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Promotoria de Justiça da Comarca de Mangueirinha – Estado do Paraná
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AUTOS DE AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº 301-55.2012.6.16.0168
INVESTIGANTE: ALBARI GUIMORVAM FONSECA DOS SANTOS
INVESTIGADOS: MIGUEL CARLOS RODRIGUES DE AGUIAR, DARCI PRUSCH, BRUNO CARLOS DE
AGUIAR, ANA LUIZA DE AGUIAR, MARIA BEATRIZ DE AGUIAR
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
MMª JUÍZA,
1. Relatório
Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral pelo abuso
de poder econômico movida por Albari Guimorvam Fonseca dos Santos contra Miguel
Carlos Rodrigues de Aguiar e outros.
Argumenta o requerente na petição inicial que o requerido
Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar é proprietário de fato da emissora de rádio Sociedade de
Comunicação Mangueirinha Ltda, conhecida como Rádio Araucária AM, e que por
reiteradas vezes usou da emissora de rádio para divulgar críticas ao requerente, bem como
suas qualidades pessoais como prefeito (cargo que já exerceu) sem oportunizar ao
requerente espaço para manifestação. Diz que durante o período de registro de candidatura
o advogado Vitor Langer concedeu duas entrevistas à referida rádio com informações falsas
e tendentes a beneficiar o requerido Miguel. Na primeira, afirmando que a candidatura do
requerente estava sub judice quando na verdade estava deferida. Na segunda, afirmando
que o registro de candidatura de Miguel estava deferido. Conclui que os requeridos
abusaram do meio de comunicação social em seu poder, causando desequilíbrio da disputa
eleitoral, e requer, a final: a) liminarmente, a concessão de medida cautelar para determinar
aos representados que se abstenham de manter qualquer forma de conduta ilícita, assi
entendida na forma da lei, através da veiculação de manifestação na Rádio Araucária AM,
sob a advertência da aplicabilidade das penas da lei; b) o julgamento de procedência da
demanda para o fim de decretar a inelegibilidade dos requeridos pelo prazo de 08 (oito)
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anos e a cassação dos registros de candidatura do primeiro e segundo requeridos para a
eleição em curso.
A fls. 63/65, foi apreciado o pedido liminar, com deferimento
para o fim de determinar aos sócios da Rádio Araucária AM a abstenção de dar tratamento
privilegiado a partido político, coligação ou candidato.
Os requeridos foram notificados. A fls. 77/87, os requeridos
Bruno Carlos de Aguiar, Ana Luiza de Aguiar e Maria Beatriz de Aguiar apresentaram
contestação alegando, em síntese: a) que o requerente é parte ilegítima para a ação; b) que
são partes ilegítimas para a ação; c) que as entrevistas concedidas pelo Dr. Vitor Langer
foram imparciais, prestando-se exclusivamente para esclarecer os ouvintes sobre a situação
jurídica do registro dos candidatos ao cargo de prefeito em Mangueirinha; d) que o Sr.
Miguel possuía um programa de rádio que foi ao ar todo o sábado de manhã até o dia 09 de
junho de 2012, em respeito à legislação eleitoral, de maneira que as entrevistas por ele
concedidas na rádio não violaram a legislação, nem configuram abuso do poder econômico;
e) que o requerente teve espaço disponibilizado na rádio para pronunciamentos, não
fazendo uso deles porque não quis. Pediu, a final, a improcedência da ação.
A fls. 102/123, Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar e Darci
Prusch apresentaram contestação alegando, em síntese: a) que a Rádio Araucária mantinha
posição crítica em relação à administração do requerente, porém, sem caráter eleitoral; b)
que as entrevistas concedidas por Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar à Rádio Araucária
respeitaram o contido no artigo 36-A, da Lei nº 9.504/97, não tendo havido pedido de votos;
c) que as entrevistas concedidas pelo Dr. Vitor Langer tiveram caráter informativo, e não
eleitoreiro, para beneficiar determinado candidato; d) que não houve comprometimento da
normalidade e legitimidade do pleito eleitoral em virtude das entrevistas concedidas pelo Sr.
Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar em virtude da inexistência da potencialidade da conduta.
Pediu ao final a improcedência da demanda.
A fls. 137/143, foi realizada audiência de instrução,
oportunidade em que se colheu o depoimento pessoal do Sr. Miguel Carlos Rodrigues de
Aguiar e do Bruno Carlos de Aguiar, bem como das testemunhas Ayslam Monteiro, Antônio
Eraldo Alves Cardozo e Sebastião Maciel. Ao final, o requerente pediu a realização de prova
pericial nos áudios apresentados, o que restou deferido. A fls. 145/146, o requerente desistiu
da realização da prova pericial.
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A fls. 149, o juízo eleitoral apreciou o pedido de desistência da
prova, deferindo-o e determinou a intimação do investigado para que, querendo, no prazo de
03 (três) dias, apresentasse degravação integral dos áudios apresentados, caso não
concordasse com a degravação apresentada pelo autor.
Com isso, abriu-se o prazo para apresentação de alegações
finais e parecer ministerial.
É o relatório. Passo à manifestação.
2. Das preliminares – legitimidades ativa e passiva
Argumentaram os requeridos Bruno Carlos de Aguiar, Ana
Luiza de Aguiar e Maria Beatriz de Aguiar que o autor seria parte ilegítima para a ação, bem
como que seriam eles partes passivas ilegítimas.
Em relação ao polo ativo, o artigo 22, da Lei Complementar nº
64/90, que rege a ação de investigação judicial eleitoral, prescreve que é legítimo para a
propositura da ação o partido político, coligação, candidato ou Ministério Público.
O autor é candidato a prefeito do município de Mangueirinha,
conforme documentação nos autos, pelo que a alegação desde logo cai por terra.
Quanto ao polo passivo, nele deve figurar o candidato
beneficiado pela conduta abusiva, bem como todo aquele que haja contribuído para a
prática ilícita, excluída a pessoa jurídica pela inviabilidade de aplicação das sanções
cabíveis a ela.
Os requeridos Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar e Darci
Prusch são os candidatos a prefeito e vice-prefeito, respectivamente, em tese beneficiados
com o abuso do poder econômico, pelo que, nos termos do artigo 22, da Lei Complementar
nº 64/90, são partes legítimas para o polo passivo.
Também aquele que contribui para a prática ilícita deve figurar
no polo passivo da AIJE. No caso, figuram no polo passivo os sócios da rádio, isto é, Bruno
Carlos de Aguiar, Ana Luiza de Aguiar e Maria Beatriz de Aguiar. Ocorre que analisando o
contrato social juntado aos autos, verifica-se que a sócia administradora é a Sra. Maria
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Beatriz de Aguiar, conforme cláusula nona da quarta alteração do contrato social, juntada a
fls. 58/60.
Ao sócio-administrador, porque responsável legal pela gerência
da empresa, deve-se atribuir responsabilidade pelos atos concernentes à pessoa jurídica,
haja vista seu poder de decisão sobre ela. Portanto, a se reconhecer que os candidatos
foram beneficiados por abuso de poder econômico decorrente do abuso do meio de
comunicação social, é forçoso concluir que a sócia-administradora contribuiu para a prática
ilícita, de forma comissiva ou omissiva.
Em relação ao sócio Bruno Carlos de Aguiar, embora não
figure como sócio-administrador da sociedade, ao ser ouvido em juízo, declarou que é
gerente da rádio, informação confirmada pela testemunha Antônio Eraldo Alves Cardozo,
que nominou-o como “gerente geral”, pessoa da qual, na condição de funcionário da rádio,
recebia ordens.
Indubitável, portanto, que Bruno Carlos de Aguiar tinha poder
de decisão sobre o veículo de comunicação, de maneira que contribuiu para as condutas
abusivas, devendo ser responsabilizado por elas.
O mesmo não é verdade sobre a sócia Ana Luiza de Aguiar
(filha do requerido Miguel de Aguiar), que não figura como sócia-gerente, nem foi citada em
momento algum como tendo poder de gerência ou decisão na rádio de sua família. Assim,
porque a ela não há como se atribuir qualquer conduta, tem-se que não pode responder
pelas condutas abusivas praticadas.
Ante o exposto, no que tange às preliminares levantadas, o
Ministério Público pede sejam parcialmente acolhidas para o fim de se excluir do polo
passivo Ana Luiza de Aguiar.
3. Do mérito – ocorrência do abuso de poder econômi co e comprometimento da
legitimidade e normalidade das eleições
A ação de investigação judicial eleitoral funda-se no artigo 22,
da Lei Complementar nº 64/90:
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Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público
Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-
Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso
indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade,
ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em
benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...)
O abuso de poder político ou econômico que enseja conduta
passível de punição em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) é aquele que se
reveste de gravidade, conforme a dicção do inciso XVI do mesmo artigo 22:
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a
potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a
gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
Anote-se que tal inciso foi incluído na LC 64/90 pela Lei
Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa.
Deflui da legislação que, para a aplicação das sanções
decorrentes da AIJE, faz-se necessário que haja abuso de poder político ou econômico por
parte do candidato e que este se revista de gravidade.
Sobre o conceito de “gravidade”, colho a lição de Marcos
Ramayana:
Como se nota, é suficiente a comprovação da gravidade dos fatos durante
uma determinada campanha eleitoral. No entanto, a potencialidade lesiva é
um conceito que está englobado dentro da gravidade, o que significa dizer
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que uma conduta mínima ou média dentro de uma avaliação probatória não
acarreta a inelegibilidade por abuso do poder econômico ou político.1
O bem jurídico que se busca proteger através da AIJE é a
normalidade e legitimidade das eleições, conforme o disposto no artigo 14, §9º, da
Constituição Federal, do qual emana a LC 64/90: Lei complementar estabelecerá outros
casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do
candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder
econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou
indireta.
Visa, portanto, a lei eleitoral garantir que os candidatos a cargo
eletivo concorram em igualdade de condição, impedindo-se que aquele que tem acesso ao
poder político (isto é, o já ocupante de cargo eletivo) ou que tem acesso a maiores ou
melhores recursos financeiros possua proeminência na eleição, descaracterizando o
processo democrático.
O abuso dos meios de comunicação social situa-se no campo
do abuso do poder econômico, já que aquele candidato que tem maior acesso ao meio de
comunicação, seja porque é de sua propriedade, ou de propriedade de seu apoiador ou seja
pelo uso de recursos financeiros, pode adquirir vantagem eleitoral indevida pelo seu uso
divergente do previsto na lei eleitoral.
Os meios de comunicação social são arma poderosa no
processo eleitoral, já que atingem a população em massa, sobre ela exercendo maciça
influência. Não é a toa que os meios de comunicação social são instrumento de exercício da
democracia e, ao mesmo tempo, absolutamente controlados em caso de regimes
totalitários, vale dizer, os meios de comunicação social revestem-se de papel especial na
formação da opinião pública.
Daí porque a lei eleitoral possui regras deveras rígidas sobre o
seu uso, limitando o tamanho da propaganda na imprensa escrita e restringindo de forma
estrita a aparição de candidatos na rádio e na televisão. As regras são inclusive mais
1 Direito Eleitoral. 12ª ed., Niteroi/RJ: Impetus, 2011, p. 585.
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severas em relação aos meios de comunicação falados em virtude de sua influência direta e
poderosa sobre a população.
Deflui que o uso abusivo do meio de comunicação social,
modalidade de abuso de poder econômico, tem grande probabilidade de ferir o bem jurídico
que o artigo 14, §9º, da Constituição Federal e o artigo 22, XVI, da LC 64/90 visam a
proteger, já que o abuso resulta na proeminência do candidato que detém acesso ao meio
de comunicação em detrimento daquele que não possui tal vantagem na corrida eleitoral.
Feita tal digressão doutrinária, passa-se à análise do caso
concreto para solucionar as seguintes questões: A) se fatos anteriores ao registro de
candidatura são passíveis de apuração por meio de AIJE; B) se houve abuso do poder
econômico por parte do candidato; C) se este foi grave, na forma do artigo 22, XVI, da LC
64/90, isto é, se afetou a legitimidade e normalidade das eleições em curso.
Passa-se a analisar individualmente cada um dos itens.
A) FATOS ANTERIORES AO REGISTRO DE CANDIDATURA SÃO PASSÍVEIS DE APURAÇÃO POR
MEIO DE AIJE
Os fatos abusivos trazidos à baila pelo requerente como causa
de pedir da presente AIJE são anteriores ao período dito eleitoral, isto é, anteriores a 05 de
julho do ano eleitoral, data final para os pedidos de registro de candidatura.
Importa então observar que fatos anteriores ao pedido de
registro de candidatura prestam-se a amparar pedido em ação de investigação judicial
eleitoral, desde que tenham efetivamente tido viés eleitoral, a teor da firme jurisprudência do
Tribunal Superior Eleitoral, da qual colho os seguintes julgados:
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CONFIGURAÇÃO. POTENCIALIDADE LESIVA. INAPLICABILIDADE DA LC 135/2010. PARCIAL PROVIMENTO. 1. A representação por propaganda eleitoral antecipada e a AIJE constituem ações autônomas, com causas de pedir e sanções próprias. Assim, a procedência ou improcedência de uma não é oponível à outra.
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2. Fatos anteriores ao registro de candidatura podem configurar uso
indevido dos meios de comunicação social, visto que compete à Justiça
Eleitoral zelar pela lisura das eleições. Precedentes.
(...) (Recurso Ordinário nº 938324, Acórdão de 31/05/2011, Relator(a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 01/08/2011, Página 231/232 ) AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PRELIMINARES REJEITADAS. ABUSO DE PODER E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. AÇÃO JULGADA APÓS AS ELEIÇÕES. CASSAÇÃO DE REGISTRO E INELEGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. (...) 4. A ação de investigação judicial eleitoral constitui instrumento
idôneo à apuração de atos abusivos, ainda que anteriores ao registro de
candidatura. Precedentes. (...) (Recurso Ordinário nº 1362, Acórdão de 12/02/2009, Relator(a) Min. JOSÉ GERARDO GROSSI, Relator(a) designado(a) Min. CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 66/2009, Data 06/04/2009, Página 45 )
Também este o posicionamento recente do Tribunal Regional
Eleitoral do Estado do Paraná:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL - ABUSO DO PODER DE AUTORIDADE - USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO - ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR 64/90 - AJUIZAMENTO - PERÍODO ANTERIOR AO REGISTRO DE CANDIDATURA - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - ART.267, VI DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - EXTINÇÃO. 1. O prazo inicial para a instauração da investigação judicial eleitoral prevista na Lei Complementar nº 64/90 é o pedido de registro de candidatura. Proposta a ação antes desse prazo, o autor é carecedor da ação, por falta de interesse de agir. 2. Isso não significa dizer que fatos abusivos cometidos anteriormente ao pedido de registro de candidatura não serão apurados. Mesmo porque, já está pacificado no Tribunal Superior Eleitoral o entendimento de que
"ação de investigação judicial eleitoral constitui instrumento idôneo à
apuração de atos abusivos, ainda que anteriores ao registro de
candidatura" (TSE, RO 1362, Rel. Min. José Gerardo Grossi, DJ
06.04.2009). Entretanto, a ação deve ser ajuizada após o pedido de
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registro de candidatura, podendo se referir a fatos pretéritos.
(REPRESENTACAO nº 25119, Acórdão nº 38.335 de 19/05/2010, Relator(a) IRAJÁ ROMEO HILGENBERG PRESTES MATTAR, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 31/05/2010 )
Assim, indubitável que a AIJE presta-se à apuração de fatos
anteriores ao registro de candidatura, razão pela qual a ação é cabível no caso concreto.
B) DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO
O abuso do poder econômico aventado no caso refere-se ao
uso, pelo candidato Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar, da Rádio Araucária AM, de
propriedade de seus familiares, para realizar propaganda antecipada, causando abalo à
legitimidade e normalidade das eleições.
A oitiva dos áudios que instruem a inicial, parcialmente
degravados nos autos pelo autor, denotam que o requerido Miguel Carlos Rodrigues de
Aguiar fez uso sistemático da rádio pertencente à sua família, no período próximo ao pedido
de registro de candidatura para realizar críticas ferrenhas à atual administração municipal e,
ao mesmo tempo, promover-se pessoalmente, inclusive com pedidos de votos, sem que
o adversário recebesse tratamento equivalente do meio de comunicação social.
Importa aqui anotar que dúvida não há de que o requerido
Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar, muito embora não seja proprietário da Rádio Araucária
AM, dela recebeu tratamento privilegiado, mormente em decorrência de que os proprietários
Bruno Carlos de Aguiar, este também gerente geral, e Ana Luiza de Aguiar são seus filhos e
a sócia administradora Maria Beatriz de Aguiar é sua esposa.
Bruno Carlos de Aguiar, ao ser ouvido em juízo, afirmou que
muito embora seu genitor não seja proprietário da rádio, nem tenha ligação direta com ela,
sempre lhe auxilia com conselhos. Outrossim, o informante Ayslam Monteiro declarou que já
trabalhou na Rádio Araucária e que o requerido Miguel tem voz ativa na emissora.
Ainda, ouvindo os áudios, verifica-se que nas “entrevistas”
concedidas por este candidato àquela rádio, todas as vezes em que ele menciona da
possibilidade de que o adversário político use dos microfones da rádio para se manifestar,
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fala com autoridade de quem manda. Nesse sentido, transcrevo os seguintes trechos das
entrevistas:
4ª entrevista do CD Bem eu queria fazer mais um esclarecimento, que num dos pronunciamentos meus eu disse que viria todo sábado, então diria, eu vou vir todo sábado que tiver um assunto relevante pra se falar, seria quase todo sábado. Semana que vem tem um assunto muito sério na área de saúde aí que nós vamos ter que discutir. Quem leu o jornal o diário do sudoeste da quinta-feira, na página dois, se não me engano, tem os comparativo dos índices do SUS da questão da saúde e que realmente nos surpreendeu. Mas nós como sempre né nós temos a ombridade, a retidão, nós ligamos para o secretário de saúde para que ele se pronunciasse, se ele não se pronunciar até segunda ou terça-feira, nós vamos divulgar a notícia da maneira que nós pesquisarmos e sabermos. Não adianta a administração municipal dizer que ela não tem espaço porque ela sempre tem espaço, agora se eles não querem falar, nós não podemos obrigar eles falar, né, Beto, então eles têm espaço pra vir responder, não tem mais espaço pra mentir aqui não, mentir não, vai ter que falar a verdade daqui pra frente, vai ter que provar o que disser. Então esse é o nosso objetivo e pode ter certeza que sempre que o município precisar divulgar, precisar fazer alguma coisa, mesmo sem ter contratado, não vamos cobrar nada, nós vamos fazer dentro da lei e dentro do interesse público.
6ª entrevista Outro fato que aconteceu é que já disseram que a Justiça não tinha nos deixado falar, tudo abobrinha, tudo balela de novo, se um dia a Justiça nos impedir de falar ou qualquer coisa na rádio, nós seremos os primeiros a divulgar, quanto a isso eu tenho quase certeza que não vai acontecer pela seriedade e responsabilidade que nós procuramos conduzir a rádio araucária, porque rádio é coisa séria nós temos que falar a verdade com provas com tudo que tá acontecendo (...) e gostaria de dizer a administração municipal que eu estou com os microfones abertos pra que o prefeito venha aqui e debata conosco qualquer assunto dentro desses que nós temos conversado aqui que causam e geram polêmica. (...) Tá aqui, eu dei o espaço pra ele vim debater os assuntos aqui. Vinte mil pessoas estão escutando o que eu estou falando aqui. Ele que entre em contato com a direção aqui, marque horário do programa, marque o assunto, e nós vamos dar a oportunidade pra ele vir aqui discutir e responder os assuntos que nós tamo falando.
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Na sétima entrevista, o requerido Miguel também afirma que a
rádio Araucária está à disposição da administração municipal, com a seguinte fala: “nós
demos chance, nós demos oportunidade” para que a administração municipal fosse à rádio.
É inquestionável, portanto, que o requerido Miguel Carlos
Rodrigues de Aguiar detém ascendência sobre a Rádio Araucária AM, a ela se referindo
como se dono fosse, com liberdade de dizer que autorizou determinada pessoa a falar, bem
como que dá oportunidade para que seu adversário político use os mesmos microfones que
ele.
E tal ascendência refletiu-se na realização de entrevistas
frequentes nos sábados pela manhã cuja finalidade precípua era criticar de forma exaltada e
feroz a atual administração municipal e enaltecer a sua própria pessoa, configurando o
abuso do poder econômico necessário para a procedência da AIJE.
Sobre a frequência das falas do requerido Miguel na rádio,
afirmou ele em juízo, quando colhido seu depoimento pessoal, que falava a cada dois ou
três meses. Contudo, na defesa de fls. 77/87, referente à sócia-administradora da rádio, foi
consignado o seguinte: “Na verdade Excelência o Sr. Miguel possui um progra ma que
vai ao ar todo o sábado de manhã (o programa foi re tirado no dia 09 de junho de 2012
em respeito a legislação eleitoral) tendo como obje to a informação aos eleitores,
especialmente quanto ao que acontece no Município.” (fl. 83).
Confessam pois os requeridos a existência do programa
frequente.
Na quinta entrevista do CD também ouve-se a seguinte fala do
requerido Miguel: Pra nós estarmos aqui pelo sábado de manhã é sempre uma alegria, uma
satisfação, porque nós sempre viemos ao teu programa sempre para esclarecer, para dar
notícias para conversar, afinal, fazer com que a população fique bem informada.
Na sexta entrevista do CD anexado aos autos, o requerido
Miguel abre sua fala desculpando-se junto à população porque deveria ter comparecido no
sábado anterior e não o fez.
Patente, pois, que o requerido Miguel comparecia de forma
regular e recorrente à rádio Araucária para dar “entrevistas”.
O conteúdo das entrevistas, consoante extrai-se da oitiva do
CD acostado aos autos era sempre de crítica à atual administração municipal com
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enaltecimento das qualidades do requerido. Também há entrevista dedicada exclusivamente
a anunciar a pré-candidatura do requerido Miguel, reforçando que ele não tinha contra si
qualquer impedimento à candidatura, isto é, que não incorria na Lei da Ficha Limpa.
Passa-se então a resumir o conteúdo das entrevistas, para
bem ilustrar o seu conteúdo:
- 3ª entrevista do CD: Anúncio da pré-candidatura do requerido Miguel, realizada a 40 dias
das convenções, como dito na própria entrevista, quando este informa que “ficou lisonjeado”
com a indicação unânime do seu nome ao cargo de prefeito, fazendo desde logo claro
pedido de votos : Eu agradeço meus companheiros, agradeço a população de
Mangueirinha, né, porque o político sem voto, não é político . Então eu, como disse pra
vocês, Maciel, depois de tantos anos, de tanto trabalho, de tanta luta, eu posso andar o
município inteiro de Mangueirinha de cabeça erguida sabendo que eu sempre procurei,
procurei e fiz o melhor para a região, para as comunidades e para o município. Então
realmente isso é um conforto e isso nos incentiva e incentiva principalmente a oposição,
logicamente, a lançar novamente o meu nome, mas que eu estou pensando, estou
estudando e que a decisão será tomada durante o mês de julho. (...) E passa a discorrer
sobre o fato de que não há impedimento nenhum à sua candidatura, que não está na Lei da
Ficha Limpa: então nossa assessoria jurídica é unânime em dizer que não existe nenhum
problema que me impeça de ser candidato, então, eu somente não serei candidato se eu
por decisão própria não quiser. E então o entrevistador manifesta postura elogiosa ao
requerido: A gente vê no dia a dia, na conversa com os amigos, na cidade, no interior que o
nome de Miguel Aguiar é bem vindo hoje pela população como pré-candidato, isso é
satisfatório Miguel? E a promoção pessoal continua: isso é resultante de 33 anos de vida
que eu tenho aqui em Mangueirinha, do trabalho que realizei tanto particular como homem
público (...) e saio, hoje, né, com apoio popular e sinto esse apoio popular para se eu quiser
ir para o quarto mandato né (...) tem prefeito que não faz um mandato e ninguém aguenta
mais o cara, então eu acho que essa situação no fundo me deixa envaidecido porque é o
reconhecimento dum trabalho né, (...) mas hoje é o momento em que a população de
Mangueirinha faz a sua comparação, que ela analise todos os setores, todos os
departamentos, da conduta da administração de Miguel Aguiar e da conduta da atual
administração, que se é bom ou ruim, quem tem que dizer é o povo. Mais adiante vem o
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pedido explícito de votos: então, essa próxima eleição de outubro seja um plebiscito, né,
quer dizer, peraí, que que tá certo ou o que que tá errado, né, como que era e como que é,
se houve mudança pra melhor ou pra pior, isso que a população vai analisar (...).
- 4ª entrevista do CD: o requerido Miguel faz críticas ferrenhas e emocionadas ao uso de
diárias pela administração municipal, relata como fazia o pagamento de diárias durante os
seus mandatos anteriores, relata que o atual prefeito municipal editou lei sobre o tema e a
reprova duramente: tão se aproveitando dessa questão de diária, e a diária realmente ela é
feita veja bem quem se beneficia da diária, é o prefeito, vice-prefeito, secretário e chefes de
divisões, justamente os funcionários que mais ganham na prefeitura (...) existe a indústria da
diária e a indústria da diária é pra complementar salário de secretário, de chefe de divisão,
de prefeito e vice prefeito (...). O entrevistador enaltece o requerido Miguel: eu acho que
ficou bem claro aí dado o seu conhecimento, a maneira que já há muitos anos o senhor
administrou, a maneira que vem sendo administrado, então são as diferenças. E em outro
trecho, ainda o entrevistador: Nós agradecemos mais uma vez, Miguel Aguiar, as suas
importantes informações, sempre com aquela palavra de quem viveu, de quem conhece,
com toda a sua larga experiência política, isso vem realmente clarear aí os fatos
comentados durante a semana. Muito obrigado.
5ª entrevista do CD: O requerido Miguel fala em fofocas, que segundo ele vêm acontecendo
há três anos e critica a atual administração dizendo que ela “não tem credibilidade, não tem
moral nenhuma pra dizer, quem tem que dizer é o povo”. A seguir, reforça que pode ser
candidato, que não tem impedimentos “com a justiça” e faz a clara referência eleitoral: e o
que eles comemoraram aqui esses dias a minha inelegibilidade que é mentira, nós vamos
comemorar dia 07 de outubro ganhando a eleição deles porque o povo sabe quem trabalha,
quem faz a coisa certa, quem faz o município progredir, quem faz a geração de empregos
porque conversa fiada depois de três anos e meio2, chega. E em outro trecho, com claro
pedido de votos : Porque eles sabem sim que nós realizamos um trabalho decente, que nós
fizemos mangueirinha crescer e que o povo está com saudade das nossas ações, do nosso
trabalho junto às pessoas que realmente precisam do prefeito, que realmente precisam do
2 Delimita o tempo da entrevista.
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poder público e que não é uma meia dúzia de ricos que tão sendo atendido, pode ter certeza
o povo de mangueirinha, o nosso grupo político vai ter candidato e vocês vão ter a nova
oposição pra poder votar e ganhar as próximas eleições.
- 6ª entrevista do CD: O requerido Miguel Aguiar faz críticas à administração da saúde no
município, referindo-se especificamente à atual administração e se enaltecendo. O
entrevistador também o enaltece: como que o senhor recebe essa notícia visto que o senhor
demonstrou aqui por tudo o que o senhor mostrou pelos números pelos dados por tudo o
que o senhor já fez pela saúde, o carinho, respeito e o desprendimento que vossa pessoa
sempre teve e sempre tem pela área da saúde do nosso município, como que o senhor
recebe essa colocação do município de Mangueirinha? (...) Tá certo, nós agradecemos a
sua entrevista, a população estava ansiosa para ouvi-lo, né, toda vez que o senhor vem aqui
o ibope vai lá em cima né, dá audiência aqui, o ibope tá bom, então nós agradecemos mais
uma vez a sua disponibilidade em esclarecer assuntos que dizem respeito e que interessam
a todos nós cidadãos de Mangueirinha, muito obrigado Miguel.
- 7ª entrevista do CD: O requerido Miguel fala da baixa da arrecadação do ICMS pelo
município e diz: o município de Mangueirinha pede socorro (...) os índices estão
comprovando o que está acontecendo em nosso município, então é preciso que realmente
se tome uma atitude. Prossegue falando de quantas casas populares construiu no município
quando prefeito e de tudo que deixou pronto para que outras fossem construídas, aduzindo
que a atual administração fez apenas 30 casas. E então o caráter claramente eleitoral: o
que se fala aí, da situação, do pessoal que tá no poder, eu não posso provar isso né, mas
dá pra falar porque também é domínio público né que nós temo dinheiro pra gastar, que nós
vamos compra a eleição, que vamo faze isso, que vamo faze aquilo (...) é cada um usa a
verba que tem né (...).
8ª entrevista do CD: O requerido Miguel fala de suposta queda na economia de
Mangueirinha. A chamada da reportagem já é por si claramente eleitoreira e enaltecedora
do requerido Miguel: Ex-prefeito Miguel explica a queda da economia de Mangueirinha e diz
que a falta de incentivo do setor público é uma das causas. Beto Wilmar tem a informação.
Entrevistados: Nós temos aqui no estúdio uma pessoa que entende de administração,
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entende de governo, entende de números para esclarecer pra gente, pra população de
Mangueirinha, bem detalhada essa questão por que é que caiu a economia, por que é que
nós passaremos a receber menos recursos da geração do ICMS do Estado para o
Município.
Em relação à 9ª entrevista do CD, cabe fazer um
esclarecimento. Em virtude de notícia de distribuição de bens pelo município, o Ministério
Público instaurou um inquérito civil eleitoral, conforme cópia de portaria inaugural em anexo,
que chegou ao conhecimento da rádio e ensejou, em virtude da recomendação expedida, a
suspensão da distribuição dos bens (uniformes escolares), o que gerou indignação nos pais
de alunos que não receberam o uniforme.3 Daí surgiu o comentário de que o inquérito civil e
a suspensão da distribuição teria ocorrido em virtude de denúncia feita pelo requerido
Miguel Aguiar, conforme mencionado na entrevista. A rádio procurou o Ministério Público,
que esclareceu que o inquérito civil foi instaurado de ofício. Muito embora então a matéria
tenha caráter informativo em seu conteúdo, resta claro o interesse em denegrir a imagem do
adversário político, pois afirmam que em São Paulo, em um caso parecido, houve
problemas, bem como de deixar claro à população que o requerido Miguel Aguiar não
formulou denúncia alguma. A questão também é mencionada na sétima entrevista do CD
pelo próprio Miguel.
Assim é que o propósito eleitoreiro das recorrentes aparições
do requerido Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar na rádio araucária é patente, inafastável,
excedendo em muito o campo da crítica política que a liberdade de expressão autoriza, até
porque há pedido de votos e as referências às qualidades do requerido são fa rtas,
seja por parte dele mesmo, seja por parte dos entre vistadores.
No ponto, vale esclarecer que as entrevistas fornecidas pelo
Dr. Vitor Langer, advogado dos requeridos Miguel e Darci nestes autos, à rádio araucária
sobre os requerimentos de registro de candidatura são irretocáveis no que tange à
imparcialidade das palavras ditas pelo entrevistado. De fato, as informações prestadas,
embora incompletas (fala apenas em impugnação de registro e não explicita os motivos) não
3 Ao final, concluiu-se não ter havido violação ao artigo 73, §10º, da Lei n. 9.504/97, tendo sido continuada a distribuição dos bens, com acompanhamento ministerial, já que oriundos de projeto do governo federal e em andamento desde o ano anterior.
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podem ser taxadas como divergentes da realidade. Embora se possa aventar que tais
entrevistas tenham tido o claro propósito de apontar à população que o candidato Miguel
Aguiar estava apto a concorrer às eleições municipais e, em momento anterior, que nem ele,
nem o outro concorrente tinham tido seus pedidos de registro ainda analisados, a maneira
como as informações foram prestadas tratou de todos os candidatos, conferindo isonomia
suficiente para não ferir a legislação eleitoral.
A preocupação em demonstrar à população que o requerido
Miguel Aguiar não ostentava impedimentos judiciais à candidatura já se manifestara na rádio
antes dos registros, conforme visto, e o entrevistador do Dr. Vitor Langer, divergindo da
imparcialidade deste, na segunda entrevista, ainda deixou escapar o tratamento privilegiado
ao requerido Miguel Aguiar, quando disse: Doutor, na minha opinião, eleição se ganha com
proposta, se ganha com trabalho e não se ganha na justiça. E a seguir: Esqueça essa
questão de candidaturas (fala incompreensível), tá tudo liberado.
Argumenta o requerido em sua defesa que as entrevistas
concedidas por ele estão amparadas pelo artigo 36-A, da Lei n. 9.504/97, que prescreve não
ser propaganda eleitoral antecipada a participação de filiados a partidos políticos ou pré-
candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na
internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não haja
pedido de votos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de
conferir tratamento isonômico.
Dessarte, muito embora não haja vedação à concessão de
entrevistas no período anterior ao de propaganda autorizada, é certo que no caso concreto
as supostas entrevistas não passavam de espaços concedidos ao requerido para que
realizasse propaganda antecipada, enaltecendo-se, comparando-se com a atual
administração municipal e fazendo explícitos pedidos de votos, conforme se destacou na
resenha das entrevistas acima. Ademais, muito embora o requerido afirmasse nas
entrevistas que a rádio estava aberta para o prefeito municipal por ele criticado, nada trouxe
aos autos que comprovasse tal afirmação, sendo certo que a simples fala dele, no ar, de
que autorizava o adversário a se manifestar no mesmo espaço não supre o tratamento
isonômico que a lei exige. Até porque não há como se saber se efetivamente o requerido
tinha o espaço aludido ou se os dizeres do requerido prestavam-se apenas a dar maior
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ênfase no que ele mesmo propalava. E, no caso, caberia à rádio, na pessoa da sócia
administradora, demonstrar o cumprimento da lei, o que não fez.
Outrossim, é certo que conferir tratamento isonômico não é
apenas conferir o direito de resposta quando atacado. O objetivo da lei é garantir a liberdade
de imprensa sem que essa interfira no pleito eleitoral, de forma que o veículo de
comunicação que dá preferência a um candidato, por qualquer modo, descumpre a
legislação citada.
Ainda, note-se que há a questão de que nos anos de 2009,
2010 e 2011, a Prefeitura de Mangueirinha manteve na rádio um programa, de cunho a
princípio institucional, tendo a emissora em questão acorrido às licitações respectivas nos
três anos. No ano de 2012, deixou a rádio de acorrer à licitação, questão inclusive que nem
o sócio Bruno, nem a testemunha Antônio Eraldo Alves Cardozo conseguiram explicar a
contento na audiência em que foram ouvidos, muito embora a testemunha afirmasse ser o
responsável pela participação em licitações. Justificaram que encaminharam ofício à
Prefeitura de Mangueirinha para prorrogar o contrato, porém, é certo que sabiam que a
Prefeitura contrata por meio de licitação e não diretamente, até porque acorreram às
licitações dos anos anteriores.
Com tal conduta, a administração da rádio, dessa vez
atribuindo-se a responsabilidade à sócia administradora, que por lei é a responsável por
decisões deste cariz, demonstra o intuito de não conceder qualquer espaço ao adversário
político, a fim de privilegiar o requerido Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar.
Patente, portanto, que as supostas entrevistas não se amoldam
ao permissivo do artigo 36-A, da Lei n. 9.504/97. Opostamente, o violam, denotando o
abuso do poder econômico.
Face tais circunstâncias, indubitável que o requerido Miguel
Aguiar, utilizando-se da ascendência de origem familiar sobre a rádio Araucária de
Mangueirinha, abusou do seu uso, desvirtuando-o para o fim de realizar propaganda
antecipada e reiterada em seu exclusivo favor, desequilibrando o pleito.
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C) DA GRAVIDADE DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO: DESEQUILÍBRIO DO PLEITO, FERIMENTO DA
LEGITIMIDADE E NORMALIDADE DAS ELEIÇÕES EM CURSO.
Caracterizado o abuso do poder econômico, resta analisar se
ele chegou a gerar o desequilíbrio no pleito eleitoral, atingindo o bem jurídico protegido:
legitimidade e normalidade das eleições.
Sobre a lesão ao bem jurídico em tela, leciona José Jairo
Gomes:
Já foi ressaltado alhures que o conceito de abuso de poder é, em si, uno e
indivisível. Trata-se de conceito fluido, indeterminado, que, na realidade
fenomênica, pode assumir contornos diversos. Tais variações concretas
decorrem de sua indeterminação a priori. Logo, em geral, somente as
peculiaridades divisadas no caso concreto é que permitirão ao intérprete
afirmar se esta ou aquela situação real configura ou não abuso. O conceito é
elástico, flexível, podendo ser preenchido por fatos ou situações tão variados
quanto os seguintes: uso nocivo e distorcido de meios de comunicação
social; propaganda eleitoral irregular; (...)4
O requisito de afetar a legitimidade e normalidade das eleições,
necessário para a procedência de AIJE por abuso do poder econômico, exige que a conduta
tenha conseguido desequilibrar o pleito eleitoral, nele influenciando, não se exigindo,
contudo, que se prove que o número de votos atingidos é suficiente para alterar o resultado
da eleição, ou seja, não se trata de conta matemática.
Marcos Ramayana esclarece:
Para a caracterização do abuso do poder econômico ou político, é necessária
a prova da potencialidade lesiva (gravidade), mas o Tribunal Superior
4 Direito Eleitoral, 7ª ed., revista, atualizada e ampliada, 2011, São Paulo: Atlas, pp. 448/449.
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Eleitoral consagra que não se exige a prova do nexo de causalidade entre a
conduta comissiva do abuso e o vício do pleito eleitoral. Deve-se provar o
comprometimento da lisura das eleições, à luz do contexto probatório coligido
na investigação judicial eleitoral, até porque a prova do vício das eleições,
como, v.g., a modificação do número de votos dados ao fraudador, pode ser
uma prova impossível de ser feita.
Afigura-se relevante destacar que a sanção de inelegibilidade ou cassação
do registro ou diploma leva em consideração o desequilíbrio causado com a
prática da ação comissiva por parte do infrator ou de seus cabos-eleitorais e
simpatizantes em geral.5
No caso dos autos, verifica-se que o requerido concedeu
entrevistas recorrentes, em número de cinco, muito próximo ao período eleitoral, com
temática claramente eleitoreira, realizando críticas ferrenhas à administração municipal,
comparando as suas administrações anteriores com esta e, principalmente, enaltecendo
suas qualidades pessoais e tendo-as enaltecidas pelos seus entrevistadores, com pedidos
de voto. O mesmo se pode dizer da nona entrevista do CD, na verdade uma reportagem
para explicar que o requerido Miguel não fizera determinada denúncia ao Ministério Pùblico.
A rádio araucária é a rádio mais ouvida em Mangueirinha,
município de grande zona rural, onde os moradores têm por hábito ouvir a rádio para
informar-se e entreter-se. O próprio requerido Miguel Aguiar, quando ouvido em juízo,
declarou que a rádio atinge toda a zona urbana e cerca de 80% da zona rural do município,
revelando seu amplo alcance.
Tal informação vem confirmada por declaração dada pelo
próprio requerido Miguel Aguiar na sexta entrevista do CD, quando diz: Vinte mil pessoas
estão escutando o que eu estou falando aqui., em clara referência ao município que conta
com cerca de 17 mil habitantes.
Para demonstrar que a rádio é o meio de comunicação de
maior poder no município, anote-se que por vezes, para localizar pessoas, os srs. oficiais de
justiça da comarca e o próprio Ministério Público solicitam seja anunciado na rádio araucária
que a pessoa deve comparecer ao fórum, diligência que frequentemente se revela profícua. 5 Idem, p. 591.
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Por óbvio, ao “conceder entrevistas” em rádio local de grande
alcance, em horário de grande audiência (sábado pela manhã), atingindo número
significativo de eleitores com mensagem claramente eleitoral em período vedado e com
pedido de votos, o requerido Miguel Aguiar, abusando do poder econômico, em virtude do
amplo acesso à rádio de sua família, gerou desequilíbrio no pleito eleitoral, colocando-se em
situação de superioridade de concorrência em relação a seus adversários que não tiveram
acesso aos mesmos recursos.
Pode-se dizer estreme de dúvida que o requerido lançou-se
primeiro na disputa eleitoral, colocando-se para o eleitor como a melhor opção, como o
candidato da oposição, como aquele que muito fez e muito pode fazer, tudo em período
vedado e sem tratamento isonômico aos outros dois candidatos a prefeito do município. E o
fez a número significativo de eleitores, como ele próprio admitiu, afetando a normalidade e a
legitimidade das eleições, gerando o desequilíbrio e desproporção de meios que enseja a
cassação do registro da sua candidatura.
Nessa linha, veja-se o seguinte julgado do Tribunal Superior
Eleitoral:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PRELIMINARES REJEITADAS.
ABUSO DE PODER E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
CONFIGURAÇÃO. AÇÃO JULGADA APÓS AS ELEIÇÕES. CASSAÇÃO DE
REGISTRO E INELEGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. (...)
4. A ação de investigação judicial eleitoral constitui instrumento idôneo à apuração
de atos abusivos, ainda que anteriores ao registro de candidatura. Precedentes. 5.
O Tribunal Regional pode analisar a questão da cassação de registro em sede de
embargos de declaração, quando a própria Corte reconhece omissão do acórdão
embargado, suficiente para a concessão de efeitos infringentes. 6. O conjunto
probatório dos autos revela o abuso do poder político, econômico e o uso indevido
dos meios de comunicação. 7. A potencialidade para influenciar o resultado do
pleito é manifesta. O nexo de causalidade quanto à influência das condutas no
pleito eleitoral é tão-somente indiciário, sendo desnecessário demonstrar, de
plano, que os atos praticados foram determinantes do resultado da
competição; basta ressair, dos autos, a probabilidade de que os fatos se
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revestiram de desproporcionalidade de meios. 8. O todo articulado da
Constituição Federal abona a conclusão de que, nos termos do inciso XIV do artigo
22 da Lei Complementar nº 64/90, é possível, em sede de ação de investigação
judicial eleitoral, a imposição da pena de cassação de registro e de inelegibilidade,
mesmo após o dia da votação, mas antes da diplomação do candidato eleito.
Interpretação constitucional que visa a excluir um vácuo jurisdicional (do dia da
votação até a diplomação dos eleitos) durante o qual não existiria qualquer
provimento jurisdicional efetivo, capaz de gerar a cassação de registro, hábil a
afastar do processo eleitoral e a impedir que venha a ser diplomado o candidato que
abusou do seu poder econômico ou político. 9. Execução do julgado com a
publicação deste acórdão. 10. Recurso desprovido. (Recurso Ordinário nº 1362,
Acórdão de 12/02/2009, Relator(a) Min. JOSÉ GERARDO GROSSI, Relator(a)
designado(a) Min. CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO, Publicação:
DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 66/2009, Data 06/04/2009,
Página 45 )
Colho outro julgado do Tribunal Superior Eleitoral que, embora
tenha julgado improcedente a AIJE, definiu o abuso de poder econômico em hipótese que
se amolda ao caso em tela:
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL
ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. GOVERNADOR. CABIMENTO. RECURSO
ORDINÁRIO. FUNGIBILIDADE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E USO
INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
1. O recurso cabível contra a decisão que versa sobre expedição de diploma em
eleições federais e estaduais é o ordinário (art. 276, II, a, do Código Eleitoral). Na
espécie, é admissível o recebimento do recurso especial como recurso ordinário por
aplicação do princípio da fungibilidade.
2. O abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é
impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da
disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. Já o uso indevido dos meios de
comunicação se dá no momento em que há um desequilíbrio de forças
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decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação
em detrimento de outros.
3. Na espécie, não houve comprovação da prática dos alegados ilícitos eleitorais.
4. Recurso especial eleitoral recebido como ordinário e não provido.
(Recurso Especial Eleitoral nº 470968, Acórdão de 10/05/2012, Relator(a) Min.
FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo
115, Data 20/06/2012, Página 73 )
E ainda, do mesmo Tribunal:
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL
ELEITORAL. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. SECRETÁRIO DE
COMUNICAÇÃO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL.
ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. POTENCIAL LESIVO
CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO. INELEGIBILIDADE. 1. "O nexo de
causalidade quanto à influência das condutas no pleito eleitoral é tão somente
indiciário, sendo desnecessário demonstrar, de plano, que os atos praticados
foram determinantes do resultado da competição; basta ressair, dos autos, a
probabilidade de que os fatos se revestiram de desproporcionalidade de
meios" (Ac. nº 1.362/PR, rel. designado Min. Carlos Ayres Brito, DJe de
6.4.2009). 2. As provas dos autos demonstram que houve abuso do poder político
decorrente do proveito eleitoral obtido por pré-candidato a deputado federal que, na
qualidade de Secretário de Comunicação municipal, beneficiou-se com a publicação
de matérias a seu respeito em jornais e revistas cujas empresas de comunicação
foram contratadas pela prefeitura, sem licitação, para a divulgação de propaganda
institucional. 3. A maciça divulgação de matérias elogiosas a pré-candidato em
diversos jornais e revistas, cada um com tiragem média de dez mil exemplares,
publicados quinzenalmente, e distribuídos gratuitamente durante vários meses antes
da eleição, constitui uso indevido dos meios de comunicação social, com potencial
para desequilibrar a disputa eleitoral. 4. Recurso ordinário provido. (Recurso
Ordinário nº 1460, Acórdão de 22/09/2009, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES
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RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Volume -,
Tomo 196/2009, Data 15/10/2009, Página 62-63 )
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. USO
INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CONFIGURAÇÃO.
POTENCIALIDADE LESIVA. INAPLICABILIDADE DA LC 135/2010. PARCIAL
PROVIMENTO. 1. A representação por propaganda eleitoral antecipada e a AIJE
constituem ações autônomas, com causas de pedir e sanções próprias. Assim, a
procedência ou improcedência de uma não é oponível à outra. 2. Fatos anteriores
ao registro de candidatura podem configurar uso indevido dos meios de
comunicação social, visto que compete à Justiça Eleitoral zelar pela lisura das
eleições. Precedentes. 3. O uso indevido dos meios de comunicação caracteriza-se,
na espécie, pela veiculação de nove edições do Jornal Correio do Vale, no período
de março a julho de 2010, nos formatos impresso e eletrônico, com propaganda
eleitoral negativa e graves ofensas pessoais a Sebastião Pereira Nascimento e
Carlos Eduardo Vilela, candidatos aos cargos de deputados estadual e federal nas
Eleições 2010, em benefício do recorrido - único editor da publicação e candidato a
deputado estadual no referido pleito. 4. Na espécie, a potencialidade lesiva da
conduta evidencia-se pelas graves e reiteradas ofensas veiculadas no Jornal
Correio do Vale contra os autores da AIJE, pelo crescente número de
exemplares distribuídos gratuitamente à medida que o período eleitoral se
aproximava e pelo extenso período de divulgação da publicação (5 meses). 5.
A procedência da AIJE enseja a inelegibilidade para as eleições que forem
realizadas nos 3 (três) anos subsequentes ao pleito em que ocorreu o ato abusivo,
nos termos da redação originária do art. 22, XIV, da LC 64/90. 6. Recurso ordinário
parcialmente provido. (Recurso Ordinário nº 938324, Acórdão de 31/05/2011,
Relator(a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE - Diário da Justiça
Eletrônico, Data 01/08/2011, Página 231/232 )
RECURSO ESPECIAL. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
SOCIAL. MÍDIA IMPRESSA. POTENCIALIDADE. CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE
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FATOS E PROVAS. NÃO PROVIMENTO. 1. A novel jurisprudência do e. TSE
considera possível a cassação de registro de candidatura mesmo que a Ação de
Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) seja julgada procedente após a realização do
pleito, desde que tal julgamento seja proferido antes da diplomação (RO nº
1.362/PR, Rel. Min. José Gerardo Grossi, DJe de 6.4.2009). In casu, a discussão
sobre a data em que proferida a sentença de procedência da AIJE ficou prejudicada,
já que anterior à diplomação dos eleitos. 2. Irrelevante a alegação de que a
conduta abusiva não teria causado prejuízo direto à esfera jurídica dos
recorridos. A AIJE visa proteger bem jurídico de titularidade coletiva, qual
seja, a estabilidade do regime democrático manifestado pela soberania do
voto popular. Assim, a configuração do abuso dos meios de comunicação
social exige apenas a potencialidade lesiva da conduta para interferir na lisura
e no equilíbrio das eleições. (RO nº 1.460/SP, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de
5.10.2009; RO nº 1.537/MG, de minha relatoria, DJ de 29.8.2008). 3. O e. TRE/SP,
instância soberana na apreciação do acervo fático-probatório, consignou que a
potencialidade lesiva no uso indevido dos meios de comunicação social decorre: a)
da tiragem de 1.000 exemplares do ¿Jornal Já¿ distribuídos no Município de
Araras/SP; b) de ampla quantidade de anúncios comerciais no mencionado
jornal; c) de anterior utilização deste periódico como órgão de imprensa oficial
na publicação de atos do Poder Executivo Municipal; d) da quantidade de 8
(oito) edições nos meses que antecederam o pleito, com intensa propaganda
negativa dos recorridos; e) da disponibilidade dos exemplares do jornal em
determinados pontos da cidade. Para a adoção de entendimento contrário sob o
argumento de que ¿o aludido jornal 'Já' é editado apenas uma vez por semana e
tem a menor tiragem e distribuição entre outros periódicos da cidade, como o jornal
'Opinião', que combateu as candidaturas dos recorrentes e tem uma distribuição
semanal de 10.000 exemplares, assim como o jornal 'Tribuna do Povo', editado três
vezes por semana com distribuição em torno de 30.000 exemplares¿, seria
necessário o reexame de fatos e provas, atraindo o óbice das Súmulas nºs 7/STJ e
279/STF, pois nenhuma destas alegações trazidas pelos recorrentes faz parte da
moldura fática delimitada pelo v. acórdão regional. 4. A discussão sobre a maior
quantidade de jornais supostamente utilizados contra a campanha dos recorrentes,
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bem como a maior periodicidade na sua distribuição, somente teria relevância para o
deslinde da causa se fosse possível afirmar, indene de dúvidas, que tal veículo de
comunicação social foi usado de forma abusiva, como de fato ocorreu com o jornal
utilizado pelos recorrentes. Trata-se, todavia, de matéria fática não abordada no v.
acórdão regional cujo conhecimento em sede de recurso especial também
esbarraria no óbice das Súmulas nºs 7/STJ e 279/STF. 5. A suposta ausência de
responsabilidade dos recorrentes pela veiculação das matérias abusivas afigura-se
inócua, já que, segundo a jurisprudência do e. TSE, ¿pode vir a ser configurado o
abuso de poder mesmo sem ter havido participação do candidato beneficiado, se
evidente a potencialidade de influência no pleito¿. (RO nº 782/SP, Rel. Min.
Fernando Neves, DJ de 3.9.2004). 6. O recurso contra expedição de diploma
(RCED), a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e a Ação de Impugnação
de Mandato Eletivo (AIME) possuem causas de pedir própria e consequência
jurídica distinta. Assim, o julgamento favorável ou desfavorável de cada uma dessas
ações não influencia no trâmite uma das outras. (AREspe 26.276/CE, Rel. Min.
Marcelo Ribeiro, DJ de 7.8.2008; REspe 28.015/RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ de
30.4.2008). 7. Recurso especial a que se nega provimento. (Recurso Especial
Eleitoral nº 35923, Acórdão de 09/03/2010, Relator(a) Min. FELIX FISCHER,
Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 14/04/2010, Página 43/44 )
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2006. DEPUTADO FEDERAL. USO INDEVIDO
DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CARACTERIZAÇÃO. POTENCIALIDADE
DA CONDUTA. PROVIMENTO. (...) 4. O e. TSE consagrou o entendimento de
que para se reconhecer o uso indevido de meios de comunicação social é
necessário verificar sua potencialidade para prejudicar a lisura das eleições e
o equilíbrio da disputa eleitoral (RO 763, Rel. e. Min. Carlos Madeira, DJ de
3.5.2005; RO nº 781, Rel. e. Min. Peçanha Martins, DJ de 24.9.2004; RO nº 692,
Rel. e. Min. Carlos Madeira, DJ de 4.3.2005). Nesse sentido, a potencialidade
somente se revela quando demonstrado que as dimensões das práticas
abusivas são suficientes à quebra do princípio da isonomia, em desfavor dos
candidatos que não se utilizam dos mesmos recursos. Na hipótese dos autos,
configura-se o potencial prejuízo à lisura e ao equilíbrio entre os candidatos
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nas eleições 2006. Vinhetas institucionais da TV Sudoeste transmitiram, de 5
(cinco) a 10 (dez) vezes por dia, nos meses que antecederam às eleições
(período vedado), a imagem do recorrido, juntamente com outras
personalidades locais, em municípios nos quais o beneficiado obteve
expressiva votação. O mesmo benefício não foi concedido a outros
candidatos. 5. "Em sede de ação de investigação judicial eleitoral não é necessário
atribuir ao réu a prática de uma conduta ilegal, sendo suficiente, para a procedência
da ação, o mero benefício eleitoral angariado com o ato abusivo, assim como a
demonstração da provável influência do ilícito no resultado do pleito" (RO nº 1.350,
Rel. e. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 20.4.2007). In casu, mostra-se desnecessário
um liame preciso e indene de dúvidas entre o recorrido e os meios de comunicação
social para configuração do alegado uso indevido dos meios de comunicação social,
especialmente porque a imagem do candidato foi veiculada mediante TV, de modo
intenso no período que antecedeu ao certame, tornando-se notória a prática, até
mesmo para o candidato ora recorrido. Prevalece, portanto, a culpa in re ipsa. 6.
Recurso ordinário provido para declarar a inelegibilidade do recorrido pelo período
de três anos, contados a partir das eleições de 2006. (Recurso Ordinário nº 1537,
Acórdão de 19/08/2008, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJ - Diário da
Justiça, Data 29/08/2008, Página 14 )
E da jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná,
colhe-se o julgado seguinte:
AIJE. INTEMPESTIVIDADE. USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO. CANDIDATA DIRETORA E APRESENTADORA EM CANAL ABERTO DE TELEVISÃO. POTENCIALIDADE LESIVA E GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. INELEGIBILIDADE: LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2.010. 1. O prazo de instauração de ação de investigação judicial eleitoral prevista na Lei Complementar nº 64/1.990 estende-se até a data da diplomação dos eleitos (unanimidade). 2. Configurado o uso indevido de meios de comunicação e a gravidade das circunstâncias, com potencialidade de influir no resultado das eleições, incidem as sanções do inciso XIV, do art. 22, da LC nº 64/90 (unanimidade). 3. Não existe previsão legal de redução ou isenção de multa eleitoral a emissora de TV de eventual caráter comunitário (unanimidade).
Promotoria de Justiça da Comarca de Mangueirinha – Estado do Paraná
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4. O tempo de inelegibilidade previsto na LC nº 135/2.010 aplica-se de pronto, por não configurar retroatividade, e sim retrospectividade ou retroatividade inautêntica (maioria). (RECURSO ELEITORAL nº 171, Acórdão nº 41.762 de 07/12/2011, Relator(a) AURACYR AZEVEDO DE MOURA CORDEIRO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 15/12/2011 )
Portanto, restou plenamente configurado o abuso de poder
econômico por parte do requerido Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar com ferimento da
lisura e legitimidade do pleito, pelo desequilíbrio e quebra da isonomia estabelecidos em
relação a outros candidatos pelo uso indevido da rádio de sua família.
Com ele, cabe a condenação também do candidato a vice-
prefeito, beneficiado pelo fato de a candidatura dar-se em chapa única, da Sra. Maria
Beatriz de Aguiar, sócia-administradora da rádio, e Bruno Carlos de Aguiar, gerente geral da
rádio, que, portanto, contribuíram para a conduta abusiva.
4. Conclusão
Ante o exposto, o Ministério Público Eleitoral, por esta agente
signatária, manifesta-se pela PARCIAL PROCEDÊNCIA da demanda, para o fim de ser
reconhecer a ocorrência do abuso de poder econômico eleitoral, cassando-se o registro dos
candidatos Miguel Carlos Rodrigues de Aguiar e Darci Prusch, bem como declarando-se a
sua inelegibilidade e dos requeridos Bruno Carlos de Aguiar e Maria Beatriz de Aguiar pelo
prazo de oito anos.
Mangueirinha/PR, 07 de setembro de 2012.
Maria Fernanda Marinelli Salvadori Belentani
Promotora de Justiça