projeto político-pedagógico: utopia ou realidade?

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O tema da autonomia da escola vem sen- do colocado em pauta, mais intensamente, pelos estudiosos e pesquisadores da educa- ção brasileira desde que os mecanismos le- gais e normativos da reforma educacional bra- sileira de 1996, através de sua Lei n° 9.394/ 96, de Diretrizes e Bases da Educação Naci- onal, abriram possibilidades e esperanças de mudanças. Motivado por essas novas pers- pectivas, o presente estudo foi investigar como algumas escolas do Município do Rio de Ja- neiro estavam construindo seus Projetos Polí- tico-Pedagógicos, instrumen- to de planejamento que ten- de a facilitar a conquista des- sa autonomia na gestão es- colar. Depois de visitar 9 es- colas e entrevistar 30 profes- sores, além de vários alunos, pais e funcionários, o autor deste trabalho detectou que esse processo de autonomia ainda caminha a passos lentos. Como fruto da análise das entrevistas, percebeu-se que várias medidas legais do sistema educacional vigente dificul- tam a criação de algumas condições neces- sárias para que os agentes da comunidade escolar se motivem a realizar os seus próprios Projetos Político-Pedagógicos. Conclui este tra- balho que é necessário revisar e ajustar al- guns aspectos da própria autonomia atual da escola pública com algumas mudanças substanciais, para que seus autores possam ter condições de adaptar-se às novas reali- dades trazidas pela maioria do seu alunado. Palavras-chave: Autonomia da escola. Projetos Políticos Pedagógicos. Motivação. Medidas legais do sistema educacional. Introdução O tema da autonomia da escola vem sendo colocado em pauta, mais intensamen- te, pelos estudiosos e pesqui- sadores da educação brasi- leira, desde que os mecanis- mos legais e normativos da reforma educacional brasilei- ra de 1996, através da Lei n° 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), abriram possibili- dades e esperanças de mudanças. O artigo 14 dispõe sobre a gestão da esco- la pública pontuando que cada sistema de en- sino definirá as normas da gestão democrática, respeitando as peculiaridades do local, e aponta Projeto Político-Pedagógico: Utopia ou Realidade? João Malheiro Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005 João Malheiro Mestre em Educação, Faculdade de Educação da UFRJ Diretor do Centro Cultural de Laranjeiras (Rio de Janeiro) Consultor educacional Resumo Pesquisa em Síntese

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Page 1: Projeto Político-Pedagógico: Utopia ou Realidade?

O tema da autonomia da escola vem sen-do colocado em pauta, mais intensamente,pelos estudiosos e pesquisadores da educa-ção brasileira desde que os mecanismos le-gais e normativos da reforma educacional bra-sileira de 1996, através de sua Lei n° 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Naci-onal, abriram possibilidades e esperanças demudanças. Motivado por essas novas pers-pectivas, o presente estudo foi investigar comoalgumas escolas do Município do Rio de Ja-neiro estavam construindo seus Projetos Polí-tico-Pedagógicos, instrumen-to de planejamento que ten-de a facilitar a conquista des-sa autonomia na gestão es-colar. Depois de visitar 9 es-colas e entrevistar 30 profes-sores, além de vários alunos,pais e funcionários, o autordeste trabalho detectou queesse processo de autonomia ainda caminhaa passos lentos. Como fruto da análise dasentrevistas, percebeu-se que várias medidaslegais do sistema educacional vigente dificul-tam a criação de algumas condições neces-sárias para que os agentes da comunidadeescolar se motivem a realizar os seus própriosProjetos Político-Pedagógicos. Conclui este tra-

balho que é necessário revisar e ajustar al-guns aspectos da própria autonomia atualda escola pública com algumas mudançassubstanciais, para que seus autores possamter condições de adaptar-se às novas reali-dades trazidas pela maioria do seu alunado.Palavras-chave: Autonomia da escola.Projetos Políticos Pedagógicos. Motivação.Medidas legais do sistema educacional.

IntroduçãoO tema da autonomia da

escola vem sendo colocadoem pauta, mais intensamen-te, pelos estudiosos e pesqui-sadores da educação brasi-leira, desde que os mecanis-mos legais e normativos dareforma educacional brasilei-ra de 1996, através da Lei n°

9.394/96, de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (BRASIL, 1996), abriram possibili-dades e esperanças de mudanças.

O artigo 14 dispõe sobre a gestão da esco-la pública pontuando que cada sistema de en-sino definirá as normas da gestão democrática,respeitando as peculiaridades do local, e aponta

Projeto Político-Pedagógico:

Utopia ou Realidade?

João Malheiro

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

João Malheiro

Mestre em Educação, Faculdade

de Educação da UFRJ

Diretor do Centro Cultural de

Laranjeiras (Rio de Janeiro)

Consultor educacional

Resumo

Pesquisa em Síntese

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a necessidade de participação dos profissionaisda educação na elaboração do projeto peda-gógico, bem como das comunidades interna eexterna, considerando seu Conselho Escola-Co-munidade. O artigo 15 da mesma lei dispõesobre os níveis de autonomia que a escola pú-blica pode e deve conquistar, sendo eles: admi-nistrativos e pedagógicos e de gestão financei-ra, sempre observando o disposto nas normasgerais de direito financeiro público.

A luta pela autonomia insere-se numaluta maior no seio da própria sociedade.Sua eficácia depende muito da ousadia decada escola em experimentar o novo. Mas,para isso, é preciso percorrer um longocaminho de construção da confiança naescola, na capacidade de ela resolver seusproblemas e dificuldades e de achar osmelhores caminhos para a sua clientela.

Como diz Gadotti e Romão (1997, p.47)

A autonomia se refere à criação denovas relações sociais, que se opõemàs relações autoritárias existentes.Autonomia é o oposto de uniformiza-ção. Autonomia admite a diferençae, por isso, supõe a parceria. Só aigualdade na diferença e a parceriasão capazes de criar o novo. Por isso,escola autônoma não significa esco-la isolada, mas em constante inter-câmbio com a sociedade.

Sou de opinião que descentralização eautonomia devem caminhar juntas. Trata-se,dentro de um mesmo nível de governo, derepassar algumas decisões para as escolasde modo que elas participem, junto com acomunidade escolar – interna e externa – daelaboração dos objetivos e projetos educaci-onais, reforçando a unidade do sistema.

Ao analisar os avanços alcançadosnos últimos anos, com a nova LDB, pode-se dizer que o sistema educacional bra-sileiro já incorporou algumas tendênci-as internacionais, como a flexibilidadecurricular, a do sistema de avaliação ea de organização administrativa e finan-ceira; além de maiores facilidades naaceleração de estudos para alunos atra-sados, etc. Isso vem permitindo à esco-la, através de seu Conselho-Escola, cri-ar o seu Projeto Político-Pedagógico, evi-denciando, portanto, que já existe umcerto grau de descentralização.

Desde 1995, a política educacional bra-sileira vem implementando outras medidas,tais como o reforço financeiro das escolas(dinheiro na escola), a descentralização damerenda escolar; a capacitação do corpodocente – realizada, em muitos casos, viaeducação a distância; a estruturação e im-plementação de amplo sistema de avalia-ção externa sobre a rede de escolas etc.

Segundo Gadotti e Romão (1997, p.36)A autonomia e a participação – pres-supostos do projeto político-peda-gógico da escola – não se limitama mera declaração de princípiosconsignados em algum documen-to. Sua presença precisa ser senti-da no Conselho-Escola ou Colegi-ado, e também na escolha do livrodidático, no planejamento do ensi-no, na organização de eventos cul-turais, de atividades cívicas, espor-tivas, recreativas. Não basta ape-nas assistir às reuniões. A gestão democrática deve estarimpregnada de uma certa atmosfe-ra que se respira na escola, na cir-culação das informações, na divi-

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são do trabalho, no estabelecimentodo calendário escolar, na distribui-ção das aulas, no processo de ela-boração ou de criação de novoscursos ou novas disciplinas, na for-mação de grupos de trabalho, nacapacitação dos recursos humanos,etc. A gestão democrática é, por-tanto, atitude e método. A atitudedemocrática é necessária, mas nãosuficiente. Precisamos de métodosdemocráticos que atendam ao efe-tivo exercício da democracia. Elatambém é um aprendizado, deman-da tempo, atenção e trabalho.

Percebe-se, por outro lado, na práticaquotidiana dentro das escolas, que exis-tem várias “forças educacionais” atuandoem diversos lados e parece difícil alcançaruma “resultante” que permita a todos ca-minharem numa direção só, quando seprocura alcançar contextos maiores deautonomia. Talvez, por isso, algumas es-colas, muitas vezes, não se sintam espe-rançosas e animadas a fazer seus ProjetosPolítico-Pedagógicos ou ainda, se os fa-zem, não conseguem realizá-los na práti-ca. Nota-se que, apesar de estar contem-plada na lei, a comunidade escolar pare-ce que ainda está um pouco imatura ecom dificuldades em achar o próprio ca-minho de sua autonomia e em driblar ou-tros fatores que a dificultam.

Por isso, pareceu-me muito interes-sante fazer um estudo investigativo, so-bre como diversas escolas do Municípiodo Rio de Janeiro estão elaborando seusProjetos Político-Pedagógicos. Pretendo,neste artigo, compartilhar com a comu-nidade escolar, algumas das suas des-cobertas principais.

Como diz Vasconcellos (2002, p. 21)O Projeto tem uma importante con-tribuição no sentido de ajudar aconquistar e consolidar a autono-mia da escola, criar um clima, umethos onde professores e equipe sesintam responsáveis por aquilo quelá acontece, inclusive em relaçãoao desenvolvimento dos alunos.De certa forma, é o Projeto quevai articular, no interior da escola,a tensa vivência da descentraliza-ção e, através disto, permitir o di-álogo consistente e fecundo coma comunidade e com os órgãosdirigentes.

O objetivo deste trabalho foi, portanto,averiguar, justamente, quais são os cami-nhos e as estratégias – antes, durante edepois - que algumas escolas municipaisdo Rio de Janeiro estão adotando para aelaboração e execução do Projeto Político-Pedagógico, a fim de auxiliar outras esco-las a acharem seus próprios caminhos.

Este estudo pode ser desdobrado emalgumas questões:

1º) o que faz com que algumas escolasconsigam elaborar os seus Projetos Políti-co-Pedagógicos e outras não?

2º) com relação às que conseguem ela-borá-los, por que algumas não são efici-entes na sua aplicação?

3º) com relação às que conseguiramelaborá-los e lograram ser bem sucedidasna sua realização, quais foram os fatoresinternos e externos da comunidade escolarque favoreceram tal sucesso?

Acreditei, desde o início, que obter res-postas para as questões levantadas – deforma atualizada, pormenorizada e, na

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medida do possível, com grande grau deprecisão – poderia resultar não só nummaior entendimento do problema em foco,mas também, através da reflexão sobreas experiências positivas e negativas daspessoas investigadas e das instituições emapontar possíveis alternativas de encami-nhamentos de Projetos Político-Pedagó-gicos, decifrando os fatores internos e ex-ternos mais importantes e decisivos paraa sua realização.

Referencial TeóricoA fim de embasar o aprofundamen-

to deste estudo, depois de longa leituraem diversos autores que tratam do tema,decidi apoiar-me em dois especialistasde planejamento como instrumento detransformação e em Projeto Político-Pe-dagógico, Celso Vasconcellos e MoacirGadotti.

Através desses autores, busquei con-seguir um embasamento teórico sólido,para, em primeiro lugar, entender quaiseram os principais elementos de um Pro-jeto Político-Pedagógico. Depois, pesqui-sar quais deveriam ser os passos seqüen-ciais mais aconselháveis para uma boaconstrução desse projeto. Compreendertambém como se deve criar o desejo/ne-cessidade de se fazer esse tipo de traba-lho. Por fim, estudar melhor os conflitos etensões entre o que eles sugerem para asua execução, em teoria, e o que pudeobservar depois na prática.

Naturalmente, existem outros expoentesno tema em foco. Confesso que, na leituraaludida anteriormente, pude perceber umalinha condutora semelhante e uma forte sin-tonia, por onde concluí, com grande graude certeza, que estão nascendo, na comu-

nidade acadêmica, novos rumos de umaescola mais justa e democrática e horizon-tes mais otimistas.

Metodologia eInstrumentação Utilizada

A fim de obter maior visualização dosdiversos problemas em estudo e tambémrespostas para as questões colocadas an-teriormente, entendi que a melhor meto-dologia a ser adotada identificava-se coma de natureza qualitativa, através de umaentrevista semi-estruturada, com pergun-tas abertas e semi-abertas feitas a direto-res e professores de algumas escolas pú-blicas do Município do Rio de Janeiro.Acreditei que esta metodologia era a maisadequada para poder captar, com um cer-to espírito investigativo, as melhores so-luções para o objeto principal deste estu-do, além de facilitar o registro dos dadose a sua posterior análise.

Em paralelo, a fim de elucidar e glo-sar a pesquisa semi-estruturada, perce-bi, ao longo da investigação, a impor-tância de adotar mais dois métodos depesquisa qualitativa: primeiramente, aentrevista não estruturada a alunos efuncionários, durante a vivência nas es-colas - enquanto esperava um professorou nos intervalos entre uma entrevista eoutra – escolhidos pela observação desituações ordinárias e extraordináriasnão previstas (exemplos: uma aluna tristee sozinha no recreio; uma aluna sendoexpulsa do colégio por bater num cole-ga e enfrentar toda a direção e a rondaescolar; uma funcionária antiga que mecontasse os “segredos” da escola, etc).Em segundo lugar, a entrevista tambémnão estruturada aos pais de alunos naprópria residência, juntamente com a

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observação da realidade descoberta du-rante esse procedimento. Acredito que aentrevista não estruturada poderia ser efi-caz para a minha investigação, uma vezque, não conhecendo a fundo essas rea-lidades, ficaria mais livre e aberto paraobter dados mais realistas e menos pre-conceituosos de minha parte. Estive –precisou de um pouco de audácia – dentrode um morro da zona sul – e, garanto,foi decisivo para as conclusões deste tra-balho. Não apresento uma análise doconteúdo dessas entrevistas não estrutu-radas, pois objetivavam apenas certificar-me do conteúdo das entrevistas dos pro-fessores, foco principal deste trabalho.

Em quase praticamente todos os 30professores entrevistados, amostragemque considerei razoável para o objeto deestudo, pude perceber um “grito” guar-dado há anos. Um momento de desaba-fo misturado a um momento de entusias-mo meio descontrolado, incentivado pelaesperança de conseguir, num futuro lon-gínquo, tempos melhores. Notei também,em quase toda a totalidade das entrevis-tas, uma mistura de sentimentos de fra-casso, impotência e desânimo acoberta-dos por uma certa vaidade de estaremsendo valorizados e escutados por umpesquisador da UFRJ.

Confesso que me chamou muito a aten-ção, ao longo das entrevistas realizadas, o“recado” único que cada um me passava,sem perceber. Era como se fosse cada umadas pinceladas de um quadro que está emandamento. Em todos, muitas coisas eram

comuns. Muitas outras revelações, porém,eram exclusivas.

Uma preocupação que tive, antes derealizar as entrevistas, foi definir os crité-rios, segundo os quais seriam seleciona-dos os sujeitos que iriam compor o uni-verso de investigação. Esta questão éalgo primordial, pois influencia direta-mente na qualidade das informações apartir das quais seria possível construir aanálise e chegar à compreensão maisampla do problema delineado.

Segundo Duarte (2002), a descriçãoe delimitação da população base, ouseja, dos sujeitos a serem entrevistados,assim como o seu grau de representati-vidade no grupo social em estudo, cons-tituem um problema a ser imediatamen-te enfrentado, já que se trata do solosobre o qual grande parte do trabalhode campo será assentado.

Em relação à escolha dos professo-res, tendo em vista que o Projeto Político-Pedagógico exige uma percepção razoá-vel da realidade escolar e de uma visãohistórica da escola e da comunidade,mais ou menos longa e profunda, paracaptar suas necessidades, suas dificulda-des, suas utopias, o critério principal ado-tado foi o tempo de magistério. Ao seexaminar o quadro do perfil dos entrevis-tados (Cf. tabela 1), será possível verifi-car que a média de idade ficou em 20anos. Em todas as escolas, onde foramrealizadas as entrevistas, não houve re-sistência contra esta exigência.

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Tabela 1: Perfil dos entrevistados

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Com relação à escolha das escolas,alguns critérios limitaram tal seleção. Pri-meiramente, o mais importante seria es-colher aquelas que tivessem ou já teriamtido o Projeto Político-Pedagógico. Difi-cilmente conseguiria ser entendido pe-los informantes caso nunca tivessem vi-venciado - ao menos uma vez! - a cons-trução e realização desse projeto. Um se-gundo critério seria a escola ser de ensi-no fundamental, visto que a base detodo o sucesso educacional está assen-tado nesses anos da 1ª à 8 ª série. Hoje,cada vez mais se comprova que o fra-casso escolar, os altíssimos níveis deevasão e o baixo aprendizado, ocorremtanto nestes segmentos fundamentais,quanto no de ensino médio, refletindouma grave deficiência no ensino e apren-dizagem nesses níveis. Normalmente, taisescolas estão sob administração munici-pal, tendo na sua maioria, uma médiade 1000 alunos.

Com referência à localização de taisescolas, pude perceber que o fato de acidade do Rio de Janeiro estar circun-dada de favelas e a clientela dessas es-colas ter uma representatividade muitogrande das comunidades a que perten-cem tornando-as, por isso, bastante se-melhantes, não importava muito definira região da cidade. Entretanto, paragarantir maior precisão na coleta de da-dos, resolvi escolher 7 escolas, espalha-das pelas regiões norte (4), sul (1), cen-tro (1) e oeste (1) que me atenderam,pois houve duas (ambas na zona sul)que não se mostraram muito solícitas emme receber, certamente por não terem o

Projeto Político-Pedagógico pronto. Po-der-se-ia alegar que, para um universode mais de 1000 escolas, esse númerofoi insuficiente. De fato, para um estudomais exato, um número superior de es-colas talvez se fizesse necessário. Tratan-do-se porém, de um estudo investigati-vo, o número de escolas escolhidas so-madas à experiência e às informaçõesde inúmeros professores tornava-se sufi-ciente. Para ter acesso a essas escolas,tive que apresentar meu projeto de pes-quisa na Secretaria Municipal de Educa-ção, onde o examinaram com cuidadodurante uma semana, para obter a devi-da autorização. Tendo-a em mãos, diri-gi-me às respectivas Coordenadorias Re-gionais – CRE —, para conseguir umanova permissão para poder entrar emcada escola.

Com relação ao cronograma de traba-lho de campo, a elaboração da entrevistafoi iniciada em março de 2003 e testadaem maio desse ano. Com duração de 45minutos cada uma, estenderam-se até omês de julho.

As entrevistas foram condensadas es-trategicamente nesse período de 2 me-ses, exigindo talvez um ritmo mais in-tenso, para que a influência das respos-tas dos 30 professores somadas à ob-servação, vivência, reflexão, etc. das 9escolas visitadas ajudassem a alcançar,com mais sensibilidade, as respostas queprocurava e assim pudesse contemplar oquadro que ia sendo composto diaria-mente. Penso que a estratégia funcionoumuito bem.

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Análise dos ResultadosToda organização, seja ela industrial

ou prestadora de serviços, como é umaescola, precisa ser administrada adequa-damente para alcançar os seus objetivoscom a maior eficiência e economia deação e de recursos.

Para que a cooperação de indivíduos,no sentido de alcançar um ou mais objeti-vos comuns se torne efetiva e formal, o com-ponente essencial dessa associação é a ad-ministração: a função de se conseguir fa-zer as coisas através das pessoas, com osmelhores resultados.

Tendo claros esses conceitos, acheipor bem que a melhor maneira de ana-lisar as entrevistas que procuram des-vendar, no fundo, um problema próprioda administração – o planejamento par-ticipativo - era vê-las sob a ótica daciência da Administração, encaixandoas respostas dadas nos âmbitos das di-versas áreas de estudo dessa ciência eque definiriam as categorias de análisee algumas funções próprias delas, assubcategorias.

Alguns pesquisadores decidem co-meçar logo a descrever o material re-agrupado dentro das diferentes cate-gorias ou subcategorias da grade fi-nal de análise. Outros, em maior nú-mero, preferem efetuar compilaçõesquantitativas e, mais tarde, dali fa-zer as constatações e interpretaçõesrelat ivas à repart ição do mater ia l .Pessoalmente, optei pela segunda,pois me pareceu mais preciso e faci-litador trabalhar com tantas respos-tas diferentes.

Depois de terminadas todas as 30 entrevis-tas, agrupadas as respostas nas categorias esubcategorias correspondentes descritas acima,os resultados aparecem na tabela 2 (ao lado).

Como se pode verificar, os dados databela ajudam a responder a muitas inda-gações levantadas no início da pesquisa e,de alguma maneira, apontaram direçãodiferente das minhas expectativas iniciais.

Quando comecei a investigação, mi-nhas hipóteses sobre o porquê dos profes-sores não se envolverem no Projeto Políti-co-Pedagógico beiravam razões de ordemfinanceira e/ou de tempo. Entretanto, aoanalisar os resultados, constatei que osmotivos reais e verdadeiros envolvem mui-to mais problemas humanos.

Após testar a primeira entrevista, descritano capítulo anterior, pude perceber a necessi-dade de identificar separadamente as razõesinternas de as pessoas por motivos intrínsecosse envolverem no PPP das razões externas -motivos extrínsecos - pois detectei que eramdiferentes. Algumas pessoas, por exemplo,compromissadas realmente com a educação,dispostas a sacrificar o fim de semana para sereunirem a fim de elaborar o PPP - portanto,motivos intrínsecos favoráveis - tornavam-sedesanimadas por motivos extrínsecos - a dire-tora não autorizava abrir a escola nesse dia.Um outro exemplo constatado foi uma direto-ra animada, que, driblando inclusive as pró-prias exigências da Secretaria Municipal de Edu-cação de haver 200 dias letivos obrigatórios,suspendeu algumas aulas para dar lugar àsreuniões do PPP, deparando com alguns pro-fessores desanimados, os quais alegavam quenão estavam dispostos a se esforçarem por algoque não valia a pena.

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Tabela 2: Quais os motivos intrínsecos e extrínsecos que facilitam ou dificultam o envolvimentodos professores a participar na construção do Projeto Político Pedagógico

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88 João Malheiro

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

Dentro dos motivos intrínsecos, os resulta-dos evidenciaram que 65,22% das razões dosprofessores não participarem muito (dificulda-des) ou quererem participar (facilidades) - os30 professores entrevistados podiam respon-der a mais de um motivo, totalizando 66 res-postas - eram de ordem humana: muitos esta-vam desmotivados/sem esperança de que sir-va para algo o PPP (31% dentro dessa cate-goria), seguidos dos que alegavam dificulda-des de relacionamento (24%), seja com a pró-pria direção da escola, seja com alguns pro-fessores e alunos da comunidade escolar ale-gando que não queriam se misturar com essacomunidade por sentirem barreiras em aspec-tos socioeconômico-culturais, que os diferen-ciavam. Por fim, o terceiro motivo que sobres-saiu nesta categoria foi a falta de compromis-so de muitos professores com a educação(20%). Muitos estão lá simplesmente por mo-tivos comodistas ou por não conseguirem ou-tro emprego do mesmo nível salarial. Natural-mente, um professor assim terá uma forte ten-dência ao modismo/individualismo (6%) e anão se interessar pela própria capacitação pro-fissional como em aprender/interessar-se a fa-zer o PPP (5% dos entrevistados), levando aum baixíssimo nível de profissionalismo.

O segundo motivo intrínseco que mais cha-mou a atenção, na análise da pesquisa, foi aquestão da falta de logística (21,28%). Muitosprofessores alegaram falta de tempo (72% den-tro dessa categoria), justificando que a necessi-dade de terem que dar muitas aulas em váriasescolas, muitas vezes distantes entre si, para so-breviverem, lhes impossibilitava interessar-se peloPPP, participar das reuniões e até conseguir fôle-go para dar uma maior atenção aos alunos.Dentro dessa categoria, o segundo motivo apon-tado que se relaciona com o anterior é a falta decalendário (14%): a LDB determina 200 dias deaula e proíbe suspendê-las para outros fins. Na-

turalmente, fica difícil convencer os professoresque venham em outros dias, sabendo que nãoterão nenhum privilégio financeiro.

Dentro dos motivos extrínsecos, os resulta-dos apontam para uma certa semelhança comos resultados anteriores, mas, como já era dese esperar, os motivos logísticos de falta detempo (70%) e falta de calendário (25%) cres-ceram bastante (de 21% para 41%, compa-rando as mesmas categorias). Por outro lado,chamou a atenção o fato de que os motivospelos quais os professores tenham dificuldadeem se envolver na escola e no PPP continuemsendo causas humanas (57%) e não outras,de ordem financeira ou de ficar bem com acomunidade. Dentro dessa categoria, pudeperceber que as dificuldades de relacionamentopraticamente dobraram (24% para 52%) emrelação aos motivos intrínsecos. Muitos recla-maram que sua opinião nunca era levada emconta, que o consenso dificilmente existia e queo grupo mais forte era sempre o que levava amelhor. Muitos ainda afirmaram que não gos-tavam de ser avaliados pelos próprios colegase que a falta de reuniões e de diálogo levavaao distanciamento e desunião.

Uma outra análise que procurei fazer e re-lacionar com a tabela acima foi mostrar o perfilde cada escola pesquisada e verificar como mefoi apresentado o projeto político-pedagógico,como foi construído na comunidade escolar,qual o grau de formalismo com relação aosseus superiores e, por fim, qual a verdadeiraconsistência e objetividade desse projeto. Algu-mas perguntas do instrumento objetivavam de-tectar e desvendar esse “mistério” que, desde oinício do projeto da pesquisa, achei que seria atarefa mais difícil da investigação.

A seguir, na tabela 3, mostramos os re-sultados obtidos com as visitas às escolas:

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Projeto Político-Pedagógico: Utopia ou Realidade? 89

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

Tabela 3: Perfil das escolas e nível encontrado do Projeto Político Pedagógico

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90 João Malheiro

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

Procurei ocultar o nome de cada colé-gio por motivos éticos, identificando-os porletras. Acredito que desta maneira estareihonrando a confiança que os informantesdemonstraram ter em mim.

Como se pode averiguar, as relaçõesexistentes entre as duas tabelas anterioressão claras e evidentes, e não se podia es-perar realidade muito diferente.

Em primeiro lugar, chama a atençãocomo das 9 escolas visitadas apenas 3 ti-vessem o Projeto Político-Pedagógico escri-to. As outras 6 disseram-me ou que o esta-vam finalizando ou que não precisava serescrito: “porque todos os professores sabemmuito bem quais são as diretrizes que a es-cola procura apontar”, afirmou-me umadiretora. Evidentemente, que, sem quererjulgar as intenções dessas escolas, pode-seafirmar que dificilmente um PPP orientará eservirá de instrumento de controle sendoapenas oral. Como bem sabiamente já dizi-am os antigos: verba volent, scrita manent.

Com relação ao conteúdo desses PPPapresentados – escritos ou orais – por me-lhores que sejam as intenções de realizarmudanças e reformas educativas, poucos,pelo menos no que foi apresentado, objeti-vavam perseguir transformações reais naqualidade do ensino.

Outro aspecto que, de alguma maneira,ilustrou bem e se relacionou com as desco-bertas do quadro inicial de facilidades/difi-culdades para o envolvimento no PPP, seja omotivo intrínseco ou extrínseco, foi perceberque apenas uma escola procurou maior par-ticipação da comunidade escolar na cons-trução desse Projeto. Todas as demais cons-truíram-no de forma fechada - uma coorde-

nadora, com mais duas professoras, na vés-pera da data máxima de entregar para asCRE´s, tendo como base um modelo da CRE- ou ainda nem se sabia bem quem era apessoa responsável. Depois de construído, emalgumas escolas havia uma reunião no iní-cio do ano, onde, em geral, todos os presen-tes - que não eram muitos - concordavam.

Tudo isto dito anteriormente, mostra clara-mente o 3º aspecto da análise: o grau de for-malismo com as Coordenadorias Regionais deEducação - CRE´s - . Das nove pesquisadas,apenas em duas se pôde perceber um relativocompromisso com a comunidade escolar. Nasoutras sete, ficou claro que o esforço e a preo-cupação em cumprir uma norma legal eram aúnica motivação de fundo para construir o Pro-jeto Político-Pedagógico.

Por fim, foi demonstrado também que,na sua grande maioria, a consistência/ob-jetividade dos Projetos - podiam variar en-tre baixa, regular e alta, na medida em quenão evidenciavam metas claras, objetivosprecisos e praticidade ou, pelo contrário,demonstrassem força, que orientassem acomunidade escolar, etc - era baixa. Dos9, apenas 2 eram regulares.

Na tabela 1, mostrada anteriormente,sobre o perfil dos professores entrevistados,acredito que se pode relacionar perfeita-mente com as duas tabelas anteriores.

A partir de agora, ao nos referirmos àfala de algum entrevistado, procuraremosidentificá-lo pelo código acima.

Três aspectos podem destacar-se do perfildos professores entrevistados e que me poderãoauxiliar na posterior análise: tempo de magisté-rio, tempo na escola e matérias que leciona.

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Projeto Político-Pedagógico: Utopia ou Realidade? 91

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

Como já foi dito anteriormente, o tem-po de magistério era um critério impor-tante na escolha dos entrevistados, ten-do em vista que o Projeto Político-Peda-gógico exige uma percepção razoável darealidade escolar e de uma visão histó-rica da escola e da comunidade esco-lar, mais ou menos longa e profunda,para captar suas necessidades, suas di-ficuldades, suas utopias.

Ao examinar o tempo médio de ma-gistério dos professores entrevistados - 20anos - e ao perceber as enormes dificul-dades encontradas hoje, para manter adisciplina, para motivar os alunos no en-sino-aprendizado dentro e fora da salade aula, para envolver-se com projetosextra-escola, para compreender e aceitaro aluno que passa por dificuldades imen-sas de ordem afetiva, familiar, cultural,financeira e, principalmente, de perspec-tiva de vida, questionei-me: será que oprofessor está preparado/capacitado/motivado para enfrentar uma clientela queé muitíssimo diferente do que há poucosanos existia? Será que foram formados epreparados na faculdade para trabalhardiariamente com o alunado real e con-creto dos dias de hoje? Haverá algumsentimento real de frustração profissional,encoberto e oculto, que aumente a des-motivação, falta de esperança e de pro-fissionalismo detectado na pesquisa?

Com relação ao tempo médio na pró-pria escola - 11 anos - pode-se concluirque é uma média muito alta . 11 anosdentro de uma mesma escola é um tem-po mais que suficiente para captar aidentidade da escola, seu itinerário his-tórico, seus anseios, seus problemas in-ternos e externos, sua clientela, etc.

Questionei portanto: será que a justifi-cativa daqueles que alegavam falta detempo para conseguir entender, captare envolver-se com os participantes dacomunidade escolar não fica bastanteenfraquecida com esta evidência?

Por fim, chamou a atenção, ao exami-nar as matérias que os entrevistados leci-onavam, que apenas 3 dos 30 eram dematemática (10%). A grande maioria - emtorno de 60 % - pertenciam às matérias dehumanidades (história, geografia, portu-guês, artes, etc.), matérias essas que faci-litam enormemente a interdisciplinaridadee, por conseguinte, uma construção parti-cipativa e envolvente do Projeto Político-Pedagógico. Portanto, pude indagar tam-bém: se houvesse maior boa vontade docorpo docente da escola, maior motiva-ção, interesse, vibração, “alma” educaci-onal - um mesmo ideal de serviço e deesquecimento próprio, passando por cimadas naturais desigualdades, pluralidade econflitos da pessoa humana - não se po-deria sonhar com uma escola mais demo-crática e participativa?

Outra análise que procurei realizar du-rante as entrevistas com os professores, foitentar perceber quais eram as diversas frus-trações e/ou causas dos desânimos, nosúltimos 3 anos, no trabalho docente dosentrevistados, além das deficiências que osmesmos identificam atualmente como obs-táculos para oferecer uma melhor qualida-de do ensino. Ouvir os autores do própriosistema de ensino, muitos deles com largaexperiência, proporciona sempre muita luze questionamento do processo escolar.

A análise dessas questões aparece natabela 4:

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92 João Malheiro

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

Tabela 4: Frustrações e/ou desânimos no trabalho docente e as deficiências que dificultamuma melhor qualidade do ensino

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Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

Como se pode verificar na tabela, osresultados apontam para uma necessidadede maiores investimentos financeiros noensino público, visto que tanto as suasmaiores frustrações e/ou desânimos no tra-balho docente como os obstáculos parauma maior qualidade no ensino se encon-tram na falta de recursos pedagógicos.

É evidente que não basta conseguir ape-nas esses recursos para se alcançar uma mai-or motivação dos professores e um melhor de-sempenho dos alunos - pois pode haver muitodesperdício nesses gastos ou desvios - mas,quando bem controlados e geridos, são sem-pre um caminho de esperança para se conse-guir melhor infra-estrutura escolar, pré-requi-sito indispensável a qualquer eficiência. A fal-ta de material pedagógico - papel, livros, giz,xerox - somada às salas de aula superlotadase despreparadas para atender à clientela ten-de a provocar desconforto e desânimo tantono professorado quanto no alunado.

Outro aspecto que chama a atençãona análise acima é a insatisfação com re-lação ao sistema de aprovação automáti-ca. Muitos professores entrevistados foramunânimes em afirmar que esta política quevisa basicamente a aumentar as estatísti-cas governamentais - podendo ter inten-ções de evitar a evasão escolar e de au-mentar a inclusão social, mas que talveznão sejam suficientes - dificulta enormementeo aprendizado e o controle da disciplina.Os alunos, sabendo de antemão que sem-pre passarão de ano, ficam desmotivadospara aprender e sem medo de qualquer san-ção, provocando indisciplina e mau ambi-ente dentro e fora de sala da aula.

Algumas escolas afirmaram que não es-tão mais obedecendo a essas indicações

das secretarias, com repetência de mais de50% de algumas turmas dos últimos anosdo ensino fundamental e que, curiosamen-te, ninguém da Secretaria Municipal veiobuscar explicações quanto a tal resultado.É possível que já esteja existindo uma cons-cientização, por parte das autoridades com-petentes e de alguns professores, dos ma-lefícios destas políticas demagógicas.

É natural que, em terceiro lugar, o quetem causado uma maior frustração e/oudesânimo no corpo docente seja o proble-ma da indisciplina, a falta de interesse emaprender e/ou despreparo dos alunos –muitos chegam à 5ª série sem saber ler ouescrever adequadamente – e a falta de limi-tes. Um ambiente escolar difícil e complica-do, sem um devido apoio e assistência deinspetores e vigilantes, conforme a pesqui-sa, torna-o ainda mais confuso e inadequa-do para atender satisfatoriamente aquelesque, de fato, querem aprender e ensinar.

Mais uma vez chamou a atenção quenão são os baixos salários os maiores cau-sadores dos desânimos e/ou frustrações dosprofessores nem seus maiores obstáculos paraconseguir uma maior qualidade do ensino.

Interpretação dos DadosDe todas as análises feitas anteriormen-

te, penso que algumas inferências podemser feitas.

Em primeiro lugar, acredito que a transfor-mação educacional desejada por toda a socie-dade e ansiada pela comunidade escolar devapartir do objetivo último de todo o processo deensino-aprendizagem, que é o aluno.

É sabido que todo o processo educaci-onal é uma resultante do esforço e da de-

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94 João Malheiro

Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.46, p. 79-104, jan./mar. 2005

dicação de três protagonistas responsáveis:a família, a escola e a sociedade. Quandoalguma destas três - ou as três! - estão de-bilitadas ou deterioradas, é natural que seespere um resultado deficitário.

Se avaliarmos a situação da maioria dasfamílias das crianças que freqüentam a esco-la pública do Rio de Janeiro, constataremosque estão em situação bastante complicada.

Dentro da nossa pesquisa, procurei in-vestigar justamente este elo da cadeia edu-cacional e verificar como era a família des-ses alunos, como se envolviam com a edu-cação do filho e com a escola, etc. e oquadro contemplado foi um pouco triste.

Em primeiro lugar, detectei que somenteem torno de 70% das crianças têm mãe(dados fornecidos pela própria direção detrês escolas) e que muitos nunca soube-ram quem era o pai. Destas 70%, a maio-ria das mães tem que trabalhar o dia in-teiro para sobreviver, obrigando-se a dei-xar os filhos totalmente soltos na rua ouno morro, à mercê de um destino cego ouainda sendo “educados” pelas “autorida-des” dessas comunidades. Em outros ca-sos, algumas mães, tentando evitar essassituações de alta periculosidade, preferemdeixá-los presos a chave em casa, comoautênticos prisioneiros, a permitir que fi-quem soltos na rua. Outras estão presas etêm que deixá-los aos cuidados de umavizinha ou de um parente. Penso que ficafácil entender o que disse a professora G2na entrevista: “A carência que os nossosalunos têm hoje - a maioria muito pobre -está muito semelhante à das classes maisfavorecidas: a falta de amor. Tem muitagente hoje que, infelizmente, ainda não éhumano, é animal”.

Concordo plenamente com a profes-sora quando afirma que a maior carên-cia do morador de comunidades caren-tes não é a falta de bens materiais e simde afeto. Ao visitar um dos morros - al-guns entrevistados também me confirma-ram a descoberta - fiquei admirado queum número bastante considerável de mo-radores tenha TV a cabo, internet, vídeogame, luz, água, telefone, tudo de gra-ça, sendo “desviados” sem custo ou des-pesa para suas casas. As “autoridades”desses locais conseguem-nas.

Somados a essa falta de amor, os alunosdessas escolas convivem diariamente comproblemas sérios de violência, sejam eles in-ternos - os pais, muitas vezes, por incapaci-dade cultural, e outras, por desvios psicoló-gicos, batem nos filhos, abusam deles sexu-almente, etc. - sejam eles externos - mortesde parentes, conhecidos, vizinhos, amigos,etc., - desde que nascem, provocando nelesdistúrbios afetivo-psicológicos sérios.

Em alguns estudos no Brasil (GUIMA-RÃES, 1998), a escola é percebida comoaçoitada por violências que se originam foradela e a atingem. Neste sentido, é comuma referência à pobreza e à violência nascomunidades pobres e à ligação de alunosa bandos de tráfico, gangues que seriamintroduzidas nas escolas.

Consegui descobrir ainda - seja na mi-nha observação direta no local, seja nasentrevistas - que, para a grande maioria des-ses jovens, o ideal e a perspectiva de ascen-são social é entrar para “atividades ilícitas”nas quais conseguirão ser valorizados soci-almente, terão condições financeiras maisfavoráveis e poderão satisfazer seus anseiosde felicidade consumista.

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Numa das famílias visitadas, entrevistei umdos rapazes que estava na 7ª série de umaescola municipal da região, 13 anos, de bomaspecto e saudável, pais empregados e está-veis. Soube que já tinha 60 faltas na escola eque acabara de ser despedido de um empre-go de office-boy. Perguntando-lhe sobre o por-quê dessa desmotivação geral, ele me respon-deu: “Tenho preguiça de estudar e de traba-lhar. Prefiro ficar em casa vendo televisão edormindo. É muito chato ter que ralar até Ja-carepaguá somente para entregar um envelo-pe. Acho que posso conseguir um outro ‘em-prego’ que me dê mais dinheiro [...]”.

Uma resposta destas vinda de um ra-paz de classe social mais favorecida atéacharia normal e razoável. Mas, defato, pude ir comprovando como essasduas realidades sociais opostas cada vezmais vão-se aproximando, uma vez queas “antenas” culturais vão-se tornandosemelhantes.

Uma conseqüência desta educação davida fácil, que já atinge hoje em dia todasas camadas sociais, tem reflexos diretos,depois, nos hábitos de estudo e na vontadede aprender, uma vez que para a grandemaioria dos jovens de hoje, influenciadosnegativamente pelo excesso da “cultura daimagem”, custam-lhes imensamente os atosde estudar, de pensar, de refletir, etc.

Pude constatar que a quase totalidadedos alunos nunca estuda depois da esco-la. Seja pela falta de motivação de não terum ambiente adequado em casa, seja pelafalta de exigência escolar, que dificilmentereprova os alunos - conforme campanhasgovernamentais de aprovação automática,turmas de progressão, etc. - seja ainda porfalta de material, e acham que aprenderão

sem esforço. Quando uma cultura educa-cional é conivente com a pouca exigênciana avaliação, dificilmente se conseguirámotivar os alunos a estudar e aprender.

De tudo o que foi dito anteriormente, épossível afirmar que o aluno da escola públi-ca está hoje em condições bastante comple-xas de superação. Sem perspectiva de umfuturo razoável, de uma possibilidade real deascensão social através da escola, dificilmenteverá nela uma aliada e, pelo contrário, cadavez mais a verá com indiferença ou comoum bom lugar para se alimentar e se divertir.

Não é por acaso que mais de um en-trevistado disse mais ou menos o seguinte(de acordo com A2, A3, C5, D5, E4, F1):

A escola hoje é um depósito de alu-nos. Ninguém está realmente pre-ocupado com o aprendizado do alu-no, nem o governo, que vê nelauma plataforma política e só se pre-ocupa com as estatísticas, nem osprofessores, que se cansaram delutar no vazio e nem os própriosalunos, que estão com uma baixa-estima imensa. O que existe hoje éuma telequete educacional: vocêfinge que ensina e os alunos fin-gem que aprendem.

A professora B1 dizia o seguinte: “ Nos-sos alunos estão sem perspectiva de vida.Para que aprender? E nós professores aca-bamos por nos perguntar: Para que ensi-nar? Por que ir com a turma visitar o Jar-dim Botânico?”

Fica fácil entender agora os resultadosdemonstrados na análise acima. Por queos professores estão desmotivados, deses-perançados e com baixa-estima?

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Acredito que, de fato, receber emsala de aula uma clientela bastantedeseducada, difícil e com todos os pro-blemas apontados anteriormente, exi-ge dos professores uma heroicidadediária. Exige uma preparação que tal-vez não tenha sido aquela que recebe-ram já faz alguns anos na faculdade ena licenciatura e, por isso, de formavelada, muitos demonstraram senti-mentos de impotência e de incapaci-dade durante as entrevistas.

Como reconheceram claramente as en-trevistadas E4, E5 e G2, com as mesmaspalavras: “O professor não está mais pre-parado e competente para desempenharsatisfatoriamente a sua profissão. De algu-ma forma, ele hoje se sente fracassado, masnão quer reconhecer isso.”

Um outro fator que pode contribuir paraa desmotivação, falta de profissionalismo edesunião entre os professores é talvez o ex-cesso de assistencialismo e paternalismo dealguns órgãos governamentais - SecretariaMunicipal de Educação, CRE´s, etc. e asque cuidam da proteção da criança, comoo Conselho Tutelar.

Muitos professores alegam que o “éproibido proibir” atingiu em cheio todoo sistema educacional vigente e paraeles as conseqüências destas políticaspúblicas têm trazido estragos conside-ráveis nas escolas e nas próprias famí-lias. A necessidade de resgatar os limi-tes parece que cada vez mais se tornapremente.

Como disseram com clareza os pro-fessores B2, B3, C2, C5, D1, respectiva-mente:

“ Nossos alunos não têm nenhumapunição séria, quando quebram oubatem: já estão fazendo falta me-canismos que havia antigamente”.“ O Conselho Tutelar não faz nadapara proteger os professores e osalunos normais. A sala XXX está uminferno, mas o Estatuto da Criançae do Adolescente os deixa fazer oque quiserem”.“Tem muitos professores na Secre-taria Municipal de Educação -SME- que têm horror de aluno:muitos! Você não imagina comoeles estão longe da nossa reali-dade. Trabalhei lá 15 anos e seibem como são as coisas. A SMEnão está realmente preocupadacom os alunos, mas sim somentetapar buracos, estatísticas que oPrefeito cobra com pressão”.“ Se uma mãe vai na CRE ou ligapara o disque-denúncia educaçãosempre consegue o que quer. Aescola nunca pode proibir. Está semlimites: não dá! ““ No outro dia houve um tiroteiopróximo à escola. A diretora dis-pensou os alunos. No dia seguin-te recebeu uma “chamada” daCRE, dizendo que isso não po-deria voltar a acontecer. É muitarigidez, inflexibilidade e falta debom senso.”

De todas estas falas de alguns profes-sores, fica fácil compreender como elesse sentem em sala de aula. Porque hojeos alunos parecem só ter direitos e nãodeveres. Porque fica difícil resolver comsatisfação problemas de disciplina, sejadentro da sala de aula seja dentro dasdependências da escola.

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Pesquisas recentes1 apontam que aconseqüência mais mencionada pelosprofessores com relação à violência nasescolas, no Estado do Rio de Janeiro, éa perda de estímulo para o trabalho(48%, em 236 professores pesquisados)ou a perda da vontade de ir trabalhar(30%). Em segundo lugar, vem o senti-mento de revolta (24%). Em terceiro lu-gar são percepções de nervosismo e irri-tação na escola (19%) e, por fim, difi-culdades para se concentrarem direito emsala de aula (17%).

ConclusãoFicou evidente, neste trabalho, que

encontrar o equilíbrio da autonomia es-colar é ainda uma meta a alcançar, sejaa médio ou a longo prazo, mas se per-cebe que já estamos no caminho certo.Tudo aponta para algumas mudanças,sejam elas administrativas, financeirasou pedagógicas. O que pude concluir éque no atual status quo é muito difícil osprofessores se sentirem motivados, pelomenos nas escolas municipais do Rio deJaneiro, para se envolverem em plane-jamentos participativos.

Os diversos motivos intrínsecos assi-nalados anteriormente, principalmente afalta de interesse em construir o ProjetoPolítico-Pedagógico ou ainda a dificul-dade no relacionamento dentro da co-munidade escolar somados aos motivosextrínsecos como a falta de tempo, decalendário demonstraram ser apenasuma conseqüência e não a causa do ver-

dadeiro problema de haver um clima pró-prio de autonomia. A verdadeira raiz éa falta de um ambiente escolar que pro-picie motivação para os professores en-sinarem e os alunos aprenderem e gos-tarem da escola.

Um ambiente escolar negativo é for-mado, inicialmente, pela falta de inves-timentos e de recursos que provocam ins-talações deficientes, ausências de mate-riais pedagógicos e de espaços físicos,entre outros. E, depois, pela falta de re-gras claras para proteger os corpos do-cente e discente, aqueles que estão, defato, compromissados com a educação,pois, infelizmente, a presença de algunspoucos alunos que não oferecem as mí-nimas condições de aprendizado, algu-mas vezes, acabam por provocar umambiente desfavorável.

Além de se tentar fomentar e se pro-teger mais eficientemente essa atmosferapositiva, dentro da escola, consegue-seperceber também mudanças mais pro-fundas e eficazes na cultura da avalia-ção, tanto interna quanto externa. No-tam-se, atualmente, no Ministério daEducação, esforços efetivos para que es-ses caminhos sejam encontrados.

Sou de opinião que é preciso revisar osníveis de autonomia outorgados às esco-las, em alguns setores principais. Destaco4 áreas principais onde é necessário bus-car um maior equilíbrio para essa autono-mia. Confira na tabela 5:

1 Cf. UNESCO. Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas. 2001.

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Tabela 5: Equilíbrio na autonomia escolar em algumas áreas principais que facilitam ummelhor ambiente escolar

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A. Autoridade doDiretor da Escola

A autoridade do diretor da escola foiindicada pelos próprios entrevistados comouma peça chave no bom funcionamentode uma escola. A escola é a “cara” do di-retor, disseram vários.

Melhorias na disciplina, na seriedade doensino-aprendizagem, no rendimento dosalunos, no relacionamento entre professorese na própria responsabilidade pessoal do di-retor são alguns dos fatores que se beneficia-riam, segundo as respostas dos entrevistados,com uma maior autonomia da direção.

Preocupações com os limites dessa au-toridade também foram manifestadas, ale-gando a necessidade de se criarem regrasmais claras e transparentes dos seus deve-res e dos seus direitos, votados e aceitos,depois, coletivamente. Desta forma, acre-dita-se que excessivo autoritarismo e possí-veis privilégios poderão ser mais bem con-trolados. Em casos de possíveis descontro-les nessas matérias, as eleições futuras se-rão um outro instrumento de regularizaçãodessas possíveis anomalias.

Tendo isto claro, é necessário achar me-canismos que privilegiem e defendam essaautoridade. Em primeiro lugar, é importanteexaminar se os critérios das competênciasmínimas de um bom diretor estão de acordocom o bom senso e as exigências desta res-ponsabilidade. Em seguida, é fundamentalque os diretores participem mais assidua-mente dos cursos de formação continuadapara diretores de escola e que esses cursossejam dados por pessoas competentes e comexperiência prática, e não apenas acadêmi-ca e distante da realidade escolar.

Segundo Lück (2000, p. 14)‘A decisão pelo judiciário, de apon-tar a inconstitucionalidade da reali-zação de eleição para o provimen-to do cargo de diretores de escola,tem promovido uma retração naexpansão dessa prática’ (Paro,1996) e fortalecido uma tendênciade, sem perder de vista os esforçospela democratização da escola e desua gestão, promover critérios deseleção de diretores que passempela demonstração de competên-cias para o exercício desse traba-lho (critérios técnicos). Este é o casode sete Estados brasileiros, ondesão realizados concursos, provas,exames de competência profissio-nal, associados ou não, à partici-pação em cursos de capacitação.A adoção desses critérios, que nãosão incompatíveis com a eleição,estaria de acordo com a necessi-dade de a escola, para se tornarefetivamente autônoma, ser dirigi-da com competência e demonstrarsua efetividade. É necessário, por-tanto, cuidar para que não se per-ca, com essa medida, o movimen-to de mobilização em torno da es-cola, que se desenvolve, ainda quede forma incipiente.

Por fim, é essencial que as SME e asCRE defendam e apóiem a autoridade dodiretor. Quando existe uma falta de respei-to, um “passar por cima”, não só o pró-prio perde a motivação para exercer umatarefa difícil que é o governo, como a co-munidade escolar - pais, alunos, funcio-nários, professores - acabará por se apro-veitar dessa “brecha” para conseguir seusprivilégios e, muitas vezes, desautorizá-lo.

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É necessário que as Secretarias e asCoordenadorias percebam que existe umarelação muito direta e proporcional entre ocumprimento de suas indicações para osdiretores de escola e o grau de confiançaque esses órgãos lhes demonstram.

B. Autonomiaadministrativa

Conseguindo essa autoridade vislum-brada anteriormente, é possível enxergaruma maior liberdade para construir coleti-vamente um calendário escolar mais flexí-vel. Um dos aspectos que mais salientaramos professores entrevistados foi a excessivarigidez do calendário, impossibilitando aorganização de outros eventos importantespara um bom ambiente. Primeiramente,tempo para se fazer as reuniões do ProjetoPolítico-Pedagógico, que, conforme já ave-riguamos anteriormente, praticamente nãoexiste, o que diminui o desejo de realizá-loadequadamente.

Em seguida, precisa haver espaçopara a organização de mais eventos quefacilitem o processo pedagógico e a in-terdisciplinaridade. Quando a rigidezimpossibilita novas formas de ensinar,como a criação de projetos, de visitas,de assistências a filmes, etc, naturalmen-te, os professores vão ficando mais de-sanimados e desmotivados para ensinar,e os alunos, para aprender. Outro as-pecto no qual se percebe a pouca auto-nomia administrativa é a falta de instru-mentos adequados para controlar me-lhor a freqüência e o desempenho dosprofessores dentro e fora de aula. Hojeem dia, qualquer “resfriado” justifica comfacilidade a ausência na escola. Outrasvezes, dificilmente um diretor consegue

mudar a atitude de professores que so-mente “conversam” em sala de aula, nãoatendendo os objetivos curriculares defi-nidos pela direção. Os diretores preci-sam contar com mais autoridade parasanear tais anomalias.

Um outro ponto que me pareceu umaenorme contradição, ao longo de minhaspesquisas e observações nas nove escolaspúblicas visitadas, é a impossibilidade dea escola pedir contribuições voluntárias e/ou fazer pequenas cobranças para organi-zar eventos ou compras de materiais peda-gógicos para beneficiar seus alunos. É evi-dente que muitos são carentes e apresen-tam dificuldades sérias. Porém, em muitosoutros, observei possuírem telefones celu-lares, tênis de marca, gastarem dinheirolanchando no recreio, etc., o que permiti-ria facilmente obter pequenos recursos paramelhorar a qualidade do ensino e a moti-vação na aprendizagem.

Por fim, chamou também a atenção oacúmulo de funções entre as várias pesso-as que trabalham na escola, ficando so-brecarregadas e estressadas para desem-penhar adequadamente as suas funçõesprincipais. Em várias, vi diretoras da esco-la tirando xerox para professores, diretoras-adjuntas sendo porteiras, coordenadoraspedagógicas cuidando do controle da me-renda, carência completa de vigilantes einspetores nos intervalos e recreios, etc.,evidenciando uma séria falta de pessoaladministrativo. Esta carência provoca mui-tas vezes enormes desperdícios, como com-putadores apodrecendo em laboratórios,por falta de manutenção adequada oumateriais da TV Escola totalmente desorga-nizados e sem o seu uso devido, por faltade pessoal treinado para tal função.

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C. Autonomia PedagógicaUm fato marcante da pesquisa foi que

todos os professores sentiram-se com gran-de autonomia pedagógica - 100% - pararealizar sua profissão. Sem querer julgarninguém, isso pode refletir um certo des-controle, tanto da parte da direção quantodos órgãos superiores. Acontecendo isto,em pouco tempo se chegará a níveis dedesleixo elevados, descumprimentos docurrículo e baixa exigência dos alunos. Umaforma de talvez facilitar, em parte, um mai-or controle do trabalho dos professores éinstituir mais freqüentemente uma avalia-ção por parte dos alunos. Já se sabe quealguns alunos aproveitarão esse instrumentopara compensar os maus tratos ou injusti-ças nas avaliações. Porém, acredita-se quea maioria trará à tona o real trabalho doprofessor em sala de aula.

Outra forma é criar avaliações externasdos desempenhos dos alunos, mas de for-ma adequada à realidade em que está in-serida essa escola. Organismos especialis-tas em avaliação seriam responsabilizadospara criar mecanismos específicos para cadaescola, de forma que se possa avaliar otrabalho de cada professor e de todos den-tro daquela comunidade escolar. Natural-mente, a diretora teria que ter uma parte deresponsabilidade nos resultados dessas ava-liações e, conseqüentemente, uma maiorliberdade para atuar durante o processo deensino aprendizagem, de forma a corrigir,com a autoridade que lhe é devida, parasanar tais irregularidades.

D. Indisciplina dos AlunosConforme foi expresso várias vezes nes-

te trabalho, a indisciplina escolar é um pro-blema sério e crescente nas nossas escolas

e causador de grandes desconfortos e de-sequilíbrios no ambiente escolar. Muitosprofessores se desgastam, adoecem e sedesmotivam, na maioria das vezes, por essa“chaga” escolar, que é preciso curar. Écompreensível que muitos alunos tragameste problema para dentro da escola, poisrefletem, muitas vezes, a própria esfera ondeestão inseridos ou então representa umamaneira de demonstrarem os seus própriossofrimentos, carências e necessidades maisbásicas, que necessitam ser compartilha-das com os seus semelhantes. Também podeser uma forma de simplesmente chamar aatenção para serem valorizados na suabaixa estima, realidade provocada pelascondições desfavoráveis de vida.

Funk (2001) identifica uma série de fa-tores em seu estudo na Alemanha – tam-bém presentes em estudos desenvolvidos emoutros países – que se identificam tambémcom a nossa realidade brasileira:

1º) Entre alunos: baixa auto-estima; faltade perspectivas em relação ao futuro e depercepção do lugar da escolaridade em suavida profissional; alguns traços de perso-nalidade; contexto familiar marcado pelafalta de diálogo, violência doméstica, faltade interesse dos pais no desenvolvimentoescolar dos jovens; desejo de se fazer acei-tar no grupo de referência; e formas de re-presentar e viver a masculinidade.

2º) Quanto às escolas: atmosfera detrabalho escolar ou qualidade de ensinomedíocre; problemas nas relações entreprofessores e alunos; falta de ênfase emvalores na educação ministrada; resulta-dos escolares ruins - maior repetência en-tre os alunos que se envolvem em atos deviolência.

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3º) Exposição à mídia, a programas deviolência.

4º) Tipo de comunidade e vizinhança eo grau de violência aí encontrado.

De todas as formas, não parece pos-sível conviver com estes desajustes soci-ais e ao mesmo tempo tentar construiruma escola que ofereça o mínimo de con-dições para ensinar e aprender. É neces-sário examinarmos com mais cuidado aforma como o Conselho Tutelar julga apossibilidade de certos alunos serem in-

corporados novamente na comunidadeescolar. Parece que o fato de as escolasterem que aceitar qualquer tipo de alunopode se tornar injusto para com as pes-soas que se esforçam em proporcionar umambiente sadio e promissor. É preciso,portanto, criarem-se regras mais claras ecritérios mais precisos que definam quaissão os deveres e os direitos de cada alu-no, quais são as condições mínimas ra-zoáveis para serem aceitos e que as au-toridades competentes saibam respeitá-los, tendo em vista principalmente o bemdos demais alunos das escolas.

Recebido: 05/11/2003Aceito para publicação em: 29/04/2005

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ABSTRACTPedagogical Political Project: utopia or reality?The theme of the school autonomy has been put in the agenda, more intensively, by thethinkers and researchers of the Brazilian education since the legal and normative mechanismsof the Brazilian educational reform of 1996 – through the Law n. 9394/96, which establishesthe Directions and Bases of the National Education – have opened possibilities andexpectations to changes. Motivated by these new perspectives, the present study inquireshow some schools of the Rio de Janeiro City are composing their Pedagogical PoliticalProjects, a instrument of planning which tend to facilitate the conquest of that autonomy inthe scholar management. After visiting 9 schools and making interviews with 30 teachers,besides many students, parents and school servants, the author of this work has detectedthat that process of autonomy still walks in slow steps. As a fruit of the analysis of the interviews,it has emerged that many legal standards of the educational system in vigor make difficult toproduce some necessary conditions for the school community agents motivate themselves toaccomplish their own Pedagogical Political Projects. This investigation concludes that isnecessary to review and adjust some aspects of the same public school present autonomy,through some substantial changes, with the purpose that its authors can have conditions toadapt themselves to the new realities brought by the majority of its students.Keywords: The school autonomy. Pedagogical Political Projects. Motivation. Legalstandards of the educational system.

RESUMENProyecto Político Pedagógico: utopía o realidad?El tema de la autonomia de la escuela viene siendo puesto en pauta, más intensamente,por los estudiosos y investigadores de la educación brasileña despúes que los mecanismoslegales y normativos de la reforma educacional brasileña de 1996, por medio de su Leynº 9394/96, de Directrizes y Bases de la Educación Nacional, han abierto posibilidadesy esperanzas de cambios. Motivado por esas nuevas perspectivas, el presente estudio fueinvestigar como algunas escuelas del Municipio del Rio de Janeiro estaban construyendosus Proyectos Políticos Pedagógicos, instrumento del planejamiento que tende a facilitarla conquista de esa autonomia en la gestión escolar. Despúes de visitar 9 escuelas y seentrevistar 30 profesores, además vários alumnos, padres y funcionarios, el autor de estetrabajo ha detectado que ese proceso de autonomia todavia camina a pasos cortos.Como fruto del análise de las entrevistas, se percebió que várias medidas legales delsistema educacional vigente dificultan la criación de algunas condiciones necesarias paraque los agentes de la comunidad escolar se motiven a realizar sus proprios ProyectosPolíticos Pedagógicos. Conclui esta investigacion que es necesario rever y ayustar algunosde los principales aspectos de la propria autonomia actual de la escuela pública, conalgunos cambios substanciales para que sus autores puedan tener condiciones de adaptarsea las nuevas realidades traídas por la mayoria de su alumnado.Palabras-clave: Autonomia de la escuela. Proyectos Políticos Pedagógicos. Motivación.Medidas legales del sistema educacional.

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