professores universitÁrios afectivamente … · esse laço psicológico pode assumir teores...

23
Gestão e Desenvolvimento, 11 (2002), 169-195 PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE EMPENHADOS NAS SUAS INSTITUIÇÕES: O “AMOR À CAMISOLA” RADICADO NO SENTIDO DE JUSTIÇA * Arménio Rego ** 208 docentes de duas universidades e duas instituições politécnicas portuguesas descreveram as suas percepções de justiça e os seus níveis de empenhamento afectivo com as instituições em que trabalham. Os resultados sugerem que os docentes com maior sentido de “amor à camisola” são os que percepcionam que: a) os procedimentos decisórios e de promoção são imparciais e justos; b) são tratados com dignidade e respeito pelos seus superiores. A justiça na distribuição das tarefas e das recompensas não parece influenciar esse sentido de identificação emocional com a organização. Esta evidência sugere a necessidade de se alterarem procedimentos decisórios e de relacionamento entre distintos níveis hierárquicos para que se alcancem níveis superiores de empenhamento afectivo dos professores nas suas instituições. O assunto carece de especial atenção, pois a psicologia industrial/organizacional tem apontado, com ênfase assinalável, o efeito desse empenhamento numa grande diversidade de atitudes e comportamentos organizacionalmente relevantes. Quem sabe se o caminho aqui gizado não representará uma via (mais uma) profícua para os incrementos na tão “estrategicamente” propalada qualidade no ensino superior! Palavras-chave: Percepções de justiça, empenhamento dos professores do ensino superior, qualidade no ensino superior. ________________ ** Docente da Universidade de Aveiro.

Upload: vuongque

Post on 03-Dec-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Gestão e Desenvolvimento, 11 (2002), 169-195

PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTEEMPENHADOS NAS SUAS INSTITUIÇÕES: O “AMOR

À CAMISOLA” RADICADO NO SENTIDO DE JUSTIÇA*

Arménio Rego**

208 docentes de duas universidades e duas instituições politécnicasportuguesas descreveram as suas percepções de justiça e os seus níveis deempenhamento afectivo com as instituições em que trabalham. Osresultados sugerem que os docentes com maior sentido de “amor àcamisola” são os que percepcionam que: a) os procedimentos decisóriose de promoção são imparciais e justos; b) são tratados com dignidade erespeito pelos seus superiores. A justiça na distribuição das tarefas e dasrecompensas não parece influenciar esse sentido de identificaçãoemocional com a organização. Esta evidência sugere a necessidade de sealterarem procedimentos decisórios e de relacionamento entre distintosníveis hierárquicos para que se alcancem níveis superiores deempenhamento afectivo dos professores nas suas instituições. O assuntocarece de especial atenção, pois a psicologia industrial/organizacionaltem apontado, com ênfase assinalável, o efeito desse empenhamento numagrande diversidade de atitudes e comportamentos organizacionalmenterelevantes. Quem sabe se o caminho aqui gizado não representará umavia (mais uma) profícua para os incrementos na tão “estrategicamente”propalada qualidade no ensino superior!

Palavras-chave: Percepções de justiça, empenhamento dos professoresdo ensino superior, qualidade no ensino superior.

________________

** Docente da Universidade de Aveiro.

Page 2: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

170

1. INTRODUÇÃO

Todos nós, qualquer que seja o nosso papel na empresa, queremos servalorizados enquanto seres humanos, e não como “pessoal” ou“activos humanos”. Desejamos ser tratados com respeito pela nossainteligência. Queremos que as nossas ideias sejam tomadas a sério.Gostamos de conhecer as razões que sustentaram decisões específicas.Somos sensíveis aos sinais que são transmitidos pelos processos detomada de decisão das empresas. Tais processos podem revelar avontade da empresa em confiar em nós e procurar as nossas ideias –ou assinalar exactamente o contrário (Kim & Mauborgne, 1997: 69).

Este artigo almeja ajudar a compreender as razões pelas quais osprofessores do ensino superior se empenham afectivamente na instituiçãoem que exercem actividade docente. Mais concretamente, serão expostosdados teóricos e empíricos denotativos de que os professores compercepções de justiça mais positivas são os que mais afectivamente seempenham nas suas instituições. Este leitmotiv é acompanhado de trêsargumentos basilares, em certa medida colhidos nos estudos que brotamda psicologia industrial/organizacional: a) é presumível que osprofessores mais afectivamente empenhados adoptem maiscomportamentos de cidadania docente (CIDOCE); b) há sobejas razõesteóricas e empíricas para supor que estes comportamentos são relevantespara a qualidade do ensino superior; c) num tempo em que aspreocupações com a qualidade transvasaram abundantemente do quadrodas organizações “convencionais” para as instituições de ensino superior,torna-se fulcral conhecer os factores potencialmente fomentadores de talqualidade.

Enunciando de modo distinto: se as pesquisas insinuam que osCIDOCE são mais vincados entre os professores empenhadosafectivamente nas suas organizações, se tais comportamentos sãorelevantes para a qualidade no ensino superior, então importa estudar oquadro de razões que pode sustentar aquele empenhamento –,designadamente as percepções de justiça organizacional.

Page 3: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

171

O artigo é encetado com argumentos reveladores de que oempenhamento afectivo e a “entrega” à organização induzem as pessoas aactuarem como boas cidadãs organizacionais. Lançará luz sobre algunsdados reveladores de que os “bons cidadãos docentes” sãoveementemente valorizados por estudantes, graduados e professores –,parecendo querer significar que nos CIDOCE radica um potencialconsiderável de melhoria da qualidade no ensino superior. Apontarádados teóricos e empíricos que sustentam a hipótese de os laçosemocionais de empenhamento dos professores na organização radicaremnas suas percepções de que as instituições e os seus decisores actuam demodo justo. O artigo termina com a exposição de algumas reflexõespotencialmente relevantes para a gestão das instituições de ensinosuperior.

2. EMPENHAMENTO AFECTIVO E CIDADANIA ORGANIZACIO-NAL

Numa versão semântica paradigmaticamente atraente para acompreensão do significado do empenhamento dos membrosorganizacionais, Goleman (1999) enunciou lapidarmente quatro ideias--charneira:

a) Quando empenhadas e devotas ao seu trabalho, as pessoas estãodispostas a fazer sacrifícios, a suportar condições de trabalhoaltamente exigentes, isto é: a actuarem como “patriotas” das suasorganizações.

b) As pessoas empenhadas representam modelos de actuação que osrestantes membros podem imitar. “Tal como seixos numa piscina… elas lançam ondas de bons sentimentos a toda a organização”(p. 128).

c) As organizações “desprovidas de uma missão bem informada – oucujo enunciado da sua missão mais não é do que uma manobra derelações públicas – oferecem ao seu pessoal pouca coisa em que seempenhem. Os empregados necessitam de um sentido claro dosvalores fundamentais de uma organização para se tornarem fiéis aesses princípios” (p. 127).

d) A entrega à organização tem a sua génese em laços emocionais,gerando “confiança, apego e lealdade”, assim como actos de boacidadania organizacional. Tais laços dependem, em medida

Page 4: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

172

considerável, do grau em que as pessoas sentem que são tratadascom justiça e respeito.

Como membros organizacionais que são, não parece haver razões parapresumir que os professores do ensino superior tenham um padrãocomportamental distinto do da generalidade das pessoas. O próprioGoleman fez, aliás, menção a trabalho empírico realizado com amostrasinclusivas de professores. É sobre eles que o presente artigo se debruça. Aideia básica que o sustenta advém dos seguintes alicerces teóricos eempíricos:

a) Em pesquisas anteriores, Rego & Sousa (Rego, 2000a, 2000d;Rego & Sousa, 2000) verificaram que os professores universitárioscom maior pendor de cidadania docente eram fortementevalorizados pelos (ainda) estudantes, graduados ou já professoresuniversitários.

b) Quatro dimensões de cidadania foram estudadas, tendo os dadossugerido que elas exercem efeitos sobre a motivação profissional eautoconfiança dessas três categorias de pessoas (tabela 1), podendoainda explicar o desempenho académico dos estudantes.

c) Os CIDOCE foram definidos como os comportamentostendencialmente discricionários, não directa ou explicitamentereconhecidos pelo sistema de recompensa formal, e quecontribuem para o funcionamento eficaz da organização de ensinosuperior, designadamente no que concerne ao desempenhoacadémico dos estudantes. Esta definição foi “importada” dapsicologia industrial/organizacional (v.g., Organ, 1988, 1997),estando imbuída do espírito inerente aos comportamentos decidadania organizacional (CCO): comportamentos tendencialmentediscricionários, não garantidamente recompensados pelo sistemade recompensa formal, mas contributivos da eficácia dos grupos,unidades e organizações (Organ, 1988, 1997; Rego, 1999a, 1999b,2000b).

d) Esta definição de cidadania organizacional tem sido alvo dediversas críticas. Consequentemente, o principal protagonista doconceito (Organ, 1997) propôs uma redefinição que toma os CCOcomo as acções que não estão directamente relacionadas com onúcleo central de funções dos membros organizacionais, mas quesão importantes porque modelam o contexto organizacional, sociale psicológico que serve como catalizador crítico para essas

Page 5: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

173

actividades (Borman & Motowidlo, 1993, 1997). Nessa lógica, osCIDOCE podem ser definidos como as acções que ajudam amodelar o contexto organizacional, social e psicológico em que astarefas formais dos docentes se desenrolam.

e) Os estudos desenvolvidos no seio da psicologiaindustrial/organizacional sugerem, muito enfaticamente, que aspessoas tendem a adoptar mais vincadamente comportamentos decidadania quando perfilham percepções de justiça mais positivas(Moorman, 1991; Moorman et al., 1993, 1998; Niehoff &Moorman, 1993; Skarlicki & Latham, 1996, 1997; Rego, 2000b,2000c). E existem razões para pensar que isso ocorre porque,designadamente, os sentimentos associados à justiça suscitamníveis superiores de empenhamento, implicação ou identificaçãoemocional com as suas organizações (Kim & Mauborgne, 1997,1998; Cropanzano & Greenberg, 1997; Meyer, 1997).

f) A tradução verosímil desta lógica para o domínio da docênciauniversitária faz emergir uma questão: será que os professores doensino superior com percepções de justiça mais positivas sãotambém os que adoptam mais CIDOCE? Será que tal tende aocorrer porque os sentimentos favoráveis acerca da justiçaengendram níveis superiores de empenhamento e identificaçãoafectiva dos professores com as suas instituições e a vidaacadémica?

É no preciso domínio enformador desta última questão que o presenteartigo se situa. Ou seja: se os melhores cidadãos docentes geram efeitospositivos sobre os estudantes, e se é provável que tais níveis de cidadaniadecorram do empenhamento afectivo dos professores com as suasinstituições, justifica-se saber se, de facto, os professores maisempenhados são os que expressam sentimentos de justiça mais positivos.Ocorrerá tal fenómeno devido ao processo de “troca social”frequentemente apontado, nos termos do qual as pessoas que sentem quea sua organização se preocupa com o seu bem-estar tendem a responderreciprocamente com mais empenhamento?

Page 6: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

174

Tabela 1CONFIGURAÇÕES DE CIDADANIA DOCENTE E RESPECTIVOS

IMPACTOS NOS (AINDA) ALUNOS, GRADUADOS E JÁPROFESSORES

Grupo 1Fracos

Grupo 2(‘Apenas’)

corteses

Grupo 3Conscienciosos

Grupo 4Regulares

Grupo 5Profissionais

diligentes

Grupo 6Exemplares

(n=73) (n=61) (n=88) (n=64) (n=171) (n=173)

Comportamentos dosprofessores (escala 1-7)Comportamentoparticipativo

2,6 3,1 2,6 4,6 4,9 5,5

Orientação prática 2,4 3,5 2,7 4,8 4,4 5,9Conscienciosidade 2,8 3,3 5,6 4,0 5,8 6,2Cortesia 2,9 5,5 4,9 4,5 6,3 6,0Média das 4 pontuações 2,7 3,9 3,9 4,5 5,3 5,9

Cotação de desempenhodocente (escala 0-20)Atribuída pelos estudantes 5,9 9,3 9,3 13,6 15,0 16,5Atribuída pelosprofessores

8,8 9,1 13,4 14,6 17,5 17,7

Atribuída pelos graduados 5,1 7,7 9,8 12,1 16,6 17,6

Motivação profissional(escala 1-7)

Estudantes 3,0 3,6 3,6 4,6 4,8 5,8Professores 3,2 3,6 4,7 4,9 5,5 5,6Graduados 2,6 3,4 3,2 4,5 5,5 5,9

Autoconfiança(escala 1-7)

Estudantes 3,9 4,0 4,3 4,4 4,5 5,0Professores 4,0 4,2 4,1 4,8 4,6 4,9Graduados 3,5 4,3 4,4 4,5 5,0 5,1

Construída com dados extraídos em: Rego (2000a), Rego & Sousa (2000a).

3. O EMPENHAMENTO AFECTIVO E A JUSTIÇA

O construto que nos parece representar bem o laço emocional gizadopor Goleman é o empenhamento1 afectivo. Genericamente, oempenhamento organizacional pode ser concebido como um estadopsicológico que caracteriza a ligação do indivíduo à organização, e quetem implicações na sua decisão de se manter como seu membro (Meyer,1997). Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo anatureza desse vínculo que está na génese de três dimensões, ou

Page 7: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

175

componentes, do empenhamento: a afectiva, a normativa e a instrumental(tabela 2). Alguns investigadores propõem, ainda, que o empenhamentoinstrumental seja perspectivado em duas dimensões (v.g., Iverson &Buttigieg, 1999): a baseada no sentimento de ausência de alternativas deemprego, e a resultante da consciência de que os custos pessoais inerentesà saída são elevados.

Tabela 2CATEGORIAS DE EMPENHAMENTO ORGANIZACIONAL

Categorias Caracterização A pessoa permanece naorganização porque …

Afectivo Grau em que o colaborador se senteemocionalmente ligado, identificado eenvolvido na organização.

… sente que quer permanecer.

Normativo Grau em que o colaborador possui um sentidoda obrigação (ou dever moral) de permanecerna organização.

… sente que deve permanecer.

Instrumental(ou calculativo)

Grau em que o colaborador se mantém ligado àorganização devido ao reconhecimento doscustos associados com a sua saída da mesma.Este reconhecimento pode advir da ausência dealternativas de emprego, ou do sentimento deque os sacrifícios pessoais gerados pela saídaserão elevados.

… sente que tem necessidadede permanecer.

Fontes: Allen & Meyer (1990); McGee & Ford (1987); Meyer (1997); Iverson & Buttigieg (1999).

O interesse no estudo desta matéria já foi anteriormente sublinhadonas referências ao trabalho de Goleman sobre inteligência emocional.Mas ele filia-se, em grande medida, nos dados teóricos e empíricosdetectáveis na psicologia industrial/organizacional, segundo os quais aspessoas mais empenhadas afectivamente tendem a revelar menorvontade de abandonar a organização, maior pontualidade, menoresíndices de absentismo, maior grau de aceitação das mudançasorganizacionais, e mais elevados índices de cidadania (v.g., O’Reilley &Chatman, 1986; Steers & Porter, 1990; Becker, 1992; Moorman et al.,1993; Cordery, 1993; Schaubroeck et al., 1994; Iverson, 1996; Meyer,1997; McKenzie et al., 1998; Caetano & Vala, 1999; Iverson & Buttigieg,1999; Yousef, 2000). Sendo essa a evidência em meiosindustriais/organizacionais, emerge a interrogação: será que os docentes

Page 8: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

176

do ensino superior mais afectivamente identificados com a suainstituição denotam atitudes e comportamentos do mesmo teor?

A resposta a esta interrogação contém valia inquestionável, pois éplausível que tais atitudes e comportamentos actuem positivamente sobrea qualidade do ensino superior e, especificamente, a qualidade doprocesso ensino-aprendizagem (Schargel, 1994; Helms e Key, 1994;Ellington & Ross, 1994; Bailey & Bennett, 1996; Hansen & Jackson,1996; Rowley, 1996; Yorke, 1997; Horsburgh, 1999). No que concerne,especificamente, aos CIDOCE, existe aliás diversa evidência empíricasugerindo que eles são fortemente valorizados pelos estudantes (sejameles ainda alunos, já graduados ou mesmo professores do ensino superior),contribuindo significativamente para a sua motivação, autoconfiança edesempenho académico (Rego, 2000a; Rego & Sousa, 2000). Porconseguinte, a questão-chave pode, muito simplesmente, ser enunciadadeste modo: se é plausível que os professores mais empenhadosafectivamente na sua instituição desenvolvam atitudes e comportamentos“positivos” para a qualidade da vida académica, o que provoca ou induzesse empenhamento?

Se escrutinarmos os estudos da psicologia industrial/organizacional,detectamos um rico catálogo de potenciais respostas (Steers & Porter,1990; McFarlin & Sweeney, 1992; Sweeney & McFarlin, 1993, 1997;Moorman et al., 1993; Schaubroeck et al., 1997; Meyer, 1997;Mossholder et al., 1998; Pond et al., 1997; McKenzie et al., 1998; Iverson& Buttigieg, 1999). No seu seio, descortinam-se as percepções de justiçaorganizacional. Um dos argumentos verosímeis para esta relaçãoempírica pode ser extraído da noção de troca social (Blau, 1964; Adams,1965; Meyer, 1997), e pode ser assim afirmado: quando sentem que aorganização os valoriza e cuida do seu bem-estar, os indivíduosdesenvolvem atitudes de identificação/empenhamento para com ela.

Sucede que a justiça deve ser concebida na suamultidimensionalidade, sendo necessário saber qual(is) dasfacetas/dimensões é(são) mais pertinente(s). Uma das classificações maiscomuns distingue as facetas distributiva (distribuição justa dos salários,punições, tarefas), procedimental (relacionada com os procedimentosusados naquelas distribuições) e interaccional (grau em que os chefeslidam com os seus colaboradores de modo justo, digno e respeitador).Pode ilustrar-se o triângulo com o exemplo de uma sanção disciplinar: asanção propriamente dita (justiça distributiva), o processo que a elaconduz (procedimental) e o modo como o superior a transmite, explica ejustifica ao colaborador (interaccional). As percepções positivas em

Page 9: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

177

certa(s) faceta(s) podem coabitar com percepções negativa(s) noutra(s)faceta(s). Por exemplo, um indivíduo pode considerar que a sanção e oprocesso são justos, mas revelar percepções de baixa justiça(interaccional) devido à rudeza com que o superior o aborda.

Tabela 3CATEGORIAS DE JUSTIÇA E EXEMPLOS DE ITENS USADOS

PARA MEDIR AS PERCEPÇÕES DOS DOCENTES

Categorias Itens ilustrativos Alpha deCronbach

Justiçainteraccional

Os meus superiores mostram interesse genuíno em seremjustos comigo.Os meus superiores lidam comigo de modo honesto e ético.Os meus superiores oferecem-me explicações adequadasacerca das decisões relativas ao meu trabalho.

0,95

Justiçaprocedimental

Os procedimentos da minha instituição asseguram que asdecisões são tomadas sem favorecimentos pessoais.Os procedimentos usados para determinar as promoções dosprofessores são justas.As decisões são tomadas de modo consistente para todos osprofessores.

0,89

Justiça nadistribuiçãoderecompensas

Tendo em conta a minha experiência, considero que asrecompensas que recebo são justas.Considerando o stress e pressões da minha actividadeprofissional, as recompensas que recebo são justas.Tendo em conta a correcção com que faço o meu trabalho,considero que as recompensas que recebo são justas.

0,95

Justiça nadistribuiçãode tarefas

O serviço docente que me tem sido distribuído é justo.Tendo em conta as condições de trabalho que me sãofacultadas, considero (in)justas as tarefas que me são exigidas.As tarefas que me são atribuídas são justas.

0,86

No presente estudo, que englobou 208 docentes do ensino superior,oriundos de duas universidades e duas instituições politécnicas, estas 4dimensões emergiram (a técnica estatística utilizada foi a análise factorialdas componentes principais). No entanto, a vertente distributiva emergiu

Page 10: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

178

desmembrada em duas categorias: distribuição das tarefas e dasrecompensas. A tabela 3 expõe exemplos ilustrativos dos itens que foramusados para questionar os docentes sobre essas diferentes categoriasperceptivas, assim como os Alphas de Cronbach respectivos (que nossugerem o grau em que estas medidas são fidedignas). Para se medir oempenhamento afectivo dos docentes, foi-lhes solicitado quedescrevessem o grau de veracidade de diversas afirmações, cujo conteúdoestá exposto na tabela 4.

Tabela 4COMO RESPONDEM OS DOCENTES COM ELEVADO

EMPENHAMENTO AFECTIVO NAS SUAS INSTITUIÇÕES*

Sinto que esta instituição é um excelente lugar para se trabalhar.Sinto-me muito empenhado na minha instituição.Sinto-me emocionalmente ligado à minha organização.Tenho grande orgulho em dizer aos meus amigos que trabalho na minha instituição.Tenho vontade de desenvolver esforços para além do normalmente esperado tendo em vistaajudar a minha instituição.Estou muito contente por ter vindo trabalhar para esta instituição.Sinto muito orgulho em fazer parte desta instituição.Sinto-me “parte da família” da minha instituição.A minha instituição tem um grande significado pessoal para mim.Quando falo da minha instituição a outras pessoas, digo-lhes que é uma excelente organizaçãopara se trabalhar.

* O Alpha de Cronbach referente a estes itens é 0,92.

4. O QUE MOSTRAM OS RESULTADOS DO ESTUDO?

Uma das primeiras indicações fornecidas pelos dados do estudo estáexposta na tabela 5 e pode ser assim resumida:

a) Os professores inquiridos expressam níveis de justiçapercepcionada que podem ser considerados modestos/médios: naescala de 1 a 6, as cotações situam-se em torno do intervalo 3,5 –4,5.

b) As vertentes em que se sentem menos justiçados são as quereportam à distribuição das recompensas e, especialmente, aos

Page 11: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

179

procedimentos usados nas promoções e tomadas de decisão. Umaanálise mais minuciosa dos dados permite constatar, no entanto,que as maiores queixas são apontadas às explicações (não) dadaspelos superiores, à (im)parcialidade e (in)consistência dosprocedimentos decisórios e promoções, e à (in)justiça dos níveissalariais.

c) Globalmente, não são decifráveis diferenças significativas entre aspercepções dos docentes de várias subamostras. Mas algumasdiferenças são de meritória citação.

d) A primeira é a atinente ao facto de os professores de mais elevadacategoria denotarem percepções mais positivas de justiçaprocedimental e justiça distributiva das recompensas. Cremos queo dado pode resultar do facto de terem assento em órgãosdecisórios de que os docentes de categoria inferior não desfrutam.E de usufruírem níveis salariais superiores.

e) A segunda diferença é extraída do facto de os docentes deinstitutos politécnicos denotarem percepções menos positivas dejustiça distributiva, seja na vertente recompensatória ou das tarefas.É possível que tal se deva à maior carga lectiva … e paralelainsatisfação com o salário (relativo).

f) A terceira diferença é a atinente aos professores sem regime deexclusividade, os quais denotam percepções bastante negativas dejustiça na distribuição das recompensas. O dado não écompletamente surpreendente se atendermos ao facto de que estesprofessores recebem salários substancialmente inferiores, tal comolegalmente estatuído. Mas nem por isso deixa de alertar para aeventualidade de tais diferenças suscitarem percepções de(in)justiça potencialmente nefastas para o seu empenhamento navida da instituição em que exercem funções. Importa, todavia, terpresente o facto de a dimensão da subamostra ser muito reduzida.

Page 12: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

180

Tabela 5PERCEPÇÕES DE JUSTIÇA E EMPENHAMENTO AFECTIVO –MÉDIAS COMPARATIVAS PARA VÁRIAS SUBAMOSTRAS*

Justiçainterac-cional

Justiçaprocedi-mental

Justiça nadistribuição derecompensas

Justiça nadistribuiçãode tarefas

Empenha-mentoafectivo

Tipo deinstituição

Universitária (n=156) 4,0 3,4 3,6a 4,4a 4,6

Politécnica (n=44) 3,8 3,5 3,1a 3,8a 4,7

Categoria Assistentes (n=80) 4,0 3,2a 3,4a 4,1 4,4aAuxiliares e adjuntos(n=48)

3,8 3,4 3,1b 4,3 4,6

Associados, catedrát.e coordenad. (n=34)

4,1 3,7a 4,0a,b 4,4 4,9a

Doutoramento Não (n=92) 4,0 3,2 3,5 4,1 4,5Sim (n=89) 3,9 3,5 3,5 4,3 4,7

Exclusividade Sim (n=193) 4,0 3,4 3,6a 4,3 4,7Não (n=7) 4.3 2.9 2.7a 4.5 4.0

* A amostra é constituída por 208 docentes das Universidades de Aveiro e de Coimbra, e dasEscolas Superiores de Santarém e de Coimbra. O facto de as somas das dimensões das váriassubamostras não perfazerem tal valor deve-se a algumas não-respostas.Nota: no questionário, as escalas variavam entre 1 e 6.As letras situadas após as cotações identificam os pares de valores que, na vertical, sãoestatisticamente diferentes (p<0.05). Assim, por exemplo, os professores associados, catedráticose coordenadores perfilham percepções de justiça na distribuição de recompensassignificativamente superiores às percepções dos professores dos dois outros grupos de categorias.

A segunda grande linha de referência que pode ser extraída dos dados– e que representa o cerne deste artigo – é a que sugere que os professoresmais empenhados afectivamente com as suas instituições são os quedenotam percepções de justiça mais positivas. No entanto, os docentesmostram especial sensibilidade à justiça interaccional e procedimental,não parecendo reagir à (in)justiça distributiva. Para se compreender oexposto, deixam-se dois apontamentos:

a) Na análise de regressão, apenas as vertentes procedimental einteraccional explicam (cerca de 30%) da variância doempenhamento. Ou seja: os docentes não diminuem os seus níveisde empenhamento afectivo com as instituições em que trabalhampelo facto de se sentirem injustiçados na distribuição das tarefas ou

Page 13: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

181

das recompensas. O que os afecta é o sentimento de que asdecisões são tomadas tendo em conta interesses pessoais, de que aspromoções são injustas, e de que os superiores não os tratam comdignidade e respeito nem lhes concedem explicações/justificaçõespara as decisões.

b) Quando se agrupam os docentes em função dos seus níveis deempenhamento afectivo, e depois se comparam os diversos gruposno que concerne às percepções de justiça, descortina-se o seguinte(tabela 6): os grupos com níveis de empenhamento superioressão os que denotam percepções de justiça mais positivas,embora tal seja especialmente evidente para a justiçaprocedimental e interaccional. Note-se que os grupos quase nãodivergem nos planos da(s) justiça(s) distributiva(s).

Tabela 6AGRUPAMENTOS DE DOCENTES, DE ACORDO COM O SEUNÍVEL DE EMPENHAMENTO AFECTIVO, E RESPECTIVAS

PERCEPÇÕES DE JUSTIÇA*

Grupo 1(n=8)

Grupo 2(n=25)

Grupo 3(n=27)

Grupo 4(n=77)

Grupo 5(n=47)

Grupo 6(n=24)

Empenhamentoafectivo

1,9 3,1 3,9 4,8 5,4 6,0

Afectivamenteausentes

Completamenteempenhados

Justiça interpessoal 3,0 3,1 3,6 4,1 4,5 4,6Justiça procedimental 2,5 2,6 2,8 3,5 3,8 3,8Justiça na distribui-ção das recompensas

3,2 3,4 2,6 3,5 3,7 4,2

Justiça na distribui-ção das tarefas

4,0 3,7 3,5 4,4 4,9 4,5

* O agrupamento foi constituído através da análise de clusters (método: vizinho mais afastado;distância: euclidiana ao quadrado) com base na implicação afectiva.** Teste Scheffé (p<0.05)Nota: no questionário, as escalas variavam entre 1 e 6.

Page 14: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

182

5. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A GESTÃO DAS INSTI-TUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

Os dados fornecem algumas pistas de reflexão que importa explorar.O primeiro respeita ao facto de os professores reportarem níveis modestosde justiça percepcionada. Parece, por conseguinte, haver um caminhoaberto (uma margem de actuação) que as instituições poderão percorrertendo em vista incrementar as percepções de justiça dos seus docentes. Amatéria não é despicienda: com efeito, os estudos em psicologiaindustrial/organizacional sugerem que a justiça representa um dosfactores de maior relevo no funcionamento eficaz das organizações(Cropanzano & Greenberg, 1997; Kim & Mauborgne, 1997, 1998; Rego,1999c).

A segunda pista merecedora de atenção respeita aos modestos níveisde empenhamento afectivo dos professores (tabela 5). Se, como sugeremGoleman e outros estudiosos, daqui advêm consequências nefastas para a“entrega” e cidadania dos docentes, então é necessário que as instituiçõesde ensino superior tomem o assunto a peito e o perfilhem como uma áreade actuação preferencial.

O terceiro tópico merecedor de atenção resulta do cruzamento dosdois anteriores. Ou seja: a) denotando os professores um nível medíocrede empenhamento afectivo, e percepcionando níveis igualmente modestosde justiça; b) podendo a justiça incrementar tal empenhamento; c) entãoas instituições dispõem de uma margem de actuação que importaaproveitar. A questão logo emergente é esta: actuar sobre quê? Ora, osresultados do presente estudo alvitram que pode ser maiseficiente/produtivo agir sobre as vertentes procedimental e interaccional.Que medidas podem ser tomadas? Seria precipitado asseverá-las compropostas peremptórias e receituários. O que a seguir se expõe constitui,tão só, um catálogo de ideias, sugestões e reflexões. O conhecimentorealista do terreno concreto e as possibilidades reais de actuação que sedepararem aos decisores fornecerão o tempero para a sua aplicação ourejeição:

a) É crucial que os decisores tratem com respeito, consideração ejustiça os docentes, respeitem os seus direitos, e actuem de modofranco, honesto e ético.

b) É também fundamental que expliquem, discutam e forneçamjustificações aos docentes (que foram ou virão a ser) afectadospelas decisões.

Page 15: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

183

c) Importa incrementar as possibilidades de participação dos docentesna tomada de decisão, especialmente daqueles que, devido à suacategoria profissional, ficam arredados da pertença a determinadosórgãos de decisão e consulta. Mesmo que este afastamento sejauma inevitabilidade formal (o que é duvidoso), nada impede quesejam adoptados procedimentos informais de consulta eparticipação. A qualidade de um número considerável de decisõesnão está dependente do grau académico ou categoria profissionaldos docentes. O nível superior de formação que todos possuemconfere-lhes capacidade para intervir, com qualidade, em decisõesatinentes a orçamentos, distribuição de serviço docente, alteraçõesde planos de estudos, etc.

d) Mais: o fornecimento de explicações e informações transmite-lhesum sinal de que são membros respeitados, considerados, eintelectual e emocionalmente válidos. E esse sinal não parece estarinibido pelas estruturas normativas e estatutárias vigentes.

e) Acresce que a não detenção de uma dada categoria pode provir,não do demérito do docente … mas do demérito de um sistemaassente fundamentalmente numa lógica de “vagas” queimpede/dificulta a recompensa efectiva do mérito.

f) É crucial que os procedimentos decisórios (nos diversos planos,sejam eles científicos, pedagógicos, profissionais, atinentes apromoções, concessões de apoios financeiros…) assegurem que asdecisões são tomadas sem favorecimentos pessoais e de modoconsistente ao longo do tempo (embora consistência não signifiqueimutabilidade).

g) É provável que seja necessário alterar os critérios e procedimentosatinentes às promoções dos docentes. Porventura, a consideraçãode aspectos como a competência e dedicação pedagógica, oempenhamento na vida das instituições, a ligação ao meiocircundante … deverão ser consignados futuramente, de modomais claro e desde os patamares iniciais da carreira.

Note-se que se está presumindo que não são os sentimentos de cargashorárias ou recompensas injustas que induzem os professores a baixar osseus níveis de implicação afectiva. Tomando o tema pela outra face: nãoparece ser com o incremento dos níveis salariais ou a promoção da justiçanas distribuições de tarefas que as instituições poderão ser bem sucedidasna promoção do empenhamento afectivo dos seus docentes. Esta asserção

Page 16: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

184

carece, todavia, de algum debate – que algumas hipóteses interpretativaspoderão alimentar:

a) É possível que os docentes se sintam injustamente recompensados,não pelo facto de os salários serem baixos, mas por o serem emtermos relativos (tendo em consideração a experiência, esforço,mérito profissional, etc.).

b) Significa isto que não bastaria incrementar as recompensas paraobter níveis superiores de justiça percepcionada. Seria necessárioadoptar esquemas retributivos que tomassem em consideraçãoaspectos como o mérito, experiência, esforço, responsabilidades,dedicação ao trabalho, correcção na execução das funções,remunerações noutros níveis de ensino.

c) É possível que os níveis salariais absolutos sejam suficientementeelevados para inibirem reacções negativas à injustiça relativa.

De qualquer modo, a noção de que o empenhamento afectivo dependemais da justiça procedimental/interaccional do que da distributiva estábem documentada na literatura, tendo sido lapidarmente enunciada porKim & Mauborgne (1997) a propósito das decisões em equipasestratégicas. O modelo (ver figura) radica na ideia de que, na actualeconomia do conhecimento, o potencial criativo e inovador dos“cognitários” (Toffler, 1991) só pode ser fomentado através da justiçaprocedimental/interaccional – não mediante a justiça distributiva. Esta“apenas” suscita a satisfação, mas não promove a confiança eempenhamento – sendo estas as variáveis necessárias para que osmembros organizacionais se empenhem activamente na vida daorganização e vão para além das suas estritas obrigações formais:

“A confiança e o empenhamento produzem a cooperação voluntária. Ea cooperação voluntária conduz ao desempenho, levando as pessoas paraalém daquilo que faz parte das suas obrigações, através da partilha deconhecimentos e a aplicação da sua criatividade” (Kim & Mauborgne,1997: 71).

Page 17: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

185

FiguraDOIS CAMINHOS COMPLEMENTARES PARA O DESEMPENHO

Adaptada de: Kim & Mauborgne (1997: 73).

Tratando-se de trabalhadores cognitários por excelência (Toffler, 1991),é razoável admitir que o modelo seja aplicável aos docentes do ensinosuperior. Julgamos, todavia, que a justiça distributiva não deve serdescurada. Por duas razões fundamentais:

a) Os estudos revelam que as pessoas com percepções positivas dejustiça distributiva perfilham níveis superiores de satisfação notrabalho. Existem igualmente investigações sugerindo que estasatisfação conduz a níveis mais elevados de comportamentos decidadania (Tansky, 1993; Organ & Ryan, 1995; Bolon, 1997;Netemeyer et al., 1997; Burroughs & Eby, 1998; Tang, 1998;LePine & Van Dyne, 1998; MacKenzie et al., 1998; Organ &Paine, 1999).

Justiçadistributiva

Satisfação com osresultados

“Recebi o que merecia”

Justiça procedimental/interaccional

Confiança eempenhamento

“Sinto que valho comomembro do grupo e queme reconhecem valor

intelectual e emocional”

Cooperação espontânea

“Faço mais do que aquiloque me pedem”

Ultrapassagem dasexpectativas de

desempenho

Cooperação obrigatória

“Faço que me dizem parafazer”

Alcance das expectativasde desempenho

2+2+2 = 6

2x2x2 = 8

Desempenhoorganizacional

Desempenhoorganizacional

Page 18: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

186

b) É possível que os efeitos positivos da justiçaprocedimental/interaccional só possam ocorrer quando é cumpridoum patamar minimamente satisfatório de justiça distributiva.

Em jeito de conclusão, algumas linhas de reflexão são mencionáveis:a) há razões para pensar que os professores mais empenhadosafectivamente nas suas instituições podem contribuir para a melhoria daqualidade no ensino superior; b) os comportamentos de cidadania docenterepresentam um dos modos através dos quais essas melhorias poderão seralcançadas; c) as pesquisas empíricas sugerem, com assinalávelconstância, que os professores mais afectivamente empenhados e maispraticantes de actos de cidadania são os que percepcionam níveis dejustiça mais elevados; d) os dados do presente estudo também apontamnesse sentido, com a particularidade de assinalarem o papelpreponderante da justiça interaccional e procedimental; e) atendendo aosmodestos níveis de justiça percepcionada que os docentes declararam nopresente estudo, parece haver uma substancial margem de actuação àdisposição dos decisores que governam (ao nível macro e micro) asinstituições do ensino superior.

NOTAS

* Com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (Programa OperacionalCiência, Tecnologia e Inovação).

1 O termo inglês original (traduzido, no texto, por empenhamento), é commitment.Existem outros vocábulos passíveis de utilização, designadamente: envolvimento,cometimento, comprometimento (o termo que, ao que julgamos saber, tem vindo a seradoptado no Brasil). A alternativa seria manter a designação inglesa, embora nospareça que deve haver um esforço tendente à inscrição de terminologia portuguesa.Esperemos que rapidamente se convencione um termo apropriado.

Page 19: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

187

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAMS, J. S. (1965), “Inequity in social exchange”. In L. Berkowitz(ed.), Advances in experimental social psychology (vol. 2, pp. 267-299). New York: Academic Press.

BAILEY, D. & BENNETT, J. V. (1996). “The realistic model of highereducation”. Quality Progress, November: 77-79.

BECKER, T. E. (1992), “Foci and bases of commitment: Are theydistinctions worth making?”. Academy of Management Journal,35(1): 232-244.

BLAU, P. M. (1964), Exchange and power in social life. New Brunswick,NJ: Transaction Publizhers.

BOLON, D. S. (1997), “Organizational citizenship behavior amonghospital employees: A multidimensional analysis involving jobsatisfaction and organizational commitment”. Hospital & HealthServices Administration, 42(2): 221-241.

BURROUGHS, S. M. & EBY, L. T. (1998), “Psychological sense ofcommunity at work: A measurement system and explanatoryframework”. Journal of Community Psychlogy, 26(6): 509-532.

CAETANO, A. & VALA, J. (1999), “Efeitos da justiça organizacionalpercebida sobre a satisfação no trabalho e as opçõescomportamentais”. Psicologia, XIII(1-2): 75-84.

CORDERY, J., SEVASTOS, P., MUELLER, W. & PARKER, S. (1993),“Correlates of employee attitude toward functional flexibility”.Human Relations, 46(6): 705-723.

CROPANZANO, R. & GREENBERG, J. (1997), “Progress inorganizational justice: Tunneling through the maze”. In C. L.Cooper & I. T. Robertson (Eds.), International Review ofIndustrial and Organizational Psychology (vol. 12, pp. 317-372),Chichester: John Wiley & Sons.

ELLINGTON, H. & ROSS, G. (1994), “Evaluating teaching qualitythroughout a university”. Quality Assurance in Education, 2(2): 4-9.

GOLEMAN, D. (1999), Trabalhar com inteligência emocional. Lisboa:Temas & Debates.

HANSEN, W. L. & JACKSON, M. (1996), “Total quality improvementin the classroom”. Quality in Higher Education, 2(3): 211-217.

Page 20: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

188

HELMS, S. & KEY, C. H. (1994), “Are students more than costumers inthe classroom?” Quality Progress, September: 97-99.

HORSBURGH, M. (1999), “Quality monitoring in higher education: Theimpact on student learning”. Quality in Higher Education, 5(1): 9-25.

IVERSON, R. D. & BUTTIGIEG, D. M. (1999), “Affective, normativeand continuance commitment: Can the 'right kind' of commitmentbe managed?”. Journal of Management Studies, 36(3): 307-333.

IVERSON, R. D. (1996), “Emplowee acceptance of organizationalchange: The role of organizational commitment”. TheInternational Journal of Human Resource Management, 7(1): 15-23.

KIM, W. C. & MAUBORGNE, R. (1998), “Procedural justice, strategicdecision making and the knowldge economy”. StrategicManagement Journal, 19: 323-338.

KIM, W. C. & MAUBORGNE, R. A. (1997), “Fair process: Managing inthe knowledge economy”. Harvard Business Review, 75(4): 65-75.

LEPINE, J. A. & VAN DYNE, L. (1998), “Predicting voice behavior inwork groups”. Journal of Applied Psychology, 83(6): 853-868.

MACKENZIE, S. B., PODSAKOFF, P. M. & AHEARNE, M. (1998),“Some possible antecedents and consequences of in-role and extra-role salesperson performance”. Journal of Marketing, 62(July): 87-98.

MCFARLIN, D. B. & SWEENEY, P. D. (1992), “Distributive andprocedural justice as predictors of satisfaction with personal andorganizational outcomes”. Academy of Management Journal,35(3): 626-637.

MEYER, J. P. (1997), “Organizational commitment”. In C. L. Cooper &I. T Robertson (Eds.), International review of Industrial andOrganizational Psychology (vol. 12: 175-228). Chichester: JohnWiley & Sons.

MOORMAN, R. H. (1991), “Relationship between organizational justiceand organizational citizenship behaviors: do fairness perceptionsinfluence employee citizenship?”. Journal of Applied Psychology,76: 845-855.

MOORMAN, R. H., NIEHOFF, B. P. & ORGAN, D. W. (1993),“Treating employees fairly and organizational citizenshipbehavior: sorting the effects of job satisfaction, organizationalcommitment, and procedural justice”. Employee Responsabilitiesand Rights Journal, 6(3): 209-225.

Page 21: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

189

MOSSHOLDER, K. W., BENNETT, N. & MARTIN, C. (1998), “Amultilevel analysis of procedural justice context”. Journal ofOrganizational Behavior, 19, 131-141.

NETEMEYER, R. G., BOLES, J. S., MCKEE, D. & MCMURRIAN, R.(1997), “An investigation into the antecedents of organizationalcitizenship behaviors in a personal selling context”. Journal ofMarketing, 61: 85-98.

NIEHOFF, B. P. & MOORMAN, R. H. (1993), “Justice as a mediator ofthe relationship between methods of monitoring and organizationalcitizenship behavior”. Academy of Management Journal, 36(3):527-556.

O' REILLY, C. & CHATMAN, J. (1996), “Culture as social control:corporations, cults and commitment”. In L.L. Cummings & BarryM. Staw (Eds.), Research in Organizational Behavior (vol. 18, pp.157-200). Greenwich, Connecticut: JAI Press.

ORGAN, D. W. & PAINE, J. B. (1999), “A new kind of performance forindustrial and organizational psychology: recent contributions tothe study of organizational citizenship behavior”. InternationalReview of Industrial and Organizational Psychology, 14: 338-368.

ORGAN, D. W. & RYAN, K. (1995), “A meta-analytic review ofattitudinal and dispositional predictors of organizational citizenshipbehavior”. Personnel Psychology, 48: 775-802.

ORGAN, D. W. (1988), Organizational Citizenship Behavior: the GoodSoldier Syndrome. Lexington, MA: Lexington Books.

ORGAN, D. W. (1997), “Organizational citizenship behavior: Itsconstruct clean-up time”. Human Performance, 10: 85-97

POND III, S. B., NACOSTE, R. W., MONIQUE, F. M. & RODRIGUEZ,C. M. (1997), “The measurement of organizational citizenshipbehavior: are we assuming too much?”. Journal of Applied SocialPsychology, 27: 1527-1544.

REGO, A. & SOUSA, L. (2000), “Impactos dos comportamentos decidadania docente sobre os alunos universitários – a perspectivados estudantes e dos professores”. Linhas Críticas (Universidadede Brasília), 6: 9-30.

REGO, A. (1999a), “Cidadania organizacional e eficácia. Um contributoempírico”. Revista Portuguesa de Gestão, II: 5-19.

REGO, A. (1999b), “Comportamentos de cidadania organizacional:Operacionalização de um constructo”. Psicologia, XIII(1-2): 127-148.

Page 22: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Arménio Rego

190

REGO, A. (1999c), “Justiça organizacional: Entre a adolescência e amaturidade”. In M. P. Cunha (ed.). Teoria organizacional –perspectivas e prospectivas (pp. 165-224). Lisboa: Publicações D.Quixote.

REGO, A. (2000a), “Citizenship behaviors of university teachers: Thegraduates’ point of view”. Paper presented at the 58th AnnualConvention of International Council of Psychologists, Universityof Padua, Padua, Italy, 17-21 July.

REGO, A. (2000b), Comportamentos de cidadania organizacional: Umaabordagem empírica a alguns dos seus antecedentes econsequências. Tese de doutoramento, Lisboa: ISCTE (nãopublicada).

REGO, A. (2000c), Justiça e comportamentos de cidadaniaorganizacional. Comportamento Organizacional e Gestão, 6(1):73-94.

REGO, A. (2000d), “Citizenship behaviors of university teachers andtheir impact on students”. In R. Roth & Frank Farley (eds.), Thespiritual side of psychology at century’s end. Proceedings of the57th Annual Convention of International Council of Psychologists,August 15-19, 1999, Salem, Massachusetts, USA. Lengerish,Berlin, Riga, Rom, Wien, Zagreb: Pabst Science Publishers. (inpreparation).

ROWLEY, J. (1996), “Measuring quality in higher education”. Quality inHigher Education, 2(3): 237-255.

SCHARGEL, F. P. (1994), “Teaching TQM in a inner city high school”.Quality Progress, September: 87-90.

SCHAUBROECK, J., MAY, D. R. & BROWN, F. W. (1994),“Procedural justice explanations and employee reactions toeconomic hardship: A field experiment”. Journal of AppliedPsychology, 79(3): 455-460.

SKARLICKI, D. P. & LATHAM, G. P. (1996), “Increasing citizenshipbehavior within a labor union: A test of organizational justicetheory”. Journal of Applied Psychology, 81(2): 161-169.

SKARLICKI, D. P. & LATHAM, G. P. (1997), “Leadership training inorganizational justice to increase citizenship behavior within alabor union: A replication”. Personnel pPsychology, 50: 617-633.

STEERS, R. M. & PORTER, L. W. (1983), “Employee commitment toorganizations”. In Richard M. Steers & Lyman W. Porter (Eds.),Motivation and Work Behavior (3rd ed., pp. 441-451). McGraw-Hill.

Page 23: PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS AFECTIVAMENTE … · Esse laço psicológico pode assumir teores diferenciados, sendo a natureza desse vínculo que está na génese de três dimensões,

Professores universitários afectivamente empenhados nas suas instituições:o “amor à camisola” radicado no sentido de justiça

191

SWEENEY, P. D. & MCFARLIN, D. B. (1993), “Workers' evaluationsof the 'ends' and the 'means': An examination of four models ofdistributive and procedural justice”. Organizational Behavior andHuman Decision Processes, 55: 23-40.

SWEENEY, P. D. & MCFARLIN, D. B. (1997), “Process and outcome:Gender differences in the assessment of justice”. Journal ofOrganizational Behavior, 18: 83-98.

TANG, T. L. (1998), “Antecedents of organizational citizenship behaviorrevisited: Public personnel in the United States and in the MiddleEast”. Public Personnel Management, 27(4): 529-550.

TANSKY, J. W. (1993), “Justice and organizational citizenship behavior:What is the relationship?”. Employee Responsibilities and RightsJournal, 6(3): 195-207.

TOFFLER, A. (1991), Os Novos Poderes. Lisboa: Livros do Brasil.YORKE, M. (1997), “This way QA?”. Quality Assurance in Education,

5(2): 97-100.Yousef, D. A. (2000), “Organizational commitment as mediator of the

relationship between Islamic work ethic and attitudes towardorganizational change”. Human Relations, 53(4): 513-537.