projeto de emenda constitucional n°.........., de 2 009

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Osvaldo Antonio de Lima AÇÃO REGRESSIVA DO ESTADO CONTRA O SEU AGENTE CAUSADOR DE DANO Monografia de conclusão da disciplina Responsabilidade Patrimonial do Estado, apresentado ao Curso de Mestrado em Direito, da UNIC – Universidade de Cuiabá e UNESP Universidade Estadual Paulista, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Professor da disciplina: Prof. Dr. José Carlos de Oliveira - UNESP CUIABÁ – MT UNIC – UNIVERSIDADE DE CUIABÁ UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – 1999 –

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PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N°.........., DE 2 009.

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  • Osvaldo Antonio de Lima

    AO REGRESSIVA DO ESTADO CONTRA O SEU AGENTECAUSADOR DE DANO

    Monografia de concluso dadisciplina ResponsabilidadePatrimonial do Estado,apresentado ao Curso deMestrado em Direito, da UNIC Universidade de Cuiab eUNESP UniversidadeEstadual Paulista, comorequisito parcial obtenodo ttulo de Mestre emDireito.

    Professor da disciplina:

    Prof. Dr. Jos Carlos deOliveira - UNESP

    CUIAB MT

    UNIC UNIVERSIDADE DE CUIABUNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    1999

  • 2SUMRIO

    1. Introduo Delimitao do problema a ser abordado .............4

    2. A responsabilidade patrimonial do Estado pelos danoscausados por seus agentes

    2.1.Resumo histrico ..............................................................4

    2.2. A imputao do dano em alguns pases europeus.................7

    2.3. A situao no Brasil ........................................................9

    3. A ao regressiva do Estado contra seu agente causador de dano12

    3.1. O direito de regresso na Constituio e no Cdigo Civil...................................................................................14

    3.2. A figura do causador do dano...................................................................................15

    3.3. A culpa ou dolo como pressupostos da ao de regresso...................................................................................17

    3.4. Os deveres do agente pblico...................................................................................20

    4. A partir de quando possvel o ajuizamento da ao regressiva24

    5. Prescrio da ao de regresso25

    6. Ao direta do lesado contra o agente, litisconsrcio entre elee o Estado, nomeao autoria, denunciao da lide eassistncia .......................................................................27

  • 37. Concluses.......................................................................37

    8. Referncias Bibliogrficas....................................................39

  • 4AO REGRESSIVA DO ESTADO CONTRA SEU AGENTECAUSADOR DE DANO

    1. Introduo Delimitao do problema a ser abordado.

    A Constituio Federal em vigor estabelece no pargrafo 6 doartigo 37 que as pessoas jurdicas de direito pblico e as de direitoprivado prestadoras de servio pblico, respondero pelos danos queseu agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado odireito de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa.(sublinhamos)

    Fica consagrada assim, a nvel constitucional, aresponsabilidade objetiva das pessoas jurdicas de direito pblico (edas de direito privado prestadoras de servios pblicos), vale dizer,seu dever de indenizar os prejuzos decorrentes da atuao de seusagentes, independentemente da demonstrao de culpa destes, eassegurado o direito de regresso contra o responsvel, nos casos dedolo ou culpa.

    Neste trabalho abordamos alguns aspectos relativos aoregressiva do Estado contra o seu agente, por prejuzos decorrentesda atuao deste, os quais tenha a entidade sido condenada aindenizar.

    Considerando que Unio, Estados, Distrito Federal eMunicpios so autnomos (artigo 18 da Constituio Federal), e dada multiplicidade de normas acerca do tema, sero aqui consideradassomente aquelas aplicveis aos agentes da Unio.

    De outra parte, sabe-se que h responsabilidade estatal nos pelos atos dos seus agentes que gerem danos, como tambmpelas omisses daqueles que tendo deixado de agir quandodeveriam faz-lo, no evitaram ou afastaram as situaes geradorasdos prejuzos. Sem embargo, aludiremos s aes dos agentesestatais, entendendo-se nelas abrangidas as omisses propiciadorasde danos, antes referidas.

    2. A responsabilidade patrimonial do Estado pelos danoscausados por seus agentes

    2.1. Resumo histrico

  • 5A responsabilidade do Estado pelos danos causados por seusagentes a terceiros sofreu formidvel evoluo, podendo-se observarque essa evoluo um aspecto da transformao do prprio Estado,das idias acerca da sua concepo e de suas funes, bem como dasua submisso s regras de direito, e do seu relacionamento comaqueles que esto sujeitos sua autoridade.

    Carmen Lcia Antunes Rocha assevera que encarado sob aperspectiva democrtica seu ideal e justificativa o Estadocontemporneo repensado e tem o seu Direito revisto e refeito sobo binmio participao e responsabilidade da sociedade e da prpriaentidade estatal. Assim, para ela a responsabilidade a marcafundamental do Estado contemporneo e traduz o sinal decoerncia interna da proposta democrtica na convivncia poltica,no havendo de se cogitar de verdadeiro Estado Democrtico deDireito sem que no seu sistema jurdico esteja presente e efetivo oprincpio da responsabilidade estatal.1

    A responsabilidade patrimonial do Estado pelos danoscausados por seus agentes, no dizer de Celso Antnio Bandeira deMello um consectrio natural da prpria noo de Estado deDireito2, e para Juary C. Silva, um subproduto do constitucionalismoeuropeu continental e da concepo jurdico-liberal do Estado, queaps a Revoluo Francesa suplantou os modelos absolutistas naEuropa.3

    Quanto mais se agiganta o Estado e se multiplicam suas aesna busca de atender s sempre crescentes demandas da sociedade,mais ele estar sujeito a vulnerar interesses privados, exigindoreparao em obedincia aos princpios de justia, reclamadores daequnime participao da sociedade pelos encargos decorrentes daatuao estatal.

    Historicamente, contudo, nota-se que nem sempre foi assim,vale dizer: nem sempre os sistemas jurdicos reconheceram aresponsabilidade estatal pelos danos decorrentes de comportamentosde seus agentes.

    Sob os governos absolutistas no se reconhecia aresponsabilidade estatal, traduzindo-se suas idias atravs damxima inglesa The King can do no wrong, ou pela sua versofrancesa Le roi ne peut mal faire.

    1 ROCHA, 1991. Pg. 79-81.2 MELLO, 1999. Pg. 659.3 SILVA, J. C., 1985. Pg. 75.

  • 6A idia da infalibilidade e irresponsabilidade do soberano quepersonificava o prprio Estado (Ltat cest moi) era estendida aosseus representantes, que, em alguns casos, agiam por delegaodele. Nas raras hipteses em que se reconhecia alguma pretenso indenizao pelos prejuzos sofridos pelos particulares, elas decorriamno somente do contedo de ilegalidade do ato, mas principalmentedo interesse do Estado absolutista em ver ressarcidos aquelesprejuzos, como emanao de sua benignidade e zelo para com seussditos, decorrente, portanto, mais de um ato de liberalidade sua quedo cumprimento de um dever, muito menos de legtimo deverjurdico.4

    Assim, da evidente injustia decorrente da teoria regaliana,passou-se a admitir a responsabilizao do funcionrio, dorepresentante do monarca (e do Estado) pelos prejuzos que suaatuao pessoal diretamente causasse aos particulares.

    Conquanto tenha representado um avano, a utilizao dosprincpios civilsticos, baseados na teoria da culpa civil, para fins deassegurar ao particular a indenizao pelos prejuzos causados porcomportamentos dos agentes estatais, afigurou-se uma soluoinsatisfatria, diante das dificuldades na identificao do agente e naindividualizao da conduta lesiva, necessrios para se chegar responsabilizao do causador do dano e possibilitar ao particular aobteno da indenizao pelos prejuzos sofridos.

    Alm disso, ainda que ultrapassadas aquelas dificuldades,poderia o patrimnio do agente pblico ser insuficiente pararesponder pela reparao, hiptese em que tambm restariafrustrada a pretenso indenizatria do particular lesado, ainda quelograsse obter um pronunciamento reconhecendo-lhe o direito indenizao dos prejuzos.

    O reconhecimento da responsabilidade do Estado pelos atoslesivos de seus agentes primeiramente comeou a ser reconhecidocom base em conceitos puramente privatsticos. Conforme anotaJuary C. Silva, admitido que o Direito Civil fosse o Direito comum,deduziu-se que seus princpios seriam aplicveis tambm s pessoasjurdicas de Direito Pblico, salvo se derrogadas por normassingulares. Assim, os princpios de Direito Civil que atribuam aopatro, amo ou comitente a responsabilidade pelos atos ilcitospraticados por seus empregados e prepostos, igualmente deveriamser aplicados para fins de responsabilizao do Estado. O artigo 15,

    4 SILVA, J. C., 1985. Pg. 75-76.

  • 7do Cdigo Civil Brasileiro, adotou mencionada soluo, e representounotvel avano doutrinrio no concernente s idias dominantes napoca, quando o Direito Administrativo era embrionrio.5

    A situao reconhecida pela doutrina como marco inicial damudana do conceito de responsabilizao do Estado, sobre cujamatria dever-se-iam observar regras diversas daquelas adotadaspelo Direito Civil, foi o julgamento do clebre Caso Blanco, de 1873:tendo a menor Agns Blanco sido colhida em Bordeaux por umvagonete da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo, seu paimoveu uma ao civil de indenizao perante a Justia comum contraa Prefeitura do Departamento da Gironda, sob o argumento de que,ao abrigo do que disposto no Cdigo Civil francs, o Estado eracivilmente responsvel pelos prejuzos que seus agentes causassem aterceiros.

    Foi levantado conflito de jurisdio porque na Frana aAdministrao subtrada jurisdio comum em face do sistema docontencioso administrativo. No Tribunal de Conflitos, atravs dovoto do Conselheiro David, ficou reconhecido que a responsabilidadedo Estado pelos danos causados aos particulares pelas pessoas queele emprega no servio pblico rege-se por normas especiais quevariam conforme as necessidades do servio e o equilbrio entre osinteresses do Estado e os dos particulares, e no pelas regras doDireito Civil, destinado disciplinar as relaes jurdicas entre osparticulares.

    Tambm no ano de 1873 o mesmo Tribunal de Conflitos nocaso Pelletier reafirmou o princpio sob outro ngulo, proclamandoque na hiptese a responsabilidade do Estado, e no pessoal doagente.6

    O caso Blanco, afirma Juary C. Silva, no representa aafirmao da responsabilidade do Estado pelos atos lesivos de seusagentes, a qual resultava das idias do constitucionalismo europeu eda separao dos poderes proclamada pela Revoluo Francesa, maso reconhecimento prtico dos efeitos daquele princpio.7

    2.2. A imputao do dano em alguns pases europeus

    5 SILVA, J. C., 1985. Pg. 77.6 CRETELLA JNIOR, apud SILVA, J. C., 1985. Pg. 78-79.7 Op. cit., pg. 79.

  • 8Acerca da imputao do dano causado ao particular pelos atospraticados pelos agentes do Poder Pblico, Lus Barbosa Rodriguesapresenta um panorama existente em vrios pases da Europa.Segundo ele, na Espanha, ressalvadas as situaes em que se estejaem presena de factos pessoais do funcionrio, apenas serdemandada a Administrao, cabendo a ela direito de regresso sobreo funcionrio ou agente culpado nos casos em que haja dolo ounegligncia grave.

    Na Alemanha responde somente a Administrao, previsto,contudo, o direito de regresso, nos casos em que exista dolo ounotria temeridade no comportamento do funcionrio.

    Na Frana, anota o autor que:...o funcionrio ou agente responde ele prprio noscasos (cada vez mais reduzidos) de culpa pessoal,isto , praticados fora do exerccio das funes ouno por causa delas, com dolo ou inteno deprejudicar ou ainda com culpa grave. Em todas asoutras situaes verificveis, ou seja quando existanegligncia ou erro do titular por culpa de servio,ou no caso de se verificar concorrncia de culpas(pessoal e de servio), a resposta dada pelaAdministrao. Nesta ltima hiptese tem todavialugar direito de regresso de exerccio raro naproporo judicialmente graduada das culpasexistentes.

    Assevera que na Itlia a redao equvoca do preceitoconstitucional torna a situao complexa e controversa. Aresponsabilidade, em princpio direta da Administrao, admiteexcees que no preceito constitucional no se assumemexplicitamente.

    A jurisprudncia, algo conflitante, considera excluda ourestringida a responsabilidade do ente pblico nos casos em que arelao orgnica se rompe dolo ou culpa grave do funcionrio, comno prossecuo das atribuies do rgo.... Assim, quando aao deixa de se configurar como produzida pelo ente pblico, aresponsabilidade ser imputvel na ntegra ao funcionrio. No casodos agentes, a Administrao poder responder solidariamente comeles, nos termos do Cdigo Civil.

    No Reino Unido, h diferenciao quando se tratar da Coroa oudas coletividades locais. Estas, desde 1866, so imputveis, srespondendo os seus funcionrios em exclusivo por atos no

  • 9praticados de boa f, em que no haja sido feito um uso razovel dospoderes ou respeitado o dever de cuidado.

    No caso da Coroa, esta poder ser demandada solidariamentequando se tratar de funcionrios nomeados por ela prpria. Em setratando de outros agentes, estes sero demandados pessoalmente,sem que a Coroa intervenha.8

    2.3. A situao no Brasil

    poca do Brasil Colnia, adotada a teoria regaliana, eramirresponsveis o Estado e o Soberano. Ante a situao de extremainjustia, a doutrina da irresponsabilidade aos poucos foi desprezadapelos legisladores.

    A Constituio Poltica do Imprio do Brasil, de 1824,estabelecia no artigo 179, inciso 29:

    Os empregados pblicos so estritamenteresponsveis pelos abusos e omisses praticados noexerccio de suas funes, e por no fazeremefetivamente responsveis aos seus subalternos.9

    Tal regra, contudo, no se aplicava ao Imperador, cujos atosgozavam de irresponsabilidade conforme artigo 99 daquelaConstituio.

    A Constituio Republicana de 1891, em seu artigo 82,dispunha:

    Os funcionrios pblicos so estritamenteresponsveis pelos abusos e omisses em queincorrerem no exerccio de seus cargos, assim comopela indulgncia ou negligncia em noresponsabilizarem efetivamente aos seussubalternos.10

    previa a responsabilidade dos funcionrios pblicos pelos abusos eomisses praticados no desempenho de suas atribuies ou quandofossem indulgentes com seus subalternos. Em acrscimo,estabeleceu a responsabilidade solidria do Estado no dever dereparar o dano.

    8Cinco Estados das Comunidades Europias, in QUADROS, 1995. Pg. 242-245.9 CRETELLA JNIOR, 1992. Pg. 2285.10 Ibidem.

  • 10

    Firmando a responsabilidade do Estado pelos prejuzoscausados por seus agentes, a Lei Federal n 211, de 20 de novembrode 1894, no 10 do artigo 13, estabelecia a competncia do PoderJudicirio para julgar as causas provenientes de compensaes,reivindicaes, indenizaes de prejuzos ou quaisquer outraspropostas pelo governo da Unio contra particulares e vice-versa.Alcino de Paula Salazar, citado por Cretella Jnior, assevera que entrens esse foi o primeiro dispositivo estabelecendo a responsabilidadecivil do Estado por atos lesivos de seus representantes.11

    O Cdigo Civil brasileiro Lei n 3.071 de 1 de janeiro de1.916 em seu artigo 15 consagrou orientao de carter puramentesubjetivo, ao estabelecer a responsabilidade civil das pessoasjurdicas de direito pblico:

    As pessoas jurdicas de direito pblico socivilmente responsveis pelos por atos dos seusrepresentantes que nessa qualidade causem danosa terceiros, procedendo de modo contrrio ao direitoou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direitoregressivo contra os causadores do dano.

    A Constituio Federal de 1934 previa em seu art igo 171:Os funcionrios pblicos so responsveissolidariamente com a Fazenda nacional, estadual oumunicipal, por quaisquer prejuzos decorrentes denegligncia, omisso ou abuso no exerccio dos seuscargos.

    1. Na ao proposta contra a Fazenda pblica, efundada em leso praticada por funcionrio, esteser sempre citado como litisconsorte.

    2. Executada a ao contra a Fazenda, estapromover execuo contra o funcionrio culpado.12

    A Carta Magna de 10 de novembro de 1937 repetiu no seuartigo 158 o artigo 171 da anterior, excluindo apenas os pargrafosrelativos citao como litisconsorte do funcionrio culpado e aexecuo regressiva contra ele.

    11Apud OLIVEIRA, 1995. Pg. 22.12 CRETELLA JNIOR, 1992. Pg. 2.285.

  • 11

    A Constituio Federal de 18 de setembro de 1946 pelaprimeira vez consagrou em termos objetivos a responsabilidade doEstado, ao dispor em seu artigo 194:

    As pessoas jurdicas de direito pblico interno socivilmente responsveis pelos danos que os seusfuncionrios, nessa qualidade, causem a terceiros.Pargrafo nico. Caber-lhes- ao regressivacontra os funcionrios causadores do dano, quandotiver havido culpa destes.

    Estava, assim, configurada a responsabilidade do Estado emtermos objetivos, fundada em dispositivo constitucional,desobrigando-se o particular lesado da prova da existncia de culpa,sendo esta exigida somente para estabelecer o direito de regressocontra o agente pblico.13

    O Texto Constitucional de 1967 manteve a responsabilidadeobjetiva do Estado, dispondo em seu artigo 105:

    As pessoas jurdicas de direito pblico respondempelos danos que os seus funcionrios, nessaqualidade, causem a terceiros. Pargrafo nico.Caber ao regressiva contra o funcionrioresponsvel, nos casos de culpa ou dolo.

    Com a Emenda Constitucional n 1, de 1969, a regra passoupara o artigo 107, mantida a mesma idia, e alterando-seunicamente o tempo verbal contido no caput do dispositivo.

    Pontes de Miranda, citado por Jos Carlos de Oliveira,doutrinava que a mencionada regra, desde a Constituio de 1946,

    ...adotava o princpio da responsabilidade em aoregressiva, e no havia litisconsrcio necessrio,nem solidariedade, nem extenso subjetiva daeficcia executiva da sentena contra a FazendaNacional, Estadual ou Municipal, ou outra pessoajurdica de direito pblico, havia to-somente odireito de regresso.14

    A Constituio Federal de 5 de outubro de 1988 alargou oconceito, em seu artigo 37, pargrafo 6:

    As pessoas jurdicas de direito pblico e as dedireito privado prestadoras de servios pblicosrespondero pelos danos que seus agentes, nessa

    13 OLIVEIRA, 1995. Pg. 21-24.14 OLIVEIRA, 1995. Pg. 24.

  • 12

    qualidade, causarem a terceiros, assegurado odireito de regresso contra o responsvel nos casosde dolo ou culpa.

    Assim, o texto constitucional estendeu a responsabilidadeobjetiva nos mesmos moldes j previstos para as pessoas jurdicas dedireito pblico, tambm para as de direito privado prestadoras deservios pblicos.

    Destarte, as mencionadas pessoas jurdicas responderosempre pelos danos, uma vez que se estabelea o nexo decausalidade entre o prejuzo sofrido e o ato de seus agentes.

    Maria Sylvia Zanella di Pietro, leciona que o dano, para ensejara indenizao pelo Estado, dever ser causado por agente estatal, oque abrange todas as categorias, de agentes polticos,administrativos ou particulares em colaborao com a Administrao,sem interessar o ttulo sob o qual prestam o servio.15

    Jos Carlos de Oliveira anota que a pessoa jurdica de direitopblico responde sempre perante a vtima, independentemente daculpa do servidor, ressalvando, contudo, que h causas excludentesda responsabilidade do Poder Pblico16. Tais excludentes so aculpa exclusiva da vtima, e a fora maior.

    3. A ao regressiva do Estado contra seu agente causadorde dano

    Acerca do direito de regresso ou direito regressivo, CretellaJnior pontifica que ele

    ...o poder-dever que tem o Estado de exigir dofuncionrio pblico, causador de dano ao particular,a repetio da quantia que a Fazenda Pblica tevede adiantar vtima de ao ou omisso, decorrentedo mau funcionamento do servio pblico, por doloou culpa do agente.17

    Jos dos Santos Carvalho Filho preleciona que direito deregresso o assegurado ao Estado no sentido de dirigir umapretenso indenizatria contra o agente responsvel pelo dano,quando tenha este agido com culpa ou dolo...18 e Diogenes 15 DI PIETRO, 1999. Pg. 424.16 OLIVEIRA, 1995. Pg. 25.17 CRETELLA JNIOR, 1992. Pg. 2352.18 CARVALHO FILHO, 1999. Pg. 382.

  • 13

    Gasparini anota que a ao de regresso, autorizada pelo artigo 37, 6, da Constituio Federal, somente tem cabida quando aAdministrao Pblica for condenada a reparar o dano e promoverefetivamente o pagamento da indenizao, e o agente causadordireto do dano agiu com dolo ou culpa.19

    Carmen Lcia Antunes Rocha afirma que o princpio doregresso contra o agente causador de dano quando tenha havido doloou culpa,

    ...atenta para o direito da sociedade ao EstadoMoral, tica no exerccio das funes pblicas.Assim, se de um lado no se pode deixar aodesabrigo os direitos maculados dos particulares porum comportamento imputvel ao Estado, tambm exato que a sociedade no deve arcar com os nusdecorrentes de condutas equivocadas dos agentespblicos.

    A autora prossegue ressaltando que apesar de no havermeno expressa obrigatoriedade do exerccio do direito deregresso, esta se constitui por fora do seu prprio fundamentojurdico e da sua natureza, e que sequer seria de se imaginar ...que,num sistema constitucional que adotasse o princpio da moralidadepblica, pudesse ficar ao arbtrio do agente pblico competente aeleio sobre o exerccio do regresso, que um direito da sociedade.20

    Igualmente Celso Ribeiro Bastos evidencia que os PoderesPblicos ...tm o dever de mover essa ao de regresso emhavendo indcios de culpa ou dolo. Ressalta que se isso no ocorre... um caso de ilegalidade administrativa a ser combatido pelosmeios normais de controle da Administrao.21

    Com efeito, se os reclames da justia justificam aresponsabilidade objetiva do Estado, a ao regressiva contra o seuagente (nos casos de dolo ou culpa) fundamenta-se no princpio deque todos devem arcar com os prejuzos advindos de suas aesilcitas, mormente quando tais prejuzos, em ltima anlise, tenhamsido sofridos pela coletividade (condenada a indenizar os danoscausados pelo servidor).

    19 GASPARINI, 1995. Pg. 594.20 ROCHA, 1991. Pg. 112.21 BASTOS, 1992. Pg. 182.

  • 14

    Demais disso, os princpios da indisponibilidade dos benspblicos, e o da moralidade da administrativa, no permitem possaficar ao alvedrio do administrador pblico a possibilidade da escolhaentre acionar ou no o agente responsvel pelo dano causado aterceiro, cuja reparao tenha sido realizada s custas do errio.

    certo que o regresso s poder ser exercido uma vezconfigurada a culpa ou dolo do agente na causao daqueles danos.

    Contudo, entendemos que incumbe autoridade competente,to logo tenha cincia do evento danoso, diligenciar no sentido deapurar devidamente os fatos (mediante processo administrativo,obedecido o princpio da ampla defesa), promovendo aresponsabilizao dos envolvidos, que como se sabe, em se tratandode agentes pblicos, pode configurar-se na esfera administrativa,penal e civil. Comprovada esta ltima, dever indeclinvel doadministrador pblico promover a ao de regresso to logoimplementadas as condies necessrias para tanto, cuja omissoacarreta sua responsabilizao funcional.

    O regra no recente, conforme se observa da notamencionada por Arajo Castro:

    Dispunha o decreto legislativo n. 2.945, de 9 dejaneiro de 1915: Sempre que a Unio frcondenada, por sentena judiciria, a pagamentosresultantes de leses de direitos individuais oministro da Fazenda, na mesma ocasio em queordenar o pagamento, enviar autoridadecompetente os papeis respectivos, afim de serproposta pelo representante da Fazenda Nacional aao regressiva contra a autoridade que deu causa condenao. Incorrero nas penas do crime deprevaricao (Cdigo Penal, art. 207) o ministro queno fizer a remessa dos papeis e o representante daFazenda que, dentro de trinta dias, no propuser aao respectiva, modificando assim o art. 13, 14,da lei n. 221 de 1894.22

    3.1. O direito de regresso na Constituio e no Cdigo Civil

    Evidentemente que as questes acerca do direito de regressocontra o agente causador de dano a terceiro, somente passaram adespertar interesse a partir do momento que comeou a ser admitida

    22 CASTRO, 1938. Pg. 351.

  • 15

    a responsabilidade da pessoa jurdica em nome da qual atuou aqueleagente. Com efeito, no se cogitava do tema ao tempo em que nose admitia a responsabilidade pelos danos causados pelosrepresentantes do Estado, ou ela recaa apenas sobre o agente, nicoa ser demandado pelo prejudicado.

    O Cdigo Civil brasileiro Lei n 3.071 de 1 de janeiro de1.916 consagrava a responsabilidade estatal em termos puramentesubjetivos, ou seja: exigia do lesado, para reconhecer aresponsabilidade da pessoa jurdica de direito pblico, a comprovaode que seu representante tivesse agido de modo contrrio aodireito ou faltando com dever prescrito em lei.

    Contudo, j deixava claro, atravs de dispositivo expresso, odireito de regresso contra o causador do dano.23

    No Brasil, a responsabilidade do Estado pelos danos causadospor seus agentes a terceiros foi estabelecida em termos objetivos, anvel constitucional, a partir da Carta Poltica de 1946, atravs do seuartigo 194,24 tendo as que lhe sucederam mantido a regra.25

    Juntamente com o estabelecimento da responsabilidadeobjetiva estatal, a regra constitucional tambm consagrou de formaexpressa o direito de regresso contra o causador do dano, no caso deexistir culpa deste (a partir da Carta de 1967, a regra passa a aludirtambm ao dolo).

    3.2. A figura do causador do dano

    23 CDIGO CIVIL (Lei n 3.071, de 1 de janeiro de 1.916): Art. 15 As pessoas jurdicas de direitopblico so civilmente responsveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos aterceiros, procedendo de modo contrrio ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direitoregressivo contra os causadores do dano.24 CONSTITUIO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 1946: Art. 194. As pessoas jurdicasde direito pblico interno so civilmente responsveis pelos danos que os seus funcionrios, nessaqualidade, causem a terceiros. Pargrafo nico. Caber-lhes- ao regressiva contra os funcionrioscausadores do dano, quanto tiver havido culpa destes.25 CONSTITUIO DO BRASIL, DE 1967: Art. 105. As pessoas jurdicas de direito pblicorespondem pelos danos que os seus funcionrios, nessa qualidade, causem a terceiros. Pargrafo nico.Caber ao regressiva contra o funcionrio responsvel, nos casos de culpa ou dolo. EMENDA CONSTITUCIONAL N 1, DE 1969: Art. 107. As pessoas jurdicas de direito pblicorespondero pelos danos que os seus funcionrios, nessa qualidade, causarem a terceiros. Pargrafonico. Caber ao regressiva contra o funcionrio responsvel, nos casos de culpa ou dolo. CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, DE 1988: Art. 37, 6. As pessoasjurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos, respondero pelosdanos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra oresponsvel nos casos de dolo ou culpa.

  • 16

    Interessante notar que os textos constitucionais de 1946,1967 e 1969 aludiam a danos causados por funcionrios, podendocausar alguma dvida a identificao das pessoas que estariamabrangidas no conceito, para fins de restar configurada aresponsabilidade estatal pelos danos causados a terceiros.

    Ainda que o texto constitucional pudesse dar margem aalguma hesitao, a legislao infraconstitucional foi mais clara, comose denota da Lei n 4.619, de 28 de abril de 1965, cuja ementa relataque o diploma Dispe sobre a ao regressiva da Unio contra seusAgentes (o sublinhado no do original).26

    Segundo ela, considera-se funcionrio, para os efeitos destalei, qualquer pessoa investida em funo pblica, na esferaAdministrativa, seja qual for a forma de investidura ou a natureza dafuno (art. 1, pargrafo nico).

    O dispositivo constitucional em vigor (art. 37, 6) alude aagentes das pessoas jurdicas de direito pblico e de direito privadoprestadoras de servios pblicos. Assim, se ainda pudessem pairarquaisquer dvidas, foram elas dissipadas, pois o termo empregado abrangente, como leciona Bandeira de Mello: Quem quer que

    26 LEI N 4.619, DE 28 DE ABRIL DE 1965.

    Dispe sobre a ao regressiva da Unio contra seus Agentes.O Presidente da RepblicaFao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:Art. 1. Os Procuradores da Repblica so obrigados a propor as competentes aes regressivas contra

    os funcionrios de qualquer categoria declarados culpados por haverem causado a terceiros leses dedireito que a Fazenda Nacional seja condenada judicialmente a reparar.

    Pargrafo nico. Considera-se funcionrio, para os efeitos desta lei, qualquer pessoa investida emfuno pblica, na esfera Administrativa, seja qual for a forma de investidura ou a natureza da funo.

    Art. 2. O prazo para ajuizamento da ao regressiva ser de sessenta dias a partir da data em quetransitar em julgado a condenao imposta Fazenda.

    Art. 3. A no-obedincia, por ao ou omisso, ao disposto nesta lei, apurada em processo regular,constitui falta de exao no cumprimento do dever.

    Art. 4. A competncia para iniciar a ao regressiva cabe ao Procurador lotado no Estado em que hajaocorrido o processo judicial cuja deciso contra a Fazenda haja transitado em julgado.

    1. No Distrito Federal e nos Estados em que funcionem mais de um Procurador, a obrigao cabeao que tenha funcionado no feito de que tenha resultado a condenao da Fazenda. E se mais de umhouver funcionado, qualquer deles ter competncia para propor a conseqente ao regressiva contra ofuncionrio ou pessoa investida em funo pblica, incorrendo todos na mesma falta, se nenhum delesintentar a referida ao.

    2. Ocorrendo a falta coletiva prevista no 1 deste artigo, o Procurador-Geral designar um dosProcuradores para propor imediatamente a ao regressiva.

    Art. 5. A cessao, por qualquer forma, do exerccio da funo pblica, no exclui o funcionrio, oupessoa nela investida, da responsabilidade perante a Fazenda.

    Art. 6. A liquidao do que for devido pelo funcionrio estvel Fazenda Nacional poder ser feitamediata desconto em folha de pagamento, o qual no exceder de uma quinta parte da importncia de seuvencimento ou remunerao.

    Art. 7. Esta lei entrar em vigor na data de sua publicao, revogadas as disposies em contrrio.

  • 17

    desempenha funes estatais, enquanto as exercita, um agentepblico.27

    Diogenes Gasparini define agentes pblicos como todas aspessoas, fsicas ou jurdicas, que sob qualquer liame jurdico ealgumas vezes sem ele prestam servios Administrao Pblica ourealizam atividades que esto sob sua responsabilidade.28

    De qualquer modo, quaisquer discusses acerca do conceitono caso concreto isto : se o causador do dano agente pblico ouno evidentemente sero travadas e solucionadas previamente, aotempo do estabelecimento da responsabilidade do Estado pelos danossofridos pelo lesado. Um vez identificada esta e proclamada nasituao concreta, esvaziada estar a discusso quando vier a serajuizada, pelo ente estatal, a ao regressiva contra seu agenteresponsvel pelos danos.

    3.3. A culpa ou dolo como pressupostos da ao deregresso

    Como j assinalado, se por um lado, de acordo com nossosistema, a responsabilidade estatal pelos danos causados por seusagentes estabelecida sob critrios de responsabilidade objetiva(independentemente da demonstrao da culpa do agente), a soluo diversa quando se tratar da recomposio dos prejuzos sofridospelo do Estado decorrentes daquela indenizao, buscando-se arecomposio do errio atravs de ao regressiva contra o agenteresponsvel.

    Com efeito, desde a Constituio de 1967, o direito deregresso previsto no Texto Supremo alude s hipteses de dolo ouculpa do responsvel.

    Assim, a responsabilidade do causador do dano em indenizarregressivamente o ente estatal, em nome do qual agiu, causandoprejuzo a terceiros, est assentada em critrios subjetivos, valedizer: imprescindvel a comprovao de dolo ou culpa, a eleimputvel, para que possa restar caracterizado seu dever pelarecomposio regressiva do prejuzo sofrido.

    Hely Lopes Meirelles, em sucintas palavras, resume adiferenciao apontada afirmando que enquanto para a

    27 MELLO, 1999. Pg. 175.28 GASPARINI, 1995. Pg. 39.

  • 18

    Administrao a responsabilidade independe da culpa, para oservidor a responsabilidade depende da culpa: aquela objetiva,esta subjetiva e se apura pelos critrios gerais do Cdigo Civil.29

    Analisando-se a questo acerca da responsabilidade civil, RuiStoco cita lio de Slvio Rodrigues, para quem o princpio informadorde toda a teoria da responsabilidade aquele que impe a quemcausa dano o dever de reparar. Serpa Lopes, mencionado pelomesmo autor, anota que a responsabilidade civil significa o dever dereparar o prejuzo.30

    O mesmo Stoco ressalta a figura da ilicitude do ato danosocomo fato gerador de responsabilidade civil, ao asseverar que daprtica do ato ilcito decorre a responsabilidade do agente.31

    Portanto, os traos caractersticos do nascimento da obrigaode reparar os prejuzos causados a outrem no plano daresponsabilidade civil extracontratual, firmada sob critriossubjetivos, repita-se a existncia de ao ou omisso, imputvelao sujeito em foco, que possa ser qualificada como ilcita, vale dizer:contrria s regras de conduta que o agente estava obrigado aobservar.

    Com efeito, na origem dessa figura est a noo de desvio deconduta. Ou seja: a teoria da responsabilidade civil foi edificada paraalcanar as aes praticadas em contrrio ao direito (tomado nosentido de directus ou rectus, isto , reto, em linha reta.)32

    Para fundamentar o direito de regresso do ente estatal contraseu agente, vrios podem ser lembrados: primeiramente o princpiogeral de direito que todo aquele que causa dano a outrem obrigadoa repar-lo. Na Constituio Federal, a parte final do pargrafo 6,do artigo 37. Na legislao infraconstitucional, h o artigo 159, doCdigo Civil33 a positivar o princpio mencionado, e o artigo 15 aestabelecer expressamente o direito de regresso.

    Acerca da imprescindibilidade do carter de ilicitude do atodo servidor, para a ensejar seu dever de responder regressivamente,

    29 MEIRELLES, 1999. Pg. 594.30 STOCO, 1997. Pg. 50.31 Op. cit, pg. 49.32 STOCO, 1997. Pg. 53.33 CDIGO CIVIL (Lei n 3.071, de 1/01/1916): Art. 159. Aquele que, por ao ou omisso voluntria,negligncia, ou imprudncia, violar direito, ou causar prejuzo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.A verificao da culpa e a avaliao da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Cdigo, arts.1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.

  • 19

    a leitura do artigo 121, da Lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1.990(Estatuto dos Servidores Pblicos Civis da Unio, das autarquias edas fundaes pblicas federais), no deixa dvidas, ao dispor que Oservidor responde civil, penal e administrativamente pelo exerccioirregular de suas atribuies. (sublinhamos)

    Por outro lado, vale ressaltar que o mencionado artigo 159 doCdigo Civil alude a ao ou omisso voluntria, restandoinequvoca a concluso de que no tendo sido a ao ou omissolesiva do agente estatal determinada pela sua prpria vontade, notendo podido ele prprio dispor acerca de sua maneira de agir, ou daoportunidade para atuar, no h que lhe ser imputado dever deregresso em favor da entidade estatal.

    Exemplificando: imagine-se a situao em que um funcionriode hospital pblico tenha feito transfuso de sangue, inadivel eimprescindvel em paciente sob iminente risco de vida, o qual veio aser contaminado por molstia transmitida atravs do sangueinfectado, no submetido aos testes de rotina para a verificao dasanidade do produto. Considere-se que o teste no tenha ocorridoporque o departamento competente (diverso daquele a que pertenceo funcionrio que fez a transfuso) no dispunha de recursos para aaquisio dos necessrios reagentes. Nesse exemplo, apesar dacontaminao haver ocorrido pela transfuso de sangue no testado,o funcionrio que a fez para afastar o risco de vida iminente, no eraincumbido da realizao dos testes de sanidade (a cargo de outrosetor do hospital), alm do que, no fazendo a transfuso, poder-lhe-ia ser imputada omisso de socorro! Por esses motivos, a nosso ver,no lhe pode ser atribuda a responsabilidade pela indenizaoregressiva ao hospital, condenado em ao de reparao de danospromovida pelo paciente.

    De igual modo, ao motorista de viatura pblica, que noobedecendo ao sinal de parada obrigatria, tenha invadido via detrfego preferencial e abalroado veculo particular, no pode serimputado o dever de recompor o prejuzo em ao de regresso, serestar comprovado que o fato ocorreu por falha no sistema de freiosda viatura e manuteno deficiente, da competncia do funcionriochefe do setor de transportes do rgo respectivo, que no aquelemotorista. A causa ltima do evento danoso falta de manutenoda viatura no pode ser imputada ao motorista, motivo pelo qualcontra ele no caber ao regressiva para a entidade estatal reaveros valores pagos ao particular lesado pelo acidente automobilstico.

  • 20

    O mencionado artigo 159 do Cdigo Civil no alude aimpercia, podendo-se, entretanto, considerar que ela estejaabrangida pelo termo ao voluntria contida no dispositivo.

    Entendemos, contudo, que quando se tratar de danodecorrente de impercia imputvel ao agente pblico, algumasconsideraes merecem ser expostas. Com efeito, em muitos casos edevido a motivos os mais variados, servidores passam adesempenhar tarefas incompatveis com sua capacitao ouqualificao.

    Em tal situao, se a chefia respectiva designa aquele servidorpara o desempenho de atividades que exorbitam sua capacidade ouqualificao, no h como se imputar a ele, servidor,responsabilidade regressiva pelos danos causados por sua imperciana execuo dos misteres que lhe foram cometidos.34 H, isto sim,culpa in eligendo por parte da chefia que designou pessoa imperitapara a execuo das atribuies em comento. Ainda que notenha havido designao expressa daquele servidor, mas ele passe adesempenhar os mencionados encargos sem ordem superior,simplesmente porque no havia outra pessoa para faz-lo, haverculpa in omitendo da chefia, que tomando cincia do caso,aquiescer tacitamente ou deixar de tomar as providncias de seucargo, afastando o servidor da execuo de ditas atribuies,designando outro que atenda aos requisitos pertinentes, ourepresentando ao superior hierrquico ou autoridade competentepara faz-lo, se aquelas providncias por ele no puderem sertomadas.

    Quanto aos danos decorrentes de atos praticados com dolo,no h dvidas que se possam apresentar, pois tendo havidomanifesta inteno do agente em produzir dano a terceiro, ao atuarem nome da entidade estatal ou sob tal pretexto, restarirretorquivelmente configurado seu dever de responderregressivamente.

    3.4. Os deveres do agente pblico

    34 Podemos citar como exemplo a hiptese em que servidor com nvel mdio de escolaridade, designadopara elaborar clculos para os quais sejam necessrios treinamento especfico ou formao superior.Sobrevindo condenao da pessoa jurdica de direito pblico pelos danos causados a terceiros emdecorrncia daqueles clculos executados de forma imperfeita, atribudos impercia do servidor, nopoder este responder regressivamente pelo dano suportado pela entidade estatal. Na hiptese,entendemos que no ter havido culpa do servidor, que pudesse ensejar o direito de regresso contra ele.

  • 21

    Ao se determinar o direito regressivo contra o agente causadordo dano, nos casos de dolo ou culpa, revela-se ntido que ele estabelecido consoante as regras aplicveis responsabilidadesubjetiva.

    Consoante os mesmos princpios, emerge a concluso de quetal responsabilidade decorrente da prtica de ato ilcito, j que aresponsabilidade civil extracontratual possui tal gnese.

    Assim, se a responsabilidade do agente estatal (de feiessubjetivas) decorrente da prtica de ato ilcito, resta perquiriracerca das condutas cuja observncia est ele obrigado a observar,de modo a permitir a concluso, no caso concreto, se houve ou no aviolao daquelas regras, configurando a ilicitude da conduta, e osurgimento do seu dever de responder regressivamente pelosprejuzos causados a terceiro, indenizados pelo ente estatal.

    Acerca dos deveres do agente pblico, Diogenes Gasparini,citando lio de Hely Lopes Meirelles relaciona os seguintes: - deverde agir; - dever de eficincia; - dever de probidade; e - dever deprestar contas.35

    Meirelles, citado por Gasparini, assevera que se para oparticular o poder de agir uma faculdade, para o administradorpblico uma obrigao de atuar, desde que se apresente o ensejode exercit-lo em benefcio da comunidade. 36 Com efeito,estando-se diante de hiptese em que o agente pblico estavaobrigado a agir e tivesse condies de faz-lo, e se de sua omissodecorreu prejuzo a terceiro, estar configurado seu dever deresponder regressivamente pela indenizao que o Estado vier a sercondenado a pagar.

    O dever de eficincia, segundo Gasparini, impe ao agentepblico a obrigao de realizar suas atribuies com rapidez,perfeio e rendimento.37

    Com efeito, tambm a desdia, incorreo e insuficincia dodesempenho no exerccio de suas tarefas, pode configurar aresponsabilidade regressiva do agente. A esse respeito, contudo, imprescindvel a verificao, respeitado o princpio do contraditrio eda ampla defesa, de que a rapidez, perfeio e rendimentodemonstrados pelo aludido servidor, dentro das condies em que

    35 GASPARINI, 1995. Pg. 49-51.36 Op. cit., pg. 49.37 GASPARINI, 1995. Pg. 50.

  • 22

    ocorreu a ao ou omisso sob exame, estavam claramente aqumdos padres mnimos exigidos para o desempenho das atribuiesque lhe competiam na situao enfocada, ou, em outras palavras,claramente abaixo daquilo que, razoavelmente, seria a expectativanormal para aquelas circunstncias.

    Importa mencionar que a Emenda Constitucional n 19, de1998, incluiu a eficincia entre os princpios listados no caput doartigo 37 do Texto Supremo,38 de observncia obrigatria pelaadministrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes daRepblica. A mesma Emenda deu nova redao ao pargrafo 3 domesmo artigo, que passa a aludir representao contra o exerccionegligente de cargo, emprego ou funo pblica, e acrescentoupargrafo 4, condicionando a aquisio da estabilidade avaliaoespecial de desempenho do servidor. Tais regras deixam reluzente odever do agente pblico de desempenhar suas tarefas atento qualidade do servio prestado, e a sua conseqente responsabilizaose desatendido o preceito.

    O dever de probidade impe ao agente pblico o desempenhode suas atribuies sob pautas que indicam atitudes retas, leais,justas e honestas, notas marcantes da integridade do carter dohomem, cujo sentido tambm ...deve orientar o desempenho docargo, funo ou emprego junto ao Estado ou entidade por ele criada,sob pena de ilegitimidade de suas aes.39 A par destailegitimidade dos atos do agente pblico, de que possa resultar a suainvalidade, aquela configurar tambm o seu dever de responderregressivamente pelos prejuzos deles decorrentes, indenizados peloEstado a terceiros. Nessa situao, poder, em tese, configurar-se odireito de regresso decorrente de dolo.

    O dever de prestar contar amplo, pois abrange todos osatos de administrao e governo e no s os relacionados com odinheiro pblico ou gesto financeira. 40

    38 CONSTITUIO FEDERAL: Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dosPoderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios dalegalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte: (...)

    3. A lei disciplinar as formas de participao do usurio na administrao pblica direta e indireta,regulando especialmente: (...)

    III a disciplina da representao contra o exerccio negligente ou abusivo de cargo, emprego oufuno na administrao pblica.

    Art. 41. So estveis aps trs anos de efetivo exerccio os servidores nomeados para cargo deprovimento efetivo em virtude de concurso pblico. (...)

    4. Como condio para a aquisio da estabilidade, obrigatria a avaliao especial dedesempenho por comisso instituda para essa finalidade.39 GASPARINI, 1995. Pg. 51.40 GASPARINI, 1995. Pg. 52.

  • 23

    Alm dos aspectos j mencionados, a Lei n 8.112, de 11 dedezembro de 1.990, em seu artigo 116, estabelece um enorme rol41

    de deveres do servidor pblico federal.

    Da generalidade e abrangncia dos preceitos contidos naquelanorma, emerge a concluso de que somente o exame atento, caso acaso, das circunstncias pertinentes permitir dizer se da conduta doagente resultar sua responsabilidade pela indenizao regressiva,vale dizer: se foi ilcita sua ao ou omisso a ponto de configurarsua responsabilidade regressiva, pois que ele responde por atoomissivo ou comissivo, nos termos do artigo 122 da mencionada Lein 8.112, de 11 de dezembro de 1.990.

    Vale lembrar que o servidor tem o dever de cumprir asordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais (Lei n8.112, de 11/12/1990, art. 116, inc. IV). Ora, a ordem superiorpode no ser manifestamente ilegal, mas poder expor o servidor aorisco de causar dano a outrem. Se no cumpri-la, entretanto, estarpraticando irregularidade funcional !

    Alm disso, nem sempre existem as condies ideais para odesenvolvimento das atividades a cargo dos Poderes Pblicos. Se seexigir que estas sejam praticadas somente quando presentes aquelascondies ideais, haver paralisao das atividades da Administrao,em prejuzo de toda a sociedade destinatria da atuao estatal.

    41 TTULO IV - Do Regime Disciplinar; CAPTULO I - Dos Deveres:Art. 116. So deveres do servidor:I - exercer com zelo e dedicao as atribuies do cargo;II - ser leal s instituies a que servir;III - observar as normas legais e regulamentares;IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;V - atender com presteza:

    a) ao pblico em geral, prestando as informaes requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo;b) expedio de certides requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situaes de

    interesse pessoal;c) s requisies para a defesa da Fazenda Pblica.

    VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver cincia em razo docargo;VII - zelar pela economia do material e a conservao do patrimnio pblico;VIII -guardar sigilo sobre assunto da repartio;IX - manter conduta compatvel com a moralidade administrativa;X - ser assduo e pontual ao servio;XI - tratar com urbanidade as pessoas;XII - representar contra ilegalidade, omisso ou abuso de poder.

    Pargrafo nico. A representao de que trata o inciso XII ser encaminhada pela via hierrquica eapreciada pela autoridade superior quela contra a qual formulada, assegurando-se ao representandoampla defesa.

  • 24

    Vale o exemplo do policial que recebe chamado urgente paraatender uma ocorrncia, e a nica viatura disponvel naquelemomento no est em perfeitas condies (falta de manutenoadequada, pneus desgastados, etc.). Se o policial vai cumprir o seudever utilizando aquela viatura estar expondo-se ao risco de causardanos a outros veculos e pessoas; se deixar de ir, a pessoa que estem perigo e solicitou ajuda policial ficar sem socorro...

    Trazemos tal exemplo para ressaltar a evidncia de queapenas o exame atento e aprofundado, caso a caso, que poderrevelar se o agente, ainda que primeira vista se apresente como ocausador do dano, efetivamente responsvel para os efeitos deresponder regressivamente pelos prejuzos causados a terceiro emdecorrncia de sua atuao funcional.

    4. A partir de quando possvel o ajuizamento da aoregressiva

    A rigor, o direito de se pleitear regressivamente a reparaode prejuzo, logicamente s pode surgir a partir da existncia daqueleprejuzo. Em outras palavras: somente a partir do momento em quese tornar concreto e efetivo o prejuzo, que se pode cogitar da suareparao regressiva.

    Contudo, a Lei n 4.619, de 28 de abril de 1965 (videtranscrio em nota supra) estabeleceu o prazo de sessenta dias paraajuizamento, pelos Procuradores da Repblica42 da ao deregresso contra o agente causador de dano, contados a partir dadata em que transitar em julgado a condenao imposta FazendaPblica. (art. 2).

    Note-se que a norma no condiciona o ajuizamento da ao deregresso ao pagamento da indenizao pela Unio, contentando-secom o trnsito em julgado da deciso condenatria, e estabelecendoque a no-obedincia, por ao ou omisso, ao disposto nesta lei,apurada em processo regular, constitui falta de exao nocumprimento do dever. (art. 3).

    42 No mais a Procuradoria-Geral da Repblica rgo do Ministrio Pblico Federal a responsvelpela representao judicial da Unio em tais casos, cabendo ela Procuradoria-Geral da Unio, rgointegrante da Advocacia-Geral da Unio, consoante disposto na Lei Complementar n 73, de 10 defevereiro de 1993.

  • 25

    Hely Lopes Meirelles tambm no elenca o prvio pagamentocomo requisito para ao regressiva contra o agente causador dodano.43

    Ora, o pagamento de indenizao a que for condenada aFazenda Pblica federal, estadual ou municipal deve ser feito atravsde precatrio, na forma prevista no artigo 100 da ConstituioFederal.44

    Por outro lado, a responsabilidade pela reparao regressivaao Estado transmite-se aos herdeiros e sucessores do servidorculpado, podendo ser instaurada mesmo aps a cessao do exercciono cargo ou na funo, por disponibilidade, aposentadoria,exonerao ou demisso.45 (Nesse sentido, alis, expresso oartigo 5, da Lei n 4.619, de 28 de abril de 1.965.)

    Assim, perfilhamos o mesmo entendimento esposado porDiogenes Gasparini46 e Jos dos Santos Carvalho Filho, que subordinao ajuizamento da ao regressiva ao pagamento da indenizao peloente estatal. Com efeito, conforme assevera Carvalho Filho, quasesempre

    ...dentro do perodo marcado na lei para serproposta a ao ainda no ter nascido para oEstado a condio da ao relativa ao interesse deagir. Este s deve surgir quando o Estado j tiverpago a indenizao ao lesado; nesse momento que o errio sofreu prejuzo e, em conseqncia,somente a partir da que pode se habilitar aoexerccio de seu direito de regresso contra oagente.47

    5. Prescrio da ao de regresso

    Anota Jos dos Santos Carvalho Filho que diversamente doque ocorre em relao ao direito do lesado contra o estado, o direitode regresso deste contra seu agente obedece regra comum dodireito civil..., e, ...como se trata de direito pessoal, incide no caso 43 MEIRELLES, 1999. Pg. 594.44 CONSTITUIO FEDERAL: Art. 100. exceo dos crditos de natureza alimentcia, ospagamentos devidos pela Fazenda federal, estadual ou municipal, em virtude de sentena judiciria, far-se-o exclusivamente na ordem cronolgica de apresentao dos precatrios e conta dos crditosrespectivos, proibida a designao de casos ou de pessoas nas dotaes oramentrias e nos crditosadicionais abertos para este fim.45 MEIRELLES, 1999. Pg. 594.46 GASPARINI, 1995. Pg. 596.47 CARVALHO FILHO, 1999. Pg. 383.

  • 26

    o art. 177, do Cd. Civil, que fixa o prazo de vinte anos para aprescrio desse tipo de direitos.48

    Tambm esse o entendimento de Diogenes Gasparini. 49

    Em sentido diverso, Celso Antnio Bandeira de Mello incisivoao defender que imprescritvel repita-se a ao deresponsabilidade civil contra o servidor que haja causado danos aoerrio pblico, como decorre do art. 37, 5, da Constituio doPas.50

    Celso Ribeiro Bastos manifesta a manifesta mesmoentendimento, apesar de lamentar a opo abraada do constituinte,j que a prescrio regra ...sempre encontrvel relativamente aoexerccio de todos os direitos.51

    Jos Afonso da Silva igualmente repudia a regra daimprescritibilidade, mesmo reconhecendo que

    ...uma ressalva constitucional e, pois, inafastvel,mas, por certo, destoante dos princpios jurdicos,que no socorrem quem fica inerte (dormientibusnon sucurrit ius). Deu-se assim Administraoinerte o prmio da imprescritibilidade na hipteseconsiderada.52

    De nossa parte, concordando com opinies transcritas e dianteo contido no dispositivo constitucional mencionado53, tambmentendemos ser imprescritvel a ao de regresso da entidade estatalcontra seu agente causador de dano a terceiro decorrente de condutaculposa ou dolosa.

    Com efeito, em se tratando de ilcitos praticados por agentepblico, o ato lesivo do agente pode revestir do mesmo tempoaspecto civil, administrativo e criminal...54 Destarte, a aludidanorma da Superlei destina lei ordinria a atribuio de estabeleceros prazos de prescrio para ilcitos praticados por qualquer agente,servidor ou no, que causem prejuzos ao errio.

    48 CARVALHO FILHO, 1999. Pg. 383.49 GASPARINI, 1995. Pg. 596.50 MELLO, 1999. Pg. 236 e, no mesmo sentido, p. 233.51 BASTOS, 1992. Pg. 167.52 SILVA, J. A., 1992. Pg. 574.53 CONSTITUIO FEDERAL: Art. 37, 5. A lei estabelecer os prazos de prescrio para ilcitospraticados por qualquer agente, servidor ou no, que causem prejuzos ao errio, ressalvadas asrespectivas aes de ressarcimento.54 MEIRELLES, 1999. Pg. 594.

  • 27

    Assim, lei ordinria poder dispor sobre o prazo prescricionalquanto responsabilidade penal e administrativa, havendo, contudo,a impossibilidade de faz-lo para a responsabilidade civil decorrentedo direito de regresso, face ressalva para as respectivas aes deressarcimento. Ante a autoridade da norma constitucional em tela,nada resta a se fazer, alm da anlise crtica.

    6. Ao direta do lesado contra o agente, litisconsrcio entreele e o Estado, nomeao autoria, denunciao da lide eassistncia

    Conforme j assinalado, a responsabilidade estatal pelos atosde seus agentes que causem prejuzos a terceiros de naturezaobjetiva, sendo assegurado o direito de regresso contra o responsvelpelo dano, nos casos de dolo ou culpa. A responsabilidade do agente,portanto, subjetiva.

    Para a configurao da primeira, basta a demonstrao dodano e do nexo causal entre ele e a ao ou omisso do agenteestatal. Para a segunda, imprescindvel a comprovao da ilicitudeda conduta do agente.

    Nesse panorama, a questo que se coloca a seguinte: configurada a responsabilidade objetiva do Estado, poderia o seuagente causador do dano ser demandado diretamente pelo lesado ?

    Pontes de Miranda, ao comentar o artigo 194, da Carta Polticade 1946 a primeira estabelecendo a responsabilidade objetiva doEstado e a ao regressiva contra o funcionrio em caso de culpadeste preleciona:

    A Constituio de 1946, em vez de adotar oprincpio da solidariedade, que vinha de 1934,adotou o princpio da responsabilidade em aoregressiva. Os intersses do Estado passaram segunda plana, no h litisconsrcio necessrio,nem solidariedade, nem extenso subjetiva daeficcia executiva da sentena contra a Fazendanacional, estadual ou municipal, ou contra outrapessoa jurdica de direito pblico interno. H,apenas, o direito de regresso.

    O magnfico jurista, entretanto, parece discordar da soluoadotada pelo constituinte e deixa transparecer certa contradioquando, imediatamente em seguida, acrescenta:

  • 28

    Inferior, portanto, s Constituies de 1934 e1937, nesse ponto, a de 1946. A legislaoordinria pode regular, todavia, os casos delitisconsrcio necessrio e voluntrio, desolidariedade e de extenso subjetiva da eficciaexecutiva da sentena.

    Tal legislao no excluda pelo art. 194.55

    Para Jos dos Santos Carvalho Filho se os danos decorrentesde comportamento doloso ou culposo em sentido estrito so causadosa terceiros, pode o servidor responder diretamente, sendo acionadopelo lesado, ou indiretamente, por meio do direito de regressoassegurado Administrao, caso em que esta j ter sido acionadadiretamente pela vtima,56 opinio compartilhada por DiogenesGasparini, o qual entende que o lesado pode promover a aodiretamente contra a entidade responsvel pelo ressarcimento oucontra seu agente causador do dano.57

    Celso Antnio Bandeira de Mello, sem prejuzo daresponsabilidade objetiva do Estado, leciona que o lesado pode, se odesejar, acionar diretamente apenas o servidor, ou o servidor e oEstado, conjuntamente, nos casos em que a leso haja derivado decomportamento culposo ou doloso do servidor.58

    Diversos pronunciamentos jurisprudenciais tm entendido serpossvel o ajuizamento da demanda indenizatria pelo lesadodiretamente contra o agente, ou contra este e o Estado,conjuntamente. Citamos dois deles:

    - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIREITO REGRESSIVO LITISCONSRCIO. O fatode a Constituio Federal prever direito regressivocontra o funcionrio responsvel pelo dano noimpede que este ltimo seja acionadoconjuntamente com a pessoa jurdica de direitopublico, configurando-se tpico litisconsrciofacultativo.(STF RE 90.071 Pleno Rel. Min. CUNHA

    PEIXOTO Ac. de 18.05.60).59

    55 PONTES DE MIRANDA, 1947. Pg. 169.56 CARVALHO FILHO, 1999. Pg. 452.57 GASPARINI, 1995. Pg. 595.58 MELLO, 1999. Pg. 236.59 Apud CARVALHO FILHO, 1999. Pg. 388.

  • 29

    - RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PBLICO LEGITIMIDADE PASSIVA. O prejudicado por atoilcito de funcionrio pblico pode abrir mo de suafaculdade de dirigir sua pretenso indenizatriacontra o Poder Pblico, limitando-se a acionarapenas e to-somente o causador direto do dano;assim, assume o autor o nus de comprovar a culpaou dolo do funcionrio, posta, portanto, de lado aquesto da falta de servio pblico.(TJ-SC Ap. 24.040 2 C. Cv. Rel. Des. Ruben

    Crdova ac. de 11.3.86).60

    Diversamente das opinies expostas, para Carmen LciaAntunes Rocha a responsabilidade apenas do ente estatal, poisconsoante a teoria do rgo, pela qual o agente pblico ao atuar,forma aquela que vai ser tida como a vontade da prpria pessoaestatal, de modo que a relao jurdica embasada numa causaproduzida pela entidade estatal atravs de seu agente, torna-a

    ...responsvel primria e direta pelo nus nascidoda obrigao, sem que ao agente pblico sejaentregue a carga dela decorrente. O gravameproduzido, lcita ou ilicitamente, pela entidade, emsua atuao regular pela faco jurdica que faz comque a finalidade da norma faa-se ato pela dinmicado agente, que, sua vez, converte emcomportamento estatal o seu cometimento.61

    A mesma trilha percorre Jos Afonso da Silva, para quem aobrigao de indenizao da pessoa jurdica a que pertencer oagente:

    ...O prejudicado h que mover a ao deindenizao contra a Fazenda Pblica respectiva oucontra a pessoa jurdica privada prestadora deservio pblico, no contra o agente causador dodano. O princpio da impessoalidade vale aquitambm.62

    Tambm para Jos Cretella Jnior a obrigao de indenizarcabe ao Estado, no ao agente pblico, j que ela

    ...decorre de ato prprio, porque o ato do agentepblico no atribudo sua pessoa fsica, em si epor si, desvinculada do Estado, mas ato inerente

    60 Apud CARVALHO FILHO, 1999. Pg. 390.61 ROCHA, 1991. Pg. 108.62 SILVA, J. A., 1992. Pg. 575.

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    pessoa jurdica pblica da qual o funcionrio preposto.63

    Celso Ribeiro Bastos esclarece que descabe discutir se seriamais moralizador permitir a ao diretamente contra o funcionrio,uma vez que a Constituio nitidamente optou pela soluo contrria.Inciso e esclarecedor, adverte:

    A vtima no pode acionar diretamente osservidores, embora existam autores de tomo quesustentem o contrrio. Em primeiro lugar, porque aConstituio diz claramente que as pessoasacionveis pela vtima so as de direito pblico e asde direito privado prestadoras de servios pblicos.O servidor s surge como responsvel peloressarcimento Administrao do que houver estadesembolsado.64

    De nossa parte, modificando posicionamento anterior,entendemos que o estabelecimento da responsabilidade objetiva daspessoas jurdicas de direito pblico pelos danos que seus agentes,nesta qualidade, causem danos a terceiros, exclui a possibilidade doagente causador do dano ser demandado diretamente pelo lesado.

    No consideramos vlida a assertiva de que a responsabilidadeobjetiva do Estado foi erigida apenas para proteger o particularlesado, cabendo-lhe a faculdade de escolher contra quem dirigir aao de reparao de danos e qual o fundamento que invocar: secontra o ente estatal, com base na responsabilidade objetiva doEstado, ou se contra o agente pblico, calcada no artigo 159 doCdigo Civil e que exige da comprovao de dolo ou culpa.

    Com efeito, sendo o Estado pessoa criada pelo Direito, notem vontade ou ao prprias atributos das pessoas fsicas. Aindaassim, juridicamente lhe so reconhecidos tais atributos, sendo que oquerer e o agir do Estado se constituem pela vontade e ao dosagentes pblicos atuando como tal.65

    Sequer se pode falar em representao posto que esta supeduas vontades e duas figuras distintas: o representante e orepresentado. O que h uma relao de imputao, de modo que oquerer e o agir do agente pblico, so imputados como o querer e oagir do prprio Estado, no de algum diferente dele. O que o

    63 CRETELLA JNIOR, 1992. Pg. 2356.64 BASTOS, 1992. Pg. 182.65 Cf. GASPARINI, 1995. Pg. 31.

  • 31

    agente pblico quer ou faz, desde que no exerccio de sua atividadefuncional, entende-se ser o desejo ou a atuao do Estado naquelemomento, ainda que o agente pblico haja querido ou agido mal.66

    Assim, em decorrncia da teoria do rgo adotada pelo nossoDireito Administrativo, no se considera tenha havido, propriamente,ao ou omisso do agente pblico, causadora de prejuzos aoparticular, posto que atuando naquela qualidade ainda queilicitamente, pouco importa o ente estatal (e no seu agente)que est atuando; se da resultar dano, ter sido dano causado peloEstado, e somente este dever responder perante o prejudicado.

    Tal concluso serve no somente para sustentar aresponsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados por seusagentes, mas tambm para excluir a responsabilidade destes peranteo terceiro eventualmente prejudicado pela aquela atuao. Ou seja:pela atuao do Estado implementada por meio de seus agentes.

    Havendo culpa ou dolo do agente por ocasio do eventodanoso, responder ele regressivamente perante o ente estatal, nicae to somente. E a culpa ou dolo do agente, caso haja, problemadas relaes funcionais que escapa indagao do prejudicado.67

    A este, o que interessa apenas a indenizao, assegurada pelaresponsabilidade objetiva estatal. O ajuste interno e posterior dascontas entre estado e funcionrio est fora da cogitao do particularprejudicado.68

    Vale lembrar que o servidor tem o dever de cumprir as ordenssuperiores, exceto quando manifestamente ilegais (Lei n 8.112, de11/12/1990, art. 116, inc. IV). Ora, a ordem superior pode no sermanifestamente ilegal, mas poder expor o servidor a risco de causardano a outrem. Se no cumpri-la, entretanto, estar praticandoirregularidade funcional !

    Alm disso, nem sempre existem as condies ideais para odesenvolvimento das atividades a cargo dos Poderes Pblicos. Se seexigir que estas sejam praticadas somente quando existentes aquelascondies ideais, haver paralisao das atividades da Administrao,em prejuzo de toda a sociedade destinatria da atuao estatal.

    Imagine-se o exemplo do policial que recebe chamado urgentepara atender uma ocorrncia, e a nica viatura disponvel naquele

    66 GASPARINI, idem.67 SILVA, J. A., 1992. Pg. 575.68 CRETELLA JNIOR, 1992. Pg. 2356.

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    momento no est em perfeitas condies (falta de manutenoadequada, pneus desgastados, etc.). Se o policial vai cumprir o seudever utilizando aquela viatura estar expondo-se ao risco de causardanos a outros veculos e pessoas; se deixar de ir, a pessoa que estem perigo e solicitou ajuda policial ficar sem socorro...

    A se admitir o ajuizamento de ao pelo lesado diretamentecontra o agente pblico, se no exemplo anterior houvessecondenao do policial em ao movida pelo proprietrio de veculodanificado pela viatura, aquele poderia ajuizar ao regressiva contrao encarregado de providenciar a manuteno dos veculos do rgo,ou, por ser este agente pblico, contra a entidade estatal.Entretanto, como a ao regressiva pressupe o pagamento do dano,o policial teria que pagar os danos a que foi condenado na aomovida pelo particular, e somente depois ajuizar a ao regressiva.Se a dirigir contra o Estado, esperar anos para receber arecomposio do seu patrimnio, haja vista a exigncia do reexamenecessrio das aes que condenam a Fazenda Pblica (art. 475, inc.II, do Cdigo de Processo Civil69), e da regra que estabelece opagamento dos valores devidos pela Fazenda Pblica atravs deprecatrios (art. 100 da Constituio Federal). Sem dvida alguma,no essa a melhor soluo, e representa um retorno s remotaspocas em que os agentes pblicos eram pessoalmenteresponsabilizados pelos atos que praticassem no exerccio de suasatribuies !

    Ressaltamos que tal estrutura acerca da responsabilidadepatrimonial do Estado absolutamente coerente com o nosso sistemae, alm disso: 1) no prejudica os direitos do particular lesado,mas, ao contrrio, preserva-os, na medida em que exige apenas acomprovao do dano, da atuao estatal e do nexo causal paradeclarar a obrigao do Estado em indenizar; 2) o agente ficaprotegido de ter que responder com seu patrimnio pessoal por atosque pratique no desempenho de suas funes pblicas; 3) aAdministrao sai fortalecida, porque assim preservados seusagentes, no deixaro eles de atuar pelo temor de virem a produzirdanos e serem responsabilizados pessoalmente por tal atuao; 4)a sociedade no fica prejudicada pela omisso do Estado, causadapela inao de seus agentes, temerosos de produzirem danos quandoausentes as condies ideais para o desempenho de suas atividades;5) o interesse pblico fica resguardado, pois havendo culpa ou dolodo agente, caber ao regressiva contra ele.

    69 CDIGO DE PROCESSO CIVIL (Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973): Art. 475. Est sujeita aoduplo grau de jurisdio, no produzindo efeito seno depois de confirmada pelo tribunal, a sentena: I (...); II proferida contra a Unio, o Estado e o Municpio; ...

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    Assim, pelos mesmos motivos assinalados, tambmentendemos ser incabvel o litisconsrcio, no plo passivo da ao,entre a entidade estatal e o seu agente. Quanto a este, havercarncia de ao por ilegitimidade de parte.

    Se o particular lesado promover a ao de reparao dosdanos causados pelo agente pblico, poder este nomear autoria 70 a entidade estatal em nome da qual estava agindo, porocasio do evento lesivo.

    Com efeito, apesar do pressuposto tradicional do instituto sera demanda sobre coisa, o artigo 63 do Cdigo de Processo Civil alude ao de indenizao na qual o demandado, sendo tido comoresponsvel pelo dano, afirmar que praticou o ato por ordem, ou emcumprimento de instrues de terceiro. No caso do agente pblico,ainda que no tenha havido ordem direta e expressa para a prticado ato do qual resultou os danos, ele pode ter sido realizado emcumprimento de dever a cargo daquele agente (ou, mesmo, apretexto de cumpri-lo).

    Anota Arruda Alvim que a finalidade do instituto da nomeao autoria a da correo da legitimidade passiva ad causam,71

    motivo pelo qual entendemos ser perfeitamente aplicvel no caso emfoco.

    Quanto denunciao da lide, h os que a entendemcabvel, com esteio no inciso III, do artigo 70, do Cdigo de ProcessoCivil.72

    Diogenes Gasparini no s a entende possvel, como escreveque se dirigida (a ao de reparao) contra a AdministraoPblica, deve o agente pblico causador do dano ser denunciado lide, nos termos do art. 70, III, do Cdigo de Processo Civil.73 (osublinhado no do original).

    70 CDIGO DE PROCESSO CIVIL (Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973): Art. 62. Aquele quedetiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome prprio, dever nomear autoria oproprietrio ou o possuidor.Art. 63. Aplica-se tambm o disposto no artigo antecedente ao de indenizao, intentada peloproprietrio ou pelo titular de um direito sobre a coisa, toda vez que o responsvel pelos prejuzos alegarque praticou o ato por ordem, ou em cumprimento de instrues de terceiro.71 ALVIM, 1994. Pg. 87.72 CDIGO DE PROCESSO CIVIL (Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973): Art. 70. A denunciao dalide obrigatria: I (...); II (...); III quele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, aindenizar, em ao regressiva, o prejuzo do que perder a demanda.73 GASPARINI, 1995. Pg. 595.

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    Em sentido diverso, j se pronunciou o extinto TribunalFederal de Recursos, entendendo que a regra do art. 70, III, do CPC, inaplicvel nas aes de indenizao fundadas na responsabilidadecivil da Administrao, uma vez que afastada pelo pargrafo nicodo art. 107 da CF. (TFR 3 t. Ap. Rel. Carlos Madeira j.15.5.84 DJU 14.6.84, p. 9.673 RTInforma 352/20).74

    O processualista Arruda Alvim entende que se a ao formovida contra o Estado por dolo ou culpa do funcionrio pode haverdenunciao da lide, no podendo esta ser admitida, contudo, se ofundamento do pedido for a responsabilidade objetiva do Estado.75

    No obstante a existncia de abalizados entendimentosdiversos, posicionamo-nos entre os que negam a possibilidade dadenunciao da lide, na hiptese enfocada.

    Vale anotar, primeiramente, que a no denunciao da lide aoservidor no impedir a posterior ao de regresso movida peloEstado contra ele, uma vez atendidos os seus pressupostos.

    Com efeito, como j assinalado anteriormente, aresponsabilidade estatal objetiva; a responsabilidade regressiva doagente subjetiva e se baseia na existncia de dolo ou culpa: aquelapode existir independentemente desta.

    Assim, para o lesado obter sucesso na sua ao de reparaode danos, basta demonstrar o prejuzo, a atuao estatal e o nexoentre um e outro. Em outras palavras: nosso sistema jurdicocontenta-se, na hiptese versada, com a comprovao da falha doservio, sendo prescindvel a identificao do servidor faltoso.

    Pois bem: para que a entidade estatal demonstre o interessejurdico na denunciao da lide ao seu agente, dever demonstrar apresena de culpa ou dolo deste, o que inviabilizaria a defesa estatalcontra a pretenso do lesado, autor da ao.

    Ora, como mencionado por Rui Stoco, incoerente o Estado,a priori, negar sua responsabilidade pela reparao do danoreclamada pelo terceiro, e ao mesmo tempo, visando responsabiliz-lo regressivamente, alegar culpa do seu agente pelo evento danoso,posto que o reconhecimento desta importar naquela.76

    74 Apud STOCO, 1997. Pg. 428.75 ALVIM, 1997. Pg. 183.76 STOCO, 1997. Pg. 427.

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    Assim, a defesa do Estado, ainda que indiretamente, viriaagravar sua situao como ru da ao de reparao de danos, poisteria que diligenciar para provar a culpa do seu agente, e configuradaesta, ainda que por diligncia do Estado, ipso facto, estar, afortiori, provada a ao principal contra ele prprio77 Tal hiptese,se admitida, ainda que indiretamente, violaria o princpio daindisponibilidade dos bens estatais.78

    A situao foi bem enfocada pelo 1 Tribunal de Alada Civil doEstado de So Paulo, cuja 3 Cmara, atravs do voto do relator JuizFerraz Nogueira:

    ...Eis a o dilema da Fazenda: diferentemente doque ocorre com os particulares denunciantes,compete-lhe, ao denunciar, confessar a culpa deseu preposto, descrevendo a conduta culposa desteem todos os pormenores essenciais, para que possaobter xito no pretendido exerccio do direitoregressivo.79

    Alm dos bices j apontados, a admisso da denunciao dalide implicaria no alargamento desnecessrio do objeto da discussosubmetida apreciao do Poder Judicirio, pois alm do exame dospressupostos necessrios para o atendimento pretenso do autor(dano, ao ou omisso do agente estatal e nexo causal), o exame deoutras questes irrelevantes para o deslinde da causa principal passariam a reclamar o exame jurisdicional, vale dizer: a existnciade culpa ou dolo do agente estatal.

    Demais disso, o exame dos pressupostos do direito deregresso em favor ente estatal contra seu agente dolo ou culpa sem dvida prejudicariam o autor da demanda indenizatria,retardando o sua tramitao pois aquele exame, dispensvel, repita-se, para o deslinde da ao principal, exigiria a produo e examedas provas pertinentes.

    Sem embargo da nossa opinio contrria denunciao dalide, acima exposta, comungamos do entendimento exposto por CelsoRibeiro Bastos, admitindo que o agente, se assim o desejar,intervenha na ao de reparao de danos movida pelo prejudicadocontra o ente estatal, desde que o faa atravs do instituto da

    77 ALVIM, 1997. Pg. 184.78 ALVIM, 1997. Pg. 184.79 Apelao n 390.125 (reexame), 3 Cmara, julgada em 16.5.88, apud Revista dos Tribunais, SoPaulo: RT, volume 631, maio de 1988, p. 160.

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    assistncia, prevista no artigo 50 do Cdigo de Processo Civil80.Sem dvida alguma, ele tem legtimo interesse a que a ao dereparao de danos seja repelida, o que, desde logo, tambmaniquilaria uma suposta ao de regresso.

    Ficar ele, contudo, sujeito condenao nas custas,conforme determina o artigo 32 do mesmo Cdigo se o assistido ficarvencido, o que, repita-se, poder ocorrer ainda que no se tenhacomo comprovada a culpa ou dolo do agente, pois a responsabilidadeestatal dela independe.

    80 CDIGO DE PROCESSO CIVIL (Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973): Art. 50. Pendendo umacausa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurdico em que a sentena seja favorvela uma delas, poder intervir no processo para assisti-la. Pargrafo nico. A assistncia tem lugar emqualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus da jurisdio; mas o assistente recebe o processono estado em que se encontra.

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    7. Concluses

    7.1. A responsabilidade patrimonial dos entes estatais pelos danosdecorrentes da ao ou omisso de seus agentes sofreuformidvel evoluo, em decorrncia do desenvolvimento daprpria idia do Estado e do seu relacionamento com seussditos, bem assim da sua subsuno s normas jurdicas,decorrncia lgica dos princpios inerentes ao EstadoDemocrtico de Direito.

    7.2. No Brasil a responsabilidade das pessoas jurdicas de direitopblico pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,causem a terceiros passou inicialmente a ser admitida combase na responsabilidade subjetiva, vale dizer, submetida comprovao de culpa ou dolo do agente.

    7.3. A responsabilidade objetiva do Estado pelos prejuzoscausados por seus agentes foi elevada ao statusconstitucional, no Brasil, a partir da Carta Poltica de 1946,atravs do seu artigo 194. O mesmo dispositivo estabeleceuo direito de regresso contra o funcionrio causador do dano nocaso de culpa deste.

    7.4. Enquanto que a responsabilidade estatal restar configuradadesde que o lesado comprove o dano, a atividade estatal e onexo causal, o direito de regresso contra o agente porque aresponsabilidade deste subjetiva depende dademonstrao de culpa ou dolo na produo do eventodanoso, diretamente a ele atribuda, de sua diretaresponsabilidade. Assim, havendo uma causa remota, a eleno atribuvel, e imprescindvel para a produo do resultado,no se lhe poder ser reconhecido o dever de responderregressivamente.

    7.5. Devido complexidade e multiplicidade das atividadesdesempenhadas pelo Estado e organizao e diviso dasfunes exercidas pelos seus agentes, nem sempre o causadordireto da ao ou omisso tida como geradora do dano aoparticular poder ser considerado responsvel pelo evento,para fins de caracterizar seu dever de recomporregressivamente o patrimnio pblico desfalcado pelopagamento da indenizao ao particular.

    7.6. Para o ajuizamento da ao de regresso contra o agentepblico, h a necessidade do ente estatal ter pago aindenizao devida ao particular lesado.

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    7.7. Somente se comprovada culpa ou dolo do agente na produodo dano ao terceiro ser cabvel a ao regressiva contra ele.

    7.8. To logo tenha cincia do evento danoso deve o administradorapurar as responsabilidades. Configurada a responsabilidadecivil do agente, dever do administrador promover a aoregressiva contra o agente responsvel. Nenhuma margem dediscricionariedade lhe cabe, em face da indisponibilidade dointeresse pblico, e do princpio da moralidade administrativa.

    7.9. A opo adotada pelo nosso sistema constitucional responsabilidade objetiva dos entes estatais pelos danos queseus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, com aoregressiva daqueles contra o responsvel no caso de dolo ouculpa exclui a possibilidade do terceiro prejudicadodemandar a reparao dos prejuzos diretamente contra oagente pblico. A vontade e a ao do Estado se corporificampor meio da vontade e da ao do seu agente, e, portanto,somente quele devem ser imputadas as conseqncias, aindaque haja ilicitude por parte do agente.

    7.10. Se a ao de reparao for ajuizada somente contra o agentepblico, este poder nomear autoria a entidade estatal, emnome da qual praticou o ato tido como causador dos prejuzosao particular.

    7.11. Ajuizada a ao contra o ente estatal, no cabvel adenunciao da lide ao seu agente, posto que o fundamentoda denunciao existncia de culpa ou dolo do causador dodano implicaria em contradio do denunciante, que para sedefender da pretenso do autor da ao, tem que negar suaresponsabilidade pela reparao, a qual restar configurada sepresentes os pressupostos da responsabilidade regressivacontra o agente estatal. Alm disso, implicaria em discussoparalela, desnecessria ao deslinde da controvrsia travada naao principal: nesta, mesmo que atendida a pretenso doautor, no restaria como conseqncia direta e automtica onascimento do direito de regresso contra o agente.

    7.12. Apesar disso, o agente poder intervir no processo entrelesado e ente estatal na qualidade de assistente.

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    8. Referncias bibliogrficas

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