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PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIC DEPARTAMENTO DE INSTRUMENTOS POLIFÔNICOS ORIENTADORA: Prof.ª Dra. Josely Maria Machado Bark ALUNO: Allan Kolodzieiski O Concerto para violão e orquestra de Francisco Mignone: análise técnica, formal e suas inter-relações estéticas. Curitiba, 27 de Agosto de 2010

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PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE INSTRUMENTOS POLIFÔNICOS

ORIENTADORA: Prof.ª Dra. Josely Maria Machado Bark

ALUNO: Allan Kolodzieiski

O Concerto para violão e orquestra de Francisco Mignone: análise técnica, formal e

suas inter-relações estéticas.

Curitiba, 27 de Agosto de 2010

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PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE INSTRUMENTOS POLIFÔNICOS

ORIENTADORA: Prof.ª Dra. Josely Maria Machado Bark

ALUNO: Allan Kolodzieiski

O Concerto para violão e orquestra de Francisco Mignone: análise técnica, formal e

suas inter-relações estéticas.

Relatório contendo os resultados finais do

projeto de iniciação científica vinculado ao

Programa PIC-Embap.

Curitiba, 27 de Agosto de 2010

3

AGRADECIMENTOS

Expresso minha gratidão a Deus, por ter me dado a audácia e a mim concedida para

realizar este trabalho com seriedade e inteligência.

Agradeço profundamente a minha orientadora, Josely M. M. Bark, pela sua paciência,

compreensão e seu entusiasmo em abraçar este projeto, onde seu valioso acompanhamento, as

suas propostas e idéias, ajudaram diretamente para que este trabalho chegasse a sua atual

conjuntura.

Agradeço ao meu professor de violão Orlando Fraga, pelas incansáveis horas de

ensino junto ao instrumento, e de seus conselhos que contribuirão efetivamente para este

trabalho e que me ajudou a criar diversas perspectivas da minha carreira.

Agradeço a Fundação Araucária e a EMBAP, pelo subsídio concedido ao presente

trabalho.

A todos que direta ou indiretamente contribuirão para o desenvolvimento deste

trabalho.

4

RESUMO

Este trabalho faz uma análise formal e técnica no Concerto para violão e orquestra do

compositor Francisco Mignone que juntamente com obras como as Doze Valsas e os Doze

Estudos, ambos para violão solo, fazem parte de um conjunto significativo de obras

compostas por Mignone para o violão. Realizando o caminho inverso feito pelo compositor ao

escrever a obra, a análise aplicada busca mostrar claramente os motivos que gerem a obra,

revelando ao intérprete as diversas maneiras que o compositor criou e manuseou o texto

musical. Além da análise, se faz uma breve contextualização histórica do violão na época de

sua criação, aprofundando o conhecimento de uma obra de grande relevância dentro do

repertório violonístico.

5

LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

c. – compasso

cc. – compassos

Fig. – Figura

Figs – Figuras

p. – Página

pp. – Páginas

var. - Variação

I – 1º grau – tônica

V – 5º grau - dominante

6

SUMÁRIO

PARTE I

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 7

2. JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 8

3. OBJETIVOS ............................................................................................................. 8

3.1 Objetivo Específico ............................................................................................... 8

3.2 Objetivos Gerais ................................................................................................... 9

4. FRANCISCO MIGNONE – DADOS BIOGRÁFICOS ............................................ 9

5. FRANCISCO MIGNONE E O VIOLÃO ................................................................ 11

PARTE II

6. ÁNALISE DO CONCERTO PARA VIOLÃO E ORQUESTRA ........................... 15

6.1 Primeiro movimento ........................................................................................... 15

6.1.1 Seção 1 ................................................................................................. 15

6.1.2 Seção 2 ................................................................................................. 19

6.1.3 Seção 3 ................................................................................................. 20

6.1.4 Seção 4 ................................................................................................. 22

6.1.5 Seção 5 ................................................................................................. 23

6.1.6 Seção 6 ................................................................................................. 28

6.2 Segundo movimento ........................................................................................... 32

6.2.1 Seção 1 ................................................................................................. 32

6.2.2 Seção 2 ................................................................................................. 35

6.3 Terceiro movimento ............................................................................................ 37

6.3.1 Seção única .......................................................................................... 37

7. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 46

8. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 48

7

1. INTRODUÇÃO

A fase nacionalista da música brasileira, que ocupa um capítulo importantíssimo da

história, trouxe uma diversidade de gêneros musicais, trazendo para a música de concerto os

ritmos brasileiros, as canções em língua portuguesa, e defendendo uma produção

genuinamente nacional, fazendo surgir compositores que inseriram em sua produção a rica

vertente da música popular. Dentre os vários importantes compositores que merecem tal

mérito citamos Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959), Francisco Mignone (1897 – 1986),

Camargo Guarnieri (1907 - 1993) e Oscar Lorenzo Fernandes (1897 – 1948).

Sempre que se remetem aos compositores brasileiros o repertório violonístico, surge

imediatamente a imagem de Heitor Villa-Lobos, cuja sua obra foi uma transformação para

esse instrumento com as suas inovações técnicas (SANTOS, 1975). Talvez, por esse motivo,

a imagem de Villa-Lobos acabe ofuscando o que foi feito depois de sua morte por outros

compositores. Francisco Mignone (1897 – 1986), compositor de destacada importância no

cenário da música brasileira do século XX, deixou uma rica produção musical, destinada a

diversos instrumentos e formações. Da mesma forma que Villa-Lobos, Mignone deixou uma

contribuição importante para o amadurecimento do repertório do violão, infelizmente pouco

conhecida. Sua importante colaboração para o repertório violonístico ocorreu graças ao seu

próprio interesse em compor para o instrumento e também à grande motivação que o mesmo

recebeu por parte de violonistas, para que o mesmo escrevesse para o instrumento (ZANON,

2007). De toda a sua obra para violão, destacam-se principalmente os Doze estudos para

violão solo e as Doze valsas para violão solo, em todos os tons menores, ambos compostos

em 1970, e também o Concerto para Violão e Orquestra, escrito em 1975. Além destas obras,

Mignone deixou várias transcrições de suas obras, na sua maioria original para piano, e outras

composições para formações como duos, trios e também com acompanhamento como peças

para voz e violão.

O Concerto para Violão e Orquestra de Mignone é dedicado ao seu amigo e também

violonista Carlos Barbosa-Lima1, ao qual também Mignone dedicou os Doze Estudos para

violão solo. A grande capacidade de Mignone em escrever para um instrumento pouco

conhecido, sem conhecer suas limitações (ZANON, 2007; APRO, 2004), veio a surgir nas

1 Carlos Barbosa-Lima é paulista radicado atualmente em Nova Iorque (EUA). Carrega na bagagem 50 anos de

carreira e vivência dedicada aos universos erudito e popular do violão. Morando no exterior há quase quatro décadas, o músico faz raras apresentações no Brasil. Já gravou mais de 60 discos que contam com gravações que

vão desde a música clássica à tradição ibero-americana, ao jazz e aos trios latinos.

8

suas valsas e nos seus estudos. No seu Concerto para violão e orquestra, seu veio criativo e

todo o acúmulo de experiência de anos de criação trouxe à luz uma obra de grande relevo para

o violão, em uma fase que Mignone expressa seu amadurecimento com o instrumento.

2. JUSTIFICATIVA

Atualmente a literatura musical brasileira conta com uma escassez de material que

disserte sobre determinadas obras e compositores de projeção relevante no cenário musical do

país. Muitas obras encontram-se em completo esquecimento e, junto a isso ocorre a falta de

interesse em difundi-las no ambiente musical contemporâneo. Graças a poucos violonistas e

pesquisadores como Fabio Zanon, Carlos Barbosa-Lima, Maurício Orosco, Flávio Apro,

Edelton Gloeden, entre outros, temos hoje algumas gravações da obra para violão de

Francisco Mignone e resultados de pesquisas acadêmicas que dissertam a respeito de sua obra

para o violão. Sobre o Concerto para violão e orquestra (1975) de Francisco Mignone, nada

existe escrito. Apenas uma gravação disponível, atualmente fora do mercado, realizada pelo

violonista Carlos Barbosa-Lima e uma gravação não-comercial, realizada recentemente pelo

violonista Fabio Zanon. Após 35 anos desde a sua composição (1975), não há ainda nenhuma

edição do Concerto, existindo apenas o seu manuscrito.

Considerando a falta de material sobre a obra de Mignone, e especificamente sobre o

seu Concerto, surge a importância de analisarmos com mais atenção visando proporcionar

uma melhor compreensão da obra por parte do intérprete e do ouvinte. Dada a grande

diversidade bibliográfica disponível hoje sobre análise musical, e também o conjunto de

informações teóricas a respeito do compositor e suas vertentes, não só uma análise estará

contida neste trabalho, mas também, uma contextualização histórica e a difusão de uma obra

imprescindível dentro do repertório violonístico, o que virá a enriquecer ainda mais o que hoje

é mundialmente reconhecido, o violão brasileiro.

3. OBJETIVO

3.1 OBJETIVO ESPECÍFICO

9

Analisar tecnicamente e formalmente o Concerto para Violão e orquestra de

Francisco Mignone, possibilitando ao interprete uma melhor compreensão do texto musical e

tendo como resultado uma melhor performance.

3.2 OBJETIVOS GERAIS

Analisar formalmente o Concerto para Violão e Orquestra de Francisco

Mignone, tendo como objetivo o entendimento do texto musical, obtendo uma

performance mais próxima da desejada pelo autor.

Fomentar a obra para violão de Francisco Mignone, em especial o Concerto

para Violão e Orquestra no cenário musical.

Promover ao interprete opções a serem seguidas em seu estudo e

posteriormente, na sua execução, vendo que hoje possuímos apenas o

manuscrito da obra em questão.

4. FRANCISCO MIGNONE - DADOS BIOGRÁFICOS

Francisco Paulo Mignone nasceu em 3 de setembro de 1897, em São Paulo, filho de

Virginia Canônico Mignone e Alferio Mignone, ambos naturais da província de Salerno, no

Sul da Itália. Seu pai Alferio, “flautista, violinista e professor” (KIEFER, 1983, p. 9), foi o

responsável pelas primeiras lições2 musicais de Francisco até o seu ingresso no Conservatório

Dramático e Musical de São Paulo, onde em 1917 se diplomou em flauta com seu próprio pai,

e no mesmo ano laureado em piano e composição (KIEFER, 1983, p. 10). A vida musical de

Mignone começou logo cedo, tocando3 em pequenas orquestras de câmara e em óperas (ao

lado de seu pai), e também “nos choros e serestas noturnas da antiga Paulicéia4” (KIEFER,

1983, p. 11). O contato com a música dos seresteiros5 despertou em Mignone o desejo de

compor peças de caráter popular, o que o levou a adotar o pseudônimo de Chico Bororó

(KIEFER, 1983, p. 12). Mignone justifica o uso do pseudônimo dizendo: “É que, naquelas

2 Na flauta transversal, no piano e vez por outra no violoncelo (KIEFER, 1983, p. 10). 3 A flauta transversal era o seu instrumento predileto na música de concerto e nas “serestas noturnas” (KIEFER,

1983). 4 Palavras do próprio Mignone, em carta a Bruno Kiefer, de 21/3/81 (KIEFER, 1983). 5 O conhecimento da música dos seresteiros e chorões virá a influenciar diretamente a sua produção musical em sua fase chamada “nacionalista”, e que estará presente em toda a sua carreira, servindo de material para várias

obras como no seu Estudo para violão nº 9.

10

priscas eras do começo do século, escrever música popular era coisa defesa e desqualificante

mesmo” (KIEFER, 1983, p. 12).

Em ocasião de um concerto, em 1918 e outro, em 1919, onde Mignone se apresentou

como pianista e compositor com algumas obras inéditas, o senador José Freitas Vale, mecenas

de artistas, intermediou juntamente com o Governo do Estado de São Paulo uma bolsa de

estudos, onde Mignone prontamente escolheu Milão. Mignone foi para a Europa em 1920 e

em 1929 voltou definitivamente para o Brasil, fixando residência em São Paulo onde passou a

lecionar no mesmo conservatório em que se formou. Em 1932, Mignone se mudou para o Rio

de Janeiro para ocupar a cadeira de regência no Instituto Nacional de Música.

A partir desta fase da vida de Mignone, destaca-se a contribuição que Mário de

Andrade deu ao compositor com suas fortes críticas e posteriormente, calorosos elogios.

Mignone voltou da Itália trazendo na bagagem a influência dos grandes compositores

europeus, e toda a linguagem da escola francesa e italiana6. Como conseqüência, as suas

composições decepcionaram Mário de Andrade, que esperava um compositor original e

independente das formas repetitivas da música européia. Após algumas audições das suas

composições, seguidas de negativas críticas de Mário de Andrade, Mignone afirmou que

estas, “me abriram o olhos” (KIEFER, 1983, p. 19). A partir daí, Mignone passou a compor

retomando os seus primeiros contatos com a música popular e principalmente com os ritmos e

danças dos negros africanos. Ainda em 1932, Mignone conheceu e casou-se com Liddy

Chiaffarelli, filha do pianista e importante professor Luigi Chiaffarelli. Liddy, sem atuar

habitualmente nos palcos, teve um papel importantíssimo no fomento da Educação Musical e

principalmente na Musicalização infantil. Liddy trabalhou em prol da difusão e mudanças dos

métodos de ensino na musicalização realizando por todo o país simpósios, festivais e

lecionando em classes, onde em 1948 ajudou a criar o Curso de Especialização para

Professores de Iniciação Musical e em 1950 o Centro de Estudos da Iniciação Musical da

Criança, ambos no Conservatório Brasileiro de Música. Nas palavras de Liddy, Iniciação

Musical da Infantil era,

libertar a criança do árido aprendizado teórico da musica, inadequado á sua mentalidade,

dando-lhe a oportunidade de assimilar praticamente, por meio de jogos e exercícios

interessantes e dirigidos, aquilo que mais tarde iria associar, sem dificuldade a parte

teórica” (KIEFER, 1983, p. 32).

Em 1936, Mignone passou a lecionar no recém fundado Conservatório Brasileiro de

Música, a convite de seu fundador e diretor Oscar Lorenzo Fernandez. Apesar de Mignone ter

6 Mignone estudou com Vicenzo Ferroni, aluno de Massenet.

11

atuado intensamente como pianista correpetidor e também como regente nos palcos e nas

salas de aula, “ser compositor foi o que ele sempre quis ser” (KIEFER, 1983, p. 31).

Por volta dos anos 40, Mignone concluiu o que alguns musicólogos chamam de “fase

negra” (AZEVEDO, 1997, p. 16; KIEFER, 1983, p. 26)7 e passou por uma “crise de

consciência artística” (AZEVEDO, 1997, p. 16, KIEFER, 1983, p. 25), onde o principal

mentor dessa fase, seu amigo Mário de Andrade, ajudou-o a amenizar a sua auto-crítica e a

manter o perfil do compositor ideal para a música e para o povo brasileiro (AZEVEDO, 1997,

p. 16). A partir desse momento, Mignone codificou todo o seu conhecimento da música

brasileira e européia, e passou definitivamente a criar uma identidade musical. Deste período

até a sua morte surgiram obras de vulto8 e de um compositor já maduro e estabelecido no

cenário musical brasileiro.

A carreira profissional de Mignone passou a crescer intensamente, alternando a

atividade didática com inúmeras viagens, regendo e recebendo diversos prêmios. Em 1962,

Liddy Chiaffarelli morreu em um desastre de avião e, em 1963, Mignone casou-se pela

segunda vez com Maria Josefina, uma pianista paraense que passou a acompanhá-lo nos

palcos e se transformou em sua “intérprete habitual e colabora em muitos concertos e

gravações” (AZEVEDO, p. 17). Sua obra para violão, que surgiu a partir dos anos 709, e

outras obras, como a composição de música religiosa (Oratório Alegrias de Nossa Senhora,

1948 e Pequeno oratório de Santa Clara, 1960), representam um fato inédito em sua

produção. Mignone faleceu com 88 anos de idade, em 2 de fevereiro de 1986.

5. FRANCISCO MIGNONE E O VIOLÃO

No início do século XX, o violão moderno já se encontrava estabelecido em seu

formato e número de cordas, visto que “o violão em seu formato atual é, na verdade, um

desenvolvimento organológico do século XIX” (ZANON, p. 79). Esse desenvolvimento

7 A “fase negra”, assim chamada por alguns pesquisadores, se refere ao processo composicional e criativo

adotado por Mignone, como o seu uso contínuo de ritmos e danças características dos negros africanos. Nas

palavras de Bruno Kiefer: “Negra‟ no sentido de uma identificação com os elementos negros da nossa música.

Identificação que pode ir até o uso de textos africanos como na canção Undala lê (1932)” (KIEFER, p.24).

Talvez esse caminho tomado por Mignone seja a “virada decisiva do compositor para o „nacional” segundo

Mário de Andrade (KIEFER, p. 24) e também uma tentativa de auto-afirmação nacional (KIEFER, p. 20). 8 Mesmo considerando Mignone “maduro” profissionalmente, nada desmerece a produção anterior a esses anos.

Como exemplo, temos o Maracatu de Chico-Rei (1933), considerada uma das mais importantes obras sinfônicas

do repertório brasileiro, e muitas outras obras como as óperas O contratador de diamantes (1921) e I’ Innocente (1927), a 1ª e 2ª Fantasia Brasileira (1929/1931) e suas Lendas Sertanejas (1923-1941). 9 Tímidas obras surgem antes da sua maior produção que trataremos no tópico seguinte.

12

ocorreu a partir da chegada dos portugueses e posteriormente, da dos jesuítas que são os

responsáveis pela introdução de vihuelas, violas e alaúdes, os quais se transformaram no

interior do país na viola caipira, deixando o violão nos meios urbanos (DUDEQUE, 1994, p.

101; ZANON, p. 79).

A imagem do violão não é das mais favoráveis em meados do século XX. Adotado

pelos grupos de choro, “instrumento favorito para o acompanhamento de voz, como no caso

das modinhas” (DUDEQUE, 1994, p. 101), sua fama já era de um instrumento desregrado e

de capadócio, diferente do piano, instrumento em voga nas salas de concerto e item quase

obrigatório nas casas das famílias de classe média. Com essa distinção, seria difícil o violão

ser bem visto como um instrumento de concerto, tocando música “séria”. Graças a algumas

corajosas tentativas de violonistas não-profissionais em mudar essa imagem do violão, como

o engenheiro Clementino Lisboa e os professores Alfredo Imenes e Ernani Figueiredo, a idéia

de violão de concerto começava a florescer. Assim, os violonistas Américo Jacomino, o

“Canhoto”, e Quincas Laranjeiras estão entre os primeiros concertistas brasileiros desse

instrumento (DUDEQUE, 1994, pp. 101 - 102; ZANON, p. 79).

Lentamente, a imprensa passou a aceitar o violão nas salas de concerto, chegando até

mesmo a elogiar violonistas como o paraguaio Augustín Barrios Mangoré e a espanhola

Josefina Robledo (ZANON, p. 79). Mas foi Heitor Villa-Lobos quem contribuiu

definitivamente para que o violão erudito se estabelecesse como um instrumento de concerto

para os futuros intérpretes, incentivando assim os compositores a contribuírem seriamente

para o repertório do instrumento. Considerando-se que os compositores anteriores a Villa-

Lobos ainda não tinham uma distinção clara entre o violão erudito e o popular, os

compositores que vieram a escrever para violão depois de Villa-Lobos, enfrentaram

dificuldades em divulgar suas obras, ou pelo desinteresse de violonistas em tocar peças de

compositores nacionais ou pela própria dificuldade que esses violonistas encontraram ao

buscar referidas obras, visto que ainda hoje muitas obras para violão de compositores

brasileiros se encontram em manuscritos. Após Villa-Lobos, Radamés Gnatalli10

, Camargo

Guarnieri e Lorenzo Fernandez são importantes compositores que escreveram para violão, e

junto a eles se encontra Francisco Mignone (ZANON, p. 81).

Mignone, ao longo de sua carreira, mostra uma trajetória tortuosa de afeição e

afastamento do violão. Os primeiros contatos com o instrumento devem-se certamente a sua

juventude, nos encontros com os chorões e nas serestas (BORGES, 1997, p. 101). Nessa

10 Vale destacar a produção de Radamés Gnatalli, com mais de 50 obras para violão solo e outras diversas formações. Fonte: <http://www.radamesgnattali.com.br/site/index.aspx?lang=port> Último acesso em:

24/02/2010.

13

época houve um aprendizado rústico do instrumento, mas nada que despertasse maior

interesse por parte do compositor (BARBOSA LIMA, 1992, p. 11 apud APRO). Algumas

obras sem data e anteriores a sua produção da década de 70, como a Mandinga doce, o

cateretê paulista Num vorto a pé, a Canção Sertaneja11

entre outras, são exemplos pequenos

da inserção de novas peças no repertório violonistico que o compositor realizou nesse

instrumento, e mostram também que o ambiente certamente o incentivou a escrever obras de

caráter popular, fugindo dos moldes europeus que na época ele já havia estudado12

(BORGES,

1997, p. 101). Francisco Mignone, quando exercendo a função de diretor artístico da

gravadora Parlophon, em 1930, conhece o importante violonista Aníbal Augusto Sardinha, o

“Garoto” (ANTONIO apud APRO; PEREIRA, 1982, p.16). Nesta ocasião, Mignone acaba

travando o contato com o violão ao acaso, pois Garoto havia sido convidado pela empresa a

gravar algumas peças, onde registrou o maxixe-choro Bichinho de queijo e o maxixe

Driblando, ambas para banjo e violão, de sua própria autoria. Garoto construiu uma grande

carreira com suas composições para violão, e principalmente, acompanhando grandes

cantores nas rádios como Carlos Gardel, Sílvio Caldas, Carmen Miranda, Laurindo de

Almeida, conhecendo também Radamés Gnatalli e João Sepe, que chegou a ter aulas de teoria

musical. Garoto deixou uma vasta obra para violão solo, e suas composições são carregadas

de expressão e de ritmos tipicamente brasileiros13

.

A violonista Monina Távora travou contato com o compositor por intermédio de sua

primeira esposa Liddy Chiaffarelli, resultando na composição de quatro pequenas peças, onde

somente uma peça se foi publicada, a Modinha14

, “com traços do idioma violonístico dos

chôros de João Pernambuco”, mas que não chegaram a agradar a violonista espanhola

(APRO, 2004, pp. 64 - 65). Após isso, o seu interesse em compor para o instrumento reduziu,

ressurgindo somente no ano de 1970, quando Mignone se encontrou com violonistas no II

Seminário Internacional de Violão, realizado em Porto Alegre, em especial com o violonista,

professor e compositor Isaías Sávio e com o seu ex-aluno Antonio Carlos Barbosa-Lima15

(APRO, 2004, pp. 66 – 97; BORGES, 1997, p. 101). O resultado desse encontro resultou em

uma das suas principais contribuições para o violão, os Doze estudos para violão, dedicados a

11 As três obras supracitadas foram escritas para dois violões. 12 O que reforça esse argumento são as características dessas obras, como seus títulos, a formação (dois violões,

onde o primeiro realiza a melodia, ou canto, e o segundo, os acordes, ou acompanhamento), as características de

escrita, como o uso de terças paralelas, comum na música sertaneja (caipira), e também o uso do pseudônimo

Chico Bororó, como acontece na obra Mandinga doce (MIGNONE, 1997, pp. 191 – 192). 13 Fonte: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Último acesso em 28 de Agosto de 2010.

<http://www.dicionariompb.com.br/garoto/dados-artisticos> 14 Publicada na revista americana Guitar Review (APRO, 2004, p. 64). 15 Mignone já conhecia pessoalmente os violonistas Barbosa Lima e Isaias Sávio, mas ao que tudo indica, foram

encontros ocasionais sem haver nenhuma discussão sobre composições para o instrumento (APRO, 2004, p. 65).

14

Barbosa-Lima, que são considerados obras de grande relevância para o repertório violonístico

nacional. Ainda no mesmo ano Mignone escreveu mais um ciclo de peças, as Doze valsas

para violão, em todos os tons menores, dedicado a Isaías Sávio16

. Em 1975 Mignone escreveu

o Concerto para violão e orquestra, “possivelmente a mais bem-concebida obra brasileira do

gênero, mas que ainda não teve a chance de ser plenamente avaliada devido ao seu quase-

ineditismo” (ZANON, p. 82). Concordando com a opinião de Zanon, o Concerto parece

esquecido dentro do repertório para violão, pois até hoje foi poucas vezes executado, salvo

esforços de violonistas como o próprio Fabio Zanon, Paulo Martelli, Carlos Barbosa-Lima,

intérpretes atuantes no cenário nacional e internacional e que merecem o devido mérito pela

divulgação de uma obra magistral na produção para o violão de Mignone.

O Concerto para violão e orquestra teve sua estréia em quatro de Maio de 1977, no

Kennedy Center, em Washington, tendo como solista o violonista Barbosa-Lima, a quem

Mignone dedicou o Concerto, junto à Orquestra Sinfônica de Louisville regida pelo maestro

Leonard Meister (MIGNONE, 1997, p. 191). Após a composição do Concerto para violão e

orquestra surgiram outras peças, algumas composições e outras transcrições do próprio

compositor e também de violonistas, tanto como peças solo ou em duos de violão e com

outras formações.

Mignone passa a compor com certa freqüência para o violão, como em suas peças

Variações para violão solo – sobre o tema “Luar do Sertão” de Catulo da Paixão Cearense e

Valsa de Esquina (sem número), ambas escritas em 1976. Em 1980 Mignone dedica ao

violonista Turíbio Santos sua transcrição para o violão de a Lenda Sertaneja, original para

piano e escrita em 1932. Neste mesmo ano surgem as Três valsas de esquina e Batuque,

ambas escritas para violão solo e dedicadas a Turíbio Santos. Em 1981 Mignone escreva

efetivamente a sua última composição, um Choro para dois violões, obra dedicada ao célebre

Duo Assad, e que ainda se encontra em manuscrito. A transcrição de Dança do Chico-Rei e

da Rainha N’Ginga, para orquestra de violões ocorreu no ano de 1983, peça original para

orquestra e extraída do bailado Maracatu do Chico-Rei. Em 1986, ano de sua morte, o

violonista Carlos Barbosa-Lima transcreve a Modinha, original para violoncelo e orquestra.

16 Nesse período outras obras são compostas para o violão como Brazilian song e a Valsa-choro nº1. Juntamente com o Concerto para violão e orquestra elas fecham o conjunto de peças mais importantes escritas pelo

compositor para o instrumento.

15

6. ANÁLISE DO CONCERTO PARA VIOLÃO E ORQUESTRA

6.1 Primeiro Movimento

6.1.1 Seção 1

cc.:1 – 13

O primeiro movimento está dividido em seis seções construídas a partir de quatro

motivos básicos principais. Esses motivos geram o primeiro movimento e aparecem em todo

o concerto. O primeiro motivo – Motivo 1 – é apresentado no compasso 1 pelo violão (Fig.1),

sem o acompanhamento da orquestra, o qual vai sendo fragmentado com pequenas variações

nos compassos seguintes (compassos 2 – 5). Notam-se neste trecho os intervalos de segunda

menor descendente, a característica principal deste motivo (Fig. 2).

Fig. 1. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Motivo 1 (c. 1)

Fig. 2. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Violão (cc.1 – 5)

No compasso 1 e, por diversas vezes em todo o concerto, irá aparecer um acorde

específico ora no instrumento solista ora na orquestra. Trata-se de um acorde formado por

duas tríades (Fig. 3). A primeira tríade é um acorde de Si bemol Maior na sua segunda

inversão e a segunda tríade é um acorde de Mi menor na sua primeira inversão.

16

Fig. 3. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – acorde de duas tríades (c. 1)

Constatando que o acorde citado acima é composto por duas tríades definidas, é

possível relacionar harmonicamente estas duas tríades, em busca de uma definição mais clara

da função deste acorde. Inicialmente, podem-se dar duas interpretações a este acorde.

A primeira seria que a superposição de uma ou mais tonalidades ou acordes pode ser

chamada de politonalidade como explica Lina Noronha17

. Noronha argumenta que a técnica

da politonalidade começou a ser usada pelos compositores do século XX, quando o sistema

tonal já se encontrava em crise, e os compositores buscavam, dentro do tonalismo, novos

caminhos e alternativas. A politonalidade surgiu devido a uma dupla necessidade de mudar o

sistema tonal. A primeira era acabar com a centralização da tonalidade, ou seja, trabalhando

com mais de uma tonalidade simultaneamente, dissipa-se o centro tonal e a(s) harmonia(s)

passa(m) a ser(em) vista(s) horizontalmente e não mais verticalmente, chamada por Huguette

Camel de politonalidade verdadeira (NORONHA apud CAMEL, 1978). A segunda, seria a

necessidade que os compositores do século XIX tinham com o tratamento do timbre. Com

esse objetivo, os compositores passaram a acrescentar cada vez mais notas estranhas a um tom

já estabelecido para obter diferentes efeitos sonoros, sem atrapalhar a análise harmônica do

texto, já que não caracterizava outro tom, chamada por Huguette Camel de politonalidade

ocasional (NORONHA apud CAMEL, 1978). A politonalidade só se caracteriza se os centros

tonais estiverem harmonicamente distantes o suficiente para que haja o atrito dissonante de

tonalidades, atrito obtido principalmente com o uso de trítonos – 5a diminuta, e do uso de

intervalos considerados dissonantes como o semitom. Quanto mais distantes e definidas

estiverem as superposições de tonalidades, mais claro será o efeito politonal (NORONHA,

1998, p. 23). No caso deste acorde, temos um intervalo de trítono – Mi menor/ Sib Maior.

Noronha ainda cita que “segundo Vincent Persichetti, na politonalidade é importante que cada

linha melódica mantenha a sua individualidade, garantindo assim um total harmônico

politonal” (NORONHA, 1998, p. 23).

A segunda interpretação, partindo da hierarquia citada acima – intervalo de 5a entre

Mi menor/ Sib Maior – leva em consideração que a tônica é Mi menor, portanto, afirma-se um

centro tonal. Assim, esse acorde pode ser interpretado como monotonal, onde acrescentam-se

“notas estranhas à harmonia”, não abandonando a referência da tônica e excluindo a

politonalidade (NORONHA, 1998, p. 90). Interpretar que este acorde é monotonal também

17 NORONHA, Lina M. Ribeiro. Politonalidade: Discurso de reação e trans-formação. São Paulo: Ed. FAPESP:

AnnaBlume, 1998. P. 22 – 23.

17

seria confirmar a exploração tomada pelos compositores em busca dos novos recursos da

linguagem tonal, de um sistema que esteve por toda a história da música em uma constante

mutação. Assim, as novas mudanças acrescentadas ao sistema, são partes da própria

linguagem tonal, mudanças feitas por compositores de todos os períodos da história, desde

Bach a Beethoven (NORONHA, 1998, p. 90). Dessa maneira pode-se chegar a uma melhor

compreensão deste acorde.

A interpretação de que este acorde possa ser politonal seria vaga se apenas estivesse

fundamentada na sobreposição de duas tríades definidas – 5a diminuta – formadoras do

acorde. Porém, ainda não se descarta esta possibilidade.

Já a interpretação de que este acorde possa ser monotonal, como uma expansão18

da

harmonia, seria mais plausível levando-se em consideração as seguintes afirmações: a) A

afirmação da tonalidade só irá acontecer no compasso 12, onde pela primeira vez aparece o

acorde de Mi menor sem nenhuma alteração harmônica; b) Antes da afirmação da tonalidade,

o compositor deixa indícios de que Mi menor é a tonalidade desejada, como o uso da

armadura (Sol Maior – Mi menor) e principalmente do uso contínuo da nota Mi. Em uma

síntese do primeiro compasso (Fig. 4), podemos perceber que todo o trecho que envolve o

compasso 1 ao 5, é nada mais que uma expansão da nota Mi, e que as notas estranhas que

aparecem são notas de passage; c) O intervalo de quinto grau entre Mi e Si, é também mais

um fator a favor da tonalidade.

Fig. 4. Concerto para violão e orquestra – 1º Movimento – síntese do motivo 1 (c. 1)

Dessa forma, pode-se concluir que esse é o acorde de Mi menor, ao qual foram

acrescentadas notas que funcionam como expansão do acorde, não interferindo na sua análise

harmônica e funcionando principalmente como efeito sonoro. Tais notas possuem uma

relação direta com o acorde de Mi menor, vendo que Si é seu quinto grau. Com essa relação

harmônica, pode-se dizer que este acorde também pode ser classificado como uma

politonalidade ocasional, onde não se exclui o centro tonal.

18 Expansão da harmonia no sentido de haver um acorde fundamental, neste caso o acorde de Mi menor, em sua

posição fundamental, onde foram acrescentadas outras notas a este acorde, ampliando e estendendo o acorde. Algumas notas acrescentadas ao acorde principal, possuem uma relação direta com a tonalidade do acorde, e

outras notas são distantes desta tonalidade (Sol Maior – Mi menor).

18

Prosseguindo a análise, a orquestra entra a partir do compasso 6 sem o violão,

variando o Motivo 1 até o compasso 10 (Fig. 5).

Fig. 5. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – orquestra (cc. 6 - 10)

Após a pequena passagem da orquestra, o violão volta a solar no compasso 11. Neste

trecho o violão varia o tratamento do acorde com duas tríades, citado anteriormente (Fig. 3),

executando-o em forma de arpejos descendentes, e no compasso 12, em forma de arpejos

ascendentes em alternância com o acorde de Mi menor (Fig. 6). Aqui Mignone afirma

definitivamente Mi menor como tonalidade introdutória para a Seção 2.

Fig. 6. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – variação do acorde - Violão (cc. 11 – 13)

19

6.1.2 Seção 2

cc.:13 – 21

Na Seção 2 o compositor apresenta nos compassos 13 e 14 um novo motivo básico

formador do primeiro movimento, o Motivo 2 (Fig. 7). Primeiramente o Motivo 2 é

construído a partir de doze tríades no seu estado fundamental. Nessas doze tríades há quatro

subconjuntos de três tríades que seguem em direção descendente, através de transposições,

obedecendo a uma linha melódica evidente do Si 4 até o Mi 4 (V – I). O Motivo 2 que começa

em anacruse19

é exposto pelo violão sem o acompanhamento da orquestra. É transposto

continuamente de forma descendente mantendo o intervalo de oitava entre os subconjuntos de

tríades até o compasso 17, onde o violão retorna a apresentá-lo agora variando o seu

tratamento, em arpejos. A melodia que está na voz do soprano é evidente nesta Seção.

Fig. 7. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Motivo 2 – Violão (cc. 13 e 14).

Em um gráfico harmônico, segundo as técnicas de análise de Félix Salzer, pode-se

perceber o caminho que a melodia e a harmonia seguem até a conclusão da frase, do

compasso 13 ao 17 (Fig. 8).

Fig. 8. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Gráfico harmônico (cc. 13 a 17).

No mesmo compasso 17 o violão retoma o Motivo 2 variando o seu tratamento,

arpejando os acordes e alterando melodicamente algumas notas (Fig. 9). Juntamente com o

19 Nota ou grupo de notas que precedem o primeiro tempo forte do ritmo ao qual pertencem; habitualmente, no último tempo de um compasso. (SADIE, Stanley (org.) Dicionário Grove de Música. Ed. Concisa. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1994)

20

violão, a flauta transversal executa o Motivo 3, que se trata de uma escala melódica sem

ligações aparentes com os motivos tratados anteriormente (Fig. 10). Somente no final do

Motivo 3 executado pela flauta - compasso 19 - é que surgem intervalos que lembram o

Motivo 2. No compasso 20 a flauta termina sua linha melódica em uma escala descendente

juntamente com o clarinete, que no final de sua frase executa uma variação do Motivo 1 (Fig.

11).

Fig. 9. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – violão, variação do Motivo 2 – Violão (cc. 17 e

18).

Fig. 10. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Motivo 3, Flauta transversal (cc. 17 e 18).

Fig. 11. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Clarinete, var. do motivo 1 (c. 21).

6.1.3 Seção 3

cc. 22 - 29

Na Seção 3 é apresentado o Motivo 4, que é executado pela flauta transversal e pelo

oboé no compasso 22. (Fig. 12)

21

Fig. 12. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Motivo 4 – Flauta e Oboé (c. 22)

A Seção 3, apesar de sua pequena extensão, apresenta variações do Motivo 4 a cada

compasso. O violão inicia a Seção executando uma variação rítmica do Motivo 4 juntamente

com a orquestra. Tal variação se aproxima melodicamente da linha do oboé. A melodia no

violão está vinculada ao desenho rítmico de seis semicolcheias por tempo do compasso

quaternário composto 12/8 . Nesse desenho, a linha melódica encontra-se na linha superior

das terças, que são alternadas com uma nota única, com função de preenchimento harmônico.

A melodia é apresentada nesse formato continuamente até o compasso 25 (Fig. 13)

Fig. 13. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Violão (c.22)

No compasso 24 a melodia sofre uma rápida transição dos instrumentos de madeira

para os de cordas e, no compasso 27, flauta e oboé voltam ao cenário com os violinos. A

variação do Motivo 4 no compasso 26 apresentada pelo violão (Fig. 14), vai exercer função

como elemento transitório, no compasso 29, para a Seção 4.

Fig. 14. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Violão (c.26 – variação do Motivo 4; e c. 29 -

transição)

22

6.1.4 Seção 4

cc. 30 - 57

A Seção 4 é construída principalmente sobre o Motivo 1. No primeiro compasso da

Seção – compasso 30 – o Motivo 1 é executado exatamente como apresentado no compasso 1

(Fig. 1), mas agora quem o executa é a orquestra, que segue variando o Motivo 1 até o

compasso 39 (Fig. 15)

Fig. 15 – Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – orquestra (cc. 30 – 35)

O retorno do violão acontece no compasso 40, executando variações rítmicas e

harmônicas do Motivo 1, intercalando-as com material cromático executado pela orquestra

(Fig. 16). Esse material cromático, além de unir as variações do Motivo 1, executadas pelo

violão, também serve como elemento conector com a seção seguinte.

23

Fig. 16 – Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Violão e Orquestra (cc. 40 – 41)

A cada compasso de variação (cc. 42 – 61), o compositor adiciona novos acordes,

aumentado gradativamente o tamanho das variações e dos trechos cromáticos. Nos compassos

51 a 56 o violão executa um trecho com material cromático (Fig. 17).

Fig. 17. Concerto para violão e orquestra – 1º Movimento – material cromático, violão (cc. 53 –

56)

Este trecho também serve de ligação para o retorno do Motivo 1 – compasso 57 –

executado agora pela orquestra. No compasso 59 o violão executa o variações do Motivo 1 e

nos compassos 60 e 61, a orquestra executa o último material cromático desta Seção, que

serve de ligação para a Seção 5.

6.1.5 Seção 5

cc. 62 - 151

Na Seção 5, o violão apresenta um novo Motivo básico para o primeiro movimento –

Motivo 5 – acompanhado por notas longas na celesta (Fig. 18). O Motivo 5 é composto por

duas vozes que se alternam em registros diferentes do instrumento, onde o violão segue até o

compasso 70 com o motivo 5. A partir do compasso 71 até o 74, existe um trecho de transição

para o retorno do Motivo 5, que é tocado pela celesta e acompanhado pelo violão. O violão

varia ritmicamente a linha melódica apresentada pela celesta.

Fig. 18. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Motivo 5, violão (c. 62)

No compasso 76 o compositor retoma o Motivo 5, agora executado pelo clarinete,

enquanto o violão sustenta harmonicamente a linha melódica através de acordes em forma de

arpejos que seguem até o compasso 84 (Fig. 19).

24

Fig. 19. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Motivo 5, clarinete (cc. 75 – 77)

O material e a mudança do andamento resultam em novos efeitos sonoros, os quais

estabelecem uma mudança no caráter anterior, nos compassos 85 a 94, Mignone acrescenta

um novo trecho de transição, composto de material cromático que surge como elemento

formador de escalas, terças paralelas e acordes, e que é interrompido por pequenos fragmentos

do Motivo 1 (cc. 91 e 93). Nos compassos 95 a 100 o violão executa variações do Motivo 1

(Fig. 20), apresentando-o em forma de acordes consecutivos com intensa utilização de

material cromático. Essa passagem servirá de ligação para o Motivo 6 no compasso 101. O

Motivo 6 é apresentado pelo conjunto de cordas da orquestra com o acompanhamento do

violão que elabora uma seqüência de acordes em forma de arpejos (Fig. 21).

Fig. 20. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – violão (cc. 97 – 98)

25

Fig. 21. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Motivo 6 (c. 101)

Nos compassos 104 a 107 o violão apresenta material cromático em forma de escala

descendente juntamente com a celesta e o vibrafone. O trecho entre os compassos 104 e 107

caracteriza-se, então, como trecho de ligação para o retorno do Motivo 6 que ocorre no

compasso 108 (Fig. 22). O retorno do Motivo 6 executado agora pelo violão, é estendido pelo

compositor através de variações em sequência do motivo original nos compassos 110 a 113.

Fig. 22 – Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – violão, Motivo 6 (c. 108)

Nos compassos 114 a 117 ocorre um trecho de passagem para a retomada do Motivo 1

no compasso 118, tocado pela orquestra que é sucedida pelo violão no compasso 119. Nos

compassos 120 a 123, o grupo das cordas da orquestra e o solista apresentam material

cromático de caráter semi-livre, elemento até então não utilizado pelo compositor nesta obra

(Fig. 23). O caráter semi-livre que Mignone apresenta neste trecho se caracteriza pela sua

aproximação com um andamento desejado, deixando o intérprete parcialmente dependente

dos andamentos sugeridos na partitura, mas também deixando que o intérprete administre o

efeito de acelerando, com a expressão “começa devagar e aos poucos acellerando”.

26

Fig. 23. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – violão e orquestra (c. 120)

Em seguida, nos compassos 124 a 135 há um trecho contrastante para o retorno do

Motivo 6. Enquanto o violão executa acordes na forma de arpejos (cc. 124 a 128) em um

ritmo contínuo de seis subdivisões por tempo do compasso, a orquestra alterna entre os naipes

de sopros e cordas incisos utilizando as mesmas figuras rítmicas em paralelo (Fig. 24).

Fig. 24 – Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – violão e orquestra (cc. 124 – 125)

27

Entre os compassos 136 a 140 o naipe de madeiras recorda o Motivo 6 apresentando-o

através de variações nos intervalos da linha melódica e na articulação original. Nos

compassos 141 e 142 o violão retoma o Motivo 6, a partir de uma variação harmônica do

mesmo (Fig. 25)

Fig. 25 – Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – violão, Variação harmônica do Motivo 6 (c.

141)

O retorno do Motivo 6 no violão representa a última ocorrência de novos motivos até

o final do movimento. Na seqüência, ocorrerá o retorno dos motivos já apresentados. Nos

compassos 143 até 151, o violão e a orquestra executam um trecho de transição para o retorno

do Motivo 1. Ainda neste trecho de transição o compositor faz uma rápida citação do Motivo

1 (cc. 144 – 145) e segue até o final da Seção executando uma longa escala cromática

descendente em trinados.

28

6.1.6 Seção 6

cc.152 - 191

A Seção seis demarca o retorno dos motivos já apresentados durante a obra, sem a

inclusão de motivos novos. Novamente, o violão inicia a seção com a retomada da variação

do Motivo 1 no compasso 152, que segue até o compasso 154. Neste mesmo compasso é

retomado o Motivo 2. Neste trecho o compositor retira os acordes paralelos (Fig. 9) e extrai

somente a linha melódica do Motivo (Fig. 10). Intercalando a melodia, o compositor introduz

acordes em forma de arpejos, construção que perdura até o compasso 158 (Fig. 26).

Fig. 26. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – seção 6 (cc. 152 – 155)

O Motivo 2 segue até o compasso 158, e no compasso 159 reaparece da mesma

maneira como ocorre no compasso 17 (Fig. 11). Quando apresentado no compasso 17, o

Motivo 2 é variado em forma de arpejos pelo violão e acompanhado pelo Motivo 3 executado

pela flauta transversal (Fig. 12). No entanto, neste trecho, ao retomar este Motivo, há uma

troca entre os instrumentos: o Motivo 2 é agora exposto pela flauta e o Motivo 3 pelo violão.

A flauta transversal está em paralelo com a celesta, que executa uma variação rítmica e da

articulação do Motivo 2. O vibrafrone interpõe a linha melódica do Motivo 2 defasada da

flauta e da celesta de um tempo do compasso 12/8 (Fig. 27). Os violinos tocam acordes em

harmônicos.

29

Fig. 27. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – Variações dos Motivos 2 e 3 (cc. 158 – 159)

A recorrência dos Motivos 2 e 3 conclui no compasso 162, e no compasso 163 é

retomado o Motivo 4 assim como apresentado originalmente (Figs. 14 e 15). Neste retorno do

Motivo 4 a flauta transversal e o oboé executam uma variação do registro, com a linha

melódica transposta uma oitava acima da original. O Motivo 4 segue até o compasso 166. Nos

compassos 167 a 172 existe um trecho de transição para a coda20

, escrito a partir de variações

do Motivo 1 (Fig. 28). Após o compasso 173 o violão apresenta acordes em forma de arpejos

como ligação para variações do Motivo 2 que seguem até o compasso 182 (Fig. 29).

20 A coda não é uma nova Seção, mas está contida na Seção 6.

30

Fig. 28. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – variação do Motivo 1 (cc. 168 – 172)

\\

Fig. 29. Concerto para violão e orquestra – 1º movimento – acordes e retorno do Motivo 2 (cc. 175 – 182)

Nos compassos finais o compositor prossegue com arpejos no violão e acordes

dissonantes na orquestra, com a característica principal do uso do intervalo de 2º menor. O

final converge para um grande uníssono. Ainda no compasso 188 vibrafone, celesta e fagote

fazem uma rápida citação do Motivo 1 (Fig. 30).

31

Fig. 30. Concerto para violão e orquestra – orquestra (cc. 188 – 191)

32

6.2 Segundo Movimento

6.2.1 Seção 1

cc. 1 - 42

O segundo movimento inicia-se com uma breve introdução, dos compassos 1 à 3, onde

o fagote inicia a obra com uma variação do motivo 1 finalizada pelo violão no compasso 2

(Fig. 31).

Fig. 31. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento – Fagote, violão, vibrafone e xilofone (cc. 1 – 5)

A partir do compasso 4 o violão e o vibrafone retomam juntos uma variação do motivo

1, que é facilmente percebido na voz do xilofone. Aqui, o intervalo de 2º menor utilizado na

voz do xilofone também complementa a voz do violão, onde toda essa variação é executado

no contratempo (Fig. 31). Esse formato de variação segue ininterrupto até o compasso 11. No

compasso 12 a voz do xilofone passa para a celesta, e o violão continua a sua variação do

motivo 1, juntamente com a viola que executa a linha melódica – variação do motivo 1 –

variada pelo violão e pelo xilofone que segue até o compasso 18 (Fig. 32). Nos compassos 19

à 21, o naipe de cordas executa as variações do motivo 1 já apresentados pela viola e fagote

(Fig. 33).

33

Fig. 32. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento - Celesta, violão e viola (cc. 12 – 18)

Fig. 33. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento – Variação do motivo 1 – cordas (cc. 19 – 21)

34

No compasso 22 o violão apresenta o motivo 7 acompanhado pelos violinos. A celesta

completa o motivo contrapondo uma segunda voz (Fig. 34). A apresentação do motivo 7

segue até o compasso 29.

Fig. 34. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento – Motivo 7 (cc. 22 – 26)

No compasso 30, a melodia passa para o naipe das cordas e o violão executa

harmônicos que seguem até o compasso 35 (Fig. 35). Entre os compassos 36 à 39, o violão

faz uma rápida citação do motivo 2 (Fig. 36). Nos compassos seguintes – cc. 40 - 42 – o

violão executa um trecho transitório para a seção 2.

35

Fig. 35. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento – cordas e violão (cc. 30 – 33)

Fig. 36. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento – variação do motivo 2, violão (cc. 36 – 37)

6.2.2 Seção 2

cc. 43 - 72

A segunda seção inicia-se com o violão executando acordes em forma de arpejos, e a

apresentação do motivo 8, feita pelo oboé (Fig. 37).

Fig. 37. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento – motivo 8 (cc. 43 – 45)

O motivo 8 segue sendo variado pelo oboé até o compasso 47, e nos compassos 48 e

49, a flauta transversal e o clarinete contrapõem variações do motivo 8. As variações do

motivo 8 seguem até o fim do compasso 51, acompanhado pelo violão. No compasso 52 é

retomado o motivo 8, mas agora pelo violão (Fig. 38). O violão varia o motivo 8 executando o

mesmo com oitavas paralelas e intercalando acordes ao meio da melodia que seguem até o

36

compasso 58. Nos compassos 59 à 63, o violão alterna com a orquestra variações do motivo

8.

Fig. 38. Concerto para violão e orquestra – Motivo 8, violão (cc. 52 – 55)

No compasso 64, o compositor coloca para o violão notas em harmônicos e acordes

(naturais), e deixando livre a execução do intérprete. Nos compassos 65 e 66, o compositor

retoma a mesma idéia de harmônicos e naturais, agora junto com a orquestra a “tempo”. O

compositor finaliza a obra – compassos 67 a 72 – mantendo os harmônicos no violão, e as

notas longas na orquestra acompanhado da expressão Molto Lento (Fig. 39).

Fig. 39. Concerto para violão e orquestra – 2º Movimento – violão e orquestra (c. 67)

37

6.3 Terceiro Movimento

6.3.1 Seção única

cc. 1 - 203

O terceiro movimento carrega uma forte inspiração na música popular, mais

especificamente nos ritmos africanos. Flávio Apro descreve no Estudo nº9 de Mignone que

uma de suas características básicas é o ritmo empregado na obra, “que utiliza frequentemente

o padrão rítmico do coco (também empregado no baião e na capoeira)” (2004, p. 107) (Fig.

40). Esse ritmo também é usado por Mignone neste terceiro movimento do Concerto, onde as

variações incrementam o ritmo original, como é visto no compasso 4 (Fig. 41).

Fig. 40 – Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – ritmo do coco

A obra inicia-se com o violão executando acordes – em posição fundamental – que

caminham paralelamente, predominando o intervalo de 2º Maior entre as notas dos acordes,

acompanhado de baixos. Seu início é anacrústico21

, começando com um acorde de Ré menor

seguindo para um acorde de Dó Maior (Fig. 40). Esse formato segue continuamente até o

compasso 13.

Fig. 41. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão; motivo 9 - trompete (cc. 1 - 6)

21 O que é anacruse

38

Os acordes executados pelo violão neste início tem função de acompanhamento do

motivo 9, onde este Motivo 9 irá entrar somente no compasso 4, na voz do trompete (Fig. 41).

O motivo 9 segue sendo variado pelo trompete até o compasso 11, onde o motivo é variado

pela flauta transversal no compasso 12 (Fig. 42), e pelo clarinete no compasso 13 (Fig. 43). O

violão entra com uma variação rítmica do motivo 9, ocultando a melodia em meio aos arpejos

da figura rítmica corrente neste trecho (Figs. 44 e 45).

Fig. 42. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – flauta transversal (c. 12)

Fig. 43. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – clarinete (cc. 13 – 17)

Fig. 44. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão – variação do motivo 9 (cc. 13 – 19)

Fig. 45. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – gráfico melódico (cc. 14 a 17)

Nos compasso 18 e 19, o violão repete o fragmento do motivo 9 executado pelo

clarinete nos compasso 16 e 17, inversamente (Figs. 43 e 44). A variação rítmica executado

pelo violão nos compassos 14 a 16, é executado integralmente pela flauta nos compassos 18 a

20. No compasso 21 o violão retoma a variação do motivo 9 que segue até o compasso 38. O

compositor contrapõe outra variação do motivo 9, executado na voz do trompete (Fig. 46). Os

compasso 38 a 41 servem de transição para uma nova variação do motivo 9.

39

Fig. 46. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão e trompete (cc. 27 – 33)

No compasso 42 o compositor retoma novamente o formato de arpejos no violão e

variação do motivo 9 executado agora em três vozes, por trompetes (Fig. 47). Após a variação

tocado pelos trompetes, o motivo 9 é transferido para a voz dos violinos e variado

simultaneamente pelo violão, ocultando a melodia ao meio de arpejos (Fig. 48). A variação do

motivo 9 executado pelos violinos, é tocada em forma de harmônicos.

Fig. 47. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – trompetes, variação do motivo 9 e violão (cc.

42 – 47).

40

Fig. 48. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violinos e violão, variação do motivo 9 (cc. 48

– 49)

Após um pequeno trecho de transição – compasso 52 a 53 – o compositor retoma o

motivo 9, variando na voz da flauta transversal. O violão executa acordes que carrega uma

linha melódica cromática, executada simultaneamente pelo vibrafone (Fig. 49). Após a

variação do motivo ser executado pela flauta transversal, até o compasso 57, o compositor

transfere a mesma variação para a voz do clarinete no compasso 57 até o compasso 60. A

variação do motivo 9 executado pelo clarinete, antecede sinais de uma linha melódica que é

desenvolvida nos compassos seguintes (Fig. 49). No compasso 60, o violão executa uma linha

cromática descendente, que é simplificada pela celesta, acompanhado da orquestra que

executa notas longas e pizzicatos no contra-baixo. Esta linha cromática descendente segue até

o compasso 68 (Fig. 50).

Fig. 49. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão, vibrafone e clarinete (cc. 56 – 60)

41

Fig. 50. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão e celesta (cc. 61 – 62)

Nos compassos 69 a 76 o violão executa acordes com um desenho cromático descente,

e que remetem ao motivo 1 (Fig. 51) e que servem de transição para uma nova variação do

motivo 9, que é executado pelo clarinete nos compassos 77 a 79 e repetido pelo violão nos

compassos 81 a 83.

Fig. 51. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão, variação do motivo 1 (cc. 70 – 75)

A partir do compasso 84, Mignone expressa claramente a intenção de introduzir ritmos

africanos na obra. O naipe de cordas executam continuamente o ritmo característico do coco

(Fig. 52), e o violão executa escalas em terças que culminará na execução de uma variação do

motivo 9, tocando primeiramente em intervalos de 9º paralelas, a partir do compasso 99 até o

compasso 103 (Fig. 53). No compasso 104 o violão continua a variação do motivo 9, tocando

o mesmo com intervalos de 5º e 6º, que seguem até o compasso 119 (Fig. 54). No compasso

119 o compositor prossegue com variações do motivo 9, transferindo a melodia para o

trompete, e variando ritmicamente a melodia no violão que segue até o compasso 134 (Fig.

55).

42

Fig. 52. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – ritmo do coco, naipe de cordas (c. 84)

Fig. 53. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão, motivo 9 em intervalos de 9º (cc. 100 –

102)

Fig. 54. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – violão, motivo 9 em intervalso de 5º e 6º (cc.

104 – 105)

43

Fig. 55. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – trompete e violão, variação do motivo 9 (cc.

119 – 122)

Os compassos 135 a 139 servem de transição para mais uma variação do motivo 9, que

ocorre nos compassos 139 a 169, variação essa similar aos compassos 31 a 37 deste

movimento (Fig. 46). Este movimento do concerto, que é desenvolvido em sua quase

totalidade com o Motivo 9, citando rapidamente outros motivos, continua seu

desenvolvimento sobre o Motivo 9 nos compassos seguintes, ora tocado pelo violão, ora pela

orquestra. A última variação do Motivo 9 exposta pelo compositor antes do seu final, é

executado novamente por três trompetes acompanhados de toda a orquestra que executa notas

em uníssono (Fig. 56).

44

Fig. 56. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – Motivo 9, trompetes e orquestra (cc. 170 –

175)

No compasso 183 o violão retoma uma escala em terças que servirá de ligação para o

retorno do Motivo 1 – coda – nos compassos 189 a 203. O retorno do Motivo 1 finaliza a obra

com grande eloqüência, executado pelo violão e pela orquestra (Fig. 57).

45

Fig. 57. Concerto para violão e orquestra – 3º Movimento – coda, motivo 1, violão e orquestra (cc. 193 –

196)

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7. CONCLUSÃO

A pesquisa aqui apresentada sobre o Concerto para violão e orquestra de Francisco

Mignone abarca uma parcela muito pequena dos diversos assuntos que podem ainda ser

aprofundados nesta obra. Claramente, o objetivo desta pesquisa não é cobrir todas as lacunas

existentes na literatura musical sobre esta obra, mas contribuir parcialmente para a sua

difusão. O estudo analítico desenvolvido neste trabalho, levantou os procedimentos técnicos

adotados pelo compositor e demonstra aspectos que permitem unificar as seções e

movimentos da obra, dando coerência estrutural a composição. Esta análise procura partir de

sua estrutura intacta – o Concerto – até chegar aos motivos condutores da obra.

No primeiro movimento foram divididas seis seções, onde seis motivos – Motivos 1,

2, 3, 4, 5 e 6 – conduzem este movimento e se relacionam com os demais movimentos, como

o Motivo 1 e Motivo 2. O Motivo 1 é o mais usado pelo compositor, no primeiro movimento

este motivo é freqüentemente utilizado pelo solista e também pela orquestra, tanto em sua

forma original, quanto em forma de variação. No segundo movimento, o Motivo 1 abre a obra

conduzindo toda a sua introdução para o surgimento do Motivo 7, e aparece também no final

da obra. No terceiro movimento, o Motivo 1 parece inicialmente afastado da obra, mas o

compositor insere este motivo na Coda, finalizando a obra com o mesmo motivo com o qual

iniciou. A análise dos Motivos do Concerto também mostrou que o Motivo 1 foi o mais

utilizado pelo compositor em toda a obra.

No segundo movimento foram divididas apenas duas seções, onde dois motivos –

Motivos 7 e 8 – gerem este movimento que possui um caráter lírico. Mignone explora o

instrumento usando harmônicos por toda a escala do violão, e sempre alternando a orquestra

com o solista os motivos da obra.

No terceiro e ultimo movimento, Mignone coloca o ritmo como unidade condutora da

obra, explorando o ritmo coco, típico dos repentes e também usado no baião. Neste

movimento não foram achados seções que mudassem o caráter, motivo, pulsação, ou qualquer

outro fator contrastante na obra fazendo surgir outra seção, sendo assim todo o terceiro

movimento é considerado uma única seção. Como justificativa para tal, o compositor utiliza o

único motivo novo da obra – Motivo 9 – para desenvolver o movimento inteiro. Neste

movimento, Mignone explora de inúmeras maneiras o Motivo 9, utilizando o Motivo na voz

do solista, na orquestra, com um trio de trompetes, variando ritmicamente o motivo e também

invertendo o Motivo. Apenas na Coda do terceiro movimento é que o compositor volta usar o

Motivo 1, mas não caracterizando outra seção.

47

Durante todo o Concerto, algumas ferramentas técnicas utilizadas pelo compositor,

evidenciaram a criação da obra, citando principalmente o uso de um acorde com duas tríades,

que pode ser chamado de politonalidade ocasional, funcionando como uma expansão do

acorde. A utilização de um acorde monotonal mostra também a busca do compositor por

timbres diferentes, onde conseqüentemente a sua liberdade em busca de uma linguagem

própria para expressar as diversas experiências sonoras constroem a sua identidade musical; o

uso contínuo em todo o Concerto do intervalo de 2º - Maior e menor – como um fio gerador

de motivos e condutor da obra; o uso de material cromático e de transição em todo o

Concerto, ajuda a distinguir as seções, os motivos e trechos de passagem que servem para

ligar uma seções e movimentos.

A abordagem analítica desta obra, permite uma relação mais profunda entre a obra e o

intérprete, proporcionando ao ouvinte um resultado significativo. Aspectos como a própria

técnica do violão aplicada nesta obra, pode se positivamente desenvolvido em outros

trabalhos, contribuindo ainda mais para a execução do Concerto. A atual geração de

violonistas tem demonstrado uma grande inclinação para a música escrita por compositores

brasileiros, resgatando nomes esquecidos e trazendo para o públicos obras inéditas. Não é o

caso desta obra, mas ainda espera-se que a obra em questão, passe freqüentemente nos

programas de concerto.

48

8. BIBLIOGRAFIA

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