proporcionalidade tributaria

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PROPORCIONALIDADE TRIBUTÁRIA Ricardo Tadeu Dias Andrade 1 - INTRODUÇÃO Vivemos, atualmente, o tempo dos princípios. Nossos Tribunais procuram aplicá-los diretamente nos mais diversos julgados, sobrepujando, em várias ocasiões, textos expressos de lei. Contudo, não obstante a sua utilização irrestrita, a busca de um conceito vem revelando-se um trabalho árduo para a doutrina. Afirma-se que a quantidade de definições sobre princípio varia na mesma proporção daqueles que buscam dissertar sobre o tema. Conceituá-los, portanto, não é tarefa das mais fáceis. As definições são várias. Vale citar, a título de amostragem, alguns juristas como Celso Antônio Bandeira de Mello, comumente citado pelos operadores do direito, que em lição sobre o tema, afirma: "Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”

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Page 1: Proporcionalidade tributaria

PROPORCIONALIDADE TRIBUTÁRIA

Ricardo Tadeu Dias Andrade

1 - INTRODUÇÃO

Vivemos, atualmente, o tempo dos princípios. Nossos

Tribunais procuram aplicá-los diretamente nos mais diversos julgados,

sobrepujando, em várias ocasiões, textos expressos de lei.

Contudo, não obstante a sua utilização irrestrita, a busca

de um conceito vem revelando-se um trabalho árduo para a doutrina. Afirma-se

que a quantidade de definições sobre princípio varia na mesma proporção

daqueles que buscam dissertar sobre o tema. Conceituá-los, portanto, não é

tarefa das mais fáceis.

As definições são várias. Vale citar, a título de

amostragem, alguns juristas como Celso Antônio Bandeira de Mello,

comumente citado pelos operadores do direito, que em lição sobre o tema,

afirma:

"Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um

sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental

que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o

espírito e servindo de critério para sua exata

compreensão e inteligência exatamente por definir a

lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe

confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”

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Já para J. J. Gomes Canotilho: princípios são “exigências

de optimização abertas a várias concordâncias, ponderações, compromissos e

conflitos”, “são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis

com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e

jurídicos”, enquanto as regras são “normas que prescrevem imperativamente

uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida”,

constituem exigências de aplicação.

É certo que a quantidade de divergência tem como causa

a diversidade de critérios observados, além do fundamento teórico na

elaboração do seu conceito.

Diante deste contexto, existem, ainda, vozes no sentido

de que não se deve sequer buscar um conceito jurídico de princípio, mas

aceitar e compreender o fato de que vários autores o qualificam de uma forma

ou de outra e que, o termo princípio pode se referir a vários fenômenos

distintos.

Em torno deste contexto apresentado, o Direito

Constitucional contemporâneo acentua a força normativa dos princípios

constitucionais.

De acordo com a lição de PAULO BONAVIDES, é na

idade do pós-positivismo que tanto a doutrina do Direito Natural como a do

velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, em decorrência de reação intelectual

comandada por RONALD DWORKIN, jurista de Harvard. Os princípios, então,

passaram a ser tratados como direito.

Foi, portanto, na doutrina anglo-saxônica que a evolução

da teoria dos princípios e a sua inserção no ordenamento normativo recebeu a

decisiva contribuição. Dworkin elaborou uma investida ofensiva ao positivismo,

(“general attack on positivism”), sobretudo ao modo aberto de argumentação

permitido pela aplicação do que o jurista viria a definir como princípios.

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Buscando diferenciar princípios de regras, Dworkin

elaborou uma distinção quanto a estrutura lógica, baseada em critérios

eminentemente classificatórios, em vez de comparativos.

Portanto, para o autor anglo-saxão, princípios possuem

uma dimensão de peso, uma vez que, em caso de colisão, não haverá uma

declaração de invalidade, assim como se faz com as regras, mas uma

ponderação, em que um princípio com peso maior sobrepõe ao outro.

Alexy, partidário das considerações de Dworkin,

acrescentou à definição de princípios a expressão “deveres de otimização”,

segundo o qual seriam aplicáveis em diversos graus, segundo as

possibilidades normativas e fáticas.

Estudioso da jurisprudência do Tribunal Constitucional

Alemão, Alexy demonstra que a relação de tensão entre princípios somente

será concretizada mediante avaliação do caso concreto.

Neste exato sentido, resumindo o ensinamento deste

autor, essa espécie de tensão e o modo como ela é resolvida é o que distingue

os princípios das regras: enquanto no conflito entre regras é preciso verificar se

a regra está dentro ou fora de determinada ordem jurídica (“problema do dentro

ou fora”), o conflito entre princípios já se situa no interior desta mesma ordem

(“teorema da colisão”).

Portanto, atualmente, o contexto que melhor se aproxima

de uma correta definição de princípio, é aquele que o diferencia do conceito de

regra.

Deste modo, ao procurar o conceito de princípio na forma

acima descrita, busca-se direcionar o presente estudo para o seu âmago, o

dever de proporcionalidade na aplicação dos princípios constitucionais

tributários frente o diuturno conflito de interesses entre o contribuinte e o Poder

Público.

Page 4: Proporcionalidade tributaria

2 – O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Em verdade, o princípio da proporcionalidade é

antiqüíssimo. Paulo Bonavides observa que a sua aplicação clássica e

tradicional situou-se estritamente no campo do Direito Administrativo.

Segundo uma parte da doutrina, o seu surgimento teria

efeito com a transição do Estado Absolutista para o Estado de Direito, em

razão das teorias jusnaturalistas criadas na Inglaterra, entre os séculos XVII e

XVIII que determinavam a observância do Poder Público aos direitos e

garantias fundamentais da pessoa humana, na medida em que o ser humano

tem direitos inerentes à sua natureza e anteriores ao surgimento do próprio

Estado.

Já a sua evolução decorreu da resposta ao absolutismo

predominante pela burguesia européia, em considerável expansão, objetivando

a defesa dos direitos e interesses individuais sem a intervenção desmedida do

Estado Absolutista. Como resultado trouxe a redução da atuação desmedida

do rei frente aos súditos, valendo-se do princípio da proporcionalidade como

um eficaz modo de controle e proibição do excesso do poder monárquico frente

aos direitos e garantias fundamentais.

Contudo, atualmente, vem sendo no Direito

Constitucional que o princípio da proporcionalidade apresenta a sua definição.

Apesar da sua magnitude, o tema ainda não recebeu da doutrina

constitucionalista um tratamento à altura.

Inexiste na atual Constituição da República disposição

expressa ao princípio da proporcionalidade, a não ser de forma implícita no

princípio do devido processo legal; diferentemente, por exemplo, à Constituição

de Portugal que, consoante Guerra Filho, dispõe em seu artigo 18º sobre a

"força jurídica" dos preceitos constitucionais consagrados de direitos

fundamentais. Contudo, foi sob as mais diversas influencias na doutrina

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estrangeira que o princípio da proporcionalidade foi recepcionado por nosso

ordenamento jurídico.

Coube ao Supremo Tribunal Federal a introdução do

princípio no campo jurisprudencial, ao preceituar, no julgamento do RE 18331,

Relator Ministro Orozimbo Nonato, que:

“o poder estatal de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade, sob pena de caracterizar ‘detournement de pouvoir’”.

E, posteriormente à esta decisão, o princípio da

proporcionalidade foi praticamente disseminado em várias outras emanadas

nos nossos diversos Tribunais.

No entanto, levada a efeito a sua aplicabilidade, surgia o

questionamento de que a regra de proporcionalidade poderia produzir uma

certa ascendência do juiz sobre o legislador.

Paulo Bonavides, uma das vozes abalizadas sobre o

assunto, pensa que não, ao afirmar o seguinte:

“Com efeito, a limitação aos poderes do legislador não vulnera o princípio da separação, de Montesquieu, porque o raio de autonomia, a faculdade política decisória e a liberdade do legislador para eleger, conformar e determinar fins e meios se mantém de certo modo plenamente resguardada. Mas tudo isso, é óbvio, sob a regência inviolável dos valores e princípios estabelecidos pela Constituição.”

(Curso de Direito Constitucional, p. 399, 18ª edição).

É indubitável que essa supremacia principiológica

somente guarda fundamento de validade, caso esteja amparada aos

postulados da liberdade, da contenção dos poderes do Estado e dos direitos

fundamentais.

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No campo prático a sua aplicação se restringe apenas à

situações em que exista uma relação da causalidade entre os elementos, meio

e fim, de maneira que possa examinar os três pontos fundamentais, que sem

os quais, certamente, não terá aplicabilidade: o da adequação (o meio ser

adequado ao fim); o da necessidade (entre os meios disponíveis e adequados

para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do direito fundamental

afetado) e o da proporcionalidade em sentido estrito (aqui se faz o juízo de

ponderação, investigando se as utilidades trazidas pela realização do fim não

for na mesma proporção ao desvalor das restrições trazidas aos direitos

fundamentais).

Via de regra, a importância do princípio tem crescido de

maneira considerável no Direito Constitucional. A lesão ao princípio assume

maior relevância naqueles sistemas hermenêuticos formados pela teoria

material da Constitucional, no sentido de que, intimamente ligada ao conceito

de Constituição Real, privilegia os interesses sociais, valorizando o objeto

propriamente dito em desfavor da forma.

Conclui-se, em um primeiro ponto, que o princípio da

proporcionalidade é totalmente consentâneo com a ordem constitucional

brasileira, fundamentando a sua aplicabilidade no art. 5o, inciso LIV da

Constituição Federal (princípio do devido processo legal).

3 - PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS CONSTITUCIONAIS

A Constituição da República dispôs sobre o Sistema

Tributário Nacional reforçando a enumeração dos princípios tributários em nível

da cláusula pétrea, limitando a ação de legisladores ordinários no que tange a

imposição fiscal.

Como preleciona Aliomar Baleeiro em sua obra

Limitações Constitucionais ao poder de tributar, "o sistema tributário

movimenta-se sob a complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que

limitam os excessos acaso detrimentosos à economia e à preservação do

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regime e dos direitos individuais". É em decorrência deste sistema que os

princípios tributários possuem inquestionável importância.

Em verdade, os princípios tributários previstos no corpo

da Constituição da República retratam a preocupação do constituinte em

regular a atuação do Poder Público em face dos cidadãos, de maneira que

sejam impedidos eventuais abusos cometidos em detrimento destes.

Segundo Hugo de Brito Machado:

“Tais princípios existem para proteger o cidadão contra

os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico,

portanto, o intérprete, que tem consciência dessa

finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do

contribuinte.”

Os princípios constitucionais tributários vêm, em regra,

elencados no Título VI, da Constituição da República. Em muitos casos, são

repetições de princípios constitucionais gerais, reiterados pelo sistema

tributário, com o objetivo de acentuar sua intensidade e importância.

Segundo parte da doutrina, podem ser separados,

didaticamente, em princípios: a) que preservam a segurança jurídica e não-

surpresa dos contribuintes (legalidade, anterioridade, noventena e

irretroatividade); b) que dizem respeito à justiça tributária brasileira (isonomia,

capacidade contributiva, proibição ao confisco); c) que resguardam o pacto

federativo (proibição de limitação ao tráfego, uniformidade da tributação,

proibição de discriminação em função da origem ou destino, proibição de

isenções heterônomas).

O princípio da legalidade tributária carrega o

entendimento de que nenhum tributo pode ser majorado ou instituído sem que

seja mediante lei, ou seja, só é possível criar-se nova regra de incidência ou

majorar-se a base de cálculo ou a alíquota através de lei regularmente

instituída.

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Em virtude do princípio da anterioridade, o tributo deve

ser cobrado no exercício seguinte àquele em que foi publicada a lei que o

instituiu. Enquanto a noventena, incluída pela EC 42/03, (art. 150, III, c),

descreve que, além de ser publicada no exercício anterior, a lei tem sua

eficácia postergada para noventa dias da data em que haja sido publicada.

Já o princípio da irretroatividade prescreve que a lei

tributária não pode alcançar fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei

que houver instituído ou aumentado (art. 150, III, a).

Quanto aos princípios que resguardam a justiça tributária,

vale citar o princípio da isonomia tributária, exposto como uma demonstração

específica do princípio global da igualdade, é o princípio fundamental da ordem

constitucional instituída pela Constituição. Neste ponto, vale citar as definições

de Rui Barbosa (a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, e

desigualmente os desiguais), e San Tiago Dantas, segundo o qual a igualdade

não é uniformidade de tratamento jurídico, mas tratamento proporcionado e

compensado, de seres vários e desiguais.

Paralelamente à igualdade, menciona-se o princípio da

capacidade contributiva. Por ele, sempre que possível, os impostos terão

caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte. Isto quer dizer que o Estado deve garantir suas necessidades de

natureza econômica, sem impossibilitar a subsistência dos contribuintes,

exaurindo-lhes recursos além do devido.

O princípio da vedação ao confisco afirma que os tributos

não poderão incidir sobre parcela considerável do fato imponível, de modo que

o Estado absorva parcela considerável dos meios de produção.

Quanto aos princípios que resguardam pacto federativo,

vale citar o princípio da vedação a limitações ao tráfego de pessoas e bens,

que estabelece que os entes da Federação não podem, por meio de tributos,

impor limitações ao tráfego, interestadual ou intermunicipal, de pessoas ou

bens.

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Pelo princípio da uniformidade geográfica da tributação, a

Federação deve ser uma unidade geográfica, política e econômica, razão pela

qual, a União não pode instituir tributo que não seja uniforme em todo território

nacional e, quanto a tributação da renda das obrigações da dívida pública dos

Estados, Distrito Federal e Municípios e a tributação da remuneração e

proventos dos servidores públicos, é vedada a adoção de níveis superiores

para a tributação das obrigações federais e da remuneração dos servidores

federais.

Já em função do princípio da vedação à discriminação da

origem ou do destino, a Constituição afirma que os Estados, Distrito Federal e

Municípios não podem estabelecer disparidade tributária entre bens e serviços,

em razão da procedência ou destino.

Por fim, o princípio da proibição de isenções

heterônomas, estabelece que a União não pode instituir isenções de tributos de

competência estadual, distrital ou municipal, a não ser em casos previamente

especificados no texto constitucional, como aquele previstos ao ICMS (art. 155,

§ 2º, XII, e, f) e ao ISS (art. 156, § 3º, I).

Vale registrar que, em virtude da natureza desta obra,

não serão mencionados a existência de outros princípios, (que melhor seriam

definidos como regras) em virtude da sua pertinência a alguns impostos

específicos, como o da não-cumulatividade, relativo ao IPI e ao ICMS e ao da

progressividade, que diz respeito ao ITR, IPTU e IR.

Elencados, portanto, os princípios tributários expressos

na Constituição, o próximo ponto irá destacar a proporcionalidade, qualificado

por alguns como verdadeiro postulado, por se situar em posição superior aos

princípios e que, segundo diversas decisões oriundas do Supremo Tribunal

Federal, tem o seu campo de aplicabilidade na resolução dos conflitos entre os

diversos princípios constitucionais.

4 - PROPORCIONALIDADE TRIBUTÁRIA

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Conforme visto acima, o direito tributário é marcado no

Brasil por ter uma forte carga principiológica e conceitual. Os princípios, assim

como os conceitos, são inúmeros. Utilizamos necessariamente, como forma de

resolução dos conflitos, o princípio da legalidade, da anterioridade, da vedação

ao confisco; assim como os conceitos de base de cálculo, isenção, remissão e

assim por diante.

No entanto, por diversas vezes, tal aparato entra em

conflito. É perfeitamente possível a entrada de um princípio em um campo de

atuação de outro. Por exemplo, até que ponto deve ser utilizado o princípio da

legalidade, quando o tributo aplicado é um convite ao confisco, não obstante a

sua previsão expressa na norma.

Com fundamento nestas imperfeições, a

proporcionalidade tributária vem ganhando cada vez mais aplicações na área

fiscal. Apesar da ainda incipiente base teórica, os Tribunais vêm,

paulatinamente, aplicando-o nos mais diversos julgados.

Para que possamos introduzir a análise, interessante

mostrar, inicialmente, a sua aplicabilidade em alguns julgados do Supremo

Tribunal Federal.

Em um caso, a Excelsa Corte analisou a

constitucionalidade de uma lei estadual editada pelo estado do Paraná. Previa

a regra que todas as transportadoras deveriam transportar botijões de gás

vendidos à vista do consumidor, munidas de uma balança especificamente

aprovada pelo Inmetro. Inobstante o nítido caráter protetivo do consumidor

veiculado pela regra, as empresas de transporte se queixaram da infringência a

sua liberdade de iniciativa e do livre exercício da atividade econômica.

O Supremo Tribunal Federal ao analisar e julgar a

questão declarou a lei inconstitucional, porque seria desproporcional.

Outro caso julgado pelo STF onde os Ministros utilizaram

do significado da proporcionalidade, foi na ADI nº 551/RJ, quando invalidou o

artigo 57, §§ 2º e 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da

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Constituição do Estado do Rio de Janeiro, ao se vislumbrar desproporção entre

a violação da norma tributária e a multa. Vale salientar que nestes dispositivos,

as multas alcançavam o patamar de duas a até cinco vezes o valor do tributo

não pago. Os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio votaram no sentido de

reconhecer a necessidade de existir um equilíbrio entre o valor da multa e a

natureza da infração tributária. Já o Ministro Sepúlveda Pertence, declarou

expressamente uma certa dificuldade em qualificar o que seja confiscatório, no

sentido exato de sua proporcionalidade em relação ao tributo.

Outra aplicação da proporcionalidade foi na

Representação no. 1.077 de 1984. Neste caso, discutia-se a

constitucionalidade de dispositivos constantes da Lei nº 383/80, do Estado do

Rio de Janeiro, que elevava os valores da taxa judiciária naquela unidade

federada, fixando em 2% sobre o valor do pedido o quantum devido pelo

jurisdicionado. Em seu voto, o relator, Ministro Moreira Alves desenvolveu a

idéia de equivalência razoável entre o custo de serviço e a prestação cobrada,

e entendeu que a ausência de limites quanto à fixação do valor da taxa

judiciária levaria, na hipótese de causas acima de determinado valor, a uma

soma exorbitante e, portanto, desproporcional ao custo real da atuação do

Estado em favor do contribuinte.

Por outro lado, em relação às sanções tributárias, no

julgamento do RE 239.634, os Ministros entenderam que a multa moratória

fixada em 20% do valor do imposto devido, não se mostra abusiva ou

desproporcional, inexistindo ofensa aos princípios da capacidade contributiva e

da vedação ao confisco.

Diante destes casos paradigmáticos, mister reanalisar a

questão e o entendimento que se deve ter a respeito do significado da

proporcionalidade, excluída a análise de eventual concordância ou não com as

decisões do Supremo Tribunal Federal.

Consoante acima inicialmente explanado, o primeiro é a

adequação. Ou seja, deve-se perquirir se o Estado utilizou estas medidas para

proteger os cidadãos. Nos primeiros casos, o Supremo entendeu que a medida

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seria desproporcional por submeter os jurisdicionados à medida impertinente

ou arbitrária. Enquanto no último, entendeu a Colenda Corte que o percentual

da multa é apto a obrigar o pagamento do tributo sem atingir o patrimônio do

contribuinte.

Em segundo lugar, considerando que é dever do Estado

a proteção dos seus cidadãos, caso exista a possibilidade dos mesmos serem

protegidos de uma outra forma, menos restritiva, deve ser escolhida esta

última. Segundo Humberto Ávila, o Estado não deve apenas proteger um

princípio, mas deve proteger a realização de outros princípios. Todos devem

ser garantidos ao mesmo tempo. Assim, existindo mais de um meio para atingir

um fim, deve-se escolher aquele meio que, para atingir um fim, provoca menos

efeitos negativos relativamente aos outros princípios, que também têm que ser

garantidos. O Supremo projetou a existência de outros meios. E, nas primeiras

decisões acima narradas vislumbrou outras hipóteses, passíveis de utilização,

que resguardariam melhor a aplicabilidade de outros princípios.

Por fim, analisou a Colenda Corte a proporcionalidade

em sentido estrito. Segundo Ávila, nas hipóteses em que o Poder Público utiliza

uma medida para promover um fim, a realização deste fim deve ser analisada,

porque ela gera um valor e este tem que ser avaliado. Diz a Constituição que

devemos proteger o contribuinte, pois o seu texto determina expressamente

que o Poder Público deve adotar medidas para sua proteção. A apuração da

proporcionalidade em sentido estrito exige do seu intérprete, a interface entre

as vantagens advindas da utilização da medida e as desvantagens causadas

pela adoção da mesma medida e a sua comparação. Nos primeiros casos,

entendeu a Corte Suprema que existem perdas maiores que ganhos. O que

indica uma desproporção entre estes valores, de forma que a adoção da

medida pelo Estado está mais restringindo a ordem constitucional do que a

promovendo.

Ao analisar estas questões, chega-se ao ponto de que a

proporcionalidade não vem a ser exatamente um princípio, mas um critério

para a aplicação dos princípios e um meio de se evitar entre eles, a sua

colisão.

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Segundo Humberto Bergmann Ávila, a proporcionalidade

é um postulado que se aplica quando houver um conflito concreto entre

princípios. Por exemplo, há que se ponderar proporcionalmente entre proteger

o consumidor e a liberdade de iniciativa, como no caso dos botijões. Outrossim,

entre a capacidade contributiva do cidadão e a vedação ao confisco dos

tributos.

Portanto, a proporcionalidade deve ser aplicada quando

houver colisão concreta entre princípios e cabe ao Poder Público adotar uma

medida para a promoção de um deles. Claro que se não houver esta hipótese,

não se cogita a aplicação da proporcionalidade.

5 - CONCLUSÃO

A proporcionalidade, qualificada por muitos como

verdadeiro princípio, possui origens que remontam o Direito Germânico. Após a

sua plena aplicabilidade naquela região, ganhou adeptos em toda Europa e

também no Brasil, possibilitando que estes países construíssem uma doutrina e

uma jurisprudência sobre o tema em questão.

Quanto à concepção atual da proporcionalidade, é

importante observar que a doutrina brasileira vem expondo a sua divisão em

três repartições, a saber: a) princípio da adequação; b) princípio da

necessidade ou da exigibilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido

estrito ou máxima do sopesamento.

No Brasil, a aplicação do postulado da proporcionalidade

pelos Tribunais, já demonstram uma fundamentação de conteúdo, ao ponto de

serem várias as decisões judiciais que citam expressamente a necessária

observância da proporcionalidade nos pontos relativos aos conflitos entre

princípios e garantias fundamentais.

Mais especificamente, no campo fiscal, a colisão entre

princípios é assaz freqüente, conforme acima demonstrado, sendo comum a

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discussão entre os seus diversos conceitos e campo de aplicabilidade; por isso

torna-se indispensável a correta compreensão do postulado da

proporcionalidade para dirimir as questões que causam, sobretudo, impacto na

ordem jurídica nacional.

Desta forma, em fase embrionária inicia-se na doutrina o

estudo da análise das causas e efeitos. Imprescindível será uma nova

abordagem hermenêutica do caso, uma vez que os princípios, ao contrário das

regras, não entram em conflitos abstratos.

Observa-se, por derradeiro, que o postulado da

proporcionalidade é cada vez mais utilizado na fundamentação das decisões

do Supremo Tribunal Federal, que busquem a resolução de casos impactantes,

que envolvem necessariamente os conflitos entre princípios e garantias

fundamentais. Contudo, tais decisões ainda demonstram que ainda há um

longo caminho a percorrer na real definição do autêntico sentido do postulado

da proporcionalidade.

6 - BIBLIOGRAFIA

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