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AGRENER GD 2015
10º Congresso sobre Geração Distribuída e Energia no Meio Rural
11 a 13 de novembro de 2015
Universidade de São Paulo – USP – São Paulo
PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL NO BRASIL – ANÁLISE DE
BARREIRAS E POLÍTICAS
Vanessa P. Garcilasso, Fernando C. De Oliveira, Suani T. Coelho
Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio), Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289 – Cidade Universitária. 05508-010, São Paulo, SP
Resumo
Nos últimos anos, políticas de incentivo à produção de biodiesel no Brasil deram início à sua
inserção na matriz energética nacional através do Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel. Em 2005, a Lei nº. 11.097 determinou a introdução do biodiesel na matriz
energética brasileira e, recentemente, fixou o valor em 7% para o percentual mínimo
obrigatório de adição de biodiesel ao diesel fóssil. Apesar do importante avanço
proporcionado pela introdução do biodiesel no país, existem ainda muitas questões técnicas,
econômicas e socioambientais que precisam ser discutidas. Este trabalho tem como objetivo
discutir as barreiras e políticas públicas para efetivar a utilização do biodiesel na matriz
energética brasileira. Várias iniciativas de políticas de incentivos à elaboração de critérios de
sustentabilidade socioeconômica surgiram visando garantir a sustentabilidade do biodiesel,
porém, no Brasil, ele não tem se mostrado sustentável. Assim, nota-se a necessidade de
mudança e/ou revisão de algumas estratégias da política, visando mais pesquisa,
desenvolvimento e inovação para a produção de biodiesel no país, objetivando a redução de
custos, melhorias tecnológicas, maior inserção dos agricultores familiares na cadeia do
biodiesel através do fortalecimento de diversas matérias-primas.
Palavras-chave: biodiesel, sustentabilidade, políticas públicas.
Abstract
In recent years, policies to encourage biodiesel production in Brazil kicked off its insertion in
the national energy matrix through the National Program for the Production and Use of
Biodiesel. In 2005, Law No. 11,097 determined the introduction of biodiesel in the Brazilian
energy matrix and recently stipulated 7% for the compulsory minimum percentage of
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biodiesel addition to fossil diesel. Despite the important progress fostered by the introduction
of biodiesel in the country, there are still many technical, environmental, social and economic
issues that need to be addressed. This work aims to discuss the barriers and policies to
implement the use of biodiesel in the Brazilian energy matrix. Several policy initiatives
encouraging the development of economic and social sustainability criteria have emerged
with the aim of ensuring the sustainability of biodiesel. However, biodiesel in Brazil hasn't
been deemed sustainable. Thus, there is a need for a change and/or revision of some public
policies strategies that envision a better research, development and innovation for biodiesel
production in the country, aiming at cost reduction, technological improvements, greater
integration of family farmers, and strengthening of the productive chain of various feedstocks.
Keywords: biodiesel, sustainability, public policies.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, país em que quase metade da matriz energética é proveniente de fontes
renováveis (EPE, 2014), políticas públicas e privadas ganharam importância frente ao
desenvolvimento sustentável regional e a iniciativas que visem o uso sustentável dos
recursos naturais para a geração de energia.
As políticas voltadas para os biocombustíveis são criadas por inúmeras razões, dentre
as quais estão a futura escassez do petróleo, diversificação na matriz energética a fim de
reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, incentivo ao desenvolvimento econômico
na zona rural, além da redução das emissões de GEE.
No caso do biodiesel, a ideia é promover sua produção sob três pilares: ambiental,
social e técnico-econômico como parte de políticas energéticas ou de mudanças climáticas.
No entanto, na medida em que os países criam programas de biodiesel, há uma crescente
preocupação sobre os aspectos relacionados com sua sustentabilidade (RATHMANN ET
AL., 2012; JANSSEN e RUTZ, 2011). Políticas para efetivar sua utilização na matriz
energética brasileira ocorreram em diversos momentos, seja pela obrigação em diminuir a
dependência dos combustíveis fósseis ou por necessidade de uma alternativa limpa aos
combustíveis convencionais.
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Com a criação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), em
2004, os objetivos principais foram o de garantir a produção economicamente viável de
biodiesel e sustentar a utilização do recurso energético renovável na matriz, além de: (i)
regulamentar a operação do mercado desse biocombustível e estabelecer os percentuais
mandatórios do biodiesel no diesel; (ii) encorajar a diversificação das matérias-primas para a
produção de biodiesel em todas as regiões do país; e (iii) incorporar a agricultura familiar na
cadeia produtiva do biodiesel (VACCARO ET AL., 2010).
Segundo Padula et al. (2012), a introdução do biodiesel assume, então, uma estratégia
importante no desenvolvimento econômico e social do Brasil, baseada nas premissas de
redução da importação de diesel, desenvolvimento e criação de empregos nas áreas rurais
e redução dos impactos ambientais devido à utilização do combustível renovável. Porém, a
questão de sustentabilidade no país vem caminhando de forma lenta. Embora uma parcela
da população e do empresariado já tenha despertado certa consciência ambiental, muitas
empresas ainda visam apenas o lucro, deixando de lado os aspectos socioambientais por
não terem condições de executá-los, principalmente em função da falta de estrutura da
cadeia produtiva e do volume necessário de outras fontes de menor escala. Portanto, este
estudo se propõe a discutir as dificuldades econômicas e sociais que o biodiesel vem
enfrentando para que sua utilização sustentável seja definitivamente efetivada na matriz
energética brasileira.
2. BARREIRAS ECONÔMICAS E SOCIAIS
No aspecto econômico, a aquisição das matérias-primas representa mais de 85% no
custo total de produção do biodiesel no Brasil (ZONIN, 2008). No caso da soja, a demanda
global por alimentos determina seu preço; e seu óleo, por ser comestível, está sujeito a
conflitos relacionados com a segurança alimentar (VACCARO ET AL., 2010). Padula et al.
(2012) dizem que os custos de produção do biodiesel são fortemente influenciados pela
matéria-prima utilizada, pela capacidade produtiva das usinas e também pela incidência de
taxas e impostos. Além disso, a soja, apesar de ser a matéria-prima mais utilizada para a
produção de biodiesel no Brasil, possui um custo referente ao óleo in natura que é
semelhante ao custo do diesel produzido a partir do petróleo, já com os impostos incluídos.
Assim, o biodiesel a partir de óleo de soja só se torna economicamente competitivo com o
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diesel convencional se for adotada uma renúncia fiscal de cerca de US$ 0,22 dólares/litro
para o biodiesel.
Já pelo lado social, o PNPB possuía metas audaciosas para fortalecer a agricultura
familiar e assim garantir renda e desenvolvimento local. Infelizmente isso não ocorreu, com
inúmeras dificuldades para o uso da palma e da mamona como matérias-primas – vistas
como as mais promissoras para a inclusão social.
No caso da palma, apesar de sua elevada produtividade agrícola, há outros usos finais
com melhor custo de oportunidade nas indústrias alimentícia e química, além do Brasil ainda
importar esse óleo da Malásia para suprir a demanda interna de outros usos finais. Apesar
da iniciativa para desenvolvê-la no Pará, visando a produção de biodiesel, permanece a
dúvida se ela poderá efetivamente ser usada, como propõe Villela (2014). Ele sugere ser
possível o deslocamento, em bases sustentáveis, de pelo menos um milhão de hectares de
áreas de pastos na região Norte para a expansão da palma, proporcionando óleo suficiente
para zerar o déficit da balança comercial do setor e deslocar mais de 20% da demanda de
diesel prevista para a região, em 2022. Infelizmente, no momento, o óleo de palma ainda
não oferece a escala que a demanda interna de biodiesel necessita.
O caso da mamona foi mais complicado. Apesar do governo federal inicialmente
apostar em sua produção na região Nordeste, como importante geração de renda, esta
perspectiva não se concretizou. Assim como a palma, a mamona tem usos finais com
elevados custos de oportunidade que inviabilizam sua utilização para o biodiesel, apesar de
existirem trabalhos (PIRES ET AL., 2004; RIZZI ET AL., 2010) defendendo sua viabilidade
econômica. Além disso, houve dificuldades na capacitação dos pequenos agricultores da
região com relação ao plantio e colheita adequados, inviabilizando a sua produção.
De acordo com o projeto desenvolvido por CENBIO (2004), cujo objetivo foi o de
implementar um sistema de geração de energia a partir do óleo de mamona, em
Quixeramobim (Ceará), as dificuldades da colheita no momento adequado impediram a
produção de um óleo de qualidade. Neste ponto, Portela (2008) diz que a produção do óleo
de mamona ainda está muito aquém da realidade pretendida para esta oleaginosa.
Neste contexto, o governo federal criou o Selo Combustível Social (SCS), um conjunto
de medidas específicas visando estimular a inclusão social da agricultura familiar nessa
importante cadeia produtiva (MME, 2004). O SCS é um certificado concedido para os
produtores de biodiesel que adquirirem um percentual mínimo de matéria-prima de
agricultores familiares, celebrarem contrato entre eles – estabelecendo linhas de créditos e
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condições de entrega da matéria-prima – e prestarem assistência técnica aos mesmos.
Além disso, o Selo oferece benefícios fiscais para as usinas produtoras de biodiesel na
condição de que parte da matéria-prima (oleaginosa) seja proveniente de agricultura
familiar, e assim, incentivar sua maior participação na cadeia.
É importante ressaltar que o biodiesel de soja e gordura animal produzido por usinas
com o SCS pode ser vendido em leilões da ANP a preços bem elevados. A Petrobras deve
cobrir a diferença de custo para que o mesmo seja adicionado ao diesel e comercializado
nos postos ao preço do diesel (estes preços vinham sendo represados desde 2013, como
forma de controle dos índices inflacionários do país).
A partir da implementação do PNPB, os custos referentes à importação do metanol
cresceram vertiginosamente (Figura 1). Segundo Rathmann et al. (2012), o Brasil importa
metanol porque sua produção não é suficiente para atender a demanda interna.
Considerando que os gastos com o metanol importado para a produção de biodiesel foram
maiores que os gastos com a importação de diesel em 2009, conferindo um déficit comercial
líquido de 37 milhões de dólares (Tabela 1), a premissa de que a introdução de biodiesel
reduziria o câmbio estrangeiro não tem suporte.
Figura 1. Gastos do metanol importado no Brasil (RATHMANN ET AL., 2012).
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Tabela 1. Produção, importações, custos e balança comercial da cadeia de produção
de biodiesel no Brasil em 2009 (RATHMANN ET AL., 2012).
Diesel
Consumo (mil m3) 44.763
Importações (mil m3) 3.513
Custo com importações (mil US$ FOB) 1.672.498
Biodiesel
Produção (mil m3) 1.608
Produção pela via metílica (mil m3) 1.535
Produção pela via etílica (mil m3) 73
Metanol
Importações totais (mil m3) 457
Custo com importações (mil US$ FOB) 292.125 Demanda para a produção de biodiesel (mil m
3) – 10% da produção pela via metílica 153
Percentual de metanol importado para produzir biodiesel 33.5%
Resultado da balança comercial para produção de biodiesel
Custo da importação de metanol para produção de biodiesel (mil US$ FOB) 97.922 Percentual de poupança de diesel inferior às importações com a produção de biodiesel 3,6% Economia de divisas de diesel com a produção de biodiesel (mil US$ FOB) 60.042 Balança comercial da cadeia produtiva de biodiesel (mil US$ FOB) -37.879
Além das isenções e incentivos oferecidos pelo SCS, alguns dados e resultados sobre
a estrutura desse mercado parecem revelar a existência de subsídios também nesta fase de
produção. O preço pago ao biodiesel nos leilões da ANP tem sido consistentemente superior
ao preço do diesel fóssil produzido pelas refinarias. A diferença entre os valores pagos
sugere haver "subsídio” aplicado a este setor (PADULA ET AL., 2012). No entanto, sabe-se
que é necessário que a cadeia produtiva do biodiesel seja bem desenvolvida para garantir a
quantidade e a qualidade do produto.
A cadeia de abastecimento desse biocombustível no Brasil é composta por três
processos integrados – oferta, produção e distribuição – que oferecem a base para o
fornecimento de matérias-primas, a conversão em biodiesel e a distribuição do produto final.
Grande parte da cadeia é impulsionada pelo governo por meio de iniciativas e controles que
visam atingir os objetivos sociais, intervindo na forma de como os agentes econômicos
devem exercer atividades na cadeia de abastecimento (PADULA ET AL., 2012).
Porém, a inserção do pequeno agricultor na cadeia é realizada de maneira modesta.
Mesmo assim, ela só é garantida porque parte do volume comercializado nos leilões é
reservado para a empresa que tem o SCS (PADULA ET AL., 2012). Em outras palavras, as
principais barreiras existentes para a efetivação da inserção da agricultura familiar na cadeia
produtiva do biodiesel são: (i) a maior parte do biodiesel produzido vem do óleo de soja e de
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gordura animal – além dos baixos custos, os produtores já possuem uma cadeia
estabelecida e bem desenvolvida através da curva de aprendizado que tiveram com a
produção de óleos vegetais; (ii) ausência de organização por parte dos agricultores
familiares, dificultando a comercialização de sua matéria-prima.
Rathmann et al. (2012) analisaram as metas e os resultados do PNPB nos primeiros
cinco anos de sua existência e observaram que a geração de renda e o emprego dos
trabalhadores do setor na região Nordeste diminuíram, sendo que grande parte em função
da existência de outros programas de transferência de renda, como o “Bolsa Família”. A
falta de escala foi outro problema para a mamona, fazendo com que a soja fosse a principal
matéria-prima adotada também naquela região. Isso se deu pela baixa produtividade da
mamona, alta irregularidade sazonal, ineficiência de assistência técnica e instabilidade de
preços, dentre outros motivos (CESAR e BATALHA, 2010).
Garcez e Vianna (2009) afirmam que a obtenção do SCS demonstra a existência do
conflito entre o desejo de incluir os agricultores familiares na produção de biodiesel e os
interesses do agronegócio brasileiro, sugerindo que a agricultura familiar não foi capaz de
competir com o agronegócio para garantir o fornecimento de matérias-primas para a
indústria desse biocombustível.
3. BARREIRAS AMBIENTAIS
A maior justificativa para o uso de biocombustíveis (o biodiesel em particular) é em
relação à redução dos gases de efeito estufa. De acordo com estudos realizados por
Rathmann et al. (2012), a utilização de 100% de biodiesel metílico de soja (B100) incorre em
um percentual de redução de GEE de 78,5% em relação ao diesel mineral; de 15,6% para o
B20; e em torno de 3,9% para o B5. Consequentemente, a utilização do biodiesel no
transporte urbano melhora a qualidade do ar das grandes metrópoles devido à ausência de
enxofre na sua composição e da redução de materiais particulados. A tendência de maiores
emissões de Óxidos Nitrosos (NOx), como em toda combustão de biomassa, é reduzida
com o emprego de catalisadores adequados.
O Grupo de Trabalho Interministerial: Biodiesel – GTIB produziu um relatório em 2003,
no qual afirmava que a estratégia de utilização do biodiesel em regiões com conglomerados
populacionais deveria ser priorizada, pois os motores a diesel são responsáveis por
aproximadamente 70% da poluição atmosférica no país (WEHRMANN ET AL., 2006).
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Assim, além do transporte, o biodiesel é utilizado em outros setores como o de geração de
energia elétrica em motores estacionários e em navegações que utilizam óleo de baixa
qualidade nas embarcações. Portanto, o potencial do biodiesel em mitigar as mudanças
climáticas através da redução de CO2 depende do ciclo de vida dos combustíveis, o que não
ocorre adequadamente no biodiesel de soja nem no de gordura animal (CENBIO, 2013).
Isto significa que são necessários regulamentos para motivar o uso de boas práticas
agrícolas e industriais, e de matérias-primas adequadas – a política do PNPB atualmente
não considera adequadamente essas questões, sendo necessária sua modificação a fim de
que os critérios ambientais sejam adicionados ao SCS (GARCEZ e VIANNA, 2009).
4. PROPOSTAS DE POLÍTICAS PARA MAIOR SUSTENTABILIDADE NA
PRODUÇÃO DE BIODIESEL NO BRASIL
Várias iniciativas de políticas de incentivos à elaboração de critérios de
sustentabilidade econômica e social surgiram com o objetivo de garantir a sustentabilidade
do biodiesel. Apesar da redução de tributos, oferta de crédito com menor custo financeiro
aos produtores e subsídios que cobrem custos mais altos do biodiesel em relação ao diesel,
o biodiesel no Brasil não tem se mostrado sustentável. Assim, é necessário que haja alguma
mudança e/ou revisão nas estratégias de políticas públicas que tornem sustentável a
produção e uso desse biocombustível no país.
Algumas destas políticas dependem da ação do governo e devem ser analisadas,
como: (i) a capacidade ociosa muito grande na produção de biodiesel no país – acima de
50% em 2014 (ANP, 2015); (ii) os benefícios atribuídos ao SCS parecem servir menos aos
agricultores familiares do que aos produtores de biodiesel; (iii) há discrepâncias entre os
objetivos do PNPB e os resultados alcançados desde o início do programa.
É preciso que haja mudanças e/ou revisões em algumas estratégias, visando mais
pesquisa, desenvolvimento e inovação para a produção de biodiesel com o objetivo de
reduzir os custos de produção e proporcionar melhorias nas tecnologias do processamento;
maior inserção dos agricultores familiares das regiões Norte e Nordeste; fortalecimento da
cadeia produtiva de outras matérias-primas (ex.: mamona, dendê, óleos residuais); inclusão
de variáveis que visem boas práticas agrícolas e contribuam para a redução no uso de
pesticidas, fertilizantes e agrotóxicos. Assim, sugere-se revisão das políticas a seguir.
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4.1 Políticas de P&D para Incentivar a Produção do Biodiesel via Rota Etílica
Um dos objetivos do PNPB visava a menor dependência dos combustíveis fósseis.
Entretanto, mais de 90% do biodiesel produzido no Brasil usa o metanol – que é fóssil. Ou
seja, o país diminui os custos de importação do óleo diesel, em contrapartida, os custos com
a importação do metanol aumentam e assim a conta da balança comercial não fecha. Por
isso é estratégico para o Brasil utilizar o etanol para a produção de biodiesel, para que a
balança comercial se torne mais equilibrada e o biocombustível mais limpo. Porém, será
preciso investimentos em pesquisa e desenvolvimento que viabilize técnica e
economicamente o processo de produção de biodiesel pela rota etílica.
4.2 Políticas de P&D para a Implementação e Uso de Outras Tecnologias
É possível produzir biodiesel em colunas de destilação reativa, cuja técnica já existe há
algum tempo na indústria química, embora recente na produção de biodiesel. Fazer a
reação para a produção de biodiesel e a separação dos produtos em um mesmo
equipamento diminui os custos de instalação e operação de uma usina. Outra vantagem da
destilação reativa é a possibilidade de se utilizar qualquer matéria-prima, independente de
sua acidez. Entretanto, poucos estudos sobre esta tecnologia têm sido desenvolvidos. Os
casos existentes, ainda necessitam de aprimoramento. Sendo assim, propõem-se, então,
políticas de pesquisa e desenvolvimento que incentivem o uso desta tecnologia e de outras
que possam viabilizar a produção de biodiesel no país.
4.3 Políticas de Incentivo para o Uso de Óleos Residuais de Fritura
Esta política propõe-se a incentivar o uso de óleo residual de fritura pelas indústrias,
de uma maneira economicamente viável, com os cuidados referentes à qualidade do óleo
coletado, uma vez que pode conter partículas de água e de alimento, além de misturas de
diferentes tipos de óleos comestíveis que prejudicam a produção do biodiesel. Neste caso,
propõe-se também a criação de programas que aumentem a informação da população
sobre a importância de não descartar esse óleo no lixo ou na pia, além da maneira
adequada de armazená-lo, permitindo uma logística eficiente na coleta e produção do
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biodiesel. Vale ressaltar que essa matéria-prima tem menos influência sazonal e de fatores
externos, como os climáticos, quebra de safra, e custo de oportunidade, entre outros.
4.4 Políticas para a redução no custo de produção de biodiesel
Conforme mencionado anteriormente, há fatores relacionados aos custos de produção
de biodiesel, tais como o elevado custo da matéria-prima utilizada (que corresponde a cerca
de 85% do custo total de produção), escala das usinas, taxas e impostos. Como há
vantagens ambientais do biodiesel sobre o diesel, algumas medidas são necessárias para
reduzir seu custo de produção: (i) melhorias nas tecnologias de processamento das culturas;
(ii) melhorias e incentivos tecnológicos para o processo produtivo; (iii) investimentos em
pesquisa, desenvolvimento e inovação em culturas oleaginosas com potencial para o uso na
produção de biodiesel; (iv) investimentos na produção de biodiesel de segunda geração
(microalgas), mitigando também a questão do desmatamento; (vi) criação de outros
mecanismos que ajudem na redução de impostos e tarifas incidentes sobre sua produção.
4.5 Políticas para Eliminar os Subsídios dos Combustíveis Fósseis
Para o biodiesel se tornar ainda mais competitivo, é necessário discutir e introduzir
políticas que descontinuem os leilões a preços garantidos. O objetivo dos leilões é aferir
suporte econômico à cadeia de produção de biodiesel e continuar com o atendimento das
diretrizes do programa brasileiro desse biocombustível. Porém, o biodiesel comercializado
nos leilões tem preço bastante alto. Uma opção seria o biodiesel ser comercializado
diretamente dos produtores, assim como acontece com o álcool anidro.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi o de apresentar e discutir as barreiras e políticas para
efetivar a utilização do biodiesel na matriz energética. Apesar da soja e da gordura animal
representarem mais de 95% das matérias-primas utilizadas para a produção de biodiesel no
Brasil, é necessário viabilizar a inserção de outras oleaginosas na cadeia produtiva.
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Entretanto, para que isso aconteça, é preciso que haja avanços tecnológicos através da
pesquisa e desenvolvimento que deem suporte ao plano de expansão do biodiesel no país.
Embora o Brasil possua ampla diversidade de insumos agrícolas para a produção de
óleos vegetais, e consequentemente para a produção de biodiesel, muitas culturas ainda
não possuem plantios comerciais, nem cadeia produtiva organizada como a da soja. Além
disso, os óleos vegetais possuem outros tipos de uso que podem acabar sendo mais
rentáveis que o da produção de biodiesel. O óleo de palma é um exemplo. As barreiras
econômicas relativas aos seus outros usos finais apresentam altos custos de oportunidade e
dificultam seu uso para a produção de biodiesel. O mesmo acontece com o óleo de mamona
que, além de ter um mercado (cosmético e farmacêutico) muito mais rentável, ainda
apresenta dificuldades técnicas (viscosidade acima da exigida) e propriedades químicas que
interferem na reação da produção de biodiesel.
Outra possibilidade é a utilização dos óleos residuais de fritura para a produção de
biodiesel. Entretanto, por ser um óleo de baixa qualidade e possuir muitos resíduos
deixados pela fritura, é necessário tratá-lo antes de ser utilizado como matéria-prima – o que
incorre em custos adicionais no processo de transformação.
A literatura mostra que o impacto ambiental decorrente da produção de biodiesel no
Brasil tem um lado negativo, em que altas produções podem aumentar as emissões de CO2
e de outros gases de efeito estufa provenientes da agricultura (pelo uso de fertilizantes e
mudanças diretas e indiretas no uso do solo), bem como um lado positivo, caracterizado
pela redução de CO2 quando da substituição do diesel fóssil pelo biodiesel.
Portanto, diante das análises consideradas neste trabalho, e aqui apresentadas,
observa-se que o PNPB ainda tem um longo caminho a percorrer. Apesar de alguns
benefícios atribuídos ao programa, algumas questões devem ser consideradas para que o
biodiesel se torne definitivamente sustentável no Brasil; dentre elas, a discrepância entre os
objetivos inicialmente propostos pelo governo e os resultados alcançados até hoje, como a
baixa inserção social, a carência de matérias-primas alternativas à soja e à gordura animal,
além do baixo impacto no desenvolvimento regional.
As barreiras ainda encontradas demonstram a necessidade de mudanças nas
estratégias adotadas, considerando a utilização de novas tecnologias e o aprimoramento
das existentes, além da inserção da agricultura familiar, sobretudo nas regiões Norte e
Nordeste, e do incentivo às matérias-primas alternativas de menor impacto ambiental.
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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