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1 PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E MUDANÇA CLIMÁTICA OTCA/GEF/PNUMA Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de recursos naturais da bacia do Rio Amazonas Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos Fonte: Cleber Alho Relatório Parcial Produto 5: Socieconomia e dados ambientais do hotspot Brasília, Brasil Fundo Para o Meio Ambiente Mundial Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de

recursos naturais da bacia do Rio Amazonas

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

Fonte: Cleber Alho

RReellaattóórriioo PPaarrcciiaall

Produto 5: Socieconomia e dados ambientais do hotspot Brasília, Brasil

Fundo Para o Meio Ambiente Mundial

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E A

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

RReellaattóórriioo PPaarrcciiaall

Produto 5: Socieconomia e dados ambientais do hotspot

designado

Coordenação da Atividade

Norbert Fenzl

Consultor

Cleber J. R. Alho

Novembro/2013

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SOCIECONOMIA E DADOS AMBIENTAIS DO HOTSPOT

RESUMO EXECUTIVO

Este componente do Projeto GEF-Amazonas é relativo às atividades II.1.1 e III.1.1 (Melhorar o

conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos), com enfoque especial sobre uma

investigação documentada, incluindo informação socioeconômica e dados ambientais, sobre um

hotspot selecionado, com base na visita local e trabalho de campo. Análise documentada de

modelos diferentes de manejo participativo de sistemas aquáticos e definição de um paradigma

para orientar a implementação de ações estratégicas no hotspot selecionado.

O hotspot selecionado para este produto é o do Alto Rio Xingu. O estudo identifica e

analisa as ameaças ambientais associadas aos ecossistemas aquáticos nesse hotspot específico

confrontando essas ameaças com aquelas identificadas pela literatura para toda a bacia

amazônica, visando propor um conjunto de medidas de manejo para comporem o Plano de Ações

Estratégicas (PAE) do Projeto GEF-Amazonas.

A literatura científica tem enfatizado a relação entre o crescimento da população humana,

com o consequente uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas atividades

antrópicas na Amazônia. Desse modo, as atividades socioeconômicas tradicionais, como a pesca

e o extrativismo têm sido afetadas pelo avanço mais recente da acentuada migração humana

atraída por novas possibilidades de acesso à terra ou motivada por empreendimentos novos de

infraestrutura, pecuária, agricultura, mineração, pesca comercial ou outra motivação.

A várzea aparece como o primeiro foco de povoamento do espaço amazônico, havendo

indícios de tribos indígenas de várzea com cerca de dois mil anos. Essas etnias indígenas

procuraram os ambientes de rios e igarapés (como fonte de água e alimentos) para fixarem suas

aldeias e se difundirem pela região. A rede hidrográfica da região, contudo, não condicionou

somente o processo de ocupação das tribos indígenas e, posteriormente, dos colonizadores, mas

também orientou o caminho pelo qual iria seguir a economia regional.

A identificação, caracterização e avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas

aquáticos constituem um instrumento importante para compor o plano de ações estratégicas. Essa

identificação, caracterização e avaliação das ameaças visa, portanto, designar instrumentos para a

execução de políticas e de gestão ambiental para subsidiar o planejamento de uma determinada

ameaça potencialmente modificadora do meio ambiente aquático, em conjunto com outras que

ocorrem nos ecossistemas. Algumas dessas ameaças aos ecossistemas aquáticos são de natureza

técnico-científica, como aquelas que interferem na estrutura e função dos ecossistemas. Outras

são de natureza político-administrativa, como aquelas que podem ser previstas e evitadas. Neste

caso, muitas vezes se referem às normas legais que devem ser implementadas e obedecidas. Em

se tratando de diretrizes para oito países, esse aspecto legal-administrativo ganha bastante

complexidade.

A quantificação do efeito da ameaça analisada é de certo modo subjetiva, envolvendo

avaliações não só de ordem ecológica, mas também socioeconômica. Portanto, a variável

ambiental da ameaça se traduz pela inserção dos meios físico-químico (solo, qualidade da água

etc.), biótico (vegetação inundável, fauna aquática etc.) e socioeconômico (pesca, extrativismo

etc.).

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Um ecossistema aquático em condições naturais é um sistema dinâmico e equilibrado,

cujos componentes abióticos (solo, água, clima etc.) interagem com os componentes bióticos

(comunidades ecológicas e populações de micro-organismos, plantas e animais). Quando a

necessidade humana é inserida neste sistema, na visão produtor-consumidor, a interatividade das

variáveis de consumo deve ainda ser buscada, com regras de manejo adequado, na busca da

sustentabilidade do sistema, a fim de evitar o uso predatório, não sustentável, de determinado

recurso.

Na região do alto Rio Xingu, objeto específico deste estudo, a pesca tem sido

principalmente esportiva, com proliferação de pousadas na região, gerando:

Conflitos entre ribeirinhos/pequenos agricultores e as grandes fazendas (de

pecuária e com operações mecanizadas de agricultura);

Conflitos sobre a qualidade ambiental e da saúde entre populações no entorno do

Parque Indígena do Xingu e os povos indígenas que vivem no Parque.

Diante dos indutores do processo de ocupação descritos neste documento, ocorreu uma

pressão crescente sobre os recursos naturais, com destaque para a cobertura vegetal, em

particular as matas aluviais associadas à água, fundamentais para a biologia pesqueira, levando a

taxas de desflorestamentos significativas do Cerrado da região das nascentes do Xingu. Houve

uma transição entre a economia da várzea para a de terra-firme, com conversão da vegetação

nativa em pastagens para a pecuária e campos agrícolas, com a entrada da soja.

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LISTA DE MAPAS E FOTOS

Figuras Figura 1. Bacia do Rio Xingu, e a região estudada na transição dos biomas Cerrado e Amazônia e trechos de rios

percorridos durante a expedição de campo às cabeceiras do Rio Xingu.

Figura 2. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS

foram visitados de barco.

Figura 3. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a bacia do rio Araguaia no canto inferior direito e a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior

esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS foram visitados de barco. O Rio Sete de Setembro

próximo à Canarana e o seu riacho afluente próximo à Água Boa foram visitados de carro.

Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada. Note

lagos (oxbow lakes) formados pelas mudanças do curso do leito principal do rio dentro da faixa de mata alagável. A

linha vermelha corresponde a 4 km.

Fotos Foto 1. Formadores do rio Xingu, em Mato Grosso, com atividades de pesca esportiva. Foto: Cleber Alho Foto 2. A conversão da vegetação natural em campos de soja e pasto para o gado chega até às margens dos rios

formadores do Xingu, impactando negativamente os ecossistemas aquáticos. Foto: Cleber Alho.

Foto 3. As atividades de uso e ocupação do solo têm impactado negativamente as florestas ripárias ao longo dos

ecossistemas aquáticos da região do alto Xingu. Foto: Cleber Alho.

Foto 4. Pesca amadora sendo realizada no Rio Sete de Setembro (coordenadas: latitude -12,924727°; longitude -

52,826735°), principal atividade socioeconômica pesqueira da região do alto Xingu. Foto: Cleber Alho.

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INTRODUÇÃO

Objetivo deste Produto

O Termo de Referência, anexo ao contrato de trabalho relativo ao componente II.1.1

(Ecossistemas Aquáticos) e particularmente o componente III.1.1 (Identificação de áreas

prioritárias ou hotspots), do Projeto GEF-Amazonas, estabelece que haja uma investigação

documentada, incluindo informação socioeconômica e dados ambientais, sobre um hotspot

selecionado, com base na visita local e trabalho de campo. Análise documentada de modelos

diferentes de manejo participativo de sistemas aquáticos e definição de um paradigma para

orientar a implementação de ações estratégicas no hotspot selecionado.

O hotspot selecionado para este produto é o do Alto Rio Xingu. O objetivo é

identificar e analisar as ameaças ambientais associadas aos ecossistemas aquáticos nesse hotspot

específico confrontando essas ameaças com aquelas identificadas pela literatura para toda a bacia

amazônica, visando propor um conjunto de medidas de manejo para comporem o Plano de Ações

Estratégicas (PAE) do Projeto GEF-Amazonas.

A literatura científica tem enfatizado a relação entre o crescimento da população humana,

com o consequente uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas atividades

antrópicas na Amazônia. Desse modo, as atividades socioeconômicas tradicionais, como a pesca

e o extrativismo têm sido afetadas pelo avanço mais recente da acentuada migração humana

atraída por novas possibilidades de acesso à terra ou motivada por empreendimentos novos de

infraestrutura, pecuária, agricultura, mineração, pesca comercial ou outra motivação.

As ameaças ambientais causadas pela atividade antrópica aos ecossistemas aquáticos da

Amazônia podem ser agrupadas nos seguintes tópicos:

Perda e alteração de ecossistemas, particularmente pelo desmatamento das florestas

ripárias.

Exploração predatória de recursos naturais.

Introdução de espécies exóticas.

Aumento de patógenos nos ambientes naturais.

Aumento de tóxicos ambientais.

Efeitos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas.

A ocupação desordenada dos ambientes formadores dos ecossistemas aquáticos da

Amazônia, além de comprometer a qualidade dos recursos hídricos, a biodiversidade aquática e a

produção pesqueira, ameaçam também a qualidade de vida das populações locais, como as

comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais e os grupos indígenas, que utilizam os

recursos aquáticos como fonte de alimentação e subsistência.

As pressões antrópicas têm causado mudanças na troca de substâncias diversas entre os

sistemas aquáticos e terrestres (alteração e erosão) e no balanço dos elementos químicos que

circulam nesse ambiente. Entre essas, os metais pesados, denominados também elementos-traço,

são de extrema importância, devido à sua toxicidade aos organismos vegetais e animais

(incluindo ao ser humano).

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HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO E USO DO SOLO DA REGIÃO DAS NASCENTES DO

XINGU

Toda essa região do alto rio Xingu experimentou uma expansão na produção de grãos,

em cadeias produtivas de expressivo valor agregado. Esses setores, até em função da grande

escala de produção, interesse privado e investimentos públicos para expansão da balança

comercial brasileira, criam mercados de trabalho e de fornecimento de serviços e produtos para

seu próprio funcionamento, ampliando a formalização de todo o processo produtivo e

contribuindo para a elevação dos patamares de rendimento econômico.

Com isso, é oportuno ressaltar a tendência de intensificação do desflorestamento sobre as

formações savânicas (Cerrado) presentes na porção correspondente às cabeceiras dos formadores

do rio Xingu (rios Culuene, Tanguro, Kurisevo e Ronuro) desencadeando um processo erosivo e

de deposição de sedimentos, o que leva a um potencial comprometimento das nascentes e

várzeas aí presentes, inclusive no interior de terras indígenas.

Deve-se aqui considerar que os rios da bacia do Xingu apresentam variações importantes

de vazão ao longo do ciclo hidrológico, o que implica em variações na disponibilidade hídrica

durante o ano, com as maiores restrições nos meses de julho a outubro. Com a intensificação das

atividades agrícolas na região, e como os solos do Cerrado necessitam de correção e adubação

para serem adequadamente aproveitados para essas atividades, tem havido uma potencial ameaça

de contaminação dos corpos d'água por fertilizantes e defensivos agrícolas. Isso representa

ameaças continuadas sobre a qualidade das águas, pois se pode esperar importante aporte de

insumos aos corpos hídricos, o que determina alterações significativas nos cursos d’água,

causadas pelos efeitos adversos também decorrentes da supressão da cobertura vegetal no

Cerrado e no ecótone Cerrado-Amazônia.

Em conclusão, esse processo de alteração e ameaças ambientais nas regiões de nascentes

e formadores de rios da Amazônia tem mostrado o acirramento desse processo de alteração

deletéria na qualidade de diferentes serviços ambientais associados aos recursos hídricos.

Os processos de ocupação do solo da Amazônia por grandes empreendimentos têm

trazido conflitos com pequenos produtores, que desenvolvem atividades ligadas à agricultura de

subsistência; com colonos que utilizam mão de obra externa e que não dependem da mão de obra

familiar, desenvolvendo atividades associadas à criação de gado e à especulação da terra; com a

população ribeirinha localizada às margens dos rios, desenvolvendo atividades extrativistas

como a pesca e a coleta da castanha; e com a população indígena.

A ocupação da região se intensificou a partir da década de 70, sendo os principais vetores

de ocupação a abertura de rodovias no início da década, os projetos privados de colonização nos

anos oitenta e, mais recentemente, a expansão da pecuária e agricultura.

Em geral, a região experimentou crescimento demográfico variando de mediano a

elevado, com altas taxas de urbanização, acompanhado, no entanto, por Índices de

Desenvolvimento Humano (IDH) que não ultrapassam 60%, com enormes carências, em

especial, no tocante às condições de saneamento.

Diante dos indutores do processo de ocupação descritos neste documento, ocorreu uma

pressão crescente sobre os recursos naturais, com destaque para a cobertura vegetal, em

particular as matas aluviais associadas à água, fundamentais para a biologia pesqueira, levando a

taxas de desflorestamentos significativas do Cerrado da região das nascentes do Xingu. Houve

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uma transição entre a economia da várzea para a de terra-firme, com conversão da vegetação

nativa em pastagens para a pecuária e campos agrícolas, com a entrada da soja.

Quanto às áreas oficialmente protegidas, unidades de conservação e terras indígenas, face

à precariedade de fiscalização, em algumas houve e ainda tem havido problemas de invasões.

Este estudo aponta para as principais preocupações com a intensificação dos extensos e

contínuos desflorestamentos até hoje já identificados na região das nascentes do Xingu, ainda

que em graus diferenciados de relevância, nas diferentes unidades de paisagem do bioma

Cerrado e do ecótone Cerrado/Amazônia, incluindo as coberturas vegetais associadas aos

ecossistemas aquáticos. As dificuldades de controle dessas ações predatórias associam-se à

precária regularização fundiária, à grilagem de terras públicas, à contratação irregular de mão de

obra e aos baixos custos do processo e deverão perdurar no cenário futuro, a não ser que seja

incrementado o processo de fiscalização na região.

A região do alto Xingu representa uma zona de transição entre a Floresta Amazônica

típica e o Cerrado do Planalto Central, com uma composição florística própria. À medida que a

floresta amazônica vai avançando para o sul, sua fisionomia também vai se modificando, por

causa do clima estacional sob o qual essa formação encontra-se hoje. Por isso, apesar de tratar-se

de Floresta Estacional, é distinta florística e fisionomicamente da Floresta Estacional

Semidecidual ou Decidual, com a qual ainda mantém algum contato por meio das florestas de

galeria. Por este motivo, alguns autores sugerem a denominação de Floresta Estacional

Perenifólia para o tipo vegetacional do alto Xingu. Assim, sob o ponto de vista fitogeográfico, a

floresta do alto Xingu é considerada Amazônica, mas do ponto de vista morfoclimático é uma

área de transição para o domínio do Cerrado.

A área visitada no trabalho de campo situa-se exatamente sobre a fronteira do

desmatamento no município de Canarana. Constatou-se que uma grande parte das florestas do

alto Xingu já foi retirada para abrir espaço para a pecuária e, mais recentemente, para a

agricultura extensiva de grãos.

Na região mais ampla das nascentes do rio Xingu, enquanto tem havido reconhecido

incremento de atividade econômica, por outro lado os efeitos ambientais têm sido consideráveis.

Daqui para o futuro, o compartimento Alto Xingu deverá continuar a apresentar o ritmo mais

significativo de crescimento, também favorecido pelo aumento demográfico do município de

Sinop (MT) e de seu efeito polarizador. Vale aqui ressaltar o efeito desta polarização sobre o

crescimento demográfico de Sinop, que, em conjunto com o município de Sorriso, foram os

únicos na porção mato-grossense da região de nascentes que continuaram a apresentar um

crescimento socioeconômico acelerado no período 2000/2007 em relação àquele de 1996/2000.

ALTO RIO XINGU: CONTEXTO ECOLÓGICO E ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS

O rio Xingu é um dos principais tributários da bacia Amazônica e drena o Escudo Brasileiro,

juntamente com o Tocantins, Araguaia, Tapajós e parte do rio Madeira. A bacia do rio Xingu

compõe a Ecorregião Aquática 322 do mapa das ecorregiões de água doce do mundo de Abell et

al. (2008), que é limitada ao norte pela área de Belo Monte, na zona de contato entre a bacia

sedimentar Amazônica e o Escudo Brasileiro, a leste e ao sul pelo divisor de águas com a bacia

do rio Araguaia, ao longo da Serra do Roncador, Serra dos Gradaús e Serra dos Carajas, e a oeste

pelo divisor de águas com a bacia do rio Tapajós, ao longo da Serra Formosa e Serra do

Cachimbo. A elevação ao longo da bacia é muito lenta na maior parte da bacia, com um aumento

da cota em relação ao nível do mar de cerca de 150 metros ao longo da Volta Grande, entre Belo

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Monte e Altamira e mais 150 metros entre Altamira e a confluência dos rios Sete de Setembro e

Coluene, já em sua parte alta, área visitada neste estudo. As suas cabeceiras mais altas nascem no

Planalto de Mato Grosso, a mais de 800 metros de altitude. Na maior parte de seu percurso o rio

Xingu corre sobre terrenos cristalinos de granito e também calcário, o que lhe confere uma

quantidade de sedimentos carreados muito baixa e alta transparência. O clima nesta ecorregião é

tropical, com precipitação média anual entre 1.485 e 2.547 mm e com estação de cheia entre

novembro e abril e com temperatura do ar média entre 21,6 e 26,5ºC.

O rio Xingu é a quarta maior bacia hidrográfica da Amazônia (cerca de 7% em área) e

um dos maiores rio de águas claras que drena os planaltos cristalinos e planícies sedimentares do

Escudo Brasileiro, sendo responsável por cerca de 5% da vazão do rio Amazonas. A

transparência de suas águas esverdeadas (por causa de florações de fitoplancton) varia de 0,6 a 4

metros, com pH entre 4,5 e 7,8. O nível da água começa a subir em setembro ou início de

outubro, atingindo o pico da cheia entre março e abril. A média anual de flutuação do nível do

rio é entre dois e cinco metros. Por causa da baixa carga de sedimentos, o rio é bastante largo na

ria, assemelhando-se a um lago. Marés oceânicas ocorrem até cerca de 100 km acima da sua foz,

a qual se encontra a cerca de 420 km do oceano Atlântico. A parte superior da bacia do rio

Xingu, ao sul do paralelo de 10ºS, que coincide aproximadamente com a divisa Pará-Mato

Grosso, situa-se em uma depressão caracterizada por extensas áreas úmidas que são

periodicamente alagadas. Essa área contém lagos (Foto 1), banhados, florestas sazonalmente

alagadas e savanas. Comparando-se com a parte baixa da bacia, onde o nível de nutrientes é

baixo, a parte superior da bacia é mais rica em nutrientes, suportando maior diversidade de

vegetação aquática, moluscos e outros invertebrados. Cataratas e corredeiras ocorrem

principalmente na parte baixa e nos tributários do rio Xingu, notadamente as cataratas da Serra

do Cachimbo e as corredeiras da Volta Grande, que agem como barreiras para a fauna aquática

entre a Amazônia central e o Xingu superior (Hales & Petry, 2013).

No início de abril de 2013, durante os trabalhos de campo, foram percorridos

aproximadamente 250 Km de trechos dos rios Xingu, Culuene, Sete de Setembro e Coronel

Vanick (Figura 1). As coordenadas dos extremos (jusante e montante) dos cursos d’água

visitados são apresentados na Tabela 1. A partir da junção do Culuene e do Sete de Setembro o

rio passa a se chamar Xingu. O Rio Coronel Vanick é um dos afluentes da margem esquerda do

Rio Sete de Setembro. O desnível altitudinal ao longo desses trechos foi pequeno, com as

altitudes variando de 300 a 355 m. Os trechos percorridos mais a jusante do Rio Xingu

apresentam grande beleza cênica e ficam na região limítrofe ao Parque Indígena do Xingu.

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Figura 1. a) Bacia do Rio Xingu uma das bacias da margem esquerda do Rio Amazonas; b) Localização das

cabeceiras da bacia do Rio Xingu na transição dos biomas Cerrado e Amazônia; e c) Trechos de rios percorridos

durante a expedição de campo às cabeceiras do Rio Xingu.

Tabela 1. Localidades amostradas ao longo da expedição de campo ao Alto Rio Xingu.

Trecho Latitude (°) Longitude (°) Altitude (m)

Extremo jusante do Rio Xingu -12,880338° -52,814270° 300

Início do Rio Xingu

(união do Rio Culuene e Sete de Setembro) -12,924960° -52,825969° 302

Extremo montante do Rio Culuene -13,077444° -52,885847° 310

Extremo jusante do Rio Coronel Vanick -13,126701° -52,689272° 304

Extremo montante do Rio Coronel Vanick -13,237053° -52,629633° 317

Extremo montante do Rio Sete de Setembro -13,239636° -52,551104° 311

Afluente de cabeceira do Rio Xingu -14,045409° -52,344515° 355

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Foto 1. Formadores do rio Xingu, em Mato Grosso, com atividades de pesca esportiva. Foto Cleber Alho

Durante os trabalhos de campo para o alto rio Xingu priorizou-se a estratégia de inspeção

ambiental direta, através de deslocamento por barco e automóvel. A equipe (Cleber Alho,

Roberto Reis e Pedro Aquino) ficou hospedada na Pousada Nascente do Xingu, na beira do rio

Xingu no município de Canarana, Mato Grosso. A partir dessa pousada diversas excursões em

barco rápido (voadeira) foram empreendidas a diferentes ambientes aquáticos. Essas áreas

encontram-se localizadas nos rios Coluene e Sete de Setembro, próximas a nascente do rio

Xingu, formado pela confluência dos dois rios acima, e no rio Coronel Vanick, um afluente do

rio Sete de Setembro (Figura 2). A área das nascentes do rio Sete de Setembro, escolhida para

representar da região de nascentes do rio Xingu, foi inspecionada por terra, em veículo

apropriado, e comparada com as demais nascentes do rio Xingu através de imagens de satélite

(Figura 3). Todo o trabalho foi registrado fotograficamente e as áreas visitadas nos rios foram

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georeferenciadas através de GPS. A região do alto Xingu já está bastante degradada pelo avanço

do cultivo de soja e da pecuária (Foto 2).

Foto 2. A conversão da vegetação natural em campos de soja e pasto para o gado chega até às margens dos rios

formadores do Xingu, impactando negativamente os ecossistemas aquáticos. Fotos: Cleber Alho.

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Figura 2. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS

foram visitados de barco.

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Figura 3. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a bacia do rio Araguaia no canto inferior direito e a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior

esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS foram visitados de barco. O Rio Sete de Setembro

próximo à Canarana e o seu riacho afluente próximo à Água Boa foram visitados de carro.

A expedição às cabeceiras do rio Xingu foi conduzida durante a estação de cheia, quando

o rio está vários metros acima do nível normal. Os ambientes visitados de barco foram rio de

grande porte (Xingu), rios de médio porte (Sete de Setembro e Culuene), e também rios

pequenos, como o Coronel Vanick. Apesar dos rios estarem sobre o planalto, estes são bastante

convolutos e com muitos meandros, e possuem uma faixa de floresta inundável que varia de um

a cinco quilômetros de largura na parte baixa dos rios Culuene e Sete de Setembro, e de quatro a

oito quilômetros de largura no rio Xingu – semelhantes as áreas de terras baixas da Amazônia

central. Essa floresta é anualmente inundada pela cheia do rio e peixes e outros organismos

aquáticos deixam o leito do rio para se abrigar e alimentar na mata inundada. Nessa mesma

época ocorre a frutificação de um grande número de árvores de mata inundável, fornecendo

assim frutos e sementes como um valioso recurso energético para os peixes que deles se

alimentam. Além disso, uma grande quantidade e diversidade de invertebrados, especialmente

insetos, ocupam as florestas inundadas e são consumidos por numerosas espécies de peixe.

Além dos rios, vários lagos dos rios Coluene e Sete de Setembro foram visitados. Estes

lagos (oxbow lakes) são formados pela dinâmica de mudanças do curso do leito principal do rio

dentro da faixa de mata alagável (Figura 4). Estes lagos são permanentes, sobrevivendo a

estação das águas baixas, e se constituem em áreas de refugio e criação de algumas espécies e

área de alimentação para outras.

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Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada. Note

lagos (oxbow lakes) formados pelas mudanças do curso do leito principal do rio dentro da faixa de mata alagável. A

linha vermelha corresponde a 4 km.

ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS, SOCIOECONOMIA REGIONAL E INDICADORES

PARA A INTERVENÇÃO VISANDO PROTEÇÃO AMBIENTAL.

Os peixes são a principal fonte de proteína para grande parte da população na bacia do

Rio Amazonas, ultrapassando 400 g de peixe por pessoa ao dia. Dados históricos relatam o

consumo do pescado nessa bacia. Atualmente, a pesca é uma das atividades mais tradicionais

para a região.

A pesca é também uma das principais atividades socioeconômicas da bacia do Rio

Amazonas. Sendo fonte de alimento e renda, emprego e lazer, para um grande número de

pessoas. Estimativas demonstram que a produção pesqueira da bacia Amazônica chegue a

220.000 toneladas ao ano. No Brasil, por exemplo, os estados que mais contribuem para esse

valor são o Amazonas (70.896 t em 2010) e o Pará (50.949 t em 2010) (Ministério da Pesca e

Aquicultura, 2010). Os altos valores da produção pesqueira nesses estados podem ser explicados

pelo grande porte dos cursos hídricos que drenam seus territórios. No entanto, apesar de

apresentarem cursos d’água com menores dimensões e menores estoques pesqueiros, as

nascentes de rios que irão desaguar na calha principal do Rio Amazonas, contribuírem para a

manutenção de populações de peixes, principalmente populações de peixes migradores. A

preservação das regiões de cabeceiras, locais utilizados para a reprodução, alimentação e

berçário de algumas espécies de peixes, é indispensável para a sustentabilidade da pesca.

Apenas uma pequena parcela das espécies de peixes da bacia do Rio Amazonas é

explorada comercialmente pela atividade pesqueira. De maneira geral, essas espécies de maior

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importância para o pescado possuem maior porte e ampla distribuição na bacia Amazônica.

Entre elas destacam-se o tambaqui (Colossoma macropomum), o jaraqui (Semaprochilodus spp.),

o matrinxã (Brycon amazonicus), o curimatã (Prochilodus nigricans), o pacu (Mylossoma spp.,

Myleus spp. e Metynnis spp.) e o tucunaré (Cichla spp.). Algumas dessas espécies já mostram

sinais se sobrepesca em virtude dessa preferência nas capturas. No entanto, outras atividades

humanas como o desmatamento das matas ciliares, pecuária em áreas de várzea e barramentos

para construção de hidrelétricas, contribuem para aceleração da diminuição dos estoques

pesqueiros.

Antes da década de 1960. Os primórdios da pesca na bacia amazônica caracterizavam-se

como de subsistência e a captura do pescado era realizada exclusivamente de forma artesanal. Os

principais apetrechos de pesca eram o anzol, arpões, currais e arco e flechas. A pesca mostrava-

se como uma atividade complementar integrada às demais atividades da economia familiar.

O aumento da demando pelos recursos pesqueiros, em decorrência do aumento na

ocupação humana na região amazônica, fez com que houvesse um maior desenvolvimento do

setor pesqueiro a partir da década de 1930. Nesse período, os dispositivos legais que

regulamentavam a pesca restringiam apenas a utilização de venenos, tapagens e currais como

metodologia de captura do pescado.

Entre 1960 e 1988. A intensificação na ocupação da Amazônia, com vistas ao

desenvolvimento econômico dessa região, criou um novo cenário na exploração dos recursos

naturais. Incentivos, como benefícios fiscais, favoreceram a estruturação da indústria pesqueira e

com isso aumento na produção pesqueira.

Nesse mesmo período, a utilização de novos métodos de captura, como o náilon

monofilamento nas redes de emalhar e embarcações a motor, tornaram a pesca uma consolidada

atividade comercial. Surge nesse momento a profissionalização do pescador. Esse modelo de

crescimento econômico com novas práticas pesqueiras agravaram os conflitos e desigualdades

entre grupos com diferentes capacidades de exploração dos recursos naturais.

A falta de um correto planejamento fez com que os recursos naturais rapidamente

mostrassem sinais de esgotamento. Estoques tradicionais de peixes começaram a apresentar

significativas quedas de captura. Entre as espécies que melhor representam esse período

destacam-se o pirarucu (Arapaima gigas) e o tambaqui (Colossoma macropomum), que tiveram

os desembarques reduzidos de forma drástica. Em decorrência desse cenário de esgotamento dos

estoques, fez-se necessário maior controle regulatório sobre os apetrechos, locais e períodos de

pesca, além da quantidade e tamanho do pescado.

Após 1989. O crescente aumento demográfico, juntamente com as pressões sobre os

recursos naturais suscitaram a discussão sobre a real vocação da Amazônia. Em 1989, no Brasil,

é criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) e têm-se

um mudança de mentalidade quanto ao uso dos recursos naturais e o desenvolvimento

econômico. Nesse contexto, para evitar o colapso da pesca fez-se necessário uma visão integrada

entre os diversos setores e atores sociais com vistas ao uso sustentável do recurso pesqueiro.

Surgem novas atividades econômicas relacionadas à exploração do pescado: ecoturismo e pesca

esportiva. Iniciativas que buscam a integração do uso sustentável dos recursos, desenvolvimento

da economia e justiça social caracterizam a utilização dos recursos pesqueiros nesse período.

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Há várias formas de se classificar as modalidades de pesca, uma vez que diferentes

critérios, como o número e profissionalização das pessoas envolvidas, a abrangência geográfica

da pesca e sua operacionalização e o mercado a que se destina o pescado, podem ser adotados.

De maneira geral, a pesca na bacia do Rio Amazonas pode ser classificada em três grandes

categorias: pesca artesanal, pesca industrial e pesca amadora.

Pesca artesanal. A pesca artesanal caracteriza-se pela pouca organização e produtividade

bastante variável ao longo do ano. É empregada tanto para subsistência quanto para fins

comerciais. Essa modalidade de pesca é exercida de forma autônoma ou em regime de economia

familiar, com recursos do próprio pescador ou adquiridos a partir de parcerias. A pesca é

realizada desembarcada ou em embarcações de pequeno porte.

A pesca artesanal é realizada ao longo de toda a bacia do Rio Amazonas. Os pescadores

empenhados nessa modalidade de pesca geralmente residem próximos aos rios e regiões

alagadas, locais utilizados nas pescarias. De maneira geral, são poucas as espécies de peixes

capturadas nas pescarias quando comparada a diversidade de peixes amazônicos. No entanto, é

possível observar uma maior variedade de espécies consumidas pela pesca artesanal quando

comparada com o pesca industrial. Os peixes capturados ora são consumidos pelos próprios

pescadores, ora vendidos a outros pescadores, com maiores estruturas, ou diretamente nas

cidades em mercados e feiras. Alguns pescadores exercem outras atividades econômicas, como a

prestação de serviços e a agricultura, como forma de complementar a renda familiar.

Locais onde são encontradas as diferentes espécies de peixes, o regime sazonal da

distribuição do pescado e as técnicas empregadas na arte da pesca são informações passadas

entre as gerações. O conhecimento necessário para desempenhar essa modalidade de pesca é

transmitido de pai para filho ou por pessoas com mais experiência dentro das comunidades.

Muitas vezes a falta de organização gera perdas desnecessárias de alimento e baixa

qualidade do pescado. No Brasil, em 2011, dos 970.000 pescadores registrado pelo Ministério da

Pesca e Aquicultura, 954.000 eram dedicados à pesca artesanal, sendo responsáveis por 45% da

produção do pescado no Brasil (dados obtidos no site do Ministério da Pesca e Aquicultura,

http://www.mpa.gov.br/index.php/pescampa/artesanal). Esses pescadores encontravam-se

organizados em 760 associações, 137 sindicatos e 47 cooperativas.

Pesca industrial. Essa modalidade de pesca caracteriza-se pela maior organização das

relações de trabalho, possuindo os pescadores vínculo empregatício com os responsáveis pelas

embarcações (seja pessoa física ou jurídica). A foz do Rio Amazonas é a principal região onde

essa modalidade é empregada. Os peixes capturados destinam-se às grandes industrias e centros

de distribuição de alimentos.

As embarcações utilizadas são de médio e grande porte e em menor número, quando

comparado à pesca artesanal. Os apetrechos utilizados na pesca são parecidos aos utilizados na

pesca artesanal, no entanto, mais números e apresentam maiores tamanhos. Essas características

tornam as capturas dos peixes mais eficiente e essa maior efetividade nas capturas contrasta-se

com a má gestão e ordenamento. Um esforço excessivo de pesca pode impedir a capacidade de

recuperação dos estoques pesqueiros. Nessa modalidade de pesca um menor número de espécies

são destinadas aos mercados, destacando-se a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii), o pargo

(Lutjanus griseus) e as pescadas (Plagioscion spp.).

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Pesca amadora, recreativa ou esportiva. A pesca amadora não caracteriza-se pela

renda oriunda do pescado, mas sim pelo seu caráter de lazer. A renda gerada por essa

modalidade relaciona-se aos serviços direcionados ao turismo pesqueiro, como o transporte aos

pontos de pesca e o aluguel de hospedagens e embarcações.

Os praticantes dessa modalidade utilizam principalmente varas de pesca, com carretéis e

anzóis bastante direcionados às espécies de peixes a serem capturadas. Os praticantes da pesca

amadora geralmente capturam alguns exemplares para o próprio consumo mas também

costumam soltar os exemplares. Esse tipo de prática seria uma alternativa sustentável para o

desenvolvimento da pesca, uma vez que poderia coexistir com as demais modalidades não

causando grandes reduções às populações naturais. A bacia do Rio Amazonas possui um grande

potencial para aumento dessa modalidade, uma vez que, além de possuir grande quantidade de

rios a serem explorados, possui uma grande diversidade de peixes.

Os peixes esportivos mais comuns na bacia do Rio Amazonas são: os tucunarés (Cichla

spp.), a cachorra (Hydrolycus scomberoides), as bicudas (Boulengerella spp.), as matrinxãs

(Brycon spp.), os apapás (Pellona spp.), o tambaqui (Colossoma macropomum), a piraíba ou

filhote (Brachyplatystoma filamentosum), o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum), o caparari

(Pseudoplatystoma tigrinum), os pacus (Mylossoma spp. e Myleus spp.), as piranhas

(Pygocentrus nattereri e Serrasalmus rhombeus), o jaú (Zungaro zungaro), a pirarara

(Phractocephalus hemioliopterus) e o trairão (Hoplias lacerdae). Essas espécies encontram-se

distribuídas em praticamente toda a bacia do Rio Amazonas, sendo os principais rios destino dos

pescadores amadores o Negro, o Uatumã, o Madeira, o Guaporé, o Xingu, o Araguaia, o

Tocantins, o Nhamundá, o Trombetas, o São Benedito, o Roosevelt, o Tapajós e o Rio Branco.

Algumas espécies de peixe tornam-se mais emblemáticas na pesca amadora, como os tucunarés,

sendo retratadas em muitas propagandas veiculadas na mídia nacional e internacional.

A estruturação da comunidade íctica, sua composição e integridade subsidiam a

determinação do grau de conservação dos ecossistemas aquáticos. Algumas espécies de peixes

ao ocuparem o topo das cadeias tróficas em relação a outros indicadores de qualidade de água

(p.ex. diatomáceas e invertebrados bentônicos) favorecem uma visão integrada do ambiente

aquático. Sendo assim, o estudo da composição e ecologia das comunidades ícticas apresenta-se

como ferramenta para análise da integridade dos ecossistemas.

A presença de organismos sensíveis a alterações antrópicas é uma condição

frequentemente observada em ambientes considerados menos alterados. Os riachos com boas

condições de integridade possuem espécies de peixes nativas de várias classes de tamanho e uma

estrutura trófica balanceada. Já em ambientes impactados é observada uma redução no número

de espécies indígenas a qual passam a ser substituídas por espécies exóticas invasoras.

Os ecossistemas límnicos estão sofrendo rápidas e profundas transformações. As

atividades humanas vêm contribuindo fortemente com essas transformações. Destruição de

florestas (principalmente da vegetação ripária), construção de barragens, uso descontrolado de

pesticidas e fertilizantes, introdução de espécies exóticas, entre outros, são interferências

antrópicas sobre os ambientes aquáticos que ocasionam modificações na estrutura e nos

processos desses ecossistemas. Essas modificações agem de forma diferenciada na capacidade de

sobrevivência das diferentes populações de peixes.

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A perda de hábitat caracteriza como o principal tipo de impacto que gera perda de

diversidade. Nos ecossistemas aquáticos essa alteração ocorre quando há perda das

características naturais do curso d’água. Como, por exemplo, a descaracterização da mata de

galeria, que quando sendo suprimida contribui para o assoreamento dos rios e reduz a quantidade

de alimento (material alóctone) e abrigo para as espécies aquáticas. Plantações ao longo dos

cursos d’água, além de suprimirem as matas nativas, recebem constantes aplicações de pesticidas

e adubos o qual podem ser carreados para os rios e serem incorporados às espécies aquáticas ao

longo das cadeias tróficas.

O barramento dos cursos principais dos rios, com a construção da barragem para a

geração de eletricidade, captação de água e irrigação, transforma drasticamente o ambiente e os

processos ecológicos na região. Essa alteração no fluxo natural dos ambientes lóticos, se

tornando agora lênticos, ocasiona mudanças no nível e velocidade das águas alterando

consideravelmente a estrutura das comunidades de peixes. Esses barramentos podem também

isolar populações impossibilitando o fluxo gênico. Fato este agravado, principalmente, quando

os deslocamentos de espécies de peixes migratórias ficam comprometidos. A espécie passa a não

finalizar seu ciclo reprodutivo de vida e, com isso, podem se tornar extinta regionalmente. A não

manutenção da vazão mínima a jusante desses barramentos também altera o ciclo natural das

águas que acompanha a sazonalidade das chuvas.

Tida como a segunda maior causa de perda de diversidade, a introdução de espécies

exóticas traz consequências inesperadas ao ambiente natural. Principalmente espécies predadoras

são a causa desse desequilíbrio. Em consequência da diminuição das espécies nativas e aumento

de algumas poucas espécies exóticas é possível observar o fenômeno da homogeneização da

biodiversidade. Esse fenômeno é mensurado a partir da redução na diversidade beta, devido à

diminuição dos endemismos locais e disseminação de um pequeno número de espécies

oportunistas, bastante tolerantes e plásticas.

Recentemente, maior atenção foi dada aos impactos causados pela sobrepesca nos

ambientes continentais. A falta de dados consistentes e a interação de outros impactos nos

ambientes límnicos impedem com que a sobrepesca apresente-se relacionada ao declínio das

populações de peixes. Pouco se sabe também das consequências da alteração dos tamanhos dos

exemplares de uma espécie (principalmente a redução do tamanho) e da alteração das

composições tróficas.

Para os cursos d’água ao longo da bacia do Rio Xingu são catalogados 142 espécies de

peixes, das quais 36 são endêmicas. Grande parte desses endemismos ocorre nas cabeceiras do

Rio Xingu. A partir da composição das espécies é possível perceber o compartilhamento de

fauna entre a bacia do Alto Xingu e suas bacias adjacentes. O evento geodispersor das capturas

de cabeceiras mostra-se como um importante processo gerador desses padrões de distribuição de

espécies de peixes entre os divisores de águas de bacias hidrográficas no centro do Brasil. As

captura de cabeceiras, por desviar o curso d`água de uma bacia hidrográfica para outra adjacente,

são eventos biogeográficos que promovem a expansão da distribuição e o isolamento de

populações de espécies aquáticas. Por exemplo, a presença da espécie Scoloplax distolothris nas

bacias do Paraguai, do Araguaia e do Alto Xingu evidência esse compartilhamento de fauna.

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Durante as excursões de barco no rio Sete de Setembro e, principalmente, rio Culuene,

cinco Pousadas de Pesca foram visitadas e seus proprietários e/ou funcionários foram

entrevistados. Algumas dessas pousadas são bastante bem aparelhadas, possuindo grande

número de barcos (mais de 20), e pista de pouso. Da mesma forma que nas fazendas, estes foram

questionados sobre suas práticas profissionais como guias e promotores de pesca esportiva,

pescadores, desmatamento da região e sobre a sua percepção do declínio da quantidade de peixes

nos rios e suas possíveis causas.

Aqueles que vivem na região há muito tempo reconhecem um drástico declínio na

quantidade de peixes nos últimos 10-15 anos. Essa percepção não é tão clara para os

entrevistados que vivem a menos de 15 anos na região. Apesar do inicio do desmatamento na

região ser mais antigo, este era feito prioritariamente para criação de gado, que não impacta tão

severamente os ambientes aquáticos.

No entanto, a partir de cerca da 15 anos atrás muitas das fazendas de criação de gado

iniciaram a trocar sua atividade principal para o plantio de soja ou outros grãos como milho,

sorgo. Essa atividade introduziu no ambiente, de forma sistemática e periódica, enormes cargas

de defensivos agrícolas e fertilizantes de solo, além de provocar o incremento do desmatamento

e diminuição adicional da faixa de floresta ciliar ao longo dos rios. Ao contrário dos fazendeiros,

as pessoas envolvidas com a pesca esportiva atribuem o declínio na quantidade de peixes às

praticas agrícolas, mas também não conseguem identificar o desmatamento como um impacto

sério para os ambientes aquáticos.

O defeso para os rios do estado do Mato Grosso na bacia do Rio Amazonas vai do dia 05

de novembro a 29 de fevereiro (Portaria n° 48/2007 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

Recursos Naturais e Renováveis – IBAMA). Durante esse período é permitida apenas a pesca de

subsistência com cota de captura de 3 kg ou um exemplar. Os pescadores profissionais durante o

período de defeso recebem mensalmente do governo brasileiro o Seguro Defeso, no valor de um

salário mínimo.

Por serem mais apreciados pelo paladar e cada vez mais difíceis de serem capturadas, as

espécies Colossoma macropomum e Brachyplatystoma filamentosum possuem maiores valores

de mercado. O quilo dessas espécies podem chegar a R$ 20,00. Buscando controlar a redução

excessiva da população dessas espécies algumas medidas legais são tomadas quanto às capturas.

De acordo com a Lei estadual do Mato Grosso n°9.893, de 1° de março de 2013, os pescadores

profissionais, fora do período de defeso, podem capturar semanalmente 125 kg de pescado e

durante o transporte ter acompanhado a Declaração de Pesca Individual (DPI).

A Lei do estado do Mato Grosso n° 9.895, de 07 de março de 2013, em seu anexo II,

dispões sobre os tamanhos mínimos que algumas espécies de peixes precisam ter para serem

capturadas na bacia Amazônica.

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Tamanhos mínimos das espécies de peixes a serem capturadas na bacia Amazônica de acordo

com o anexo II da Lei do estado do Mato Grosso n° 9.895, de 07 de março de 2013.

Nome Nome científico Medida

Bicuda Boulengerella cuvieri 60 cm

Cachorra Hydrolycus armatus 60 cm

Caparari Pseudoplatystoma tigrinum 85 cm

Pacu-caranha Myloplus torquatus 45 cm

Pacu-prata Myleus spp. 30 cm

Curimbatá Prochilodus nigricans 30 cm

Dourada Brachyplatystoma flavicans 80 cm

Matrinchã Brycon spp. 35 cm

Pintado Pseudoplatystoma sp. 80 cm

Piraíba/Filhote Brachyplatystoma filamentosum 100 cm

Pirapitinga Piaractus brachipomus 45 cm

Pirarara Phractocephalus hemiliopterus 90 cm

Trairão Hoplias sp. 60 cm

É interessante perceber que alguns dos pescadores profissionais que utilizavam a pesca

artesanal para seu sustento passaram a ser incorporados aos serviços relacionados à pesca

amadora. Pelo conhecimento da geomorfologia dos rios e da biologia e ecologia das diferentes

espécies de peixes, esses pescadores são os principais guias para a prática da pesca amadora.

Os apreciadores da pesca amadora em águas de interiores buscam locais pristinos para a

prática dessa atividade. Essas regiões possuem comunidades nativas de peixes e exemplares de

grande porte, os quais são mais apreciados durante as pescarias. A bacia Amazônica possui

grande potencial para o desenvolvimento dessa modalidade de pesca por apresentar uma grande

malha hídrica, em sua maioria, ainda preservada.

Ao longo das margens dos trechos de rios visitados durante o trabalho de campo foi

possível observar o crescimento de hospedagens voltadas ao turismo ambiental e à pesca

amadora. Essas instalações chegam a comportar 50 turistas e possuem estrutura voltada

diretamente à pesca, com embarcações e venda de apetrechos. Algumas hospedagens chegam a

ter pista de voo para transporte de turistas. Os aviões utilizados nesse tipo de transporte são de

pequeno porte. Essas pistas de pouso são também utilizadas por agricultores durante a

pulverização aérea de pesticidas nas plantações da região.

Os pescadores amadores contratam embarcações com barqueiros e utilizando vara,

molinetes ou carretilhas e iscas durante as pescarias. Dependendo da espécie de peixe pretendida

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e da época do ano, diferentes ambientes; como corredeiras, remansos, poços e lagos; são

visitados e a pescaria é realizada durante o dia inteiro. Apesar de não ser realizada por todos os

pescadores, mas uma prática comum é a soltura dos exemplares. O intuito principal desse tipo de

pesca é o lazer; assim, o consumo do pescado nem sempre é a finalidade das pescarias.

De acordo com a Lei estadual do Mato Grosso n°9.893, de 1° de março de 2013, os

pescadores portadores da Carteira de Pescador Amador possui cota de captura e transporte de até

5 kg de pescado e um exemplar. Não podendo comercializar o produto das pescarias.

As ameaças aos peixes e ambientes aquáticos. Diversas ameaças aos ambientes

aquáticos e peixes do rio Xingu foram identificadas nesta viagem. As ameaças podem ser

classificadas em diretas, como a pesca, coleta de peixes ornamentais, retirada de mata ripária e

uso de defensivos e fertilizantes agrícolas, com ação rápida diretamente sobre os peixes; e

indiretas, como desmatamento extensivo, mineração no leito do rio, construção e operação de

usinas hidrelétricas e mudanças climáticas.

A região do Alto Rio Xingu encontra-se no limite da fronteira agrícola no estado

brasileiro do Mato Grosso. A chegada da agricultura promove grandes alterações ao ambiente

natural e muitas delas relacionadas aos mananciais hídricos. A partir de relatos de moradores,

que vivem nessa região a pelo menos 20 anos, é possível perceber a influência da ocupação

humana e crescimento do desmatamento sobre os estoques pesqueiros. Pescadores e mesmo

ribeirinhos que não possuem atividades econômicas relacionadas à pesca relatam tanto a redução

de algumas espécies de peixes comerciais quanto a redução das abundâncias de populações e

tamanhos de exemplares.

Ao longo dos trechos visitados foi possível visualizar a descaracterização dos ambientes

naturais e crescimento da agricultura. O desmatamento da vegetação marginal em alguns trechos

chegam a ultrapassar a faixa legal de preservação estipulada pela Resolução CONAMA

303/2002, o qual dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação

Permanente (APPs). De acordo com essa resolução brasileira as faixas marginais, medidas a

partir do nível mais alto do rio, em projeção horizontal, devem ter largura mínima de: 30 m ao

longo de cursos d’água até 10 m de largura, 50 m ao longo de cursos d’água com larguras entre

10 e 50 metros, ou 100 m ao longo de cursos d’água com larguras entre 50 e 200 m. Esses

valores de larguras são os observados para os rios visitados.

Em 2004, as taxas de desmatamento para o estado do Mato Grosso era a maior para a

Amazônia Legal (11.814 Km2/ano) (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, 2012).

Apesar na redução nessa taxa, em 2012, o Mato Grosso seguiu em segundo lugar com 777 km2

desmatados.

A conversão da vegetação natural em campos de soja e pasto para o gado é evidente em

toda região do alto Xingu. As matas ripárias ao longo dos ecossistemas aquáticos são essenciais

à biologia dos peixes. Muitas espécies de peixes utilizam essas florestas inundávies, durante as

cheias, para alimentação, reprodução e abrigo. Sendo assim, a retirada dessa vegetação acarreta

impactos negativos às populações dessas espécies. A retirada dessas árvores faz com que haja

maior entrada de luz nos ambientes aquáticos, dessa forma, há um incremento da produtividade

primária (proliferação de algas). A importância das matas preservadas na manutenção de

populações de espécies nativas pode ser observada nas áreas visitadas, por ocasião dos trabalhos

de campo. Foi comum o relato de pescadores profissionais sobre a concentração de algumas

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espécies de peixes de interesse comercial que ocorrem principalmente em trechos no limite com

o Parque Indígena do Xingu, região ainda bastante preservada (Foto 3).

Foto 3. As atividades de uso e ocupação do solo têm impactado negativamente as florestas ripárias ao longo dos

ecossistemas aquáticos da região do alto Xingu.

A pesca esportiva é, de maneira geral, uma atividade de baixo impacto nas comunidades

de peixes, especialmente quando a prática de pescar-e-soltar é utilizada. Na região do alto Xingu,

entretanto, o número de pousadas especializadas em receber pescadores esportivos e

disponibilizar condições para pesca é muito grande. Em uma área visitada de cerca de 50 km no

baixo rio Coluene, por exemplo, existem pelo menos cinco pousadas com capacidade para

receber dezenas de pescadores e de levá-los para pescar diariamente. Essas pousadas contam

com acesso por estrada e por aviões pequenos e tem até cerca de 20 barcos para piloto e dois

pescadores. Relatos de pilotos de barcos de pesca nessa área reportam varias dezenas de barcos

pescando concomitantemente neste trecho do rio na estação de seca. As quotas individuais de

pesca, tanto para pescadores comerciais como esportivos, tem sido sistematicamente diminuídas

nos últimos anos. Ainda assim, a retirada contínua de peixes pela pesca esportiva é um impacto

considerável para as populações locais. Ainda, uma consequência conhecida da pesca é a

diminuição do tamanho dos peixes. A pesca, especialmente a pesca esportiva, seletivamente

retira da população os exemplares grandes, fazendo com que os peixes menores, mas já maduros,

produzam a nova geração. Com o passar do tempo o tamanho médio dos peixes da população

sob efeito de pesca pode ser sensivelmente diminuído.

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Retirada de mata ripária. Mata ciliar ou ripária é a vegetação que ocorre nas margens dos

rios. Essa mata é fundamental para o ambiente aquático e para os organismos que vivem

nos rios por três motivos principais. A integridade das margens é, em grande parte,

sustentada pela vegetação ripária. A sua retirada facilita o carreamento de terra e outros

sedimentos para o leito do rio pela chuva, causando o assoreamento do leito, com a

consequente diminuição da profundidade e da estruturação. Além disso, a mudança na

turbidez da água provoca alteração na penetração de luz e consequentemente na

produtividade primária do manancial. Ainda, altera as habilidades de percepção do meio

pelos peixes que se orientam visualmente para atividades reprodutivas, alimentares, etc.,

impactando a sua sobrevivência. Finalmente, diversas árvores da mata ciliar produzem

frutos e sementes que são utilizadas por diversos peixes para alimentação, especialmente

na época de cheia.

Fertilizantes de solo agrícolas. Diferentes tipos de solos precisam ser corrigidos para

adaptar-se a distintos cultivos agrícolas. Os típicos latossolos do Escudo Brasileiro na

região do alto Xingu são empobrecidos de nutrientes e necessitam de correção de pH e de

acréscimo de fertilizantes para o plantio da soja e outros grãos. A engenharia agrícola

obviamente procura minimizar o uso destes componentes a fim de diminuir o custo da

produção. No entanto, parte destes corretivos e fertilizantes é carreada para os riachos e

daí para os rios, eutrofizando os mananciais e modificando a dinâmica da cadeia

alimentar dos organismos aquáticos.

Herbicidas, inseticidas e outros defensivos agrícolas. Da mesma forma que os

fertilizantes, diversos tipos de herbicidas e pesticidas são empregados nos cultivos de

soja, predominantes na região do alto Xingu. Estes produtos são usualmente aplicados

com aviões que jogam grandes quantidades sobre as lavouras. Uma vez aplicados, parte

acaba sendo carreada pela chuva para os rios causando diferentes tipos de

envenenamentos nos organismos aquáticos.

Desmatamento extensivo. O desmatamento extensivo provavelmente representa o mais

importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente

importantes para os ambientes aquáticos envolvidos. A retirada da floresta aumenta

drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição de fluxo ou mesmo

desaparecimento de nascentes, culminando com a diminuição da vazão dos rios. O

desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas chuvas,

especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena.

Mineração de areia no leito dos rios. A demanda por areia para a construção civil tem

crescido dramaticamente na região do alto Xingu, uma vez que cidades estão crescendo e

se desenvolvendo com o dinheiro da soja que chegou recentemente à região. A mineração

de areia no leito do rio causa a completa destruição do leito e das margens localmente,

causando um impacto severo, porém pontual. As ameaças ao ambiente aquático e à fauna

aquática são severas, mas são, como mencionado, pontuais.

Construção e operação de usinas hidrelétricas. Represas hidrelétricas impactam as

populações de peixes de três maneiras. A transformação de um ambiente lótico em um

lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies reofílicas e ao

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mesmo tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa forma

alterando a composição da comunidade local. Em uma escala mais ampla, as barragens

regulam o fluxo do rio a jusante, perturbando os ciclos anuais de alimentação e

reprodução, e perturbando as rotas migratórias de muitos peixes grandes que não

conseguem atravessar a barreira criada pela represa. Nas cabeceiras do rio Xingu,

especificamente no rio Coluene, existe a Usina Hidrelétrica do rio Coluene. Há relatos de

pescadores e de cientistas (Flávio Lima, comunicação pessoal), de que grandes cardumes

de matrinxã chegam até a represa do rio Coluene e se acumulam a jusante desta por não

poder seguir rio acima. Essa parada na rota migratória de espécies de piracema, como o

Matrinxã, prejudica a reprodução da espécie. Além disso, há relatos de que comunidades

de pescadores locais se reúnem nessas ocasiões para uma pesca farta e fácil, mesmo

durante o período de defeso da piracema. No baixo Xingu, por outro lado, a UHE Belo

Monte está em fase de construção e depois de concluída irá afetar a comunidade de

peixes reofílicos, especialmente acaris da família Loricariidae, que vivem na Volta

Grande do Xingu, a jusante de Altamira.

Mudanças climáticas. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pela WWF

sugerem que as mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de maneira

adequada no planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de

projetos hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia

em 2005 e 2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas,

associadas ao desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão do rio Xingu

e de outros rios Amazônicos que drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na

vazão do rio Xingu poderá afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE

Belo Monte, como sugerido pelo estudo da WWF. As consequências de uma redução de

vazão do rio Xingu por causa de mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais

prejudiciais à fauna aquática, uma vez que áreas de alimentação e refugio podem tornar-

se menos acessíveis anualmente e migrações reprodutivas rio acima podem não ser

desencadeadas por uma vazão reduzida em um ano de seca.

Para se garantir uma sustentabilidade da pesca amadora, em consonância ao

desenvolvimento econômico e social, é necessário desenvolver uma estrutura turística associada

aos demais atores do setor pesqueiro (Foto 4).

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Foto 4. Pesca amadora sendo realizada no Rio Sete de Setembro (coordenadas: latitude -12,924727°; longitude -

52,826735°), principal atividade socioeconômica pesqueira da região do alto Xingu.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Hales, J. & P. Petry. 2013. Freshwater Ecoregions of the world; Ecoregion 322: Xingu. Webpage

http://www.feow.org/ecoregions/details/322. Acessada em 21/04/2013.

Mérona, B., A. A. Juras, G. M. Santos & I. H. A. Cintra. 2010. Os peixes e a pesca no baixo rio

Tocantins: vinte anos depois da UHE Tucuruí. Eletronorte, 208p.