produtivismo mata - matéria do jornal da adufrj - 22/12/2014
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22 de dezembro de 2014 5www.adufrj.org.br
processo de intensificação do trabalho é o grande culpado
Filipe GalvãoEstagiário e Redação
Trabalho é suplício. Eti-mológico e concreto. Enquanto o sofrimento
da palavra (do latim “tripa-liu”) vem de um instrumento de tortura romano, o sofrimen-to prático diz respeito às rela-ções de opressão e dominação. Nem professor escapa. É o que conclui Alzira Guarany em sua tese de doutorado “Trabalho docente, carreira doente” que analisou os impactos na saúde dos docentes da UFRJ.
A tese, defendida na Esco-la de Serviço Social no dia 9 de dezembro sob a orientação do professor Eduardo Mourão Vasconcelos, analisa o histó-rico do avanço do capitalismo no campo da educação. Até meados do século passado, a carreira de professor ainda ha-bitava outro espaço na dinâmi-ca do trabalho, sendo conside-rada uma vocação, e não uma atividade laboral. Um lugar no qual o docente era valoriza-do por seu tempo de reflexão e análise. Em sua tese, a pro-fessora identifica as crises do capitalismo como o motivador que transformou os setores de produção imaterial como edu-cação e saúde em fatias a se-rem devoradas pela burguesia internacional.
Muita cobrança, pouca saúde
A motivação para a pesqui-sa foi política. Da graduação ao doutorado, toda a formação de Alzira foi pela UFRJ. “Senti que era um momento em que eu deveria devolver alguma
UFRJ
Escola de Educação Infantil tem eleição homologadaA primeira direção eleita
para a Escola de Educação In-fantil da UFRJ teve a vitória homologada pelo Conselho do Centro de Filosofia e Ciências Humanas no último dia 15. A data da posse só será decidida com a volta do ano letivo em
2015. A duração do mandato da gestão é de quatro anos.
Apesar de o pleito contar com uma só chapa, a votação foi adiada a pedido dos profes-sores substitutos para que as propostas fossem melhor deba-tidas. Os professores pediram
mais espaços de diálogo com a direção sobre as questões de administração e gestão. “Foi uma sugestão deles que a gente acolheu e vai implementar. A ideia é termos reuniões quin-zenais”, diz Alessandra Sarkis, diretora eleita.
A chapa “Ressignificar para consolidar” foi eleita com 94,4% dos votos válidos. Segundo Alessandra, a Esco-la de Educação infantil, que até pouco tempo era creche, pode se tornar um colégio de aplicação. “Nós já somos
educação básica na univer-sidade e a ideia agora é nos consolidarmos como CAp. A partir daí podemos discutir a questão orçamentária com o MEC, que tem uma matriz orçamentária específica para esse setor”, conclui.
sAÚDE
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coisa para a universidade”, diz. A ideia surgiu em uma aula do então presidente da Adufrj-SSind, Mauro Iasi, professor da própria ESS. “Na aula, eu perguntei do que o movimento organizado dos docentes esta-va precisando e ele me disse que precisavam conhecer um pouco mais da saúde do pro-fessor”, relembra.
A partir daí, Alzira entre-vistou seis professores de três unidades diferentes — a ética da pesquisa garante o anoni-mato das fontes e dos lugares. E, depois de identificados os agentes desencadeadores de doença na carreira (processos de privatização e mercantiliza-ção da educação), a divisão foi feita entre unidades que con-cordavam, neutras e as que não concordavam com o processo de transfiguração da educação em mercadoria. Assim também foi possível comparar os efeitos (ao fim, iguais, todos estavam
Tese de doutorado estudou situação dos docentes da UFRJ e encontrou “carreira doente”
doentes) entre os que aceitavam e os que não aceitavam. Foram mais de cem folhas de transcri-ção de entrevista.
As histórias de vida chocam. Há a professora que trabalhava tanto a ponto de não ter tempo de perceber que já tinha qua-tro cânceres no corpo. Ou a do infarto que matou o professor que mal se alimentava ou dor-mia para dar conta do volume de trabalho. Fora depressão, patologias de pele, alteração da taxa de colesterol.
A fragilização da saúde fí-sica e mental dos docentes depois dos anos 90 é pura bar-bárie. “Essa intensificação ir-racional do ritmo de trabalho não respeita o sofrer e o prazer: é aí que surge a possibilidade do adoecimento”, diz Alzira.
Os elementos que deterio-ram a saúde dos docentes elen-cados na tese são: as parcerias público-privadas que não res-peitam o ritmo das diferentes
áreas de saber; a precarização das condições de trabalho que fazem coexistir na universida-de setores de “primeiro e ter-ceiro mundo”; um novo pro-cesso de trabalho que exige um profissional polivalente, adequado ao instrumental de novas mídias e ao novo per-fil do aluno que se comporta como consumidor; a competi-ção estrutural entre os pares; e os indicadores de produtivida-de estabelecidos por atores ex-ternos ao universo acadêmico. “Alguns elementos que geram o sofrimento já existiam, mas a maioria surge com o novo estilo de gestão da educação”, aponta Alzira.
Projeto deve seguirPor enquanto, a reitoria ain-
da não procurou Alzira para estudar de que maneira a tese pode ajudar a proteger a saúde de seus quadros. A expectativa é que a pró-reitoria de Pessoal (PR-4) convide a doutora para conversar já que a professora Silvia Jardim, que faz parte da pró-reitoria, participou da banca.
Alzira listou três caminhos possíveis e complementares para entender mais a fundo o impacto na saúde dos docentes da UFRJ. Os dois primeiros são promover debates sobre eixos temáticos para sensibili-zar a comunidade acadêmica e criar grupos de encontro para os professores vulnerabiliza-dos e deprimidos. O outro é mais ousado. Fazer um estudo epidemiológico quantitativo abordando toda a comunidade docente. Assim seria possível saber quantos são, exatamente, os professores doentes. Os pro-blemas da última proposta dão dois: o custo e a urgência. “O tempo de agora é o da denún-cia, a situação é seriíssima”, concluiu a doutora.
Alguns elementos que geram o sofrimento já existiam, mas a maioria surge com o novo estilo de gestão da educação
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Alzira GuaranyRecém-doutora pela Escola de Serviço Social