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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA INSTITUTO NACIONAL DE CONTROLE DE QUALIDADE EM SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ Liliane Simpson Lourêdo ISOLAMENTO, CARACTERIZAÇÃO E POTENCIAL DE VIRULÊNCIA DE AMOSTRAS DE CORYNEBACTERIUM ULCERANS ORIUNDAS DE CÃES DOMÉSTICOS DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO Rio de Janeiro 2014

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PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM VIGILNCIA SANITRIA

INSTITUTO NACIONAL DE CONTROLE DE QUALIDADE EM SADE

FUNDAO OSWALDO CRUZ

Liliane Simpson Lourdo

ISOLAMENTO, CARACTERIZAO E POTENCIAL DE VIRULNCIA DE

AMOSTRAS DE CORYNEBACTERIUM ULCERANS ORIUNDAS DE CES

DOMSTICOS DA REGIO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro

2014

Liliane Simpson Lourdo

ISOLAMENTO, CARACTERIZAO E POTENCIAL DE VIRULNCIA DE

AMOSTRAS DE CORYNEBACTERIUM ULCERANS ORIUNDAS DE CES

DOMSTICOS DA REGIO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Vigilncia Sanitria do Instituto

Nacional de Controle de Qualidade em Sade

da Fundao Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obteno do ttulo de Mestre em

Vigilncia Sanitria

Orientadores: Ana Luza de Mattos Guaraldi

Maria Helena Simes Villas Bas

Rio de Janeiro

2014

Catalogao na fonte

Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade

Biblioteca

isolation, identification and detection of candidate virulence factors of C. ulcerans isolates

from domestic animals living in Rio de Janeiro metropolitan area

Isolation, identification and detection of candidate virulence factors of C. ulcerans isolates

from domestic animals living in Rio de Janeiro metropolitan area

Lourdo, Liliane Simpson

Isolamento, caracterizao e potencial de virulncia de amostras de Corynebacterium

ulcerans oriundas de ces domsticos da regio metropolitana do Rio de Janeiro./Liliane

Simpson Lourdo-Rio de Janeiro: INCQS/FIOCRUZ, 2014.

100 f.: il., tab.

Dissertao (Mestrado em Vigilncia Sanitria) Programa de Ps-Graduao em

Vigilncia Sanitria; Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade, Fundao Oswaldo

Cruz, 2014.

Orientadoras: Maria Helena Simes Villas Boas e Ana Luza de Mattos-Guaraldi

1. Corynebacterium ulcerans. 2. Virulncia. 3. Vigilncia Sanitria. I. Ttulo

1. Atividade Antimicrobiana. 2. Diluio de Uso. 3. Comit Europeu de Normalizao. 4.

Desinfetantes. 5. Vigilncia Sanitria.

Liliane Simpson Lourdo

ISOLAMENTO, CARACTERIZAO E POTENCIAL DE VIRULNCIA DE

AMOSTRAS DE CORYNEBACTERIUM ULCERANS ORIUNDAS DE CES

DOMSTICOS DA REGIO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Vigilncia Sanitria do Instituto

Nacional de Controle de Qualidade em Sade

da Fundao Oswaldo Cruz como requisito

parcial para obteno do ttulo de Mestre em

Vigilncia Sanitria

Aprovado em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________________

Vernica Viana Vieira (Doutora)

Instituto Oswaldo Cruz - IOC

___________________________________________________________________________

Prescilla Emy Nagao Ferreira (Doutora)

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

_________________________________________________________________________________

Alexandre Alves de Souza de Oliveira Dias (Doutor)

Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade

__________________________________________________________________________

Maria Helena Simes Villas Bas (Doutora) - Orientadora

Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade

__________________________________________________________________________

Ana Luza de Mattos-Guaraldi (Doutora) - Orientadora

Faculdade de Cincias Mdicas - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Dedico este mestrado aos meus pais, Gladys e Newton,

que com toda dedicao e amor, sempre me mostraram

que estudar era o melhor caminho. Mesmo no estando

mais aqui, sei que participam da minha felicidade.

Obrigada por tudo o que foram e so na minha vida.

AGRADECIMENTOS

profa

Ana Guaraldi que me incentivou, apoiou e mostrou que era sim possvel; sem ela eu

no teria nem comeado. Mais que orientadora, ela foi um anjo no momento mais difcil.

profa

Maria Helena pela orientao, profissionalismo e pacincia e cuja generosidade foi

alm dos limites da ps-graduao.

Ao Prof Raphael e todo grupo do Laboratrio de Difteria e Corinebacterioses de Importncia

Clnica da Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por

todo o conhecimento dividido e ajuda inestimvel.

Ao Dr Alexandre Dias por toda a colaborao prestrada.

Dra. Cntia Silva dos Santos pela co-orientao.

Aos professores e Coordenao de Ps-graduao do Instituto Nacional de Controle de

Qualidade em Sade, pela acolhida carinhosa e profissional.

Aos amigos Juliana, Higor e Cassius pelo companheirismo e dicas valiosas, os quais me

ajudaram muito.

Ao meu irmo Leandro, que sempre teve uma palavra de apoio na hora em que eu precisava;

longe na distncia, perto no pensamento.

minha famlia, minha prima Irene, meus amigos, que entenderam minha ausncia e

torceram por mim, meu obrigado.

Aos meus pais, Gladys e Newton, in memoriam.

E a Deus acima de tudo.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiana;

Todo o mundo composto de mudana,

Tomando sempre novas qualidades.

Lus de Cames

http://pensador.uol.com.br/autor/luis_de_camoes/

RESUMO

Corynebacterium ulcerans tm sido cada vez mais responsveis por quadros de difteria

zoontica, alm de outras infeces de humanos e de animais de companhia, incluindo ces.

Uma vez que animais de companhia assintomticos so capazes de transmitir o patgeno para

os humanos em reas urbanas e que escassas so as investigaes sobre o potencial de

virulncia e o relato de casos dessas zoonoses em pases em desenvolvimento, nesse sentido o

presente estudo teve como objetivo o isolamento, caracterizao e avaliao do potencial de

virulncia de amostras de C. ulcerans oriundas de animais domsticos domiciliados na rea

metropolitana do Rio de Janeiro. Os dados indicaram a presena de C. ulcerans em diferentes

municpios. Alm de humanos e de animais de abrigo, foram isoladas amostras no

produtoras de toxina diftrica de ces assintomticos domiciliados. As amostras isoladas (BR-

AD41 e BR-AD61) apresentaram moderada sensibilidade a penicilina G e resistncia a

clindamicina. Os sistemas de fenotipagem Api-Coryne e Vitek 2 no permitiram a correta

identificao de C. ulcerans em algumas oportunidades. Os microrganismos foram

inicialmente caracterizados quanto espcie e a presena do gene tox pela tcnica de PCR

multiplex. A confirmao do diagnstico foi feita pelo sequenciamento dos genes 16S rRNA

e rpoB. A relao gentica entre amostras isoladas de humanos e ces assintomticos no Rio

de Janeiro (Brasil) foram analisadas pela tcnica de eletroforese de campo pulsado (PFGE).

Dentre os cinco pulsotipos demonstrados, os perfis IV e V exibindo 85% de similaridade

foram expressos pelas amostras BR-AD41 e BR-AD61 de ces residentes em um mesmo

municpio. A heterogeneidade dos pulsotipos indicaram endemicidade de C. ulcerans no Rio

de Janeiro. Independente da capacidade de produo de toxina diftrica, o potencial de

virulncia para humanos de amostras de C. ulcerans foi evidenciado pela habilidade de

produzir biofilme em superfcies abiticas inclusive catteres de poliuretano e a presena de

gene rpb que codifica a toxina Shiga-like. C. ulcerans mostrou capacidade de aderir, invadir e

sobreviver no interior de clulas epiteliais humanas em nveis variados, independente da

presena de TD. Adicionalmente, a afinidade de C. ulcerans ao fibrinognio (Fbg),

fibronectina (Fn) e colgeno tipo I de humanos e a capacidade de causar rede de fibrina e

leses cutneas em murinos foram tambm demonstradas. Concluindo, potencial patognico

de natureza multifatorial foi demonstrado para amostras de C. ulcerans que tambm podem

ser encontradas colonizando a populao de ces domiciliados e portanto em contato estreito

com o homem na regio metropolitana do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Difteria, Corynebaterium ulcerans, zoonose, potencial de virulncia

ABSTRACT

Corynebacterium ulcerans have been increasingly responsible for zoonotic diphtheria and

other infections in humans and companion animals, including dogs. Since asymptomatic pets

are able to transmit the pathogen to humans in urban areas and there are few investigations

about virulence factors and case reports of this emerging zoonosis in development countries,

this study aimed the isolation, identification and detection of candidate virulence factors of C.

ulcerans isolates from domestic animals living in Rio de Janeiro metropolitan area. Data

indicated the ocurrence of C. ulcerans in different cities. Besides humans and dog shelter,

sample of non-toxigenic isolates were detected from asymptomatic companion dogs. The

isolates (BR-AD41 e BR-AD61) showed moderate susceptibility to penicillin G and

resistance to clindamycin. In some cases, a correct identification of C. ulcerans by the

phenotypic assays API-Coryne and Vitek 2 was not conceivable. Species and toxigenicity of

micro-organisms were initially characterized by a multiplex PCR assay. The diagnoses

confirmation was made by 16S rRNA and rpoB genes sequencing. The genetic relationship

between human and asymptomatic dogs isolates was analyzed by pulsed-fiel gel

electrophoresis (PFGE) assay. Among the five types classified, the types IV and V exhibited

similarity 85% and were expressed by BR-AD41 and BR-AD61 isolates of companion dogs

living in the same neighborhood. Heterogeneity of PFGE types indicated endemicity of C.

ulcerans in Rio de Janeiro metropolitan area. Despite the ability of diphtheria toxin (DT)

production, the virulence potential of C. ulcerans to humans was demonstrated by biofilm

formation over abiotic surfaces, including polyurethane catheter and by the presence of rpb

gene coding Shiga-like. Moreover, C. ulcerans demonstrated the ability to adhere to and

survive within human epithelial cells at various levels, despite DT production. C. ulcerans

affinity to human fibrinogen (Fbg), fibronectin (Fn) and type I collagen and formation of

fibrinous skin lesions in mice were also observed. In conclusion, a multifactorial nature of the

pathogenic potential was also demonstrated for C. ulcerans colonizing companion dogs in

close contact to humans in the Rio de Janeiro metropolitan area.

Key words: Diphtheria, Corynebacterium ulcerans, zoonosis, virulence potential

LISTA DE ILUSTRAES

FLUXOGRAMA Fluxograma de experimentos...........................................................37

FIGURA 1 Mapa da distribuio geogrfica das amostras de C. ulcerans isoladas

no presente estudo e em estudos anteriores......................................55

FIGURA 2 Caracterizao fenotpica de C. ulcerans..........................................56

FIGURA 3 Eletroforese em gel de agarose dos produtos do multiplex PCR......58

FIGURA 4 Perfis clonais (PFGE) das amostras de C ulcerans isoladas de

humanos e ces.................................................................................60

FIGURA 5 Eletroforese em gel de agarose dos produtos do multiplex PCR, para

a caracterizao de toxigenicidade das amostras..............................61

FIGURA 6 Eletroforese em gel de agarose do gene rpb que codifica a toxina

Shiga like..........................................................................................62

FIGURA 7 Formao de CAMP reverso em placa de gar sangue de

carneiro.............................................................................................62

FIGURA 8 Formao de lceras e fibrina por amostras de

C.ulcerans.........................................................................................63

FIGURA 9 Grficos de aderncia das amostras de Corynebacterium ulcerans s

protenas do plasma e matriz extracelular.........................................66

FIGURA 10 Interao de Corynebacterium ulcerans com superfcie de

poliestireno........................................................................................67

FIGURA 11 Imagens da formao de biofilme em cateter de poliuretano pelas

amostras de C. ulcerans....................................................................68

FIGURA 12 Interao com clulas epiteliais humanas linhagem HEp-2 - de

amostras de Corynebacterium ulcerans isoladas de humano e de

animais..............................................................................................69

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Casos de infeco devido a Corynebacterium ulcerans e

Corynebacterium diphtheriae em animais relatados na literatura

internacional..........................................................................................19

TABELA 2 Origem e caractersticas biolgicas das amostras de C. ulcerans e C.

diphtheriae usadas como controle........................................................39

TABELA 3 Multiplex PCR para identificao simultnea de C. diphtheriae, C.

ulcerans e C. pseudotuberculosis e deteco da produo de toxina ...43

TABELA 4 Nmero de amostras e distribuio geogrfica de BGPI isolados de

animais domsticos (ces e gatos) na regio metropolitana do Rio de

Janeiro....................................................................................................54

TABELA 5 Nmero e caractersticas das amostras isoladas de BGPI e de

Corynebacterium ulcerans....................................................................54

TABELA 6 Resultados esperados nas provas fenotpicas de C. ulcerans, C.

pseudotuberculosis e C. diphtheriae.....................................................56

TABELA 7 Caractersticas e identificao das amostras de Corynebacterium

ulcerans pelo API-Coryne e Vitek 2......................................................57

TABELA 8 Percentagem de similaridade aps sequnciamento e determinao do

nmero de pares de base dos genes 16S rRNA e rpoB das amostras BR-

AD41 e BR-AD61.................................................................................59

TABELA 9 Perfis de susceptibilidade de amostras de Corynebacterium ulcerans de

origens diversas a 12 agentes antimicrobianos avaliados pelo teste de

difuso em disco....................................................................................64

LISTA DE SIGLAS, ABREVIAES E SMBOLOS

TD Toxina diftrica

BGPI Bacilos Gram positivos irregulares

CLA Linfadenite caseosa

AS gar sangue de carneiro

n nmero

ND No declarado

rRNA RNA ribossomal

PCR Reao de polimerase em cadeia

tox+ Toxinognica

PLD Fosfolipase D

DTP Difteria, ttano e pertussis

TDA Fragmento A da toxina diftrica\

TDB Fragmento B da toxina diftrica

cpp Corynebacterial protease CP40

rbp ribosome binding protein

nanH Neuraminidase H

HEp2 Human epithelial cell line 2

U937 Human myelomonocytic leukemia cells

spa Surface-anchored protein

CDC Centers for Disease Control

PFGE Pulsed-field gel electrophoresis

rpoB RNA polimerase subunidade B

ME Microrganismos emergentes

MRE Microrganismos re-emergentes

DNAse Desoxirribonuclease

DAU Duplo acar-uria

CAMP Christie Atkins Munch-Petersen (fator CAMP)

mPCR multiplex PCR

CNS Conselho Nacional de Sade

CEUA Comit de tica no Uso de Animais

Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz

HUVET Hospital Universitrio de Medicina Veterinria Prof. Firmino Mrsico Filho

UFF Universidade Federal Fluminense

CACC Canadian Council on Animal Care

ATCC American Type Culture Collection

LDCIC Laboratrio de Difteria e Corinebacterioses de Importncia Clnica

FCM/UERJ Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

oC Graus Celsius

ACT gar-chocolate-telurito

TSA Trypticase Soy Agar

GP Gram positivo

ANC Anaerobe and Corynebacterium

mL mililitros

DNA cido desoxiribonucleico

g unidade gravitacional

L microlitros

Taq Thermus aquaticus

dNTP deoxinucleotdeo

q.s.p. quantidade suficiente para

pb pares de base

BHI brain-heart-infusion

Seg segundos

Min minutos

mM milimolar

D.O. densidade ptica

PBS tampo salina fosfato

CLSI Clinical Laboratory Standards Institute

INCQS Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade

MIC Concentrao Inibitria Mnima

UFC Unidade formadora de colnia

TE tris-EDTA

TSB Trypticase Soy Broth

UEZO Universidade Estadual de Zona Oeste

PBST tampo salina fosfato Tween

ECM matriz extracelular

BSA Bovine serum albumine

TMB tetramethylbenzidine

M molar

PBS-D Dulbecco modified phosphorus buffer saline solution)

Fbg Fibrinognio

Fn Fibronectina

SUMRIO

1. INTRODUO ......17

1.1 IDENTIFICAO FENOTPICA E GENOTPICA ........................................................18

1.2 ASPECTOS CLNICOS ....................................................................................................22

1.2.1 Difteria clssica ...............................................................................................................22

1.2.2 Outros tipos de infeces pelo C. diphtheriae ................................................................23

1.3 POTENCIAL ZOONTICO DAS CORINEBACTRIA ................................................23

1.3.1 Difteria zoontica ...........................................................................................................24

1.4 SUSCEPTIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS .......................................................25

1.5 IMUNIZAO ..................................................................................................................26

1.6 EPIDEMIOLOGIA ............................................................................................................27

1.7 PATOGENICIDADE E FATORES DE VIRULNCIA ..................................................29

1.7.1.Citotoxicidade .................................................................................................................30

1.7.2 Aspectos de adesividade e viabilidade intracelular .........................................................30

1.8. AVALIAO CLONAL ..................................................................................................32

1.9 JUSTIFICATIVA ...............................................................................................................33

2 OBJETIVOS ........................................................................................................................36

3 METODOLOGIA ...............................................................................................................37

3.1 FLUXOGRAMA DE EXPERIMENTOS ..........................................................................37

3.2 ORIGEM DAS AMOSTRAS E CONSIDERAES TICAS........................................38

3.3 ISOLAMENTO, CULTIVO E ESTOCAGEM DAS AMOSTRAS BACTERIANAS ....39

3.4 IDENTIFICAO DAS AMOSTRAS DE C. ulcerans ...................................................40

3.4.1 Testes bioqumicos convencionais ..................................................................................40

3.4.2 Sistema semi-automatizado API-Coryne System V3.0 ..................................................40

3.4.3 Sistema automatizado VITEK ........................................................................................41

3.4.4 Reao em cadeia da polimerase - multiplex (mPCR) ....................................................42

3.4.5 Sequenciamento gnico aps amplificao dos genes rpoB e 16s rRNA .......................44

3.4.5.1 Determinao das sequncias nucleotdicas ...............................................................45

3.5 PESQUISA DE POTENCIAL TOXINOGNICO DOS MICRORGANISMOS

ATRAVS DE MTODOS GENOTPICOS E FENOTPICOS............................................45

3.5.1 Reao em cadeia da polimerase- multiplex (mPCR) para a pesquisa do gene tox ........45

3.5.2 Pesquisa de toxina Shiga-like (gene rpb) ........................................................................46

3.5.3 Teste de CAMP ...............................................................................................................46

3.5.4 Avaliao do potencial toxinognico in vivo ..................................................................46

3.6 SUSCEPTIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS ......................................................47

3.7 VERIFICAO DA PRESENA DE CLONES ATRAVS DE PFGE .........................47

3.8 INTERAO BACTERIANA E FORMAO DE BIOFILME EM SUBSTRATOS

ABITICOS.............................................................................................................................49

3.8.1 Avaliao de interao bacteriana com superfcie abiticas hidrofbicas em microplacas

de poliestireno...........................................................................................................................49

3.8.2 Pesquisa da capacidade de produo de biofilme em cateter de poliuretano pela tcnica

de Microscopia Eletrnica de Varredura MEV .....................................................................49

3.9 INTERAO BACTERIANA COM PROTENAS PLASMTICAS E DE MATRIZ

EXTRACELULAR HUMANOS..............................................................................................50

3.10 ENSAIOS DE ADERNCIA E VIABILIDADE INTRACELULAR BACTERIANA

EM CLULAS EPITELIAIS HUMANAS DE LINHAGEM HEp2.......................................51

3.11 ANLISE ESTATSTICA ..............................................................................................52

4 RESULTADOS ....................................................................................................................53

4.1. DADOS EPIDEMIOLGICOS .......................................................................................53

4.2 CARACTERIZAO FENOTPICA DE C. ulcerans .....................................................55

4.3 GENOTIPAGEM DAS AMOSTRAS DE C.ulcerans ......................................................58

4.3.1 Multiplex PCR .................................................................................................................58

4.3.2 Sequenciamento ..............................................................................................................58

4.3.3 Determinao dos perfis clonais pelo PFGE ...................................................................59

4.4 CARACTERIZAO DE POTENCIAL TOXINOGNICO DE C. ulcerans.................60

4.4.1 Toxina diftrica e toxina Shiga-like ................................................................................60

4.4.2 Produo de fosfolipase D ..............................................................................................62

4.4.3 Avaliao de toxigenicidade in vivo ...............................................................................63

4.5 SUSCEPTIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS ......................................................64

4.6 PROPRIEDADES DE LIGAO S PROTENAS DE MATRIZ EXTRACELULAR E

PLASMA .................................................................................................................................65

4.7 INTERAO BACTERIANA E FORMAO DE BIOFILME EM SUBSTRATOS

ABITICOS ............................................................................................................................65

4.7.1 Avaliao de interao bacteriana com superfcie abitica e hidrofbica em microplacas

de poliestireno ..........................................................................................................................65

4.7.2 Pesquisa da capacidade de produo de biofilme em cateter de poliuretano pela tcnica

de MEV ........................................................................................................................ ............68

4.8 ENSAIOS DE INTERAO COM CLULAS EPITELIAIS HUMANAS (HEp2)........68

5 DISCUSSO ........................................................................................................................71

6 CONCLUSO.......................................................................................................................77

REFERNCIAS .....................................................................................................................79

ANEXO A COMIT DE TICA .....................................................................................88

ANEXO B - LEITURA E CDIGO DO API CORINE ....................................................89

APNDICE A - TRABALHO APRESENTADO RELACIONADO DIRETAMENTE

COM A DISSERTAO ......................................................................................................90

APNDICE B ARTIGO PUBLICADO RELACIONADO DIRETAMENTE COM A

DISSERTAO .....................................................................................................................91

17

1 INTRODUO

A difteria uma doena infectocontagiosa, de evoluo aguda com manifestaes

locais e sistmicas que permanece como uma importante causa de morbidade e mortalidade

nos diferentes continentes, inclusive em pases com programas efetivos de imunizao infantil

(GALAZKA, 2000, BITRAGUNTA et al, 2010, KHAN et al, 2007, WANG; LONDON

2009, MAN et al, 2010, SAIKYA et al, 2010). Sua forma clssica est associada ao

Corynebacterium diphtheriae produtor de toxina diftrica (TD) e se caracteriza pela formao

de pseudomembranas acinzentadas no stio de infeco, em decorrncia dos efeitos da

liberao da TD e da resposta do hospedeiro (HADFIELD et al, 2000) e sua forma clnica

mais comum a farngea (TRABULSI; ALTERTHUM, 2008).

Segundo Mortimer e Whartom (1999), as primeiras descries de epidemias datam do

fim do sculo primeiro da era Crist, quando Areteo da Capadcia, em viagens pela sia,

observou indivduos com leses na garganta que passaram a ser chamadas de lceras

siracas e lceras egpcias. No sculo III, Coelio Aureliano j descrevia quadros de anginas

graves, o crupe, a afonia diftrica e eliminao de fludos pelo nariz. No sculo XVI,

epidemias de difteria foram descritas em diversos pases da Europa e receberam vrias

denominaes, tais como angina pestinencial, mal sufocante, garrotilho, doena

anginosa, doena estrangulatria e mal gangrenoso da garganta. As epidemias de difteria

estenderam-se atravs do sculo XVII alcanando o continente Americano. Apenas em 1821,

Bretonneau descreveu e caracterizou a difteria, como sendo uma doena infecciosa.

As espcies de corinebactrias constituem um grupo de microrganismos aerbios,

bacilos Gram positivos irregulares (BGPI), imveis, no esporulados e catalase-positivos, que

podem provocar processos infecciosos tanto em homens como em animais (SETO et al,

2008). Trs espcies de corinebactrias podem potencialmente carrear o gene tox e causar

difteria clssica: C. diphtheriae, Corynebacterium ulcerans e Corynebacterium

pseudotuberculosis (WAGNER et al, 2010).

C. ulcerans foi isolado pela primeira vez em leso de garganta de um paciente com

quadro de doena respiratria diftrica, em 1926, por Gilbert e Stewart (TROST et al, 2011).

Esse microrganismo, classicamente, o agente etiolgico de quadros diversos de infeces

em animais, mais notadamente mastites no rebanho bovino, porm pode ser tambm agente

etiolgico de necroses em mucosas e sndromes do trato respiratrio inferior, com pneumonia

18

e formaes de ndulos pulmonares (HATANAKA, 2003) em outras espcies, incluindo ces,

gatos, porcos, cavalos, lontras, macacos e javalis (Tabela 1).

C. pseudotuberculosis o agente etiolgico da linfadenite caseosa (CLA) em

pequenos ruminantes, como carneiros e cabras. A doena se apresenta como abscessos

cutneos, pneumonia, artrite, pericardite e mastite. Esse microrganismo tambm pode estar

envolvido em infeces que causam linfadenite em cavalos e linfangite ulcerativa em vacas

(PERKINS et al, 2004, BAIRD; FONTAINE, 2007, SHARPE et al, 2010). Embora infeces

por C. pseudotuberculosis raramente afetem o homem, foram relatados casos de linfadenite,

relacionados a infeces ocupacionais, atingindo trabalhadores rurais que possuem contato

frequente com o rebanho ou que trabalhem em abatedouros (GUIMARES et al, 2011). Na

Austrlia, em 1997, foram descritos dez casos de infeco humana por C. pseudotuberculosis,

confirmando sua presena em reas de criao de ovelhas e carneiros (PEEL et al, 1997).

1.1 IDENTIFICAO FENOTPICA E GENOTPICA

As corinebactrias so coradas pelo Gram e se mostram como bacilos suavemente

curvados com extremidades arredondadas, conferindo um aspecto de clava e com arranjo

tpico em letra chinesa. Podem ser facilmente isoladas em meio gar contendo 5% de

sangue de carneiro (AS). Meio contendo telurito de potssio inibe o crescimento de outras

bactrias no-corineformes e pode ser usado como um meio seletivo para isolar as espcies C.

diphtheriae, C. ulcerans e C. pseudotuberculosis, gerando colnias negras. Testes

bioqumicos so utilizados na identificao de corinebactrias como: catalase, motilidade,

reduo de nitrato e hidrlise de ureia e de esculina, fermentao de acares e reao de

CAMP (FUNKE; BERNARD, 2009).

Outros mtodos baseados em testes bioqumicos incluem o sistema semi-automatizado

API Coryne, que contm painis de identificao em seu banco de dados e pode identificar

corretamente 90,5% das amostras (FUNKE; BERNARD, 2009) e o automatizado Vitek, que

tambm possui um banco de dados para amostras clnicas.

19

Tabela 1

Casos de infeco devido a Corynebacterium ulcerans e Corynebacterium diphtheriae em animais relatados na literatura internacional

Pas (ano)

Hospedeiro

(n de cepas

isoladas)

Produo de

toxina diftrica Condio clnica

Contatos

animais (n) bito de animais Observaes

C. ulcerans

Romnia (1977) Macaco (1) ND

Dermatite

Granulomatosa

Sim

(271macacos) ND

Inglaterra (1984) Vaca (ND) ND Assintomtico Sim No Proprietrio se recuperou da infeco

Inglaterra (1984) Vaca (ND) Positivo Assintomtico Sim No Proprietrio se recuperou da infeco

Canad (1988) Esquilos (63) Positivo

Dermatite

gangrenosa

No

(287 esquilos) Sim (6) Os 57 animais sobreviventes receberam antibioticoterapia

EUA (2000) Macacos (26) Negativo Leses de pele No ND

Microrganismos foram isolados de 56% das leses de pele

e de 3% das amostras de orofaringe

Espanha (2006) Camelo (1) ND Linadenite caseosa ND ND

Esccia (2002) Gato (2) Positivo Secreo nasal No No

Inglaterra (2002) Lontra (2) Positivo Infeco pulmonar ND Sim (1)

20

Pas (ano)

Hospedeiro

(n de cepas

isoladas)

Produo de

toxina diftrica Condio clnica

Contatos

animais (n) bito de animais Observaes

Inglaterra

(1986-2003) Gatos (7) Positivo Secreo nasal ND No

Os mesmos ribotipos isolados de 50 indivduos foram

isolados de gatos, sugerindo que esses animais podem ter

sido os reservatrios

Japo (2004) Orca (2) Positivo Pneumonia

purulenta ND Sim

Cepas isoladas do sangue e tecido pulmonar de 2 orcas

(macho e fma) do mesmo aqurio

Frana (2005) Co (1) Positivo Leso labial crnica ND Eutansia (1) Adulto se recuperou de difteria clssica. O patgeno foi

isolado de material de leso labial, tonsilas e narinas

Argentina (2005) Cabra (1) ND Abscesso cerebral ND Eutansia (1) Cepas isoladas de abscesso cerebral e fluido

cerebroespinhal

Inglaterra (2006) Co (2) Positivo Assintomtico Sim (2) No bito do proprietrio

Frana (2006) Co (1) Positivo Assintomtico Sim (1) No Proprietrio se recuperou de difteria clssica

Japo (2008) Leo Negativo Sepse ND ND Cepa isolada do sangue

Japo (2009) Co (1) Positivo Assintomtico Sim (65 ces) No Cepa isolada de orofaringe

Alemanha (2009) Porco (1) Positivo Assintomtico

Sim (19

porcos e 1

co)

No

Adulto se recuperou de difteria clssica. Cepa isolada de

humano foi idntica isolada do porco. Investigao de 3

contatos foi negativa

21

ND: no declarado. Fonte: Corynebacterium ulcerans: an emerging zoonosis in Brazil and worldwide. DIAS et al, Rev. Sade Pblica, v. 45, p. 6, 2011a.

Pas (ano)

Hospedeiro

(n de cepas

isoladas)

Produo de

toxina diftrica Condio clnica

Contatos

animais (n) bito de animais Observaes

Brasil (2010) Co (1) Negativo Assintomtico Sim (60 ces) No

Cepa isolada de nasofaringe. O estado de portador foi

eliminado pelo uso de antibioticoterapia. No houve

contato humano

EUA (2010) Co (1) Negativo Broncopneumonia No No

Duas cepas distintas foram isoladas do mesmo co num

perodo de 3 meses. O proprietrio no foi detectado como

portador

Sua (2012) Gato (1) Negativo Leses em boca e

membro ND No

Proprietrio se recuperou. Uma cepa idntica foi isolada da

boca do gato. Vacinao com toxide diftrico feita dez

anos antes

Japo (2013) Macacos (30) Positivo Assintomticos Sim No Cepas isoladas em criatrio de macacos

EUA (2014) Furo (5) Negativo Secreo em

implante ceflico Sim No Animais usados em experimentos

C. diphtheriae

EUA (2010) Gato (2) Negativo Otite severa

Sim (3 gatos,

2 ces e 1

cavalo)

No

4 cepas de C. diphtheriae var belfanti foram isoladas das

orelhas de 2 gatos. Investigao de 10 contatos humanos

foi negativo

Irlanda (2010) Cavalo (1) Positivo Leses de pele ND No Cepa de C. Diphtheriae var gravis foi isolada do pus.

Investigao de contatos humanos foi negativa

22

As trs espcies citadas so relacionadas filogeneticamente. O sequenciamento do

gene 16S rRNA indicado para a diferenciao entre espcies, desde que elas apresentem

mais de 3% de divergncia (FUNKE; BERNARD, 2009). No caso das trs espcies C.

diphteriae, C ulcerans e C. pseudotuberculosis, elas possuem menos de 2% entre si; C.

ulcerans e C. pseudotuberculosis menos de 1%. necessrio o sequenciamento do gene rpoB,

por possuir um grau mais elevado de polimorfismo entre as espcies (KHAMIS; RAOULT;

LA SCOLA, 2004, FUNKE; BERNARD, 2009). A presena do gene tox pode ser avaliada

atravs da reao em cadeia da polimerase (PCR) que detecta os fragementos A e/ou B da TD

(NAKAO; POPOVIC, 1997), porm no deve ser usada como nica prova. A expresso da

toxina tambm deve ser avaliada. Amostras tox+ nem sempre expressam o gene (FUNKE;

BERNARD, 2009). A diferenciao das trs espcies tambm possvel atravs de uma PCR

multiplex, com primers especficos para cada espcie (TORRES et al, 2013).

1.2 ASPECTOS CLNICOS

1.2.1 Difteria clssica

A difteria clssica causada pelo C. diphtheriae toxinognico e se apresenta pela

presena de pseudomembranas no local de infeco, o que caracteriza um sinal patognmico

da doena. Primariamente so afetados os rgos do aparelho respiratrio superior. Na forma

mais comum observa-se alm da faringite com dor local, aumento dos linfonodos cervicais, o

chamado pescoo de touro. Esse pode ser um sinal de alerta para complicaes, como

endocardites. Em casos mais graves, ocorre a difteria maligna ou hipertxica, o incio sbito

e alm do pescoo de touro, ocorre hipotenso arterial, miocardite e neurite, sendo mais que

50% dos casos fatais (MATTOS-GUARALDI; HIRATA JR; DAMASCO, 2011).

23

1.2.2 Outros tipos de infeces pelo C. diphtheriae

A difteria tambm pode apresentar infeces cutneas, com aspecto de lceras, mais

comuns em pases tropicais (WAGNER et al 2010), por vezes associadas as leses por

Leishmaniose (FORMIGA; MATTOS-GUARALDI, 1993), picadas de insetos e

traumatismos. As infeces diftricas cutneas so mais contagiosas que as respiratrias

(MaCGREGOR, 1990). Recentemente vem ocorrendo um aumento no nmero de casos em

que os pacientes, maioria adulta e parcialmente imunizada, apresentam somente uma das

complicaes da difteria, sem as pseudomembranas ou qualquer outra complicao em

faringe. Outra mudana no quadro clnico da difteria so amostras no toxinogncias de C.

diphtheriae sendo encontradas como agentes em quadros invasivos de sepse, endocardite,

osteomielite e artrites (HIRATA JR et al, 2002, MATTOS-GUARALDI; HIRATA JR;

DAMASCO, 2011).

1.3 POTENCIAL ZOONTICO DAS CORINEBACTRIAS

As espcies potencialmente produtoras de TD podem provocar processos infecciosos

tanto em humanos como em animais (SETO et al, 2008, WAGNER et al, 2010). Embora C.

diphtheriae seja considerado um patgeno humano, foi relatado o isolamento de C.

diphtheriae no caso de um felino com otite severa (HALL et al, 2010), o que alertou a

comunidade cientfica para o potencial zoontico desse patgeno. Alm disso, se tem

observado um aumento do nmero de casos de difteria zoontica devido ao C. ulcerans,

principalmente em pases desenvolvidos, tendo como reservatrios ces e gatos. Na Inglaterra

dos 13 casos de difteria por C. ulcerans, entre 2003 e 2008, todos estavam relacionados ao

contato com animais de companhia (WAGNER et al, 2010, DIAS et al, 2011a). Antes, esse

patgeno era associado principalmente ao gado leiteiro como sendo seu principal reservatrio,

e consumidores de leite in natura e trabalhadores do meio rural formavam o grupo de risco

24

(BONMARIN et al, 2009). Adicionalmente, entre 2005 e 2008, 4 casos de difteria por C.

pseudotuberculosis foram identificados na Europa e somente um dos pacientes relatou contato

com animais de fazenda (WAGNER et al, 2012).

Existe uma carncia de informaes sobre a colonizao e doenas causadas por

corinebactrias potencialmente produtoras de TD em animais e humanos, devido parcialmente

a uma triagem inadequada desses patgenos no diagnstico laboratorial, inclusive no Brasil.

Os profissionais da rea da sade encontram-se atualmente despreparados para reconhecer e

identificar as infeces em humanos causadas por C. diphtheriae, C. ulcerans e C.

pseudotuberculosis em suas formas toxinognicas e atoxinognicas. Esse fato ressalta a

necessidade da utilizao de mtodos de identificao precisos e rpidos na presena desses

patgenos (DIAS et al, 2011a).

Os fatores que vm favorecendo o surgimento de casos de infeces pelo C. ulcerans

em homens e animais permanecem incompreendidos, embora seja possvel que os fatores de

virulncia estejam se expressando em decorrncia da presso seletiva associada a condies

socioeconmicas, como maior densidade demogrfica e condies higinico-sanitrias

deficientes, aliadas ao convvio ntimo com animais de companhia (PESAVENTO, 2007).

1.3.1 Difteria zoontica

Nos ltimos anos vm ocorrendo uma mudana no perfil epidemiolgico da difteria, e

o nmero de casos onde o agente etiolgico identificado o C. ulcerans vem aumentando em

vrios pases na Europa, inclusive superando o nmero de casos por C. diphtheriae, como na

Inglaterra e Frana (TIWARI et al, 2008, BONMARIN et al, 2009, CONTZEN et al, 2011,

WAGNER et al, 2012). Alm da Europa, Estados Unidos e Japo vm identificando com

frequncia a presena de C. ulcerans como patgeno responsvel por quadros clnicos de

difteria (CDC, 2011), alguns deles atpicos (KIMURA et al, 2010, URUKAWA et al, 2013).

A difteria por C. ulcerans se apresenta de forma bem similar causada pelo C. diphtheriae,

com todos os sinais relacionados presena de TD: doena respiratria, com sangramento

nasal, leses em rvore brnquica, com formao de pseudomembrana, comprometimento dos

linfonodos cervicais (DIAS et al, 2011, WAGNER et al, 2012) e leses cutneas tpicas de

difteria (DIAS et al, 2011, WAGNER et al, 2001). A ocorrncia de necrose, ulcerao de

25

mucosas e manifestaes em trato respiratrio inferior, como granulomas e pneumonia, so

atribudos tambm presena de TD e fosfolipase D (PLD) (DIAS et al, 2011a).

1.4 SUSCEPTIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS

Os antimicrobianos tm sido usados para prevenir a produo e propagao da TD em

pacientes sintomticos, assim como evitar o surgimento da doena clnica, pela disseminao

a partir de um portador assintomtico ou de contatos estreitos com colonizados (PEREIRA et

al, 2008).

A penicilina-G e a eritromicina so as drogas de escolha para a erradicao do bacilo

diftrico. O primeiro deles, um dos mais antigos antimicrobianos conhecidos, pertence

categoria dos -Lactmicos, capaz de interferir na sntese de peptideoglicanos da parede

celular bacteriana. A eritromicina atua inibindo a sntese de protenas da clula procariota,

sendo um dos antimicrobianos mais ativos in vitro contra o bacilo diftrico (FORMIGA,

1986, MACAMBIRA; FORMIGA; FORMIGA, 1994). A eritromicina e a sua molcula

modificada, a azitromicina, so as drogas mais utilizadas como substitutos naturais da

penicilina-G, sendo usadas em pacientes alrgicos penicilina, infectados com amostras

toxinognicas e em portadores assintomticos (WILSON, 1995, GOMES, 2007). Entretanto,

resistncia penicilina G, oxacilina, eritromicina, rifampicina, tetraciclina e

clindamicina tem sido relatada (FORMIGA; MATTOS-GUARALDI, 2001, VON

HUNOLSTEIN et al, 2003, PEREIRA et al, 2008).

C. ulcerans, da mesma forma que C. diphtheriae, apresenta sensibilidade para

eritromicina, azitromicina, claritromicina e penicilina, drogas de escolha no tratamento

quando ocorrem infeces em que o agente causador (WAGNER et al, 2010). Entretanto,

amostras resintentes clindamicina j foram descritas (KATSUKAWA et al, 2012).

C. pseudotuberculosis sensvel penicilina G, amoxacilina, aos macroldeos, s

tetraciclinas e s cefalosporinas (PEEL et al, 1997), porm algumas amostras j foram

descritas como resistentes estreptomicina, neomicina e penicilina (DORELLA et al,

2006).

26

1.5 IMUNIZAO

Atualmente, a difteria considerada uma doena controlada em pases desenvolvidos

que possuem um programa vacinal eficiente, porm permanece endmica em vrios pases em

desenvolvimento. A proteo contra a difteria adquirida pela vacinao com o toxide

diftrico, ocorrendo uma queda no nvel de anticorpos no final da infncia e adolescncia

(GALAZKA, 2000, DIAS et al, 2010). A difteria pode acometer indivduos parcialmente

imunizados independente de raa, cor e sexo. Epidemias ocorrem quando o declnio parcial de

imunidade se soma falta de reforo vacinal e menor exposio ao bacilo (GALAZKA;

ROBERTSON, 1995, DURBARC, 1999, MATTOS-GUARALDI et al, 2003, LANDER

et al, 2009, MATTOS-GUARALDI; HIRATA JR; DAMASCO, 2011).

No Brasil a cobertura vacinal atinge 99% da populao infantil (DIAS et al, 2011a,

MATTOS-GUARALDI; HIRATA JR; DAMASCO, 2011), porm a doena ainda permanece

de forma endmica, ocasionando surtos epidmicos, indicando falha na cobertura vacinal. Por

exemplo, no Maranho, onde a vacinao atingiu apenas 56% das crianas, ocorreu um surto

de difteria em 2010 (MATTOS-GUARALDI; HIRATA JR; DAMASCO, 2011).

O esquema de vacinao iniciado aos dois meses, com a aplicao da vacina

pentavalente (DTP - difteria, ttano e pertussis + meningite + Hepatite B), reforo aos quatro

e seis meses com a vacina pentavalente, e reforo aos seis meses e quatro anos com a DTP. A

partir da, reforo a cada dez anos, durante toda a vida (BRASIL, 2012).

A vacinao com o toxide diftrico (vacina DPT), e em outras combinaes, confere

proteo apenas contra a toxina diftrica e no contra a colonizao ou infeco pelo

microrganismo. A imunizao reduz a severidade e o nmero de casos da doena (MATTOS-

GUARALDI; HIRATA JR; DAMASCO, 2011). Porm, a vacinao com o toxide diftrico

no confere imunidade contra a difteria zoontica causada pelo C. ulcerans, uma vez que a

maioria dos casos ocorreu em pacientes que haviam sido total ou parcialmente imunizados

com o toxide diftrico (DIAS et al, 2011, WAGNER et al, 2012). Relatos recentes indicam

diferenas na sequncia de nucleotdeos do gene tox de C. diphtheriae e C. ulcerans, mesmo

entre amostras de C. ulcerans (CASSIDAY et al, 2008, DIAS et al, 2011a, SEKIZUKA et al,

2012). Esse fato pode contribuir para que indivduos vacinados com o toxide diftrico no

apresentem uma imunizao total contra a toxina produzida por amostras de C. ulcerans.

27

1.6 EPIDEMIOLOGIA

A difteria clssica uma doena de evoluo aguda que acomete crianas de at 10

anos, e o maior nmero de casos e bitos ocorre na faixa at os 4 anos (TRABULSI;

ALTERTHUM, 2008). Nos anos 80 acreditava-se que a difteria seria erradicada da Europa at

2000, to baixo era o nmero de casos, porm, nos anos 90, uma epidemia assolou os pases

da antiga Unio Sovitica, alguns pases da Europa Ocidental e sia. A Organizao Mundial

de Sade (OMS) determinou a instaurao de uma equipe para controlar a maior epidemia nos

ltimos tempos, atravs da vigilncia de casos, diagnstico e atendimento rpido (MATTOS-

GUARALDI; HIRATA J; DAMASCO, 2011). O enfraquecimento do programa vacinal,

devido a informaes equivocadas em relao aplicao em crianas, aliado ao uso de uma

vacina de baixa qualidade so as possveis causas do surto epidmico. Alm disso, a ruptura

da Unio Sovitica levou a um grande deslocamento populacional e facilitou a disseminao

da difteria entre os pases afetados (WAGNER et al, 2012). Uma das caractersticas dessa

epidemia foi uma maior incidncia entre jovens e adultos, e a ausncia do sinal caracterstico

da difteria, que a formao da pseudomembrana diftrica. Com isso os profissionais no

estavam preparados para diagnosticar e tratar corretamente os doentes, o que possibilitou

ainda mais a expanso da doena (MATTOS-GUARALDI; HIRATA J; DAMASCO, 2011).

Outro fator que pode ser determinante no surgimento de novas epidemias a ampla

diversidade gentica que o C. diphtheriae apresenta, sendo suscetvel a mutaes que

poderiam produzir cepas providas de novas caractersticas adaptativas, facilitando a

ocorrncia de epidemias (MATTOS-GUARALDI; HIRATA JR; DAMASCO, 2011).

Atualmente o nmero de casos confirmados de difteria tem crescido em todo mundo,

apesar de ser uma doena imunoprevinvel, o que mantm a possibilidade de ocorrncia de

surtos epidmicos, com uma elevada taxa de morbi-letalidade. Fatores predisponentes, tais

como condies socioeconmicas e higinicas inadequadas, alm de quadros de

imunocomprometimento e recusa imunizao favorecem o surgimento de infeces por C.

diphtheriae. Alm disso, quadros de infeces invasivas por amostras atoxinognicas vm

aumentando, como endocardites, abscesso esplnico e osteomielite.

Na ltima dcada, o nmero de casos de infeco por C. ulcerans, inclusive quadros

de difteria, tem crescido e superado o nmero de casos de infeco por C. diphtheriae nos

pases desenvolvidos (CONTZEN et al, 2011), a maior parte na Europa, Amrica do Norte e

sia (CDC, 2000, VON HUNOLSTEIN et al, 2003, DEWINTER; BERNARD; ROMME,

28

2005, BONMARIN et al, 2009, KOMYIA et al, 2010, PUTONG et al, 2011, WAGNER et al,

2012). Alguns casos foram relacionados transmisso animal (TAYLOR et al, 2010,

WAGNER et al, 2010, KIMURA et al, 2011). Alm disso, outros tipos de infeces por C.

ulcerans em humanos foram descritos, inclusive no Brasil (MATTOS-GUARALDI et al,

2008). Recentemente houve o relato de caso de lcera cutnea por C. ulcerans em que a fonte

de infeco foi um objeto, o que demonstra a presena e circulao do C. ulcerans no

ambiente e a mudana no perfil da difteria (LEITZ; LEITZ; SCHALLER, 2013).

Cepas toxinognicas de C. ulcerans foram tambm isoladas causando infeces em

vrias espcies animais domsticas, como bovinos, sunos, ces e gatos (DE ZOYSA et al,

1995, KATSUKAWA et al, 2009, SCHUHEGGER et al, 2009, SYKES et al, 2010) e

animais silvestres (CONTZEN et al, 2011). Na regio metropolitana do Rio de Janeiro, foi

encontrado em um abrigo para animais um co assintomtico portador de C. ulcerans

atoxinognico (DIAS et al, 2010) numa populao de 60 animais analisada, enfatizando,

portanto, a importncia de animais de companhia como possveis reservatrios em nosso pas.

Na Inglaterra, de um levantamento feito entre 2000 e 2009, a maioria dos casos foi

detectada em mulheres de meia idade. Esse fato pode estar relacionado ao fato de mulheres

terem maior contato com animais de companhia aliado a queda na imunidade (WAGNER et

al, 2012). Embora Inglaterra, Frana e outros pases da Europa relatem regularmente o

isolamento de C. ulcerans, incluindo amostras toxinognicas, improvvel que somente

nessas regies esse patgeno seja encontrado. A habilidade em detectar a presena de C

ulcerans um potencial indicador de uma vigilncia em sade eficiente. Alm do Reino

Unido, poucos pases mantm uma rotina laboratorial estabelecida (MATTOS GUARALDI;

HIRATA JR; DAMASCO, 2011), com notificao obrigatria. No Brasil, em vista das

mudanas ocorridas na epidemiologia da difteria, o Ministrio da Sade emitiu uma Nota

Tcnica - N 25.000.140.269/2010-39- (BRASIL, 2010b), alertando sobre a situao da

doena no pas e sobre a possibilidade de difteria zoontica, assim como estabelecimento de

medidas de notificao, controle e tratamento da difteria.

J a prevalncia da linfadenite caseosa alta em vrias regies do mundo, incluindo a

Amrica do Sul; no Brasil ela endmica, podendo atingir 70% do rebanho ovino/caprino.

Embora seja rara a infeco de C. pseudotuberculosis no homem, sua erradicao do rebanho

difcil devido resposta ineficaz ao tratamento com antimicrobianos sendo recomendada a

exciso cirrgica dos abscessos e dos linfonodos afetados (PAVAN et al, 2011).

29

1.7 PATOGENICIDADE E FATORES DE VIRULNCIA

A TD codificada pelo gene tox que est presente em bacterifagos capazes de

infectar C. diphtheriae, C. ulcerans e C. pseudotuberculosis (WONG; GROMAN, 1984). o

fator de virulncia mais bem estudado dessas espcies, sendo a TD composta por dois

fragmentos, A e B. O fragmento A (TDA) o que possui atividade enzimtica, inibindo a

sntese proteica e induzindo a apoptose. O fragmento B (TDB) no possui atividade

enzimtica, porm indispensvel para que TDA penetre no citoplasma da clula

(TRABULSI; ALTERTHUM 2008). Alm disso, as espcies C. ulcerans e C.

pseudotuberculosis possuem em seus genomas genes homlogos aos encontrados em C.

diphtheriae, que codificam outros fatores de virulncia, como a fosfolipase D (PLD -

principal fator de virulncia dessas espcies), uma enfingomielinase que possui atividade pr-

inflamatria, aumentando a permeabilidade vascular e facilitando a disseminao do agente

infeccioso no hospedeiro (MCNAMARA; CUEVAS; SONGER, 1995, TROST et al, 2011).

Outros fatores de C. ulcerans incluem o gene cpp (Corynebacterial protease CP40), que

possui forte similaridade ao domnio alfa da endoglicosidase E de Enterococcus fecalis, com

atividade glucosaminidase, promovendo a degradao de ribonuclease; o gene rbp, que

codifica a protena de ligao do ribossoma, com similaridade toxina Shiga-like de

Escherichia coli; a neuramidase NanH, que modifica a habilidade do hospedeiro em

responder s infeces bacterianas, favorecendo a adeso e invaso das clulas pela bactria

(TROST et al, 2011).

Microrganismos frequentemente aderem a superfcies biticas e abiticas, incluindo

dispositivos mdico-hospitalares, como cateteres venosos, dispositivos intrauterinos, vlvulas

cardacas, cateteres de dilise peritoneal, cateteres urinrios e prteses de articulaes,

formando biofilmes compostos de polmeros extracelulares. Dessa forma, as bactrias podem

se tornar altamente resistentes ao tratamento antimicrobiano, e fortemente aderidas s

superfcies (DONLAN, 2001). Infeces por bactrias formadoras de biofilme so uma

complicao clnica pela ocorrncia de infeces graves. Microrganismos de fontes exgenas

invadem o local de insero dos dispositivos e migram ao longo de sua superfcie, formando

os focos de colonizao. Uma amostra atoxinognica de C. diphtheriae foi isolada de um

cateter de nefrostomia em paciente com neoplasia (GOMES et al, 2009). Foi relatado

30

recentemente que C. ulcerans possui estruturas de aderncia (TROST et al, 2011), sendo

potencialmente capaz de aderir a substratos abiticos formando biofilme.

1.7.1 Citotoxicidade

Os microrganismos possuem inmeros mecanismos para evitar a ao do sistema

imune, consequentemente colonizando e causando danos ao hospedeiro. A TD presente no C.

diphtheriae, assim como no C. ulcerans, tem tropismo por miocrdio, sistema nervoso, rins e

suprarrenais (DIAS et al, 2011b), sendo capaz de promover rearranjo do citoesqueleto e

inibio da sntese proteica, provocando lise celular e fragmentao do DNA nuclear, levando

a processos de apoptose e necrose de clulas (SANTOS et al, 2010). Adicionalmente, a

fosfolipase D (PLD) presente em C. ulcerans e C. pseudotuberculosis, somada sua ao pr-

inflamatria, possui atividade dermonecrtica e em altas doses letal para espcies de

laboratrio e domsticas. Algumas de suas atividades biolgicas so encontradas de forma

semelhante em esfingomielinases presentes no veneno de aranhas do gnero Loxosceles

(DORELLA et al, 2006, DIAS et al, 2011b).

Em um estudo do genoma de C. ulcerans (TROST et al, 2011), foi detectado o gene

rpb em uma das amostras. Esse gene codifica a protena de inativao ribossomal que

demonstrou ter similaridade cadeia A da toxina Shiga like encontrada em Escherichia coli.

Embora a similaridade seja fraca, a sequncia gnica do rpb apresenta todos os aminocidos

necessrios a atividade cataltica N-glicosidase altamente conservados. A biossntese de

protenas inibida, de maneira semelhante TD, e mimetiza os sinais sistmicos da difteria.

1.7.2 Aspectos de adesividade e viabilidade intracelular

Adeso ao tecido do hospedeiro o primeiro passo para colonizao e infeco

microbiana e promove a sobrevivncia do patgeno no fluido de perfuso (VENGADESAN;

NARAYANA, 2011). C. diphtheriae apresenta afinidade preferencialmente por mucosas e

31

pele como stios de colonizao. As propriedades adesivas de C. diphtheriae vm sendo

estudadas, e aspectos como hidrofobicidade (MATTOS-GUARALDI et al, 1999), presena de

estruturas de aspectos fimbriais (YANAGAWA; HONDA, 1976; VENGADESAN;

NARAYANA, 2011) e capacidade de aglutinar hemcias humanas e de animais (MATTOS-

GUARALDI; FORMIGA, 1986, MATTOS-GUARALDI; FORMIGA, 1991, MATTOS-

GUARALDI; FORMIGA, 1992) parecem ser importantes no mecanismo de aderncia

(GOMES, 2007). Os quadros clnicos invasivos que vm aumentando em frequncia parecem

envolver padres agregativos de aderncia, como no caso de endocardites. Essa capacidade de

aderncia favorece a disseminao sistmica da bactria pelo organismo, atravs da ruptura da

barreira sangunea. Foi demonstrado que amostras de C. diphteriae responsveis por causar

endocardite mostravam padres de aderncia em clulas respiratrias (HEp2) (HIRATA JR.

et al, 2008).

A habilidade das corinebactrias em migrar atravs da barreira epitelial importante

nos estgios iniciais da infeco. Agentes infecciosos em meio intracelular tm sua

sobrevivncia favorecida, pois evitam a atividade de clulas do sistema imune e a ao de

antimicrobianos. A possibilidade em sobreviver intracelularmente pode favorecer infeces

endovasculares e levar ao surgimento de focos de infeces em outros locais do organismo,

independente da produo de toxina diftrica (SANTOS et al, 2010).

Algumas bactrias Gram-positivas, como as corinebactrias, tm a capacidade de

causar infeces invasivas, devido em parte, opsonizao na ausncia de anticorpos

especficos. A fagocitose no-opsnica constitui um meio do patgeno internalizar e

sobreviver no compartimento intracelular, como observado anteriormente para Streptococcus

agalactiae (SANTOS et al, 2010). Amostras de C. diphtheriae toxinognicas e atoxinognicas

so capazes de aderir, invadir e sobreviver em macrfagos da linhagem U-937 atravs da

fagocitose no-opsnica. As amostras toxinognicas conseguem invadir em maior nmero,

porm somente as amostras atoxinognicas se mantm viveis aps um perodo de 24 horas.

O menor nmero de amostras atoxinognicas fagocitadas pode estar relacionado a um

mecanismo de sobrevivncia da bactria, pelo qual ela evita a fagocitose por clulas do

sistema imune e consegue se manter vivel no organismo e causar doena. Alm disso, C.

diphtheriae mostrou-se capaz de induzir apoptose e necrose, independente de produo de TD

na linhagem de macrfagos U-937 (SANTOS et al, 2010).

Em clulas HEp-2 foram identificadas alteraes morfolgicas, como vacuolizao,

desarranjo nuclear e processo de apoptose aps tratamento com invasinas (DIP0733),

protenas no-fimbriais expostas na superfcie de bactrias, como C. diphtheriae, e capazes de

32

aderir a eritrcitos e clulas epiteliais (SABBADINI et al, 2012). Dessa forma, outros fatores

de virulncia alm da TD esto envolvidos na capacidade em colonizao e infeco.

C. ulcerans possui em seu genoma genes similares aos encontrados no C. diphtheriae

(spaDEF e spaBC), que codificam estruturas de adeso, chamadas fmbrias ou pili, que

permitem a interao com diferentes receptores da clula hospedeira, facilitando a ao dos

fatores de virulncia e a invaso intracelular (SANTOS et al, 2010, TROST et al, 2011).

Em um experimento recente, C. ulcerans mostrou habilidade em causar artrite atravs

de disseminao hematognica em camundongos, com alteraes histopatolgicas nas

articulaes como edema, infiltrado inflamatrio e leso do tecido sseo. As amostras de C.

ulcerans avaliadas, 809 e CDC KC279, exibiram potenciais artritognicos distintos, porm

mais acentuados do que amostras de C. diphtheriae (DIAS et al, 2011b).

1.8. AVALIAO CLONAL

O objetivo de estudos de tipagem molecular de microrganismos, como a tcnica de

Pulsed-field gel electrophoresis (PFGE), provar, por meios laboratoriais, que amostras

isoladas em surtos epidmicos de uma doena podem estar geneticamente relacionadas,

representando a mesma amostra. Adicionalmente, a PFGE pode avaliar amostras isoladas em

um mesma localidade, ou durante um certo perodo e determinar se so indistiguveis ou

proximamente relacionadas, sem que exista uma vinculao epidemiolgica evidente.

Presume-se que tais amostras possuem uma fonte comum, porm distante temporalmente,

levando a eventos genticos isolados. Essas informaes so teis para entender e controlar a

disseminao da doena (TENOVER et al. 1995).

Amostras de C. ulcerans foram avaliadas em alguns estudos e demonstraram

variabilidade de perfis. No estudo realizado em duas amostras isoladas no Japo em 2010, por

Komyia e colaboradores (2010), foi possvel observar o mesmo pulsotipo para ambas, porm

em outro estudo realizado em 45 amostras, 39 eram do mesmo pulsotipo (KATSUKAWA et

al, 2012).

33

1.9 JUSTIFICATIVA

A sade humana e animal sempre estiveram interligadas. No entanto, os processos

sociais e agropecurios ocorridos nos ltimos anos proporcionaram um contato maior entre a

populao humana e os animais domsticos. Esse contato facilitou a disseminao de agentes

infecciosos para novos hospedeiros e ambientes, implicando em doenas emergentes de

interesse nacional ou internacional (BRASIL, 2010a).

A Vigilncia Sanitria abrange aes capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos

e agravos sade do indivduo e da coletividade, alm de intervir nos problemas sanitrios

decorrentes do meio ambiente, produo e circulao de bens da produo ao consumo e o

controle da prestao de servios que se relacionam direta ou indiretamente com a sade.

Portanto, tem por objetivo promover e proteger a sade e prevenir a doena por meio de

estratgias e aes de educao e fiscalizao (BRASIL, 1990).

Um aspecto inovador para as aes atuais de VISA a utilizao do princpio da

precauo. Muitas vezes o risco pode ser avaliado como possibilidade, sem que haja, de fato,

dados quantitativos, mas sim indcios, baseados na racionalidade e nos conhecimentos

cientficos disponveis (BRASIL, 2007). A aplicao do princpio da precauo em seu

conceito mais amplo, abrangendo o prprio ser humano, permite invoc-lo em casos de

ameaa sade humana (CEZAR; ABRANTES, 2003). Segundo Dallari e Ventura (2002),

aplica-lo em aes de Vigilncia Sanitria exigncia de um comportamento prudente, no

que tange a riscos sanitrios.

Sob esta tica, necessrio avaliar com cautela todos os possveis casos de zoonoses

emergentes, uma vez que podem se tornar um grande agravo para sade humana, devido

morbidade e mortalidade apresentadas por determinadas doenas, principalmente em

situaes onde no se verifica um nmero de casos significativos. O estudo epidemiolgico e

o aprimoramento dos sistemas de vigilncia das doenas so de extrema importncia para se

conhecer, intervir e recomendar aes que visem seu controle; para tanto necessrio

conhecer os diferentes componentes da cadeia de transmisso, assim como os seus fatores de

risco (BRASIL, 2010a).

Os dados apresentados anteriormente enfatizam a negligncia na pesquisa de

microrganismos emergentes (ME) ou re-emergentes (MRE) no Brasil. Os ME permanecem

desconsiderados na cadeia de identificao pela falta de conhecimento dos profissionais j

que, geralmente, so pouco associados alta morbidade/mortalidade em humanos no Brasil

34

ou mesmo no mundo. Os MRE podem, alm disso, ter perfis de virulncia alterados, com

novas ferramentas que possibilitem a colonizao e a invaso. No podemos esquecer que

todas essas modificaes podem estar associadas vacinao frente principal espcie do

grupo primeiramente envolvida em causar doena, deslocando o perfil de espcies causadoras

de doena, alm dos casos incidentes sobre os indivduos imuno-incompetentes ou aqueles

que no possuem cobertura vacinal adequada (adultos) (MATTOS-GUARALDI et al, 2003,

SOARES et al, 2011). Neste sentido, o nmero de casos de infeces por microrganismos

potencialmente produtores de TD vem aumentando e sua presena em humanos ainda

negligenciada, tanto pela falta de informao por parte dos profissionais de sade, como pela

carncia de uma rotina de diagnstico para estes patgenos (DIAS et al, 2010).

C. ulcerans vem se tornando uma preocupao no mbito da Sade Pblica pelo

potencial zoontico. O nmero crescente de casos ocorridos nos ltimos cinco anos de C.

ulcerans em ces e gatos reala sua importncia como zoonose emergente, trazendo essa

ameaa dos meios rurais para os centros urbanos. A emergncia de infeco humana por C.

ulcerans em reas urbanas brasileiras foi recentemente documentada (MATTOS-

GUARALDI et al, 2008). Em vista disso, em agosto de 2010, o Ministrio da Sade emitiu

uma nota tcnica (25000.140.269/2010-39) alertando sobre a situao da difteria no Brasil,

enfatizando a mudana na faixa etria, ausncia de pseudomembranas e a possibilidade da

difteria zoontica e da circulao de C. ulcerans e de C. diphtheriae no meio da populao

humana e animal. Embora ainda no tenham sido documentados casos de infeco humana

pelo C. pseudotuberculosis no Brasil, este patgeno endmico causador de infeces em

animais de produo (ovinos e caprinos), acarretando importantes perdas econmicas

(PACHECO et al, 2007, BAIRD; FONTAINE, 2007, SHARPE et al, 2010, PAVAN et al,

2011). Entretanto, face mudana que vem ocorrendo no perfil epidemiolgico da difteria,

com a ocorrncia de quadros clssicos causados pelo C. ulcerans (WAGNER et al, 2010;

TIWARI et al, 2008) e dada a alta similaridade entre seus genomas (TROST et al , 2011), a

ocorrncia de C. pseudotuberculosis no deve ser negligenciada.

Uma vez que a vacina protege apenas contra a ao de TD, os programas de

imunizaes no impedem a circulao de cepas endmicas e epidmicas de C. diphtheriae,

tampouco de C. ulcerans. Portanto, a comunidade envolvida nos sistemas de vigilncia deve

permanecer atenta para as modificaes na epidemiologia da doena e na virulncia dos

patgenos, inclusive na ocorrncia de mutaes naturais nas regies que codificam as

subunidades A e B da TD ou mesmo na possibilidade de produo de tipos diferentes de

toxinas como ocorre para as amostras de C. ulcerans que alm de PLD, podem produzir

35

toxinas com homologia com TD ou com a toxina Shiga-like. Neste sentido, anlises

genmicas e protemicas das espcies de corinebactrias potencialmente produtoras de TD

(C. diphtheriae, C. ulcerans e C. pseudotuberculosis) tm sido objeto de estudo. importante

ressaltar que o diagnstico laboratorial deve ser realizado em todas as circunstncias, em

virtude do seu papel determinante na vigilncia epidemiolgica da doena.

Devido ocorrncia de epidemias em diversos pases, a anlise do perfil de

susceptibilidade aos agentes antimicrobianos tornou-se uma importante ferramenta na

caracterizao das infeces causadas pelas corinebactrias, uma vez que a antibioticoterapia

mostrou-se capaz de limitar a produo da toxina e erradicar o microrganismo do individuo

contaminado, bem como diminuir o risco de transmisso da doena. A anlise do perfil de

susceptibilidade aos antimicrobianos procedimento indispensvel no processo de preveno

e controle de disperso de amostras resistentes e permite relacionar microrganismos em

funo da semelhana entre perfis. Considerando as inmeras variveis envolvidas no

processo de infeco por corinebactrias, a antibiotipagem deve ser sempre associada a, no

mnimo, mais uma tcnica de tipagem fenotpica e/ou genotpica. Os mtodos moleculares

associados aos mtodos fenotpicos clssicos favoreceram os estudos da caracterizao de

microrganismos para fins taxonmicos, diagnsticos e epidemiolgicos.

Alm disso, diferenas quanto capacidade de colonizao e infeco das diversas

corinebactrias podem ser relacionadas prevalncia de cepas epidmicas, invasoras e/ou de

alguns bitipos sobre os demais (MATTOS-GUARALDI et al, 2003). Embora as

corinebactrias sejam consideradas colonizadoras extracelulares, a j demonstrada capacidade

de sobrevivncia no interior de clulas respiratrias poderia ajudar a explicar a permanncia

da infeco no trato respiratrio, apesar da terapia antimicrobiana e administrao de

antitoxina diftrica (HIRATA JR et al, 2004). A identificao de mecanismos de interao

deste microrganismo poder, futuramente, contribuir para o desenvolvimento de novas

estratgias de preveno e tratamento das infeces causadas por esta espcie. Ligantes

expressos na superfcie de corinebactrias podem representar alvos para o desenvolvimento de

agentes teraputicos, vacinas ou bloqueadores de aderncia e/ou invaso (SABBADINI et al,

2010).

36

2 OBJETIVOS

O projeto teve como objetivo geral o isolamento, a caracterizao e a verificao do

potencial de virulncia de amostras de Corynebacterium ulcerans oriundas de animais

domsticos domiciliados na rea metropolitana do Rio de Janeiro.

Neste sentido, foram desenvolvidos os seguintes objetivos especficos:

Isolamento de amostras de bastonetes Gram-positivos irregulares obtidos de processos

de infeco e/ou colonizao em caninos e felinos domiciliados em residncias na regio

metropolitana do Rio de Janeiro;

Avaliao da ocorrncia de diferentes espcies do gnero Corynebacterium;

Identificao de espcies potencialmente produtoras de Toxina Diftrica (TD) atravs

de testes bioqumicos convencionais, sistemas automatizados (API e VITEK) e tcnicas

moleculares;

Cofirmaao da espcie anlise das sequncias dos genes 16S rRNA e rpoB;

Pesquisa de potencial toxinognico dos microrganismos atravs de mtodos fenotpicos

e genotpicos;

Anlise de perfis de susceptibilidade a diversos agentes antimicrobianos;

Avaliao do relacionamento clonal de amostras de C. ulcerans de origens diversas pela

tcnica de eletroforese em campo pulsado (PFGE);

Pesquisa da capacidade de interao bacteriana com superfcie abitica e hidrofbica de

poliestireno, inclusive com cateter de poliuretano;

Pesquisa da capacidade de interao bacteriana com protenas plasmticas e de matriz

extracelular (Fbg, Fn e colgeno do tipo I) de humanos;

Anlise quantitativa e qualitativa da cintica de aderncia e viabilidade intracelular de

amostras de C. ulcerans com clulas epiteliais humanas de linhagem HEp-2;

Correlacionar o potencial zoontico com as diversas caractersticas fenotpicas e

genotpicas dos microrganismos isolados no estudo.

37

3 METODOLOGIA

3.1 FLUXOGRAMA DE EXPERIMENTOS

Avaliao clnica dos animais

o clnica

Cultivo em meios AS e ACT

e isolamento de 30 BGPI de diferentes stios

anatmicos: Pele, cond. auditivo e narina

Ces e gatos atendidos em

consultrios localizados na

regio metropolitana do

Rio de Janeiro: n=85

Testes fenotpicos de triagem de

corinebactrias potencialmente produtoras de toxina:

Bacterioscopia (mtodo de Gram);

Morfologia colonial, atividade hemoltica.

Testes da catalase, DNAse, DAU e CAMP.

Toxinogenicidade

Fenotipagem

Testes bioqumicos convencionais,

Sistema API Coryne,

Sistema Vitek

Genotipagem

mPCR

anlise das sequncias dos genes

16SrRNA e rpoB

Pesquisa de susceptibilidade aos

agentes antimicrobianos

Perfil clonal

PFGE

Interao com proteinas de matriz e sricas:

Fibrinognio

Fibronectina,

Colgeno do tipo I

Genes tox, pld e shiga-like (PCR)

Teste cutneo em cobaio

e

CAMP-reverso

Aderncia ao poliestireno

Produo de biofilme em

cateter de poliuretano

Interao bacteriana com

superfcies abiticas e biticas

Interao com

clulas epiteliais

humanas de

linhagem HEp-2

Correlao dos dados

38

3.2 ORIGEM DAS AMOSTRAS E CONSIDERAES TICAS

Com base nos princpios da Resoluo n 196/96 do Conselho Nacional de Sade

(CNS), o presente projeto foi submetido ao Comit de tica no Uso de Animais (CEUA) da

Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), tendo sido protocolado sob licena n P-0462/08 e LW-

64/12.

Foram avaliados 85 animais de ambos os sexos, com idades e raas variadas,

provenientes de diferentes regies da rea metropolitana do Rio de Janeiro: Imbari (distrito

de Duque de Caxias), e Vital Brazil, Niteri, em colaborao com o Hospital Universitrio de

Medicina Veterinria Prof. Firmino Mrsico Filho (HUVET) da Universidade Federal

Fluminense (UFF), no ano de 2012. Os ces e gatos passaram por uma avaliao geral da

condio clnica e do estado nutricional, conforme descrito no Canadian Council on Animal

Care (CCAC, 2013), para verificar a presena de quaisquer infeces ou doenas debilitantes,

incluindo dermatoses e outras anormalidades bvias fsicas ou de comportamento. A coleta

foi realizada com simples conteno manual, sem uso de anestsicos ou tranquilizao,

evitando-se assim quadro de estresse.

As amostras clnicas C. ulcerans 809 (Shiga-like positiva e tox - isolada de humano) e

BR-AD22 (tox - de canino portador assintomtico), a amostra padro CDC KC279 (tox +

animal); alm das amostras de C. diphtheriae ATCC 27010 (tox -) e ATCC 27012 (tox +) e

1002 de C. pseudotuberculosis (Tabela 2) foram adicionalmente includas neste trabalho,

como amostras-controle e se encontravam estocadas no Laboratrio de Difteria e

Corinebacterioses de Importncia Clnica (LDCIC) da Disciplina de Microbiologia e

Imunologia da Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(FCM/UERJ), em skim milk a 70o C.

39

Tabela 2

Origem e caractersticas biolgicas das amostras de C. ulcerans e C. diphtheriae usadas como controle.

Nmero da

Amostra/Pas Subespcie

Stio de

Isolamento

Quadro

Clnico

Urease/

DNAse

Toxinogenidade

Gene1 tox

Fosfolipase D

(PLD)2 Shiga-like

C. ulcerans

CDC KC 279/EUA - Pulmo Pneumonia +/+ + + -

809/2000/Brasil - Pulmo Pneumonia +/+ - + +

BR-AD22/Brasil - Narina Assintomtico +/+ - + -

C. diphtheriae

ATCC 27010/ EUA mitis Faringe Faringite -/+ - -

ATCC 27012/EUA mitis Faringe Faringite -/+ + -

C. pseudotuberculosis

1002/ Brasil ovis Linfonodo Abscesso +/- - + -

ATCC: Americam Type Cell Collection 1 Tcnica de PCR utilizando iniciadores preconizados por Nakao;

Popovic (1997), 2 Reao de CAMP-reverso. Fonte: Dias et al (2011).

3.3 ISOLAMENTO, CULTIVO E ESTOCAGEM DAS AMOSTRAS BACTERIANAS

A identificao das amostras de C. ulcerans foi realizada usando-se mtodos

fenotpicos e genotpicos no LDCIC da Disciplina de Microbiologia e Imunologia da

FCM/UERJ.

O material coletado a partir de mucosa nasal, pavilho auricular, alm de leses

drmicas de caninos e felinos de raas e idades diversas, clinicamente saudveis, domiciliados

ou residentes em abrigos localizados na regio metropolitana do Rio de Janeiro, foi obtido de

forma assptica, com uso de swabs em meio de transporte de Stuart. O material coletado foi

semeado em placas de gar-sangue (AS) e gar-chocolate-telurito (ACT), que foram

incubadas a 35-37oC por 48h como descrito por Dias e colaboradores (2011b). O estoque das

culturas em skim milk a 10% com 25% de glicerol foi mantido a -70oC, sendo esses reativados

40

quando necessrio em Trypticase Soy Agar (TSA) (Difco Laboratories, Detroit, Mich.) a 37oC

por 24 h sob condies aerbicas (DIAS et al, 2010).

3.4 IDENTIFICAO DAS AMOSTRAS DE C. ulcerans

3.4.1 Testes bioqumicos convencionais

Culturas bacterianas positivas para bacilos irregulares Gram-positivos foram

preliminarmente caracterizadas pela morfologia e pigmentao das colnias. As provas

bioqumicas de triagem incluram os testes da catalase, atividade DNAse, duplo-acar

glicose e maltose - e ureia (DAU) e o teste de CAMP (inibio da hemlise pelo

Staphylococcus aureus) (PIMENTA et al, 2008, MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER,

2009, DIAS et al, 2010).

Posteriormente as amostras foram submetidas aos testes de reduo de nitrato, King B,

esculina e fermentao de accares: sacarose, galactose, arabinose, manitol, xilose, ribose,

glicose, manose, maltose, frutose e trealose.

3.4.2 Sistema semi-automatizado API-Coryne System V3.0

Suspenses de colnias obtidas em meio TSA a 37C por 24h foram preparadas com

o meio de disperso disponvel no kit do teste API-Coryne (bioMrrieux, Lyon, France)

correspondendo a turvao de 6 da escala de McFarland. As seguintes provas bioqumicas

foram lidas no carto: nitrato, pirazinamidase, pirrolidonil-arilamidase, fosfatase alcalina, -

glucoronidase, -galactosidase -glucosidase, N-acetil--glucosaminidase, esculina, urease,

gelatinase, glicose, ribose, xilose, manose, maltose, lactose, sacarose, glicognio e catalase

(EFSTRATIOU; GEORGE, 1999, PIMENTA et al, 2008, DIAS et al, 2010).Depois de

preecher os poos at esculina, o restante da suspenso foi adicionada ao meio GP,

41

disponibilizado no kit, sendo a suspenso resultante utilizada para preencher o restante dos

poos. Os poos para fermentao dos acares foram selados com parafina; a galeria foi

colocada em estufa por 24h e a leitura foi feita com o sistema de cdigos API web

(www.apiweb.biomerieux.com).

3.4.3 Sistema automatizado VITEK

As amostras de C. ulcerans foram testadas pelo sistema VITEK 2 (no sistema

VK2C7494), sendo utilizado o carto ANC (Anaerobe and Corynebacterium lote no

244234910) para identificao, incluindo os seguintes testes: D-galactose, leucina

arilamidase, Ellman - DNTB (cido ditionitrobanzoico), fenilalanina-arilamidase, L-prolina-

D- arilamidase, L-pirrolidonil-arilamidase, D-celobiose, tirosina-arilamidase, ala-phe-pro-

arilamidase, D-glicose, D-manose, D-maltose, sacarose, arbutina, N-acetil-D-glucosamina, 5-

bromo-4-cloro-3-indoxil-B-glucoside, urease, 5-bromo-4-cloro-3-indoxil-B-glucoronide,

beta-galactopiranosidase indoxil, alfa-arabinosidase, 5-bromo-4-cloro-3-indoxil-alfa-

galactoside, Beta-manosidase, arginina di-hidrolase, utilizao do piruvato, maltotriose,

hidrlise da esculina, beta-D- fucosidase, fenil-fosfonato, 5-bromo-4-cloro-3-indoxil-beta-N-

acetil-glicose, 5-bromo-4-cloro-3-indoxil-alfa-manoside, alfa-L-fucosidase, fosfatase, alfa-L-

arabinofuranosidas, fermentao de: l-arabinose, D- ribose 2 e D-xilose.

Segundo orientao do fabricante (www.biomrieux-usa.com), no cassete com os

tubos VITEK foram adicionados 3 mL de soluo salina 0,45% do VITEK para preparao do

inculo, antes do preparo o Densichec Plus (fotocolormetro) foi calibrado utilizando a

soluo salina pura e as escalas de McFarland (0, 0,5, 2, 3). As amostras foram cultivadas em

TSA e incubadas a 37C por 24 horas. Uma suspenso homognea foi preparada a partir dessa

cultura e a turvao ajustada a 2,7-3,3 da escala de McFarland pelo Densichec Plus. Os

cartes foram abertos e colocados no cassete, de forma que o canudo do carto ficasse dentro

do inculo. O cassete foi ento levado a cmara de vcuo no aparelho VITEK 2.

Posteriormente, o cassete foi transferido para a segunda cmara para leitura. Aps a leitura do

cdigo de barras dos cartes, esses foram identificados no computador. Os resultados foram

obtidos aps 5-6 horas.

42

3.4.4 Reao em cadeia da polimerase - multiplex (mPCR)

A identificao molecular das amostras foi realizada por uma mPCR que

proporcionou simultaneamente a identificao e a deteco da toxigenicidade de espcies de

Corynebacterium com potencial zoontico (TORRES et al, 2013). O DNA bacteriano foi

extrado por fervura (10 minutos a 100C) de uma alada de colnia em 1 mL de H2O miliQ

estril e posterior resfriamento a 0oC. A suspenso foi centrifugada a 13.000 g por 2 minutos

e 2L do sobrenadante (DNA) foi empregado na reao (PIMENTA et al, 2008).

O protocolo do mPCR utilizado foi baseado em experimentos prvios (PACHECO et

al, 2007, TORRES et al, 2013) com os seguintes reagentes: 2,5 L soluo tampo

(Accuprime-Invitrogen); 2,5 L de Taq polimerase 1,5 UI (Accuprime); 0,75 L Cloreto de

Magnsio (MgCl); 0,5 L deoxinucleotdeos (dNTP); H2O miliQ q.s.p para um total de 23 L

da mistura de reao; foi empregado o valor de 1 L de cada iniciador. Cinco pares de

iniciadores (Gibco-BRL) foram empregados no mPCR, compostos das sequncias

nucleotdicas apresentadas na Tabela 3.

O programa de amplificao foi realizado num termociclador (MyCycler TM - thermal

cycler Bio-Rad, EUA) e constituiu-se em uma de etapa de desnaturao a 94C por 3 minutos,

seguida por 35 ciclos de desnaturao a 95C por 1 minuto; anelamento temperatura de

55C por 40 segundos e para extenso temperatura foi de 72C pelos intervalo de 1,5

minutos. A extenso final foi realizada temperatura de 72oC por 5 minutos.

Os produtos de amplificao foram revelados atravs da tcnica de eletroforese em

gel de agarose 1,2% (E-Gel-Invitrogen) e adio de brometo de etdeo. O DNA ladder

(Invitrogen) foi usado como padro de peso molecular. As bandas foram visualizadas em

transiluminador (E-Gel Imager UV Light Base-Life Technologies

) conforme descrito por

Pallen e colaboradores (1994) e Nakao e colaboradores (1996).

43

Tabela 3

Multiplex PCR para identificao simultnea de C. diphtheriae, C. ulcerans e C. pseudotuberculosis e

deteco da produo de toxina.

Iniciadores Tamanho

molecular

Funo na Reao de PCR

16S rRNA: regio do RNA ribossomal

16S-F ACCGCACTTTAGTGTGTGTG

16S-R TCTCTACGCCGATCTTGTAT

816 pb

Confirma o isolado clnico ou a cepa

referncia como C. ulcerans ou C.

pseudotuberculosis (PACHECO et al,

2007)

rpoB

C2700F

CGTATGAACATCGGCCAGGT

C3130R

TCCATTTCGCCGAAGCGCTG

446 pb

Confirma a identidade do isolado ou

cepa de referncia como

Corynebacterium sp. (KHAMIS;

RAOULT; LA SCOLA, 2004).

Dipth 4:

Dipht 4F

GAACAGGCGAAAGCGTTAAGC

Dipht 4R

TGCCGTTTGATGAAATTCTTC

303 pb

Confirma a presena do gen tox entre as

regies correspondentes aos fragmentos

A e B da toxina diftrica

(NAKAO et al, 1996)

dtxR

dtxR 1F GGGACTACAACGCAACAAGAA

dtxR 1R CAACGGTTTGGCTAACTGTA

pld

pld F ATAGCGTAAGCAGGGAGCA

pld R ATCAGCGGTGATTGTCTTCC

258 pb

204pb

Confirma o isolado clnico ou cepa de

referncia como C. dihtheriae

(PIMENTA et al, 2008)

Confirma o isolado como C.

pseudotuberculosis (PIMENTA et al,

2008)

Shiga-like (rpb)

Shiga F ATGCGTCTGCTGACGACCCG

Shiga RACCGCGTTACCTTCGCTTGTCA

214 pb

Confirna presena de toxina Shiga-like

(TROST et al, 2011)

44

3.4.5 Sequenciamento gnico aps amplificao dos genes rpoB e 16s rRNA

As amostras bacterianas foram inoculadas em tubos contendo 3 mL de caldo brain-

heart-infusion (BHI) e incubados a 37C por 24/48 horas. Alquotas de 2 mL de cultura de

cada isolado foram transferidas para um microtubo e centrifugados a 3.000 rpm por 5 min. O

sobrenadante foi descartado e o sedimento ressuspenso em 500 l de gua mili-Q esterilizada

e submetido a banho-maria fervente (100C) por 15 min. Aps esta etapa, a suspenso foi

imediatamente congelada a 20C. Este material foi posteriormente descongelado e

centrifugado (14.000 g por 15 seg) e o sobrenadante transferido para outro microtubo e

utilizado na reao da PCR (WATTS et al, 2000).

Para amplificao de regies especficas do genoma das amostras, a reao da PCR foi

realizada em um volume final de 50 l. As reaes individuais foram compostas de gua

esterilizada, tampo de reao 1x (Eppendorf), 3 mM de MgCl2 (Eppendorf), 10 mM de cada

dNTP (dNTP set [dATP, dCTP, dGTP, dTTP]/Eppendorf), 150 ng de cada iniciador , 1,5 UI

da enzima Taq polimerase (Eppendorf) e 3 l do DNA obtido pela extrao por choque

trmico, como descrito anteriormente. A reao foi realizada nas seguintes condies: pr-

desnaturao a 94C por 2 min, seguido por 35 ciclos a 94C por 1 min, 55 C por 1 min e

72C por 2 min e uma etapa final de extenso a 72C por 7 min. Dois pares de iniciadores

foram usados neste estudo, para amplificao do gene 16S rRNA, os iniciadores universais

pA e pH, sendo os iniciadores 1831 com 1832 usados para a reao do sequenciamento

(WATTS et al, 2000). A amplificao e sequenciamento do gene rpoB foi realizada conforme

descrito por Khamis, Raoult e La Scola (2004).

Aps a amplificao, foi realizada a eletroforese em gel de agarose a 1% em tampo

TAE 1x. O tampo de corrida foi adicionado nas amostras de DNA (1/5 do volume da soluo

de DNA). Foram aplicados 7 l do produto da PCR e 1l de marcador de peso molecular nos

poos do gel e a eletroforese realizada em tampo de corrida TAE 1X sob uma corrente de 60

volts por 60 min. Aps a corrida o gel foi corado com brometo de etdio (5 mg/mL) e

observado sob luz ultravioleta e registrado em foto com o equipamento VDS (Pharmacia-

Biotech).

45

3.4.5.1 Determinao das sequncias nucleotdicas

Esta etapa de pesquisa foi realizada no Setor de Identificao Bacteriana do Instituto

Nacional de Controle de Qualidade em Sade (INCQS) da Fiocruz, em colaborao com a

Profa Dra. Vernica V. Vieira.

Os produtos obtidos pela PCR foram purificados (Invitrogen PureLink PCR

purification Kit) e utilizados como molde de DNA para a reao de sequenciamento de suas

duas fitas com o sistema comercial BigDye Terminator Cycle Sequencing Kit (Applied

Biosystems) conforme as recomendaes dos fabricantes. Posteriormente os produtos desta

reao foram precipitados com 80 L de uma soluo com 75% de isopropanol, centrifugados

por 45 min a 4.000 g a 21C e o sobrenadante desprezado pela inverso cuidadosa da placa

em papel de filtro. A placa foi invertida em cima de outro papel de filtro, centrifugada por 1

min a 900 g a 21C e deixada em estufa a 75C por 5 min. Os sedimentos foram ressuspensos

em 10 L de formamida, centrifugados por 1 min a 900 g a 21C, incubados por 5 min a 95C

e resfriados imediatamente em banho de gelo. Aps a corrida no sequenciador (ABI PRISM

3100 Applied Biosystems DNA Sequencer), as sequncias nucleotdicas foram analisadas,

editadas utilizando o programa SeqMan verso 7.0 (DNASTAR Lasergene) e comparadas

quelas depositadas no banco de sequncias GenBank e Ribosomal Database Project II (RDP-

II). Posteriormente foram tambm depositadas no GenBank.

3.5 PESQUISA DE POTENCIAL TOXINOGNICO DOS MICRORGANISMOS

ATRAVS DE MTODOS GENOTPICOS E FENOTPICOS

3.5.1 Reao em cadeia da polimerase- multiplex (mPCR) para a pesqu