo, argumenta ele.20

    Nem o PIB, que conta principalmente o consumo presente, nem as medidas de autoavaliao,que contam a felicidade presente, fornecem uma reflexo precisa sobre esse equilbrio. Sporque os seres humanos sofrem de escolhas mopes e tm dificuldades para fazer um sacrifcioagora, mesmo em nome de algo melhor mais tarde, no justifica a adoo de uma viso daprosperidade baseada em maior ou menor gratificao instantnea.21

    Mais fundamentalmente, igualar felicidade com prosperidade vai contra nossa experincia doque significa viver bem. As pessoas podem ser infelizes por qualquer razo, algumas delasgenticas, mesmo quando as coisas vo bem. De forma semelhante, elas podem estarsubnutridas, morar mal, sem perspectiva de melhora e, ainda assim, se declararem (algunsdiriam que tolamente) completamente contentes com o que lhes cabe.

  • Prosperidade como Capacitao para o FlorescimentoSen usa essas distines para argumentar (com um reconhecimento a Aristteles) em favor deum terceiro conceito para o padro de vida baseado nas competncias que as pessoas tm paraflorescer. A pergunta principal que deveramos fazer, insiste ele, o quanto as pessoas socapazes de funcionar bem em qualquer contexto dado.

    Eles esto bem nutridos? So livres da morbidez evitvel? Tm vida longa?, pergunta ele.Conseguem tomar parte na vida da comunidade? Podem aparecer em pblico sem se sentirenvergonhadas ou em desgraa? Podem encontrar empregos que valham a pena? Podem semanter aquecidos? Podem utilizar sua educao escolar? Podem visitar amigos e parentes seassim decidirem?22

    Existe clara ressonncia entre as questes de Sen e as dimenses de prosperidade identificadasno comeo deste captulo.23 Na verdade, as capacitaes que ele cita nesse sumrio sadenutricional, expectativa de vida, participao na sociedade coincidem de perto comconstitutivos de prosperidade identificados desde o incio dos tempos em uma ampla gama deescritos.

    Em seu trabalho posterior, Sen enfatiza no tanto as capacitaes em si se realmente vivemmuito, se tm um emprego que valha a pena ou se participam da comunidade , mas acapacidade e a liberdade que as pessoas tm de exerc-las.24 Sua questo a de que, em umasociedade liberal, as pessoas devem ter o direito de escolher, ou no, participar da sociedade, detrabalhar em empregos sem salrio ou talvez mesmo de querer viver uma vida saudvel. acapacidade de florescer que importante.

    No obstante, h algumas razes claras para conservar a importncia central das funesprticas. Em primeiro lugar, capacitaes abstratas informam bem pouco ou nada. Qualquertentativa de operacionalizar essa ideia de desenvolvimento acaba necessitando de especificaode quais so as funes importantes. Esse ponto enfatizado em um recente relatrio da Agnciade Avaliao Ambiental holandesa sobre a viabilidade de uma abordagem das competnciasdentro da poltica pblica. Mesmo quando a liberdade de funcionar que as pessoas maisvalorizam, argumenta o relatrio, isso se d, em grande parte, porque as prprias capacitaesso tambm valorizadas.25

    H outra razo para no se levar longe demais o foco sobre a liberdade. Em um mundo delimites, certos tipos de liberdade so impossveis ou imorais. A liberdade de acumular bensmateriais interminavelmente uma delas. As liberdades de conquistar reconhecimento social scustas de trabalho infantil na cadeia de suprimento, de encontrar trabalho significativo s custasdo colapso da biodiversidade ou de participar da vida da comunidade s custas da prximagerao podem ser outras.

    Capacitaes LimitadasEssa a lio mais importante que uma considerao dos limites traz a qualquer tentativa deconceituar a prosperidade. As capacitaes para o crescimento so um ponto de partida para sedefinir o que significa prosperidade. Mas essa viso precisa ser interpretada cuidadosamente: nocomo um conjunto de liberdades descorporificadas, mas como uma gama de capacitaes

  • limitadas dentro de certos limites claramente definidos.Esses limites so estabelecidos em relao a dois fatores crticos. O primeiro a natureza finita

    de recursos ecolgicos que tornam a vida na Terra possvel. Esses recursos incluem aquelesmateriais bvios: combustveis fsseis, minerais, madeira, gua, terra, e assim por diante. Elestambm incluem a capacidade regenerativa dos ecossistemas, a diversidade das espcies e aintegridade da atmosfera, dos solos e dos oceanos.

    Nenhum desses recursos infinito. Cada um est em uma relao complexa com a teia davida no planeta. Podemos ainda no saber exatamente onde os limites residem. Mas sabemos obastante para estarmos absolutamente certos de que, na maioria dos casos, mesmo o nvel atualde atividade econmica est destruindo a integridade ecolgica e ameaando o funcionamentodo ecossistema, talvez de forma irreversvel. Ignorar esses limites naturais ao crescimento condenar nossos descendentes nossas criaturas semelhantes a uma Terra empobrecida.

    O segundo fator limitante sobre nossa capacidade de viver bem a escala da populao global.Isso aritmtica simples. Com um bolo finito e um dado nvel de tecnologia, h pouco paraobstruir o caminho dos recursos e do ambiente. Quanto maior a populao global, mais rpidoatingiremos os limites ecolgicos; quanto menor a populao, mais lenta a presso sobre osrecursos naturais. O princpio bsico dessa ecologia de sistemas a realidade da vida para umaem cada duas espcies do planeta. E para aqueles nos pases mais pobres.

    A questo que uma prosperidade justa e duradoura no pode ser isolada dessas condiesmateriais. As capacidades so limitadas, por um lado, pela escala da populao global e, poroutro, pela ecologia finita da Terra. Na presena desses limites ecolgicos, o prprioflorescimento se torna contingente aos recursos disponveis, aos direitos de posse daqueles quepartilham o planeta conosco, s liberdades das geraes futuras e outras espcies. A prosperidadenesse sentido tem tanto dimenses intrageracionais como intergeracionais. Como sugere atradio da sabedoria, h uma dimenso moral irredimvel vida boa.

    Uma sociedade prspera s pode ser concebida como aquela na qual as pessoas em todo lugartenham a capacidade de florescer de certas formas bsicas.

    Decidir sobre esses direitos bsicos no tarefa banal. O que significa para os sereshumanos florescer? Quais so as funes que a sociedade deve valorizar e nutrir? Quanto decrescimento sustentvel em um mundo finito?

    Sen no fez prescries claras, embora algumas estejam implcitas em seus escritos. Afilsofa Martha Nussbaum foi mais longe nessa direo. Sua lista de capacitaes humanascentrais inclui:

    vida (ser capaz de viver at o fim de uma vida de durao normal), sade corporalintegridade corporal (estar seguro contra assalto violento, ter oportunidades desatisfao sexual e escolha em questes de reproduo)razo prtica (ser capaz de formar uma concepo de vida boa)pertencimento (ser capaz de viver com e para os outros)divertir-se e ser capaz de controlar seu ambiente.26

    Ao fim e ao cabo, como reconhece o relatrio holands citado anteriormente, qualquer lista

  • desse tipo precisa ser negociada com dilogo amplo, antes que possa ser tomada como base parapolticas. Mas, na prtica, existe uma ressonncia notvel entre os componentes de tal lista e osconstituintes de prosperidade identificados neste captulo.

    A sade fsica e mental importa. Os direitos educacionais e democrticos tambm contam.Confiana, segurana e uma sensao de comunidade so vitais ao bem-estar social.Relacionamentos, emprego significativo e capacidade de participar na vida da sociedadeparecem ser importantes em quase todos os lugares. As pessoas sofrem fsica e mentalmentequando essas coisas esto ausentes. A prpria sociedade fica ameaada quando elas declinam.

    O desafio para a sociedade criar condies nas quais esses direitos bsicos sejam possveis. provvel que isso requeira ateno mais focada nas condies sociais, psicolgicas e materiais davida do que comum em sociedades de livre mercado por exemplo, o bem-estar psicolgicodas pessoas e a resilincia das comunidades.

    Embora seja crucial, isso no significa nos estabelecermos em uma viso de prosperidadebaseada em restries e sacrifcio. As capacitaes so inevitavelmente limitadas por condiesmateriais e sociais. Algumas formas de funcionar podem mesmo ser obstrudas completamente,e sobretudo quando dependem muito de produo material. Mas as funes sociais e psicolgicasno so, de qualquer ma