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Projeto Demo:

Histórias que viram estórias

André Farinha

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Dedicatória

Dedico este trabalho a minha família, aos meus pais que me deram a boa e-

ducação e sempre orientaram rumo ao melhor caminho. A minha irmã que amo tan-

to. Meus colegas de curso, que durante estes quatro anos partilhamos juntos o mes-

mo sonho, ser jornalista. Aos amigos próximos que acompanharam toda a trajetória

e a todos que sempre apoiaram de alguma forma.

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Agradecimento

Em especial, ao nobre amigo Kayke Niz, que fez a capa mesmo estando do-

ente, e a Daniela Moralles Santana, quem muito me ensinou. Agradeço também a

todos os professores que passaram no decorrer da minha vida acadêmica. Aos cola-

boradores que sempre se puseram no caminho para orientar e ajudar no que fosse

possível.

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Índice

Introdução

13

Recém-nascido é encontrado em caixa de papelão em Campo Grande.

(Caixinha de surpresa)

21

Mais médicos vão atender na UPA do Coronel Antonino. (Protesto diferente

25

Criança de dois anos morre após ser picada por escorpião amarelo. (Morte de

uma guerreira)

28

Projeto estende veto a guloseimas em cantinas escolares para todo o estado.

(Crianças estão traficando salgadinhos nas escolas)

10

33

Funcionalismo do Estado aderem à greve dos correios. (Tristeza da caixa de

correio)

37

Dezenas de estudantes passam mal em escola. (A aula de ciência)

41

Chuva de granizo e ventos de até 75 Km/h na madrugada de ontem causam

estragos. (Madrugada)

45

Delegado da Deparc é sequestrado ao levar sogra para o aeroporto. (Bandidos

estragam festa de delegado)

49

Para garantir cirurgia de paciente, médico ameaça deixar Unimed.

11

(Sobrevivendo a guerra alheia)

54

Crônica de domingo

58

Conclusão

61

12

13

Introdução

A proposta deste pequeno livro de crônicas foi fazer uma transcrição dos acon-

tecimentos narrados no jornal ―O Estado do Mato Grosso do Sul‖, recriando essas

histórias a partir do gênero crônica. O objetivo pretendido foi propor uma releitura

da realidade narrada nesse jornal, trabalhando com a linguagem a partir do movi-

mento híbrido que a crônica proporciona, já que o gênero crônica oscila entre as

fronteiras bem tênues da narrativa jornalística e da narrativa literária. Nesse senti-

do, o presente livro mostra a crônica como uma segunda forma de interpretação da

notícia e da própria realidade cotidiana.

O trabalho segue a linha deixada pelo jornalista e escritor Moacyr Scliar,

morto em fevereiro deste ano, que durante anos colaborou com o jornal Folha de

São Paulo, transformando notícias em crônicas. Seus textos eram publicados sema-

nalmente no referido jornal. Pela leitura dessas crônicas, percebe-se que Scliar es-

colhia matérias de menor importância, publicada pelo próprio jornal, para a trans-

crição. O cotejamento entre a narrativa jornalística e a produção da crônica produ-

zia um novo enfoque do acontecimento, muitas vezes agregando a esse aconteci-

mento ―menor‖ uma importância maior. Seguindo essa linha, pode-se pensar que a

crônica, de fato, fornece ao cotidiano, às pequenas singularidades da vida-ao-rés-do

-chão, a possibilidade do inusitado, do ―estranhamento‖, e, portanto, de interrupção

e renovação do olhar do leitor posto diante da realidade transmitida pelos jornais.

Para desenvolvimento do trabalho, foram selecionadas dez reportagens, todas

de capa, priorizando-se as manchetes. As manchetes selecionadas e apresentadas

retratam acontecimentos ocorridos entre os meses de setembro, outubro e novem-

bro de 2011. A partir da definição de notícia, iniciou-se o processo de transcrição,

surgindo as histórias aqui apresentadas. O livro não se apresenta de acordo com a

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ordem cronológica dos fatos recolhidos no cotidiano do jornal. O leitor pode iniciar

sua leitura a partir de qualquer página.

O título do livro, ―Projeto demo: histórias que viram estórias‖, refere-se ao

fato de que a maioria das notícias são histórias de pessoas comuns que, por algum

motivo, seja ele de acidente, reclamações, prêmios, entrevistas, curiosidade, ou ou-

tras situações, acabam se transformando em personagens de matéria, assunto nos

jornais. Suas histórias viram estórias. É assim a história da vida da gente. A histó-

ria, no jornal, é também a história da gente comum, do homem cotidiano e da vida

―ao rés-do-chão‖, por isso, é sempre uma história bonita.

A crônica

Pode-se dizer que a crônica oscila entre o jornalismo e a literatura, o factual e

o imaginário, uma vez que o cronista, muitas vezes, apropria-se de acontecimentos

factuais, retirados do cotidiano (NASCIMENTO, 2009, p. 46). A crônica pode nar-

rar uma pequena história ou tecer comentário sobre determinado assunto que está

sendo divulgado pela mídia. Em alguns casos, apresenta uma linguagem híbrida

que se aproxima tanto da lírica como da prosa mais enxuta, objetiva e precisa em

sua narrativa ou descrição.

Caracterizada pela simplicidade, brevidade e estilo, escrita em primeira ou ter-

ceira pessoa, a crônica utiliza, ainda, recursos estilísticos como metáfora, ironia,

metonímia e neologismo. Ao contrário do que ocorre com a linguagem do jornalis-

mo, que proporciona ao leitor o fato logo no começo da matéria no chamado lead,

devido à técnica da pirâmide invertida, a crônica não segue regras fixas, a não ser

aquelas que são propostas pelo autor (NASCIMENTO. 2009, p. 90). Em sua me-

lhor definição, a crônica segue o que já um famoso escritor afirmou sobre o conto e

que pode ser pensado aqui: crônica é o que o autor chama de crônica e ponto final.

A crônica aborda assuntos tirados do dia a dia, fatos curiosos ou incomuns,

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casos ou histórias tristes, vitórias ou conquistas marcantes. O escritor pode simples-

mente observar as cenas em seu cotidiano, ou ler a notícia em algum jornal e trans-

crever, como se estivesse no lugar onde o fato ocorreu.

Ora, a crônica sempre está ajudando a estabelecer ou restabele-

cer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer

um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos can-

dentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza

ou uma singularidade insuspeitadas. (CANDIDO, 1992. p.14).

A finalidade da crônica, assim, é mostrar o acontecido de uma maneira rápi-

da, sem concluí-lo, para que o leitor possa refletir e tirar suas próprias finalizações.

Originalmente, a crônica se limitava a relatos verídicos e de poucos recursos literá-

rios, entretanto, grandes escritores, a partir do século XIX, passaram a cultivá-la,

refletindo a vida social, política, costume, cotidiano, entre outros, nos livros e jor-

nais: era o início da era do ―Folhetim‖ e das novelas seriadas que apareciam nos

jornais com grande sucesso de público leitor.

No âmbito da literatura e da história, o texto, para ser considerado crônica,

precisa ser, antes de tudo, de fronteira entre gêneros. Muitas vezes, ele se apresenta

como um texto breve, narrativo, com trama pouco definida e motivos, na maior

parte, retirados do cotidiano imediato, constituindo-se também, em alguns momen-

tos, em uma compilação de fatos históricos apresentados segundo a ordem de su-

cessão no tempo:

É, de qualquer modo, um tipo de texto que se situa entre o jor-

nalismo e a literatura, e que genericamente define-se como um

texto que versa, de forma subjetiva, pessoal, sobre fatos atuais,

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marcantes ou até mesmo corriqueiros do cotidiano.

(NASCIMENTO, 2009. p. 95).

Dentro do jornalismo, a crônica foi classificada como texto opinativo, pois

trazia não só a opinião do escritor, mas fazia também o leitor criar sua própria opi-

nião, provocando o espírito crítico.

Além de ajudar na formulação da opinião própria sobre o assunto abordado, a

crônica proporciona para o leitor a construção de seu desfecho e um olhar inusitado

sobre o ―o acontecimento do mundo‖. As cenas, que normalmente passam desper-

cebidas por nós, são trabalhadas pelos cronistas para provocar esse novo olhar do

leitor. A descrição ajuda a construir a imagem da cena e os fatos narrados auxiliam

na visualização do que teria acontecido na história e ou na ―estória‖.

A crônica é uma espécie de releitura da notícia, uma espécie de paráfrase que

dá, aos textos jornalísticos, características literárias. Também pode ser considerada

uma paródia, um escrito que imita uma obra literária de forma crítica. No entanto, a

paródia subverte a mensagem do texto que o inspirou, enquanto a paráfrase inter-

preta um texto com palavras próprias, mantendo o pensamento do qual se origina.

No jornalismo brasileiro, em especial, podemos encontrar o fe-

nômeno da criação presente na crônica que, na qualidade de

gênero híbrido na interface entre jornalismo e literatura, não é a

mera reprodução dos fatos, mas sua recriação. Prática criativa

que, como produção original de algo a partir de alguma realida-

de preexistente, pressupõe uma personalidade criadora, pensa-

da a partir da filosofia de Bergson. (VARGAS, Heron; ROS-

SETTI, Regina, 2006, p. 3).

Ao escrever uma crônica, o cronista impõe, além de sua opinião sobre o as-

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sunto, o lado emocional, o que ocorre principalmente nas crônicas líricas; já a refle-

xão e a produção de uma reflexão sobre a realidade pode ser observada nas crôni-

cas filosóficas. O cronista faz suas escolhas e determina estilos os mais diversos.

Assim, pode-se dizer que há crônicas humorísticas, líricas, filosóficas, irônicas,

descritivas, narrativas e até mesmo aquelas que transitam entre diversos gêneros

discursivos como ocorre com as crônicas de uma famosa escritora, Clarice Lispec-

tor, que chega a afirmar que gêneros não a pegam mais!

A crônica é considerada pelos próprios cronistas como uma publicação efê-

mera, que não pretende durar por toda a vida. Tal definição faz sentido, uma vez

que ela vem acoplada ao jornal impresso e ambos terminam o dia dentro do latão de

lixo ou como embrulho de copos em mudanças domésticas.

A crônica é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo aca-

ba tão depressa. Ela não foi feita originalmente para o livro,

mas para essa publicação efêmera que se compra num dia e no

seguinte é usada para embrulhar um par de sapatos ou forrar o

chão de cozinha. (CÂNDIDO, 2009. P. 14).

No entanto, vale ressaltar a imortalidade das crônicas que, quando publica-

das em livros, alçam outros voos, pelo menos quando são muito boas, uma vez que

não são todos os cronistas que chegam a publicar seus trabalhos apenas em jornais,

a exemplo de Rubem Braga, um dos mais conceituados cronistas brasileiros e que

foi, antes de tudo, um escritor que se imortalizou como grande cronista. Nesse sen-

tido, vale dizer que uma boa crônica é, antes de mais, grande literatura e depende

de fervoroso trabalho com a linguagem.

Classificação

No livro ―A Crônica‖, de Antonio Cândido, há uma classificação determina-

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da por três autores, José Marques de Melo, Luiz Beltrão e Manuel Carlos Chaparro,

sobre os diferentes tipos de textos jornalísticos. Os autores dividiram os textos a-

pontando quais eram opinativos e quais eram os textos informativos. Em todas as

classificações, a crônica foi relacionada com os textos opinativos.

O primeiro deles, Beltrão, criou três categorias: Informativa (notícia e repor-

tagem); Opinativo (editorial, artigo, crônica e opinião de leitor); Interpretativo

(reportagem em profundidade).

O segundo autor, José Marques de Melo, dividiu os textos jornalísticos em

duas categorias: Informativa (nota, notícia, reportagem e entrevista) e Opinativa

(editorial, artigo, comentário, resenha, coluna, cartas, crônica e caricatura).

O terceiro autor, Manual Carlos Chaparro, classificou à crônica como sendo

um texto de comentário argumentativo. Chaparro dividiu os textos em dois grupos,

relato e comentário, subdividindo respectivamente depois em narrativa (nota, notí-

cia, reportagem, entrevista e coluna) e argumentativa (crônica, artigo, carta, rese-

nha, editorial e coluna).

Histórias que viram estórias

As estórias apresentadas a seguir apresentam, para o leitor, relatos tristes como

a ―Morte de uma heroína‖ (p. 25), na qual é narrado o dia de uma menina de apenas

dois anos de idade que morreu picada por um escorpião em sua casa. Além de ser

vítima do animal peçonhento, a pobre criança precisou suportar a falta de médicos

nos hospitais de Campo Grande e a falta de ambulâncias para levá-la até um posto

de saúde.

A questão da saúde é retomada na crônica ―Protesto diferente‖ (p. 21). Um se-

nhor se levanta da cama adoentado, com sintomas de uma virose. Já esperando en-

frentar um fila enorme, ele vai até o posto de saúde é surpreendido por um protesto

realizado pelos próprios médicos que lá atendem. A saúde é tema de outras duas

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crônicas e torna-se recorrente nas páginas dos jornais e no cotidiano do sul-mato-

grossense.

A terceira crônica, ―Aula de Ciência‖ (p. 30), narra o incidente ocorrido na Es-

cola de Tempo Integral de Campo Grande, localizada no bairro Rita Vieira, onde

180 crianças passaram mal após comer comida estragada. Fechando a temática saú-

de, apresenta-se a crônica ―Sobrevivendo à guerra alheia‖ (p. 48), onde uma moça,

depois de sofrer um acidente automobilístico, tem sua perna fraturada. Com sérios

riscos de contrair uma infecção e ter que amputar sua perna, ela se torna vítima de

uma guerra travada entre a empresa de saúde particular, na qual tem um convênio, e

o funcionário da empresa, no caso, o médico ortopedista que deveria operá-la.

Há também crônicas falando sobre leis e greves. No caso da lei, ―Alunos estão

traficando salgadinhos nas escolas‖ (p. 29), referente aos deputados estaduais que

estão querendo aprovar uma lei que proíbe a venda de alimentos considerados não

saudáveis nas cantinas escolares de todo o Estado.

A greve dos Correios, ―Tristeza da caixinha de correios‖ (p. 37), também dei-

xa sua marca registrada nas crônicas aqui produzidas. Quase acabando o livro, sur-

ge a notícia de que um delegado havia sido sequestrado por bandidos, juntamente

com sua sogra. No texto ―Bandidos estragam a festa de delegado‖ (p. 43), o que se

pretende é brincar com o fato de o delegado ter sido sequestrado com sua sogra.

Uma crônica na qual predomina a função emotiva da linguagem é ―Miar de

um gato‖ (p. 17). A narrativa expõe o que aconteceu com duas moças que caminha-

vam pela Avenida Mascarenhas de Morais em Campo Grande: elas encontram um

recém-nascido.

Não menos emotiva que esta última, a crônica intitulada ―Tempestade‖ (p: 40),

descreve os estragos causados pela chuva forte que despencou em Campo Grande

no mês de outubro. No caso, procura-se retratar o ocorrido a partir do relato da vida

20

de um boêmio que, em busca de uma prostituta, acaba por tomar um belo banho de

chuva.

Encerrando o livro, a ―Crônica de domingo‖ (p. 52). Esta é a única estória que

não foi baseada numa reportagem de jornal. Trata-se uma crítica direcionada para o

jornal ―O Estado de MS‖ que não tem uma edição de seu impresso nos domingos,

deixando seus leitores a ver navios.

21

22 de outubro de 2011.

Matéria: Recém-nascido é encontrado em caixa de papelão em Campo Grande

Comentário

O lado humano bate forte quando se depara com manchetes como esta. O lei-

tor, atingindo pelo acontecimento grave, sente a necessidade de saber como termi-

nou o caso. No fundo, ele espera por um final feliz, como nas novelas em que assis-

te no seu fim de noite após um longo dia de trabalho.

A foto mostra a caixa sozinha, no mesmo canto onde estava quando o bebê foi

encontrado. Ali, onde milhares de carros passam diariamente, pessoas apressadas,

que nem reparam no mundo a sua volta, jamais notariam a presença de uma coisa

tão insignificante como uma caixa de papelão. Daí o título: ―Caixinha de surpresa‖.

A crônica foi iniciada com a visão do bebê (o ponto de vista adotado é o da

criança). É verdade que só o imaginário pode reconstituir o que pensa um bebê a-

bandonado e o que fica é a imagem do que pode significar ser abandonado quando

criança. Assim, a crônica começa apresentando a sensação (possível) sentida por

uma criança quando abre os olhos para o mundo estando abandonada no mundo.

Em seguida, o que se mostra é a descrição do local e o surgimento das duas moças

que encontram o recém-nascido. Há também uma terceira personagem, a mãe de

uma das moças, para quem o bebê é levado após ser encontrado.

22

23

Caixinha de surpresa

Ele abriu os olhos pela primeira vez. Um lençol com manchas vermelhas o co-

bria, impedindo-o de ver o mundo. Sem entender o que acontecia se pôs a chorar,

apavorado, sem saber a quem pedir socorro. Sua manha afinada parecia o miado de

um gato, ecoando da despercebida caixa de papelão, abandonada numa movimenta-

da esquina da Avenida Mascarenhas de Morais, ao lado do Terminal General Osó-

rio.

Quis o destino que duas moças, uma que até pouco tempo brincava de boneca,

e outra mais velha, com seus filhos já crescidos, passassem pela tal esquina. En-

quanto carros, ônibus e motos trafegavam barulhentamente pela avenida, o miar do

gato ainda podia ser escutado. Era como uma melodia atravessando todos os desafi-

os para reinar nos ouvidos da multidão.

Curiosa, a mais nova se aproximou para salvar os gatinhos do aperto da caixa

de papelão. No entanto, os olhos encontraram outra coisa. Arregalados, enxergaram

um bebê, recém-nascido, ainda com o cordão umbilical em sua barriga, preso por

duas xuxinhas que estancavam o sangramento.

Às pressas e aflitas, elas o seguraram nos braços, e a mais nova partiu em dis-

parada, gritando loucamente, como uma mulher grávida entrando em trabalho de

parto. Tão assustadas quanto o bebê, as duas o levaram para a casa de dona Maria

José, senhora tipicamente brasileira, de muitos filhos, e com um coração enorme.

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No ato, o sentimentalismo da vizinha dizia que ela devia acolher o recém-

nascido. Queria criá-lo, sim, mas a condição financeira não lhe permitiria objetivo

tão grandioso. Restou a ela fazer o que a mãe verdadeira não fez: salvá-lo! Dar ao

bebê uma oportunidade, uma chance de vida. Dona Maria fez a única coisa que po-

dia: encaminhou-o para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), localizado na

Coronel Antonino. Saberá, depois, que fez o suficiente.

Agora, o bebê aguarda ansioso pela chegada de sua nova mãe. Seus choros

são atendidos pelas enfermeiras da Santa Casa, onde ficará até receber alta e encon-

trar sua nova vida. Na esquina onde essa criança nasceu de novo para a vida, restou

apenas à caixa, que agora não é mais despercebida: virou estrela, tornou-se popular,

comentada por todos que por ali passam: — Olha a caixa onde o bebê nasceu!

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25 de outubro de 2011.

Matéria: Mais médicos vão atender na UPA do Coronel Antonino.

Comentário

O título desta matéria parece ser algo impressionante, inacreditável, algo que

melhoraria a saúde da cidade para sempre, mas na verdade se trata apenas de um

protesto diferenciado, realizado pelos médicos dos postos de saúde, que querem ga-

nhar mais dinheiro e ter melhores condições de trabalho.

Algo irônico, já que o título apresenta uma informação positiva e a matéria dá

uma informação tão desanimadora. Criei para esta crônica um personagem que es-

taria indo para o posto de saúde após acordar com sintomas de uma gripe forte. Já

esperando encontrar o lugar lotado, se impressionou com a rapidez de atendimento

recebido. Há também um segundo personagem, o médico, que o atende e explica o

protesto e o motivo de tão pronto atendimento.

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Protesto diferente

Amanheci adoentado, com o nariz escorrendo, os olhos avermelhados, rosto

inchado e com muita, muita dor de cabeça. Prevendo que seria uma gripe, parti do

aconchego de minha cama para a fria e estressante Unidade de Pronto Atendimento

(UPA) do bairro Coronel Antonino. O lugar mais parece uma nova Santa Casa, to-

dos as pessoas que sofrem um acidente são levadas primeiramente para lá, e, só de-

pois, encaminhadas para o hospital que tiver vagas.

Ao chegar, deparei com um pequeno aglomerado de pessoas na entrada do

posto de saúde, o que não é muita surpresa. Abaixei a cabeça tentando respirar, mas

meu nariz não colaborou. Estremeci os olhos procurando por um espaço, queria ao

menos chegar até a recepção a fim de me registrar. Para minha surpresa, e total ale-

gria do meu organismo adoentado, não foi preciso preencher ficha alguma.

Logo um homem, vestido de branco até os sapatos, me convidou para sentar

numa espécie de sala improvisada. Ainda não entendia direito o que significava a-

quilo tudo, acho que nunca antes, nestes anos todos de vida, havia sido atendido

com tanta rapidez.

Relatei para o tal doutor o que sentia, contei de minha alergia, e ele respon-

deu confirmando a suspeita de que era sim uma virose. A culpa foi jogada na mu-

dança climática da noite para o dia. — Ontem estava sol e hoje está frio! — Disse

anotando a receita num pequeno pedaço de papel.

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A consulta foi tão rápida quanto o atendimento. Pensei que estava realmente

doente, vendo tantos médicos num posto de saúde. Curioso, perguntei para o que

me atendeu do porquê deste movimento. A resposta foi tão esquisita que ainda não

entendi.

Segundo contou, tratava-se aquilo de um protesto para que os médicos de

postos de saúde tenham maiores salários e melhores condições de trabalho. — Um

protesto? — questionei novamente, não entendendo. — Mas que tipo de protesto é

esse que em vez de reclamar trabalham ainda mais?

Ele sorriu antes de responder. — ora, meu senhor, nos outros Estados, os mé-

dicos resolveram fazer esse tipo de movimentação bem comum e antiquada, mas

nós aqui pensamos fazer algo diferente, mais ousado! — Explicou, gesticulando. —

Queremos que a população sinta o que aconteceria se os médicos tivessem melho-

res condições de trabalho! O atendimento seria assim: rápido, prático e eficiente!

— Exclamou mostrando os outros médicos atendendo aos demais pacientes

Ergui minhas sobrancelhas e, balançando a cabeça positivamente, concordei

com a atitude diferenciada. Já de pé, retruquei: — Que bom seria se todos os pro-

testos fossem assim, não é mesmo?

— Que bom seria se não precisássemos de protestos! — Respondeu ele – já

sumindo em meio à multidão de doentes que estavam no hospital.

29

29 de outubro de 2011

Matéria: Criança de dois anos morre após ser picada por escorpião amarelo.

Comentário

Toda matéria que envolve criança se torna emocionante. Ao contrário da re-

portagem anterior, sobre o recém-nascido encontrado abandonado numa caixa de

papelão, esta matéria não termina com um final feliz, fato anunciado logo de cara

pelo título. O texto apresenta dois grandes problemas de saúde em Campo Grande,

que passam despercebidos, já que a reportagem preferiu não investir neles.

O primeiro problema é o atendimento e a situação dos postos de saúde e hos-

pitais da capital, todos lotados e sem médicos para atender a demanda. O segundo

problema citado, e que merecia ser mais trabalhado, é a limpeza dos terrenos baldi-

os. Nos dias anteriores ao acidente com a menina, houve muita chuva na região, o

que fez a vegetação (mato) crescer rapidamente, tornando-se o terreno, assim, am-

biente propício ao aparecimento de animais peçonhentos.

Na crônica, abusei um pouco da fantasia. Não querendo deixar o texto crítico

em torno destes dois assuntos citados, e nem querendo focar na morte da menina

para não deixar o texto muito emotivo, saí da realidade para tentar minimizar a dor.

Fiz dela uma heroína, imortalizando-a como uma guerreira que se dedicava a matar

insetos. Confesso que esta crônica é uma das que mais gostei de escrever.

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Morte de uma guerreira

Era uma vez uma família bem diferente das demais. Era uma família que se

dedicava a caçar insetos, salvando o mundo de uma praga indesejável. Numa noite

sangrenta, a avó e a neta, uma menina de apenas dois anos de idade, lutavam brava-

mente contra os malvados bichinhos da luz.

A batalha já estava ganha, os pobres insetos caíam feitos aviões abatidos nu-

ma guerra maldita, despencavam, com voos em queda livre. No chão, cabia à meni-

na o árduo trabalho de aplicar o golpe final. A morte era certa. Grande vitória soma-

da para a super família caçadora de insetos.

Na tentativa de vencer, os bichinhos da luz chamaram um reforço inesperado,

um inseto sem piedade alguma. Enquanto a avó batia com os chinelos, acertando

boa parte dos bichinhos voadores, a menina partiu em busca de uma nova arma, a-

inda mais forte, para finalizar de vez a batalha cansativa.

Ela achou, num canto da casa, um sapato, parecia ser a arma ideal, forte e re-

sistente, mortal. Rapidamente, colocou a mão para firmar a arma, mas lá dentro es-

tava camuflado o reforço dos bichinhos da luz: um escorpião amarelo.

Sem perceber a presença do novo inimigo, a menina foi picada. Como solda-

do num campo de batalha quando recebe um tiro, foi ferida. Gritou para sua avó,

avisando que ali havia outro inseto, ainda mais perigoso.

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O sapato foi deixado de lado. A avó chegou e, virando a arma da menina, en-

controu o escorpião comemorando o abate. No intuito de vingar, empunhou sua es-

pada, enfiou no animal peçonhento, matou-o sem julgamento.

A batalha havia acabado, e como sempre acontece em todas as guerras, nin-

guém ficou sabendo quem venceu. A menina foi socorrida, mas o destino preferiu a

consagrar como uma verdadeira guerreira, daquelas com morte heróica, que se tor-

nam lendas e viram história passada de geração para geração. Por descuido ou poe-

sia, às vezes é preciso um herói morto para que outras guerrilhas sejam vencidas.

33

17 de setembro de 2011

Matéria: Projeto estende veto a guloseimas em cantinas escolares para todo o

Estado

Comentário

Esta matéria foi escolhida por motivos de revolta, posso estar errado, mas se

fosse uma criança, seria assim que me sentiria sendo proibido de comer salgadinhos

e doces na escola. Uma lei, já em vigor em Campo Grande, pode ser aprovada tam-

bém na Assembléia Legislativa, prevalecendo para todas as escolas do Estado. A lei

proíbe cantinas escolares de venderem doces, salgadinhos, frituras e demais ali-

mentos considerados não saudáveis.

Não estou criticando a ideia de melhorar a alimentação das crianças, mas proi-

bir a venda é algo muito radical. A graça de ser criança é poder comer exatamente

isso, sem se preocupar com problemas de saúde. Afinal, se for parar para pensar em

futuros problemas por má alimentação, nunca vamos comer nada de saboroso.

A crônica é divertida e bem irônica. Uma vez proibidos de comer doces na es-

cola, eles passam a ser consumidos e comprados ilegalmente. Como se fossem tra-

ficados, entrando na escola por meio de esquemas com o vigilante. Particularmente,

gostei da narração.

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Crianças estão traficando salgadinhos nas escolas

Um aluno foi pego pela direção da escola comendo salgadinho durante o inter-

valo. O crime aconteceu numa escola municipal de Campo Grande, nesta tarde. Se-

gundo o aluno, de apenas dez anos, ele não resistiu à tentação e comprou o docinho

de outro aluno que, por sua vez, vem sendo apontado pelos monitores da escola co-

mo o responsável pela venda de docinhos proibidos.

Interrogado pela diretora, o estudante contou tudo o que sabia sobre o tráfico

de guloseimas. No relato, apontou para a existência de um terceiro aluno, identifi-

cado como ―Dono da Escola‖. De acordo com a criança, é ele o responsável pela

distribuição dos alimentos considerados não saudáveis para os alunos.

O crime organizado pode revelar um grande esquema de corrupção. No depoi-

mento do aluno, consta a informação de que há guardas escolares facilitando a pas-

sagem das guloseimas. O salgadinho é posto dentro da mochila, que não é revista-

da. Em seguida, os guardas receberiam certa porcentagem pela venda que ocorre

livremente no canto da escola: — O guarda não faz a ronda durante o intervalo na-

quele ponto, pois sabe que ali rola o esquema. — Disse o garoto.

Agora, os Deputados Estaduais querem levar a proibição para todo o Estado, o

que, sem dúvida, vai aumentar a prática ilegal do tráfico de alimentos não saudá-

veis. Já há relatos de alunos que estão se preparando para organizar um grande es-

quema de venda de guloseimas nas escolas assim que o projeto virar lei.

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Segundo a direção, o tráfico de salgadinhos e de outras guloseimas se trans-

formou numa prática comum em todas as escolas da capital. Não é besteira dizer

que isso se parece com o tráfico de drogas.

Enquanto os senhores deputados ficam se preocupando com leis que regulam

a alimentação, impedindo crianças de aproveitarem a oportunidade única de sabore-

ar o doce da infância, traficantes de verdade continuam se divertindo e aproveitan-

do a fraqueza daqueles que deveriam combater o verdadeiro narcotráfico.

37

14 de setembro de 2011

Matéria: Funcionalismo do Estado aderem a greve dos correios.

Comentário

A matéria escolhida fala sobre a grave realizada pelos funcionários do Correi-

os, a paralisação atingiu 70% de todo o Brasil. Nas redes sociais, o assunto mais

comentado foi de quem, em pleno século das mensagens instantâneas, ainda escre-

ve cartas. A greve dos correios se tornou motivo de piada para a juventude.

Os correios de todo o Brasil já estavam parados um dia antes, só depois a clas-

se de Mato Grosso do Sul aderiu à paralisação. Os servidores querem um aumento

de R$ 400 reais no valor real do salário, enquanto o governo quer aumentar apenas

R$ 5 reais acrescidos de um abono de R$ 500 reais.

Esta crônica foi uma das primeiras que escrevi para este livro. A ideia surgiu

após ver um pássaro, Bem Te Vi, sobre a caixa de correio lá de casa. O passarinho

cantava alto sua clássica canção, enquanto algumas pessoas passavam na rua, sem

notar que ele estava ali. A estória, narrada em terceira pessoa, descreve a solidão

enfrentada pela caixa de correio com o desaparecimento de seu melhor amigo, o

carteiro.

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Tristeza da caixa de correio

Alguém, por favor, ajuda-me a conter a tristeza de minha caixinha de correio.

Com essa paralisação dos carteiros, ela ficou tão solitária, abandonada no meio de

um muro tão frio e tímido! Apenas alguns moços, que não é sempre, aparecem para

ter um diálogo, trazendo-lhe pizzas, promoções, e até gás de cozinha para que pos-

sa se alimentar.

A cena totalmente deprimente, de longe a observo tão triste, a coitada está

completamente abalada. Ela não entende o sumiço dos amigos que antes apareciam

diariamente para visita-la, trazendo-lhe cartas, embrulhos e revistas. Minha pobre

caixinha de correio... Logo ela que já presenciou tanta alegria, notícias de amigos

distantes, familiares longínquos, fatos felizes e outras nem tanto alegres, como a

morte de meu tio.

Solitária, a caixa de correio fica agora a passar os dias apenas a observar o

movimento rotineiro da rua. Carros, pessoas, cachorro e pássaros, todos sempre a

ignoram, como se ela fosse algo invisível: uma excluída da sociedade. A menina

chora todas as noites, melancólica, o vento é o único amigo que a vem consolar, se-

cando-lhe as gotas que caem de seus olhos como chuva gelada.

Tão angustiado quanto ela, e antes que seja tarde, resolvi tomar uma atitude

para que minha caixinha de correio não tombe no chão em um sono profundo, de-

sistindo literalmente de sua vida. Pendurei, logo abaixo da caixinha triste, um car-

taz com um pedindo: ―Por favor, coloquem aqui as cartinhas, escrevam qualquer

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bobagem, mas coloquem aqui os papéis com suas palavras. Ajudem a caixinha a

ficar alegre novamente‖.

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28 de setembro de 2011

Notícia: Prefeitura confirma que 180 crianças passam mal; 12 estão interna-

das.

Comentário

Numa Escola Municipal de Campo Grande, 180 crianças passaram mal após

comer uma possível alimentação estragada. De acordo com a matéria, os alunos co-

meçaram a sentir dores no estomago e na cabeça por volta das três horas da tarde,

no horário do lanche. Os pais ficaram sabendo por meio dos sites jornalísticos, rá-

dios e de emissoras de televisão que deram a informação de imediato. Em poucos

instantes, a escola foi tomada por bombeiros, médicos e pais preocupados.

Na crônica, entrei na vida de um dos alunos da escola de tempo integral. É ló-

gico que o personagem não existe. A narração, em terceira pessoa, conta como foi o

dia do pequeno Eduardo, desde quando saiu de sua casa até a hora que tudo aconte-

ceu. Para sair um pouco do tema principal, e também para fazer uma critica melhor,

fiz com que Eduardo não estivesse entre os alunos vítimas da comida estragada.

Por ser um garoto esperto, Eduardo prestou atenção na aula anterior ao almo-

ço, que falava sobre o prazo de validade dos alimentos. Quando ele e seu amigo

sentaram-se para comer, percebeu a coloração diferente na salsicha, apontada pelo

jornal como sendo a grande responsável pela tragédia e, por isso, não comeu nada.

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Aula de ciência

Numa manhã típica de Campo Grande, a mãe de Eduardo o enviou para a Es-

cola de Tempo Integral Iracema Maria Vicente, localizada no bairro Rita Vieira, on-

de o menino estuda desde os cinco anos. O pequeno aluno da 2ª série saiu às pres-

sas de sua casa, acompanhado de uma vizinha, que também leva seu filho para a

mesma escola.

A mãe se despediu, alertando-o para não deixar de comer a merenda: — Filho,

não se esqueça de comer o lanche, hein! Já que quer ser forte como seus heróis, tem

que comer bastante! — Disse, beijando o filho e saindo logo em seguida para apa-

nhar o ônibus na outra rua.

Durante a manhã, Eduardo teve aula de ciência, apreendeu que os alimentos

têm prazo de validade e que, quando este prazo é ultrapassado, a comida estraga.

Também apreendeu que quando alguns alimentos estão com uma coloração diferen-

te do normal, significa que não estão apropriados para o consumo, por isso não de-

vem ser comidos.

Após a aula, ao bater do sino, todas as 557 crianças, de 5 a 11 anos, que estu-

dam no colégio, se dirigiram até o refeitório para almoçar. No cardápio, arroz, fei-

jão, salada, farofa com ovo e salsicha, além de banana. Com fome, Eduardo e seu

amiguinho sentaram-se à mesa e, com as cumbucas já recheadas de comida, parti-

ram para a refeição.

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Atento, Eduardo reparou, antes mesmo de comer, na cor diferente da salsicha:

— Essa salsicha está estranha, tá verde! — Disse o menino para seu amigo ao lado,

que acabará de colocar a primeira colher na boca.

Por volta das 15 horas, quando as crianças terminaram de comer o lanche da

tarde, passaram mal. O desespero tomou conta da escola, enquanto os professores

corriam de um lado para outro, os alunos vomitavam, e os outros que não entendi-

am o que se passava ali, apavoraram-se, e berravam com medo do desconhecido.

Não tardou, e os bombeiros chegaram à escola, e ficaram bem assustados com

a cena que viram: parecia filme de terror. Crianças vomitando, outras reclamando

de dor de cabeça e no estômago. Acho que era o sinal tocando e alertando que a di-

reção, as merendeiras e toda a coordenação faltaram não assistiram aulas de ciên-

cia.

Quando soube do que acontecia na escola, a mãe de Eduardo apanhou o pri-

meiro moto táxi que encontrou. Chegando ao campo de guerra, iniciou sua jornada

em busca do amado filho. Enquanto os pais e bombeiros recolhiam os feridos, Edu-

ardo permanecia sentado, tranquilamente, próximo ao pátio da escola. A mãe deu

graças a Deus, o abraçou fortemente, e perguntou se estava tudo bem. Esperto, o

garoto respondeu, olhando para seus colegas enfraquecidos: — Eles não prestaram

atenção a aula, mamãe!

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31 de outubro de 2011

Matéria: Chuva de granizo e ventos de até 75 Km/h na madrugada de ontem

causam estragos

Comentário

Durante os últimos dias, Campo Grande tem sido palco de inúmeras tempesta-

des, o que acaba causando estragos na parte de infraestrutura. Esta matéria retrata

uma dessas fortes pancadas de chuva que desabou sobre a cidade. Os ventos chega-

ram a 78 quilômetros por hora, arrancando árvores, toldos de lojas e até destruindo

ruas.

A forte chuva aconteceu durante a madrugada de domingo. Alguns bairros fi-

caram alagados e boa parte da cidade repleta de sujeira. Para fazer a crônica desta

matéria, criei um personagem, do tipo boêmio, que passa a noite caçando prostitu-

tas nas esquinas e que adora andar nas ruas escuras do centro antigo da cidade.

O texto descritivo, em primeira pessoa, põe em relevo a visão do homem que

não esperava o temporal. Ele consegue ver o começo, o meio e o fim da chuva, re-

latando depois os estragos que encontrou pelo caminho. É uma crônica poética, to-

da cheia de metáforas e algumas rimas.

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Madrugada

Caminhei pelas ruas solitárias da madrugada, buscando em brisas geladas, o

verso para completar o poema da mulher amada. Duas da manhã, o céu perdeu o

brilho, as estrelas sumiram, encobertas por um manto de nuvens rosadas. O primei-

ro sinal de um temporal, logo em seguida o frio. Tudo se foi, levado pela força da

ventania que surgiu.

Os passos ficaram lentos, perderam a força lutando contra o vento. A poeira

virou arma, transformou-se em pequenos cacos de vidro, cortando o que encontrava

pela frente. O silêncio da madrugada interrompido por trovões, ecoando estrondo-

samente por todas as esquinas.

As mesmas esquinas ocupadas por vadias que vendem amor, hoje estão aban-

donadas. Será falta da mercadoria ou apenas a chuva? Nem mesmo os gatos, ani-

mais preferidos dos boêmios, resistiram ao temporal desta noite. Aos poucos, ga-

lhos são vistos estirados no chão, assassinados a sangue frio. Malditos crimes impi-

edosos da madrugada.

O vento aumentava a cada passada. Acolhido num canto, debaixo do toldo de

um comércio de motos, esperei o tempo se acalmar, mas fui traído pela brisa. O for-

te vento de 75 quilômetros levou embora meu casulo, e quando reclamei com o Di-

vino, ele me atirou pedras de gelo.

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Duas e meia da manhã de domingo, ainda perdido no centro da cidade, pro-

curando pelo verso do poema da mulher amada. Presenciei o maníaco matando ár-

vores, o amaldiçoado vento arrancava folhas, parecia estar depenando um franco.

Após a tortura, algumas não resistiam, caíam desmaiadas, falecidas.

Mas quem resiste ao temporal? No outro canto da cidade, uma rua, deserta na

madrugada, sentindo-se desgastada, abandou sua morada fixa e se deixou levar pela

gostosa sensação de liberdade. Desmoronou, criou uma cratera, erosão gigantesca.

Pobres moradores que sofrerão no dia seguinte.

Quarenta e cinco minutos depois a chuva parte, silenciosamente, sem sequer

se despedir. Deixou apenas a lembrança de que esteve por aqui durante a noite. En-

quanto vou seguindo, moradores são vistos retirando a sujeira que entrou em suas

casas, restos de entulho, lama. No dia seguinte, o que se via, era apenas notícia de

jornal, retrato da cidade desolada e um dia de sol.

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5 de outubro de 2011

Matéria: Delegado da Deparc é sequestrado ao levar sogra para o aeroporto

Comentário

O tema desta reportagem é uma reflexão sobre a segurança pública da cidade.

Vale ressaltar que, dias antes, um outra matéria publicada por esse mesmo jornal,

havia anunciado que o comandante geral da Polícia Militar foi ameaçado de morte

por bandidos e policiais corruptos.

Ao contrário das demais crônicas, esta iniciei com um comentário crítico so-

bre o assunto. Logo depois, descrevo como teria sido o momento, partindo desde a

hora em que foi buscar a sogra para levar até o aeroporto e o momento que aconte-

ceu o assalto.

Os tons de ironia desta crônica ficam por conta da sogra. Vítimas de piadas e

mais piadas brasileiras, a sogra postada no título da matéria não passou despercebi-

da e mereceu melhor detalhamento na história.

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Bandidos estragam festa de delegado

Em que mundo vivemos hoje? Ao apanhar o jornal neste sábado, me deparei

com uma notícia assustadora. Um delegado de Polícia Civil havia sido sequestrado

aqui em Campo Grande, durante a madrugada. Algo para se parar e refletir: até que

ponto pode ir a criminalidade?

O delegado da Depac (Delegacia Especializada de Pronto Atendimento Comu-

nitário) do bairro Piratininga, João Reis Belo, levava sua adorável sogra para o ae-

roporto. Ansioso para embarcar a velha num destino longínquo, o delegado não

pensou duas vezes ao dar a carona para a bendita e, assim, poder conferir com seus

próprios olhos a partida.

No horário marcado, três horas da manhã, partiu para a casa da sogra para bus-

cá-la. Ajeitou cuidadosamente as malas no banco de trás do veículo e saíram rumo

ao aeroporto. No caminho, a conversa era rotineira e em clima de despedida. O de-

legado dizia para aproveitar bem a viagem, descansar bastante e não ter pressa em

querer voltar. Enquanto isso, sua cabeça já trabalhava planos futuros e em coisas

que deveria fazer enquanto a sogra estivesse fora.

Por sua vez, a sogra também dava seus conselhos finais. Repetia para cuidar

bem da casa, alimentar o cachorro e, principalmente, proteger a sua filha. O delega-

do concordava com tudo que a velha dizia balançando a cabeça e dizendo que, no

retorno, a sogra encontraria tudo em perfeita ordem.

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No intervalo do diálogo, o carro parou num cruzamento da Avenida Guaicu-

rus, próximo ao Museu José Antonio Pereira. Enquanto estavam distraídos confe-

rindo as passagens, foram surpreendidos por três bandidos armados. Rendidos, o

delegado e sua sogra não tiveram escolha, a não ser obedecer ao que mandavam.

Com a cabeça o tempo todo abaixada, mal puderam ver o rosto dos malfeitores.

Preocupado, o delegado olhou para o relógio de seu pulso tentando ver as horas.

Desanimado, notou que não daria tempo para levar a sogra até o aeroporto e, pro-

vavelmente, ela perderia seu voo e não mais viajaria.

Durante o assalto, o delegado foi alvo do que já fez muito no decorrer de sua

vida policial. Revistado, teve os documentos confiscados pelos bandidos que as-

sim o identificaram como policial civil. Assustados com a revelação, o trio se en-

carou por uns segundos, até ligar para um quarto integrante. Relataram o que a-

conteceu e queriam saber o que fazer, agora que descobriram a identidade da víti-

ma.

Após a conferência dos bandidos, levaram o policial e sua sogra até um mata-

gal, próximo ao Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, que fica no bairro Los

Angeles. O delegado, já mais consciente de que não daria para sua sogra viajar,

permaneceu calado e frio nas mãos dos bandidos. Assim, segundo as orientações

passadas pela própria Polícia Civil, evitam-se agressões e disparos fatais ou mes-

mo mortais. Ele estava preocupado, não queria que sua sogra sofresse uma lesão

ou recebesse um tiro.

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Amarram os dois com um fio e saíram com o veículo, deixando-os sozinhos

no meio do matagal. Já pensando no pior, o delegado se levantou procurando por

ajuda. No entanto, sua amada sogrinha possuía um celular, que não havia sido le-

vado pelos bandidos. Assim, conseguiram pedir ajuda para a Polícia Militar que

imediatamente iniciou buscas pelo automóvel roubado. Encontrando-o logo depois

na casa do quarto integrante, aquele para quem os bandidos ligaram pedindo aju-

da. A quadrilha já está presa.

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02 de novembro de 2011

Matéria: Para garantir cirurgia de paciente, médico ameaça deixar Unimed

Comentário

Assim como a crônica anterior, esta também esbocei o lado critico das crôni-

cas, já havia relatado anteriormente em outra matéria o péssimo atendimento dos

hospitais de Campo Grande, dessa vez, não foi diferente. Uma mulher, após sofrer

um acidente automobilístico, fraturou o tornozelo, tendo uma fratura exposta.

Precisando de uma cirurgia de emergência para não contrair infecção na feri-

da, ela foi encaminhada para a ala particular da Santa Casa onde um ortopedista da

Unimed faria o exame. No entanto, ele se recusou alegando que não ganhava o su-

ficiente para isso. Transtornada, a família então procurou por seus direito enquanto

ela continuava internada com a perna machucada até contrair uma infecção e aca-

bar tendo que amputá-la. Enquanto isso, a empresa Unimed e o médico travavam

uma guerra particular.

Esta crônica é bem mais diferente de todas as outras, não tem uma história

dizendo como foi ou como seria, tem um tom crítico forte, do início ao fim. À se-

melhança com um artigo ou editorial, pode ser notada e até comparada pelos leito-

res. É um texto dissertativo e argumentativo, tratando especificamente do tema

principal da matéria.

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Sobrevivendo à guerra alheia

A situação da saúde pública no Brasil nunca foi das melhores. Nos dias de

hoje, com a super lotação dos hospitais e postos de saúde, a coisa toda parece per-

dida, como uma peça de quebra-cabeça a ser encaixada no desenho errado. A saí-

da, para quem pode pagar, é entrar numa rede de convênio médico, o conhecido

plano de saúde. No entanto, o trem descarrilado da saúde brasileira já atinge até

mesmo a esta estação.

A enfermeira Silma Maciel Bispo, sabida da situação dos hospitais, não pen-

sou duas vezes,: assim que conseguiu um bom trabalho foi atrás de um convênio

médico para ela e toda a família, afinal, nunca se sabe quando se vai precisar de

um médico.

Por ironia do destino, Silma se envolveu num acidente automobilístico, fratu-

rando o tornozelo da perna direita: a pele chegou a rasgar, deixando o ferimento

ainda mais grave. Precisando realizar uma cirurgia de emergência para implantar

um pino, Silma foi levada para o Prontomed, uma ala de atendimento particular de

convênios, que fica na Santa Casa de Campo Grande. Algo normal, já que paga

mensalmente para ser atendida em situações como essas, merecendo todos os cui-

dados aos quais tem direito.

Para sua surpresa, Silma não foi tratada como deveria. O ortopedista da Uni-

med se recusou a fazer a cirurgia, alegando que a empresa médica não paga o sufi-

ciente, comparando o salário do particular com o do Sistema Único de Saúde

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(SUS). Nessa guerra entre empresa e funcionário, a vítima maior foi a Silma. Com

sério risco de sofrer uma infecção na ferida, ela foi encaminhada para outro hospi-

tal, o Proncor, que pertence a Unimed.

Com esperanças de ser atendida, Silma foi novamente surpreendida pelo or-

topedista. Desta vez, ele aceitou fazer a cirurgia, no entanto, só faria após a Uni-

med comprar um pino de melhor qualidade, que custa R$ 500,00. pois segundo o

médico, aquele que o hospital disponibilizou não era apropriado. Estaria o ortope-

dista sendo um cara gentil, preocupado com a paciente, ou aquilo se tratava apenas

de uma vingança particular para fazer a Unimed tirar duzentos reais a mais para

comprar um pino? Foram onze dias de dor, sofrimento e lástima para toda a famí-

lia da enfermeira, até que a Unimed comprou o tal pino e o ortopedista pode final-

mente realizar a cirurgia.

Nesta situação, cabe pensar o que a Unimed teria feito caso Silma deixasse de

pagar o plano médico por onze dias. Provavelmente, cortariam os serviços ofereci-

dos, talvez até colocariam o nome dela no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

É deprimente encarar a realidade da saúde em Campo Grande ou não? E no Bra-

sil?

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06 de novembro de 2011

Matéria: Nenhuma

Comentário

A última crônica não foi feita em cima de matéria alguma, nem baseada em

algum fato polêmico ou triste. É uma crônica descrevendo a falta que faz uma edi-

ção do jornal O Estado de MS no domingo. Como todos sabem, o jornal só é pu-

blicado de segunda a sábado, sem excluir os feriados.

Uma crônica poética, com alguns versos e repleto de metáforas. Posso até ci-

tar aqui que é a minha favorita. Quando comecei a escrever a história pensei que

seria mais fácil, pois não teria limites de informação me travando, no entanto, per-

cebi a dificuldade quando não se tem informação alguma para complementar o as-

sunto.

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Domingo

Os domingos são sempre assim: vazios, apagados, sem ação. O movimento é

tão parado que nem mesmo o jornal, companheiro diário durante toda a semana,

dá as caras por aqui.

E todo domingo acontece a mesma coisa: fico, com a cabeça preocupada,

agoniado, querendo saber o que se passou na cidade durante o sábado. O que o

prefeito fez, as novas leis aprovadas pelos senhores deputados, o nome das vítimas

dos acidentes de trânsito, qual comércio foi roubado. Houve mortes, alguém co-

nhecido? Nada, não sei de nada hoje... É domingo!

A ausência do impresso é sentida até mesmo na mesa do café. O lugar, que

geralmente é ocupado pelo jornal, está livre, desocupado. Não há ninguém para

conversar. O amigo, sempre cheio de novidades, não apareceu para me cumpri-

mentar. Acho que hoje não quer fofocar.

Estranho como o dia demora a passar no domingo. Na televisão não há o que

me agrade, os programas repetidos em todas as emissoras mudam apenas de nome

e de apresentador. O que dizer então das rádios! Prefiro ouvir o silêncio.

Na cidade, garrafas assassinadas durante a madrugada, vítimas da agressivi-

dade desnecessária da juventude. Cacos de vidro, amontoados num canto, próximo

à porta de um bar fechado. Onde estão os peritos, os investigadores para solucio-

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nar o caso e prender quem matou as garrafas de cerveja? Não aparecem, porque

hoje é domingo.

Todos descansam, dormem em suas casas, despreocupados com a vida, pen-

sativos quanto ao dia seguinte, contas para pagar, e o mês ainda não vê a saída pa-

ra o fim. O tempo é o único que trabalha, não no mesmo ritmo, é claro, porque o

relógio parece não querer girar apenas porque hoje é domingo.

Deveria culpar a quem? Talvez Constantino e a sua lei Dominical de 321 d.C.

que estipulou o "venerabilis die solis", ou seja, dia do venerável sol, onde todas as

cortes de justiça, habitantes de cidades e oficinas repousassem no dia do Sol, exce-

ção feita apenas àqueles que estivesses ocupados em trabalho de agricultura.

Calçadas, em sua maioria, limpas, livres das pegadas, sem papéis enfeitando

e escondendo seus buracos provocados pela velhice. Lojas fechadas, ônibus sem

aquele amontoado dos dias comuns, praças solitárias. Incrível, mas não pouparam

nem mesmo o pipoqueiro, o sorveteiro ou o cara que vende churros.

Se domingo fosse uma pessoa, ele seria tão chato, impedindo as pessoas de

trabalhar. No entanto, seria agraciado com uma medalha, pois ele é o único capaz

de fazer a família toda se reunir na casa da avó para almoçar. Coisas de domingo!

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Conclusão

Finalmente, após dois meses de pesquisa, posso olhar para o produto do meu

Trabalho de Conclusão de Curso e dizer que tudo deu certo, ao final. Agora, com

todas as crônicas já escritas, posso deixar a caneta descansar em seu canto, ao lado

da lapiseira azul, dentro do potinho preto. Ela merece uns dias de férias, me a-

guentou incansavelmente por todo esse tempo, não reclamou, não falhou, não cor-

tou minha imaginação deixando de escrever.

Sendo orgulhoso um pouco, posso dizer que tive um desenvolvimento, pois

quando iniciei este trabalho, sequer sabia ao certo o que era uma crônica, muito

menos pensava que fosse produzir um livro. O mundo e suas voltas! Neste instan-

te, penso em quantas coisas estarão acontecendo por aí. O tempo não para nunca.

Agora, são meia noite e quarenta e sete minutos, dia nove de novembro de 2011.

No meu quarto escuro, apenas a luz do notebook. Eu me pergunto o que estará es-

tampado nas capas dos jornais daqui a pouco, amanhã?

Foi assim que minha cabeça ficou durante três meses, tempo dedicado exclu-

sivamente para a produção deste livro, ou Projeto Demo, se preferirem. O jornal

―O Estado de MS‖ vem, para quem é assinante, dentro de um saco plástico com o

logotipo do jornal dobrado em forma de coluna. Eu me sentia como uma criança

abrindo o presente de Natal, desembrulhando o pacote deixado pelo Papai Noel.

Aqui, o moto entregador sequer tem seu nome divulgado.

Quando retirava o jornal de dentro de sua proteção, a ansiedade tomava conta

62

de mim. A expectativa de ler a manchete e estar lá publicada uma notícia inspira-

dora, que gerasse uma história rica em detalhes, era grande, mas isso não aconte-

ceu muito. Foram poucas as vezes que encontrei notícias, como posso dizer, com

enredo disponível para a elaboração de uma grande crônica. Era o que eu achava.

Casos raros, como o dia que o jornal trouxe a matéria sobre a morte da menina pi-

cada por um escorpião, ou da reportagem falando sobre o bebê encontrado numa

caixa de papelão na esquina da Avenida Mascarenhas de Morais, para mim, eram

reveladores: o cotidiano me parecia fraquinho, sem grandes acontecimentos. Hoje,

relendo o que escrevi, vejo o quanto o cotidiano simples pode ser matéria para

grande crônica.

Ao todo, o livro tem dez crônicas, elaboradas por mim, sem uma ordem cro-

nológica que facilite a leitura. Como disse a pouco, o jornal não dava notícias boas

todos os dias. No caso da matéria que falava sobre a lei proibindo a venda de pro-

dutos considerados não saudáveis nas escolas do estado, eu precisei conferir ou-

tros sites para poder entender direito o que estava acontecendo em Campo Grande

após a lei ser aprovada. Não foi uma notícia que me inspirou a transcrever logo no

momento que a li, acompanhado de uma xícara de café, preparada pela dona Ivo-

ne, copeira da Sejusp, onde até então fazia estágio.

As matérias mais antigas, a da greve dos correios e das crianças que passaram

mal na escola após comer comida estragada, foram as únicas que restaram após a

aprovação da pré-banca. As três que crônicas que também estavam na primeira

versão do trabalho foram descartadas após a definição do tema, que é a manchetes

publicadas pelo jornal ―O Estado de MS‖.

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A crônica de domingo foi uma ideia da orientadora, a professora Denise Sam-

paio Ferraz, também conhecida como dona Forever. Numa das orientações, na

sexta-feira, sob o silencio barulhento do pátio da faculdade, ela me disse que eu

podia finalizar falando sobre algo fora do tema, mas que tratasse de refletir a te-

mática do jornal, da notícia e da crônica. Foi então, aí, que abusei do maior ponto

negativo do jornal selecionado como fonte informativa para a criação das crôni-

cas: a edição de domingo.

Como alguns de vocês devem saber, o jornal ―O Estado de MS‖ não faz edi-

ções dominicais, enquanto o seu maior concorrente aqui na capital, o ―Correio do

Estado‖, traz edições diárias, inclusive dominicais. Quem sabe alguém do jornal,

após ler o meu trabalho, resolve mudar, não é mesmo?

O fato é que o cotidiano, com suas aparentes banalidades, é muito instigante.

O mundo não para nunca de rodar e a história/estória das pessoas estão bem aí pa-

ra provocarem o olhar da gente, das pessoas.

Relendo o trabalho, posso observar que há um fio condutor e foi ele quem

conduziu a escrita das histórias/estórias cronísticas aqui relatadas: é a vida, com

todas as suas travessias que se faz presente no cotidiano. Pode-se dizer, como já o

disse Antônio Candido, que a vida ao rés-do-chão é bem bonita e que o trabalho

do jornalista/cronista é o de buscar, num relance, o inusitado das coisas para expô-

las aos olhos do leitor: é ele quem vai reler o mundo e dar-lhe sentido. A gente de-

ve ler o mundo para provocar suas fissuras – novas travessias. É a vida. Por isso,

64

ser cronista é desvelar realidades ocultas no pequeno cotidiano nosso de cada dia.

Amém. Tomara ser um bom cronista e também jornalista. É o que se deseja.

65

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Grande. O estado de MS. 2766. Ed. (22 out. 2011), p. B5.

MARQUES, Humberto. Projeto estende veto a guloseimas em cantinas escolares

para todo o estado. O estado de MS. 2735. Ed. (17 set. 2011), p. A4.

REZENDE. Graziela. Delegado da Deparc é sequestrado ao levar sogra para o

aeroporto. O estado de MS. 2771. Ed. (5 out. 2011). P. B5.

REZENDE, Graziela. Mais médicos vão atender na UPA do Coronel Antonino. O

estado de MS. 2768. Ed. (25 out. 2011), p. B1.

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O presente livro mostra à crônica como uma segunda forma de in-

terpretação da notícia, com o texto mais trabalhado e crítico, onde

o autor pode transcrever as informações da reportagem, sem mu-

dar ou acrescentar fatos, expondo sua opinião sobre o assunto. A

partir de manchetes trazidas pelo jornal O Estado de Mato Grosso

do Sul, elaborou-se uma série de crônicas, construindo histórias

num universo híbrido, entre a literatura e o jornalismo.