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PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PROTEÇÃO AMBIENTAL LAÍS RABELO DE SOUZA - 1

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PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PROTEÇÃO AMBIENTAL

LAÍS RABELO DE SOUZA - 1

PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PROTEÇÃO AMBIENTAL

PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PROTEÇÃO AMBIENTAL EM ÂMBITO CONTITUCIONAL E

LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. O SISTEMA DE PRODUÇÃO SUICIDA E A MARCHA DA

INSENSATEZ.

LAÍS RABELO DE SOUZA

1ª EdiçãoGOIÂNIA

Junho de 2011Editora LIBER LIBER

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PRODUÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PROTEÇÃO AMBIENTAL

UNI-ANHANGUERA - CENTRO UNIVERSITÁRIO DE GOIÁS. CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO.Trabalho de

conclusão de curso apresentado a graduação em Direito do Centro Universitário de Goiás, Uni-ANHANGUERA, sob

orientação da Professora Dr.ª Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega, como requisito para obtenção do Título de Bacharel

em Direito.Monografia apresentada à banca examinadora como requisito

parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito do Centro Universitário de Goiás – Uni-ANHANGUERA, defendida e aprovada em de junho de 2011 pela banca

examinadora constituída por: Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega (Orientadora) e Prof. Dr. José Antônio

Tietzmann e Silva (Membro)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Vilma e Luiz, pelo apoio constante, pelas orientações pertinentes, e pelo amor essencial sempre

manifestado.À minha irmã, Luma, meu braço direito, minha bússola e

motivação.À equipe de trabalho da 23ª Procuradoria de Justiça do

Ministério Público do Estado de Goiás, Dr. Paulo Maurício Serrano Neves, Wandirley Filho, Fabrízio Zanellati e Dnair

Sena, pela transmissão constante de ânimo, sabedoria, conhecimento e toda espécie de conteúdo necessário ao bem

estar, e ao desenvolvimento de um ser humano.

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Às prof.ª Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega e Karina Adorno de la Cruz, pelas orientações e paciência.Ao prof. José Antônio Antônio Tietzmann e Silva, pela

instrução e contribuição essenciais prestadas. À prof.ª Luíza Fortunato e ao Centro de Estudos do

Autoconhecimento, representações vivas dos meus objetivos mais profundos.

Aos mestres, que transmitiram conhecimento, sensibilidade, sabedoria e visão: Geisa Franco, Hulda da Costa, José

Edurado Barbieri, Graciele Pinheiro, Maria Augusta Justiniano, Douglas Pinheiro, Débora Rassi, Ailton

Fernandes, enfim, a todos os professores que integram essa instituição reconhecidamente consistente – o Centro

Universitário de Goiás Uni-Anhanguera. Ao meu amigo Diogo Marzano, pela fortaleza serena, constante

e certeira, e pelo apoio num momento crítico. Aos meus amigos, pelo companheirismo, por terem vibrado positivamente ao meu lado, transmitindo leveza e força.

Resumo

A produção desconectada dos fatores de qualidade, manutenção e preservação, visando somente valores quantitativos, mascara e tornam mais difíceis de serem solucionados problemas profundos que há muito foram instalados pelo homem, consciente ou inconscientemente. A Constituição Federal, o Direito Ambiental, Agrário, e Penal, entre outros ramos do conhecimento trazem, em rede, instrumentos garantidores da conexão equilibrada entre produção e preservação ambiental. No entanto, o conhecimento está para ser aplicado, não somente de acordo com o benefício temporário de um ou outro indivíduo. Está para ser utilizado para o bem comum, e garantir condições

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suportáveis de vida no planeta. A problematização encontra-se na aplicação das normas e em fazer com que o ser humano conscientize-se das consequências de cada atitude tomada. Discute-se, inclusive, acerca da função social da propriedade para adentrar mormente no objetivo principal de tratar sobre a produção em conexão satisfatória com preservação ambiental, para pretensão de sedimentar informações e esclarecimentos que sirvam de base para estabelecer novos parâmetros de conduta frente aos problemas postos, sejam na forma de condutas mínimas para todo indivíduo, até possíveis implementações aos procedimentos já existentes em relação ao tema, bem como à efetividade do direito correlato. Reporta-se a fatos passados (método histórico) porque desencadearam eventos presentes. À medida que a ciência, tecnologia e sociedade desenvolvem-se, o Direito tenta abarcar os fatos, no entanto, a dificuldade é profunda, e unida à falta de cultura do ser humano que, observando a história, não esteve imbuído de atitude preventiva, sofre agora as consequências dolorosas dos atos culposos e dolosos, conscientes ou inconscientes, praticados contra a estrutura ambiental do planeta. Sobretudo avaliando o que a experiência na interação homem X natureza nos traz, poderá estabelecer-se os sucessos e os insucessos para sugestão de novos parâmetros, conclusões e sedimentação de conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: produção, proteção, desenvolvimento, precaução, capital, consciência, ação, abstenção.

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Sumário

INTRODUÇÃO....................................................................................6CAPÍTULO 1........................................................................................8

ASPECTOS HISTÓRICOS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL........81.1. O Direito Utilitarista............................................................81.2. A Visão Prospectiva do Direito Ambiental. .....................11

CAPÍTULO 2......................................................................................13A PRODUÇÃO E A PROTEÇÃO AMBIENTAL.........................13

2.1. O Consumo em larga escala, o capital e seus resultados. 132.2. Produção e impacto ambiental .........................................16

CAPÍTULO 3......................................................................................19MEDIDAS LEGISLATIVAS..........................................................19

3.1. Constituição Federal/1988 e Proteção Ambiental............193.2. Legislação Ordinária e Proteção Ambiental.....................23

CAPÍTULO 4 .....................................................................................27MEDIDAS PROCEDIMENTAIS DE AÇÃO HUMANA.............27

4.1. Procedimentos humanos grupais, individuais e Conscientização..........................................................................28

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................47REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS e fontes consultadas............48ANEXO A...........................................................................................51ANEXO B – AÇÃO CIVIL PÚBLICA...............................................54

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa tecer esclarecimentos, reflexões, propostas em torno de alternativas e procedimentos acerca da situação ambiental configurada. Não é pretensão esgotar todo o tema. É um projeto longo, e por isso foi dividido em partes, dessa maneira: para esta monografia delimitou-se estabelecer uma compatibilização entre as ideias do consumo sustentável, e o que há de concreto no direito, tendo como princípio o fato de que, se apurado através de estimativas elaboradas por profissionais competentes, a serviço do poder público, a implementação de certa obra deságua numa situação de impacto ambiental cujo capital não pode reverter, mecanismos de impedimento ou adequação existam e sejam respeitados. Num próximo trabalho, a ideia poderá ser aprofundada.

Como a produção será tratada de forma ampla, alguns exemplos práticos serão adotados como parâmetro. Não será tratado especificamente acerca da produção agrícola, agropecuária, ou mineradora por exemplo. A abordagem menciona todas elas porque têm um fator em comum: envolvem interesses econômicos, políticos, desenvolvimentistas... Como isso é tratado à luz da Constituição? Há compatibilização desses fatores com o que a Constituição estabeleceu? Há algo que pode ser feito? Existe a pretensão de refletir sobre essas questões e solidificar respostas para elas.

Analisando com sobriedade os dados acerca da afetação do equilíbrio terrestre, chega-se ao entendimento de que, a tentativa, ou mesmo a possibilidade de reversão do quadro pode não alcançar o restabelecimento do status quo ante. Parar e esperar pelo pior não seria a atitude mais acertada agora, mesmo diante dos dados.

Superado o pensamento de que esse projeto poderia ser natimorto em face dos dados reais estudados acerca da situação de desequilíbrio, e então enfatizando o parágrafo acima, acreditando

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que medidas urgentes podem ainda trazer alguma amenidade, o trabalho segue.

Como já foi colocado anteriormente, o conhecimento está para ser aplicado, não somente de acordo com o beneficio temporário de um ou outro indivíduo. Está para ser utilizado para o bem comum, e garantir a continuidade de condições suportáveis de vida no planeta. A problematização encontra-se na aplicação das normas e em fazer com que os habitantes do planeta conscientizem-se das consequências de cada atitude tomada.

Copérnico deu um duro golpe no orgulho humano quando expôs o heliocentrismo. No entanto, aquela era a verdade (com as devidas retificações posteriores à sua teoria inicial), sendo inclusive proibida sua publicidade pela Igreja Católica, culminando ainda na condenação de Galilei por proferir conteúdos contrários à “Doutrina” e por desobediência, e, a posteriori, finalmente se firmou o entendimento verdadeiro, que trouxe os devidos benefícios à humanidade.

Passa-se o mesmo agora. Belo Monte, usina hidrelétrica que será construída no rio Xingu, no estado do Pará, envolve questões complexas. Diz-se tratar de um projeto imbuído de interesses políticos, sendo que do ponto de vista econômico, ambiental e social, não tem plausibilidade. Se elaborado um estudo de impacto ambiental, seria conclusivo que o custo é maior que os benefícios ( o que será melhor analisado durante o trabalho), e apesar disso, desenvolve-se a obra... Uma situação desse gênero, não estaria, no mínimo, confrontando a Constituição?

Esse é o exemplo de contexto no qual, e pelo qual, o presente trabalho se inicia.

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CAPÍTULO 1

ASPECTOS HISTÓRICOS DA PROTEÇÃO AMBIENTAL

Impende-se neste momento valorar o enfoque histórico entendendo que, por meio dele, a compreensão das situações instaladas para a conjuntura atual torna-se mais consistente. Avaliando a forma como se estabeleceu no passado a relação entre “homem e ambiente” extrai-se os erros e as consequências desses para o equilíbrio do planeta e, portanto, para a continuidade da existência de vida, entendendo que não basta apenas manter a vida, mas que ela tenha qualidade.

O fechamento deste trabalho analisa ideias e formas, instrumentos jurídicos e ações humanas, de ordens teórica e prática, voltadas para efetivação de uma tutela ambiental que resguarde a manutenção do equilíbrio natural. Nesses termos, traça-se nesse capítulo um esboço com aspectos gerais do histórico ambiental que formam a base da abordagem dos próximos capítulos, demonstrando e fundamentando a concatenação das ideias. A abordagem feita está, portanto, voltada e delimitada para atender o tema tratado, senão vejamos.

Há uma divisão marcante na história do direito ambiental, que pode ser resumida da seguinte forma: uma primeira fase na qual se tem uma visão utilitarista, e uma fase posterior com a presença de elementos voltados para uma visão prospectiva do direito ambiental. Desde logo, ressalte-se que, os fatos como se deram na primeira fase, influenciaram definitivamente a alteração da percepção para a configuração dessa posterior visão prospectiva, ou seja, que antevê, ou que prevê.

1.1. O Direito Utilitarista

As as origens do direito ambiental datam da Roma Antiga, e antes mais, fazendo as devidas referências ao povo Celta, que

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muito bem sabiam manejar a natureza e suas forças. Segundo José Antônio Tietzmann e Silva, em seu artigo “Aspectos históricos e prospecção em Direito Ambiental”, regras existentes no direito urbanístico atual remetem a técnicas empregadas no Império Romano:

Tal é o caso das regras relativas ao zoneamento ambiental em meio urbano, com a consequente limitação ou interdição de certas atividades em benefício da tranquilidade e da salubridade públicas ou a consideração de certos elementos – como o ar, as águas internas, o mar e as costas – como bens do domínio comum do povo romano.

Explica Tietzmann que, apesar das referidas normas serem voltadas para a manutenção da salubridade e para a garantia da qualidade de vida dos indivíduos, indiretamente essas regras discorriam acerca da proteção dos elementos da natureza, a fim de que o primeiro objetivo mencionado fosse atendido.

Essas regras traziam também um conteúdo preventivo (prevenção de doenças, epidemias, acidentes etc). Tais características foram enfatizadas no final do século XIX e começo do século XX, em que apareceram convenções mundiais acerca da proteção da natureza, mesmo que de forma restrita e indireta, visto o seu caráter utilitário. A Convenção de Proteção aos Pássaros úteis à Agricultura exemplifica essa característica de utilitarismo. Assinada na França (Paris) em 1902 , estava voltada unicamente para a proteção dos pássaros que estavam ligados aos objetivos do homem, sendo que a importância ecológica ou sua excentricidade estavam ainda ignoradas. Nota-se que a proteção do meio ambiente não era o principal objetivo.

Muitos tratados internacionais foram firmados nesse mesmo sentido. Como bem coloca José Antônio Tietzmann no seu já referido artigo:

Toda uma série de convenções e tratados, em nível

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internacional, assim como várias regras jurídicas de diferentes países, dispunham de textos que contribuíam de forma igualmente indireta para a proteção ambiental, tendo como objetivo a mesma função utilitarista: é o caso, por exemplo, dos tratados comunitários CECA[1] e Euratom[2], que não tinham como objetivos senão a proteção e a segurança dos trabalhadores – ou das pessoas submetidas às radiações ionizantes, para este último.

[1] Comunidade Européia do Carvão e do Aço, instituída pelo Tratado de Paris, de 18 de abril de 1951, assinado pela Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Holanda. Este tratado,ademais,dava competências à Comunidade no que concerne à segurança dos trabalhadores nessas indústrias.

[2] O tratado que institui o Euratom data de 25 de março de 1957 e contém todo um capítulo dedicado à proteção dos trabalhadores e da população contra as radiações ionizantes, assim como à fixação e controle de normas referentes à radioatividade no meio ambiente.

Segue o autor em sua explicação, trazendo que esse período de visão utilitarista, recebeu entre os anos 60 e 70, outra característica em relação às regras protetivas ambientais: se configurando como “remédio às catástrofes”.

Nessa época são criados instrumentos de direito referentes à proteção do meio ambiente, numa lógica que considera a ocorrência de desastres ambientais de efeitos incalculáveis. Surge, por exemplo, a Convenção sobre a responsabilidade civil pelos danos devidos à poluição por hidrocarburantes. Feita em Bruxelas, 1969, teve como motivo ou fundamento para sua elaboração acidentes e danos relevantes como o naufrágio do Torrey-Canyon que causou a primeira maré negra do Reino Unido, no ano de 1967. Nesses termos aduz Titezmann, ainda em seu artigo:

Vários documentos de direito internacional demonstram essa natureza do direito ambiental, a saber, a Convenção relativa às zonas úmidas de importância internacional, aprovada em Ramsar, em 197; a Convenção sobre a proteção das focas da

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Antártida, aprovada em Londres, em 1972; a Convenção sobre a poluição atmosférica transfronteiriça a longa distância, aprovada em Genebra, em 1979; a Convenção sobre a proteção da camada de ozônio, aprovada em Viena, em 1985; a Convenção-quadro sobre as mudanças climáticas, adotada no Rio de Janeiro, em 1992; a Convenção das Nações Unidas sobre a luta contra a desertificação nos países gravemente afetados pela seca e/ou pela desertificação, adotada em Paris, em 1994.

O desenrolar dos fatos durante a história, bem como o estudo do movimento da natureza conduziu à construção de uma aparelhagem normativa direcionada para a lida com um dano já instalado.

Na fase utilitarista, e até pouco tempo atrás, degradação era fator de progresso. Vale lembrar que, segundo o Código Napoleônico, o proprietário do imóvel poderia dele dispor como bem lhe conviesse, significando ausência de qualquer tipo de preocupação em relação a preservação ambiental ou função social da propriedade.

A grande indústria, como motor do desenvolvimento entre os séculos XIX e XX, caracterizou o ápice da Revolução Industrial. Expandiu-se as populações e consequentemente o consumo. Mas não apenas isso. A “criação de necessidades” também faz parte da produção e do consumo em larga escala (sociedades de massa). O termo necessidade aparece entre aspas indicando a relativização sofrida. Muitas “necessidades” não poderiam ser assim chamadas, pois na verdade não passam de meros desejos implantados propositadamente como algo que seja indispensável. Esse fator também faz parte da alimentação do modo de produção capitalista.

Os ciclos tecnológicos da Revolução Industrial, e nesse aspecto se inclui a destruição criadora, são inerentes ao desenvolvimento, no entanto, trazem consigo uma série de

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problemas graves. A destrição criadora se dá quando novas tecnologias são introduzidas no mercado uma vez que encontra aplicação produtiva, fazendo com que as tecnologias tradicionais se tornem obsoletas, sendo por fim afastadas do mercado.

Uma consequência dessa rápida evolução tecnológica que encontra respaldo na massa consumerista pode ser exemplificada pela situação em que se encontra a China. Sabe-se que aquele país enfrentará em cinco anos um seríssimo problema relacionado à água. Existem rios na China totalmente contaminados pelo lixo eletrônico (baterias de celular etc) que liberam grande quantidade de substâncias completamente nocivas ao meio ambiente e ao homem. Simplesmente as águas desses rios estão inutilizadas. Definitivamente isso não pode ser chamado de desenvolvimento.

Recentemente, o direito ambiental incorporou uma postura baseada na prevenção dos danos. O mesmo artigo (“Aspectos históricos e prospecção em Direito Ambiental”) anteriormente citado traz:

Muitos são os documentos de direito internacional unânimes em afirmar esta característica preventiva, como se pode notar da Declaração de Estocolmo, de 1972, da Declaração do Rio, de 1992, assim como outros documentos de direito internacional do meio ambiente. Tal é o caso da Convenção sobre a diversidade biológica7, de 1992, da Convenção de Espoo sobre a avaliação de impacto sobre o meio ambiente num contexto transfronteiriço, de 1991, ou da Convenção de Aarhus, sobre o acesso à informação, a participação do público no processo decisional e o acesso à justiça em matéria de meio ambiente, de 19987. Este último documento, já em seu preâmbulo, proclama a importância vital de prever, prevenir e combater, na sua fonte, as causas da redução ou da perda da diversidade biológica.

A prevenção e a precaução se tornaram a coluna de sustentação do direito ambiental, configurando princípios do ramo,

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diretrizes de ação, não significando, diga-se de passagem, algo tendente ao radicalismo, mas que evite situações e danos irreversíveis, como o exemplo de uma mineradora no Estado de Minas Gerais, o qual será aboradado mais adiante.

1.2. A Visão Prospectiva do Direito Ambiental.

Conforme se pôde notar, os fatos como se deram (ação/intervenção humana no meio natural) e as consequências geradas, bem como os efeitos para a natureza e por conseguinte para a qualidade de vida no planeta, levaram ao entendimento de que, na maioria dos casos, uma vez ocorrido o desastre ambiental, esse se apresentava em situações irreversíveis, portanto, nítida a necessidade da incorporação e aplicação de medidas preventivas, estabelecendo-se críticas ao estabelecido modus vivendi, ou modo de viver, no sentido de repensar o estilo de vida da sociedade pós industrial, especificamente repensando valores e o que seja necessidade.

Notadamente, o caráter preventivo das regras de direito ambiental se fundamenta nas características inerentes aos danos causados ao meio ambiente. Ocorre que geralmente são altamente complexos. Os efeitos do dano geralmente se projetam para atingir desde grupos pequenos até quantidades incalculáveis de indivíduos. Estão também revestidos de um “efeito cadeia”. Significa dizer que, os efeitos do desmatamento, por exemplo, não afetam apenas a região, os cursos d'água, a qualidade do solo etc, mas interferem nas condições climáticas e isso implica alterações naturais de ordem planetária.

Nesses termos, o desenvolvimento de normas que determinem ações preventivas implica obstar que se chegue ao ponto de ter que lidar com a irreversibilidade do dano ecológico, ou de se ter que recorrer ao uso de processos complexos e demasiadamente onerosos para recuperação do meio ambiente alterado (poluído/degradado).

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Não existe intervenção do homem na natureza sem degradação. Ocorre que na maioria das vezes as ações apresentam efeitos irreversíveis, acarretando danos econômicos, sociais (saúde etc), culturais de amplo espectro, levando em consideração o modelo econômico, o contingente populacional, a demanda e as espécies de interesses que movem o indivíduo. Se trata de danos de dimensões estrondosas. O exemplo que será explorado mais detalhadamente no quarto capítulo deste trabalho, que diz respeito à mineração, demonstra claramente o que aqui se faz referência. A mineração é uma das atividades que mais impacta negativamente o meio ambiente.

O Jornal da Fundação Acangaú – Ano III Edição Especial de 12 de Junho de 2010 traz dados gravosos (termo eufêmico) acerca da atividades mineradoras em Paracatu/MG, especificamente em relação à mina da RPM/Kinross (empresa mineradora transnacional canadense) no Estado de Minas, dentre os quais consta:

A mina de Paracatu tem infelizes superlativos: menor concentração de ouro do mundo, maior taxa de liberação de arsênio, mina a céu aberto em ambiente urbano, depósito de 1 milhão de toneladas de arsênio em manancial de abastecimento público. Talvez este seja o maior genocídio anunciado da história da mineração de ouro no mundo. […] As águas de Paracatu – especialmente o Córrego Rico, o Córrego Santo Antônio, o Ribeirão Santa Rita, o Ribeirão São Pedro a jusante da barra do Ribeirão Santa Rita e o Rio Paracatu – estão contaminadas com o arsênio liberado pela mina da RPM/Kinross. […] A contaminação das águas de Paracatu por arsênio está muito acima dos valores permitidos pela Legislação Brasileira. Em um ponto no Córrego Rico, a contaminação atingiu uma concentração de 1116 ppm de arsênio por quilo de sedimento, o que corresponde a uma concentração 190 vezes maior que a estipulada pela Resolução

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344/2004 do CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) e 744 vezes maior que a concentração média natural verificada nos rios e córregos da região. Apesar de todas as provas de contaminação ambiental e das evidências de alto risco de envenenamento crônico da população, a mineradora RPM/Kinross tem conseguido expandir suas atividades de mineração de ouro a céu aberto na cidade. (grifo meu)

O que explica uma situação assim? Como bem argumenta Tietzmann, ainda em seu já referido artigo: “é impossível negar a importância de uma abordagem histórica, seja do direito, seja da natureza e de seus ciclos, para a construção das futuras regras de proteção ambiental”. Na história consta o registro do fracasso da intervenção humana no meio ambiente imbuída de interesses econômicos descasados de uma inteligência de preservação e precaução. É nítida, na verdade, a desinteligência: não é necessário muito esforço intelectual para perceber que esses passivos produzidos não podem ser compensados. É a corrida pelo capital, que no fim das contas não pode reverter os danos causados.

Conclui-se que o princípio da precaução não está para fazer com que o desenvolvimento seja estancado ou propor algo que se pareça com ambientalismo profundo e desmedido. Visa sobretudo resguardar a saúde dos processos ecológicos, e por consequência o próprio direito à vida, diante dos riscos e das probabilidades de irreversibilidade dos danos, conforme explanado e fundamentado na abordagem histórica. Conforme todo o exposto, tem-se que o direito ambiental moderno, amparado no contexto histórico, é, ou deve ser, um direito pautado na ação preventiva.

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CAPÍTULO 2

A PRODUÇÃO E A PROTEÇÃO AMBIENTAL

2.1. O Consumo em larga escala, o capital e seus resultados

Partindo da ideia central a ser trabalhada: Produção versus Proteção Ambiental – foi construído um esquema introdutório que serve de sustentáculo.

Suponhamos que essa ideia central seja o teto de uma construção e essa última é sustentada por duas colunas principais, sendo que essas são representadas pelas outras seguintes ideias: 1ª – “O capital não pode suprir os problemas que causa” e 2ª – “Consciência como base da solução para o problema proposto”. A fim de entrar mormente nessa discussão, ab initio, tratemos acerca do Consumo em Massa. Ressaltando que a primeira ideia (acerca do capital), foi sugerida pelo Procurador de Justiça Dr. Paulo Maurício Serrano Neves, em atuação, atualmente, junto ao Ministério Público do Estado de Goiás, para integrar o presente trabalho, e o ponto central (produção versus proteção) partiu da sugestão feita pelo Assistente de Gabinete Fabrízio Casagrande Zanellati, em atuação junto ao Procurador já referido.

Analisando o aspecto do consumo em massa sob o enfoque quantitativo em relação à população mundial atual, somado às necessidades exacerbadas criadas pelo mecanismo do capitalismo, adotou-se como referencial para tradução do que possa ser consumo em massa o seguinte raciocínio: “[...] a era do consumismo: produção em massa para um consumo em massa” por Nélson Dacio Tomazi (1995:52), explicando a origem da produção em larga escala:

As mudanças introduzidas por Ford visavam à produção em série de um produto (o Ford modelo T) para o consumo em massa. Ele implantou a jornada de 8 horas de trabalho por 5 dólares ao dia, o que, na época, significava renda e tempo de

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lazer suficientes para o trabalhador suprir todas as suas necessidades básicas e adquirir até mesmo um dos automóveis produzidos na empresa. Iniciava-se, assim, aquilo que veio a se chamar a era do consumismo [...]. (TOMAZI, 1995, p. 15).

Certamente, o aumento populacional experimentado, por diversos fatores conjugados, (sempre continuado, como segue ocorrendo), pós Revolução Industrial, seguido pelo século americano, após a Segunda Guerra Mundial, demandou um necessário incremento aos níveis de produção. No entanto, dados e resultados mostram que, em nome da produção e do consumo massificados, consideráveis desastres foram encabeçados. Uma análise rápida acerca de alguns fatos: a) matas devastadas (a nível mundial) – destinação: lavoura, pecuária, indústria moveleira etc. Resultados – desequilíbrio ambiental ligado a desaparecimento de espécies; b) poluição aquática responsável pela morte de determinados rios (um rio na região norte do país foi declarado morto, no mês passado, devido a poluição estendida ao longo dos anos que elevou substancialmente o nível de acidez da água), acarretando o desenvolvimento de anomalias e tumores e peixes; c) desmatamento de mata ciliar e assoreamento de rios até a secagem; d) mercado de carne que movimenta quantias vultosas – não seria vantajoso que sofresse deficit, o que implica não divulgar o fato de que rações animais são produzidas com carne já em estado de putrefação (já que a ordem é não perder capital), injeção de hormônios faz com que o animal esteja pronto para abate muito tempo antes do tempo normal, enfim, seja lá o que mais tem sido administrado a esses animais, é transferido também ao ser humano, consumidor, somando consequências diretas e indiretas, a curto e longo prazo.

Alimentos geneticamente modificados – transgênicos – estão sendo comercializados no Brasil. Consenso em torno do tema inexiste. Segundo o programa “Cidades e Soluções” transmitido pela Globo News em junho de 2010: “enquanto parte da

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comunidade científica afirma que os alimentos modificados não são seguros, defensores citam vantagens para a economia.” (Globo News, 2010). Significa que na verdade não se sabe ao certo com que está lidando. Novamente os benefícios econômicos superando qualquer outro fator a ser considerado. Ainda no mesmo raciocínio – aquecimento global:

É o aumento da temperatura média dos oceanos e do ar perto da superfície da Terra que se tem verificado nas décadas mais recentes e que possivelmente continuará durante o século XXI. [...] meteorologistas e climatólogos têm recentemente afirmado publicamente que consideram provado que a ação humana realmente está influenciando na ocorrência do fenômeno [...] O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), estabelecido pelas Nações Unidas e pela Organização Meteorológica Mundial em 1988, no seu relatório mais recente[1] diz que grande parte do aquecimento observado durante os últimos 50 anos se deve muito provavelmente a um aumento do efeito estufa, causado pelo aumento nas concentrações de gases estufa de origem antropogênica (incluindo, para além do aumento de gases estufa, outras alterações como, por exemplo, as devidas a um maior uso de águas subterrâneas e de solo para a agricultura industrial e a um maior consumo energético e poluição). A maioria da comunidade cientifica crê que este é um fenómeno com causas antropogénicas. (Wikipedia, 2011).

A listagem parece não ter fim. O intuito é formar uma visão inicial que conecte produção, consumo e capital, e um resultado empírico dessa combinação. A partir dessa visão a análise da ideia de que “o capital não consegue suprir os problemas que causa” mencionada inicialmente, ficará mais simples.

A supervalorização do capital, das comodidades trazidas por ele, cegou a massa (populacional humana) e os grandes detentores (desse capital), sendo que consciente ou inconscientemente, a

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percepção de que o excesso de ostentação a esse capital é atitude suicida (seja a curto ou longo prazo, a depender da situação) foi colocada em segundo plano, situação essa que tornou as coisas complicadas (eufemismo para praticamente irreversíveis), senão vejamos.

Segundo José Afonso da Silva (2009:25)O desenvolvimento econômico tem consistido, para a cultura ocidental, na aplicação direta de toda a tecnologia gerada pelo homem no sentido de criar formas de substituir o que é oferecido pela Natureza, com vista, no mais das vezes, à obtenção de lucro em forma de dinheiro; e ter mais ou menos dinheiro é, muitas vezes, confundido com melhor ou pior qualidade de vida. Pois “numa sociedade que considera que considera o dinheiro um de sues maiores valores, já que tem poder de troca maior do que qualquer outra mercadoria, quem tem mais pode ter melhores condições de conforto”. Mas o conforto que o dinheiro compra não constitui todo o conteúdo de uma boa qualidade de vida. [...] Porém, essa cultura ocidental, que hoje busca uma melhor qualidade de vida, é a mesma que destruiu e ainda destrói o principal modo de obtê-la: a Natureza. (SILVA, 2009, p. 25).

O autor menciona qualidade de vida e imediatamente invoca o que colocou como principal modo de obtê-la: a natureza equilibrada. Sim, dependemos dela. Mas isso foi esquecido, ignorado, deixado para depois, negligenciado. A corrida pelo capital, desprovida de bom senso, atingiu diretamente o que pode ser classificado como espécie do gênero qualidade de vida, que é a saúde.

A poluição está em toda parte, de todas as formas, água, ar, alimentos. Não se sabe o que está respirando, comendo, bebendo, enfim, consumindo. Essa corrida pelo capital tomou um ritmo insensato, e consequentemente, o consumo e produção de massa, da forma como foram e continuam sendo configurados e

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concretizados, são suicidas. O fato é que as reais possibilidades de realmente se efetivar qualidade de vida, têm sido eliminadas. Diante do quadro, é impossível que não se busque repensar a ideia de necessidade.

A culpa e, por conseguinte, a responsabilidade, recaem sobre Estado e Sociedade. Analisemos: teoricamente, um povo se une e cria um “Estado” em troca de proteção, ordem, estrutura, possibilidade de desenvolvimento, enfim, tudo o que a vida em total isolamento é incapaz de fornecer. Em contrapartida, esse Estado, criado para realizar o Bem Estar Social, deve, por meio de seus agentes, concretizar toda essa ordem e boas possibilidades de “existência” desse povo. É todo um mecanismo, que tem por fim último o Bem Estar Social, cuja ideia principal nada mais é do que o gerenciamento e suprimento das necessidades sociais. Nesse aspecto entra a culpa e responsabilidade estatal, no que tange a proteção ambiental, que está diretamente conectada ao Bem Estar Social.

No entanto, supor que esse ente conseguirá efetivamente administrar toda e qualquer situação que ecloda sob sua égide, seria, no mínimo, muita pretensão. É nesse aspecto que entra a culpa e a responsabilidade do indivíduo, porque suas ações são profundamente relevantes, desde uma população ribeirinha que joga no rio o lixo produzido, contaminando-o, até o grande empresário que não observa (ou simplesmente não quer observar) que se seu empreendimento pode causar (se já não estiver causando desde a sua instalação) um desastre ambiental. Ignorância, poder hipnótico do capital, falta de visão, ganância, egoísmo, falta de consideração, falta de respeito... São muitos os fatores. O espelho disso tudo é um mal maior: inconsciência ou falta de consciência. Somente isso justifica o ponto em que chegou a atual sociedade. E sabe-se que nos encontramos a anos-luz de distância de um povo consciente o bastante que seja capaz de superar a corrupção e a hipnose do capital.

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2.2. Produção e impacto ambiental

Racionalidade e Adequação na produção são necessidades que se impõem. “A busca desenfreada pela produção gera resultados imediatamente satisfatórios, mas imediatamente imprevisíveis ou descontrolados.” afirma consistentemente Maurício José Nardini, Promotor de Justiça em Goiânia, em matéria trazida pela revista Consulex – o artigo intitulado “A Produção e a Proteção Ambiental”. A industrialização, urbanização, surgimento de novas tecnologias que trazem uma “melhora” na produção – pesticidas, inovações da engenharia genética – deram ao ser humano (melhor seria dizer animal intelectual) capacidade para alterar totalmente a ordem natural do planeta. Isso implica dizer que toda essa alteração, além de benefícios, trouxe consigo configurações (ou desconfigurações) decididamente danosas ao meio ambiente. Seguindo o raciocino, continua Nardini, no referido artigo mencionado supra: “A produção, por si só, pode gerar um aumento quantitativo das riquezas. Gera empregos, gera alimentos. Ocorre que, desligada da proteção ambiental, também gera a diminuição do potencial que a terra tem a nos oferecer.”

A produção em massa como está configurada, a medida que “supre” necessidades imediatamente, traz consigo, por outro lado, problemas gravosos e também imediatos, bem como os que aparecem a longo prazo. Não é inteligente, e prudente, uma produção de alimentos se estes estiverem contaminados com agrotóxicos, uma vez que a posteriori, fatalmente, ou a pessoa, ou o Estado, terá que arcar com despesas médicas em vista dos problemas de saúde acarretados pelo consumo dos alimentos contaminados. Inúmeras questões podem ser levantadas seguindo esse mesmo raciocínio, nos remetendo a listagem desenvolvida anteriormente acerca das situações decorrentes dessa forma produtiva.

A produção não pode mais se vincular apenas a padrões quantitativos. Níveis qualitativos precisam ser incorporados, mantidos, aprimorados, e a garantia de que essa qualidade está

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sendo efetivada deve ser assegurada pelo Ente Administrador – Estado, chegando ao conhecimento direto da população e, em contrapartida, a população deve cobrar a obediência a esses padrões (qualitativos), seja pela própria iniciativa, seja através do Ministério Público, já que, em se tratando de Direito Coletivo ou Difuso (no caso, questões ambientais, de saúde e consumeristas), a legitimidade de determinados entes específicos designados para tais causas (através da Ação Civil Pública, a título de exemplo), se torna mais efetiva, diante da fragilidade do poder de cobrança de um pequeno grupo de pessoas ou de um indivíduo isoladamente.

Um tema importante, na esfera do Direito Agrário que diz respeito à conexão “produção – proteção ambiental” é a Função Social do Imóvel Rural. A História do Direito mostra várias fases e modos de relação do homem com a terra. O Código Napoleônico trouxe uma configuração de uso irrestrito da terra, sendo que o proprietário poderia dela dispor da forma como lhe conviesse, independentemente do fato desse uso estar prejudicando o potencial da terra, por exemplo. Nos moldes atuais o papel da terra está abarcado por uma função social a que deve atender, sob pena do proprietário que dela fizer mau uso, ou simplesmente não der a destinação adequada a esse imóvel, poder sofrer a penalidade patrimonial máxima, uma desapropriação.

Para que cumpra sua função social, o Imóvel Rural deve estar produzindo, tendo destinação adequada e movimentando, portanto a economia; deve estar em conexão com a Proteção Ambiental; deve cumprir as normas dos contratos de trabalho e agrários (nominados e inominados); devendo também haver uma exploração que garanta o bem estar entre proprietário, trabalhador e possuidor rural, caracterizado pela ausência de conflitos e cumprimento fiel às normas trabalhistas, sendo que os requisitos devem estar concomitantemente presentes para que se configure o devido cumprimento da Função Social (Socioambiental) da propriedade.

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Perceba-se que os requisitos expostos devem ser observados concomitantemente, em vista de que se falta algum, a função social desse imóvel estará abalada. Nesse caso, pode se notar um avanço com relação à necessidade de conexão com a Proteção Ambiental. As normas com relação à forma de concretização dessa proteção são específicas, determinando porcentagens de mata a ser mantidas, zonas de reserva legal, áreas de preservação permanente, unidades de conservação etc. No entanto, a prática tem revelado dados desastrosos, senão vejamos:

Durante as décadas de 1970 e 1980 houve um rápido deslocamento da fronteira agrícola, com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, que resultou em 67% de áreas do Cerrado “altamente modificadas”, com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas. Resta apenas 20% de área em estado conservado. A partir da década de 1990, governos e diversos setores organizados da sociedade debatem como conservar o que restou do Cerrado, com a finalidade de buscar tecnologias embasadas no uso adequado dos recursos hídricos, na extração de produtos vegetais nativos, nos criadouros de animais silvestres, no ecoturismo e outras iniciativas que possibilitem um modelo de desenvolvimento sustentável e justo. As unidades de conservação federais no Cerrado compreendem: dez Parques Nacionais, três Estações Ecológicas e seis Áreas de Proteção Ambiental. (IBAMA, 2011).

Estes dados, retirados do site do IBAMA, revelam que apenas 20% de área de Cerrado restou conservada, pelo crescimento de áreas destinadas a pastagens, plantações, pecuária etc., casos em que novamente a produção desvencilhada da qualidade deixa casos difíceis de serem revertidos. Nítida situação em que o capital não conseguirá reverter os problemas que causou! De forma bem diversa, conseguiu deixar apenas uma grande bomba de efeitos não mensuráveis, que se traduz num desastre

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ambiental, como muitos que vem ocorrendo. Paulo de Bessa (2007:252) traz:

O conceito de meio ambiente [...] é um conceito que implica o reconhecimento de uma totalidade. Isto é, meio ambiente é um conjunto de ações, circunstâncias, de origens culturais, sociais, físicas, naturais e econômicas que envolve o homem e todas as formas de vida. É um conceito mais amplo do que o de natureza que, como se sabe, em sua acepção tradicional, limita-se aos bens naturais. Impacto é um choque, uma modificação brusca causada por alguma força exterior que tenha colidido com algo. Sinteticamente, poderíamos dizer que o impacto ambiental é uma modificação brusca causada no meio ambiente. (BESSA, 2007, p. 252).

A modificação brusca causada ao meio ambiente, como traz o conceito do autor, deve ser analisada cautelosamente, já que estar diante de um impacto ambiental, muitas vezes é estar diante de um caminho sem volta.

Fixada a ideia principal acerca de impacto ambiental – possibilidade de situação irreversível – passa-se a próxima parte do trabalho, na qual se dará a abordagem sobre as medidas legislativas e procedimentais de ação humana para efetivação das normas programáticas constitucionais acerca do tema.

CAPÍTULO 3

MEDIDAS LEGISLATIVAS

3.1. Constituição Federal/1988 e Proteção Ambiental

A Carta Constitucional Brasileira de 1988 trouxe uma abordagem formal de proteção ambiental, o que não havia sido observado em todas as Constituições anteriores, sendo que, nessas últimas, estava configurada tão somente a intenção de se estabelecer uma esquematização econômica acerca das atividades de exploração de recursos naturais, inexistindo cunho protetivo, vejamos.

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Segundo Gisele Ferreira de Araújo et al, (2008, p. 30)[…] a primeira Constituição brasileira, de 1824, não fez qualquer menção sobre a esfera ambiental, valendo lembrar que o Brasil na época supracitada era exportador de produtos agrícolas e minerais, mas com uma visão exclusivamente econômica e não de proteção ambiental. As constituições nacionais como um todo, retrataram esse pensamento; a Constituição de 1824 trazia dispositivo apenas proibindo indústrias contrárias à saúde do cidadão. A Constituição de 1891 abordou apenas a competência da União para legislar sobre minas e terras, ou seja, tinha um cunho da proteger interesses da burguesia e institucionalizar a exploração do solo, não tendo nenhum cunho protecionista. O advento da Constituição de 1934 trouxe dispositivo de proteção ao patrimônio, cultural, histórico, artístico e natural e dispondo que a competência é da União, bem como às riquezas do subsolo, mineração, águas, monumentos históricos, artísticos e naturais.A Constituição de 1946 manteve a defesa do patrimônio histórico, cultural e natural, conservou a competência da União sobre saúde, subsolo, florestas, caça, pesca e principalmente águas.

Ocorre que uma vez notável a dimensão dos passivos ambientais instalados e a impossibilidade de se atingir um desenvolvimento sustentável, a visão em torno das questões ambientais sofre modificação.

Nesses termos, está justificada a necessidade do meio ambiente como objeto do direito, posto que são as normas jurídicas capazes de, diante do descumprimento das mesmas, determinar consequências/sanções.

A atenção para questões ambientais consta de vários artigos constitucionais. O foco estará aqui voltado para um especificamente, qual seja, artigo 225, cujo conteúdo do caput

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segue transcrito: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” É interessante fazer algumas considerações acerca do referido conteúdo do artigo, conteúdo esse composto dos seguintes elementos: “[...] (a) material; (b) qualitativo; (c) subjetivo; (d) finalístico”, conforme traz Gisele Ferreira de Araújo (2008: 36).

A afirmação de que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, diz respeito ao elemento material, e está conectada à ideia de desenvolvimento sustentável. O Termo meio ambiente abarca as diferentes formas como se apresenta: natural, artificial e cultural. Nesse aspecto, Gisele Ferreira de Araújo et al, (2008, p. 37):

[…] considerando-se artificial o modo de ser do meio ambiente construído por realizações humanas edificadas, ou seja, cidades. O meio ambiente natural entende-se como os recursos naturais encontrados na natureza, indispensáveis a toda humanidade como forma de sobrevivência, ou seja, água, ar, solo e os elementos químicos e físicos extraídos da natureza dentro de um meio ambiente natural.[…] meio ambiente cultural também resulta da genialidade do homem, possuindo significados especiais, pois representa registros e testemunhos da história do mundo, sendo mais do que necessário para a compreensão atual e futura do que é a humanidade. (ARAÚJO et al., 2008, p. 37).

Tem-se que a proteção está voltada para a vida, e, portanto, tudo o que seja relevante para aquela, deve ser preservado. O meio ambiente é o suporte da vida, e se não é mantido em todas as formas como se apresenta estará instalado o desequilíbrio e, consequentemente, a vida ou a qualidade dela estarão

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prejudicadas. Esclarecida a importância do tema, está esclarecida também a postura do legislador que incluiu o meio ambiente como bem jurídico e o colocou sob tutela constitucional.

O elemento qualitativo está nos termos “bem de uso comum do povo”, onde o legislador esclarece as qualidades de como deve ser compreendido o bem jurídico meio ambiente. Tem-se que essa classificação está na esfera do Direito Administrativo, e transmite a ideia do interesse difuso ou coletivo em torno das questões ambientais.

O interesse jurídico em relação ao meio ambiente é de interesse difuso ou coletivo, em razão da relação de seu titular com o lugar que caracteriza o meio ambiente, pois poderá envolver um determinado grupo de pessoas nele interessado, quer exploradores para a própria subsistência, quer porque dele obtêm recursos naturais para o desenvolvimento de uma atividade econômica. (ARAÚJO et al., 2008, p. 38).

Nesse ponto, merece foco a função social da propriedade. O direito de propriedade é consagrado pela Constituição brasileira:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].

A relação do homem com a propriedade envolve discussões filosóficas que não serão tratadas aqui, bastando, para os fins desta, mencionar que a propriedade individual foi incorporada à possibilidade de desenvolvimento do ser humano, e que as relações e a regulamentação dessas relações entre pessoa e propriedade sofreu modificações de acordo com a alteração da cultura, considerando-se, inclusive, as diferenças entre as culturas.

Acerca dessas alterações, retoma-se a ideia instalada na fase utilitarista do Direito Ambiental, em que se tem a degradação como fator de desenvolvimento. Superada essa fase, em virtude dos fatores já expostos, estruturou-se, com uma visão voltada não

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somente para o agora, mas para o futuro (visão prospectiva), o princípio da precaução.

Da mesma forma como se deu essa modificação no tratamento da(s) questão(ões) ambiental(is), modificou-se a relação e a visão acerca do direito de propriedade, visto que, se a história já registrou a consagração do uso indiscriminado da propriedade, ao passo que registrou também a necessidade de modificação desse quadro para o estabelecimento da função social da propriedade, já que o uso daquela passa a se reportar ao interesse geral, na preservação do meio ambiente. A má utilização da propriedade individual pode gerar consequências além de qualquer possibilidade de reversão do quadro. Nesse aspecto:

Na medida em que a propriedade privada se caracterizar pelos critérios definidos pela legislação como um bem ambiental, seu proprietário, consequentemente, so-frerá limitações ou restrições ao seu direito de propriedade em prol da coletividade,conforme art. 225 da Constituição Federal, bem como o art. 5º, XXIII deixa de forma expressa que a propriedade deve cumprir com sua função social. (ARAÚJO et al, 2008, p. 38).

O elemento subjetivo da tutela constitucional está inserido nas passagens em que o legislador dispõe que todos são titulares de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e quando menciona que poder Público e coletividade terão o dever de defender o meio ambiente. Nota-se que está atribuído ao Poder Público e a toda a sociedade (sujeitos) os deveres de preservar e defender o meio ambiente.

[…] percebe-se que a norma tem papel fundamental em positivar que o meio am-biente é de interesse difuso ou coletivo, pois o extrai da velha premissa entre direito público e o direito privado, para dar existência ao interesse de todos. (ARAÚJO et al., 2008, p. 40).

Está constitucionalmente reforçado, portanto, o interesse

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geral da preservação ambiental, ressaltando que somente através dessa via o bem-estar coletivo pode ser efetivo, pois, considerado o meio ambiente como suporte da vida.

O elemento finalístico está caracterizado na imposição de preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Nesses termos : “[…] o ideal de proteção ao meio ambiente de hoje é condição de existência digna dos outros que ainda estão por vir.” (ARAÚJO et al., 2008, p. 40).

Diante de todo o exposto, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, nada mais fez do que impor a aplicação de determinadas restrições ao usufruto e exploração do meio ambiente para obter, no futuro, a continuidade da vida em todos os seus segmentos. (ARAÚJO, 2008, p. 41).

Nesse momento, há que ser registrada a análise que se extrai deste tópico da presente (3.1. Constituição Federal/1988 e Proteção Ambiental), com o objetivo de posterior fechamento e conexão de ideias: o detalhamento acerca dos elementos constitutivos da tutela constitucional remete à percepção de algo muito simples, mas extremamente importante: a Constituição não autoriza ninguém a causar dano.

3.2. Legislação Ordinária e Proteção Ambiental

Anteriormente à CF/1988 já estabeleceu-se regras, ainda que sem muita efetividade, objetivando um equilíbrio ambiental. O primeiro dispositivo legal com intuito de preservação, no Brasil, foi o designado como Regulamento do Pau-brasil, de 1603. Durante a fase republicana veio o Decreto n. 23.793/1934, o Código Florestal. Anos após, regulamentando a proteção do patrimônio histórico e cultural, o Decreto-lei n. 25/1937, que vige até hoje.

Na época do Brasil colônia, surgiu o primeiro dispositivo legal para preservação do meio ambiente, denominado Regulamento do Pau-brasil, datado do 1603, marcando a proteção dos recursos naturais. Após esse primeiro marco jurídico registrado no Brasil, na República, foi baixado o Decreto nº 23.793/34, intitulado

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Código Florestal, que infelizmente não teve muita aplicação também, a despeito de seu pioneirismo. Anos depois surgiu o Decreto-lei nº 25/37, que determina e organiza a proteção do patrimônio histórico e cultural, tendo sua vigência até os dias de hoje. […] pode-se registrar que a partir da década de 1960 até o nascimento da Constituição Federal de 1988 outras normas com finalidade ambiental foram sendo promulgadas como, por exemplo: Lei nº 6.453/77 (responsabilidade civil e criminal por danos nucleares); Lei nº6.803/80 (zoneamento industrial); e a Lei nº 7.661/88 (Plano de renciamento Costeiro). (ARAÚJO et al., 2008, p. 31).

Num apanhado geral elenca-se a leis ambientais brasileiras mais importantes: Ação Civil Pública (Lei 7.347 de 24/07/1985); Agrotóxicos (Lei 7.802 de 11/07/1989); Área de Proteção Ambiental (Lei 6.902, de 27/04/1981); Atividades Nucleares (Lei 6.453 de 17/10/1977); Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 12/02/1998); Engenharia Genética (Lei 8.974 de 05/01/1995); Exploração Mineral (Lei 7.805 de 18/07/1989); Fauna Silvestre (Lei 5.197 de 03/01/1967); Florestas (Lei 4771 de 15/09/1965); Gerenciamento Costeiro (Lei 7661, de 16/05/1988); IBAMA (Lei 7.735, de 22/02/1989); Parcelamento do solo urbano (Lei, 6.766 de 19/12/1979); Patrimônio Cultural (Decreto-Lei 25, de 30/11/1937); Política Agrícola (Lei 8.171 de 17/01/1991); Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 17/01/1981); Recursos Hídricos (Lei 9.433 de 08/01/1997); Zoneamento Industrial nas Áreas Críticas de Poluição (Lei 6.803, de02/07/1980). (Guia Floripa, 2011).

Há que se destacar a Lei 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. Nesse sentido:

[…] a Política Nacional do Meio Ambiente que trouxe consigo a inovação de sintetizar a definição do conceito de poluidor pagador, bem como o estabelecimento de diretrizes a serem implantadas pelo Estado em conjunto com sociedade, a fim de

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alcançar o desenvolvimento sustentável e permanecer com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. (ARAÚJO et al., 2008, p. 32).

A autora citada tece esclarecimentos pontuais acerca da referida lei, que estabeleceu princípios de direito ambiental, objetivos protetivos, e todo um instrumental voltado para proteção ambiental, antes mesmo dessa última constar em âmbito constitucional. Afirma Cleucio Santos Nunes (apud ARAÚJO et al., 2008, p. 32) que:

A Lei nº 6.938/81 merece destaque pelo contexto inserido em seu corpo. Quatro anos antes, o Estado de São Paulo, pioneiramente, editou a Lei 997/76, que dispunha sobre o controle da poluição no Estado, o qual, por sua vez, era o mais industrializado do país. Anos mais tarde, o problema da poluição no Brasil se acentuou, notadamente na cidade de Cubatão, que passou a ser manchete no mundo inteiro, com foi caso das crianças nascidas sem cérebro por causa da contaminação do ar da região. O governo federal acabou avocando para si a responsabilidade de regulamentar o zoneamento do solo para implantação de indústrias, criando diversas modalidades de áreas, com o fito de inibir a coexistência de zonas industriais e residenciais, sendo nesse tumultuado ambiente que surgiu a Lei 6.938/81. O fato interessante é que a ausência de planejamento ambiental custou a morte de dezenas de pessoas ou desenvolvimento de doenças de trabalhadores e moradores da região. Tal fato não deixa de ser uma prova de que o Direito é o produto da cultura de uma sociedade, como é o caso da brasileira, que costuma tomar tomar providências quando a situação é extrema e seus efeitos começam a fluir pelo mundo.

No que tange à estrutura e organização trazida pela Lei em questão, tem-se nos seus artigos 2º e 4º os objetivos (e princípios, como colocou o legislador, sobre o estabelecido no artigo 2º) a

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serem atingidos através dos instrumentos elencados nos artigos 9º a 17. Resumidamente falando, formou-se uma rede de medidas e orientações:

De uma forma geral, os 13 instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, previstos no artigo 9º, podem ser divididos entre instrumentos destinados a estruturar a atividade estatal […] e instrumentos destinados a estimular o administrado a proteger o ambiente […]. (ARAÚJO et al., 2008, p. 66).

A autora supra citada, tece outras considerações importantes sobre o tema, classificando os instrumentos em duas espécies: “[...] instrumentos macro, que influenciam a tomada de decisões por parte dos órgãos ambientais, e os instrumentos micro, que afetam diretamente o direito dos administrados.”(ARAÚJO, 2008, p. 97), pontuando ainda que as duas espécies deveriam estar dispostas em diferentes artigos a fim de atingir a clareza necessária ao entendimento do leitor. E segue elucidando: “Em geral, os sete instrumentos macro têm se mostrado adequados a seus propósitos, todos contribuindo para que o poder público disponha das informações necessárias à proteção ambiental.” (ARAÚJO et al., 2008, p. 97).

Nesse ponto, e dentre os instrumentos macro, a autora citada critica apenas o relatório de qualidade do meio ambiente, quando chama atenção para o fato de que deveria ser feito anualmente, “já que é essencial para que os órgãos ambientais definam os padrões de qualidade e o zoneamento. Somente a partir do conhecimento da qualidade do ambiente atual é possível traçar metas adequadas para sua proteção no futuro” (ARAÚJO et al., 2008, p.

97), asseverando que foi feito apenas uma vez desde 1981.O relatório de qualidade ambiental, conforme estabelece a

própria Lei de Política Ambiental, deveria ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (artigo 9º, X da referida Lei). A tarefa mais complexa, que seria elaborar esse relatório, já foi feita,

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uma vez que o IBAMA já procedeu a feitura do GEO-Brasil (Global Environment Outlook – Brasil), que tem função correspondente ao relatório de qualidade ambiental:

[…] dividido em cinco capítulos: introdução; “O Estado e o meio Ambiente”, em que se aborda a situação de solos, florestas, biodiversidade, águas, ambientes marinhos e costeiros, atmosfera e ambientes urbanos e industrias; “Respostas de Políticas”; cenários e recomendações.

O que teria de ser mantido seria sua atualização, já que “somente a partir do conhecimento da qualidade do ambiente atual é possível traçar metas adequadas para sua proteção no futuro.”(ARAÚJO e tal., 2008, p. 97).

O Zoneamento Ambiental, um dos instrumentos macro, determina quais regiões do Brasil podem desenvolver certas atividades industriais, por exemplo, e o quanto podem ser degradadas essas regiões. No entanto, o CONAMA não estabelece sanções, por isso, acaba tornando-se letra morta.

Para que se tenha a listagem desses instrumentos, transcreve-se o artigo seguinte, da Lei n. 3938/1981:

Art. 9º São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:I – o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;II – o zoneamento ambiental; III – a avaliação de impactos ambientais; IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;V – os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental;VI – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e

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reservas extrativistas; (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989) VII – o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;VIII – o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;IX – as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental.X – a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) XI – a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las quando inexistentes; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989)XII – o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais. (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989)XIII – instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros. (Incluído pela Li nº 11.284, de 2006).

O presente estudo não abarca uma abordagem específica sobre cada um dos instrumentos, consideradas as limitações inerentes à natureza do mesmo. No entanto, mediante a análise feita, ainda que reduzida, pôde-se atingir o intuito esperado, e bastante simples, diga-se de passagem, que está conectado à ideia e objetivo do tópico anterior ( 3.1. Constituição Federal/1988 e Proteção Ambiental), concluir pela inexistência de autorização da possibilidade de causar dano, também no âmbito da legislação ordinária, e se houver dano, segue a obrigação de reparar, indenizar, compensar...

Mesmo remetendo ao princípio do poluidor-pagador, tem-se a

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ideia de precaução. Primeiro, traz-se um esclarecimento sobre a intenção do princípio em tela:

Visa à internacionalização dos custos relativos externos de degradação ambiental e consequentemente busca uma melhor qualidade de vida, impondo-se ao poluidor ou agente econômico (produtor, consumidor, transportador) arcar com os custos de uma diminuição de seus poluentes ou, até mesmo, afastando o dano. Além de visar à internacionalização dos custos, foi observada a aplicação deste princípio no Brasil e sua aplicação foi muito bem realizada, uma vez que obrigava o poluidor a pagar pelas ações preventivas a fim de evitar lesões ao meio ambiente. (ARAÚJO et al., 2008, p. 45),

E, secundariamente, finaliza-se com o reforço do objetivo voltado ao caráter inibitório inserido no referido princípio, plasmando a defesa de que o ordenamento jurídico desautoriza o dano:

Muito embora a aplicação do princípio da responsabilidade pela via administrativa, civil ou penal, atue na maioria das vezes depois da ocorrência do fato danoso ao meio ambiente, não se pode depreciar sua atuação preventiva. A atuação sancionatória por via penal, assim como a obrigação de reparação do dano, coloca na sociedade um caráter inibitório de práticas lesivas ao meio ambiente. (ARAÚJO et al., 2008, p. 46). (Grifo meu).

Sobre a responsabilidade mencionada em sede da citação acima, o artigo 225, §3º da CF/1988 estabelece: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Ainda no plano dos instrumentos referidos na Política nacional do Meio Ambiente, cabe uma análise crítica sobre os instrumentos destinados ao particular (ou instrumentos micro), no entanto essa abordagem se encaixará melhor no próximo capítulo, conforme se passa a expor.

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CAPÍTULO 4

MEDIDAS PROCEDIMENTAIS DE AÇÃO HUMANA

4.1. Procedimentos humanos grupais, individuais e Conscientização

Para os fins dessa parte final, retoma-se um caso prático mencionado anteriormente: Rio Paracatu Mineração S.A. – RPM/Kinross Gold Corporation, Unidade de Paracatu, que norteará a exemplificação necessária para sustentação da análise conclusiva e amarração de todas as ideias trabalhadas.

O foco aqui está voltado para a observação da ação humana, especificamente, num primeiro momento, causadora do dano, e posteriormente, numa perspectiva de precaução, bom senso, inteligência. Há que se estabelecer: essa análise se dará num âmbito mais reduzido, ou seja, na esfera da ação humana, pois existe um âmbito maior, o qual ultrapassa o meramente humano para um âmbito maior, e diz respeito dos efeitos sentidos pelo planeta advindas de circunstâncias externas a ele: como os movimentos astronômicos e da dinâmica solar, os quais interferem nas condições plantárias, a exemplo do aquecimento global. Sobre esse tema, Jean Marie Lambert:

[…] Cá entre nós, o sol é o dono primeiro da evolução climática. Entre manchas e explosões atômicas, tem vida de intensidade cíclica que determina a sequência das eras... e querer mudar isso por inciativa política é pretensão descabida. A Terra também tem culpa, porque não prima pela disciplina. Gosta de oscilar na órbita, afastando-se do Astro Rei por milênios para esquentar ou resfriar em caprichos elípticos que explicam muita coisa.

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O Planeta está mais quente que no início do século 20... porém mais frio que 1000 anos atrás. Saía, então, de uma fase conhecida como Período Medieval Quente para entrar na Pequena Era Glacial que resfriou sabiamente a Europa entre 1350 e 1750.Então relaxa!

Mecânica astronômica ou comportamentos heliofísicos seguem curso indiferente à diplomacia. […]. (Jean Marie Lambert, 2011).

A explanação de Jean-Marie poderia, a priori, desestruturar a ideia de necessidade de um consumo sustentável, já que alterações climáticas, aquecimento global, independem de fatores antropogênicos. No entanto, e agora passa-se a uma outra perspectiva, são fatores antropogênicos, e não qualquer outra coisa, que causam situações de passivos ambientais e irreversibilidade material e moral incalculáveis como a que se passa a expor mais detalhadamente.

O caso está ocorrendo no Município de Paracatu/MG, onde instalada e em exercício de suas atividades de extração mineral, a empresa Rio Paracatu Mineração S.A. – RPM, inteiramente controlada pela multinacional canadense Kinross Gold Corporation, uma das maiores produtoras de ouro do mundo:

Sediada em Toronto, CANADÁ, também com atuação nos Estados Unidos, Chile, Equador e Rússia, promove a alteração adversa das características do meio ambiente, degradando a qualidade ambiental pelo resultado de atividades que direta ou indiretamente têm a potencialidade de prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população, ou criar condições adversas às atividades sociais e econômicas desta. (2009, p. 07),

Conforme se extrai da Ação Civil pública de Prevenção e Precaução por Dano Ambiental e à Saúde Pública Decorrente de Carga Contínua Sobre o Meio Ambiente com Pedido de Cautela Liminar – A.C.P. (documento em anexo), atualmente em processamento no Estado de Minas Gerais (Tribunal de Justiça do

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Estado de Minas Gerais, 2011). A fim de que se torne clara a situação, segue a citação de

algumas partes do corpo da referida Ação Civil Pública (a qual, para o mesmo objetivo, está anexada ao presente trabalho), proposta em face das Rés: Rio Paracatu Mineração S.A. – RPM/ Kinross Gold Corporation, e Município de Paracatu.

As pessoas que moram na região – e não só nas proximidades da área explorada pela mineradora – estão correndo risco de morte, pois a potencialidade lesiva do rejeito químico produzido – ARSÊNIO – é altamente tóxico e letal. (A.C.P., 2009, p. 05).

Se passa é que “o arsênio é uma substância presente nas rochas da mina do Morro do Ouro. O ouro está grudado na rocha de arsênio, a que os cientistas chamam de arsenopirita.”(Jornal da Fundação Acangaú – Ano III Edição Especial de 12 de Junho de 2010).

Enquanto está preso na rocha, o arsênio não faz mal a ninguém. O arsênio está grudado, “aprisionado” na rocha há milhões de anos. Mas se a rocha é quebrada e moída para arrancar o ouro, o arsênio vira pó e se dissolve na água feito sal de cozinha. Você não enxerga o sal de cozinha quando ele é dissolvido na água, ma sabe que tem sal na água pelo gosto salgado. Com arsênio é diferente. Arsênio não tem gosto. O arsênio dissolvido na água viaja de carona para onde a água for. Quando a água seca ou evapora, o arsênio vira pó de novo, e também pode virar gás. [...] O arsênio mata ao longo prazo, causando mutações genéticas, malformações congênitas, fraqueza do sistema de defesa imunológica, diabetes, câncer, doenças cardiovasculares, doenças renais, doenças pulmonares e doenças do sistema nervoso, entre outras. […]

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A população exposta sem querer ao arsênio dificilmente percebe os efeitos do envenenamento crônico (isto é, envenenamento que acontece lentamente, ao longo do tempo). O envenenamento crônico por arsênio se manifesta ao longo do tempo na forma de diversas doenças que estão aparentemente desconectadas, ou seja, parecem não ter nenhuma relação entre si. Quando os efeitos do arsênio sobre sobre a saúde e o ambiente tornam-se mais visíveis, as operações de mineração já estão adiantadas, e os prejuízo e as responsabilidades pela indenização ficam nas mãos da população que sofre. Isso aconteceu em Nova Lima, no Quadrilátero Ferrífero, e também em outras regiões do mundo onde ocorre a mineração de ouro em rocha dura e a população não é informada em tempo hábil para se defender. Os índices de contaminação verificados em Paracatu poderão importar, a médio e longo prazo, em mortandade comparável a um verdadeiro genocídio. Genocídio é o termo que se usa para definir uma matança geral ou indiscriminada. A palavra deriva das palavras latinas “gens, gentis”, que significa “nascimento, raça, estirpe, gênero, tipo”; e -cidium (corte, matança). (Jornal da Fundação Acangaú – Ano III Edição Especial de 12 de Junho de 2010).

Informações acerca dos dados reais, com números reais e termos reais não constam de forma fidedigna onde e quando deveriam constar, senão vejamos:

No mais recente “relatório único” da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Noroeste (SUPRAMNOR), a palavra "arsênio" aparece escondida, citada apenas duas vezes no rol de diversos outros parâmetros secundários que serão "auto-monitorados" pela mineradora transnacional, ora ré na presente ação.

O relatório não discute o milhão de toneladas de arsênio

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inorgânico que serão liberadas para o meio ambiente urbano de Paracatu e seu entorno, em decorrência da expansão da mineração, e especificamente despejadas no Vale do Machadinho, a verdadeira caixa d’água potável de milhares de paracatuenses. Quem lê o relatório da SUPRAMNOR não pode sequer imaginar que exista um problema desse, como se 1 milhão de toneladas de ARSÊNIO não fossem um problema gigantesco. Na verdade, deve ser a maior quantidade de ARSÊNIO jamais liberada por uma mina de ouro no mundo, dentro de uma cidade de 90 mil habitantes. E o relatório estrategicamente, ou simplesmente, ou vergonhosamente, conseguiu esconder 1 milhão de toneladas de arsênio das pessoas que decidirão sobre sua aprovação ou rejeição, na reunião do COPAM do dia 20 de agosto de 2009, selando o destino de vida ou morte de milhares de pessoas.

Em certo ponto, o relatório afirma:Os critérios de projeto dependem da classificação da barragem relativa às potenciais conseqüências incrementais de sua ruptura (potenciais perdas de vida e danos sócio-econômicos, financeiros e ambientais). De acordo com as Diretrizes da CDA, as barragens da Bacia do Eustáquio deveriam ser classificadas como tendo conseqüências de ruptura de “Alta” (algumas fatalidades, grandes danos) a “Muito Alta” (grande número de fatalidades, danos extremos). A integridade da barragem deve ser mantida sob todas as cargas esperadas, condições de percolação e outras condições como deformações e erosão (PCA, fl. 357). - sic. (Grifo nosso).No restante do relatório, nada permite supor que critérios seriam adequados a tais riscos ou que critérios foram observados para efeito da execução dos projetos quando da instalação da nova barragem.Porém, importante ressaltar que as diretrizes mencionadas no

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referido relatório referem-se as normas internacionais da Associação Canadense de Barragens (CDA) publicadas em 1999, mais restritivas que as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e compatíveis com os critérios de projetos de grandes barragens do Comitê Internacional de Grandes Barragens (ICOLD).Impressionante mesmo são os próprios relatores da SUPRAMNOR reconhecerem que o "desmate causará a alteração e extinção de cursos d’água, modificando negativamente a qualidade ambiental local e alterando o microclima local e da cidade de Paracatu, com perda da biodiversidade." (Grifo do autor). (A.C.P., 2009, p. 09, 10 e 11).

A descrição feita até aqui já é para delinear as dimensões do fato. Se está diante de um genocídio em nome da saga do ouro. Paulo Maurício Serrano Neves bem chamou de “maldição do ouro” – um ouro manchado de sangue. A água está imprestável, o ar está imprestável, as famílias estão destruídas. O princípio da promoção do bem comum não existe nesse quadro. Que espécie de função social da propriedade é essa? Que capital vai ser capaz de pagar o passivo ambiental e o passivo moral das vítimas? Os dados não chegam à população. Por isso não há reação. Não basta licença ambiental, deve haver licença social. Mas não se fala em licença social quando a sociedade não compreende a realidade das ações e resultados, não tendo consciência dos feitos e implicações.

Falou-se numa possível crise econômica na cidade caso a mina seja fechada. Equívoco! A crise econômica se inciou, na verdade, com o fim do último ciclo do ouro, e desenvolvimento, no real sentido da palavra, não existe. E desenvolvimento só pode haver com um povo saudável. A atividade da multinacional na região é vertente da globalização. Globalização é processo de cooperação e não de exploração. Os quinhentos anos de exploração estrangeira já se foram.

É uma inconsciência mortal. A falta dela (consciência),

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quando se refere à população, e quanto àqueles que causam a situação, inconsciência também, ou uma consciência completamente desvirtuada. Não se está a defender a ideia de que o desenvolvimento seja bloqueado. A implementação do consumo, a título de exemplo, trouxe avanço. No entanto, há que se assumir, as coisas fugiram do controle. A Revolução Industrial e o modo de produção a partir dela estruturado, ou seja, o capitalismo, influenciou na psique das pessoas sim. A sociedade do ter, e não do ser, é o que justifica, na profundidade da análise, ações e resultados como Paracatu e todo o resto que segue na mesma linha.

Laissez-faire é hoje expressão-símbolo do liberalismo econômico, na versão mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência. Esta filosofia tornou-se dominante nos Estados Unidos e nos países ricos da Europa durante o final do século XIX até o início do século XX. (Wikipédia, 2011).

“Laisser faire laisser passer”, da língua francesa, significa “deixai fazer deixai passar”, indica a ideia de permissividade. Enquanto a configuração for essa, seja na economia, na dinâmica do capital e na inconsciência generalizada, situações desse nível vão continuar acontecendo.

O arcabouço jurídico existente é relativamente suficiente, e diga-se, avançado para promover a proteção ambiental necessária, melhor colocando, o desenvolvimento sustentável. Os princípios já constroem por si só uma estrutura consistentemente norteadora. A sociedade atual é que não está pronta para ele, necessitando de tantas e tantas leis, e que por vezes não são suficientes. É contraditório. Tem-se nítido e claro o princípio primordial da precaução no âmbito ambiental, que

[...] adota um prévio juízo de valor sobre a real necessidade de implementação de atividades potencialmente perigosas ao meio ambiente, elevando a um grau maior a necessidade de planificação das atividades produtivas almejando sempre

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alcançar uma qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. […] conforme a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente – ECO 92:“[...] Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação do meio ambiente.”[…] O princípio da precaução determina que as decisões de política ambiental sejam tomadas em face das incertezas cientificas sobre os danos potenciais que uma atividade específica possa vir a causar, determinando a aplicação da norma in dubio pro salute ou in dubio pro natura.[...]“A partir do momento em que o princípio da precaução é reconhecido como parte integrante do ordenamento jurídico, entre os princípios gerais de direito ambiental, não resta dúvida de que ele exerce influência sobre a interpretação e a aplicação de todas as normas do sistema jurídico ambiental em vigor”. (ARAÚJO et al., 2008, p. 42 e 43).

A energia nuclear é um avanço e tanto e poderia estar elencada entre as soluções inteligentes. Mas não estamos prontos para dela fazer uso. Da mesma forma que ainda não estamos prontos nem mesmo para o novo Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

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Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Na esfera cível, o dano (lesão de um bem jurídico: patrimonial ou personalíssimo) causado constitui e determina o dever de indenizar, configurando ato ilícito também o abuso de direito. O artigo 187 do Código Civil é genial. Mas veja a dificuldade: o que é exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social? Quem é o sábio que irá enfrentar e ousar interpretar isso perante e para a organização capitalista a que estamos subjugados? O que é boa fé? O que são bons costumes? Juros de 14% ao mês? Hospitais e escolas públicas completamente desestruturados? Uma população inteira invadida, enganada sobre o que estão fazendo no seu território, com as vidas que estão ali.

O espírito das leis ainda não consegue se plasmar nessa realidade, nessa organização, nessa forma de pensamento e de sentir. Estamos nas mãos do capital, das multinacionais. É necessário uma revolução na consciência. É preciso sensibilidade, porque Direito é bom senso. Enquanto “o outro”, e não apenas o “mim mesmo”, não fizer parte da consciência coletiva sempre se estará diante de grandes dificuldades.

Responsabilidade, do latim, respondere, ideia de reparação. Res: coisa; ponsab: ponderar; ilidade: ato/conduta, ou seja, o ato de ponderar as coisas. No que tange à Responsabilidade Civil, num primeiro momento, no contexto histórico, tem-se um Estado isento de qualquer responsabilização, para num segundo momento responder integralmente, e o posterior surgimento da teoria objetiva.

O direito civil, via de regra, adotou a teoria da Responsabilidade Subjetiva, sendo que a configuração do dever de

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reparar depende de prova da culpa, necessários os elementos: fato/conduta culposa ou dolosa; culpa demonstrada; dano; e nexo causal entre conduta e dano. Com a modificação substancial sofrida pela estrutura social decorrente dos efeitos da Revolução Industrial e pós Segunda Guerra Mundial, cenário em que se criou um precipício de distância entre fornecedores e consumidores, esses últimos completamente sem respaldo protetivo nas relações estabelecidas com os primeiros, surge como resposta necessária, mais consistente e avançada o Direito do Consumidor, trazendo como regra a Responsabilidade Civil Objetiva, diante da dificuldade/impossibilidade por parte do consumidor de provar dolo e culpa dos fornecedores. Nesses termos, não é necessária a prova da culpa, bastando a ocorrência do dano material ou moral e o nexo causal entre o dano e o fato do produto ou serviço.

Nessa mesma inteligência e necessidade de respaldo à questões muito além dos interesses privados, a norma ambiental, na inspiração do princípio da supremacia do interesse público, retira a necessidade da demonstração de culpa, protegendo os vulneráveis. Conforme Álvaro Luiz Mirra (apud ARAÚJO et al., 2008, p. 47) a respeito do referido princípio:

“[...] pode-se afirmar com absoluta segurança, que o regime protetor do meio ambiente adotado no Brasil, além de direcionar-se aos bens que na sua dimensão ecológica não pertencem a ninguém com exclusividade, ou pertencem a todos indistinta e indivisivelmente, incide igualmente sobre todos os elementos corpóreos configurados do seu substrato material, qualquer que seja sua titularidade, e em relação a todas as atividades ou práticas que de alguma forma estão relacionadas com o meio ambiente e com seus bens ambientais, para orientá-los e condicioná-los uns a outros à preservação da qualidade ambiental, propícia à vida.” Além do imperativo constitucional inserto nos artigos 23, incisos VI, VII e IX, e 225, §§ 1º a 3º da Carta Magna, a Lei de

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Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981, artigo 14, § 1º) consagra como um de seus objetivos a imposição de obrigação ao poluidor e ao predador, “independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.No mesmo sentido, referida lei preconiza que as pessoas jurídicas de direito público interno, podem ser responsabilizadas pelas lesões que, por ação ou omissão, causarem ao meio ambiente (artigo 3º, inciso IV), confirmando a primariedade do consagrado Poder de Polícia Administrativa que possui (CTN, Lei nº 5.172/1966, artigo 78). (A.C.P., 2009, p. 05).

De nada adianta ter boas leis se não há cultura para colocá-las em prática. O Direito é produto da cultura e sem ela não funciona. Por isso, se não há cultura, ou seja, se os “recursos humanos” (pessoas) não têm estrutura para lidar com o Direito, ele não irá funcionar.

A alteração da cultura, portanto, está entre as soluções (e talvez seja a mais importante delas) para os desajustes apresentados ao longo desta dissertação. A comunidade internacional está acompanhando os recentes acontecimentos na Líbia. Uma sociedade fechada, controlada por um regime ditatorial já instado há mais de 40 anos, vem sofrendo alterações: forças insurgentes se posicionam contra o governo de Muammar Kadhafi objetivando sua saída do poder. Se aquela comunidade está pronta para uma democracia é discussão que não cabe aqui. A pretensão do exemplo gira em torno que delimitar um cenário de alteração profunda. A tecnologia e a globalização cooperam para essas alterações. A tecnologia pode, sem fronteiras, transmitir ideias, providenciando a entrada delas nas sociedades, e gestando modificações de valores. Como os mecanismos, pode ser alcançado o bem ou o mal. Isso é inerente à própria natureza e dinâmica do Universo. Mas está aí estampado o exemplo de como a

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disseminação de ideias influencia para a modificação da realidade. O papel das Organizações Governamentais Internacionais

(OIGs) e das próprias Organizações Não Governamentais (ONGs) é determinante na atuação de disseminadores de ideias e informações; cobrar ação social e governamental; pressionar governos. Conferências (1972 – Estocolmo; 1992 – ECO 92; 2002 – RIO + 10; 2012 – Rio + 20 etc), eventos e notícias sobre o tema sempre cooperam para essa disseminação de ideias, e aos poucos, (ainda que em doses homeopáticas) infiltra consciência na população. Tem-se assistido a atuação de ONGs cuja notoriedade e fortalecimento atingem o cenário internacional.

As ONGs, embora não possuindo capacidade jurídica para celebrar tratados internacionais, são sujeitos influentes nas relações exteriores e se mostram cada vez mais atuantes. Um exemplo é o fato de que a ONG Greenpeace possui uma base de operações científicas na Antártica, equiparando-se aos entes estatais, os únicos autorizados a instalar bases nessa região, demonstrando assim sua dimensão na esfera internacional. (OLIVEIRA, Rafael Santos De. WEBER, Catiane Trevisan. Atuação das organizações não-governamentais ambientalistas: uma perspectiva internacional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 40, 30/04/2007 [Internet]).

A ação desses entes ou Organizações Não Governamentais, quando não desvinculadas de suas finalidades, pode ser incrivelmente relevante, nos aspectos mencionados.

Adentrando numa exemplificação bem nítida para o presente capítulo, passa-se a explorar o conteúdo de um evento promovido pelo Ministério Público do Estado de Goiás – Semana da Cidadania – especificamente em relação ao Painel Meio Ambiente, Urbanismo e Cidadania, realizado em 24 de setembro de 2010, que teve como finalidade maior discutir com a sociedade os problemas atuais, principalmente sobre meio ambiente, propondo o aprofundamento e evolução no debate, o encaminhamento de providências

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concretas, tanto por parte dos Estados, das autoridades, e dos cidadãos. A proposta era engajar no cidadão a discussão para gerar a evolução no trato dessa questão. Presentes como palestrantes o jornalista Washington Novaes, o professor Altair Sales, e o perito Rogério César.

Acerca do desmatamento no cerrado, explanou Washington Novaes: há uma questão muito grave sobre a questão do desmatamento no cerrado. O solo desmatado retém muito menos água, até porque a infiltração dela devido à compactação do primeiro fica prejudicada. E no cerrado nascem 14% das águas que correm no Brasil, para as três grandes bacias da Amazônia, do Paraná, Paraguai, e do São Francisco . Há uns quatro anos, um diretor do Ministério do Meio Ambiente em Brasília, que pediu para não ser citado, porque isso não estava ainda documentado disse que havia estudos que mostravam que o cerrado tinha o estoque de água suficiente para abastecer as três bacias pelos próximos sete anos, e que em consequência do desmatamento esse estoque já havia caído para três anos, ou seja, menos da metade do que era. Isso antecipa situações muito graves. Pode diminuir o fluxo de água que corre pra essas três grandes bacias. Nessa estação de seca estamos vendo em vários lugares de Goiás e outras partes do cerrado, os mananciais se esgotando ou baixando dramaticamente.

O outro ângulo, também muito complicado, é o da perda da biodiversidade. É bom lembrar que o cerrado tem 1/3 da biodiversidade brasileira, que é a maior do mundo, cerca de 15% da biodiversidade total. Então o cerrado tem 5% da biodiversidade do mundo, que está sendo perdida em alta velocidade. O cerrado tem mais de dez mil espécies vegetais catalogadas, oitocentas aves e cento e sessenta mamíferos. O cerrado está entre os vinte e cinco chamados “hotspots”, ou “pontos quentes”, nesse contexto, os lugares mais ameaçados do mundo. O que se perde nessa área da biodiversidade é incalculável, porque essa conta raramente é feita.

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Há alguns anos, o economista Robert Costanza, junto com mais treze economistas fizeram um estudo na Universidade da Califórnia sobre o valor da biodiversidade e dos “serviços” naturais, para mostrar o seguinte: quanto custaria substituir por ações humanas serviços que a natureza presta absolutamente de graça, por exemplo, fertilidade do solo; a regulação do fluxo hídrico; a regulação do clima, e vários outros serviços. E chegou-se a conclusão de que se fosse possível e necessário substituir por ações humanas a prestação desses serviços, o valor seria equivalente a três vezes e meia o produto bruto econômico mundial a cada ano.

Thomas Lovejoy, biólogo americano, cita que só o comércio mundial de medicamentos derivados de plantas está numa ordem de 250 bilhões de dólares por ano, sendo que o Brasil não participa em nada disso, embora tenha a maior biodiversidade do mundo. E há alguns casos que fazem pensar: o cientista e professor Sérgio Ferreira, Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto, há trinta anos, mais ou menos, descobriu que havia no veneno da jararaca substâncias capazes de inibir os mecanismos que comandam a elevação da pressão arterial no corpo humano. Se fosse capaz de sintetizar isso em laboratório, se produziria um medicamento muito valioso para controlar a pressão de pessoas que sofrem com hipertensão. No entanto, o referido professor não conseguiu, nem na Universidade de Ribeirão Preto, nem na cidade de São Paulo, nem em lugar nenhum no Brasil recursos para fazer isso. Por isso acabou tendo que aceitar o convite de um laboratório norte-americano, e foi fazer isso em Nova Iorque, onde desenvolveu o estudo, conseguiu sintetizar esse medicamento, hoje produzido por esse laboratório que possui a respectiva patente, e o Brasil paga dezenas de milhões de reais por ano em royalties para poder fabricar esse medicamento aqui, descoberto por um brasileiro.

Mais um exemplo: o Instituto de Pesquisas da Amazônia levou muitos anos trabalhando para conseguir produzir uma

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variedade de pupunha (espécie de palmito), porque as variedades conhecidas eram todas com o caule muito espinhoso, o que dificultava o manejo para a produção do palmito. Através de cruzamentos conseguiu-se obter uma variedade de pupunha praticamente sem espinhos, e hoje essa variedade de pupunha responde por praticamente toda a exportação brasileira de palmito e também o mercado interno, substituindo a palmeira Jussara que está em fase final de esgotamento.

São dois exemplos que mostram as imensas possibilidades que se tem no campo da biodiversidade, e da biodiversidade no cerrado, mas que não tem políticas para isso, nem estímulos. Somente 6,77% do cerrado está em áreas de conservação, e a Convenção da Biodiversidade pede que em cada bioma se tenha pelo menos 10% conservados. E mesmo nessas áreas as perdas são grandes. É preciso alterar esse Zoneamento Ecológico Econômico para proteger o cerrado. A fiscalização, que na verdade é mínima, é quase nada, praticamente não acontece.

É preciso cuidar da questão das Reservas Legais. No cerrado há uma reserva legal mínima de 20% em cada propriedade e 35% nas áreas de transição para a Amazônia. No entanto, essa Reserva Legal é uma ficção. O proprietário tem que registrar sua Reserva se ele quiser vender sua área, devendo ir a um órgão ambiental, dizer qual é a Reserva, levar um mapa feito por um topógrafo, e a partir disso poderá vender a propriedade. Ninguém vai à propriedade saber se a Reserva existe, se está sendo conservada. Reserva Legal é uma ficção. Se ao menos esses 20% se conseguisse preservar, seria um grande avanço.

É necessário políticas adequadas para o cerrado. Em Goiás, por exemplo, é uma calamidade que não se tenha uma política adequada para a área que é a maior remanescente do cerrado goiano, no nordeste do Estado. É uma área que deveria ter uma política voltada para o ecoturismo, para eventos culturais para formar uma estrutura que permitisse a preservação desse bioma.

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Mas o cerrado continua se perdendo, inclusive por causa de carvoarias, do desmatamento para o plantio de soja etc.

Nós não temos políticas adequadas para o cerrado e nenhum plano, e na verdade tudo vai continuar assim se a sociedade permitir que continue assim. Novaes segue o raciocínio afirmando que costuma dizer que a sociedade brasileira tem uma postura que chama de retórica indignada. Ela fica muito indignada com tudo que acontece , achando “que não pode continuar assim”, “que é preciso mudar”..., mas não faz nada. Ou a sociedade brasileira aprende a se organizar, a discutir essas questões, a formular projetos e plataformas políticas, e levar isso pro campo da política e da Administração, ou não acontecerá nada. Continuará tudo exatamente como está, porque os outros interessados nessa questão, que têm uma visão ao contrário dessas, tem muito mais influência nos governos dos legislativos em todos os lugares. Se a sociedade brasileira não se organizar vai continuar sendo assim e vai ser pior.

E segundo o professor Altair Sales, o cerrado não pode, na verdade, ser entendido simplesmente como um bioma. O conceito de bioma trabalhado pela biogeografia, é um conceito que valoriza sempre a questão vegetal. O cerrado envolve muito mais que isso, não só as formas vegetacionais, mas também a sua geomorfologia, solo, geologia, lençóis hídricos. O cerrado é um sistema biogeográfico, composto por diversos subsistemas cuja modificação em qualquer um dos subsistemas provoca modificação no sistema como um todo. O dia que adquirirmos a consciência de que o cerrado é um mosaico, ou um sistema composto por diversos subsistemas interligados e interatuantes, se adquirirá uma visão correta para saber planejar as ações, influenciar os políticos, e quem sabe um dia barrar o avanço do grande capital, que é o grande criminoso que degrada o cerrado.

Muitas vezes se faz as coisas com boa intenção sem saber ao certo as consequências. Por exemplo, quando os europeus

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chegaram ao Brasil, trouxeram um tipo de abelha, a abelha apis mellifera europeia ou italiana. Em 1974 um professor da Universidade Federal de Uberlândia, com muito boa vontade, trouxe para o Brasil colmeias da abelha apis mellifera africana. Por um acidente algumas abelhas saíram das colmeias sob controle e iniciaram cruzamento com as abelhas europeias, sendo que, hoje, dificilmente se encontra no Brasil uma abelha europeia pura. Ocorre que a abelha africana é muito mais agressiva que a europeia, não só com relação ao homem, mas com relação aos próprios animais, atacando suas competidoras. No Brasil, tínhamos até bem pouco tempo, trezentas espécies de abelhas indígenas, as chamadas meliponinae, que não tem ferrão, como a jataí, mandaçaia, uruçu, que têm sido eliminadas. O cerrado é tão especializado que se determinados elementos são eliminados, como essas abelhas estão sendo eliminadas, extingue-se o agente polinizador, e pode até se ter a planta do cerrado, mas não se terá os frutos do cerrado. Os frutos que darão sequencia, prosseguimento à manutenção da vida no cerrado não irão existir mais, porque as plantas não foram polinizadas ou foram mal polinizadas, pelo fato de ter o agente polinizador sido suprimido. Não somente as abelhas fazem isso, o grande plantador de cana, de soja, algodão, grãos para exportação, se utiliza de elementos químicos para combater os insetos nocivos àquela plantação. O veneno utilizado, além de contaminar os lençóis d'água, elimina o inseto prejudicial à plantação, mas elimina também o inseto nativo polinizador do cerrado.

É uma questão complexa, sendo necessário o entendimento do cerrado como um sistema especializado, e se as condições de solo são alteradas, não haverá germinação; se os polinizadores sofrem alteração, ocorre a consequência já descrita acima. Se há desmatamento, os lençóis freáticos e artesianos chegam no nível de base. Pesquisas indicam que, no mínimo, trezentos rios estão secando por ano... Uma vez degradado, o cerrado jamais se

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recupera na plenitude de sua biodiversidade. Quando o governo federal diz que fará a Transposição do Rio

São Francisco e, ao mesmo tempo, a revitalização dos seus afluentes, não está, no mínimo, falando com conhecimento de causa, porque essa revitalização é impossível uma vez que o nível do lençol está muito baixo e a mecânica do rio vai ser alterada. Isso é um ponto mais que deve ser levado em consideração.

Acerca do fogo, uma outra questão de estudo e inteligência: o cerrado só se desenvolve num solo oligotrófico, ou seja, um solo carente de nutrientes básicos. Por isso o cerrado é explicado por uma teoria chamada escleromorfismo oligotrófico, ou seja, o esclerênquima, tecido de sustentação que dá o aspecto das plantas do cerrado é fruto do oligotrofismo do solo. O oligotrofismo é acentuado pelo fogo. Portanto, o fogo é importante para a sobrevivência do cerrado. No entanto o fogo a que se refere aqui, é o fogo natural desencadeado pelo mecanismo do próprio sistema: os animais do cerrado já têm em sua pelagem elementos eletrostáticos que produzem energia, que em contato com a gramínea nativa seca e também energizada, provoca faísca, desencadeando o fogo natural. Esse fogo é brando e limpa a área suja, impedindo as formas exóticas de atuarem. Consequentemente, é importante para a sobrevivência do sistema.

No entanto, os planos de manejo dos parques nacionais foram todos baseados em planos de manejo oriundos de outras localidades (Canadá, por exemplo), fixando-se a ideia de que o fogo é prejudicial. Então, se se incia um fogo no Parque das Emas, o Corpo de Bombeiros se encarrega de apagar, e inclusive impede a passagem do fogo de um lado para outro. Então o entorno do Parque se tornou uma grande plantação de plantas exóticas, incluindo capim braquiária, que são invasores. Quando o fogo natural é impedido, junta-se, de ano para outro, um acúmulo de formas invasoras, que tomam uma altura considerável, fazendo com que o fogo se torne prejudicial, extremamente agressivo,

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diferente do fogo natural. O professor concluiu esclarecendo que o capital entrou e

modificou o panorama. Esse panorama que temos é irreversível. Se quisermos fazer alguma coisa, é preciso ter consciência. O capital alterou a vida de forma geral. Expulsou o homem do campo, através de legalizações ilícitas, feitas em cartórios que foram comprados, e os grandes proprietários, que não eram donos de nada, de repente passaram a ser donos de grandes quinhões de terras, sem documentos legalizados. Eram terras devolutas, ocupadas por posseiros que foram expulsos.

O fazendeiro tradicional se vê encurralado pelas grandes plantações que o circundam, e acaba arrendando sua fazenda, e vindo também para a cidade. Por isso não temos mais mundo rural. As cidades viraram um caos. Ele veio pra cidade em busca de algo melhor. Na cidade ele não encontra esse algo melhor. Pelo contrário, ele encontra um ambiente desorganizado, e quem vive num ambiente desorganizado tem também a mente desorganizada, e quem tem a mente desorganizada facilmente comete os atos que o Direito chama de comportamentos antissociais. Na realidade a mídia do consumo quer empurrar tanta coisa que nós não damos conta. Esse homem que veio do campo não dá conta, e se submerge na criminalidade, que aumentou em níveis percentuais que nem se sabe calcular. O desrespeito à vida humana aumentou a prostituição infantil, o trabalho infantil.

Tudo isso é reflexo da confusão em que todos nós entramos. Ou esclareçamos as nossas mentes ou viveremos nessa confusão. E se vivermos nessa confusão, infelizmente, não iremos construir uma qualidade de vida sadia para que possamos alcançar o futuro.

Todas as informações até aqui colocadas, desde a menção anterior acerca do referido evento Semana da Cidadania/ Painel Meio Ambiente, Urbanismo e Cidadania, constam das palestras de Washington Novaes e Altair Sales, naquele proferidas.

Acerca dos agrotóxicos, algumas informações retiradas do

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site Mercado Ético delineiam o resultados de ações humanas prejudiciais e medidas a serem tomadas a respeito:

Há cinco anos, Lucas do Rio Verde, município de Mato Grosso, foi vítima de um acidente ampliado de contaminação tóxica por pulverização aérea. Wanderlei Pignati, médico e doutor na área de Toxicologia, fez parte da equipe de perícia no local. Apesar de inconclusiva, ela revelava índices preocupantes de contaminação.Em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Pignati passou então a dirigir suas pesquisas à região Centro-Oeste. Professor na Universidade Federal do Mato Grosso, há dez anos ele estuda os impactos do agronegócio na saúde coletiva. É o Estado onde mais se aplica agrotóxicos e fertilizantes químicos no Brasil, país campeão no consumo mundial dessas substâncias. Pignati alerta que três grandes bacias hidrográficas se localizam no Mato Grosso, portanto quando se mexe com agrotóxico no Estado, a contaminação da água produz impacto enorme.O projeto de pesquisa coordenado por Pignati tem o compromisso de levar às populações afetadas os dados levantados e os diagnósticos. Para ele, é fundamental promover um movimento social de vigilância sanitária e ambiental que envolva não só entidades do governo, mas a sociedade civil organizada e participativa. (Grifo meu). (Mercado Ético, 2011).

Perceba-se que a ideia de uma sociedade civil organizada é fundamental. Talvez a democracia não seja capaz de solucionar os problemas ambientais, nesse caso, que haja então uma “ditadura da sociedade”. E isso requer uma reestruturação educacional, cultural, consciencial, e que isso se transforme em atividade, prudência, respeito e inteligência, numa junção inquebrável.

Retomando a abordagem acerca dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), especificamente sobre

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os instrumentos micro, traz-se os comentários de Gisele Ferreira de Araújo:

Os seis instrumentos micro, por outro lado, merecem uma reestruturação mais intensa. O enfoque em instrumentos de comando-e-controle é reflexo da época em que a Política Nacional do Meio Ambiente foi traçada, quando se acreditava que instrumentos repressivos eram a única forma de prevenir o dano. Hoje sabe-se que instrumentos de comando-e-controle são de fato importantes, mas que devem ser criados paralelamente a instrumentos econômicos, voluntários e educacionais. Só assim se alcançará o desenvolvimento sustentável, através do qual se busca integrar o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente. Por essa razão, é louvável a inclusão de instrumentos econômicos e voluntários no inciso XIII do artigo 9º da Lei 6.938/81. Igualmente elogiável é a formulação de uma cláusula geral no inciso XIII. Recomenda-se, aliás, a reestruturação dos instrumentos micro, criando-se quatro categorias de instrumentos – comando-e-controle, econômicos, voluntários e educacionais – e deixando-se às normas regulamentares o papel de definir os instrumentos específicos da Política Nacional do Meio Ambiente. Dessa forma, evitar-se-ia a alteração constante da lei da Política Nacional do Meio Ambiente para a inclusão de novos instrumentos. Portanto, os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente merecem algumas pequenas reestruturações para se adequar às necessidades do século XXI. A primeira dessas reestruturações já foi feita pela Lei 11.284/06, que inseriu instrumentos econômicos e voluntários no artigo 9º da Lei 6.938/81. (ARAÚJO, 2008, p. 97 e 98).

Nesses termos, a autora elogia a colocação da cláusula geral no inciso, o que permite a mutabilidade de acordo com a dinâmica social,

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bem como elementos voluntários, nos quais o “proprietário voluntariamente protege o meio ambiente, seguindo os parâmetros estabelecidos pelo Estado”(ARAÚJO, 2008, p. 94 e 95), no entanto, assevera sobre a reestruturação desses instrumentos voltados para o particular. Tecendo mais esclarecimentos:

[…] se propôs a reestruturação dos instrumentos micro, através da inserção de cláusulas gerais na lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Essa foi a técnica legislativa do instrumento previsto no artigo 9º, inciso XIII, da da Lei 6.938/81, […], e deveria ser copiada nos demais instrumentos. Assim, a lei da Política Nacional do Meio Ambiente poderia criar quatro categorias de instrumentos […]. Dentre os instrumentos micro, a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento e as penalidades pertencem à categoria comando-e-controle; os incentivos e os instrumentos econômicos, por óbvio, são da categoria econômica; o direito à informação é um instrumento educacional; e e a concessão florestal, a servidão ambiental e o seguro ambiental são instrumentos voluntários. (ARAÚJO, 2008, p. 79).

Ainda dentro das observações sobre os instrumentos no campo particular, há que se fazer uma referência séria a respeito da Avaliação de Impactos Ambientais, instituída no inciso III do artigo 9º da lei 6.938/81. Essa Avaliação é gênero que comporta diversas modalidades ou espécies, sendo o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA a mais complexa delas, prevista no artigo 225, §1º, IV da Constituição Federal. Será exigido nos casos de desenvolvimento de atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

O EIA é um relatório com todas as informações e dados técnico-científicos sobre a obra cujo impacto é significativo, propondo alternativas e analisando o risco dessas atividades. É interessante a observação de Paulo Affonso Leme Machado, que critica a legislação federal pois esta não exige uma análise

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jurídica no EIA. O autor entende que essa análise é essencial, pois insere no EIA seu embasamento legal. (ARAÚJO, 2008, p. 80).

Há que se chamar a atenção para o fato de que esse estudo ou relatório pode ser elaborado por técnicos habilitados (equipe multidisciplinar, conforme Resolução do CONAMA), vinculados ou não, ao empreendedor. Nesse sentido algumas observações devem ficar registradas:

Também é de interesse, no que toca ao estudo de impactos ambientais, a delimitação legal de “equipe multidisciplinar”. Nos termos do artigo 7º da Resolução CONAMA 01/86, a equipe multidisciplinar que elaborar o EIA deveria ser independente do proponente do projeto. Esse artigo foi revogado pelo artigo 21 da Resolução 237/97, pois tanto os órgãos ambientais quanto os empreendedores encontravam dificuldades em cumpri-lo. Passou a vigorar a regra do artigo 17, §2º, do Decreto 99.274/90, que determina a realização de EIA por técnicos habilitados, que podem ou não depender de proponente do projeto. É compreensível a revogação do artigo 7º da Resolução 01/86, já que o profissional mais qualificado para conhecer o impacto de determinada atividade é exatamente o empreendedor, que exerce a atividade. Por outro lado, a independência colaborava para a elaboração de um laudo imparcial. Uma alternativa que parece um meio-termo entre esses dois extremos seria a elaboração do laudo por equipe técnica vinculada ao empreendedor, mas com a participação do órgão ambiental. Essa alternativa, que causa estranheza a Édis Milaré, é concorrentemente adotada pela União Europeia, onde a Prevenção e Redução Integrada da Poluição […], procedimento prévio ao licenciamento ambiental, é feita exatamente a partir da negociação entre particular e Estado dos limites de poluição aceitáveis, […]”. (ARAÚJO, 2008, p. 82).

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Num outro tema, solução simples pode ser efetivada no que tange à redução do lixo orgânico nas cidades, através da compostagem. “A Composteira Doméstica [...] é um sistema de reciclagem dos resíduos orgânicos onde minhocas e microrganismos transformam restos de alimentos em adubo [...]. É um sistema prático, compacto, higiênico e de fácil manuseio que não produz cheiro nem atrai insetos e animais indesejados”. (Mundo da Floresta, 2011). A utilização da compostagem já reduz a necessidade do uso de sacolas plásticas para o descarte de lixo, sendo que, o restante dele produzido (não orgânico), pode ser facilmente separado e conduzido aos pontos de entrega.

Acerca dos impactos ambientais da agricultura moderna, Marcelo Pedroso Goulart, Promotor de Justiça no Estado de São Paulo traz pontos interessantes:

• erosão e perda da fertilidade dos solos• destruição florestal• dilapidação do patrimônio genético e da biodiversidade• dilapidação dos recursos naturais não renováveis• contaminação dos solos, da água, dos animais silvestres, do homem do campoe dos alimentos• surgimento de pragas mais resistentes• aumento da presença de hormônios nos alimentos• altíssima concentração dos efluentes orgânicos originários dos confinamentosintensivos• aumento dos custos da produção• concentração da propriedade e da riqueza• migração, urbanização caótica e exclusão social. (Marcelo Pedroso Goulart, 2006, p. 13).

O Álcool combustível, é um “combustível limpo com rastro sujo”, nas palavras de Paulo Maurício Serrano Neves, já

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anteriormente citado. A monocultura da cana-de-açúcar traz situações como as seguintes:

[…] A partir das informações coletadas no trabalho de campo, é possível afirmar a existência de indígenas trabalhando em condições degradantes e tendo sua força de trabalho remunerada com bebidas alcoólicas, alojamento e comida. O emprego de trabalho indígena no corte de cana é encarado pelas lideranças das tribos Jaguapirú e Bororó como reflexo da exígua quantidade de terra disponível para a manutenção das famílias. Além disso, destacam que a migração de índios para as regiões de canaviais provoca uma desestruturação dos laços familiares e inviabiliza os cultivos alimentares no interior da aldeia deixando-os reféns da compra de mantimentos. […] Outra problemática detectada na pesquisa de campo foi que o arrendamento de terras em regiões eleitas como zonas de expansão da cana-de-açúcar tem ocasionado a perda de empregos em atividades econômicas tradicionais como a produção leiteira, o plantio de lavouras e o abate bovino. Como na maioria das vezes não ocorre uma absorção dos trabalhadores outrora empregados e as atividades da agroindústria demandam novos profissionais, isso provoca um fluxo de trabalhadores migrantes e um aumento do desemprego para as populações locais. Além disso, a perda de empregos em atividades deslocadas pelo plantio de cana e a não incorporação desses trabalhadores no setor sucroalcooleiro tem acarretado um fluxo migratório em direção às cidades.[…] Outro acontecimento decorrente da atração de mão-de-obra migrante está relacionado à existência de alojamentos no interior dos canaviais. Os relatos coletados na pesquisa de campo dão conta da precariedade e dos maus tratos sofridos pelos trabalhadores no interior dessas instalações.

[...] estudos demonstram que a introdução de inovações tecnológicas não tem contribuído para sanar as condições insalubres e penosas a que são submetidos os trabalhadores do

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corte de cana, nem tampouco reduzido o número de queimadas nos canaviais [...].[...] Percebe-se, mesmo considerando os avanços na atuação do setor, que a agroindústria canavieira tem dedicado pouca ou nenhuma atenção aos problemas sociais envolvidos no processo produtivo. Nesse sentido, o que vem predominando nessa importante atividade econômica brasileira é a lógica do paradigma da adequação tecnológica que se traduz em: progresso técnico agrícola/industrial, redução de emprego, precarização do trabalho e desrespeito à legislação brasileira. [...] A chegada da agroindústria canavieira em pequenos e médios municípios tem alterado toda a dinâmica urbana e criado novas demandas por serviços públicos, tais como saúde, segurança, educação, abastecimento de água, tratamento de esgoto, saneamento básico, habitação, dentre outros. O fluxo de trabalhadores atraídos por esses empreendimentos pressiona a infra-estrutura existente, ao mesmo tempo que exige maiores investimentos por parte dos governos municipais. [...] A deterioração das rodovias e estradas rurais é outro problema associado à atuação da agroindústria canavieira. O peso excessivo transportado pelos caminhões que realizam o percurso campo-usina reduz os custos de produção, ao mesmo tempo que arruínam a malha asfáltica e as vias que fazem a ligação entre comunidades rurais.Em Nova Alvorada do Sul/MS os canaviais estão a menos de 20 metros das casas localizadas na periferia da cidade. Na visão dos moradores desses bairros o período das queimadas representa graves problemas que se traduzem em fuligem, fumaça, perigo de incêndio, aumento de doenças respiratórias, aumento do calor e maior consumo de água. Do mesmo modo, essas dificuldades foram narradas por habitantes de cidades canavieiras que estão a mais de 30 quilômetros de distância

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das áreas de plantio. Assim sendo, percebe-se que as queimadas além de representarem graves impactos ambientais têm sido a causa de vários problemas ocasionados à população dos municípios circunvizinhos às regiões canavieiras. A ocorrência de desmates ilegais em áreas de novos plantios foi outro problema relatado durante o trabalho de campo. Para a maioria dos entrevistados, o arrendamento de terras tem provocado o aumento dos desmatamentos, uma vez que fragmentos de matas presentes nas propriedades são derrubados para dar lugar à homogeneização dos canaviais. Em vários municípios foram coletadas informações que indicam a prática de desmate ilegal e a supressão de matas ciliares […]. (Wendell Ficher Teixeira Assis e Marcos Cristiano Zucarelli, 2007).

E a lista continua ainda em grande extensão. Note-se o quanto ainda precisa ser revisto a fim de que o álcool possa ser chamado de energia limpa. Quando se trata de meio ambiente, ou se tem uma visão holística, ou os resultados serão sempre desacertados.

A apresentação e o delineamento de soluções possíveis e práticas, tanto no campo das tecnologias, planejamentos econômicos com projeções reais e inteligentes, mudanças e alterações em nível de pensamento e cultura, é, verdadeiramente, um conteúdo extenso (proposta para os trabalhos que virão no seguimento deste), e houve a necessidade de algumas condensações abruptas, talvez, optando-se pela referência a alguns temas em detrimento de outros, obrigatoriamente. No entanto, a explanação feita até aqui sustentou alguns pontos cruciais, com as exemplificações pertinentes, e permitiu uma análise das ideias colocadas para a conclusão arquitetada.

Todas as soluções têm suas raízes plantadas numa educação inteligente, no estudo, na consciência, na ética. O que está fora ou ao redor do ser humano, nada mais é do que o puro reflexo do que

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ele leva dentro de si. Encerra-se fazendo menção à carta do Chefe Seattle ao

presidente dos Estados Unidos (documento em anexo), adotando o espírito daquelas palavras como espírito desse trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Produção versus Proteção Ambiental – a ideia central trabalhada.

Certamente as circunstâncias e os efeitos da produção em larga escala desde sua estruturação inicial (a contar do marco da Revolução Industrial), como potencial modificadora do estilo de vida, nos moldes e ideologias inerentes à dinâmica do capital, não se deram em conjugação à inteligência necessária e requerida pela Proteção Ambiental.

O histórico do Direito Ambiental revela um lento caminhar entre uma fase inicial utilitarista e o início da formação de uma visão prospectiva. Danos irreversíveis, de passivos irreversíveis foram levados a cabo, sem trégua, ao longo de todo o desenrolar desse histórico. E mesmo hodiernamente, não temos ainda a estrutura mental e cultural suficiente para sustentar a proteção ambiental ou um desenvolvimento harmônico com essa proteção e com qualidade de vida.

No corpo desse trabalho fez-se referências à situações de uma profundidade de gravame que, na realidade da análise, não pode ser estimada – Cubatão, em 1980; e Paracatu, em 2011, plena fase de visão prospectiva de Direito Ambiental. A situação da hidrelétrica de Belo Monte é outro tema da mesma conjuntura, com coincidência de época, e de interesses. Interesses muito específicos, um intento que se for concretizado atenderá a vontade de um grupo reduzido, em detrimento do bem comum, conforme as estimativas feitas até o momento, e como noticiam os profissionais da área.

A corrida pelo capital submeteu a comunidade global a uma

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insensatez hipnótica, numa marcha frenética e intensa que atende a interesses muito específicos, interesses esses que são o cerne de acontecimentos como os referidos no parágrafo anterior. Essa é a marcha da insensatez, que trava a sensibilidade, impede a dignidade, fere as leis do país, fere a Carta Maior, e continua, sempre, e de muitas formas, se prolongando. É necessário repensar estratégias, repensar o modelo educacional, repensar o estilo de vida, é necessário simplificar. Está nítido que o capital não pode arcar com os problemas que causa, por isso é um sistema suicida. Seres humanos conscientes podem alterar esse quadro. “É necessário uma comunidade inteira para educar uma criança” (provérbio nigeriano).

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Fiorillo, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10 ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

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Milaré, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco: Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 6ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

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A Natureza Envenenada e a Alternativa possível. Disponível em: http://www.mercadoetico. terra.com.br/arquivo/a-natureza-envenenada-e-a-

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ANEXO A

A CARTA DO CACIQUE SEATTLE, EM 1855

Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta:

"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia

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é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os

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animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pofilhos da terra.

Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.

Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos.

Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e

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praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum." (Culturabrasil, 2011).

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ANEXO B – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE PARACATU, ESTADO DE MINAS GERAIS.

A humanidade está numa encruzilhada: deve decidir se quer continuar a viver neste planeta ou se aceita caminhar ao encontro do pior. (...) Ou damos espaço a um novo paradigma civilizatório que nos poderá salvar ou enfrentaremos a escuridão.

(Leonardo Boff, Jornal do Brasil, 22/03/2002)Faço e ninguém me responde esta perguntinha à-toa: como

pode o peixe vivo morrer dentro da Lagoa?(Carlos Drummond de Andrade, 1973)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO POR DANO AMBIENTAL E À SAÚDE PÚBLICA

DECORRENTE DE CARGA CONTÍNUA SOBRE O MEIO AMBIENTE COM PEDIDO DE CAUTELA LIMINAR

Não existe tratamento eficiente para a intoxicação crônica por arsênio!!! A única alternativa eficiente é a inativação da fonte poluidora

da água, alimentos e atmosfera.

A tutela jurídica preventiva é a mais genuína forma de proteção jurídica no contexto do Estado Democrático de Direito. Ela decorre do princípio da prevenção geral como diretriz inserida no princípio democrático (art. 1º da CF/88).

Por intermédio da tutela jurídica preventiva poderá, entre outras alternativas, ser atacado diretamente o ilícito, evitando-se a sua prática, continuidade ou repetição. Com isto, evita-se o dano que é objeto da tutela jurídica repressiva, no caso, a ressarcitória.

Ocorre que muitos danos, especialmente os de dimensão

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coletiva (aqueles que afetam o ambiente, a saúde do consumidor, a criança e o adolescente, o idoso, a saúde pública etc.) não são possíveis de reparação in natura. Portanto, só restaria nesses casos uma tutela repressiva do tipo compensatória ou do tipo punitiva, que é espécie de tutela jurídica apequenada que não responde ao direito a uma tutela jurídica genuinamente adequada, na sua condição de garantia fundamental do Estado Democrático de Direito (arts. 1º, 3º e 5º, XXXV da CF/88).

Esse impõe atuação preventiva, na defesa do Direito Coletivo, de todos os operadores, evitando-se, sempre que possível, a consumação de danos em grande parte irreparáveis in natura. (Grifei)

DIREITO MATERIAL COLETIVO – Superação da Summa Divisio. Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio constitucionalizada. GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA – Mestre e Doutor PUC/SP – DelRey Edit., Belo Horizonte, 2008. p.458/459.

1 AUTORA

FUNDAÇÃO ACANGAÚ PARA CONSERVAÇÃO E USO SUSTENTADO DE ECOSSISTEMAS NATURAIS, com sede na Reserva do Acangaú, Zona Rural, Caixa Postal 123, Paracatu, Minas Gerais, inscrita no CNPJ sob o nº 65.144.412/0001-40, representada por seu Presidente SÉRGIO ULHOA DANI, qualificado no instrumento público de mandato do Tabelionato do 1º Ofício de Notas de Paracatu, representada por HEITOR CAMPOS BOTELHO, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/MG sob o nº 784-A, com escritório na Rua Manoel Caetano, 251, nesta cidade.

2 RÉS

1) RIO PARACATU MINERAÇÃO S.A. – RPM / KINROSS

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GOLD CORPORATION, Unidade de Paracatu, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 20.346.524/0001-46, com sede na Mina Morro do Ouro, Estrada do Machado, sem número, neste município de Paracatu – MG, representada pelo Diretor-Geral ou quem por ela responder neste município de Paracatu – MG;

2) MUNICÍPIO DE PARACATU, pessoa jurídica de direito público interno, com sede à Av. Olegário Maciel, 166, Centro, Paracatu – MG, representada pelo prefeito municipal, VASCO PRAÇA FILHO;

3 INTERVENIENTE NECESSÁRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, representado pela Promotoria de Justiça da Comarca de Paracatu, com sede à Av. Olegário Maciel, 193, Centro, Paracatu – MG.

4 LEGITIMIDADE ATIVA

Em atendimento às exigências contidas na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985, artigo 5º, inciso V, letras “a” e “b”) ocorre no presente caso a pertinência temática para efeito de legitimidade ativa da autora, o que significa que há nexo material entre os fins institucionais por ela defendidos e a tutela pretendida nesta ação1.

Doutrinariamente, temos a lição de Pedro da Silva Dinamarco2 asseverando que a pertinência temática consiste na

1 É o "vínculo de afinidade temática entre o legitimado e o objeto litigioso". DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Volume 4. 1.ed. Salvador: Editora Podivm, 2007, p.212.

2 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Público. São Paulo: Editora SRS, 2008, p.244.

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"proteção específica daquele bem que é objeto da ação civil pública ajuizada pela associação, ou com ela compatível". Nas palavras de Motauri Ciocchetti de Souza3, tal pertinência representa a "harmonização entre as finalidades institucionais das associações civis ou órgãos públicos legitimados e o objeto a ser tutelado na ação civil pública".

No direito brasileiro, é exigido somente o nexo entre a finalidade ou os objetivos institucionais da entidade que posiciona-se no polo ativo e o objeto da demanda, como uma forma de limitar o elenco de legitimados ativos, tendo em vista que a tutela coletiva representava, quando de sua criação no Brasil, uma quebra de paradigmas, ou para tentar adequar a legitimidade da tutela coletiva ao conceito geral de legitimidade ad causam do Processo Civil tradicional, como uma espécie de adaptação do novo às regras gerais previstas nos artigos 6° do Código de Processo Civil4 e 76 do Código Civil de 19165.

Atualmente, a doutrina e a jurisprudência, já livres dos grilhões desse ideal de pureza, têm flexibilizado a análise deste requisito de admissibilidade da legitimidade ativa, em contemplação aos princípios da máxima efetividade dos direitos individuais e coletivos e ao direito ao amplo acesso à Justiça.

Assim sendo, a autora, conforme estatuto acostado, preenche os requisitos legais para figurar no polo ativo da presente demanda. [DOC 01 e 02]

5 LEGITIMIDADE PASSIVA

3 SOUZA, Motauri Ciocchetti. Ação Civil Pública e Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p.46.

4 Artigo 6°. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

5 Artigo 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.

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5.1 DO MUNICÍPIO DE PARACATU

Além do imperativo constitucional inserto nos artigos 23, incisos VI, VII e IX, e 225, §§ 1º a 3º da Carta Magna, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981, artigo 14, § 1º) consagra como um de seus objetivos a imposição de obrigação ao poluidor e ao predador, “independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

No mesmo sentido, referida lei preconiza que as pessoas jurídicas de direito público interno, podem ser responsabilizadas pelas lesões que, por ação ou omissão, causarem ao meio ambiente (artigo 3º, inciso IV), confirmando a primariedade do consagrado Poder de Polícia Administrativa que possui (CTN, Lei nº 5.172/1966, artigo 78).

De fato, não é só como agente poluidor que o ente público se expõe ao controle do Poder Judiciário, mas também quando se omite no dever constitucional de proteger o meio ambiente (ex vi a inércia da municipalidade quanto à instalação de sistemas e processos produtivos altamente poluidores).

As pessoas que moram na região – e não só nas proximidades da área explorada pela mineradora – estão correndo risco de morte, pois a potencialidade lesiva do rejeito químico produzido – ARSÊNIO – é altamente tóxico e letal.

A legislação brasileira vigente responsabiliza, de forma objetiva, penal e administrativamente, o poluidor, independentemente de culpa, obrigando-o, ainda, a reparar os danos causados.

No que concerne à responsabilidade da Administração por danos ao meio ambiente, esta poderá ocorrer por ação, omissão, por fato de outrem, bem como daquela decorrente do poder de polícia administrativa – ou de sua ineficácia – tudo em razão do

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livre arbítrio concedido pelo poder discricionário exercido Poder Público, o que o torna capaz para figurar no polo passivo da presente ação. [DOC 03]

5.2 DA RIO PARACATU MINERAÇÃO S.A. RPM / KINROSS GOLD CORPORATION

Considerando os esclarecimentos constantes nos artigos 170, incisos III e VI, e 225, §§ 2º e 3º da Carta Magna, e já citada Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (artigo 14, § 1º), como bem observado quando da análise da legitimidade passiva do Município de Paracatu, temos que a Lei nº 7.805/89, em seu artigo 19, prevê, ainda, que “o titular de autorização de pesquisa, de permissão de lavra garimpeira, de concessão de lavra, de licenciamento ou de manifesto de mina responde pelos danos causados ao meio ambiente”, ao passo que em seus artigos 18 e 20 também salienta a possibilidade de suspensão temporária ou definitiva das atividades de lavra em razão de danos ambientais causados, bem como a necessidade de se prever solução técnica adequada – aprovada pelo órgão ambiental competente – quando se tratar de beneficiamento de minérios em lagos, rios e quaisquer correntes de água.

Importante demonstrar a seriedade com que a legislação infraconstitucional tratou a matéria, inclusive com previsão de responsabilidade civil objetiva.

Por ser uma atividade capaz de causar impacto de tal proporção no meio ambiente é que a legislação ambiental pátria condiciona o exercício da extração mineral ao preenchimento de tantos requisitos.

Ao comentar sobre a exploração mineral nas áreas de preservação permanente, Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra “Direito Ambiental Brasileiro”, p. 640, 11ª Edição, ensina que:

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O exercício de algumas atividades de mineração – como a extração de areia ou a exploração de jazida em encostas – poderá configurar atentado à vegetação de preservação permanente. Os abusos têm-se multiplicado por excessiva tolerância da Administração Pública, com conseqüências gravosas para os cursos d'água, que se vêem assoreados, e para os mananciais, que são afetados na quantidade e na qualidade. Cumpre salientar que acerca da vegetação de preservação permanente, máxime quando há induvidosa mensuração, no art. 2º da Lei 4.771/65, não cabe outra decisão ao Departamento Nacional da Produção Mineral-DNPM, ao IBAMA e aos órgãos ambientais estaduais a não ser cumprir as normas, sem nenhuma margem de discricionariedade. (Grifo nosso)

Ademais, será cabalmente demonstrado que a empresa ré – totalmente controlada pela multinacional KINROSS GOLD CORPORATION, sediada em Toronto, CANADÁ, também com atuação nos Estados Unidos, Chile, Equador e Rússia – promove a alteração adversa das características do meio ambiente, degradando a qualidade ambiental pelo resultado de atividades que direta ou indiretamente têm a potencialidade de prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população, ou criar condições adversas às atividades sociais e econômicas desta. [DOC 04]

6 DOS BENEFICIÁRIOS

Os beneficiários da presente ação civil pública ambiental, a princípio, são todas as pessoas detentoras do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida (CF, artigo 225, caput), merecedoras da defesa coletiva de seus direitos difusos (Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, artigo 81, inciso I), enquanto pessoas indeterminadas, porém, ligadas pela mesma circunstância de fato, como adiante será demonstrado. [DOC 05]

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A palavra saúde também deve ser compreendida de forma abrangente, não se referindo somente à ausência de doenças, mas sim ao completo bem-estar físico, mental e social de um indivíduo. Nesse sentido, é a orientação que se extrai da disposição contida no artigo 3º da Lei nº 8.080/90, onde se consigna que 'a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente , o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais' (grifo nosso).

Assim o termo 'saúde' engloba uma série condições que devem estar apropriadas para o bem estar completo do ser humano, incluindo o meio ambiente equilibrado. (Grifo nosso)

A relação entre meio ambiente e saúde e a importância dos princípios da prevenção e da precaução (02/2005). Paulo Roberto Cunha, Advogado e especialista em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6484>. Acessado em: 05 Ago. 2009.

7 DO FATO

A mineração de ouro a céu aberto nos limites urbanos da cidade de Paracatu é fato público, notório, visível a olho nu. [DOC 06 e 07]

A expansão da mina, denominada III Etapa de Expansão também é fato público e notório, amplamente divulgado na mídia local e debatido pela sociedade, inclusive em audiências públicas.

A construção de uma nova barragem de rejeitos é fato anunciado e em processo de licenciamento pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), com julgamento previsto para o próximo dia 20 de agosto de 2009.

A barragem será construída a montante dos cursos d'água

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localizados no complexo hídrico da Serra da Anta, expondo o meio-ambiente aos riscos inerentes de um depósito de ARSÊNIO (vulgarmente conhecido como arsênico), veneno tão poderoso que um grama (1 g) é suficiente para matar sete pessoas adultas.

No mais recente “relatório único” da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Noroeste (SUPRAMNOR)6, a palavra "arsênio" aparece escondida, citada apenas duas vezes no rol de diversos outros parâmetros secundários que serão "auto-monitorados" pela mineradora transnacional, ora ré na presente ação. [DOC 08]

O relatório não discute o milhão de toneladas de arsênio inorgânico que serão liberadas para o meio ambiente urbano de Paracatu e seu entorno, em decorrência da expansão da mineração, e especificamente despejadas no Vale do Machadinho, a verdadeira caixa d’água potável de milhares de paracatuenses.

Quem lê o relatório da SUPRAMNOR não pode sequer imaginar que exista um problema desse, como se 1 milhão de toneladas de ARSÊNIO não fossem um problema gigantesco. Na verdade, deve ser a maior quantidade de ARSÊNIO jamais liberada por uma mina de ouro no mundo, dentro de uma cidade de 90 mil habitantes. E o relatório estrategicamente, ou simplesmente, ou vergonhosamente, conseguiu esconder 1 milhão de toneladas de arsênio das pessoas que decidirão sobre sua aprovação ou rejeição, na reunião do COPAM do dia 20 de agosto de 2009, selando o destino de vida ou morte de milhares de pessoas.

Em certo ponto, o relatório afirma:Os critérios de projeto dependem da classificação da barragem

6 Protocolo nº 320065/2009 da SUPRAMNOR. Disponível em: <http://200.198.22.171/down.asp?x_caminho=reunioes/sistema/arquivos/material/&x_nome=ITEM_5.1_-_PU_-_Rio_P._Minera%E7%E3o_S.A.pdf> Acessado em: 10 ago. 2009. Cópia impressa acostada aos documentos anexos

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relativa às potenciais conseqüências incrementais de sua ruptura (potenciais perdas de vida e danos sócio-econômicos, financeiros e ambientais). De acordo com as Diretrizes da CDA, as barragens da Bacia do Eustáquio deveriam ser classificadas como tendo conseqüências de ruptura de “Alta” (algumas fatalidades, grandes danos) a “Muito Alta” (grande número de fatalidades, danos extremos). A integridade da barragem deve ser mantida sob todas as cargas esperadas, condições de percolação e outras condições como deformações e erosão (PCA, fl. 357). - sic. (Grifo nosso).

No restante do relatório, nada permite supor que critérios seriam adequados a tais riscos ou que critérios foram observados para efeito da execução dos projetos quando da instalação da nova barragem.

Porém, importante ressaltar que as diretrizes mencionadas no referido relatório referem-se as normas internacionais da Associação Canadense de Barragens (CDA) publicadas em 1999, mais restritivas que as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e compatíveis com os critérios de projetos de grandes barragens do Comitê Internacional de Grandes Barragens (ICOLD).

Impressionante mesmo são os próprios relatores da SUPRAMNOR reconhecerem que o "desmate causará a alteração e extinção de cursos d’água, modificando negativamente a qualidade ambiental local e alterando o microclima local e da cidade de Paracatu, com perda da biodiversidade." (Grifei). [DOC 08]

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8 DOS RISCOS

A autora é detentora de conhecimento e expertise suficientes para avaliar que a mineradora, como empresa que necessita repassar lucros para seus acionistas no estrangeiro, procurará a relação custo/benefício que melhor atenda aos propósitos comerciais.

Não existe clareza alguma no mencionado processo de licenciamento da famigerada barragem que permita à população exposta ao risco – em sua maioria composta de pessoas menos esclarecidas – conhecer da extensão dos perigos a que já está sujeita, sendo iminente a possibilidade de tais riscos se converterem em possibilidades concretas de danos ao meio ambiente e à saúde pública em proporções inimagináveis. Tampouco consta neste processo informações que permitam aos órgãos municipais locais se articularem na defesa dos recursos hídricos. [DOC 09 a 15]

A autora já pediu ao governo municipal providências em

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relação às doenças que podem ser causadas pelo ARSÊNIO e apresentou razões de verossimilhança com atividades mineradoras em outros países. [DOC 16]

A configuração de envenenamento crônico por ARSÊNIO é recorrente em várias partes do Brasil e do mundo.

Uma pesquisa realizada pelo engenheiro geólogo Ricardo Perobelli Borba revelou sinais de contaminação por arsênio no solo e na água utilizada por moradores do Quadrilátero Ferrífero, que abrange as cidades de Ouro Preto, Santa Bárbara, Nova Lima e outras cidades históricas, em Minas Gerais.

Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/novembro2002/unihoje_ju198pag10a.html> Acessado em: 30 jan. 2008.

Os casos de contaminação por arsênio na cidade mineira de Santa Bárbara serviram de exemplo na conferência. A professora mostrou fotos de pessoas portadoras de arsenicose. Ela expôs três graus da doença: melanose, queratose e queratose Maligna. “A queratose é muito comum dar nas palmas das mãos e nas solas dos pés”, explicou.Em seguida, a palestrante apresentou a distribuição mundial das áreas com problemas de arsênio. Bangladesh, Taiwan, Mongólia, Estados Unidos e Argentina são as áreas de maior quantidade de contaminação. De acordo com a professora, a arsenopirita, a realgar e a enargita são fontes naturais da substância. A liberação do arsênio no meio ambiente pode ocorrer através da intervenção do homem ou de forma natural.

Disponível em:

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<http://www.unicap.br/assecom/boletim/boletim2006/maio/ultimasnoticias/boletim_19.05.2006.htm > Acessado em: 30 jan. 2008.

Da análise dos documentos acostados à presente peça exordial, temos que os danos ambientais já causados, bem como os riscos de contaminação por ARSÊNIO e suas graves consequências para população imediata e mediata, são de inteiro conhecimento tanto da parte causadora – RPM/KINROSS – quanto da que arcará – Município de Paracatu – com o suporte às mazelas sociais geradas pela primeira.

8.1 Quando, como e por que o arsênio acumula no organismo e causa doenças e morte

O ARSÊNIO é um elemento tóxico semelhante a metal presente em algumas rochas da crosta terrestre. Em função das intempéries naturais ou de algumas atividades humanas sobre essas rochas, como a mineração, o arsênio se desprende para diversos compartimentos ambientais.

O metabolismo de alguns seres vivos é capaz de absorver e transformar as formas inorgânicas tóxicas do ARSÊNIO em compostos orgânicos, menos tóxicos. Algumas espécies de plantas e animais acumulam mais ARSÊNIO que outras. Abelhas são muito sensíveis ao arsênio. Elas podem acumular quantidades muito maiores de arsênio que outros insetos. Certos microorganismos, como fungos (p.ex., Penicillium brevicaule) e bactérias presentes em plantas e no solo podem reduzir o ARSÊNIO a uma forma ALTAMENTE TÓXICA, a trimetilarsina.

O ARSÊNIO tende a ser levado dos continentes para o mar, onde boa parte é transformada em arsênio orgânico, num processo que dura centenas, milhares ou milhões de anos e tende a dispersar o elemento. Concentrações anormais de ARSÊNIO livre

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no ambiente denotam a liberação de ARSÊNIO NOVO por uma fonte ativa: atividades geológicas naturais localizadas, como vulcanismo e fontes hidrotermais, e atividades humanas , como a MINERAÇÃO.

8.2 A mineração de rocha dura libera ARSÊNIO novo para o ambiente

A principal fonte de liberação de ARSÊNIO novo para o ambiente é a mineração de rocha dura, e especialmente a mineração de ouro, porque o ouro ocorre na natureza juntamente com o arsênio. As fontes de liberação de ARSÊNIO para a biosfera associadas à mineração de OURO incluem:

Solos e rochas não aproveitadas;Água residual de locais com concentração de minério;Oxidação de alguns tipos de minérios de ouro para a

remoção de enxofre e óxidos de enxofre; eA lixiviação aumentada por bactérias.As concentrações de ARSÊNIO nas proximidades das

operações de mineração de ouro estão elevadas em materiais abióticos e na biota.

Mineradores e crianças em idade escolar nas vizinhanças das atividades de mineração de ouro apresentam níveis elevados de arsênio na urina. Nas populações analisadas, cerca de 20% das pessoas apresentaram concentrações elevadas de arsênio na urina associadas aos efeitos adversos futuros, como foi constatado em uma revisão feita em 2004 por RONALD Eisler7, sob a forma de uma variedade de problemas de saúde, incluindo excesso de

7 Eisler, R. 2004. Arsenic hazards to humans, plants, and animals from gold mining. Reviews in Environmental Contamination and Toxicology. 180:133-65. Disponível em:

<https://www.researchgate.net/publication/9049510_Arsenic_hazards_to_humans_plants_and_animals_from_gold_mining>.

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mortalidade por câncer de pulmão, estômago e trato respiratório.Dispensável qualquer especialidade médica para concluir

que quanto maior a quantidade de arsênio e chumbo no ambiente, maior é a absorção desses elementos e maiores são os efeitos danosos à saúde (ver CHIANG e cols., 2008)8. Ainda assim, em 2003, o pesquisador YÁÑEZ9 e seus colaboradores demonstraram mais um prejuízo às futuras gerações: encontraram uma frequência de dano ao DNA aumentada em crianças que vivem em locais onde as concentrações de ARSÊNIO e chumbo estão aumentadas na camada superficial dos solos e na poeira doméstica . 10 - 11

Critérios para a proteção da saúde humana e dos recursos naturais contra o arsênio foram listados e discutidos no trabalho de RONALD EISLER (2004). MUITOS DESSES CRITÉRIOS NÃO PROTEGEM ADEQUADAMENTE AS ESPÉCIES SENSÍVEIS DE PLANTAS E ANIMAIS E, POR ÓBVIO, TAMPOUCO A ESPÉCIE HUMANA!!!

8 Chiang WF, Yang HJ, Lung SC, Huang S, Chiu CY, Liu IL, Tsai CL, Kuo CY. 2008. A comparison of elementary schoolchildren's exposure to arsenic and lead. Journal of Environmental Science and Health C Environmental Carcinogenesis and Ecotoxicological Reviews. 26(3):237-55. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18781537?log$=activity>.

9 Yáñez L, García-Nieto E, Rojas E, Carrizales L, Mejía J, Calderón J, Razo I, Díaz-Barriga F. 2003. DNA damage in blood cells from children exposed to arsenic and lead in a mining area. Environmental Research 93(3):231-40. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14615232>.

10. Raie, RM. 1996. Regional variation in As, Cu, HG, and Se and interactionbetween them. Ecotoxicology and Environmental Safety 35:248-252. 11. Marafante E, Bertolero F, Edel J, Pietra R & Sabbioni E. 1982.Intracellular interaction and biotransformation of arsenite in rats andrabbits. Science of the Total Environment 24:27-39.

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8.3 Efeitos imediatos e a longo prazo da exposição ao ARSÊNIO

As formas inorgânicas do ARSÊNIO, como o trióxido de arsênio, são venenos clássicos para plantas, animais e para o ser humano. Em dose alta, ARSÊNIO mata imediatamente como um agente neurotóxico; em doses baixas por longos períodos, mata como um agente cancerígeno.

Arsênio é um elemento pouco usual, no sentido de que existem dados epidemiológicos humanos de qualidade científica aceitável para a avaliação dos riscos à saúde associados à exposição de longo prazo ao arsênio, o qual tem uma relação causal com os riscos aumentados de câncer de pele, pulmão, bexiga e rins, bem como outras alterações da pele, como hiperceratose e alterações da pigmentação. Esses efeitos têm sido claramente demonstrados em um número de estudos epidemiológicos de diferentes desenhos. Altos riscos e relações de exposição-dose têm sido observados para cada um desses pontos terminais. [WHO, 200112]

Um grama (1g) de ARSÊNIO inorgânico NÃO TEM CHEIRO NEM GOSTO e pode matar rapidamente até 10 pessoas. Após um período de adaptação, alguns seres humanos adultos saudáveis podem tolerar até 0,5 g de arsênio/dia, por algum tempo. Entretanto, a adaptação e a tolerância não são completas nem duradouras. Elas são funções da constituição genética, do estado fisiológico e do estado nutricional, envolvendo fatores ambientais como, por exemplo, a disponibilidade de selênio em quantidade adequada no ambiente e na dieta.

Organismos mal-nutridos utilizam mais o ARSÊNIO que organismos sadios, e de uma forma diferente. Uma das reações do corpo humano ao arsênio é o aumento da produção das células

12 WHO, 2001. United Nations Synthesis Report on Arsenic in Drinking-Water. Disponível em:

<http://www.who.int/water_sanitation_health/dwq/arsenic3/en/>.

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sanguíneas. A longo prazo, entretanto, a adaptação e a aparente tolerância ao ARSÊNIO podem acarretar em surgimento de câncer, doenças vasculares e diabetes, entre outras doenças.

8.1.3 – Absorção, metabolismo, eliminação e acumulação de ARSÊNIO no organismo

As vias oral e respiratória respondem por 90% da absorção de ARSÊNIO. A absorção pela pele também pode ocorrer. As taxas de absorção variam de 25 a 40% para o trato respiratório e até a 80% para o trato digestivo. Essas taxas podem sofrer variações sob influência de fatores como a idade do indivíduo e a composição mineral dos alimentos e da atmosfera.

Uma vez absorvido, o ARSÊNIO distribui-se rapidamente por todos os tecidos do corpo onde pode ser metabolizado em graus variáveis e é eliminado principalmente pelos rins. Um relatório da FAO/WHO estabelece PROVISORIAMENTE como tolerável uma quantidade máxima absorvida de ARSÊNIO inorgânico de 0,002 mg/kg de peso corporal/dia. Entretanto, como o ARSÊNIO é uma SUBSTÂNCIA CANCERÍGENA, não se pode falar em dose segura de exposição a este veneno!!!

Mesmo expostas a doses consideradas toleráveis, durante longos períodos, pessoas saudáveis e especialmente pessoas com função renal comprometida ou idosos (que geralmente manifestam algum grau de comprometimento da função renal) acumulam ARSÊNIO em quantidades tóxicas.

O acúmulo de ARSÊNIO acontece mesmo em pessoas saudáveis, em decorrência de exposições crônicas a doses consideradas baixas, normais ou toleráveis, sem que as pessoas apresentem sinais clínicos de intoxicação, e pode ser agravado por diversas condições fisiológicas, patológicas e ambientais.

Cada órgão tem um valor diferente de saturação, que se reflete em padrões variáveis de acúmulo. As MAIORES

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CONCENTRAÇÕES do elemento podem ser encontradas nos OSSOS, PULMÃO e PELE.

Foto 1: Criança de Paracatu - MG apresentando sinais de contamição por ARSÊNIO com alterações de pele.

Foto 2: A mesma criança da Foto 1, indicando os efeitos do ARSÊNIO na pele, principalmente nos membros superiores e

inferiores.

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Estudos científicos realizados em humanos e animais comprovam que o ARSÊNIO se acumula no organismo com o passar do tempo (Figura 1).

Figura 1. Gráfico do acúmulo de arsênio no corpo humano durante a vida. Esse gráfico foi elaborado a partir das concentrações médias obtidas por Raie (1996) em material de autópsia de pacientes de Glasgow sem sinal clínico de arsenicose, que morreram por causas externas, como acidentes. Observe que mesmo nessas condições de acumulação sub-clínica, a quantidade acumulada encontra-se acima do valor provisoriamente considerado tolerável pela WHO (i.e. = 0,002 mg/kg). O aspecto do gráfico é compatível com o modelo experimental animal de Marafante e colaboradores (1982).

Como já salientado, quanto maior a duração e a intensidade da exposição ao ARSÊNIO, maiores serão os efeitos danosos à saúde humana ao longo prazo, como câncer, doenças cardiovasculares e diabetes, doenças de pele etc.

A partir dos dados disponíveis na literatura científica mundial, foi possível construir o gráfico da Figura 2, que ilustra um modelo de acúmulo de arsênio em uma população cronicamente exposta a doses crescentes de arsênio.

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Figura 2. Gráfico ilustrativo do modelo de acúmulo de arsênio em uma população cronicamente exposta a doses crescentes do metalóide tóxico. As curvas A-D correspondem às curvas teóricas de acúmulo após exposição crônica às seguintes doses crescentes de arsênio (em microgramas/dia): A, 12 ug/dia; B, 15 ug/dia; C, 20 ug/dia; D, 38 ug/dia. Observe o padrão exponencial de acúmulo, i.e., pequenos acréscimos na dose diária causam grandes aumentos na concentração corporal de arsênio, e consequentemente o deslocamento da curva de acúmulo para cima. As curvas B-D não se verificariam na realidade de uma população cronicamente exposta, porque a maioria dos pacientes morreria quando o acúmulo de arsênio alcançasse a dose letal.

Foto 3: As imagens acima e ao lado mostram cidadãos de Bangladesh com graves ferimentos, decorrentes da intoxicação por Arsênio, que por

sua vez gerou o aparecimento de diversos tipos de neoplasias (cânceres) naquela região.

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Foto 4: Imagens oriundas do artigo "A Geologia Médica do Arsênio – Parte II: O Caso de Bangladesh", disponível em: <http://rascunho-

geo.blogspot.com/2009/05/artigo-geologia-medica-do-arsenio-parte_22.html>.

Para um homem de 70kg a do letal seria alcançada a partir da curva A (exposição crônica a 12 ug/dia, resultando em uma concentração de ARSÊNIO de até 1 mg/kg de peso corporal), dependendo da capacidade de tolerância individual ao arsênio.

Além da dose diária, a capacidade de tolerância individual e a mortalidade decorrentes da exposição crônica ao ARSÊNIO são determinantes do tipo de curva de acumulação verificado na realidade. Os dados usados para construir este modelo foram obtidos da literatura já mencionada em notas de rodapé acima.

CONCLUSÕES:

Altas concentrações de ARSÊNIO livre no ambiente são claramente decorrentes de atividades humanas, como a mineração;

O ARSÊNIO é absorvido principalmente por via oral (água, alimentos, objetos contaminados) e respiratória (poeira, gases);

ARSÊNIO é veneno tanto em doses altas quanto em doses baixas. Em doses altas, a morte é imediata; em doses baixas o arsênio causa câncer e outras doenças ao longo prazo. Como o ARSÊNIO é uma substância cancerígena, não existe dose segura para

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exposição ao arsênio;

Mesmo em doses consideradas toleráveis e durante exposição crônica ao arsênio na água, alimentos e atmosfera, o ARSÊNIO se acumula no organismo humano saudável, causando ou agravando efeitos danosos à saúde;

Mesmo quando as populações expostas cronicamente ao ARSÊNIO não apresentam nenhum sinal clínico de intoxicação, ainda assim elas estão sujeitas ao risco de desenvolver câncer relacionado ao ARSÊNIO. Por isso, elas necessitam de acompanhamento prolongado.

8.4 DAS PROVIDÊNCIAS EM RELAÇÃO AOS RISCOS

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Diante do potencial lesivo de uma nova barragem de rejeitos tóxicos capaz de, nos prováveis trinta anos de operação, acumular ARSÊNIO suficiente para matar toda a população humana do Planeta Terra, sobra para as potenciais vítimas desse genocídio, em tese não levado em conta pelas autoridades, prevenir-se para fugir diante de perigo concreto de dano caracterizado pelo aumento da presença de tóxicos nos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, solo, fauna e flora, na área de influência da bacia de acumulação e ventos dominantes. [DOC 06 e 10]

9 DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

Como ensina o doutrinador Édis MIRALÉ13, o princípio da prevenção se caracteriza pela "prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar sua

13MIRALÉ, Edis. Princípios Fundamentais do Direito do Ambiente. Revista dos Tribunais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, outubro de 1998,

nº 756.

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qualidade." (Grifei).

Já consta exposto na presente inicial que a Constituição Federal obriga todo e qualquer empreendedor a proteger o meio ambiente no curso de sua atividade econômica – e até mesmo depois de encerrada, razão pela qual se conclui que o princípio da prevenção impõe o equilíbrio entre o desenvolvimento sócio-econômico e a preservação ambiental, para salvaguarda aos interesses difusos da população direta e indiretamente envolvida.

Sustentando-se em tal princípio, é possível permitir a instalação de uma determinada atividade ou empreendimento ao passo que se impede que ele cause danos futuros, isto por meio de medidas mitigadoras ou de caráter preventivo a que estará obrigada, no presente caso, a mineradora ré.

Ninguém prefere o dano à sua prevenção; negar o direito à prevenção do dano é admitir que o cidadão é obrigado a suportar o dano, tendo apenas direito à indenização. Ou o que é pior, é criar um sistema de tutelas onde impera a 'monetização' dos direitos, incompatível, como é óbvio, com os direitos com conteúdo não patrimonial. O artigo 5o, XXXV, da Constituição da República, garante o direito à tutela inibitória, pois o direito de acesso à justiça tem como corolário o direito à adequada tutela jurisdicional, e esse, por sua vez, o direito à tutela preventiva, direito ineliminável em um ordenamento jurídico que pretenda tutelar de forma efetiva os direitos.

Revista de Direito Processual Civil, edição n. 2. Curitiba: Genesis Editora, 1996.

10 DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

O princípio da prevenção tem aplicação contra os riscos já conhecidos, seja porque já experimentados, seja porque existem técnicas capazes de prever a sua provável ocorrência.

Diferencia-se do princípio da precaução, na medida em que esse tem como finalidade evitar um risco desconhecido, ou pelo menos incerto, eis que a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva

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sobre os danos que podem resultar da atividade ou empreendimento potencialmente poluidor. [DOC 18]

Em que pese a recente preocupação no país com a aplicação do princípio da precaução, pode-se dizer que a Alemanha aborda o referido princípio desde 1970, na Declaração de Wingspread, juntamente com o princípio da cooperação e do poluidor-pagador. Assim, o doutrinador alemão Kloespfer afirma que "a política ambiental não se esgota na defesa contra ameaçadores perigos e na correção de danos existentes. Uma política ambiental preventiva reclama que as bases naturais sejam protegidas e utilizadas com cuidado, parciosamente." (apud DERANI, 1997, p. 165).

A Declaração de Wingspread aborda o Princípio da Precaução da seguinte maneira: "Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidos cientificamente." (www.fgaia.org.br/texts/t-precau.html, tradução de Lúcia A. Melin). (Grifo nosso)

No direito positivo brasileiro, o princípio da precaução tem seu fundamento na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/1981), mais precisamente no artigo 4, I e IV, da referida lei, que expressa a necessidade de haver um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a utilização, de forma racional, dos recursos naturais, inserindo também a avaliação do impacto ambiental.

Salienta-se, que o referido princípio foi expressamente incorporado em nosso ordenamento jurídico, no artigo 225, § 1o, V, da Constituição Federal, e também através da Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/1998, art. 54, § 3o). (Grifei)

O princípio da precaução no Direito Ambiental - Elaborado em 07.2004. Silvana Brendler Colombo - Advogada, especialista em direito ambiental e mestranda em direito pela UCS-Universidade de Caxias do Sul. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=5879 >. Acessado em: 04 ago. 2009.

[DOC 19]

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11 DOS FUNDAMENTOS DO PEDIDO

A matéria invocada está inserta na ordem dos direitos coletivos e individuais a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como posto na Constituição, já abundantemente citada.

A Constituição também obriga os particulares na efetivação de tais garantias, quando os notifica para cumprimento da função social da propriedade e do respeito ao meio ambiente.

Desta sorte, tanto o poder público tem direito a informações claras e precisas que permitam administrar as questões socioambientais, com ênfase na saúde ambiental, como os particulares e a coletividade tem o direito de terem acesso a tais informações e as interpretarem conforme seus sentimentos ou esclarecimentos que os gestores lhes derem.

Antidemocrático, anticidadania e iníquo é admitir o automonitoramento sem que haja divulgação pública de potencial lesivo também de alcance público, e sem que a administração pública alcance as informações que lhe servem para planejamento, gestão, prevenção e precaução.

12 DO ÔNUS DA PROVA

Pelo princípio constitucional da prevenção, norteador de todo o Direito Ambiental, que se fundamenta nas características de irreversibilidade e de difícil quantificação e reparação dos danos ambientais, que pode ser expressa na velha máxima de que “prevenir é melhor do que remediar”, não se deve autorizar um empreendimento – ou parte dele – sem que se tenha certeza absoluta da não ocorrência de degradação ambiental.

Em virtude da natureza difusa do interesse ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a supremacia do interesse público sobre o particular condiciona que a busca da certeza da não ocorrência dos danos

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recaia sobre o empreendedor e não sobre a coletividade, isto é, ocorre à inversão do ônus da prova, devendo as rés suportarem tal incumbência a fim de provar a não ocorrência de possíveis danos ou irregularidades aqui apontadas.

Neste contexto, a única conclusão coerente é a de que a Constituição Federal, diante das exigências sociais vigentes, terminou impondo a responsabilidade objetiva ao agente causador do dano ambiental, com a necessária inversão do ônus da prova para o lado do poluidor/degradador, já que a opção pela responsabilidade subjetiva tornaria impraticável a perseguição da reparação na generalidade dos casos, representando o esvaziamento do conteúdo normativo do dispositivo constitucional citado.

13 DO PEDIDO PRINCIPAL PARA O FAZER E O NÃO-FAZER

Para que o direito fundamental ao meio ambiente e as normas que lhe conferem proteção possam ser efetivamente respeitados, é necessário uma ação que i) ordene um não-fazer ao particular para impedir a violação da norma de proteção e o direito fundamental ambiental; ii) ordene um fazer ao particular quando a norma de proteção lhe exige uma conduta positiva; iii) ordene um fazer ao Poder Público quando a norma de proteção dirigida contra o particular requer uma ação concreta; iv) ordene um fazer ao Poder Público para que a prestação que lhe foi imposta pela norma seja cumprida; v) ordene ao particular um não-fazer quando o licenciamento contraria o estudo de impacto ambiental sem a devida fundamentação, ressentindo-se de vício de desvio de poder; viii) ordene ao particular um não-fazer quando o licenciamento se fundou em estudo de impacto ambiental incompleto, contraditório ou ancorado em informações ou fatos falsos ou inadequadamente explicitados. (Grifei)

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Princípio da prevenção - Elaborado em 01.2007. - Carlos Fernando Silva Ramos - juiz de Direito substituto do Estado do Amapá, mestrando em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9574>. Acessado em: 04 ago. 2009.

13.1 Município de Paracatu

13.1.1 Obrigações de fazer

13.1.1.1 Elaborar no prazo de 60 (sessenta) dias o plano de gestão específica dos recursos hídricos e atividades minerárias referentes à ré RIO PARACATU MINERAÇÃO S.A. - RPM / KINROSS GOLD CORPORATION em relação à nova barragem;

13.1.1.2 Estender o plano de gestão específica citado no item anterior à totalidade da planta de processamento, tanques específicos, água efluente e rejeitos, principalmente em relação à dispersão da poeira fugitiva, gases e águas superficiais e subterrâneas da área da mineração sobre a área urbana e áreas de produção agropecuária;

13.1.1.3 Promover o estudo epidemiológico clínico-laboratorial e atuarial da população de Paracatu em relação ao envenenamento crônico por ARSÊNIO e outras substâncias e suas consequências para a saúde pública como câncer e outras doenças, conforme documento anexado [DOC 12, 16, 18];

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13.1.1.4 Manter ativa a gestão específica e acompanhamento epidemiológico enquanto durarem as atividades de mineração e mais após o fechamento da mina, de forma constante e por prazo indeterminado, devendo fazer dotações orçamentárias para garantir a permanência dos programas de vigilância e monitoramento contínuos;

13.1.1.5 Dar publicidade, através de mídia local, regional e da internet, do plano de gestão específica citado no item “a”, dos dados coletados ou fornecidos pela ré RIO PARACATU MINERAÇÃO S.A. - RPM / KINROSS GOLD CORPORATION, e dos resultados do estudo epidemiológico, para conhecimento da coletividade.

13.2 RIO PARACATU MINERAÇÃO S.A. / Kinross Gold Corporation

13.2.1 Obrigações de fazer

13.2.1.1 Realizar em conjunto com a Prefeitura Municipal de Paracatu, órgão executivo do Município de Paracatu, independentemente dos estudos ambientais já realizados – podendo estes serem aproveitados no que atenderem –, os levantamentos de cenários e índices de presença ou contaminação de recursos hídricos superficiais e subterrâneos, solo, flora e fauna, na área de influência da nova barragem de rejeitos e dos ventos dominantes;

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13.2.1.2 Manter os cenários e índices atualizados periodicamente, conforme os mais atualizados conhecimentos científicos e técnicos, inclusive mediante contratação de profissionais com competência científica e técnica reconhecida pelos pares, conforme comprovado por meio de currículo;

13.2.1.3 Publicar simultaneamente com as publicações da Prefeitura municipal, sua concordância ou discordância, fundamentadas;

13.2.1.4 Apresentar em Juízo, com cópia para a co-ré, todos os estudos que já estejam aprovados – ou vierem a ser aprovados – pelos órgãos competentes para licenciamento e fiscalização da operação da mina e barragens;

13.2.2 Obrigação de não fazer

13.2.2.1 Não iniciar qualquer obra da nova barragem (exceto sondagens e coletas de amostras), nem desfigurar o cenário, antes que os levantamentos exigidos estejam prontos e publicados.

14 DO PEDIDO DE CAUTELA LIMINAR

Considerando que a tutela efetiva da prevenção e da precaução tem dependência absoluta da configuração do cenário antes do início de qualquer obra, a concessão da CAUTELA LIMINAR é imprescindível para evitar maiores danos ao meio ambiente e à saúde da coletividade, conforme exaustivamente exposto na presente peça vestibular.

O artigo 12 da Lei nº 7.347/1985, que contempla um procedimento especial, estabelece que é permitido ao Juiz o poder de conceder, sem

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justificação prévia, MEDIDA LIMINAR, onde lhe é permitido ainda cominar multa para o descumprimento, cuja exigência, no entanto, fica condicionada ao trânsito em julgado da decisão final (§ 2º).

Trata-se de verdadeira medida antecipatória do provimento do mérito, tal qual nas liminares de procedimento especial, e não mera providência cautelar, perfeitamente possível, compatível e autorizada por lei, podendo ser concedida nos próprios autos da ação civil pública (cf. RTJ - JESP 113/312).

Para tanto, bastam a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, além da caracterização de possíveis danos irreparáveis ou de difícil reparação ao meio ambiente, às pessoas ou que mereçam a imediata ação do Poder Judiciário.

O fumus boni juris está materializado na prova demonstrada da ocorrência de deposição de ARSÊNIO no sistema de barragem existente, além de dispersão no ar pela própria movimentação do material durante seu beneficiamento, bem como na ausência de demonstração confiável de que a atividade exercida pelo empreendedor não causará malefícios à saúde da coletividade, tampouco danos irreparáveis ao meio ambiente. O que indica o nexo de causalidade com as possíveis lesões ambientais e à saúde pública, através da falta de adequada avaliação prévia e controle efetivo por parte da municipalidade.

Já o periculum in mora traduz-se no risco de se implantar a teoria do fato consumado, concernente no fato de que se aguardar o julgamento final da presente ação, a atividade mineradora terá tomado proporções incontroláveis, aumentando a degradação ambiental já constatada – e irreparável – em localidade onde se situa bacia hidrográfica altamente relevante não só para o abastecimento público dos munícipes paracatuenses, como para manutenção em condições de preservação de todo o ecossistema da região.

O perigo da demora em uma situação como esta equivale, nas palavras emprestadas do Promotor Jacson Correa14, a:

14 Revista de Direito Ambiental. n.1. Ed. Revista dos Tribunais. p.277.

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Além do respaldo à própria ilegalidade, a um verdadeiro estímulo à destruição da natureza, permitindo também que persistam as reiteradas agressões à saúde humana, provocando por si só a irreparabilidade do dano face a impossibilidade de mensurá-lo concreta suficientemente, uma vez que o meio ambiente sadio, e por conta disso toda a natureza representam um patrimônio que pertence a todos, indistintamente.

Portanto, além de cabível, a concessão da liminar mostra-se verdadeira medida de justiça social. Já sua denegação, de certo, representaria a submissão do interesse público ao interesse privado e a sujeição da dignidade humana ao poder econômico. Privilegiar-se-ia o Capital em face do ser humano e da vida, e suas futuras gerações, o que seria além de injurídico, também moralmente inconcebível.

Ademais, a defesa do meio ambiente é regida por princípios próprios, entre os quais encontra-se o princípio da precaução ou também denominado de princípio da cautela, da prudência, o qual exige, quando exista perigo grave ou irreversível ao meio ambiente, que não se imponha a certeza instrumental como meio de postergar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente. A certeza exigida pelo princípio da precaução dirige-se justamente para o lado oposto, isto é, para a afirmação da inexistência de prejuízo ao meio ambiente, a fim de que qualquer tipo de intervenção possa ser admitida.

Ensina Paulo de Bessa Antunes15 que o “princípio da prudência ou da cautela é aquele que determina que não se produzam intervenções no meio ambiente antes de ter a certeza de que estas não serão adversas”.

Desta feita, requer seja deferida liminar, sem oitiva das partes, impondo a ré RIO PARACATU MINERAÇÃO S.A. - RPM / KINROSS GOLD CORPORATION a obrigação de NÃO INICIAR QUALQUER OBRA (EXCETO SONDAGENS E COLETAS DE AMOSTRAS) DA NOVA BARRAGEM, NEM DESFIGURAR O CENÁRIO, ANTES QUE OS LEVANTAMENTOS ESTEJAM PRONTOS E PUBLICADOS, cominada a multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) diários em caso de

15 Direito Ambiental. Ed. Lumen Juris, 1996. p.25.

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descumprimento.

15 DOS PEDIDOS

A autora requer:

seja determinada à ré RIO PARACATU MINERAÇÃO S.A. - RPM / KINROSS GOLD CORPORATION o cumprimento do disposto no item 13.2.1.4 – entrega de documentos – no prazo de 15 (quinze) dias contados da data de recebimento desta inicial;

a notificação do Ministério Público Estadual para figurar como interveniente na presente ação;

o deferimento da liminar e expedição da ordem;a citação das rés para, querendo, contestarem a presente

ação;a nomeação de perito do juízo e admissão de assistentes

técnicos;a condenação das rés no pedido principal constante das

obrigações contidas no item 12;a cominação de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada

uma das rés, isoladamente, por dia de atraso quanto ao cumprimento, ou seja, por dia de inadimplemento, a qualquer tempo, das obrigações do pedido principal.

16 DO VALOR DA CAUSA

A saúde e a vida humana são de valor inestimável, mas é possível sugerir, com base em estudos16, um valor econômico médio de

16Estudos que estabelecem valores de referência da ordem de U$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil dólares) por pessoa, que,

multiplicado pelo valor médio atual da moeda norte americana (U$ 1,00 = R$ 1,80), equivale a R$ 4.140.000,00 (quatro milhões e cento e quarenta

mil reais) per capita:

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R$ 4.140.000,00 (quatro milhões e cento e quarenta mil reais) por pessoa afetada pelo risco sistêmico, sendo que para o caso em questão estima-se que o grupo de risco sistêmico comporte 9.000 pessoas, temos o cálculo de R$ 4.140.000,00 x 9.000 = R$ 37.260.000.000,00 (trinta e sete bilhões e duzentos e sessenta milhões de reais) para 10% (dez por cento) da população de Paracatu, em mais trinta anos de mineração a céu aberto na cidade e seu entorno, dados confirmados pela Environmental Protection Agency17, agência de proteção ambiental do governo americano, que estudou a fundo os custos sociais da contaminação ambiental por arsênio18.

Contudo, para efeitos processuais, dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Termos em que pede e espera deferimento.

Paracatu, 18 de agosto de 2009.

(1) Avaliação Econômica de Impactos de Projetos sobre a Vida Humana: Uma Análise Crítica da Teoria do Capital Humano - Claude A. M. J. Cohen (1) - Giovani V. Machado (2) - Maurício T. Tolmasquim (3). Disponível em: <http://www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/encontros/ii_en/mesa2/3.pdf>. Acessado em: 05 ago. 2009.(2) Ackerman F., Heinzerling L. (2002) The $6.1 Million Question. Working Paper No. 01-06, Global Development and Environment Institute. Tufts University, Medford MA 02155, USA. Disponível em: <http://ase.tufts.edu/gdae/publications/Working_Papers/0106%20revised6_1Million%20Question.pdf>. Acessado em: 06 ago. 2009.

17 Statement Of Phil Coleman - Environmental Protection Agency - Aging Initiative Public Listening Session - Pittsburgh, Pennsylvania - April 23, 2003 - Phil Coleman – Chair - Pennsylvania Chapter of the Sierra Club. Disponível em: <http://www.epa.gov/aging/listening/2003/pitt_coleman.htm>. Acessado em: 05 ago. 2009.

18 The Benefits and Costs of the Clean Air Act, 1970 to 1990 (EPA, 1997); Arsenic in Drinking Water Rule: Economic Analysis, December 2000 (EPA 815-R-00-026).

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HEITOR CAMPOS BOTELHO

OAB/MG 784-A

17 RELAÇÃO DE DOCUMENTOS ANEXOS:

• 01 – ESTATUTO DA FUNDAÇÃO ACANGAÚ• 02 a 05 – TRANSCRIÇÃO DE LEGISLAÇÃO PERTINENTE

• 06 – IMAGENS DE SATÉLITE E AÉREAS DA ÁREA DE MINERAÇÃO E DO MUNICÍPIO

• 07 – MATÉRIA DO JORNAL “ESTADO DE MINAS”, DE 13/07/2008• 08 – RELATÓRIO SUPRAMNOR

• 09 – EVIDÊNCIAS DE CONTAMINAÇÃO• 10 – LEVANTAMENTO PLANIMÉTRICO DA BACIA

HIDROGRÁFICA DO RIO ENTRE RIBEIROS• 11 – CASO BUCKHORN

• 12 – SAÚDE AMBIENTAL• 13 – ARSENOPIRITA

• 14 – ARSÊNIO NA ÁGUA• 15 – POLUIÇÃO DO SOLO

• 16 – REQUERIMENTO AO MUNICÍPIO• 17 – TESE DE DOUTORADO

• 18 – MANIFESTO DE PARACATU• 19 – EXEMPLO DE MONITORAMENTO

• 20 – CD-ROM CONTENDO O FILME DOCUMENTÁRIO “OURO DE SANGUE”, também disponível para ser assistido na internet em Inglês no sítio <http://www.bloodstainedgold.blogspot.com/> e em Português no sítio <http://www.ourodesangue.blogspot.com/>,

• ALÉM DE ARQUIVOS ELETRÔNICOS DOS DOCUMENTOS

AQUI ACOSTADOS

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18 DECLARAÇÃO DE COPYLEFT

AUTORIZO A PUBLICAÇÃO PELA EDITORA LIBER LIBER COMO FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, SEM FINS COMERCIAIS OU LUCRATIVOS, PODENDO SER INCLUÍDO

NAS EDIÇÕES PORTÁVEIS.

LAÍS RABELO DE SOUZA em [03/12/2010]

lais [email protected]

editoraliberliber.blogspot.comEDITORA LIBER LIBER (LIVRO LIVRE) É NOME DE

FANTASIA ADOTADA POR SERRANO NEVES PARA DIFUNDIR TEXTOS COMO FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

INTELECTUAL.Contato com o editor:

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